AК-47: a marca da paz Reflexões sobre as táticas discursivas do design da guerra
LAURA SCOFIELD CARDOSO
LAURA SCOFIELD CARDOSO
AК-47: a marca da paz Reflexões sobre as táticas discursivas do design da guerra
ORIENTAÇÃO Profª. Drª Rita Aparecida da Conceição Ribeiro
ATÉ AS RUÍNAS PODEMOS AMAR NESTE LUGAR Matilde Campilho Lembro-me muito bem do tal cantor basco que costumava celebrar a chuva no verão Não ligava quase nada para as conspirações que recorrentemente se faziam ouvir debaixo das arcadas noturnas da cidade naquela época do intermezzo lunar Foi já depois do fascismo, um pouco antes da democracia enfaixada em magnólias O cantor, as arcadas, o perfume e os disparos me ensinaram que se deve aproveitar a época de transição para destrinçar o brilho As revoluções sempre foram o lugar certo para a descoberta do sossego: talvez porque nenhuma casa é segura talvez porque nenhum corpo é seguro ou talvez porque depois de encarar uma arma finalmente possa ser possível entender as múltiplas possibilidades de uma arma.
C268a
Cardoso, Laura Scofield. AK-47: a marca da paz: reflexões sobre táticas discursivas do design da guerra [manuscrito] / Laura Scofield Cardoso. -- 2017. 216 f., enc.: il., color., retrs. ; 31 cm. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Design, 2017. Orientadora: Profª. Drª. Rita Aparecida da Conceição Ribeiro. Bibliografia: f. 201 - 204 1. Design. 2. Marca. 3. Identidade. 4. AK-47. 5. Paz. 6. Guerra. I. Ribeiro, Rita Aparecida da Conceição. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Escola de Design. III. Título CDU: 739.7
Bibliotecária responsável: Gilza Helena Teixeira CRB6/1725
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), como requisito parcial para obtenção de grau de Mestre em Design, na linha de pesquisa: Design, Cultura e Sociedade. Belo Horizonte, 2017
Resumo .6
AK-47: a marca da paz Reflexões sobre as táticas discursivas do design da guerra A dissertação investiga o projeto de branding para a AK-47, o rifle de assalto mais abundante em todo o mundo e também aquele considerado a arma do século XX. A estratégia da marca propõe um novo olhar sob seus produtos em um contrassenso no qual a guerra se apresenta como um caminho para a liberdade. O discurso Protecting Peace ou Protegendo a Paz (em português) afirma que a AK-47 dá às pessoas o poder de defenderem seus direitos e viver em paz. A empiria percorre situações contemporâneas (distintas e análogas) buscando promover reflexões a respeito dos usos discursivos do branding e do design na atualidade. Valendo-se de um levantamento de temas que fazem parte do universo do objeto empírico, o repertório municia a dissertação para um diálogo multidimensional e complexo. Desse modo, o trabalho descarta os maniqueísmos simplificadores que costumam habitar essas questões. Focado na importância de entender os significados da AK-47 com base no design de sua nova marca, o projeto foi conduzido ao argumento de que, dentre os usos empreendidos por um artefato de guerra, pode coexistir a paz. Palavras-chave: design, marca, identidade, AK-47, paz, guerra.
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Abstract .7
AK-47: the brand of Peace Reflections on the discursive tactics of war design This dissertation investigates the AK-47 branding project, the most abundant assault rifle in the world, considered as the weapon of the XXI century. The brand’s strategy envisions a new approach to its products in a contradictory manner, in which war presents itself as a path towards liberty. The ‘Protecting Peace’ argument affirms that the AK-47 enables people to defend their rights and live in peace. The discourse follows through contemporary situations (distinct and analogous) seeking to promote reflections on the discursive uses of branding and design in the present day. Through a survey of subjects that are a part of the universe of the empirical object, the repertoire allows for a multidimensional and complex dialogue in the present paper. Thus, the present research dismisses the simplifying Manichaeisms which usually permeate such questions. Focusing on the importance of understanding the meanings of the AK-47, based on the design of its new brand, the project developed towards the argument that, among the uses undertaken by an artifact of war, peace may coexist.
Keywords: design, brand, identity, AK-47, peace, war.
Tática .11 Prólogo .15 Homens nobres .15 Cuerno chivo .008 .18 Homensde nobres Balística .21chivo .013 Cuerno de Roleta Russa Balística .022.30 O ovo eRussa a galinha Roleta .030.32
Reputações .37 Ferro quente .37 Brincando com fogo .41 Ferro quente .008 Admirável novo .49 Brincando mundo com fogo .008 Saleel al Sawarim .59 .008 Admirável mundo novo Um olho um dedo .71 Saleel al eSawarin .008 African Um olhoKreditcard e um dedo.85 .008 A guerraKreditcard é bela .91 .008 African
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Projéteis .101 Aperte o gatilho .101 Não limpe os dentes com a faca .113 A asa da xícara .117 Pacificadoras .121 Como matar pessoas: um problema de design .127 Dr. Fantástico ou como parei de me preocupar e amar a bomba atômica .135 Imprima e atire .147 Balas verdes .151
Protegendo a paz .155 Briefing .155 Ao pé da letra .167 МИРА .168 Vox Populi Vox Dei .185 TRÉGUAS .191 ALIADOS .197 REFERÊNCIAS .199 NOTAS .205
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ALVO DE PAPELÃO PARA FUZIL 300M COM PERFURAÇÕES DE CALIBRE .40 (arquivo da autora)
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Tática .11
Introduzimos o tema. Para fins explicativos (ou esclarecimentos de antemão), apresentamos ao leitor a estratégia investigativa. Com o objetivo de estruturar a pesquisa, dar-lhe corpo e nortear nossas análises, o projeto foi construído em três partes; ao longo de todo o percurso, funciona como um compêndio comentado. Explicamos: buscaram-se, mundo afora, exemplos que compartilhassem o mesmo léxico e viés temático de nossa empiria recolhidos de diversas fontes bibliográficas. Esses discursos comentados, que atravessam a maior parte de nosso projeto, atuam como interlocutores e tessituras dos embasamentos teóricos. Eles articulam relações entre o universo do objeto empírico com o design, levantam propostas discursivas e o diálogo entre a prática e a teoria. Na terceira parte da dissertação, de fato, colocamo-nos à frente de nossa empiria para produzir os argumentos finais. Aplicamos aqui todo o dissertado e as relações apreendidas ao problema de pesquisa a fim de atingir os objetivos da pesquisa. André Stolarski, profissional dedicado e de distinta contribuição para o design brasileiro, apresentou em sua dissertação de mestrado estratégia semelhante. Para Stolarski, sua antologia comentada coincide com a visão de Foucault que diz respeito à “unidade do discurso”. Ou seja, “a contraposição entre um ‘objeto singular’, que precederia qualquer análise, e a contínua transformação e reconfiguração desse objeto no movimento e sucessão dos ‘objetos de discurso’” (STOLARSKI, 2012, p. 36): “Assim a questão é
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saber se a unidade de um discurso é feita pelo espaço onde diversos objetos se perfilam e continuamente se transformam, e não pela permanência e singularidade de um objeto” (FOUCAULT apud STOLARSKI, 2012, p. 36) Como intuito de nossa pesquisa, os discursos recolhidos produzem um recorte panorâmico sobre o tema em uma tentativa de sedimentar nossas indagações e iniciar novos debates. Consequentemente, alimentando-se de fontes diversas, a pesquisa acabou usufruindo conjuntamente das próprias referências contidas nos exemplos pesquisados. O estudo se constrói por meio de uma revisão bibliográfica e de teorias de autores relevantes para o design contemporâneo. Dentre eles, Vilem Flusser, Steven Heller e Rafael Cardoso. De muita valia para o nosso diálogo, o projeto também contou com a participação ímpar do designer russo Grigor Badalyan. Responsável pelo branding da Kalashnikov em 2014, Grigor foi entrevistado pela pesquisadora no início deste ano. Uma ressalva: evidenciamos que a seleção do repertório, embora muito significativa para o contexto de nossa investigação, é certamente reduzida diante da totalidade de discursos existentes sobre o tema ao redor do mundo. No entanto, reafirmamos aqui o valor de nosso projeto como forma, ou uma tentativa, de enriquecer o diálogo crítico sobre o design. Outra ressalva: o projeto de dissertação baseou a sua diagramação de acordo com as normas da ABNT previstas para estudos científicos e acadêmicos. No entanto, como designer gráfico, a pesquisadora realizou pequenos ajustes para que o leitor usufruísse de maneira mais fluida e tivesse uma experiência de leitura memorável. Avante!
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ALVO DE PAPELÃO PARA FUZIL 300M COM PERFURAÇÕES DE CALIBRE .40 (arquivo da autora)
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MIKHAIL KALASHNIKOV, 2004 (latimes.com)
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Prólogo .15
HOMENS NOBRES O divino1 Johann Wolfgang von Goethe Nobre seja o homem, generoso e bom! Pois isso apenas É que o distingue De todos os seres, Que conhecemos.
