cidade teia-de-aranha: controle na não cidade

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CIDADE TEIA-DE-ARANHA

controle na não cidade



CIDADE TEIA-DE-ARANHA

controle na não cidade

Por: Larissa Troyack Orientador de atividade I: Ricardo Ramos Orientador de atividade II: Angelo Cecco

Trabalho Final de Graduação Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo São Paulo, 2021



AGRADEÇO À minha família, em especial aos meu pais Enrique e Pa-

tricia, por todo amor e carinho; à minha irmã Luana pelas conversas e incentivos e à minha avó Maria, pelo abraço e histórias divertidas.

Ao Lucas, por sempre acreditar em mim e apostar nas minhas ideias; por me ajudar e aconselhar; pelos dias a fio fazendo maquete. À grandes amigos e amigas, em especial à Giuliana Guastavino pela cumplicidade e risada, ao Nicholas Kirimis por compartilhar o amor à música e à todas as conversas aleatórias, à Andressa Sampaio pelas longas explicações sobre direito penal e pelos planos futuros, ao Lucas Sanchez pelas noites de queijos, vinhos e runas, à Beatriz Camargo por me acompanhar pelo mundo, à

Beatriz Vicentin pelas longas e sinceras trocas, à Cristina Kesselring, Isabella Previti e Juliana Gilardino pela escuta, companheirismo e caminhada desde o primeiro dia de faculdade. Ao DAFAM eu agradeço pelas memórias criadas, pelo espaço acolhedor e pelas pessoas que o fazem transbordar vida.


Agradeço a todos e todas do grupo de pesquisa Cidade e Arquitetura e Filosofia, por me fazerem refletir diariamente ao compartilharem seus conhecimentos e experiências. Em especial ao Igor Guatelli e ao Guilherme Wisnik por aceitarem o convite da banca. Às professoras e professores da FAU Mackenzie que estimulam o pensamento crítico e trazem para os espaços físicos (e atualmente virtuais) a força da profissão. Ao Angelo Cecco por toda a generosidade e por mostrar a potência que existe em ser professor, ao Igor Guatelli pelas conversas instigantes e por trazer a complexidade de se fazer arquitetura, ao Ricardo Ramos pela orientação e ensinamentos, ao Luiz Eduardo por auxiliar na construção da estrutura, ao Sérgio Salles por contribuir na construção das experimentações, ao Luciano Margotto por trazer a poesia que existe na arquitetura, ao Celso Sampaio por trazer a importância do processo por meio de experimentações, e à Lizete Rubano por impulsionar a mudança por meio da educação.


APRESENTAÇÃO | P. 6

01 A NÃO CIDADE | P. 10 SISTEMA ADOECIDO | P. 18 ESTRUTURAS DE PUNIÇÃO E VIGILÂNCIA | P. 23 COMPLEXO INDUSTRIAL-PRISIONAL | P. 32 FÁBRICAS | P. 52 CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS | P. 57 EDUCAÇÃO | P. 64

02 O RESÍDUO | P. 74 A SOBRA | P. 88

03 OS QUATRO PLANOS DE CONSISTÊNCIA | P. 102 PRIMEIRO PLANO | P. 106 SEGUNDO PLANO | P. 124 TERCEIRO PLANO | P. 142 QUARTO PLANO | P. 158

CONSIDERAÇÕES FINAIS | P. 173 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS | P. 177


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APRESENTAÇÃO A realização deste Trabalho Final de Graduação partiu

de algumas áreas de interesse que à primeira vista eram distantes mas que em algum momento se cruzaram de diferentes maneiras e intensidades. Durante um intercâmbio em 2019 pude conhecer o Campo de Concentração Sachsenhausen, em Berlim, e lá foi a primeira vez que tive contato de fato com o que era o panoptismo. Essa visita foi uma importante alavanca para que eu começasse a questionar os diferentes tipos de aprisionamento em diversas sociedades e tempos. Esse tema me levou a ler “Vigiar e Punir” de Michel Foucault, que se tornou um alicerce fundamental para essa pesquisa. Concomitantemente a isso, procurei me aprofundar no sistema carcerário brasileiro, que era inicialmente minha base de interesse para o TFG. Ao ler “Vigiar e Punir”, pude entender que o sistema panóptico não está presente apenas nos modelos de aprisionamento convencionais, mas em diversas estruturas da sociedade. A compreensão desse preceito foi fundamental para que eu começasse a elaborar a pesquisa.

Fazendo uma digressão a 2018, quando cursei a disciplina de Projeto VII - cidade e teoria, pude experimentar, a par-


tir dos temas apresentados pelo professor Igor Guatelli, potências que podem ser reveladas quando arquitetura e teoria são interseccionadas. No ateliê de projeto, coordenado pela professora Lizete Rubano, me debrucei, juntamente com alguns colegas, sobre um tema caro à cidade: as lutas parcelares que surgem em resposta às lógicas hegemônicas. Me aprofundei no tema das ocupações realizadas pelos secundaristas nas escolas públicas entre 2015 e 2016. Essas temáticas, que me foram tão importante na época mas estava adormecida das minhas ideias a quase dois anos, foram de suma importância para a realização do trabalho.

O território a qual a pesquisa se inclina fez parte do meu cotidiano durante cinco anos no período de graduação. Em um primeiro momento, a Rodovia Raposo Tavares não era um espaço que me chamava atenção; apesar de eu atravessá-la todos os dias, ela parecia um lugar irrelevante. E foi essa indiferença em relação a ela que me capturou momentos depois. Ao ler “As cidades invisíveis” de Italo Calvino, encontrei alguns pontos de convergência da cidade de Otávia, presente no livro, com a rodovia em questão. Algumas correspondências entre o texto e o território foram sendo criadas e eu pude perceber que existe um espaço muito mais complexo do que apenas uma via expressa, e essa complexidade passa por penitenciárias, fábricas, condomínios residenciais e escolas profundamente ativas nos movimentos estudantis.

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8 Por fim, a disciplina prática de canteiro e experimentações, lecionada pelo professor Celso Sampaio despertou meu interesse em uma arquitetura que eu pudesse estudar métodos construtivos através de experimentações por meio de maquetes e protótipos no canteiro de obra. Por decorrência da pandemia, não foi possível utilizar o canteiro da FAU Mackenzie, mas pude realizar algumas maquetes de estudo em casa. Os pontos de contato e atravessamento entre os temas será aprofundado ao longo desse texto que permanece em constante construção.


Se quiserem acreditar, ótimo. Agora contarei como é feita Otávia, cidade-teia-de-aranha. Existe um precipício no meio de duas montanhas escarpadas: a cidade fica9 no vazio, ligada aos dois cumes por fios e correntes e passarelas. Caminha-se em trilhos de madeira, atentando para não enfiar o pé nos intervalos, ou agarra-se aos fios de cânhamo. Abaixo não há nada centenas e centenas de metros: passam algumas nuvens; mais abaixo, entrevê-se o fundo do desfiladeiro.

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Essa é a base da cidade: uma rede que serve de passagem e sustentáculo. Todo o resto, em vez de se elevar, está pendurado para baixo: escadas de corda, redes, casas em forma de saco, varais terraços com a forma de navetas, odres de água, bicos de gás assadeiras, cestos pendurados com barbantes, monta-cargas, chuveiros, trapézios e anéis para jogos, teleféricos, lampadários vasos com plantas de folhagem pendente. Suspensa sobre o abismo, a vida dos habitantes de Otávia é menos incerta que a de outras cidades. Sabem que a rede não resistirá mais que isso. CALVINO, 1990, p. 71


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A cidade teia-de-aranha sobrevive vazia, sem contexto ou história. Não é uma cidade para ser vivida, e sim para atravessá-la sem olhar para trás. O abismo que se apresenta sob ela é multifacetado, tanto territorialmente quanto socialmente. A área de pesquisa situa-se na zona oeste de São Paulo, divisa da capital com outras cidades da região metropolitana; o espaço composto por fronteiras territoriais, contém em sua essência uma certa indefinição do que é e a quem pertence. Localizada entre os quilômetros 19 e 20 da Rodovia Raposo Tavares, esse é o território vazio composto por teias a qual entraremos mais a frente. O entroncamento da via com o Rodoanel aponta a divisa entre a capital paulista e a cidade de Osasco; é uma área de limites em que não se alcançam com eficácia as políticas públicas de nenhum dos municípios envolvidos. Ali não existe cidade, mas resíduo de um território fragmentado, uma não cidade1. 1 A área de estudo detém uma certa influência pósmetrópole tratada por Cacciari no livro “A Cidade”, mas movimenta-se além dela. Não se trata de um território em rápida transformação destruindo as memórias de uma

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I. Área de pesquisa II. Área de pesquisa aproximada

Esse trecho da cidade cresceu servindo de reprodução do capital e ignorando a possibilidade de existência de espaços públicos e de escala local. De acordo com Souza (2011), nos anos de 1970, um dos períodos mais sombrios da ditadura militar, houve por parte do Governo Federal e do Estado de São Paulo, incentivo às empresas se realocarem em sentido ao Oeste Paulista. À vista disso, novos estabelecimentos começaram a ser formados ao longo de rodovias como a Raposo Tavares; ao expandir esses sistemas, a metrópole tornou-se onipresente quando passou a contar com maior alcance. Esse território é, desde sua formação, apenas um utensílio da cidade composto por uma via central e seus anexos circundantes. cidade como o autor expõe. Ali nunca existiu história, mas um conjunto de construções entre o urbano e rural que foi se levantando num completo vazio, por isso opera como uma não cidade.


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III. Sopreposição de camadas: em amarelo o centro de São Paulo, em cinza o território de pesquisa

A imagem a seguir é uma sobreposição de camadas de duas áreas distintas da cidade; o plano amarelo é o centro antigo de São Paulo, uma malha mais cartesiana com quadras de tamanho e forma similares e lotes menores. A camada destacada em cinza é um trecho do território de estudo; além da quase inexistente formação de quadras, as edificações possuem grandes dimensões, com uma escala muito diferente do que observamos no centro de São Paulo, comunicação limitada com a rua e configuração aparentemente aleatória. As diversas faixas de indefinição do que é esse lugar de fronteiras será aprofundado mais a frente.

Quando se observa brevemente a morfologia do território de estudo, percebe-se que os edifícios, dispostos


Imensos caixões e espigas bege que ocupam milhares de metros quadrados são jogados no espaço e brotam como ervas daninhas da noite para o dia. O espaço físico é dominado por contenedores2 que amanhã podem já não estar ali; não permite que crie ou conserve memórias do passado. Aqui, a arte da arquitetura é desnecessária; não há um pensamento por trás das construções ali postas senão o mero funcionamento de um sistema já encadeado; a fachada, que se limita a um caixote metálico ou um elevado sem expressão, com poucas e pequenas janelas, é sempre afastada da possibilidade de contato com a rua. É impossível alcançar o interior desse objeto, assim como quem ali se situa, pouco se importa com o que ocorre do lado de fora. Aquelas cápsulas, aparentemente estáveis, levantadas em dias ou meses, possuem qualidade duvidosa; não se sabe exatamente como foram construídas, mas quando menos se espera estão ali. 2 Os contadores aparecem no livro A Cidade, de Massimo Cacciari, como as novas construções maciças de pobreza simbólica, colocadas aparentemente de maneira arbitrária e com propriedades fixas.

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à primeira vista de forma arbitrária e desconexa, parecem não corroborar para que haja possibilidades outras senão aquela, produzindo resultados assombrosos. É possível criar um paralelo ao espaço-lixo em que Koolhaas (2014) descreve que sua criação é dada através do empilhamento de matérias unidas para formar uma sólida totalidade nova, estruturando um emaranhado de confusões subdivididas que funde o elevado com o mesquinho.


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IV. Colagem: camadas da Raposo Tavares V. Lote (setembro de 2010) | Fonte: Google Earth VI. Lote (julho de 2011) | Fonte: Google Earth


18 A Rodovia Raposo Tavares e o Rodoanel são, numa analogia a essa pesquisa, as passarelas que Calvino (1990) nos aponta ao narrar a cidade de Otavia; estão acima das lógicas locais cuja existência é suprimida por aquelas grandes caixas em um desarranjo arrastado pelas autoestradas. As ruas secundárias tornaram-se um resíduo, não gozam de nenhuma relevância senão a singela participação de um segmento improvisado comprimido entre os vastos blocos. É um território de margens e passagem, com pretensões quase que exclusivamente utilitárias, “é um mundo de olhar-e-não-tocar”3, por isso não nos permite parar. E é nesse lugar repleto de espaços vazios que as lógicas hegemônicas se veem na condição de fomentar um sistema adoecido e instalar instituições de vigilância e opressão; temas que serão discutidos a seguir.

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SISTEMA ADOECIDO A sociedade de mercado a qual estamos inseridos só considera um ser humano útil quando está produzindo. Quando ele não produz e passa a ser uma despesa, pode ser descartado; o capitalismo tornou-se um instrumento 3 Koolhaas (2014, p.108) se utiliza desse termo ao caracterizar o espaço-lixo.


de produzir condições para deixar viver ou morrer, e isso constitui os limites da soberania. A distância absoluta em relação às populações vulneráveis expõe a indiferença sofrida por este grupo. Ela é a condição para o extermínio desses sujeitos, uma vez que eles já não são mais lembrados. A morte passa a ser banal e seu limite abandonado4.

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No livro “A vida não é útil”, Ailton Krenak (2020)

4 Ao evocar Michel Foucault, Ailton Krenak no livro “A vida não é útil” traz à tona a questão da utilidade humana no contexto neoliberal. Essa condição é ditada pelo poder soberano através da produção da morte , tema tratado por Achille Mbembe em seu texto “Necropolítica”.

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A formação do Estado contemporâneo traz consigo alguns processos de dominação, o controle da vida. O neoliberalismo leva essa ideia a outro patamar; os lugares passam a ser geridos não pela suspensão da morte, mas pela produção da mesma. A administração produz o estado de exceção, suspende leis e cria decretos que legitimam o genocídio de parte da população. Para Mbembe (2016, p.125) “a política é, portanto, a morte que vive uma vida humana. Essa também é a definição de conhecimento absoluto e soberania: arriscar a totalidade de uma vida.” O Estado não supera o conflito entre os homens, e sim o oposto; ele fomenta a dominação da classe dominante sobre a população em situação de vulnerabilidade. A sociedade brasileira só pode ser explicada e compreendida se a desigualdade econômica e poder político forem levados em consideração.


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KRENAK, 2020, p. 66

aponta o conceito de necrocapitalismo, de Suely Rolnik. O capitalismo já não mais necessita de materialidade das coisas para exercer sua soberania, agora tudo pode se tornar em uma fantasia financeira “ e fazer de conta que o mundo está operante, ativo, mesmo quando tudo estiver entrando pelo cano” (KRENAK, 2020, p. 68). Ideias são vendidas, inclusive a que nós podemos reproduzir a vida e a natureza em ambientes artificiais produzidos por grandes corporações. A gente acaba com tudo e depois faz outro, a gente acaba com a água doce e depois ganha um dinheirão dessali-

nizando o mar, e, se não for suficiente para todo mundo, a gente elimina uma parte da humanidade e deixa só os

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consumidores.

O necrocapitalismo permite que tudo seja capitalizado, inclusive o intangível, e essa é uma das principais causas da crise ecológica. Por não depender mais de uma unidade material para exercer seu poder, sua força atinge desde a escala micro e subjetiva até uma proporção planetária. O enfrentamento não pode ser unilateral ou pontual, e sim rizomático a partir da articulação ético-política entre os três registros ecológicos defendidos por Guattari (2002) — meio ambiente, relações sociais e subjetividade humana — ou, em outras palavras, a ecosofia. Esses três eixos defendidos pelo filósofo passam pelas questões mais amplas (ou molares) às mais pontuais (moleculares), não sendo necessariamente, dois pólos opostos, mas uma


coisa e outra5.

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Flávio Villaça (2011), em seu estudo sobre a segregação urbana e desigualdade em São Paulo — dando enfoque ao quadrante sudoeste, a qual a área de pesquisa se encontra — traz alguns dados importantes que evidenciam a decorrência da ação necrocapitalista no território. O clima mais ameno nesse eixo devido a maior presença de parques e áreas arborizadas, não é percebido ao longo da Raposo Tavares. Essas extensas áreas arborizadas repentinamente dão lugar a grandes caixas utilitárias, aumenta-se significativamente a emissão de CO2 e focos de onda de calor quando nos aproximamos da rodovia. Isso evidencia que o clima de São Paulo não necessariamente é produto da natureza, mas da dominação social e usos dados a cada região. Para Krenak (2020, p.64) “somos nós a praga que veio devorar o mundo”.

