PĂŠ no chĂŁo deste Brasil! Sylvia Orthof
Ilustradora Larissa Ribeiro
PĂŠ no chĂŁo deste Brasil! Sylvia Orthof Ilustradora
Larissa Ribeiro
1 a Histรณria A onรงa de Vitalino 2 a Histรณria Pinguilim,voz de flautim 3 a Histรณria Ave alegria
Sumรกrio .......................
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Vitalino foi mestre de verdade.
Com sua arte tirada do barro do sertão, fez gente, fez bicho, e muito mais. Suas onças, noivos e padres andam na boca do povo...
*Mestre Vitalino Pereira dos Santos (1909-1963) foi um artesão do sertão pernambucano que ficou famoso por esculpir cenas do cotidiano em que vivia. Hoje sua obra pode ser vista em museus como o de Belas Artes, no Rio de Janeiro, no Museu do Homem do Nordeste, em Recife, e até no Louvre, em Paris.
A
A onça de Vitalino
li, no Alto do Moura, Caruaru do Sertão, está o Mestre Vitalino que tira arte do chão. Ele inventa as mil históriasdas terras de Pernambuco, no barro ele reinventa, faz do barro a sua lenda! De repente, num miado, pulou pra fora do barro uma onça desvairada,
E ela corre pelo chão, corre, corria, pulava, o presente e o passado na onça se misturavam? Seus passos riscam ligeiros as rotas lá do Nordeste. Que onça “cabra da peste”!
Esbarrou nuns cangaceiros*? Lampião, chefe machão do bando lá dos bandidos, apontou sua espingarda, dizendo: - Deixem comigo! Aqui, por este Sertão, não tem macho, nem tem onça que possa com Lampião! A onça, que era braba, arrancou, ali da cara, os óculos do valentão... que, de um olho via mal, do outro, nem enxergava. Que bote sensacional!
* Bandidos armados que percorriam o sertão nordestino entre meados do século XIX e início do século XX, defendendo interesses próprios ou de pessoas mais poderosas. Lampião, o cangaceiro mais famoso da história, chamava-se Virgulino Ferreira da Silva (1897-1938).
Depois, a onça-pintada fugiu, sem mostrar a pista, num salto, pulou no colo de um homem boquiaberto que estava no dentista. O homem teve um chilique, caiu e perdeu seu dente. A onça disse, sorrindo:
- Doutor, já fiz o serviço da boca do seu cliente!
E saiu em correria, correu muito, muito, até que encontrou a Sofia que casava com o Mané.
A noiva, toda de branco, o noivo, muito engomado, o padre e o coroinha, tudo certo e organizado. Dois violeiros cantavam na igreja, ave-maria, quando se ouviu a voz miada, muito brava, da onรงa...Que correria!
O noivo fugiu com a noiva, atrás iam os convidados, toda a gente num galope, montando os seus cavalos! O padre berrou de longe: - Amém, vocês estão casados! Ficar no altar com onça! Cruz-credo, isso é pecado!
A onça fugiu, zangada. Sua voz não agradara? Miara e desafinara?
A noite chegou bailando na dança do pastoril *, bate o pé em rodopio, pé no chão deste Brasil! A onça acendeu seus olhosque pareciam lanternas, a festa rodopiava por baixo de um céu de estrelas! É azul, é encarnado, pastoras, cetim e fita, a onça entrou na dança, quem dança, na roda fica!
* Manifestação folclórica, típica do nordeste do Brasil, composta de encenações, cantos e danças.
Veio o Mestre Vitalino que as belezuras criou, trouxe um monte de oncinhas que a dona Onรงa adotou. Saiu do barro inventado, entrou na boca do forno, pintou onรงa na histรณria, quem quiser, pinte de novo!
Tadeu, o violeiro, inventa história de comida com urubu assado, pum de mosquito, meleca apimentada. Todos têm chilique e ele ainda diz que não tem culpa de nada.
M
Pinguilim, voz de flautim
eu amigo é um tico-tico pequetito. O seu nome é Pinguilim, voz de flautim. Fui tocar minha viola na cantiga, meu chapéu coçou a lua... na barriga! Meu chapéu voou tão alto, deu um salto, eu voei com meu chapéu, pisei no céu! Tico-tico Pinguilim voou com a gente, sua voz de passarim era excelente, parecia voz de flauta, de flautim, sabiá de tico-tico é Pinguilim!
Lua Nova veio chegando, prateada, sua roupa muito acesa, iluminada, cavalgava no galope de um burrico, atrás dela muita estrela e periquito. Todo o céu estremecia na cantiga, a viola e Pinguilim, não sei que diga, na areia de estrelas dancei ciranda, meu chapéu estava doidinho, ia de banda! De repente, num tufão, numa vassoura, chegou Felina, a escandalosa bruxa louca, chutou estrelas, cuspiu na lua, soprou planetas, quando espirrava ela soltava borboletas!
A tal Felina é uma bruxa barra-pesada, tem quatro pernas e uma vassoura arrepiada, usa perfume de naftalina, roupa de trapo, quando cozinha, é feiticeira de fino trato.
A sua sopa, que ela tempera numa tina, tem pó de mico, rato frito em gelatina, tem espinafre com meleca apimentada, pipi de pulga, chulé de sapo, em coalhada. A sopa quente é por demais amalucada, é o avesso da varinha de uma fada, tem urubu assado e cru, tosse enlatada, sovaco frito, pum de mosquito e feijoada. O passarinho Pinguilim provou da sopa, deu um ataque, soltou um traque, teve um achaque, perdeu a voz, cantou pra dentro, garganta rouca, e despencou, em asa aberta, num voo delta! E dona Lua experimentou, depois inchou, ficou tão cheia, Lua imensa, que Lua obesa, caiu do céu pedindo água de sobremesa! E Henriqueta, a borboleta, deu uma cheirada, virou barata, cruzou as patas, arrepiada. E eu, Tadeu, fiz do chapéu meu paraqueda, pulei do alto, num baita salto, que bruta queda!
Quando cheguei, caí por cima de uma lagoa, sentei no colo da Lua Cheia... Que coisa boa! A Lua gorda estava boiando, me esperando, dentro da água ela inventava de ser canoa! O passarinho caiu no lago, virou sardinha, depois cantou, acompanhei com a violinha. Já vou m'embora, chegou a hora, eu vou pra feira, lá no mercado pedir trocado, dizer besteira, levo a sardinha dentro da água do meu chapéu, e a sardinha, que é Pinguilim, canta mais eu! Esta história, toda ensopada, chegou ao fim, foi inventada por Pinguilim, voz de flautim!
Pé no chão deste Brasil!, traz histórias do sertão brasileiro, contadas por Sylvia Orthof. Histórias inspiradas em personalidades brasileiras como o Mestre Vitalino, famoso artesão pernambucano, e também histórias inventadas e bem brasileiras. Podemos sentir o gostinho do Brasil através das ilustrações de Larissa Ribeiro, com comidas da terra brasileira.