Em 1783, Goethe já recomendava que “todos os homens fossem nobres, generosos e bons”. Segundo ele, são essas as qualidades que traçam a diferença (e por que não a superioridade?) do ser humano diante de todos os seres (animados e inanimados) que habitam o nosso planeta. Vilém Flusser, no ensaio War and the State of Things, explicita uma relação entre a fala do poeta alemão com o design, e é por esse caminho que iniciamos a nossa discussão. Trazendo Goethe para os termos atuais, Flusser requalificaria “nobre” como “elegante”, e “generoso” como “amigável”. No entanto, “bom” lhe pareceu mais complexo em termos de reformulação e metáfora. Séculos depois, ele retoma a máxima e sugere que “todos os homens sejam elegantes, amigáveis e bons”.
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Apresentaremos aqui o primeiro exemplo de sua indagação: o estilete. Projete-o com elegância e excepcionalidade, mas não o deixe invasivo (seja nobre). Pense amigavelmente e proporcione facilidade no seu uso (seja generoso). Por último, o estilete também deve ser bom e, precisamente, ser bom em cortar papéis. Eis a complexidade: o estilete é “tão bom” que não corta somente o papel, mas precisamente corta também os dedos. Dessa maneira, ele reformula: que todos os homens sejam nobres, generosos, mas não tão bons. Eles realmente precisam ser tão bons? Partimos assim para o próximo exemplo: os mísseis. Por trás de seu projeto, homens indiscutivelmente nobres. Sua elegância, incontestável. E, mesmo com toda a sua complexidade, muitas pessoas até mesmo sem treinamento seriam capazes de usá-los. Designs indubitavelmente amigáveis. Argumenta-se também que eles são tão bons, já que, além de projetarem um objeto que cumpre bem a sua função (matar “bem” as pessoas), desencadeiam o design de novos mísseis para também matar quem o utilizou. O fato de que os usuários dos mísseis foram mortos representa um desafio para que os designers tornem-se ainda melhores. Em outras palavras: projetar mísseis para matar os assassinos dos assassinos que foram mortos. Isto é o que é chamado de progresso: graças a este feedback do design, homens se tornam cada vez melhores. Mais nobres e generosos também. (FLUSSER, 2012, p. 32)2
O entrelaço ontológico é um campo minado. Cabe argumentar o progresso do design como resultado da guerra? Flusser discorre em outras palavras: responsabilizamos, então, a chamada “indústria militar” como o berço de tudo o que é elegante, amigável e bom? A Guerra do Golfo deixou claro o que seria do mundo se ela não tivesse acontecido. E se nossos ancestrais africanos, há 100.000 anos, não tivessem projetado flechas que fossem ao mesmo tempo elegantes, amigáveis e boas (e que poderia matar com conveniência), então estaríamos provavelmente até hoje nos atracando uns aos outros e aos animais com dentes e unhas. Pode ser que a guerra não seja a única fonte do bom design (talvez o sexo também esteja envolvido nisso, vejamos o exemplo da moda). Se alguém prefere dizer ‘faça amor e não faça guerra’ ou somente ‘faça amor’, certamente não é do interesse de um bom design dizer isso. (FLUSSER, 2012, p. 33)3
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Introduzimos aqui as inspirações e as motivações por trás do projeto de pesquisa que se apresenta. Aspiramos metáforas e relações com o contexto apresentado por Flusser. No fim de 2014, o Creative Review, blog de design inglês, publicou o artigo Rebranding Kalashnikov: would you? (Rebranding a Kalashnikov: você faria?), no qual apresenta o novo projeto de marca das armas Kalashnikov e questiona a comunidade do design: o que você faria se esse briefing surgisse à sua mesa? Nesse momento, paradoxos e indagações saltam de nossa mente. Queremos responder prontamente, criticar sem problematizar. As perguntas são mais fecundas que as respostas. Ainda, como discurso, a marca propõe a comercialização das armas, relacionando-as como símbolo de liberdade e de paz. Eis a problematização projetual do designer no desenvolvimento de marcas e, consequentemente, da produção de seus significados: como traduzir e propor valores para um artefato no mundo por meio do próprio design? A excepcionalidade se encontra, talvez, na nobreza e na generosidade dos argumentos que se seguem. Apoiados em Flusser, questionamos: estariam aqueles contra a guerra a favor de um design ruim? Estariam satisfeitos com uma piora contínua no design de mísseis e estiletes e, consequentemente, com a falta de elegância e conveniência? “Essas pessoas boas não são boas para nada. Apenas para existirem. Elas são antidesigners” (FLUSSER, 2012, p. 33).4 Ansiamos assim. Santidade ou design? Guerra e elegância ou serenidade cercada por objetos incapazes de suas funções? Flusser aponta: maldoso conveniente ou bondoso inconveniente. Imaginamos um mundo em que o design se torne cada vez pior: bombas que explodem no ar, flechas que não acertam o alvo, estiletes com pouca precisão no corte. Pronto! Estaríamos interessados em sentar em cadeiras sujeitas a se quebrarem ou em lâmpadas que podem explodir na nossa sala a qualquer momento? Para Flusser, a prosa poética de Goethe ganha um novo olhar: deixe os homens ser nobres, generosos e mais ou menos bons e, com o passar do tempo, menos nobres e generosos. Entre o bom puro (bem moral) que não é bom para nada e o bom aplicado (bom funcional) não há relação, pois no final tudo o que é bom sendo aplicado é maléfico para a moral. Quem decide ser um designer, decide ir contra a pureza. Eles podem disfarçar isso o quanto quiserem (por exemplo, negarem a projetar mísseis e limitarem os seus projetos a pombas da paz). No entanto, estão pre-
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sos à sua funcionalidade. Se eles de fato começarem a investigar o bem de sua atividade (para que serve o seu projeto da pomba da paz afinal) eles se veem forçados a desenvolver um projeto ruim ou até mesmo a não projetá-lo. Não pode haver um designer que age do nada ou apenas pela pureza porque, mesmo com a intenção de criar algo ruim, ele pensa na funcionalidade. Portanto, se ele afirmar que só projeta objetos que correspondem à sua noção do bom puro, ele está enganado. [...] Colocando de outra maneira: a bondade é inútil, absurda e sempre quando houver um propósito para alguma coisa, você encontrará também um diabo de emboscada. (FLUSSER, 2012, p. 34)5
Que inicie a guerra e que disparem os mísseis. Estamos cercados por homens nobres, generosos e bons. .18
CUERNO DE CHIVO A reputação da AK-47 nasceu nas mãos de Mikhail Kalashnikov, jovem russo operador de tanque, logo após a Segunda Guerra Mundial. Inspirada no fuzil de assalto alemão Sturmgewehr 44, a AK-47 tornou-se a arma mais fabricada de todos os tempos, chegando a alcançar 100 milhões de exemplares em uso — ou uma para cada 70 pessoas —, segundo o periódico holandês Works That Work (2014). Sua facilidade de produção, uso e montagem foi e ainda é a garantia de sucesso em todo o mundo. Além da simplicidade do design, a arma conquistou a fama em razão da grande resistência, precisão e facilidade de aquisição no mercado negro. Ela é encontrada nas mãos de traficantes, gangues de rua e terroristas de todos os continentes. Conhecida entre os mexicanos como cuerno de chivo (ou chifre de cabra em português) graças à inconfundível anatomia de sua cartucheira, a AK-47 ainda é considerada a arma mais efetiva do mundo e faz em torno de 250 mil vítimas por ano. Além do extenso currículo, ela conquistou espaço fora dos campos de batalha e de maneira paradoxa. Na cultura pop, encontra-se estampada em pôsteres e blusas ao lado do revolucionário Che Guevara e do maior inimigo dos EUA, Osama Bin Laden. Na música, o rapper americano Ice Cube dedica alguns de seus versos a ela – “Hoje foi um bom dia / Não precisei usar a minha AK”6 – enquanto a cantora Rihanna adorna seus dentes com um pedaço sólido de ouro no formato da arma. Já nas telas do cinema, o ator Samuel L. Jackson, ao interpretar um assassino em Pulp Fiction, tem o
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deleite de afirmar que nada supera uma AK-47 “quando você definitivamente precisa matar todos os vagabundos em uma sala”7 (TARANTINO, 1998,). Em 2011, o Design Museum de Londres adquiriu a arma para a sua coleção permanente ao lado da revista inglesa The Face e um Sony Walkman. O museu foi o primeiro em todo o mundo a compor a sua curadoria com uma arma moderna. O designer Phillipe Starck também dedicou uma coleção de luminárias a ela, comercializadas em uma faixa de US$2.500 cada uma. Já os seus restos descomissionados encontrados na África servem também como matéria-prima de uma luxuosa grife de joias, a Fonderie47. Vale ressaltar que cada par de brincos (US$50.000) ou anel (US$16.000) carrega o número serial da arma em seu design (ELDREDGE, 2014), o devido rastro de originalidade e qualidade do produto. A AK-47 é também utilizada como símbolo nos brasões de países como Zimbabwe e em grupos terroristas ao redor do mundo, como, por exemplo, Al Qaeda in the Islamic Maghreb; Partido Comunista das Filipinas e Hezbollah. Em algumas regiões na África, recém-nascidos do sexo masculino recebem o nome de “Kalash” em adoração e honra à arma. Ela é parte da cultura e parte também da educação. Por exemplo, no Afeganistão, as crianças aprendiam o alfabeto na sequência: “I” de Israel – o inimigo, “J” de Jihad – propósito no mundo, e “K” de Kalashnikov – nós venceremos. A Kalashnikov Concern, empresa responsável pela produção da AK-47, expõe em seu site institucional: “Na consciência de milhões de pessoas ao redor do mundo, a AK-47 está diretamente ligada com as lutas contra o imperialismo e a exploração colonial, com os movimentos democráticos e da luta pela liberdade e independência” (KALASHNIKOV CONCERN, 2014). O seu surgimento redesenhou os conflitos da sociedade moderna.