5 Em seu livro com Suely Rolnik “Micropolítica: Cartografias do Desejo”, Félix Guattari (1996) cita sua passagem pelo curso de farmácia e a influência que isso teve ao utilizar-se palavras da área de biológicas como “molar” e “molecular” em suas obras. Ao abordar esses termos ele diz: “Na física quântica, por exemplo, foi necessário que um dia os físicos admitissem que a matéria é corpuscular e ondulatória, ao mesmo tempo. Da mesma forma, as lutas sociais são, ao mesmo tempo, molares e moleculares…” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.127)

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Essas ações no território, que corroboram para diminuição da fauna e flora, aumento da temperatura e gás carbônico são pouco questionadas; quem usurpa essas terras, as transforma em um parque de diversões finan-


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VII. Lote (julho de 2018) | Fonte: Google Earth VIII. Lote (agosto de 2020) | Fonte: Google Earth

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ceiro sem que as consequências sejam abordadas. Para entrar com uma ação de enfrentamento a essas lógicas verticais e neoliberais, a resiliência se torna extremamente necessária, pois ela se desenrola de maneira rizomática e transversal. Em entrevista ao ArchDaily, a bióloga Alessandra Araújo (2019) tratou a resiliência como um sistema de rede, visto que se uma extremidade sofre uma crise ou ruptura, existem outras diversas conexões para apoiá-la. É assim que os registros ecológicos defendidos por Guattari devem agir: tal como um rizoma.


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IX. Emissão de CO2 no distrito Raposo Tavares. | Fonte: Produzido pela autora a partir Rede Nossa São Paulo. X. Ondas de Calor no distrito Raposo Tavares. | Fonte: Produzido pela autora a partir das Revistas USP.

ESTRUTURAS DE PUNIÇÃO E VIGILÂNCIA

6 “O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central,

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Para Michel Foucault (2016), a arquitetura está diretamente ligada ao poder. Essa relação passa pelo modo como a organização do espaço distribui o movimento do olhar e determina a visibilidade. A arquitetura, segundo ele, pode possuir efeito espetacular, em que é feita para ser vista e deixa evidente o exercício tradicional do poder, como ocorre nos templos e palácios; ou efeito de vigilância, cuja forma paradigmática é o panóptico de Bentham6.


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XI. Planta panóptica de um projeto de prisão. | Fonte: Vigiar e Punir

Neste caso, o poder disciplinar é um dos principais elementos. Nele, os sujeitos devem ser vistos a partir da criação de localizações funcionais que codificam um espaço que a arquitetura deixava geralmente livre e pronto para vários usos. Frente a isso, a arquitetura permite e corrobora para que exista um controle interior, articulado e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. (...) A visibilidade é uma armadilha” (FOUCAULT, 2014, p.194)


e detalhado - para tornar visíveis os que nela se encontram. Algumas dessas estruturas serão apresentadas à frente.

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A vigilância que se apresenta na arquitetura, é um fator importante na política de poder. Ela se torna um operador econômico pois “é ao mesmo tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do poder disciplinar” (FOUCAULT, 2014, p.172). As instituições, fragmentadas pela não cidade que envolve a Raposo Tavares, mostram a arquitetura de vigilância em seu momento mais primário: o panoptismo se apresenta de diferentes formas e níveis: muros, câmeras e pequenas frestas.

(pode) ser bastante discreta para não pesar como uma

massa inerte sobre a atividade disciplinar e não ser para

ela um freio ou um obstáculo; integrar-se ao dispositivo

disciplinar como uma função que lhe aumenta os efeitos possíveis. É preciso decompor suas instâncias, mas para

FOUCAULT, 2014, p. 171

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O aparelho disciplina aparece em escala e não circular com o panóptico original, isto é, não se dá mais a partir de um observador central que monitora a margem a ser disciplinada; essa tarefa, para Foucault (2014) foi redistribuída em forma de pirâmide hierárquica. Além de criar novos degraus, essa estrutura se multiplica por toda superfície de controle, sem que haja um vácuo. A pirâmide, para o filósofo:


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aumentar sua função produtora. Especificar a vigilância e torná-la funcional.

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As lógicas hegemônicas que se veem no direito de atropelar as dinâmicas locais deixam seus rastros no território; elas criam uma não cidade a partir da não presença da vida coletiva e pública. Ao tornar-se um espaço do esquecimento, a não cidade legitima a instalação dessas lógicas hegemônicas nas áreas de margem territorial e social sem que haja contraposição. A segregação urbana é evidenciada nesse espaço, e é ele quem cria os acessos de entrada da soberania e violência. Conforme Mbembe (2016, p.135) “soberania significa ocupação, e ocupação significa relegar o colonizado em uma terceira zona, entre o status de sujeito e objeto”. Servindo como aparato de vigilância, os muros possuem um papel muito relevante nesse momento. Na falta de uma constituição urbana, os muros, assim como as teias, percorrem por todo o território e criam a morfologia daquele local; eles enlaçam as edificações e como molduras desnecessárias destacam as ruas que se apresentam entre eles. A ausência de piso e calçadas dão lugar ao desenho a essas “redes que transportam as verticalidades, isto é, regras e normas egoísticas e utilitárias” (SANTOS, 2006, p.175). Foucault (2014) apresenta a vigilância como uma poderosa ferramenta econômica uma vez que ela está


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XII. Morfologia do território | muros


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FOUCAULT, 2014, p. 134, 135

intimamente ligada ao aparelho de produção e ao poder disciplinar e punitivo; o observador analisa o rendimento de cada indivíduo podendo, a partir disso, puni-lo ou não. Essa condição quase diária torna-se pouco a pouco parte do inconsciente — ou consciência abstrata7— das pessoas e é utilizada como uma forte ferramenta da soberania para controle total. Esse mecanismo de associação de certas ações é utilizado para investir e se apossar do corpo, não mais no físico, mas sim na alma. O ponto central deste aparato é tornar o corpo meramente útil; o corpo útil é submisso, domesticado, é um corpo dócil. É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado

(...) não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável, mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele

uma coerção sem folga, de mantê-lo ao mesmo nível da

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mecânica.

O investimento do corpo, para Foucault (2014) está ligado à sua utilização econômica; ele é útil quando é produtivo e submisso, ou seja, o corpo é investido por relações de poder e dominação quando funciona como força de produção. A acumulação de corpos servem, para compor forças para obter um aparelho eficiente através do adestramento. ““Adestra” as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade 7

Michel Foucault se utiliza deste termo em seu livro “Vigiar e Punir”.


de elementos individuais” (Ibid., p. 167).

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A seguir, serão apresentadas quatro estruturas de punição e vigilância que se mostram com clareza e muitas vezes em abundância no território de pesquisa: complexo industrial-prisional, fábricas, condomínios residenciais e escolas. Como um espaço do esquecimento, essas lógicas se aproveitam para se instalarem e multiplicarem sem que haja contraposições.


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COMPLEXO INDUSTRIAL-PRISIONAL

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Termo que foi utilizado pela primeira vez pelo historiador social Mike Davis8, complexo industrial-prisional é utilizado hoje por ativistas do abolicionismo penal. Ele surgiu a partir da observação da expansão do sistema prisional norte-americano, que acabou atraindo um crescimento corporativo no setor, de forma a lembrar o surgimento do complexo industrial-militar. Ambos geram lucro a partir dos processos de destruição social. Entre as categorias atraídas encontram-se o fornecimento de alimentos, cuidados médicos, indústria armamentista, além do próprio uso da mão de obra prisional. É importante ressaltar que o complexo industrial-prisional vai além das prisões, ele parte de diversas relações entre diversos âmbitos da sociedade, como “conglomerados de mídia, sindicatos de guardas e projetos legislativos judiciais” (DAVIS, 2019, p.115). O sistema carcerário possui raízes profundas e complexas que regem a sociedade em diferentes escalas em grande parte da história humana. Seja no suplício, em que a punição era um espetáculo físico, doloroso e sangrento, como ocorria até meados do século XIX, seja na condenação da alma, em que a penalidade passa a ter um caráter

8 Angela Davis em seu livro “Estarão as prisões obsoletas?” nos aponta a origem de um dos temas que ela mais explora em sua obra — o complexo industrial-prisional— trazido pela primeira vez pelo ativista Mike Davis.


Apesar da punição física não ser mais o centro da pena, o corpo continua com um papel importante. Ele pode ser moldado e passível de técnicas disciplinares pelo controle. Os sistemas punitivos ordenam socialmente e possuem “em sua constituição, uma ideologia hegemônica e absolutamente ligada à sustentação de determinados grupos sociais em detrimento de outros” (BORGES, 2019, p.44). A prisão, para Foucault (2014) trabalha em cima da alma humana, a torna dócil, moldando o corpo social. “O encarceramento penal, desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos.” (FOUCAULT, 2014, p.225). Ainda segundo o autor, a pena controla o indivíduo, neutraliza sua periculosidade, modifica suas disposições criminosas e cessa somente após obtenção de tais modificações.

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mais sóbrio, abstrato e agindo na consciência , a qual as prisões como conhecemos hoje se encaixam. Segundo Foucault (2014), esta surgiu tão ligada com o próprio funcionamento da sociedade, que relegou ao esquecimento todas as outras punições que os reformadores do século XVIII haviam imaginado. Pareceu sem alternativa, e levada pelo próprio movimento da história, se institucionalizando dentro da mente dos cidadãos que o presídio é inevitável e desejável. Foi a partir do progresso das ideias e costumes, que o encarceramento se tornou a base da nossa escala penal.


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A disciplina presente no sistema prisional é um tema a ser levado a diversas esferas do funcionamento da sociedade contemporânea. A ação que a prisão exerce sobre o ser humano através da disciplina é constante; segundo Foucault (2014, p.228)“ela dá um poder quase total sobre os detentos; tem seus mecanismos internos de repressão e de castigo: disciplina despótica”. Um sistema que surgiu como local de correção, na verdade organiza-se pela vingança, distorção e disciplina. O aprisionamento não garante a segurança, muito pelo contrário; as comunidades estão cada vez mais militarizadas, vigiadas e continuamos não nos sentindo seguros. O complexo industrialprisional é a espinha dorsal do nosso sistema e por isso, ao olhar para ela, conseguimos compreender com mais clareza o funcionamento necropolítico e dominador da sociedade. O espaço físico predominante nas penitenciárias são mais um enunciador do que essa instituição realmente propõe; o muro espesso e portas sólidas dos antigos espaços de aprisionamento até o século XVIII, em que a pessoa aprisionada era enclausurada em um espaço escondido, passa a ser substituído por aberturas calculadas que permitem maior controle dos corpos. A organização dos espaços cria uma dinâmica funcional e hierárquica. A arquitetura de vigilância das prisões cria raízes no restante das cidades. Para Foucault (2014), não há um “centro do


poder”, mas múltiplos elementos: muros, espaço, instituições, regras, discursos. A prisão:

na posição central que ocupa, ela não está sozinha, mas

ligada a toda uma série de outros dispositivos “carcerá-

rios”, aparentemente bem diversos — pois se destinam

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Ibid., p. 302

a aliviar, a curar, a socorrer — mas que tendem todos

como ela a exercer um poder de normalização.

A naturalização do sistema carcerário como instituição carrega consigo outros vícios, como a violência decretada contra minorias, associando-os a inimigos, tendo como exemplo a associação direta de negros e pobres a criminosos; “os negros estão presos porque são criminosos; eles são criminosos porque são negros” (DAVIS, 2020, p.14). A pobreza que persiste no capitalismo global leva ao crescimento de pessoas em situação de prisão e isso reforça as condições que reproduzem a pobreza.

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Em pouco tempo de sua institucionalização, as prisões são vistas como essenciais para o funcionamento da sociedade. Mesmo conhecendo seus inconvenientes, perigos e até mesmo inutilidade em grande parte, os presídios são inevitáveis e desejáveis . Entretanto, não é simples imaginar uma solução à ele. O nosso pensamento, segundo Borges (2019, p.35) “é condicionado a pensar as prisões como algo inevitável para quaisquer transgressões convencionadas socialmente”. Logo, é enraizado no nosso imaginário que a punição é algo natural.


36 Em vez de construírem moradias, jogam os sem-teto na

cadeia. Em vez de desenvolverem o sistema educacional, jogam analfabetos na cadeia. Jogam na prisão os desemIbid, p.39

pregados decorrentes da desindustrialização, da globalização do capital e do desmantelamento do welfare state.

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Esse processo a qual vemos no complexo industrial-prisional nada mais é que a necropolítica agindo em sua forma mais aguda; são extermínios de grupos sem lugar no sistema; é a exclusão para o extermínio. A obtenção do lucro ocorre a partir do genocídio de seres humanos a partir de recursos públicos. Segundo Borges (2019) esse é um método que ocorre como um ciclo. Ao momento em que os negros colocam em risco o funcionamento do sistema de “castas”, o racismo se reorganiza e passa a operar em outras instituições para que as coisas mantenham tudo como está.

Como já foi mencionado, o complexo industrial-prisional, além de um espaço de vigilância e disciplina, ele também serve de lucro para corporações; segundo Angela Davis (2019), isso ajuda a entender a rapidez com que as instituições prisionais começaram a proliferar justamente no momento em que estudos oficiais indicavam que as taxas de criminalidade estavam caindo. Os corpos encarcerados tornaram-se matéria-prima e fonte de lucro, consumindo, muitas vezes, os recursos públicos que poderiam ser aplicados em programas sociais de educação, habita-


ção, lazer, saúde e combate às drogas. O Brasil é um dos maiores contribuidores para o encarceramento. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen9), o país, com 748.00910 pessoas presas em 2019, ocupa a terceira posição no mundo entre os países com maior população em situação de prisão, ficando atrás dos Estados Unidos e China.

⨀渀切洀攀爀漀 愀瀀爀漀砀椀洀愀搀漀

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XIII. Países com maior população prisional do mundo.

9 O Infopen é um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro que coleta dados dos estabelecimentos penais e da população em situação de prisão. 10

Dados de dezembro de 2019.

a não cidade

Quando nos referimos às pessoas que são excluídas do processo de socialização, a vivência do encarceramento é ainda pior:


38

é a perspectiva racializada que define quem será ou não punido. É a perspectiva de condição social que definirá

se você terá ou não dinheiro para a fiança e se ficará ou

cidade teia-de-aranha

BORGES, 2019, p.122

Ibid., p.20

não preso. É a perspectiva de gênero, em você sendo

mulher, que trará uma carga moral ao julgamento e que definirá sua punição.

A história do Brasil traz desde os primórdios indícios do que seria o sistema carcerário atual. A primeira mercadoria e em seguida desenvolvimento capitalista do país, segundo Borges (2019) foi o corpo negro escravizado. Vistos como possíveis espaços de reunião, organização negra popular e resistência, os cultos de origem africanas eram proibidos com a alegação de perturbar a ordem pública. Em 1850, as políticas de incentivo à imigração europeia no Brasil, procuraram branquear o país. Já com a criação do segundo Código Penal, em 1890, expressões culturais dos negros como a capoeira foram criminalizadas. Na tentativa de limpar o “elemento racial como sustentação do sistema de desigualdades brasileiro” (Ibid., p.85), a criminalização começa a atuar no campo da pobreza. [...] nas narrativas da casa grande, as mulheres negras são originárias de famílias desorganizadas, anômicas, separadas entre integradas e desintegradas, estando todas essas definições numa referência das famílias

brancas e, por consequência, as famílias negras são dis-

cursivamente apresentadas como produtoras de futuras gerações de delinquentes [...]


39 A questão de gênero também é de suma importância para que se entenda o sistema punitivo. Por muito tempo, os maridos determinavam e executavam a punição às suas esposas, caso algo lhe incomodasse. Conforme os homens eram penalizados em prisões, as mulheres iam para “hospitais psiquiátricos, as instituições mentais, os conventos e os espaços religiosos” (Ibid., p.95). Enquanto aos homens a criminalidade era apenas uma quebra de contrato, as mulheres eram tratadas como loucas, e o reflexo disso é visto até hoje em diversos âmbitos da sociedade.

De acordo com o Infopen Mulheres de junho de 2014, o Brasil é a quinta maior população feminina em situação de prisão no mundo. Entre 2006 e 2014, a população masculina aumentou em 220%, à proporção que a feminina aumentou em 567,4% no mesmo período. Dessas mulheres, 68% são negras e aproximadamente 30%

a não cidade

Nos anos 1990, ocorreu um movimento de reforma do sistema carcerário a favor da igualdade, mas deixaram de considerar que as mulheres possuem necessidades diferenciadas. A falta de absorvente nos presídios faz com que várias mulheres, até hoje, tenham que recorrer ao miolo de pão por exemplo; já o jornal velho entra no lugar do papel higiênico, quando é sabido que mulheres utilizam mais o sanitário para urinar que homens e o uso do papel é mais expressivo nos ciclos menstruais.