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AK-47, SERRA LEOA (forum.guns.ru)
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BALÍSTICA A AK-47 é considerada a arma dos campos de batalha do século XX. Melhor dizendo, ela conta a história do século XX, ou pelo menos sobre metade dele. Criada pela necessidade de sobrevivência em meio às ameaças de guerra, ela permitiu o empoderamento de grupos e comunidades nas maiores batalhas dos últimos tempos. Em 2014, após 68 anos de sua invenção, a arma recebe um projeto com uma nova abordagem acerca da sua identidade e de seu discurso de marca. Uma revolução social e de sentido. As estratégias do branding da empresa bélica Kalashnikov dão vida a um novo olhar sob a AK-47, em um paradoxo no qual matar se opõe a sobreviver, e a guerra se afirma como necessidade de liberdade. Ao falar de armas letais, é possível julgar o branding, nesse sentido, como uma ferramenta a serviço da disseminação de uma ideologia de guerra? Estaríamos assim, em meio a um mundo complexo, reconhecendo a arma como o principal objeto causador de mortes e da violência? Sob um ponto de vista “pré e pós-pólvora”, é possível identificar motivos muito semelhantes que levaram os seres humanos a exterminar uns aos outros. Como parte vital da reestruturação da empresa e de suas novas propostas comerciais, apostou-se no design. A Kalashnikov Concern redesenhou a identidade de toda a sua linha de produtos, que vai da AK-47 até as armas de caça Baikal e pistolas esportivas Izhmash. A marca afirma em seu site institucional que o branding é o elemento-chave da sua expansão em novos mercados e da ampliação de vendas no setor civil (KALASHNIKOV CONCERN, 2014). No futuro, eles pretendem ser tão reconhecidos quanto a Apple. A empresa afirma também que a marca é uma nova versão do patrimônio simbólico de seu produto. O slogan “Protegendo a paz” é traduzido para o inglês como “Protecting Peace”, que, na sua tradução para o russo, pode significar também “Armas do Mundo”. Segundo a empresa, esse posicionamento afirma que as armas servem para manter a atmosfera pacífica ao redor do mundo, permitindo que os povos protejam a sua soberania e o direito de viver em paz. A AK, simples e confiável, também estava na demanda além das fronteiras da União Soviética. Não foi somente uma revolução tecnológica, mas também uma revolução social. Movimentos de
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libertação na África, Ásia e América Latina poderiam finalmente lutar contra exércitos coloniais. A AK-47 deu-lhes a oportunidade de exigir direitos e justiça. Esta é uma arma que ajudou as pessoas a defender suas famílias e exigir o direito a um futuro de paz (WALKER, 2014)8.
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O discurso pacificador apresentado pelo branding para a comercialização de uma arma é equivocado? Ou equivocados estamos nós de não propor tal discussão? Vamos ao que interessa; afinal de contas, como sugere John Berger em Ways of Seeing, ver também é um exercício de saber ver e do saber. Em War Porn, o fotógrafo Christoph Bangert alerta: “Nossos cérebros tentam nos proteger e nos impedem de enxergar. Temos medo de sentir o medo”. Mas o que aconteceria se desligássemos por alguns instantes a nossa autocensura? Se não nos permitirmos olhar, como saberemos compreender e lembrar? O paradoxo da abordagem encontra-se na máxima de que um artefato por si só não é capaz de nada. O uso que os indivíduos fazem dele é o que o molda como letal, agressivo ou mesmo pacífico. Sob esse viés, enxergaríamos a AK-47 como um artefato de poder, na medida em que o seu uso, para o bem ou para o mal, pode coexistir? Como explorar a análise diante de um complexo relacionamento simbólico entre a AK-47 e o mundo? Como ela significa e por que significa? Quais são os seus usos? A presente pesquisa almeja entender a proposição de valor da arma AK-47 no século XXI com base nas ferramentas do design e do branding usados na sua nova identidade. Investigaremos também os significados criados em torno da AK-47 e a transitoriedade desses ao longo de sua história. Visando alcançar os objetivos propostos, a estratégia investigativa do nosso percurso se apresenta como uma espécie de compêndio analítico. Grosso modo, o recorte e a organização de discursos que tangenciam as questões empíricas do projeto dão corpo e estrutura para apreender e, posteriormente, fundamentar as análises. De fato, os exemplos expostos ao longo do texto ilustram a teoria com a prática e sustentam o nosso diálogo. Buscou-se examinar discursos para promover outros: apontar divergências, paradoxos e pontos de vista. O tema torna-se relevante para análise e discussão, uma vez que abrange questões atuais do design — construção de identidade — sob um ponto de vista complexo de interpretações. Procuramos ainda o en-
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tendimento do paradoxo característico de artefatos que interferem diretamente na existência do ser humano e o design como projetista desses. Caberia assim a proposta de que o seu uso promoveria a violência e a morte, mas, por outro lado, a sua posse, a garantia de paz? Miramos no papel político, econômico, cultural e social das armas tendo como objeto empírico a AK-47 a partir das mediações do design usadas em sua nova marca e na própria materialidade (artefato em si). Temos como objetivo também fomentar uma discussão sobre o papel da disciplina na construção de discursos políticos de determinadas instituições e, consequentemente, nas marcas e nos artefatos de guerra. .23
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BANDEIRA DE MOÇAMBIQUE (pt.wikipedia.org)
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GUN LAMP, PHILIPPE STARCK (clippings.com)
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BRACELETE DA FONDERIE47 (fonderie47.com)
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ACERVO DE AK-47 DESCOMISSIONADO NA ÁFRICA (fonderie47.com)
ANEL DA FONDERIE47 (fonderie47.com)
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IDENTIDADES VISUAIS DO CONSÓRCIO KALASHNIKOV (rostec.ru)
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IDENTIDADE VISUAL DA KALASHNIKOV (rostec.ru)
ROLETA-RUSSA “Jogo” que consiste em deixar uma só bala no tambor de um revólver, fazê-lo girar, apontar o cano da arma para si próprio ou para outrem, sem conhecer a posição exata da bala, e apertar o gatilho, isso por bravata e/ou desejo de experimentar emoções violentas.
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O nosso desejo é movido pelo design como mediador entre marcas e pessoas. Ansiamos por experimentar a identidade, o discurso, o artefato e suas relações. Onde o significado começa e onde termina? Não nos deixemos intimidar com uma empiria um tanto quanto árida em nossas mãos. Estariam elas, para nós designers, mais propensas a empurrar a reflexão? Apertemos o gatilho? Flusser (2007) afirma que o fato de começarmos a questionar é motivo de esperança. Esse é um problema de design: como devem ser as máquinas, para que seu contragolpe não nos cause dor? Ou melhor: como devem ser as máquinas para que o contragolpe nos faça bem? Como deverão ser os chacais de pedra para que não nos esfarrapem e para que nós mesmos não nos comportemos como chacais? Naturalmente podemos projetá-los de modo a que nos lambam, em vez de morder-nos. Mas queremos realmente ser lambidos? (FLUSSER, 2007, p. 49).
No primeiro capítulo, apresentamos ao leitor a experiência das marcas. O percurso teórico inicia-se nos primórdios dos termos utilizados de maneira expressiva pelo design mundo afora: marca, identidade visual, branding. Em seguida, apontamos os primeiros momentos após a era da Revolução Industrial, quando aconteceram as primeiras manifestações das marcas corporativas. Essas, por sua vez, foram introduzidas pelo design gráfico como soluções de identidade, distinção entre as empresas e seus propósitos em uma ordem visual. Já o branding penetra em nossa investigação de maneira nada simplória. Traçamos seus caminhos em uma discussão um tanto quanto aflitiva ao se pensar na busca da identidade em um mundo pós-moderno. O segundo capítulo da pesquisa explora um verdadeiro conflito aplicado ao universo temático da guerra. É promovido o levantamento de discursos que tangenciam temas relacionados à nossa empiria.
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Uma discussão na qual o branding é empregado na comunicação das armas e dos artefatos da guerra. Qual o discurso por trás desse artefato? Guerra? Poder? Proteção? Terror? Sobrevivência? Exploramos esses tópicos sob uma ótica política de complexas interpretações com base em uma série de projetos atuais. A discussão vai além das fronteiras da função dos artefatos: o design é proposto como linguagem em um mundo complexo no qual as coisas falam e falam com os homens. Um mundo da cultura material, lugar onde os artefatos se comportam como seres míticos, capazes de feitiço e fetiche. Constroem também um mundo onde se transformam metaforicamente em seres nômades: sem habitação fixa, são capazes de vagar pelos territórios e transitar com seus significados. Nesse sentido, apresentamos também o conceito flusseriano de obstáculos e o design ontológico como um novo apontamento sobre a disciplina do design: um ciclo hermenêutico que busca entendimento dos nossos “fazeres” no mundo. Como, para ele [Flusser], todo projeto é ao mesmo tempo solução e obstáculo, a única certeza é de um aumento da complexidade, em escala geométrica. Não se sabe se o resultado disso será maior agregação ou desagregação, pois os dois são facilmente confundidos e, até certo ponto, coadunados. Sabe-se apenas que a nova fronteira, daqui pra frente, é aquela que a nossa própria consciência do sistema construído, o qual nos comanda mais completamente no momento que temos a impressão de usufruí-lo. (CARDOSO, Prefácio in FLUSSER, 2007, p. 17).
Por último, mas não menos importante, dedicamo-nos à AK-47, seu “nomadismo” pelo mundo. Com boa mira, buscamos destrinchar seus significados, presentes social e culturalmente pelo mundo. Nesse percurso, o estudo busca analisar o projeto de redesign da marca desenvolvida para as novas guerrilhas (e seus clientes) do século XXI. Poderemos, de fato, associar simbolicamente a AK-47 com a paz? Inspirados em Belo (2016), apresentamos nossas crenças: As atividades projetuais de design gráfico carregam consigo grandes, talvez insuperáveis, ambiguidades, paradoxos e contradições. Esperamos aprofundar a discussão deixando de lado a ingenuidade de aceitar soluções fáceis, porém frágeis. Só assim teremos a possibilidade de alcançar uma problematização coerente com a complexidade inerente à prática projetual. (BELO, 2016, p. 30).
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Seguimos a nossa problematização e desejamos que os insights provocados pela única bala de nosso tambor promovam reflexões e abram a mente para novos diálogos acerca das práticas projetuais do design. E que, para todas as novas perguntas, haja sempre um novo começo.
O OVO E A GALINHA
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Retornamos ao início. Flusser expõe em Homens Nobres a qualidade de nossos avanços baseada no redesenho de projetos e da maneira como também projetamos. Eis o progresso e a sua ontologia: matar (com design) quem primeiramente nos matou (com design). Complementamos o quebra-cabeça com Fry: “Os designs projetam, mas como eles mesmos são projetados, e o que é projetado pelas qualidades projetivas do que eles projetam, são coisas raramente reconhecidas ou compreendidas” (FRY, 2009, p. 27). Ao que parece, um ciclo sem fim e sem começo. Nesse sentido, convergimos os pensamentos flusserianos aos conceitos do design ontológico em uma tentativa de responder às questões pertinentes à nossa investigação. Quem veio primeiro: o ovo ou a galinha? O design ontológico apresenta um conceito amplo para maior entendimento sobre o design no cenário atual. Ele é essencialmente a noção de que tudo o que criamos, em suma, cria-nos de volta. Trata-se de um ciclo hermenêutico interessado na natureza do design e da sua atividade dentro de um contexto contemporâneo de insustentabilidade. Para Anne-Marie Willis (2006), não se trata apenas de responder às questões relativas a um processo, se dado por “estamos condicionados por nosso ambiente” ou “que somos formados pelas culturas em que nascemos”. A autora prevê o design ontológico: O design é algo muito mais hermético do que é geralmente reconhecido por designers, teóricos e filósofos. A atividade do design é primordial para o ser humano – nós fazemos design, ou seja, nós deliberamos, planejamos e esquematizamos de maneira que prefiguram nossas ações e criações – e por sua vez a nossa própria atividade de design, juntamente com o design que criamos, age sobre nós alterando nosso design (através de nossas interações com as especificidades estruturais materiais de nossos
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meios); isso culmina em um movimento duplo – nós fazemos o design de nosso mundo, enquanto nosso mundo age de volta sobre nós e sobre nosso próprio design. (WILLIS, 2006, p. 80).9
Essa via de mão dupla pode ser exemplificada por meio de um círculo hermenêutico que compõe a nossa linguagem. Está como um processo pelo qual entendemos o todo através das partes e vice-versa. É útil pensar o círculo hermenêutico em três movimentos, usando o exemplo da língua. Apesar de não conseguirmos pensar fora da língua, isso não significa que somos totalmente programados: (i) nós nascemos e nos tornamos humanos na língua; (ii) nos apropriamos dela, a alteramos, talvez usemos palavras em combinações que não foram utilizadas anteriormente e encontremos situações que requeiram novas palavras; (iii) assim, ao nos apropriarmos da língua, nós também a alteramos, e a língua-alterada por sua vez age de volta sobre nós, usuários da língua. O círculo hermenêutico implica uma alteração tanto do ser quanto daquilo que é resultado do design em constante funcionamento (WILLIS, 2006, p. 83).10
O ciclo hermenêutico defendido por Willis expõe uma forma de pensarmos as mudanças de um resultado do design e ele por si mesmo em seu funcionamento. Sendo assim, não importando para onde vamos mirar – no objeto de design, no processo de design ou na agência de design –, nunca há um começo ou um fim para o design, uma vez que esse está sempre presente e sendo animado pelo ciclo hermenêutico. A formulação de Tony Fry (2009), “o design faz design”, torna-se assim uma reivindicação mais sólida do que “o design afeta” ou mesmo “o design tem influência sobre”. Willis (2006) afirma também que “o design faz design” e que pertence aos efeitos de design do design criado pelos designers (objetos, espaços, sistemas, infraestruturas). O mais significante aqui é que todos esses designers são da mesma ordem. Ou seja, nenhuma distinção está sendo feita acerca da relativa significância ou natureza das determinações; nenhum objeto, processo ou agente detém a primazia. Tradicionalmente a atuação tem sido colocada como sendo a do designer – pressupondo que as intenções do designer estão embutidas no objeto de design, que, por sua vez, leva o usuário do objeto a fazer coisas
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de determinadas maneiras. Porém o problema aqui é um modelo falho de causalidade baseado em uma temporalidade linear, na qual se assume que as coisas podem ser traçadas até suas origens no passado – não há nenhuma necessidade especial dessa suposição quando tentamos explicar fenomenologicamente o processo de design que está acontecendo em certa situação. O fato de que equipes de designers trabalharam na configuração da tela e do teclado que uso agora não pode realmente me ajudar a entender que o meu uso desse equipamento é ao mesmo tempo esse equipamento gerando o design do que estou fazendo. Uma vez que a confortável ficção de um agente humano original se dissipa, o poder do design é revelado e se torna claro. (WILLIS, 2006, p. 95).11
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O designer inglês Nic Hughes (2010) afirma que, para designar o momento atual do design ou nomear o paradigma emergente, provavelmente seria ontológica a sua resposta. “O design ontológico não é um novo conjunto de ideias ou práticas, mas a sua hora chegou. Sem ser muito melodramático, é provavelmente a filosofia mais importante do design hoje”12 (HUGHES, 2010). Para o autor, o design não é linear, não ocorre no vácuo. Quando o mundo recebe uma tipografia ou um telefone, esse objeto já foi moldado anteriormente (predeterminado) por uma cacofonia de vozes, em sua maioria não humana, e, em grande parte, secretas e invisíveis. De igual modo, esse objeto, uma vez liberto na natureza, dará início a outro projeto de design – que vai agir de volta e começará a moldar-nos e aos outros seres. Tomamos aqui como algo bem próximo à ontologia de guerra destacada previamente por Flusser. Apontadas as teorias sobre o design e o mundo das coisas que nos cercam, recapitulamos a investigação para avançarmos. Sob a ótica da cultura material, como entender a forma como atribuímos significados aos artefatos? Como esses significados podem requalificar, moldar e produzir significados extrínsecos à sua natureza formal? Recorremos a Cardoso: Na origem de todo artefato, há um projeto. Seu propósito maior é embutir significados aos objetos: codificá-los com valores e informações que poderão ser depreendidos tanto pelo uso quanto pela aparência. Por meio da visualidade, o design é capaz de sugerir atitudes, estimular comportamentos e equacionar problemas complexos (CARDOSO, 2012, p. 116).