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são provisórias, ou seja, não passaram por julgamento. O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) realizou um relatório “Mulheres em prisão”, em 2017 e aponta que 48,8% da população feminina possui um ou mais filhos com 9 anos de idade em média. Com o Marco Legal de Atenção à Primeira Infância, sancionado pela então presidenta Dilma Rousseff em 2016, possibilitaou-se a prisão domiciliar para mães com filhos e filhas de até 12 anos. Ou seja, quase metade das mulheres presas podiam estar cumprindo sua pena de forma punitiva e mais modalidade de regime demenos cumprimento: comparativa Brasil x São Paulo acolhedora.

BRASIL

SÃO PAULO

presas sem condenação

37,7%

29,7%

sentenciadas ao regime fechado

36,2%

50%

sentenciadas ao regime semi-aberto

16,9%

19,6%

sentenciadas ao regime aberto

8,7%

-

cidade teia-de-aranha

fonte: Infopen 2017

XIV. Tabela- modalidade de regime de cumprimento: comparativa Brasil x São Paulo. | Fonte: Infopen

Além disso, as mulheres são abandonadas em maioria: 70% das mães declararam não receber visitas de seus filhos. Dados do Projeto “Mulheres Encarceradas” da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, estado com a


nunca recebeu visitas 36 raramente 18 mensalmente 14 quinzenalmente 17 semanalmente 14 nunca recebeu visitas 36 1 não respondeu raramente mensalmente quinzenalmente semanalmente não respondeu

18

maior população prisional feminina do Brasil11, mostram 14 17 que – diferente dosFREQUÊNCIA presos homens, queRECEBE frequentemente 14 COM QUE VISITAS 1 recebem visitas – a maior parte das1% mulheres relata não 14% ter recebido nenhuma visita familiares e amigos. FREQUÊNCIA COMde QUEseus RECEBE VISITAS

41

1%

14%

36%

17%

36%

17%

nunca recebeu visitas 36 14% nunca recebeu visitas 3618 raramente 14% 18% raramente 1814 mensalmente 18% mensalmente 14 quinzenalmente 17 quinzenalmente nunca 17 recebeu visitas raramente mensalmente quinzenalmente semanalmente nunca14 recebeu visitas raramente mensalmente quinzenalmente semanalmente não respondeu semanalmente semanalmente 14 não nãorespondeu respondeu 11

XV. GráficoFrequência com as mulheres encarceradas recebem visitas. | Fonte: Projeto Mulheres encarceradas

não respondeu

11 Segundo o Infopen Mulheres (2017), São Paulo é o estado que mais encarcera mulheres no Brasil em número absoluto e segue na 6ª posição quanto ao número de presas a cada 100 mil mulheres. Ao comparar com o ano anterior (2016), é possível observar uma queda da população de mulheres em situação de prisão no estado. Em 2016, a taxa de ocupação das unidades prisionais femininas no estado era de 124%, e em 2017 esse valor caiu para 102%. De acordo com o sistema de informações, na comparação com o ano anterior, houve uma diminuição de 11,3% de mulheres presas sem condenação, um aumento de 8% daquelas sentenciadas diretamente ao regime fechado e de 3,59% daquelas sentenciadas ao semiaberto. Essa redução no número de mulheres presas sem condenação pode ser atribuída à implementação das audiências de custódia pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. 12 Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen, junho /2017; IBGE, 2017. * Dados referentes a dezembro de 2016.

a não cidade

No Brasil, são 37.82812 mulheres encarceradas e mais da metade esteve envolvida com o tráfico de drogas. Enquanto 26% da população prisional masculina brasileira está presa por esse delito, o número dentre as mu-


42

BORGES, 2019, p. 103

lheres sobe para 50,94%. Já em São Paulo, 61,73%13 dos casos de prisões femininas são relacionadas a isso. Além disso, apenas 5,47%14 são presas por homicídio na cidade. Elas quase nunca são chefes do tráfico; são chefes, quase sempre, da família. Desempenham o papel de “transporte, vigilância e manutenção dos entorpecentes em suas casas” (BRAGA; ANGOTTI, 2015, p.74), por isso, lucram menos que os homens e têm menos possibilidades de fazer “acertos” com os policiais e escapar da prisão; por isso, são alvos mais fáceis na política de guerra às drogas. Segundo a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre

Drogas (INNPD), a lei não tem uma visão sistêmica e to-

talizante sobre tráfico de drogas, muito menos tem como objetivo desmantelar, de fato, essa economia ao focar em pequenos traficantes, contingente em que as mulheres

têm predominância. (...) cabe às mulheres posições mais vulneráveis e precarizadas, e com mais diferenças se

adicionarmos o quesito cor. Além disso, diversos são os estudos que demonstram que várias prisões de mulheres são realizadas em operações nas quais o foco eram

os parceiros ou familiares dessas mulheres, que acabam

cidade teia-de-aranha

sendo detidas por associação ao tráfico.

Ao criar o discurso de “epidemia das drogas”, os territórios periféricos são militarizados com o pretexto de enfrentamento de um problema social. Isso nada mais 13 Departamento Penitenciário Nacional. Infopen. Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen 14 Idem.


é do que uma engrenagem que mantém o sistema funcionando a partir da criminalização, controle, vigilância ostensiva desses territórios e genocídio de jovens supostamente envolvidos no pequeno tráfico. Partindo dessa premissa, o discurso a guerra às drogas entra como discurso que legitima a ação genocida do Estado, principalmente para as pessoas em situação de vulnerabilidade.

A lei de drogas (Lei n°11.343), que foi criada em agosto de 2006, fez crescer abruptamente o número de encarcerados. Ela traz uma diferenciação entre usuário e traficante. O primeiro é tratado através de medidas de saúde pública e não pode ser preso em flagrante, e responde em penas alternativas. Já o traficante possui pena de cinco a quinze anos. Mas quem define se uma pessoa é usuária ou traficante?

No artigo 28 da Lei n° 13.343 / 2006, está descrito que o juiz terá sua decisão determinada se a droga estava

destinada a consumo pessoal ou para tráfico a partir da

43

BORGES, 2019, p. 102

natureza, da quantidade de substância, do local, das con-

dições em que a ação de apreensão foi desenvolvida, das

circunstâncias sociais e pessoais, bem como da conduta

Para a advogada Michelle Alexander, é preciso derrubar o mito de que o objetivo da guerra às drogas é livrar o país do tráfico. Na obra “Encarceramento em massa”,

a não cidade

e dos antecedentes da pessoa analisada.


cidade teia-de-aranha

44

Juliana Borges (2019) traz o exemplo de Rafael Braga, que é condenado até hoje por portar um frasco de desinfetante nos protestos de junho de 2013. Inicialmente, a pena era cumprida em regime fechado por Rafael estar supostamente foragido, entretanto, a folha de antecedentes do jovem provava o contrário. Em 2016 passou para regime aberto e em janeiro de 2017 foi abordado por policiais que afirmaram encontrar com ele uma sacola que continha 0,6 gramas de maconha e 9 gramas de cocaína. Rafael foi condenado a onze anos e três meses de detenção por tráfico e associação ao tráfico. Enquanto isso, há diversos casos de quilos de pasta de cocaína sem esclarecimento. Outro mito a ser derrubado, segundo Alexander, é o suposto foco nas drogas perigosas. Segundo o Instituto de Segurança Pública, em 2014 no estado do Rio de Janeiro, “50% das ocorrências, o volume de maconha não passava de 6 gramas.” (BORGES, 2019, p.107). A sociedade punitivista e controladora constrói e atualiza mecanismos de defesa a todo momento. Ações de pouca consequência tornam-se delitos graves para um grupo específico de pessoas, como ocorre na política às drogas. É alto o número de prisões fundamentadas em provas baseadas no depoimento dos policiais que efetuaram a abordagem. De acordo com Borges (2019), grande parte dos atos como tráfico de drogas se argumentam na necessidade do sustento dos filhos, desestruturação familiar, violência e abuso doméstico-sexual.


45

No dia 23 de junho de 2020, 213 entidades brasileiras apresentaram à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos) um documento de denúncia contra a gestão da Covid-19 nos presídios brasileiros. O ITTC (2020) apresenta diversas violações nos presídios como: falta de acesso à saúde, entraves ao desencarceramento, incomunicabilidade, problemas no registro de óbitos, rebeliões e uso de estruturas temporárias precárias para o abrigo das pessoas presas. Essas entidades pedem que os organismos internacionais requisitem explicações ao Brasil e recomendam a adoção de medidas emergenciais para conter uma “catástrofe de proporções preocupantes”. Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), houve

aumento de 800% nos casos notificados do vírus desde

a não cidade

No campo da Saúde, pessoas encarceradas possuem maior probabilidade de contrair HIV / AIDS, sem tratamento adequado para mulheres com o vírus. Segundo o Infopen, há apenas 32 ginecologistas para atender essas mulheres. O Conselho Nacional do Ministério Público afirma que 31% dos presídios brasileiros não possuem qualquer tipo de assistência médica internamente. A superlotação dos presídios e as condições insalubres de higiene e limpeza que vivem essas pessoas, faz com que a contaminação por doenças seja muito maior nesses ambientes.


cidade teia-de-aranha

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maio e a letalidade nesses casos, segundo a Folha de São Paulo, pode ser até cinco vezes maior do que a registrada na população em geral. Com a superlotação dos presídios, é impossível aplicar as medidas de distanciamento físico, agravando a situação quando se observa as condições insalubres de higiene e limpeza que vivem essas pessoas. Na atual conjuntura, o Brasil transformou a pandemia do coronavírus em um “verdadeiro ato necropolítico de genocídio de populações negras, indígenas e pobres patrocinado pelo Estado” (LEPECKI, 2020, on-line).

O território é composto pelo Centro de Detenção Provisório (CDP) I e II, Fundação CASA e o Centro de Progressão Penitenciária Feminino Dra. Marina Marigo Cardoso de Oliveira ou CPP Butantã (anexo 2). Essas instituições concentram-se na porção sudoeste da região, muito próximas ao entroncamento das grandes vias. Os CDP I e II, localizados já no município de Osasco, abrigam os detentos provisórios em regime fechado. Hoje, com a superlotação de quase o dobro da capacidade e com a pandemia do coronavírus, os presos sobrevivem em situações extremamente precárias. De acordo com o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Nesc), 24% das 161415 pessoas encarcerada do CDP Osasco estavam contaminadas com o covid-19 e o isolamento das mesmas ocorreu por 20 dias 15 Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) a capacidade do CDP é de 833 pessoas


a não cidade

47

XVI. Casos de Covid-19 dentro dos presídios


48

em um pequeno recinto com capacidade quatro vezes menor que o recomendado e sem banho de sol.

cidade teia-de-aranha

A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA) surgiu em dezembro de 2006 com a crise da antiga FEBEM16 após grandes rebeliões nas unidades e denúncias de abuso contra os adolescentes. Neste mesmo ano, o Primeiro Comando da Capital (PCC) realizou uma forte atuação no Estado de São Paulo e diversos presídios fizeram motins, incluindo as chamadas unidades dominadas17 da FEBEM; a atual Fundação CASA Raposo Tavares fez parte das rebeliões que com a resposta policial resultou em 493 mortos18 em todo o estado. A alteração de FEBEM para Fundação CASA não fez com que a unidade Raposo Tavares deixasse de ser uma unidade dominada, muito pelo contrário; outras unidades estariam caminhando para o mesmo destino. O CPP Butantã é uma penitenciária inaugurada em 1990 que funciona em regime semiaberto, à beira da Rodovia Raposo Tavares. Com uma área construída de 7300m2 e capacidade para 1028 mulheres, abriga hoje

16 A mudança do nome foi aprovada em dezembro de 2006 pela Assembleia Legislativa de São Paulo afim de atender as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Uma das mudanças preve a descentralização do centro urbano e a construção em outras regiões do estado. 17 18

Unidades orientadas pelas diretrizes do PCC. Dados disponíveis em Feltran (2008).


19 Pesquisa feita no dia 06 de janeiro de 2021. Disponível em: http:// www.sap.sp.gov.br/

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a não cidade

912 mulheres detentas19. Ana Gabriela Mendes Braga e Bruna Angotti, pesquisadoras do “Dar à luz na sombra", foram à unidade em 2015 e no dia da visita o centro abrigava 1100 presas, dentre as quais, 25 gestantes. Segundo as pesquisadoras, as puérperas se estabelecem junto aos seus filhos até os seis meses de idade na chamada “Casa Mãe”, uma ala dentro do espaço prisional. Dentro desse meio ano, a mãe deve indicar dentro de seis meses, a mãe deve indicar para a assistente social da unidade alguém da família para ficar com o bebê. Após o prazo, o oficial de justiça vai à unidade retirar o filho (a) sem aviso prévio e sem que a mãe seja ouvida no processo.


cidade teia-de-aranha

50

XVII. Entrada do Centro de Progressão Penitenciária Feminino Dra. Marina Marigo Cardoso de Oliveira. | Fonte: Google Maps


Lucinéia, uma das presas entrevistadas, critica não ter sido ouvida no processo e não ter podido falar que ela não quer o abrigamento da sua filha, já que teria com

51

quem deixá-la. Ao ser perguntada se ela esteve perante algum juiz, ela menciona que na audiência criminal “eu fui ouvida mas não tive oportunidade de falar”, “é um direito meu ver o que ela (assistente social) está escrevendo pro juiz”, “eu não assinei papel algum”. Logo, junto à filha de seis meses e uns dias, Lucinéia espera a chegada do oficial de justiça e vive antecipadamente o drama da separação: “não tem nada para fazer, de repente o oficial leva como se fosse filho de cadela”. Uma das dores de Lucinéia é não saber ou conhecer o destino da filha: “devia ter ciência pra onde minha filha está indo, ir visitar antes”, “pra mim eles vão estar levando um pedaço de mim e não sei pra onde vai”. Mas ela disse que vai descobrir, e que, assim que sair, vai ao abrigo para pegar a filha, nem que tenha que “acampar na porta e ir na Rede

Record, Rede Globo...”. No dia da nossa visita, Lucinéia já tinha a mala com as coisas da filha toda arrumada, do abrigo, onde narra um pouco os hábitos e a personalidade da bebê, com a esperança que a filha receba um tratamento individualizado no abrigo e que as cuidado-

a não cidade

na qual colocou uma cartinha direcionada às cuidadoras

ras compreendam seu choro pela “saudade que ela pode sentir da mãe”.

ANGOTTI; BRAGA, 2015, p.64


52

“Todo o dia eu acordo com medo de ser o dia de levarem minha filha. Quando chega às 17h fico aliviada, terei mais uma noite com ela” .-Lucineia Na Casa Mãe, as mulheres não têm contato com nenhuma outra parte da penitenciária e lhes é vedado o acesso ao culto e cursos. Assim, elas ficam confinadas o dia inteiro e todos os dias com seus/suas filhos/filhas em pequenos espaços materno-infantis. Essa ocorrência, as pesquisadoras chamam de hiper e hipomaternidade. Isso porque durante seis meses as mães convivem com a criança sem interrupção e sem acesso a nenhuma outra atividade, exercendo a hipermaternidade. Subitamente, essa convivência é interrompida abruptamente, ocorrendo a transição para a hipomaternidade.

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FÁBRICAS A labuta no processo fabril talvez seja o exemplo mais evidente de dominação e vigilância no trabalho, servindo de base para diversas obras cinematográficas, como o clássico “Tempos Modernos” (1936) de Charles Chaplin, em que faz referências à Revolução Industrial. O longa-metragem retrata a exploração por parte do detentor dos meios de produção, visando o lucro em detrimento do bem estar do empregado, ao ponto em que é criada uma máquina para que o funcionário almoce enquanto traba-


lha, visando o aumento da produtividade e a criação de corpos disciplinados.

Ao discorrer sobre o funcionamento das fábricas, Foucault (2014) o compara a uma fortaleza, com guardiões que controlam a abertura da porta, sinos que informam os horários de trabalho e chefes de oficina que entregam as chaves ao guarda que reabre as portas ao fim do expediente. O tempo precisa ser absolutamente útil, por isso o controle é incessante, os inconvenientes e distrações são neutralizados à medida que as forças de produção são concentradas. O filósofo ressalta a importância da arquitetura na distribuição de corpos:

Percorrendo-se o corredor central da oficina, é possível

realizar uma vigilância ao mesmo tempo geral e indi-

vidual; constatar a presença, a aplicação do operário, a

53

FOUCAULT, 2014, p. 142

qualidade de seu trabalho; comparar os operários entre

si, classificá-los segundo sua habilidade e rapidez; acom-

As fábricas tradicionais do século XIX e primeira metade do século XX, marcadas por uma certa tipologia de edifício e funções habitacionais são transfiguradas no período seguinte. Passam a não possuir paredes, apenas leves partições, compõem a continuidade dominante no que Koolhaas (2014) intitula de espaço-lixo. Elas se expandem do dia para a noite e revelam uma infra-estrutura ininterrupta. A ausência de paredes cria um ambiente panóptico

a não cidade

panhar os sucessivos estágios da fabricação.