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Para todo significado, há um projeto ou vice-versa. Eles nos apresentam caminhos, um reflexo da forma como enxergamos o mundo. Nesse viés, identificar também é questão pertinente ao design. Aqui, as motivações investigativas convergem à figura do designer como mediador entre pessoas e a sua busca incessante por uma identidade.
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TATUAGEM DA AK-47 (bodyfashionista.com)
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Reputações .37
Whatever satisfies the soul is truth. Walt Whitman
FERRO QUENTE O termo branding é uma derivação da palavra da língua antiga nórdica brandr, que significa “queimar com fogo”. A partir do nascimento do termo, no século XI, a palavra seguiu um caminho significativo rumo à vida moderna do século XXI. As comunidades egípcias deram início à marcação de seu gado com ferro quente, e, consequentemente, o processo foi se alastrando pela Europa, durante a Idade Média e, anos mais tarde, pelas Américas. Esse processo inicial do branding ajudou os fazendeiros, antigos e contemporâneos, a distinguir o seu gado do de outros produtores. Além disso, os pastores com gado de qualidade foram capazes também de distinguir-se daqueles fazendeiros com animais inferiores. Desde então, a dinâmica de reputação e identificação foi imprescindível para o desenvolvimento dos negócios desde a Antiguidade, e o papel do branding – um barômetro de valor – continua até os dias de hoje (MILLMAN, 2013). Segundo Robert Jones em The Secret Power of Brands, com a Revolução Industrial, a produção em massa e a crescente diversificação de produtos, nasce outra abordagem: se você é dono de uma fábrica, você pode não só colocar a sua marca em sua propriedade, mas também em seus pro-
dutos, atestando e garantindo aos consumidores a procedência e o valor. Ainda, essas marcas acabaram impondo também preços mais elevados. O empresário e ceramista inglês Josiah Wedgwood foi um precursor dessa ideia com seus produtos rotulados “Etruria”, em 1760. Nesse momento, o princípio do branding se transformava: as marcas da brasa de fogo evoluíram para marcas nos produtos e, consequentemente, foram impressas também nas embalagens. Em 1820, a palavra “marca” começou a ser usada com este novo sentido: o foco estava no seu nome e na sua reputação. Décadas mais tarde, surgem também as leis das marcas registradas. O ato deu às empresas a capacidade de registrar e proteger suas marcas para que essas não pudessem ser usadas por qualquer outra empresa. Em 1876, a cervejaria inglesa Bass Ale tornou-se a primeira a ser registrada na História. É curioso o fato de que, após alguns anos, as marcas registradas começaram a fazer parte também da cultura da sociedade. A simplicidade do triângulo vermelho da marca Bass Ale foi eternizada no famoso quadro de Manet, A Bar at the Folies Bergere, pintado em 1822, como também no quadro Bouteille de Bass et Guitare, de autoria de Picasso, de 1912 (MILLMAN, 2013). Além de ser pioneira no registro de marcas, a Bass Ale, interpretada por Millman (2013), garantiu também o primeiro lugar na história do product placement (inserção de produto, na tradução livre para o português) ou merchandising. Explicamos: uma forma sutil a qual o marketing e a publicidade encontraram para apresentar seus produtos – seja em novelas, filmes, seja em programas de televisão e, no caso da Bass, em belíssimos canvas. Para Millman (2013), a marca presente nessas obras seminais é dificilmente um acaso, assim como várias outras marcas que proliferaram e se costuraram no tecido do cotidiano no final dos séculos XIX e XX. Nesse cenário, a autora também reforça que a evolução dos transportes possibilitou a criação e a expansão de marcas nacionais e globais. A Revolução Industrial levou melhorias significativas na indústria e nas comunicações e consequentemente os primeiros esforços de marketing de massa por artistas comerciais e agências de publicidade. Ela pode ser considerada como um momento decisivo para a estruturação do ofício do design, da separação da produção artesanal e da divisão sistêmica de tarefas intelectuais. Nesse período, o design encontrou campo fértil para uma construção da sociedade industrial, de consumo e, consequentemente, da cultura.
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Aconteceu na Europa, entre os séculos 18 e 19, uma série de transformações nos meios de fabricação, tão profundas e tão decisivas que costuma ser conceituada como o acontecimento econômico mais importante desde o desenvolvimento da agricultura. Essas mudanças acabaram ficando conhecidas como a Revolução Industrial, justamente como forma de chamar a atenção para o impacto tremendo que exerceram sobre a sociedade (CARDOSO, 2008, p. 26).
Nessa época, a mistura entre a energia humana (artesão) e a energia motriz (máquina) distinguiu a atuação do designer como profissional especificamente projetista. Esse fato instaurou na sociedade industrial a separação da criação de um projeto e a sua execução. Por conseguinte, a industrialização moldou outra ordem social e constituiu um dos marcos fundamentais para a caracterização da profissão do designer. Ainda, outro aspecto relevante diz respeito à troca da oficina pela indústria e a intensificação de uso de projetos/modelos como base para uma produção em série. Cardoso (2008) expõe a experiência imaginária do economista inglês Adam Smith e uma suposta fábrica de alfinetes para exemplificar as vantagens de um trabalho fragmentado. Dividindo as tarefas, o fabricante deteria maior controle sob a sua mão de obra. Na separação dos processos de concepção e execução, excluía-se também a necessidade de contratar mão de obra cara e com nível superior técnico. Nesse cenário, bastava a figura de um bom designer para criar o projeto e operários com qualificação restrita apenas para operar as máquinas. Ainda, Cardoso (2008) evoca o pensamento de Andrew Ure e Charles Babbage para reconhecer que a grande meta da produção industrial era, de fato, retirar o processo de execução das mãos dos homens e transferi-lo para os maquinários. Em alguns países, a mecanização foi utilizada também como medida antissindicalista e para questões relacionadas à segurança nacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo estimulou a fabricação de armas de fogo, investindo no desenvolvimento de um sistema mecanizado de produção, mais tarde mundialmente conhecido como “Sistema Americano”. No fim do século XVIII, mais de duzentos anos antes do surgimento da AK-47, Samuel Colt e Eli Whitney apresentaram a possibilidade de produzir mosquetes com peças inteiramente uniformes e intercambiáveis. Tal funcionamento permitiria a utilização das peças de uma arma
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para consertar outra, beneficiando enormemente o setor militar em uma mudança crucial da maneira como as armas seriam eternamente produzidas (CARDOSO, 2008). Com o crescimento descomunal dos exércitos nacionais no período napoleônico e ao longo do século 19, e a necessidade concomitante de equipar esse contingente enorme de soldados, a indústria de armamentos evoluiu com extraordinária rapidez, resultando em um ritmo acelerado de desenvolvimento tecnológico. [...] a indústria de guerra deve ser considerada uma das matrizes históricas do longo movimento em direção à mecanização de tarefas e desintegração da individualidade como princípio organizador do trabalho. (CARDOSO, 2008, p. 37). .40
Com o recorte aqui apresentado, o design poderia ser entendido como consequência de três grandes processos históricos. O primeiro diz respeito à industrialização, à fabricação e à distribuição dos bens de consumo. O segundo, à expansão dos centros urbanos e maior concentração da população nesses ambientes. Por fim, a globalização como uma integração do comércio, da comunicação e dos sistemas financeiros. Todos os três processos passam pelo desafio de organizar um grande número de elementos díspares – pessoas, veículos, máquinas, moradias, lojas, fábricas, malhas viárias, estados, legislações, códigos e tratados – em relações harmoniosas e dinâmicas. Conjuntamente, esse grande metaprocesso histórico pode ser entendido como um movimento para integrar tudo com tudo. Na concepção mais ampla do termo ‘design’, as várias ramificações do campo surgiram para preencher os intervalos e separações entre as partes, suprindo lacunas com projetos e interstícios com interfaces (CARDOSO, 2008, p. 23).
Vale ressaltar que as mudanças nesse momento foram também mais precisamente de ordem social do que meramente tecnológica. O design contribuiu para a reconfiguração da sociedade, de sua cultura material e visual. “O cruzamento de dados de ordem econômica e cultural com outras informações de natureza tecnológica e artística faz-se essencial para dar sentido à diversidade de manifestações do design em diferentes contextos” (CARDOSO, 2008, p. 56). Vejamos outra consideração de Cardoso:
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O design nasceu com o firme propósito de pôr ordem na bagunça do mundo industrial. Entre meados do século XVIII — o período que corresponde, grosso modo, ao surgimento dos sistemas de fábricas em boa parte da Europa e dos Estados Unidos —, houve um aumento estonteante de bens de consumo, combinado com queda concomitante do seu custo, ambos provocados por mudanças de organização e tecnologia produtivas, sistemas de transporte e distribuição. Nunca antes na história da humanidade, tantas pessoas haviam tido a oportunidade de comprar tantas coisas. Era a infância da sociedade de consumo (CARDOSO, 2012, p. 15).