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em que o observador assiste a todos os conteúdos. Suas partições permitem mudanças, realocações, flexibilizações e ampliações contínuas, com o auxílio dos grandes espaços alcançados graças à utilização de treliças.

cidade teia-de-aranha

As mudanças reverberaram não apenas no contexto espacial, mas também social. Para Guattari (2001), a partir da segunda metade do século XX, por meio da sociedade de consumo e revolução da informática, a subjetividade operária linha dura se desfez. Mesmo que a hierarquia e segregação continuassem acentuadas "um mesmo sentimento difuso de pertinência social descontraiu as antigas consciências de classe” (Ibid, n.p). A tecnologia fez com que o número de operários caíssem enquanto o tempo de atividade aumentasse; “Nas fábricas Fiat, por exemplo, a mão-de-obra assalariada passou de 140 mil para 60 mil operários numa década, enquanto a produtividade aumentava em 75%”. (Ibid, n.p). Ao estudar a segregação na cidade de São Paulo, Villaça (2011) começa a tatear o perfil dos trabalhadores nas fábricas e como isso influencia na localização das zonas industriais. Segundo ele, a participação da parcela da população mais pobre é muito maior nesse setor do que a dos mais ricos. Nesse caso, os empregos são muito mais numerosos para a população de baixa renda. Por isso, na ausência das vilas operárias nas fábricas do século XXI, a localização da zona industrial é mais importante para os


pobres, do que para os ricos, que moram afastados dela.

A região de entroncamento da Rodovia Raposo Tavares e do Rodoanel Mario Covas permitiu que empresas explorassem as autoestradas, usufruindo de uma área de divisas, proximidade com a capital paulista e fácil acesso a demais cidades e estados, sendo favorável para a criação de fábricas, centros de distribuição e logística e condomínios industriais. Suas existências serpenteiam o território de forma tão forte a se tornarem financiadores da lógica em funcionamento (anexo 03).

Por ser considerado um investimento estratégico, o

condomínio logístico também é uma chance de diver-

sificação do portfólio de ativos imobiliários(...). Esse

foi o caso da Racional Engenharia, que se viu “cercada”

pelo avanço do Rodoanel às margens da rodovia Raposo Tavares, na Grande São Paulo. A empresa já era proprie-

55

Construção Mercado, 2010, on-line apud SOUZA, 2011, p.8-9

tária de um terreno de 180 mil m² nesse entroncamento antes da conclusão das obras do anel viário. “A Racional

já tinha um volume de negócios crescente e sentimos a necessidade de ampliar os ativos para garantir performance. Aí, com um terreno nessas condições e o mer-

cado favorável, foi natural escolher algo relacionado à logística”, conta a gerente-executiva da construtora, Erika

250 milhões do Centeranel, um condomínio de 107 mil

m2 de área útil, cuja primeira etapa será entregue neste

mês de outubro e que já fechou os primeiros contratos de locação.

a não cidade

Matsumoto, ao justificar o investimento no projeto de R$


56

XVIII. Centeranel. | Fonte: CBRE

cidade teia-de-aranha

Os grandes condomínios industriais, que nada mais tem a ver com as antigas fábricas com altas chaminés de tijolos, sheds na cobertura e grandes esquadrias metálicas, invadem a região. Investimentos milionários que

devastam milhares de metros quadrados como o Centeranel, tornam-se cada vez mais presentes ao longo da via e o entroncamento com o Rodoanel tornou-se uma vantagem a mais para esses investidores que agora possuem dois acessos.


CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS

57

Rodeados por dezenas de câmeras e muros, a arquitetura dos condomínios verticais, composta por uma explosão de bege, controla seu interior com o discurso do “advento da segurança, da violência urbana, dos interesses imobiliários, da cultura e dos novos valores por esses

20 No livro “A cidade”, Massimo Cacciari fala das “gated communities” (ou comunidades fechadas), em que nos fechamos em lugares à noite como um lugar-prisão. “Quanto mais fisiologicamente in-secura é a vida na cidade-território, mais se procura o sine-cura impossível da morada” (CACCIARI, 2010, p.50).

a não cidade

Os condomínios residenciais possuem outra dinâmica, mas não fogem da arquitetura do controle. Sua disposição no território de pesquisa, afastando-se das prisões, dizem muito dessa estrutura. São esses conjuntos que produzem uma cidade artificial e criam uma lógica intra-muros própria , reconstruindo-se e modelando-se de acordo com o desejo de algumas poucas pessoas que se beneficiam desse sistema. O surgimento de megaconjuntos na região é um indício desse sistema fechado em “gated communites”20. Além de não colaborarem para a dinâmica do entorno, essas ilhas urbanas sem planejamento exigem grande infraestrutura urbana. Por isso, é importante trazer aqui a relação entre essas super construções criadas na região com todas as questões que eles rodeiam: climática, social e subjetiva.


criados e/ou divulgados.” (VILLAÇA, 2011, p.39). Esse tipo de segregação reafirma a desigualdade e não é colocada um em contexto histórico e muito menos associada com o restante da estrutura urbana e sua ligação com “as esferas econômicas, políticas e ideológicas da sociedade” (Ibid.).

cidade teia-de-aranha

XIX. Condomínio Reserva Raposo. | Fonte: Google Maps XX. Condomínio Smiley Home Resort . | Fonte: Google Maps

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Distribuídas de maneira sequencial e muitas vezes linear, as torres, fechadas nelas mesmas, são espalhadas na quadra com densidades isoladas e sem comunicação entre si e com o entorno. Surgem como um nevoeiro, através de tratos questionáveis, “duvidosas infrações fiscais, incentivos insólitos, isenções e legalidades pouco consistentes (...) e cumplicidades entre o público e o privado” (KOOLHAAS, 2014, p.94).

59

“(...) as guerras civis são mais frequentes nas cidades do que nos condomínios, sempre é um sinal de esperança...” (CACCIARI, 2010, p.52)

a não cidade

É possível observar que, nos últimos anos, a subprefeitura do Butantã é uma das áreas onde mais surgem lançamentos de condomínios residenciais verticais, bem acima da média da região metropolitana. Um dos motivos é, segundo Rocha (2015), a grande oferta de terrenos baratos na região e a diminuição da disponibilidade e encarecimento de terrenos no centro da São Paulo. O Butantã é ainda predominantemente horizontal , o que permite aos investidores imobiliários a possibilidade de agregar “grandes terrenos a baixos custos e de sobrevalorizar o pedaço por meio da implantação de seus edifícios e da verticalização em curso como um todo” (ROCHA, 2015, p.39).


vertical horizontal

88 12

Butantã: produção imobiliária residencial - 1992 - 1999 (total de unidades no período)

60

12%

Vila Olímpia Vila Nova Conceição Pinheiros Itaim Bibi Brooklin Vila Leopoldina Butantã

527,46 598,5 757,93 942,06 1304,52 3574,61 3632,87

88%

vertical

horizontal

XXI. Gráfico- Butantã: produção imobiliária residencial de 1992 a 1999 (total de unidades no período). | Fonte: Embraesp Butantã e zonas de valor selecionadas: tamanho médio dos terrenos consumidos em empreendimentos residenciais verticais em 2010 4000

Butantã 3500 Brooklin 3000 Vila Leopoldina 2500 Vila Nova Conceição Vila Olímpia 2000 Pinheiros 1500 Itaim Bibi

3114,3 5644,2 7177,2 9624,92 10106,3 10833,5 14350,6

1000 500 0 Vila Olímpia

Vila Nova Conceição

Pinheiros

Itaim Bibi

Brooklin

Vila Leopoldina

Butantã

XXII. Gráfico- Butantã e zonas de valor selecionadas: tamanho médio dos terrenos consumidos em empreendimentos residenciais em 2010 | Fonte: Embraesp Butantã e áreas selecionadas: preço médio do m2 de terrenos anunciados no Imovelweb - set. 2014 16000 14000 12000

cidade teia-de-aranha

10000 8000 6000 4000 2000 0 Butantã

Brooklin

Vila Leopoldina

Vila Nova Conceição

Vila Olímpia

Pinheiros

Itaim Bibi

XXIII. Gráfico- Butantã e áreas selecionadas: preço médio do m2 de terrenos anunciados no Imovelweb - set. 2014 | Fonte: Imovelweb


Butantã e áreas selecionadas: ofertas de terrenos no 1900Imovelweb - set. 2014

Butantã 160Leopoldina Vila Chácara Santo Antônio 140 Brooklin 120 Pinheiros Vila 100Nova Conceição Vila Olímpia 80 Itaim Bibi

61

2100 3000 3550 4500 4800 4900 6900

60 40 20 0 Itaim Bibi

Vila Nova Conceição

Vila Leopoldina

Vila Olímpia

Brooklin

Pinheiros

Butantã

XXIV. Gráfico- Butantã e áreas selecionadas: ofertas de terrenos no Imovelweb set. 2014 | Fonte:eImovelweb Butantã zonas de valor selecionadas: preço do m2 de

área total de imóveis residenciais verticias - 2010

8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0

Butantã

Vila Leopoldina Chácara Santo Antônio

Brooklin

Pinheiros

Vila Nova Conceição

Vila Olímpia

Itaim Bibi

Com a promessa de ser um condomínio no melhor bairro planejado de São Paulo, a Reserva Raposo Tavares é um empreendimento imobiliário de 450 mil m2 no quilômetro 18,5 da rodovia. O condomínio, que conta com inúmeras disputas na justiça, vai abrigar 60 mil pessoas e chamou atenção pelos possíveis impactos ambientais na região. Uma das estratégias de vincular o empreendimento às centralidades paulistanas foi divulgá-lo indicando uma referência que remete ao eixo sudoeste: a Marginal

a não cidade

XXV. Gráfico- Butantã e zonas de valor selecionadas: preço do m2 de área total de imóveis residenciais verticais - 2010. | Fonte: Embraesp


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Pinheiros. Outro empreendimento localizado no território que utiliza da mesma tática de divulgação é o Smiley Home Resort. O condomínio, com terreno de 23.500m², é implantado parcialmente em uma área de ZEIS-2 e no parque linear Raposo Tavares (anexo 04).

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XXVI. capa do site do empreendimento imobiliário Reserva Raposo.

XXVII. Imagem de divulgação da Reserva Raposo.


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XXVIII. Situação das obras do Reserva Raposo (2019). | Fonte: Estadão

A habitação não é um problema. Ou foi totalmente resolvida ou foi deixada completamente ao acaso; No primei-

ro caso é legal; no segundo, ilegais; no primeiro caso,

KOOLHAAS, 2014, p. 43

são torres ou, geralmente, prédios (com máximo de 15 complementaridade) uma crosta de barracas improvi-

sadas. Uma solução consome o céu; a outra o terreno. É

estranho que aqueles que têm menos dinheiro habitem

o recurso mais caro – a terra – e os que pagam habitem o que é de graça – o ar.

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metros de profundidade); e no segundo (em perfeita


64 Na contramão do boom imobiliário na região do Butantã e do aparecimento de torres que permeiam a rodovia, a luta por moradia também se faz presente nesse território caótico. Durante a gestão de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo, um terreno pertencente a um único proprietário foi desapropriado por falta de pagamento de impostos; dado isso, moradores da Favela da Vila Jóia, que já lutavam por melhores condições habitacionais, fizeram projetos de mutirões para a construção da atual COHAB Munck. Com um incêndio na favela, as famílias tiveram que ocupar os prédios, com a autorização da prefeitura, antes que as obras tivessem sido terminadas. Segundo Conceição (2009), são aproximadamente 350 pessoas morando atualmente no conjunto.

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EDUCAÇÃO A escola é a instituição primária de dominação e controle do corpo. Este é o primeiro momento de socialização fora do âmbito familiar e é a partir deste ponto que o indivíduo começa a naturalizar a disciplina na esfera social e todos os atributos que estão vinculados a ela. O sucesso do poder que a disciplina exerce, segundo Foucault (2014) não é difícil de se compreender; são alguns aparatos muito simples que, quando usados in-


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XXIX. Interior da Escola de Ensino Mútuo ao momento do exercício de caligrafia. | Fonte: Vigiar e Punir

cessantemente, atingem sua eficácia. Espaços murados, estreitos corredores que levam às salas com carteiras enfileiradas, onde as pessoas são observadas, registradas e treinadas; no campo comportamental estão presentes olhares hierárquicos e a normalização da concorrência,

O exame busca homogeneizar os estudantes a um

21 “O grupo sujeitado (...) tende a ser manipulado por todas as determinações externas e a ser dominado por sua própria lei interna (superego)” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.319). A análise de grupo sujeito e grupo sujeitado como dois pólos serve para melhor compreensão dos conceitos, mas não deve ser levada a pura dicotomia dos temas; as posições oscilam entre si.

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que é feita principalmente a partir de um quantitativo dado pelo exame. Os efeitos disso é manter os indivíduos em situação de grupos sujeitados21 e a fabricação de corpos dóceis e submissos.


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XXX. Interior da Escola de Ensino Mútuo ao momento do exercício de caligrafia. | Fonte: Vigiar e Punir

FOUCAULT, 2014, p. 181

mesmo modelo à criação da subordinação através de pressão contínua e incessantes comparações com o princípio de uma regra a seguir. Para Foucault (2014): O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e

as da sanção que normaliza.. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e

punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados.

É por isso que, em todos os dispositivos de disciplina,

o exame é altamente ritualizado. Nele vêm-se reunir a cidade teia-de-aranha

cerimônia do poder e a forma da experiência, a demons-

tração da força e o estabelecimento da verdade. No coração dos processos de disciplina, ele manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e da objetivação dos que sujeitam.

O ambiente escolar como é apresentado hoje, corta impulsos e normatiza as crianças, tirando delas suas capa-


cidades mais extraordinárias e as levando a um nível ínfimo de criatividade, “eIa começa a fazer desenhos estereotipados, ela se modeliza segundo as atitudes dominantes” (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.98). O que seria a educação é, na realidade, um ataque à liberdade de pensamento, é para Krenak (2020) uma fabrica de loucura que toma o ser humano que acabou de chegar, o chapam com ideias e depois o soltam para destruir o mundo.

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As estruturas panópticas descritas por Bentham e problematizadas por Foucault (2014) , vistas tão claramente nas prisões, se apresentam também nas unidades de ensino. Os muros e grades presentes afastam os jovens das cidades e vice-versa. As cadeiras enfileiradas, portas com visores de vidro e patamares elevados próximo ao quadro são alguns dos recursos de vigilância utilizados na instituição e reforçam o papel de autoridade do professor. No momento em que a arquitetura é opressora, a tendên-

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Em 1966, a Internacional Situacionista (IS) publicou um panfleto na Universidade de Estrasburgo com a intenção de manifestar o papel do estudante no sistema social. Para ela, a educação se tornaria cada vez mais repressora e hierárquica, além de presumir que a estrutura social não absorveria toda a mão de obra produzida e esses estudantes não alcançariam uma consciência revolucionária. Instituir e demarcar essa falta de consciência como estratégia de controle é alcançada também através da arquitetura.


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cia é que isso afete também a aprendizagem.