Diante de uma abundância de produtos que, em teoria, acabaram se tornando robustos e de má qualidade, surgiam os primeiros designers que foram, aos poucos, transformando para sempre a cultura dos artefatos e como nos relacionamos com eles. Com as transformações sociais e culturais, o processo de identificar e reputar tornava-se primordial para a sobrevivência e a significância das coisas e dos produtos. Dessa maneira, para compreender a evolução das marcas e como os processos de gestão e desenvolvimento de identidade culminaram no que chamamos de branding, apontamos algumas definições desses conceitos e seu uso na contemporaneidade.
BRINCANDO COM FOGO As definições de marca têm sido encontradas nos mais distintos pontos de vista. A linguagem e a abrangência de suas fronteiras também são transitórias. Numa visão geral apresentada pela disciplina do marketing, marca significa o foco em identificação e diferenciação de um determinado produto ou serviço, ao passo que outras abordagens a situam em um contexto simbólico e emocional. Para a designer e consultora Alina Wheeler (2008): Marca é a promessa, a grande ideia e as expectativas que residem na mente de cada consumidor a respeito de um produto, de um serviço ou de uma empresa. [...] A marca entrou no dicionário de todos. O termo é como um camaleão: o significado pode mudar de acordo com o contexto. [...] A marca se tornou sinônimo do nome de uma empresa e sua reputação (WHEELER, 2008, p. 12).
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Por outro lado, a Interbrand, consultoria global de branding, define o termo da seguinte maneira:
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Marca é uma mistura de atributos tangíveis e intangíveis, simbolizados por uma marca registrada que, quando tratada de forma apropriada, cria valor e influência. O ‘valor’ tem diferentes interpretações: na perspectiva do mercado ou do consumidor, é a promessa ou o cumprimento de uma experiência; na perspectiva empresarial, é a segurança de lucros futuros; na perspectiva da lei, é uma peça independente com propriedade intelectual. As marcas simplificam as tomadas de decisão, representam uma certeza de qualidade e oferecem alternativas relevantes, diferenciadas e com credibilidade em meio às ofertas da concorrência (GLOSSÁRIO DE MARCAS INTERBRAND, 2008, p. 20).
Aproximamo-nos também do designer e consultor inglês Wally Olins, que defendia o branding como uma profunda manifestação da condição humana e do senso de pertencimento: pertencer a uma tribo, a uma religião, a uma família. O branding deixa claro esse sentimento. Ele executa tal função para ambas as pessoas que fazem parte do mesmo grupo e também para as pessoas que não fazem parte dele (MILLMAN, 2013). O antropólogo Grant McCracken acredita que, assim como pontuamos com as teorias de Cardoso (1998), ao criarmos marcas, estamos envolvidos em um processo de “fabricação” e “gerenciamento” de significados: Para que uma marca tenha eficácia no mundo, devemos criar uma combinação de significados culturais e gerenciá-los atentamente. Existem diferentes níveis de significados associados a qualquer marca, alguns absolutamente novos para o momento e outros presentes continuamente ao longo do tempo. Uma marca é composta por esses significados. Eles são cuidadosamente escolhidos e criados. Dessa forma, eles são geridos para que a marca se adapte ao mundo na medida em que ele faz novas demandas para nós (MCCRACKEN apud MILLMAN, 2013, p. 33)13.
No artigo Creator Brands: brands that make culture, publicado em seu blog, o antropólogo expõe novamente a sua visão sobre o poder das marcas como entidades que “manufaturam” significados. McCracken (2016) aponta que, nos anos 1970 e 1980, a Nike mudou a forma como lidamos com as atividades físicas e com o corpo.
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Atualmente, percebemos também como o Uber e o Airbnb estão alterando o nosso entendimento de viagem e turismo. O Netflix, por sua vez, modificou a forma como usufruímos a TV. Questionamos aqui: não teria a AK-47, diante de sua reputação, também promovido uma mudança sobre o nosso entendimento de guerra e os usos de uma arma? Para McCracken (2016), uma série de empresas e indústrias após a Segunda Guerra Mundial ajudou na criação do “modernismo dos meados do século”, que, por sua vez, formou a vida americana e seu pensamento de maneira mais fluida. As marcas foram (e continuam sendo) assim, o reflexo de ideias fundamentais como quem somos, com o que preocupamos e como vivemos. O autor afirma que “a maioria das marcas são feitas de significados”. As denominadas por ele como creator brands (marcas criadoras na tradução livre para o português) são criadoras de significados. Elas ajudam a criar os significados que nos criam de volta.14 Nesse sentido, Cheryl Swanson, designer proprietária da consultoria de marca Toniq também compartilha dessa visão. Para ela, marcas são como “totens ancestrais”, uma espécie de artefato que revela sobre a nossa história e a nossa cultura. As marcas tornaram-se cápsulas do tempo e, de muitas maneiras, são agora dispositivos de navegação e de identidade. As marcas transcenderam a sua função econômica e agora refletem a nossa cultura e quem somos de uma forma que nenhum outro objeto é capaz de fazer (SWANSON apud MILLMAN, 2013, p. 144).15
Retomamos os apontamentos. As marcas são entendidas e projetadas como uma engrenagem complexa e sistematizada. Ela é indissociável de promessas e funciona como fábrica de significados que nos permitem identificar – quem somos, o que queremos e para onde vamos. No entanto, não apenas de discursos somos validados. Para tal, o branding controla-se por meio de uma relação entre os elementos do campo simbólico e a forma como eles visualmente se apresentam. Para vivermos as experiências de uma marca, ela precisa se formalizar, ter o seu visual. De acordo com o glossário de termos da Associação dos Designers Gráficos (ADG), identidade visual é o “conjunto sistematizado de elementos gráficos que identificam visualmente uma empresa, uma instituição, um produto ou um evento, personalizando-os, tais como um logotipo, um símbolo gráfico, uma tipografia e um conjunto de cores”.
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Andrea Semprini (2006) define que “é a identidade de uma marca que o público conhece, reconhece e, eventualmente, aprecia. É a identidade que define em poucas palavras a missão, a especificidade e a promessa da marca” (SEMPRINI, 2006, p. 139). Segundo Wally Olins, as organizações são únicas, e a sua identidade deve surgir de seu íntimo, de suas raízes e personalidade. Suas manifestações são tudo aquilo que é palpável e visível para o público: do ambiente físico da empresa ao material de comunicação. Elas devem ter qualidade, coerência entre si e ser capazes de refletir precisamente o que a empresa acredita e proporciona para o mundo. Nesse contexto, insere-se o design como disciplina capaz de projetar esse “visível” e “palpável”. Cabe também explicitar aqui o pensamento de Alina Wheeler (2008) sobre identidade. Para a autora, enquanto o termo marca está situado em um terreno simbólico e intangível, a identidade é tangível e apela para os sentidos. A identidade é a expressão visual de uma marca. A identidade dá apoio, expressão, comunicação, sintetiza e visualiza a marca. Você pode vê-la, tocá-la, agarrá-la, ouvi-la, observá-la se mover. Ela começa com o nome e com um símbolo e evolui para tornar-se uma matriz de instrumentos e de comunicação (WHEELER, 2008, p. 14).
As questões levantadas por Wheeler nos fazem perceber como esses sistemas engatilham em nossa mente percepções acerca de uma empresa ou de um produto. Nesse caso, forçam-nos a um reconhecimento imediato, seja qual for a cultura ou os valores envolvidos. Um importante marco para a história das marcas foi a criação do primeiro sistema de identidade visual para a AEG16, em 1907, pelo designer alemão Peter Behrens. Após perceberem a necessidade de integrar as manifestações visuais da empresa, foi reunida uma equipe de designers para conceber um projeto de logotipo que se alastrava até nos produtos e no material publicitário. Para Costa (2011, p. 77), “com essa ideia integradora que superava totalmente a prática exclusivamente gráfica da marca naquela época, a AEG se antecipava em uma disciplina que, não obstante, levaria meio século para estabelecer-se: a imagem corporativa”. O autor ainda afirma que a missão da equipe de designers era a de criar um “estilo” para a AEG que deveria estar presente em sua produção, comunicação, produtos, ambientes, nas relações internas e externas, comerciais e institucionais.
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Esse minucioso trabalho também foi considerado o primeiro projeto de identidade visual da História. A partir desse momento, o design era visto como um caminho importante para formar uma reputação de qualidade e confiabilidade por meio de projetos de identidade para as empresas. O historiador Philip Meggs afirma: A Revolução Industrial, com sua fabricação e comercialização em massa, aumentou o valor e a importância de marcas registradas para a identificação visual. Porém os sistemas de identidade visual que surgiram nos anos 1950 iam muito além das marcas ou símbolos. O âmbito nacional e multinacional de muitas corporações dificultava que elas mantivessem uma imagem coesa, mas, ao unificar de modo coerente todas as comunicações de uma dada empresa, tal imagem podia ser projetada, e o design foi convocado para ajudar a alcançar objetivos específicos dessas organizações (MEGGS, 2009, p. 523).
Vale ressaltar também a importância e a influência das escolas funcionalistas – Bauhaus e Ulm – nos trabalhos dos designers a partir da década de 1920. Segundo Carneira (2013): A Bauhaus foi criada em 1919, em Weimar, Alemanha, por Walter Gropius, com o idealismo de unir artesãos e artistas na construção de um novo padrão de qualidade e estética para a indústria e arquitetura, visando, ainda, resolver os problemas de design decorrentes da industrialização. A ideologia da escola pregava que todo elemento supérfluo ou qualquer adorno que não tivesse uma função deveriam ser eliminados do projeto, fosse o objeto em questão um produto, um móvel ou um projeto de arquitetura (CARNEIRA, 2013, p. 27).
Os princípios de projeto adotados por essas escolas introduziram, nos professores e, consequentemente, nos alunos, a busca pela precisão e pela síntese. Essa forma de projetar acabou influenciando os trabalhos na arquitetura, na fotografia, na tipografia e no design gráfico. Sobre esse aspecto, Costa afirma que “a simplicidade da forma retirou, assim, as ilustrações das velhas marcas, deixou-as mais abstratas, levou-as cada vez mais para perto do signo” (COSTA, 2011, p. 79). Nesse sentido, o historiador Rafael Cardoso também comenta:
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A cultura corporativa incipiente reconheceu no design funcionalista atrativos irresistíveis como austeridade, precisão, neutralidade, disciplina, ordem, estabilidade e um senso inquestionável de modernidade, todas as qualidades que qualquer empresa multinacional deseja transmitir para seus clientes e funcionários (CARDOSO, 2009, p. 170).
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Para Carneira (2013), o movimento da Bauhaus e dos funcionalistas da época influenciou expressivamente os rumos da disciplina, assim como o projeto da AEG introduziu outro pensamento para os projetos de identidade visual. Em 1960, decorrente das influências do Estilo Tipográfico Internacional17 e do contínuo trabalho de designers na área de identidade visual, foram desenvolvidos programas de design altamente sistematizados para combinar partes complexas em um todo unificado dentro das empresas. Como exemplo clássico, cita-se o sistema de identidade visual da empresa aérea alemã Lufthansa, criado dentro da Escola de Ulm pelo alemão Otl Aicher. O designer acreditava que a empresa poderia ter uma identidade uniforme e significativa mediante um controle sistematizado do uso de seus elementos gráficos. Nesse sentido, Meggs (2009) afirma que os conceitos do Estilo Tipográfico Internacional foram utilizados em um sistema que contemplava as necessidades de comunicação e design da empresa: Os formatos de papel foram padronizados, tornando mais econômica a produção de material impresso. Sistemas de grid e especificações tipográficas foram trabalhados para levar em conta todas as necessidades de comunicação visual, da embalagem do serviço de bordo a horários e identificação das aeronaves. Aplicou-se em tudo uma paleta de cores azul e amarela. Uniformes, embalagem, o caráter das fotos a serem usadas em anúncios e cartazes e os interiores e exteriores das aeronaves. O programa de identidade corporativa da Lufthansa se tornou um protótipo internacional para sistemas fechados de identidade, com todos os detalhes e especificações dirigidos para a uniformidade absoluta (MEGGS, 2009, p. 535).
Nesse mesmo momento, nos Estados Unidos, acontecia também uma expansão de mercado e desenvolvimento de grandes multinacionais e empresas. Esse processo, aliado à imigração de muitos designers europeus para o país, culminou no desenvolvimento de profissionais e projetos
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de identidade visual. Nas décadas de 1950 e 1960, já havia designers exclusivos para esse tipo de projeto, como Paul Rand. O designer sobressaiu por projetar uma série de identidades como a Westinghouse, a American Broadcasting Company (ABC) e a IBM. Seus trabalhos exprimem uma preocupação de síntese, a busca por atemporalidade e universalidade das formas (CARNEIRA, 2013). Como exemplo da IBM, Rand não apenas desenhou o seu logotipo, mas também o material institucional da empresa, como cartazes, embalagens, construindo, assim, um padrão de linguagem visual único. Para sempre e para todos, o nosso entendimento e a forma de nos identificar foram marcados pela segurança de termos o design e o branding “gerindo” nossa vida. Nesse sentido, avançamos com uma proposta investigativa um tanto quanto provocativa. Estamos aqui motivados a lançar luz a uma perspectiva do branding no mundo moderno. Eis um recorte que objetiva a exposição de suas práticas projetuais que, muitas vezes, transitam em contrassenso.
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HITLER E SUA EQUIPE NA CERIMÔNIA DE ABERTURA DAS OLIMPÍADAS DE BERLIM, 1936 (nypost.com)
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ADMIRÁVEL MUNDO NOVO O designer e crítico Steven Heller (2010), aponta que, a partir do século XX, os Estados totalitários como a Alemanha nazista, a Itália fascista e a União Soviética começaram a usar as mesmas técnicas de branding empregadas pelas corporações contemporâneas. As empresas se esforçaram para estabelecer narrativas de marca – apoiadas por imagens e logotipos –, esses usados para acionar o reconhecimento instantâneo de suas ideias e produtos. O objetivo, assim como o de qualquer estratégia de branding atual, era o de garantir fidelidade à marca. Sob esse aspecto, Heller cita também a crítica de Aldous Huxley no livro Admirável Mundo Novo, de 1958, o qual avalia os métodos modernos de manipulação da opinião popular: “Vinte anos antes de a Madison Avenue iniciar a ‘Pesquisa Motivacional’, Hitler sistematicamente explorou e aproveitou dos medos, das esperanças, dos desejos, ansiedades e frustrações das massas alemãs (HELLER, 2010, p. 8).18 Huxley ainda completa: ‘Toda propaganda eficaz’, Hitler escreveu, ‘deve limitar-se a algumas necessidades básicas e então deve ser expressa em fórmulas estereotipadas’. Estas fórmulas estereotipadas devem ser constantemente repetidas, pois ‘somente a repetição constante conseguirá finalmente gravar uma ideia na memória de uma multidão’ (HUXLEY, 2004, p. 57).19
Comparar como empresas e Estados totalitários se promovem pode parecer um tanto quanto distante e improvável. Produtos dentro de um supermercado não nos parecem intimidar com o mesmo impacto do que uma propaganda nazista. No entanto, como aponta Heller (2010), os métodos de design utilizados para doutrinar e garantir o consumo e a lealdade são muito similares. “Branding não é apenas fumaça e espelhos; os resultados são muitas vezes quantificáveis, porque a lealdade pode ser medida pelas vendas – ou pelos votos” (HELLER, 2010, p. 8).20 Se alguém está envolvido na compreensão do poder do design, o poder dos símbolos, o poder da tipografia, para alterar o comportamento, para influenciar o comportamento, sendo em um nível corporativo, em um nível sem fins lucrativos, em um nível benigno,
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em um nível malicioso, você tem que entender o que aconteceu com as práticas nazistas. Não posso negar que há um certo fascínio pelo material enraizado de sua história. E também na qualidade, como um designer eu vejo a qualidade e a consistência de sua marca. Mas também eu olho para ele como se tivesse nos ensinando algo (HELLER in EDWARDS, 2011).21
Heller, no prefácio do livro Branding Terror, argumenta também sobre a necessidade de uma construção sistematizada de estímulos visuais e verbais para a sustentabilidade de um negócio.