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Apesar dessa estratégia de controle que envolve o sistema educacional, paradoxalmente a escola é o instrumento mais potente a perfurar essa máquina e recriar a teia. Para que isso ocorra, é imprescindível que as estruturas de violências sejam eliminadas dos colégios nas comunidades, que o entendimento do ensino não seja mais visto como caixas isoladas e que a arquitetura acolha. Paulo Freire (1994) em seu livro “Pedagogia do Oprimido” propõe uma educação libertadora, em contraposição à educação bancária22. Ao contrário das demais lógicas, a escola é a alternativa mais poderosa às cadeias, mas para isso, é necessário encontrar, através de uma educação que emancipe, conscientize e que paute pela realidade daquelas pessoas, brechas que permitam ações micropolíticas capazes de subverter o instituído; para isso acontecer é importante que a escola saia das salas de aula e olhe a cidade. Ações dos próprios estudantes mostram na recente história do Brasil o surgimento de grupos sujeitos23 à luta pelos seus direitos. Entre 2015 e 2016, diversas escolas

22 A educação bancária é aquela totalmente unilateral e vertical, onde o professor deposita no aluno o conteúdo. Segundo Paulo Freire, é um método que existe desde a Revolução Industrial para a criação de mão de obra. Este modelo produz, segundo ele, a cultura do silêncio, ou seja, estimula a reprodução do conhecimento e de atividades, como um espaço fabril 23 “(...) este tipo de grupo (grupo sujeito) é ouvido e ouvinte, e que por este fato opera o desapego a uma hierarquização das estruturas que Ihe permitirá se abrir para além dos Interesses do grupo” (GUATTARI, 1985, p. 92)


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XXXI. Estudantes na Avenida Paulista no ato contra a reorganização escolar do estado de São Paulo. | Fonte: Uol.

públicas de São Paulo foram ocupadas por estudantes contra a realocação e fechamento das escolas estaduais e, em seguida, em torno da merenda escolar. Mais de 100.000 alunos seriam realocados e 94 escolas seriam fechadas e, desde o primeiro momento, os estudantes se mobilizaram e cada indivíduo ali presente manifestou sua potência individual, criando grupos sujeitos. Os motes “a escola é nossa” e “hoje a aula é na rua” expressam a vontade que os alunos têm de participar da vida acadêmica e Entre setembro e novembro de 2015, foram realizados 163 atos em mais de 60 cidades do estado. Com a falta de abertura para debates por parte do governo, os estudantes ocuparam mais de 200 escolas no último bimestre do ano. No mesmo ano, os estudantes secundaristas ocupavam escolas de todo o país contra a PEC 24124, a MP do 24 Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita os gastos do governo federal por 20 anos.

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trazem as discussões para fora dos portões.


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Ensino Médio25 e o PL da Escola sem Partido26. Já no primeiro semestre de 2016, as escolas estaduais de São Paulo foram novamente ocupadas pelos secundaristas contra o uso de merenda enlatada. O movimento de ocupação das escolas ficou conhecido como “Primavera Secundarista” e traz à tona o debate sobre o papel da escola.

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A vivência na escola é um constante conflito à beira da ruptura. Como uma ferramenta de libertação, ela não deve ser vista apenas como uma passagem, mas como uma realidade que muda e enriquece uma sociedade. As escolas públicas, que atendem 82% das crianças e jovens do Brasil, precisam ser essa ferramenta de emancipação, e não o inverso. No documentário “Nunca me sonharam” de Cacau Rhoden, a pedagoga Bernadette Gatti questiona onde estão os 38% dos jovens entre 15 e 17 anos que não estão na escola e nem no trabalho. Essa informação é relevante para procurarmos entender onde estão e porque mais de ⅓ dos meninos e meninas não trabalham e nem estudam. A esperança de um novo futuro só é possível a partir da educação, e não uma educação bancária, mas um 25 Medida Provisória (MP) 746 que prevê mudança da jornada diária de quatro horas para sete horas no ensino médio, além da flexibilização do currículo por meio da escolha das disciplinas dentro de cinco diferentes ênfases - linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas, formação técnica e cursos profissionais.

26 O PL da escola sem partido estabelece limites de atuação dos professores em sala, impedindo a promoção de opiniões e crenças. Esse projeto de lei incentiva a “lei da mordaça” que ameaça a liberdade de expressão dos professores.


espaço horizontal e de discussões em rede. Para isso, precisamos resgatar esses 38% de estudantes a partir de uma aprendizagem e espaço emancipadores, pois só assim a experiência da convivência poderá ser modificada.

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27 O SampaPrev é o projeto de 2018 da reforma da previdência de São Paulo voltado para os servidores públicos do município. Segundo a deputada Sâmia Bomfim, é um projeto de confisco salarial em que os 11% do salário que os servidores contribuem hoje para a previdência, subiria para 14%. Além disso, a reforma opera como um cabide de emprego, já que o FUNPREV — onde entrará o dinheiro dos novos servidores — funcionará como um fundo de investimento e ¼ dos funcionários seriam escolhidos pelo antigo prefeito João Dória.

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Assim como os condomínios residenciais, as escolas também concentram-se próximas à faixa leste do território, afastando-se das prisões (anexo 05). A Escola Municipal de Ensino Fundamental Vila Munck, um dos colégios mais próximos a Raposo Tavares, possui um histórico de luta e resistência. Além de promover encontros que debatem os direitos humanos, os alunos se posicionaram contra a reforma da previdência de São Paulo (SampaPrev27) e apoiaram os secundaristas nas ocupações das escolas. Em 2021, com a discussão da reabertura das escolas no ápice da pandemia, a escola se posicionou a favor do fechamento e da preservação das vidas. É no meio do caos que a alteridade toma forma, como pequenas incisões que se dispersam como um rizoma, sem início ou fim.


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XXXII. Cartaz contra o Sampaprev em escola da Raposo Tavares em 2018, com os dizeres “NÃO AO SAMPAPREV PL621/16”. | Fonte: Google Maps


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XXXIII. Cartaz contra a abertura das escolas durante a pandemia em escola da Raposo Tavares (2021), com os dizeres “ESCOLAS FECHADAS, VIDAS PRESERVADAS!” . | Fotografia da autora.


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28 A área de pesquisa é cercada por fábricas, prisões, condomínios residenciais e escolas muradas. Não existe, por parte da lógica dominante, nenhuma tentativa de criar uma cidade que pense num futuro habitável. A barbárie que existe intra muros é pouco questionada, e o que acontece fora deles é apenas resquício do que se sucede nesses espaços cercados.

29 Deleuze, em seu livro “O Anti-Édipo” se utiliza do termo “pequenas máquinas” e posteriormente Igor Guatelli (2013) traz o conceito para a arquitetura como “máquinas residuais”. Para Guatelli, ao mesmo tempo que elas surgem a partir da máquina dominante, elas se tornam algo além dela, algo que vem de fora e ao se juntar a essa máquina, a ameaça.

o resíduo

Em um território onde o futuro está suspenso e a barbárie é aceitável28, a arquitetura implantada surge como via de crítica a existência da lógica dominante e opressora. Segundo Guatelli (2013), constantemente o capital gera resíduos no espaço e são eles que podem contaminar o território em busca de um outro porvir. As possibilidades são criadas a partir desses resíduos gerados pelo capital, pois, somente assim, por ser fruto do próprio sistema e estar fundido a ele, uma máquina residual29 tem poder de perturbá-lo, sem mascará-lo ou minimizá-lo. Uma vez que, para Guattari e Rolnik (1996) a lógica capitalista age de forma molar, ou seja, exercendo suas práticas na escala macro, a forma de agir nesses espaços é fugindo dessas grandes capturas e trazendo possibili-


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dades moleculares, isto é, com uma escala micro que se espalha pelo espaço de maneira articulada, como liames. Sendo assim, o molecular, como processo, pode nascer do macro e molar pode se instaurar no micro.

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Compreender os movimentos moleculares como possíveis agentes de perturbação de um sistema aparentemente estável30, é entendê-los como micromáquinas31 que podem criar agenciamentos e vínculos a partir desses novos fluxos. Esses agenciamentos ocorrem de forma rizomática, que para Deleuze e Guattari (2011) é um mapa aberto com múltiplas entradas, saídas e linhas de fuga; não possui hierarquia, centro ou fim. Por não possuir um encerramento, o rizoma pode se conectar com diversos pontos e reconhecer a figuras solitárias que, como celibatários, articulam-se a qualquer coisa, sendo um risco para esse falso modelo de estabilidade. Esses corpos , quando se encontram, podem usufruir de uma potência de construir outros elos onde não existia nenhuma proximidade e formar uma outra lógica. Quando um rizoma é rompido ou quebrado, ele pode ser retomado a partir de outras linhas. Deleuze e Guattari trazem um paralelo com o sistemas das formigas, 30 O território regido pelas grandes estruturas de controle criam um cenário estável e controlado, quando na realidade, esse sistema mascara possibilidades que só são visíveis quando a estrutura macro é desestabilizada. 31 São chamadas de micromáquinas por partirem das forças moleculares, ou seja, micro.


que “formam um rizoma animal da qual a maior parte pode ser destruída sem que ele deixe de se reconstruir.” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p.26). A estrutura molecular que forma um rizoma, para os autores, se liberta e não está subordinada a nada, mas ganha consistência de si mesma; ela rompe e serpenteia; passa entre pontos e espaços sem uma linha de chegada. A resiliência é um rizoma que pode se formar em qualquer borda ignorada ou que fuja à lógica imposta. Quando um fragmento é quebrado, as outras conexões mantêm e reorganizam o funcionamento. Esse mínimo que escapa pode ser o suficiente para o surgimento da alteridade.

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32 “Em um sentidos deleuziano, o agenciamento programático seria uma estratégia de montagem de um suporte programático capaz de gerar, por meio de inusual articulação e tensionamento de atividades, uma intencional situação estável quanto aos usos e imprevisíveis acontecimentos no espaço constituído” (GUATELLI, 2012. p.23)

o resíduo

Os movimentos moleculares trabalham o conflito e revolvem as estruturas que se apresentam equilibradas, por isso são revoluções moleculares. Desordenar a lógica a partir dos resíduos gerados pelo capital é a condicionante para a manifestação de uma outra possibilidade. O território começa a perder seu significado original sem deixar de sê-lo, ou seja, ele não é uma coisa nem outra, mas uma coisa e outra. É aí que surgem os agenciamentos programáticos32; eles surgem nesses territórios falsamente consolidados para desterritorializa-los, ou seja, desestabilizam a lógica pré-estabelecida e abrem frestas para que novos fluxos emerjam e novas possibilidades tenham


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a possibilidade de surgir, como uma reterritorialização33. O agenciamento nunca é uma ação individual, mas parte de uma coletividade que ultrapassa o simples comportamento e vai de encontro a todas as multiplicidades envolvidas. Esses agentes, para Guatelli (2013), são capazes de gerar revoluções moleculares que criam a possibilidade de inserir outras realidades nesses espaços já estabelecidos e determinados.

O resíduo descartado pelo capital pode ser encontrado nas fronteiras — que costumam ser espaços desprezados da cidade — e por isso possui maior facilidade de permanecer nessa zona inabalável, que só será rompida através da contaminação dessa lógica existente. Esse rompimento é um excesso, vai além do necessário; não é um complemento para o funcionamento daquele lugar, mas sim suplemento. Para Guatelli (2013), por estar além do que é preciso para o funcionamento e aparentemente desajustado à situação prevista, ele é perigoso e incomoda; o suplemento adentra a situação presente ao ponto de incomodar, desajustar e questionar. A máquina neoliberal é previsível, e esses perigosos suplementos ameaçam essa previsibilidade, uma vez que, segundo Guatelli (2012), abrigam a possibilidade do evento imprevisível, com lugares que dão lugar a outros lugares; não é imposto e 33 Esses processos não se estabilizam e ocorrem continuamente. A des e reterritorialização é tratada por Guatelli no texto “De agenciamentos programáticos outros na metrópole: uma abordagem “maquínica” dos processos de reterritorialização urbana”.


nem pronto para uso. O grande triunfo que o suplemento carrega é a ambiguidade a qual ela faz parte; assim como o phármakon34 que traz na palavra uma relação de sentido duplo — pode ser remédio ou veneno — o suplemento pode ser um remédio para as novas possibilidades que podem surgir ou um veneno para a lógica capitalista. Um território que funciona com antolhos — com caminhos tão definidos e fechados — é desterritorializado pelo próprio resíduo que descartou.

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34 Derrida (2005) expõe a ambivalência do termo grego phármakon em sua obra “A farmácia de Platão”. Derrida não constitui uma novidade ao trazer o termo, mas afasta o dualismo (uma coisa ou outra) da palavra e traz a possibilidade de uma ambivalência (uma coisa e outra).

o resíduo

As contaminações que permitem essa instabilidade e imprevisibilidade, possibilitam dinâmicas diversas e sociabilidades não coagidas; não impõem a ocupação do vazio com programas fechados, mas trabalham a partir da existência do conflito que está ali colocado e passa a ser um gerador de possibilidades e acontecimentos. A desterritorialização, abordada por Deleuze e retomada posteriormente por Guatelli (2013), extrai o significado daquele território e abre um hiato para outra possibilidade de ser; esse espaço não é uma coisa nem outra, mas uma coisa e outra. Novas dinâmicas surgem nessas sobras e a arquitetura auxilia como uma alavanca de possibilidades além do essencial, ou seja, como perigosos suplementos. Esses aparatos surgem como crítica a lógica imposta e pretendem, segundo Guatelli (2013), desprender pontas


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nas cadeias montadas pela máquina dominante e, a partir daí, construir possíveis linhas de abolição em relação à lógica imposta, com o mínimo suficiente para que os fluxos não sejam apenas recondicionados e que as possiveis mudanças surjam.

Qualquer edificação meramente programática, criada para suprir ou auxiliar em necessidades existentes são fagocitadas pelo capital, por isso, as máquinas residuais surgem nas margens, não para suprir uma carência, mas para questionar a lógica existente e alterar a dinâmica imposta ali. As máquinas residuais criam articulações inesperadas a partir de impulsos não conduzidos, formam liames em inusitados territórios e fomentam o surgimento de micropolíticas. Partindo do pressuposto de uma arquitetura criada a partir da subversão do resíduo gerado pelo capital, ela não age mais como um objeto formal, com programas rígidos, sociabilidades programadas e plasticidade convencional, e sim como agenciamentos que des e reterritorializam; não como uma operação que volte a origem do território, mas conecta diversas linhas e traça um plano de consistência. Para Deleuze e Guattari (2012), só possui consistência aquilo que aumenta o número de conexões e abre brechas para que os agenciamentos aconteçam. O plano de consistência garante a multiplicidade tipo rizoma, aposta na relação entre elementos heterogêneos. O plano age no meio e se opõe ao princípio ou finalidade.


No campo da arquitetura, um objeto sem limites restritos cria mediações com a cidade e esses encontros com algo além dela própria cria redes — não mais aquelas redes arbóreas e binárias, com sobreposições de linhas e pontos submetidas ao uno, molares, como as estrutura de punição e vigilância, mas um rizoma diagonal que se rompe ou serpenteia. Qualquer intervenção tomada isoladamente ali perder-se-ia na complexidade da trama; o projeto, para Guatelli (2012) supera seu sentido isolado, do “em-si-mesmo”. Por isso ele funciona como máquina, não meramente a máquina técnica, “mas também as máquinas teóricas, sociais, estéticas; nunca funcionam isoladamente, mas por agregação ou por agenciamento” (GUATTARI e ROLNIK, 1996, p.320).

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Ao entender o plano de consistência como algo que se opõe ao princípio e finalidade, ele pode ser entendido como um perpétuo ensaio, ou seja, jamais fechado, sempre por refazer; é uma obra sempre em obras. Huberman (2019) em seu livro “Sobre o Fio”traz a ideia de uma obra sem rabo e nem cabeça, ou seja, elas fogem do limite do começo (cabeça) e do fim (rabo). Não ter um rabo torna as possibilidades infinitas e inesgotáveis, a falta da cabeça despreza a autoridade dos axiomas estéticos de um tempo ou estilo; a obra permite uma expansão para todos os cantos e sua atividade sempre inacabada passa a atribuir um “valor do infixável, da experiência não capitalizada” (Ibid., p. 09).


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Diante disso, se a arquitetura não tem fim, ela é inacabada e em permanente reconstrução, capaz de assumir e registrar acontecimentos mutáveis e espontâneos, em uma obra feita de partes que se somam sem a imposição de um ciclo fechado. O programa, para Guatelli (2012), é reduzido ao mínimo, apenas como um possibilitador de articulações; ele está em prol do grama. O grama que surge para tecer um sentido; é um quase nada que articular até o mínimo elemento e foge do discurso constituído. A articulação do grama pode ser presença ou ausência, um hiato ou um hífen; por agir até nas menores fendas e desmontar as lógicas molares em detrimento da criação de montagens moleculares, o grama possui uma forma de impulsionamento de dinâmicas capazes de abalar as estruturas estáveis. O programa é feito e refeito pelos usuários, aberto a experimentações diferentes do programado, como um espaço suplementar.

A máquina que se faz a partir do resíduo assume um caráter conflituoso uma vez que a própria se funde ao capital e estabelece sua expressividade no momento em que articula a adição ao rastro existente. O desafio é encontrar o elemento articulador desses elementos tão distintos e sem complementaridade, sem a pretensão de harmonizá-los ou homogeneizá-los, mas trabalhar com o conflito em si. A articulação entre esses dois elementos tão é como uma sela que os aproxima e os transforma em outra coisa


além deles mesmos, mas “ser-com-os-outros”35. Ela chega e interfere no presente, utilizando-se de uma situação pouco participativa na dinâmica da cidade, como uma presença ausente, deforma esse ser. A sobra desse sistema se forma sobre um fundo que quer se camuflar, sumir; os muros camuflam as penitenciárias, as barricadas de concreto distanciam o cotidiano, as grades desligam a escola da cidade.

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35 Igor Guatelli reaviva em seu livro “Arquitetura dos entre-lugares: sobre a importância do trabalho conceitual” o conceito da “sela”, discorrido por Gilles Deleuze em conversa com Claire Parnet no livro “Diálogos” de 1998. Para Guatelli (2012, p.101), a sela “é a precondição para um processo de des-limitação e contaminação do que parece ser próprio de cada uma das partes envolvidas, tornando-as um outrem com desdobramentos, quem sabe, imprevisíveis”.

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A arquitetura deixa de ser entendida pela sua totalidade e passa a agir como cacos que infiltram-se nas trincas e rastros, entre espaços já constituídos, ou como exemplificou Deleuze e Guattari (2011), como uma erva que age entre ambientes não cultivados. Supera as fronteiras entre o dentro e fora, entre si e o outro, entre a presença e a ausência absoluta. Os limites, que já foram superados pela ideia da obra sem rabo e nem cabeça, desvanecem e o espaço passa a ser algo muito além dele próprio; é entendido autenticamente quando entra em contato e se articula com o outro, algo além de si. Reconhecer algo díspare é a possibilidade de criar novos agenciamentos e eclodir novas dinâmicas através do tensionamento da paisagem. A compreensão do espaço não


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se dá a partir de quem o concebe, mas das possibilidades que são gerados ali. A forma, ao transbordar os limites ditados, des-limita a fronteira e se abre ao indefinido, e por isso é potente.

A ação arquitetônica nesse território, pretende perfurar os limites impostos, superando o sentido isolado de sua existência e vai de encontro ao que a tangencia, ou no conceito de Martin Heidegger, Mitdasein (pode ser traduzido para ser-com). O conceito é retomado por Guatelli (2012) posteriormente e traz a concepção de uma arquitetura que coloca-se para e não um ser-para-si-mesmo; não existe de maneira autônoma e autossuficiente, mas como um rastro presente e ausente que se concebe a partir das possíveis costuras que são criadas, sendo elas aparentes ou não. Ao entrar em contato com o outro, ela deixa seu estado inicial para se tornar um outro em uma frequente construção. Por não depender somente dela mesma, a arquitetura está aberta ao constante acaso; o espaço é mutável de acordo com os agenciamentos que vão se alterando com o tempo. Como no pensamento de Barthes (1973, p.27 apud GUATELLI, 2012, p.36) “o prazer do texto é este instante em que meu corpo vai seguir suas próprias ideias, porque meu corpo não tem as mesmas ideias que eu”. Essas ideias, compostas por fragmentos que se somam, caminham ao infinito até que o(a) arquiteto(a) também não possua mais total domínio do projeto, pois agora a obra não tem mais fim e sua existên-


cia já se desvencilhou da proposta inicial.

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36 O filósofo francês Jacques Derrida (1995) traz o conceito de Khôra —no livro com o mesmo nome — que mais tarde é discutido no campo da arquitetura por Igor Guatelli (2012). Segundo Derrida, Khôra é um receptáculo, que, por receber constantemente o outro, é marcada por ele, mas sem deixar de ser um significante.

o resíduo

Ao adentrar a área de pesquisa, encontramos esses processos de desvencilhamento do objeto em relação aos autores. Os muros e grades que camuflam as situações existentes e afastam os edifícios da cidade são, em alguns momentos, deslocados. É feita uma pequena incisão que é capaz de impulsionar uma dinâmica diferente daquela que está dada. Sua potência não se dá pelo espaço criado, mas pelos possíveis agenciamentos que podem ser gerados ali. O lugar, quando essas barreiras são deslocadas, se transforma sem deixar de sê-lo, como uma luxação; a partir de uma perturbação, novas possibilidades são colocadas naquele espaço aparentemente fora do lugar. A essência é sempre corrompida uma vez que está em constante contaminação com o outro e aberto a possíveis agenciamentos. O limite vai se dissolvendo e passa a ser algo agradável; uma lanchonete, um espaço para piquenique… como khôra36, esses espaços criados são abertos a interpretação e apropriações, eles acolhem sem que haja uma hierarquia imposta, mas sem, no entanto, se desvincular de sua condição original. Aqui, quem subiu esses muros já não possui mais domínio de sua obra, pois seu fluxo foi desviado de seu sentido original.


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XXXIV. Mapa da área de atuação com quatro pontos de muro destacados. | Fonte: Google Earth XXXV. Muro transformado em loja de conveniência. | Fonte: Google Maps XXXVI. Muro com uma nova cobertura e cabines. | Fonte: Google Maps XXXVII. Muro com novos recuos e criação de uma lanchonete. | Fonte: Google Maps XXXVIII. Muro que recebeu geladeira e churrasqueira, com uma nova cobertura. | Fonte: Google Maps


o resíduo

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A SOBRA A construção civil está entre as maiores responsáveis pelo aquecimento global e a poluição do meio ambiente37. Parte dessa responsabilidade vem da redução gradual da vida útil das construções a partir do impulso pela substituição; de acordo com Alban (2020) edifícios que são construídos para durar centenas de anos são demolidos, em sua maioria, em menos de três décadas. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a construção civil é responsável por até 30% de todas as emissões de gases de efeito estufa e de acordo com a Architecture 2030, o setor gera quase 40% das emissões globais de CO2. A liberação de gases se dá a partir de diferentes atividades, como a mineração, processamento, transporte, operações industriais e a combinação de produtos químicos. Para criar uma consciência das consequências que a construção civil causa, temos que pensar em todo ciclo: da extração ao descarte. O concreto armado, por exemplo, libera grandes quantidades de CO2 na fabricação do cimento e, segundo Souza (2020), é responsável por uma exploração danosa de areia, pedra e 37 O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) estima que aproximadamente ⅓ da liberação de gases do efeito estufa no mundo esteja relacionado com a construção civil e seus produtos. O processo de fabricação e transporte de grandes massas de material exigem, segundo John (2007), muito combustível, além de uma fração muito alta de energia ser gasta na operação dos edifícios.


ferro para os inúmeros vergalhões e transporte muitas vezes distante; fora o descarte do material que, depois de se tornar obsoleto, é muitas vezes feito de maneira irregular.

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Conforme relata Gonçalves-Dias e Klein (2017), os resíduos da construção civil (RCC) correspondem entre 50% a 70% quando comparados com o total de resíduos sólidos urbanos (RSU’s) no Brasil. Grande parte desse resíduo é descartado de forma irregular; em 2013, foram contabilizados cerca de 4.500 pontos de descarte irregular na cidade de São Paulo. Segundo a MLC Consultoria Ambiental, o descarte irregular de resíduos é um problema crônico nas cidades brasileiras e, segundo o último levantamento do Ministério do Meio Ambiente, pelo menos 56% dos municípios no País recorrem a depósitos inadequados no momento de desfazer-se do lixo.

38 Os dados foram retirados do relatório “Aumento no preço e desabastecimento de materiais de construção durante a pandemia” feito pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)

o resíduo

O reemprego de materiais já foi um fator comum na arquitetura, mas por diversos motivos, que serão tratados a seguir, esse tema foi se deslocando para a periferia e permaneceu presente quase exclusivamente nas autoconstruções. Na pandemia, por exemplo, os preços de materiais de construção, principalmente entre julho e agosto, aumentaram de maneira absurda; o aumento foi muito maior que a inflação nacional38.


materiais e construção insdústria transporte

11 32 23

Emissão global de CO2 por setor 90

6% 23% 28%

32%

outros

operações de construção

11%

materiais e construção

insdústria

transporte

XXXIX. Gráfico- Emissão global de CO2 por setor. | Fonte: Global Alliance for Buildings and Construction, 2018. CBIC, 2020, p. 01

O Índice Nacional de Custos da Construção – Materiais e Equipamentos, calculado e divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, apresentou um aumento de 4,02% no

período dos 12 meses encerrados em maio deste ano. Já nos meses de junho, julho e agosto, a alta registrada no

referido indicador foi de 3,80%. Assim, o índice demonstra que o aumento teve início em junho, quando foram

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dados claros sinais ao mercado do que viria pela frente.

A CBIC é uma entidade privada que se mostra visivelmente, a partir do relatório expedido, estimulado a defender e representar o mercado mobiliário. Apesar do seu interesse voltado para os empresários, lançamentos e venda de imóveis, ela nos expõe uma realidade. Com as desigualdades econômicas e sociais acentuadas no ano de 2020 e 2021, a autoconstrução tende a ser um aparato ainda mais utilizado nos próximos anos e a construção

civil se mostra cada vez mais elitizada. A quebra econômi-


ca de países mostrou, durante e história, reflexos importantes na arquitetura. No empobrecimento do império romano, com o surgimento de legislações de desmonte do edifício, as peças tornam-se patrimônio e o(a) arquiteto(a) participa em todas as etapas do processo. A dificuldade de transporte de materiais na época estimulava o uso de produtos próximos ao canteiro.

Foi por volta dos fins do século XIX, na Segunda Revolução Industrial, que a noção de resíduo começou a existir. Em 1897, foi erguida em Nova York a Gillender Building, uma torre de escritórios de 22 pavimentos, o até então quarto mais alto da cidade39. Sua grandiosidade não demorou muito para se tornar ultrapassada; de acordo com o site New York Architecture:

Doze anos depois, o prédio e o lote foram vendidos para a Manhattan Trust Company pelo preço mais alto já

registrado em Manhattan: mais de US $ 800 o pé qua-

91

THE GILLENDER..., 2015, tradução livre

drado, de acordo com o New York Times. No mesmo ano, a Bankers Trust Company, que absorveu o Manhattan

Trust, negociou um arrendamento do terreno adjacente em forma de L, que abriga o edifício Stevens de 7 an-

39 Pedro Alban, arquiteto e idealizador do projeto “Coletivo Mouraria 53” debateu durante a Semana de Arquitetura e Urbanismo da FANESE Sergipe, o tema do reuso de materiais na arquitetura contemporânea. Alban (2020), ao abordar sobre o assunto, tratou da obsolescência que passou a emergir na arquitetura e concomitantemente a reutilização cada vez mais esporádica dos materiais. Nesse ponto, o arquiteto traz o exemplo do Edifício Gillender.

o resíduo

dares. A empresa decidiu substituir o Gillender - então


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o prédio mais alto já demolido - e o Stevens por uma

estrutura muito maior em um lote combinado de 93 x

96 pés. Com 41 andares, o novo edifício era o edifício

bancário mais alto do mundo quando foi inaugurado em

1912.

cidade teia-de-aranha

A obsolescência do edifício que era apontado como um grande avanço tecnológico da construção não demorou a chegar. Com um pouco mais de uma década desde sua inauguração, o Gillender tornou-se inútil e ultrapassado. Manhattan, onde o edifício fora implantado, tornava-se uma zona cada vez mais valorizada e aquela construção já não tinha importância. Desconstruir um edifício de 22 pavimentos naquela região seria muito caro ao capital devido ao tempo que aquele espaço estaria inutilizado. Com isso, o Gillender tornou-se o edifício mais alto demolido voluntariamente na época. O que ocorreu no Gillender foi um importante episódio para as mudanças no paradigma do reemprego de materiais; sua demolição mostrava uma mudança na mentalidade da construção civil e que a criação de resíduo era mais plausível do que atrasar o andamento do capital. Nesse período, segundo Alban (2020) os depósitos de desmonte que localizavam-se nos centros das cidades, começaram a migrar para as zonas suburbanas devido ao aumento do custo do aluguel, acarretando um distanciamento cada vez maior do(a) arquiteto(a) com a matéria; tornou-se caro desmontar pois o depósito era distante


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o resíduo

XL. Edifício Gillender, Nova York. | Fonte: New York Architecture

XLI. Edifício Gillender durante a sua demolição. | Fonte: New York Architecture


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do centro e comprar materiais desses locais não valiam a pena pelo mesmo motivo. Com o aumento da industrialização, surgem novos materiais, muitas vezes mais baratos e catalogados; Alban (2020) indica que nesse momento, o entendimento de cada fragmento que já estava sendo deixado de lado pelos arquitetos, passa a ser terceirizado de vez. O movimento definitivo para a normalização total em relação a demolição e geração de resíduos se deu na Segunda Guerra Mundial que, explicita Alban (2020). Em consequência dos bombardeios, os países tiveram que se especializar no manejo do resíduo da construção e surgem aí as grandes escavadeiras e a bola de demolição que são levadas para a construção civil.

A relação do(a) arquiteto(a) com os elementos que estão em um projeto tornaram-se cada vez mais distantes e menos parofundada a medida que a demolição tornavase mais comum e a obsolescência da arquitetura dava-se cada vez mais depressa. Nos anos 70, surgem os estruturalistas defendendo, de acordo com Alban (2020), a leitura das partes em detrimento de uma grande narrativa histórica, e essas partes, assim como as palavras, podem ou não ser usadas em seus sentidos denotativos. Nos anos 80 esse discurso reflete em uma arquitetura na qual a linguagem é feita por segmentos. Em 1897 o OMA constrói o Kunsthal, em Rotterdam, um museu de artes cuja fachada é constituída por pilares com diferentes materialidades e plasticidades. Sua narrativa não se constrói ao redor da


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XLII. Fachada do Kunsthal: pilares com diferentes formas e materialidades. | Fonte: OMA

o resíduo

XLIII. Fachada do Kunsthal: diferentes recortes e níveis | Fonte: OMA


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reutilização de materiais já empregados em outro momento — a fim de evitar a geração de resíduos — mas na sua utilização fora de seu sentido usual, como o policarbonato nas paredes, ou a partir de junção diferentes fragmentos que compõem um mosaico, como o os pilares totalmente distintos entre si.

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A criação de um partido feito de partes, sem necessariamente pensar em um fim, é um componente indispensável para o processo de construção do Kunsthal. Sua montagem conceitual é lida em diversas séries de espaços que se justapõem e assim como posteriormente na Casa da Música40, esses espaços não são ligados como um ponto final, mas são atravessadas de maneira imprevista. A estrutura do museu também participa deste dinamismo; foge de um racionalismo tradicional em que se estabelece uma totalidade fechada e concluída. Seu principal objetivo é enriquecer o dinamismo espacial das galerias e salas. Em 2014, Rem Koolhaas foi curador da Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza – “Fundamentals”. No pavilhão em que seu escritório atuou -Elements of Architecture- o arquiteto propõe a análise da arquitetura através de seus elementos. O OMA (2014) sugere olhar os elementos mais ordinários que utilizamos 40 A Casa da Música do Porto (1999), de Rem Koolhaas, é um projeto que, como um labirinto, é composto por passagens confusas que perpassam os vazios e convidam o visitante a explorar o espaço através de diferentes percursos, sem origem ou destino específicos (GUATELLI, 2012).


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XLIV. Kunsthal: Materiais e formas pouco convencionais | Fonte: OMA

o resíduo

XLV. Kunsthal: Policarbonato na parede | Fonte: OMA


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na arquitetura a todo tempo: o chão, a parede, o teto, o telhado, a porta, a janela, a fachada, a varanda, o corredor, a lareira, o banheiro, a escada, a escada rolante, o elevador, a rampa. Koolhaas busca transformar a escala macro, do projeto pronto e fechado, em um entendimento dos fragmentos que contam a micronarrativa. Quando se entra no detalhe de cada elemento, somos levados a perceber que uma janela não é apenas uma janela41; cada uma carrega a história, cultura, símbolos, avanços e a geografia de onde veio, existindo a mil anos ou um mês. As peças não dependem uma das outras; elas se alteram de forma independente. Os elementos, para o OMA (2014), podem tornar cada edifício uma colagem de cores, texturas e tempos, mas também podem criar um único padrão. Partindo do pressuposto do edifício como colagem, assim como o OMA propõe, assume-se que a arquitetura é feita a partir de uma soma de partes, e essas partes podem ser encontradas ou não em seu sentido original, como ocorre no Kunsthal. A forma como um todo dá lugar à construção da matéria indefinida a partir de mosaicos que agenciam possíveis situações a serem impulsionadas no espaço de maneira indeterminada. A retórica da soma de diferentes elementos abertos à transformação e não um todo encerrado é, para Alban (2020), a base da arquitetura de reuso, pois ela propõe que os elementos que já foram empregados em algum momento, voltem a 41 A não ser as janelas de catálogo de casas de construção, que apenas reproduzem um genérico cada vez mais genérico.


o resíduo

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XLVI. 14o Bienal de Veneza- elementos da arquitetura: Janelas | Fonte: OMA XLVII. 14o Bienal de Veneza- elementos da arquitetura. Varandas | Fonte: OMA


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ser utilizados, seja na sua condição original, ou em algo totalmente diferente. A desconstrução dos elementos da arquitetura em detrimento de sua demolição permite que os materiais sejam reutilizados e transformados, seja no seu sentido original ou transfigurado. A Arquivo é uma empresa de Salvador fundada pelos arquitetos Pedro Alban e Natália Lessa e visa o reaproveitamento de elementos na arquitetura. A empresa desmonta imóveis e retornam elementos passíveis de reuso a circulação. De maneira similar às categorias utilizadas pelo OMA na 14o Bienal de Veneza, a Arquivo também separa os itens para venda por elementos.

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XLVIII. Site da Arquivo- organização por elementos


101

o resíduo

Quando a arquitetura trabalha com materiais de reuso, a cidade é um grande depósito carregado de fragmentos. Essa mina — como Alban (2020) qualifica a cidade — está aberta ao imprevisto, uma vez que esses elementos são singulares e marcados por inúmeras camadas do tempo. A leitura do projeto, por ser constituída de fragmentos, é feita de partes; são essas partes que, sendo aplicadas no seu sentido original ou em um contexto alterado, produzem a colagem que está sempre aberta a receber mais um fragmento. Ao considerar o elemento como parte fundamental do projeto, o(a) arquiteto(a) passa a participar de todo o processo.


03 102

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OS QUATRO PLANOS DE


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consistência o plano tem. Diferente do plano de organização que diz respeito à forma e ao lugar em detrimento do agenciamento, o plano de consistência procura criar conexões de diferentes escalas, velocidades e intensidades. Esses planos podem ser encontrados em momentos de transição, onde o conflito está iminente e as disparidades mostram-se gritantes. É nesse território composto por fronteiras e conflitos, que surge a

os quatro planos de consistência

O plano de consistência de Deleuze e Guattari (2012) estabelece relações entre elementos que ainda estão por vir e que podem ser formados a partir de fragmentos heterogêneos. Essa consistência foge do princípio ou da finalidade, ela age no meio, sem pensar em um ciclo fechado e unificado. Sobre esse plano, diversos fluxos são formados simultaneamente e em constante transformação, sem um pré estabelecimento ou regra. Esses fluxos que surgem nos planos de consistência se dão a partir dos agenciamentos, e quanto mais os agenciamentos se desenrolam, mais


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possibilidade de eclodir novas dinâmicas. Os conflitos se dão em grande parte nas fronteiras, então a arquitetura atua nesse espaço. A questão que surge é: como agir diante do que é inadmissível? A arquitetura não deve mascarar ou minimizar os enfrentamentos que existem ali; ela deve entender esse território como um espaçamento do que é posto ali hoje e o que pode vir a ser42. Não uma arquitetura que age como um plano de organização, compreendido somente pela forma que pode ser elaborada, ignorando os possíveis agenciamentos a serem gerados, mas um suporte que, de maneira molecular, age nas fraturas molares do sistema, transborda seus próprios limites e cria outras conexões rizomáticas. Essa arquitetura rasga as fronteiras entre o fora e dentro, entre ela própria e o próximo. Ela procura, através desses diversos fluxos que podem surgir, entender e evidenciar o que há por baixo das lógicas aparentes. O projeto, ao longo dos quatro planos de consistência apresentados a seguir, procura atuar nos resíduos desse território de fronteiras, investigando outras lógicas que borbulham quando a escuridão surge. A ação arquitetônica pretende, como perigosos suplementos, servir de suporte para que novos agenciamentos surjam e rompam as estruturas postas.

42 Igor Guatelli (2012) trata essa questão em seu livro “Arquitetura dos entre-lugares”.


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primeiro plano segundo plano terceiro plano quarto plano


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PRIMEIRO PLANO

O primeiro plano está localizado na Avenida Arterial Sul — a rua a caminho do Centro de Detenção Provisória (CDP) I e II e na divisa de São Paulo com Osasco. A

via é enlaçada por muros em ambos os lados; um muro de alvenaria isola o Centeranel e na outra


XLIX. Vista da Avenida Arterial Sul. À direita, o Centro de Distribuição da Camil Alimentos e à esquerda o Centeranel. Ao fundo os CDP I e II. | Fonte: Google Maps

extremidade uma cerca de alambrado que aparta o Centro de Distribuição da Camil Alimentos. Uma breve digressão ao tema dos muros apontados previamente permite trazer para este plano uma elucidação. Formulando


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limites e barreiras, os muros que formam o território são em alguns momentos transformados sem deixar de existir; criam situações permanentemente instáveis e muitas vezes efêmeras, tornando-se outro sem deixar de ser. Os limites, no caso dos muros apresentados no capítulo anterior, são rompidos a favor da criação de novos fluxos que não se estabilizam em um novo ponto ou fim, mas estão abertos a constantes mudanças. Como uma luxação, os rasgos criados nessa linha contínua, tiram a estrutura do lugar sem ajustá-la novamente, criando um incessante incômodo. A parede, que ilha o condomínio residencial do restante da cidade, sofre um corte intracutâneo e introduz um novo fluxo. Em outro momento, os muros se abrem para a vida cotidiana e permitem novas dinâmicas passageiras. Ali onde o primeiro plano se manifesta, o futuro está totalmente suspenso, não existe esperança e as mães, esposas e filhas esperam a hora da visita apoiadas em barricadas de concreto que se alongam pela via. Esses paralelepípedos que parecem surgir de uma inflamação do próprio chão levantam-se como fragmentos hegemônicos e contra-insurgentes, obstáculos cuja localização procura reter fluxos ameaçadores e afastar intrusos. Esse elemento, rastro da soberania do sistema, surgiu em um contexto totalmente diferente; não era um objeto, era um ato de insurgência. Segundo Delgado (2010), as barricadas surgiram através de paredes de barris em 1522 na


capital francesa para a defesa da cidade dos mercenários de Enrique III. Em 1871, na Comuna de Paris, esses elementos tornaram-se projetos de obras públicas e constituiram um elemento fundamental na paisagem insurrecional das cidades europeias até o século XX. Em maio de 1968, os movimentos estudantis em Paris — que logo se expandiram para outros pautas sociais — utilizaram-se

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L. Barricada em Paris, maio de 1968. | Fonte: Agência Boa Imprensa

os quatro planos de consistência

LI.Carros virados e utilizados como barricada durante os atos de maio de 1968. | Fonte: Uol


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das barricadas como ato contra-hegemônico.

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Em outro contexto, o Dia do Jovem Combatente, que ocorre em 29 de março, é marcado por manifestações que relembram o assassinato dos irmãos Vergara Toledo pela ditadura militar chilena. Segundo González (2020), o evento é marcado pela instalação de barricadas como objeto antimonumental em diversos pontos da Região Metropolitana de Santiago. O instrumento mostra uma ocupação contra hegemônica do espaço e contribui para a criação e consolidação da memória coletiva de resistência. Diante disso, convém reconhecer que a barricada é um forte componente expressivo; ela é por essência um ato de subversão ao que é dado como correto e fixo, símbolo das lutas nas ruas e por isso é em sua essência desagradável. Não é um objeto que se estabiliza em um ponto, mas está em constante mutação. Por outro lado, pode ser submetido a condição de objeto contra-insurgente ao ser capturado pelas lógicas de dominação e auxilia na produção da não cidade que exclui e distancia possibilidades de agenciamentos, como ocorre no território de pesquisa. A Avenida Arterial Sul se apresenta meramente como uma rota de acesso aos CDP I e II. Sua existência se resume a uma superfície horizontal de concreto que eleva ao longo de seu corpo supérfluo seis paralelepípedos em posições variadas igualmente fracassados; eles destacam a hierarquia que existe ali e, juntamente com os limites


LII. Barricada em Valparaíso (Chile) no dia do Jovem Combatente. | Fonte: Primera Línea

os quatro planos de consistência

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verticais que cercam a rua, guiam o transeunte até seu destino final: a penitenciária. Em um território onde o futuro está suspenso, não cabe uma arquitetura meramente funcional e programática, pois isso justificaria e legitimaria as condições desumanas que existem dentro do presídio. Tudo que ali for construído como apoio, só servirá para incrementar esse sistema já tão amarrado.

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Os rastros gerados pelo poder soberano são materializados, neste caso, em forma de muros e barricadas; a partir disso, o projeto pretende atuar, através de mate-


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riais de resíduo e descarte, diretamente nesses rastros e subverter seus únicos usos: vigiar e dominar. A estrutura implantada se utiliza da situação que ali persiste para desconfigurá-la. Seis vigas-vagão constituídas por sarrafos são biapoiadas nas barricadas e nos muros. A estrutura introduzida é assentada transversalmente a rua e ao mesmo tempo que bloqueia, cria também novas possibilidades de fluxo e alteram a dinâmica imposta.

os quatro planos de consistência

isométrica afastada

As vigas são dispostas em um zigue-zague que ora perpassam o muro de alambrado e ora rasgam o muro


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de alvenaria. Em ambos os casos, as barreiras sofrem uma fina fissura vertical, como se as vigas que chegam as cortassem de modo a contaminar sua existência pura e inalterada do muro. No alambrado, mourões que serão retirados do terceiro plano são utilizados como ponto de apoio para essa viga que chega. Na alvenaria, a própria parede rasgada funciona como esse apoio para a estrutura que a toca. Os limites começam a esmaecer de maneira sutil e essa borda que contorna o território sofre pequenos cortes para que outros fluxos sejam revelados.

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colagem


801.48

805.00

802.40

planta

01

0

1

5

10

5

10

20

20

corte aa


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A partir da década de 1960, Gordon Matta-Clark perfurava e extraia partes de edifícios abandonados ou que estavam prestes a serem demolidos43. Essas fissuras abertas pelo artista corrompem e reconstroem a ideia de público e privado, fora e dentro e atua exatamente nas fronteiras, des-limitando essas bordas criadas pela arquitetura. Pensar na ação do corpo nesse espaço é considerá-lo constantemente desconfortável, nunca estável. Em 2006, a 27a Bienal de São Paulo concebeu uma homenagem a Matta-Clark e no mesmo ano Guilherme Wisnik escreveu à Folha de S. Paulo um texto sobre o artista. Nele, Wisnik (2006) destaca a real discussão que Matta-Clark pretendia trazer; uma crítica a arquitetura que procura passar uma ilusão perene, eficiente e ordenada. O artista, agindo na contramão, destaca o caráter efêmero, precário e inútil da arquitetura.

O enfraquecimento das barreiras apresentado por Matta-Clark é manifestado no primeiro plano do projeto. O rompimento do muro, uma estrutura aparentemente consolidada — de escala molar — cria possíveis brechas — de escalas moleculares — para a desestabilização dessa figura sólida e assim é apresentada a condição para que possíveis mudanças aconteçam. Um certo paradoxo que 43 Essas propostas são chamadas por Matta-Clark de Anarquitetura e ela não indica uma apropriação física permanente do espaço, mas uma alteração do seu significado. Suas intervenções são muitas vezes efêmeras e pontuais.


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os quatro planos de consistência

as vigas colocam ao atravessar transversalmente a via é que ao mesmo tempo que elas criam novas barreiras, elas também trazem a possibilidade de novos fluxos e servem de assento para as pessoas que esperam por horas para visitar seus parentes que estão na prisão. O plano de consistência formado ali permite que suportes sejam criados para que agenciamentos possam acontecer.

LIII. Splitting, 1974- Gordon Matta Clark | Fonte: Khan Academy


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os quatro planos de consistência

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isométrica


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1/4

vigas-vagão: proporção entre os montantes 1/4

1/4

1/4 1/4

1/4 1/4

1/4

3,00

vigas-vagão: dimensão dos sarrafos 3,00

3,00 3,00

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3,00 3,00

3,00 3,00

3,00


os quatro planos de consistência

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LIV. Fase 01 da experimentação da viga-vagão: estrutura de caibro e um montante. LV. Fase 02 da experimentação da viga-vagão: estrutura de caibro e dois montantes. LVI. Fase 03 da experimentação da viga-vagão: estrutura de sarrafo e dois montantes.


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os quatro planos de consistência

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LVII à LXII. Experimentação do encaixe dos sarrafos.


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SEGUNDO PLANO

O segundo plano situa-se na própria Raposo Tavares, na altura do quilômetro 20, trecho que abriga o Centro de Progressão Penitenciária (CPP) Feminino a sul e o Milan Leilões, um leilão de automóveis com área de


LXIII. Raposo Tavares- à direita o leilão de automóveis e à esquerda um grande talude com o CPP Feminino. | Fonte: Google Maps

60.000m2, ao norte. Para esse plano, a proposta é criar um corte nesse fluxo já tão amarrado e estável que é a rodovia com os elementos que a rodeiam. Esse corte é

uma transposição que liga o CPP ao leilão, dois pontos que estão em sentidos opostos da via. Heidegger disse na


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conferência “Construir, habitar, pensar” que uma ponte define as margens como lugares, ou seja, é a partir dela que o lugar surge44. Não é possível afirmar que a prisão ou o leilão de carros são não lugares, mas também não estão no sentido contrário45. Apesar disso, essa transposição que surge resgata um olhar atento e cria um desconforto para uma situação que a tempos estava afogada na inércia coletiva. Essa nova linha no horizonte exibe de um lado aquela caixa que guarda pessoas lançadas ao esquecimento e na extremidade oposta o terreno de dimensões exageradas que acumula ferragens.

Ao mesmo tempo que aquela rodovia é estática, estável e com acontecimentos análogos a um dia a dia de passagem, carregados pelas mesmas pessoas, edifícios, ela também é movimento; dentro da trama, quando se começa a analisá-la de perto e desviando o olhar dessa lógica macro que aparentemente rege o território, percebe-se que os conflitos ocorrem diariamente. As rupturas são co-

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44 Guatelli (2012) traz essa referência em seu livro “Arquitetura dos entre-lugares”.

45 Os campos de concentração, por exemplo, podem ser considerados não lugares. O sistema carcerário brasileiro tenta de diversas maneiras afastar a sociedade de quem está dentro das prisões, afastando essas estruturas das grandes cidades e dificultando assim, o acesso à informação do que ocorre dentro. Podemos pensar nos casos de covid-19 dentro dos centros de detenção; apesar de altíssimos os casos, pouco foi falado ou divulgado. Esse afastamento da cidade cria também obstáculos para os (as) visitantes; além de um longo caminho, essas pessoas muitas vezes passam pela revista vexatória que, apesar de violar diversos direitos fundamentais, é muito comum no Brasil e é uma das responsáveis pela diminuição das visitas devido a constrangedora exposição sofrida por essas pessoas.


Esse corte, assim como a cidade, não é harmonioso; trabalha com a diversidade que existe ali sem tentar mascará-la ou complementá-la. O rasgo nesse sistema dado como estável quebra hierarquias, tornando a composição desagradável. O compositor austríaco Arnold Schoenberg, ao quebrar a hierarquia entre as notas imposta pelo sistema tonal, cria o dodecafonismo — utiliza-se das doze notas musicais sem repeti-las antes que todas tenham sido apresentadas. O paradoxo desse sistema é que ao ordenar essas notas, ele quebra a rigidez e hierarquia que as músicas até então colocavam, ou seja, foi necessário criar uma certa ordenação para que esse sistema fosse transformado. A imprevisibilidade das músicas as tornam estranhas e desconfortáveis, não parecem ter início ou fim e nem um ciclo fechado, e sim uma construção contínua e inacabada feita por fragmentos colocados “sem rabo e nem cabeça”46. A sensação de obra inacabada e em constante transformação, está presente também no trabalho de Marcel 46

Georges Didi-Huberman traz esse termo em sua obra “Sobre o fio”.

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os quatro planos de consistência

tidianas e a experiência projetual precisa refletir isso. Não convencionais ou usuais, não se submetem às convenções locais. A rodovia é uma estrutura estática que é fortalecida pelas costuras que a circundam e o projeto pode servir de instrumento para a subversão da trama, mas ainda assim não é autossuficiente, e sim, uma outra camada, ao cortar o fluxo dominante, pode criar outros sentidos de fluxo.


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Duchamp. Enquanto transportava sua obra Le Grand Verre para uma galeria em Nova York, o vidro se quebrou em diversos cacos que se espalharam pela imagem criada por Duchamp. O artista, ao invés de descartar a obra, decretou o trabalho “definitivamente inacabado”. Os limites da obra são constantemente questionados e o artista, a partir do momento que o acaso também faz parte da criação, deixa de ter domínio total sobre a obra.

LXIV. Le Grand Verre - Marcel Duchamp. | Fonte: Pinterest


A arquitetura que é ali manifestada, possui uma existência paradoxal: ela rasga a rodovia de modo a incomodar os transeuntes, impactar a paisagem e subverte a dinâmica da trama presente, mas acaba sendo um desafogo para as pessoas que precisam utilizá-la, uma vez que a via não é feita para pessoas, e sim para carros. Os fechamentos possuem diferentes dimensões, tempos e cores e isso torna a estrutura estranha. É uma passagem para quem a usa, mas para quem atravessa sob ela, configura um gran47 Georges Didi-Huberman percorre o livro “Sobre o fio”trazendo passagens do livro ``Le Funambule’’ de Jean Genet e as contradições que existem na figura do funâmbulo. Didi-Huberman em um momento traz também o paradoxo que existe na própria corda, e menciona novamente Genet ao falar do dançarino de corda, que serve de “parábola ao duplo status — soberania, impoder — do artista em geral” (DIDI-HUBERMAN, 2019, p.32)

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os quatro planos de consistência

A transposição que corta a rodovia também dispõe dessa estranheza; é como se aquela arquitetura fosse um erro e não se encaixasse naquele lugar, mas ela nada mais é do que o reflexo daquilo tudo, as infinitas camadas que se sobrepõe ali, em uma linha tênue entre a força e a vulnerabilidade, como uma corda bamba47. A estrutura dessa passarela é rígida e completamente ordinária, composta por caibros que, de maneira muito comum e pouco audaz, cria um piso seguro para quem a atravessa. Já os fechamentos que são ali colocados, parecem estranhos e bagunçados; totalmente fora do lugar que deveria. Composto por grades e telhas retiradas da escola em que se situa o terceiro plano, essas novas camadas são perturbadoras e aparentemente instáveis.


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dioso amontoado de materiais aparentemente instáveis e sem conexão que são sustentados por um objeto rígido. A aspereza e contradições provocadas pela passarela são apenas um retrato do território.


isométrica afastada

os quatro planos de consistência

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colagem


planta

0 1

5

10

20

corte cc 01

5

10

20


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os quatro planos de consistência

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isométrica


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fechamento com telhas e grades

os quatro planos de consistência

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os quatro planos de consistência

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treliça para apoiar os fechamentos



0

1

5

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os quatro planos de consistência

corte bb

10

base da estrutura da passarela


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TERCEIRO PLANO

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Vila Munck, onde o terceiro plano se situa, é um território de luta, mesmo que suas fronteiras estejam fortemente limitadas por grades e pela rodovia que cria uma barreira abstrata. Essa escola começa a engendrar a


LXV. Rodovia Raposo Tavares ao centro e a EMEF Vila Munck à direita. | Fonte: Google Maps

potência de um outro futuro; apesar da tentativa de afastá-la da cidade, os estudantes talvez tenham encontrado a maneira mais eficaz de expor seus pensamentos para quem passa pela rodovia: penduraram cartazes na cobertura — onde está situada a quadra


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— para que todos e todas possam ver. São forças moleculares que emergem nesse espaço e que, ao deslimitar essas barreiras, têm a potência de criar outros fluxos na cidade. Em meio a tantas discrepâncias no território, é um ponto que se destaca no meio da teia por querer levar para fora das grades a discussão, mesmo que seja por cartazes suspensos.

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LXVI. Cobertura da EMEF Vila Munck com cartaz em 2018. | Fonte: Google Maps

LXVII. Cobertura da EMEF Vila Munck com cartaz em 2021. | Fotografia da autora.


Entretanto, ao retirar a grade da escola ela mantém um bloqueio com a cidade; construída em um nível único, diferente do seu entorno que está em um desnível, ora ela cria um muro para dentro do terreno e ora cria um arrimo para a rua e há um breve instante em que os níveis da rua e da escola se igualam: um momento nulo. No momento

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os quatro planos de consistência

Existe uma potência latente neste lugar que pode ser impulsionada para que novos agenciamentos ocorram. A grade envolve toda a escola como uma grande moldura que detém mais relevância que a própria obra. Ela é retirada e levada para a transposição que se encontra no segundo plano. Quando essa barreira metálica é tirada do seu local de origem, ocorre uma certa estranheza. Não existem muitos questionamentos do porque aquela grade está cercando aquele espaço; é evidente no imaginário das pessoas aquela situação. Quando a grade é retirada e transportada para a passarela, ela passa a incomodar. Tirá-la da escola e levá-la para outro lugar significa transformar um instrumento de segregação e afastamento em apenas grade, ou seja, ela se torna outra coisa sem deixar de ser. A retirada dessa moldura traz a escola como a verdadeira obra, e é nela que se deve atuar. O segundo elemento a ser retirado e transportado para o segundo plano é parte da cobertura metálica ondulada que veda grande parte da quadra, que possui enorme relevância para a escola. Os mourões dessa cobertura são levados ao primeiro plano, e apoia a viga no alambrado.


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em que a rua está mais alta que a escola, é colocado uma arquibancada voltada para o interior do terreno e convida a cidade a adentrar o espaço. A arquibancada é constituída de blocos de gabião feito com pedaços graúdos de alvenaria que restaram da base das grades. Já quando a rua torna-se mais baixa que a escola, aquele muro de arrimo é envolvido por caixas de feira e engradados de cerveja que


são descartados no quarto plano; daí surgem prateleiras para livros, objetos e trocas.

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A vivência da escola é enriquecida quando é contaminada; seja pelos transeuntes da rua que adentram essa área através da arquibancada, seja pelos próprios estudantes que se apropriam da quadra na cobertura para

isométrica afastada


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expor suas ideias. A arquitetura que se fixa não complementa algum possível programa, ela é um excesso, além do necessário para o funcionamento daquele local. Uma escadaria é implantada na empena cega e cria um novo acesso à quadra agora aberto à cidade. Na empena, alguns platôs de diferentes extensões são lançados e aquele espaço criado torna-se um receptáculo de ações. Não à toa esses platôs foram posicionados neste ponto; a empena se vira para a Raposo Tavares, em que os passageiros que transitam com seus automóveis no sentido do interior no engarrafamento do fim da tarde, são sugeridos a desviar o olhar para a escola. Os cartazes que concentravam-se na cobertura, podem ser pulverizados pelos platôs. A quadra, agora sem parte da telha e dos mourões, recebe uma arquibancada externa que é atirantada na estrutura existente da escola e se liga com a escada externa.

Posicionar a arquibancada no pé da rua em direção a escola é torná-la palco de possíveis agenciamentos. Nesse sentido, o panóptico presente na educação formal é invertido; agora as margens olham para o centro, e o centro é o palco. O vínculo criado entre os elementos incorporados à escola — arquibancada feita com gabião, prateleiras com caixas e engradados, escada, arquibancada e platôs executados com com caibros — é um vínculo pela ação que pode surgir a partir de cada um desses componentes, é um vínculo criado a partir da separação.


situação original


partes a retirar

diagrama dos muros


escola com as partes retiradas

diagrama da empena


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QUARTO PLANO

Ao se afastar um pouco da Raposo Tavares, encontramos um trecho desse território com uma escala mais próxima de bairro. Ali o quarto plano se assenta; uma área com uma praça central e entorno preciso, quadras


LXVIII. À frente, a travessa Rio dos Touros e à direita um terreno baldio. | Fontes: Google Maps

lineares e lotes retangulares, ruas principais no sentido longitudinal e diversas travessas que a perpassam. Nesse miolo encontramos seis unidades educacionais (entre


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escolas e creches) em um raio de 500 metros ao redor da praça (anexo 05). Esse ponto é o local do encontro; sua essência está na capacidade em criar concomitantemente pontos de conexão entre elementos heterogêneos de maneira a nunca se estabilizar. A praça não possui um plano de princípio ou finalidade, sua existência só faz sentido quando é utilizada. Ela é aberta a contaminações cotidianas e tem a potência de dar lugar a outros lugares, ela é o vínculo das escolas que a cercam.

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LXIX. Praça com artistas e pessoas assistindo. | Fontes: Google Maps

Assim como a existência dessa praça é dinâmica, o que acontece ao seu redor também acompanha esse dinamismo. Com o passar do tempo, a empenas das casas que a tangenciam vão sofrendo metamorfoses; aberturas vão nascendo, mudando de lugar, subindo ou descendo de pavimento. As pinturas vão se sobrepondo em camadas infinitas que são depois substituídas por grafites. A late-


ral da praça dá vida a uma feira que aos domingos traz as pessoas do bairro para esse espaço e cria situações diferentes da que se dá nos dias de semana, quando as escolas estão abertas. As caixas de feira e engradados de cerveja que tornam-se inúteis no fim do dia são levados ao terceiro plano, onde servirão de prateleiras para a escola.

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A ação arquitetônica neste espaço dedica-se a reconhecer as possibilidades de transformação desse espaço e servir de plano de consistência para que os mais diversos agenciamentos ocorram, sem a imposição de um progra-

LXX. Praça em 2010. | Fonte: Google Maps LXXI. Praça em 2020. Surgimento de novas aberturas e pavimentos em rosa. | Fonte: Google Maps


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ma ou finalidade. Essa arquitetura, assim como a escola do terceiro plano, é um receptáculo de ações e por isso precisa estar aberta ao surgimento de diversas dinâmicas. A praça ocupa duas quadras que são niveladas no ponto mais alto da rua; enquanto as ruas laterais estão em desnível, a praça permanece em uma altura criando três


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pontos de taludes. Os aclives gerados a partir do nível da rua dão espaço para alguns acessos para a praça: arquibancadas, escadas e rampas. A arquibancada está voltada para o muro de um condomínio residencial que se encontra no outro lado da Rua Cachoeira do Arrependido. Esse muro passa a servir como uma tela de projeção para os espectadores que se sentam naquela arquibancada.

isométrica afastada


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planta original

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A quadra fechada que encostava na empena das casas dá lugar a um plano no centro da praça que pode servir de palco, pista de dança, patinação, espaço para as barracas de feira se assentarem, ou mesmo uma típica quadra de esportes. A Travessa Rio dos Touros que cortava a praça é colada no mesmo nível das quadras e transforma a praça em um único pavimento. A arquitetura, quando aqui colocada, cria um suporte para que algumas articulações possam acontecer. Três modelos de módulos incompletos são distribuídos pela praça sem uma finalidade exata. Todos os módulos possuem 220cmx110cm de base e 55, 110 e 220 centímetros de altura respectivamente, criando possibilidade de criar espaços mutáveis. Esses módulos são dispostos em três trilhos espalhados pela praça e entre eles também há módulos de escadas sobre esses trilhos.

Esses espaços mutáveis são como estrias que vão se criando e modificando ao longo do tempo através de contínuas reterritorializações. Assim como Le Grand Verre de Duchamp, esses módulos são intencionalmente incompletos; podem servir de palco, palanque, arquibancada, mesa, cabine para os feirantes, depósito para bolas, redes e coletes ou simples espaços para diversão. Eles criam um sentido quando são utilizados; é aí que existe a possibilidade dos agenciamentos e ele se torna efetivamente um plano de consistência. Puxar e empurrar, subir e descer, sentar e levantar, separar e unir; os módulos criam víncu-


los, mas não são vínculos físicos, mas vínculos como ação.

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os quatro planos de consistência

Guatelli (2012) busca trazer para sua análise uma articulação com pensamento pós-estruturalista de Jacques Derrida e propõe a observação de um elemento muito utilizado por Derrida em suas obras: o hífen. Esse é um sinal que concomitantemente separa e une; dá a possibilidade da criação de um novo significado às palavras quando as decompõem. As estrias que rompem esse território — escada, rampa, arquibancada, trilhos, módulos, retângulo — possibilitam que essas outras possibilidades comecem a se construir de maneira espontânea, como traços que juntam e separam ao mesmo tempo.



isométrica


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possibilidades de uso dos módulos em trilho palco arquibancada brincadeiras armazenamento praticável arena mezanino mirante mesa banco cabine cobertura ...

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Escalas humanas das plantas desenvolvidas por Guilherme Pianca


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CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa procurou explorar uma parte da metrópole que pouco se investiga, talvez por sua aparente irrelevância, ou pela falta de interesse em buscar enxergar uma possível potência naqueles espaços pouco visíveis. Refletir sobre outras possibilidades além daquela dada me impulsionou na realização do trabalho e ainda me impulsiona em um contínuo processo de descobertas.

A leitura de “Vigiar e Punir” foi o pontapé inicial desse trabalho, visto que Michel Foucault nos traz a real complexidade do que são os espaços de vigilância e opressão, e sua não limitação nos centros de detenção convencionais, mas nas diversas estruturas que permeiam o território; essas estruturas refletem e são reflexos do comportamento humano naquele ambiente. A partir disso, achamos importante documentar, a partir da cartografia, quais poderiam ser essas estruturas e como elas se constroem no espaço. Percebemos que, assim como a cidade de Otávia, de “As cidades Invisíveis” de Italo Calvino —outra obra essencial para a construção do TFG— aquele território também se constrói em teia; uma teia formada por hierarquias, suspensa no abismo. Essas teias se conectam a partir de muros, e eles se mostram tão presentes que achamos importante criar uma outra cartografia que revelasse sua influência. Ao apagar a camada das ruas e

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calçadas e criar uma camada apenas para os muros, nós percebemos que eles formam a morfologia daquele lugar, e molduram o território. Existe ali um paradoxo ontológico; não se sabe se essa teia tirou a vida da cidade ou se a falta dela criou a teia.

O fazer como ato crítico apresentado por Igor Guatelli em seus textos também criaram um alicerce para que essa pesquisa ganhasse sentido e complexidade. Ele propõe o ato de se fazer arquitetura como um suporte para que outras possibilidades emerjam, como um entre o que é e o que pode vir a ser. Seus atravessamentos com a filosofia me levaram até ela, em especial a Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Félix Guattari e posteriormente Georges Didi-Huberman. Esses autores foram fundamentais para entender que os paradoxos que existem no território podem criar uma nova possibilidade a partir desse tensionamento, e por isso temos criar contágios entre os conflitos, e não encobri-los.

No desenvolvimento da pesquisa, que não se deu de maneira contínua e muito menos linear, tive contato com os trabalhos da Mouraria 53 — experimento em arquitetura e habitação — e da Arquivo — empresa voltada à criação de um mercado de reaproveitamento de elementos de arquitetura— em Salvador, e pude me debruçar sobre a materiais de reuso na arquitetura. Esses materiais, ao serem reutilizados, podem ser colocados em suas fun-


ções preestabelecidas ou fora dos padrões convencionais; neste caso, o elemento contamina a estrutura pura ali estabelecida e aparenta estar fora do lugar criando um constante desconforto. O pensamento trazido por eles estabelece constantes diálogos com a filosofia e em especial com o pensamento literário de Roland Barthes.

Partindo do entendimento que estávamos expostos e expostas a um território regido pelas lógicas hegemônicas e com poucas práticas insurgentes, a compreensão da ação arquitetônica não deveria ser levada à construção formal, criadora de programas que supram as necessidades colocadas ali, pois não seria ela que resolveria essas questões, mas seria uma possível conectora de novas interpretações. O rompimento de estruturas aparentemente estáveis com o pensamento profano cria diversos paradoxos presentes também no território e estariam igualmente manifestados na ação projetual. Um movimento que se infiltre naquele estado puro permitiria o aparecimento de algo muito maior; algo que talvez já esteja lá. Por isso foi tão necessário imergir em uma outra possibilidade de escola; uma possibilidade que já estava ali presente e só precisaria de um pequeno ruído para que ela eclodisse, como ocorreu em diversos movimentos estudantis. O maior desejo da pesquisa foi, e ainda é, percorrer sobre esse território coberto por indefinições e parado-

xos e olhar para outras possibilidades que não são dadas,

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percebendo que existem inúmeras possibilidades a serem investigadas e experimentadas. Acredito que o trabalho, assim como nossos pensamentos, permanecerá constantemente inacabado, em constante reconstrução. A busca por outras perspectivas que fogem a narrativa capitalista, molar e hegemônica permanecerá existindo.


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Este livro faz parte do trabalho final de graduação cidade teia-de-aranha: controle na não cidade, apresentado na FAU Mackenzie, São Paulo, junho, 2021. autora Larissa Troyack tipografia cambria e swis721 capa papel reciclato miolo polen soft


mapa 01. | (anexo 01)

Leilão de automóveis

Smiley Home Resort

Reserva Raposo COHAB Munck EMEF Vila Munck

quarto plano

Rodovia Raposo Tavares

Fundação CASA Osasco I

terceiro plano

segundo plano

primeiro plano

Centro de distribuição da Camil Alimentos

Centro de Detenção Provisório I e II CPP Butantã

Rodoanel Mario Covas

Fundação CASA Raposo Tavares

centeranel Osasco

São Paulo

300m


cartografia 01. | (anexo 02)


cartografia 02. | (anexo 03)


cartografia 03. | (anexo 04)


cartografia 04. | (anexo 05)




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