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Uma identidade é o ponto de contato essencial entre o público e um produto, organização ou serviço. O que seria da Igreja católica sem o crucifixo? Poderia Adolf Hitler comandar a nação alemã sem a imponência de sua suástica? E onde estariam hoje os americanos sem as suas estrelas e listras? Identidades visuais são entidades consideradas ‘sagradas’ para grandes corporações: Coca-Cola, IBM e Apple, por exemplo, são protegidas a todo custo contra a violação de terroristas corporativos e sabotadores industriais (HELLER, Prefácio in BEIFUSS; BELLINI, 2013, p. 8).22
Para o autor, “branding é uma ferramenta que não tem consciência ou moralidade – ela pode ser usada para o bem ou mal, e às vezes para ambos em conjunto” (HELLER, Prefácio in BEIFUSS; BELLINI, 2013, p. 9).23 Nessa instância, o designer atua com o papel fundamental de criador de discursos de marcas, de códigos visuais e verbais para que determinado grupo, objeto ou serviço seja percebido. Uma marca bem-sucedida está imbuída com mitologias e verdades, assim como outras virtudes que um produto ou ideia necessita para prosperar [...] Elas são distintivos carregados de lealdade. Mais ainda, uma identidade é a cola que une indivíduos díspares em uma massa unificada. Independentemente da qualidade do design, uma identidade eficaz é tanto um agente de ligação e chave para o reino que exclui os descrentes ou os indesejados (HELLER, Prefácio in BEIFUSS; BELLINI, 2013, p. 8).24
Como exemplo, vejamos que o branding se alastrou também nos campos político e militar. Segundo Steven Heller, todas as organizações – fora da lei ou não – mantêm uma identidade, e isso demonstra que, em todo
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o mundo, é possível reconhecer grupos e organizações terroristas que utilizam dos recursos do design e do branding para expressar a sua ideologia. O que todos têm em comum é a necessidade básica de sobrevivência, de se diferenciarem dos demais grupos e de explicitar quais as causas defendem, um princípio básico de identificação. Em meio a uma guerra, identificar-se pode significar também a sua sobrevivência. Segundo apontando por Heller (2013), em outubro de 2006, a agência de notícia britânica Reuters divulgou uma fotografia que mostrava um israelense perito em explosivos segurando os restos de um míssil Al-Quds 3, que fora disparado da Faixa de Gaza e aterrissou nos arredores da cidade israelense de Sderot. Curiosamente, a reportagem não girava em torno do lançamento do míssil e dos objetivos do ataque, mas sobre o branding associado ao míssil. A Reuters relatou que, em um esforço para receber o crédito pelo ataque, o grupo responsável – Movimento da Jihad Islâmica na Palestina – tinha escrito em hebraico no míssil para certificar de que não seria confundido com outros (BEIFUSS; BELINI, 2013). Com inúmeros grupos ativos ao redor do mundo (vários deles com ideologia semelhante e os mesmos objetivos), o branding e o marketing tornam-se importantes elementos da estratégia global de grupos terroristas. Obter os créditos de um ataque é quase tão importante quanto o próprio ataque (BEIFUSS; BELLINI, 2013, p. 10).25
Nesse exemplo, o ataque do míssil em Sderot (ou visto sob um ponto de vista de marca: o produto que a organização “oferece”) pode ser considerado apenas um aspecto de sua identidade. O nome, o lema, o código de vestimenta e a identidade visual também são manifestações indispensáveis para a formação da personalidade de um grupo. Todos esses aspectos são fundamentais para o sucesso e o reconhecimento de uma organização. Para a comunicação corporativa, isso é chamado de branding. O branding de um ataque terrorista ou de uma organização terrorista é uma ação intencional que incorpora associações emocionais a um produto e permite que o público identifique as organizações e o que elas representam (BEIFUSS; BELLINI, 2013, p. 12).26
O branding não é apenas utilizado por corporações ou partidos po-
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líticos como podemos perceber. Qualquer grupo/organização que deseja expressar uma mensagem, influenciar um determinado público e se tornar relevante em um determinado setor precisa de uma identidade. No nosso caso, uma arma também. O uso de símbolos, de cores e tipografia cria o espírito da organização e carrega as suas mensagens para a sua audiência. Em outra notícia divulgada pelo jornal diário americano Washington Times, em 2008, o clube de futebol italiano Carioca adotou uniformes com a identidade visual do grupo terrorista Hezbollah. Ainda, mudaram o nome do grupo para Zassbollah, mistura de Hezbollah com o sobrenome do capitão do time, Luigi Zasso. O objetivo, segundo um dos jogadores, era o de assustar os seus adversários, mostrar que estavam preparados para a batalha e vencer a partida. Um exemplo de como uma identidade pode ser apropriada e carregar um significado específico. A matéria recorda também a história de outra equipe, a Internazionale de Milão, bastante criticada por liberais por incorporar o símbolo da cruz cristã no logotipo da equipe. O uniforme de camisa branca com uma cruz vermelha foi criado para marcar o centenário do time em 2007. Diante do resultado do projeto, um advogado turco processou o Inter com a alegação de que o novo uniforme – inspirado pelo brasão de Milão – era uma reminiscência das Cruzadas e, portanto, um insulto aos muçulmanos (WASHINGTON POST, 2008). O branding e a comunicação visual são ferramentas indispensáveis para o sucesso e a sustentabilidade de uma instituição. Toda organização que deseja influenciar uma audiência precisa de uma identidade presente na vida das pessoas. A preferência por determinada marca é consequência do nosso processo intuitivo de pertencimento e associação. Identificamo-nos como indivíduos dentro de um grupo de iguais. Isso fica muito claro ao analisarmos as tribos, as religiões ou a escolha por paradigma de vida específico. Neste sentido, percebemos que dizer não a um grupo, automaticamente, insere-nos em outro grupo. Observamos, assim, o movimento contínuo de designers engajados na construção de narrativas (verbais e visuais) para as mais diversas instituições e propósitos a fim de gerar reconhecimento instantâneo de uma ideia ou de um produto. O movimento, cada vez mais impulsionado a um alvo específico, enaltece os benefícios intangíveis de um produto, sendo esses, em alguns casos, maiores do que a própria finalidade. Por esse caminho, o semiólogo Andrea Semprini (2006) afirma também que
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“a marca pós-moderna é uma entidade semiótica, baseada no universo dos serviços, dotada de um projeto de sentido capaz de gerar um universo de significados para seu público de interesse” (SEMPRINI, 2006, p. 124). Sendo assim, o que realmente importa no contexto atual em que o branding está inserido? Como as instituições enxergam o seu papel e constroem discursos autênticos e coerentes que se conectem às pessoas? O objetivo do branding não é apenas aumentar a visibilidade no mercado e disseminar o valor intrínseco de uma ideia ou produto, mas também para se infiltrar no subconsciente a fim de desencadear um comportamento conformista. O objetivo real de uma marca não é criar ‘consumidores educados’, mas capturar a sua lealdade. Se esse processo requer o envolvimento de alguma artimanha ou falácia, então artimanha e falácia serão (HELLER, 2010, p. 8).27
As marcas e seus produtos assumem, no cenário atual, um novo papel na evolução da sociedade, na qual se transformaram em indicadores de identidade e afirmação. Recorrendo novamente à teoria de Semprini (2006), a identidade é construída por um desdobramento narrativo visual (sistema visual) e de sentido (conteúdo e significado), esferas em que o designer atua e intervém com o projeto de construção de marca por meio das estratégias do branding.
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POSTER DAS OLIMPÍADAS DE BERLIM, 1936 (nypost.com)
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CONGRESSO EM NUREMBERG, 1938 (rarehistoricalphotos.com)
PÁGINAS DO MANUAL DE MARCA NAZISTA (logobr.org)
IDENTIDADE DA RED ARMY FACTION (RAF) (en.wikipedia.org)
IDENTIDADE DA BABBAR KHALSA (nypost.com)
IDENTIDADE DA AL QUAEDA — AQUIM (nypost.com)
IDENTIDADE DO GRUPO SALAFISTA (PREDECESSOR DA AL QUAEDA) (anothermag.com)
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IDENTIDADE DO TIGRES DE LIBERAÇÃO DO TAMIL EELAM (we-make-money-not-art.com)
BANDEIRA DO HEZBOLLAH (en.wikipedia.org)
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BANDEIRA DO ESTADO ISLÂMICO (en.wikipedia.org)
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SALEEL AL SAWARIM Um pregador brandindo um facão proclama o Estado Islâmico e avisa os kuffar e judeus de Jerusalém que os jihadistas estão vindo para pegá-los. Ele então lidera a destruição de passaportes. Em cenas nós vemos os chamados Caçadores Rafidah passarem dirigindo por outros carros em uma estrada e atirando com suas armas no que eles dizem ser soldados xiitas a caminho de aderirem Às suas unidades do exército iraquiano ‘Safavid’. Dentro dos veículos perfurados estão os corpos ensanguentados de dois rapazes em roupas civis; qualquer um que se mexer leva tiros. Em outra cena, o EI atira em um fugindo deles. Ele está ferido, mas ainda vivo, e diz a eles: ’Sou um motorista’. O filme então emenda a imagem dele deitando-se no chão com sua fotografia oficial do exército do Iraque. Ele é morto. [...] Um oficial de contraterrorismo de Samarra é interrogado em sua sala de estar. Então ele é levado para o seu quarto enquanto um combatente do EI, também trajado como soldado do Iraque, tira os seus uniformes de segurança do seu guarda-roupa. O homem é vendado com um cachecol. Então ele é decapitado (WEISS; HASSAN, 2015, p. 120).
O trecho acima é parte da narrativa de um dos vídeos mais populares distribuídos pelo Estado Islâmico. Saleel al Sawarim ou aportuguesado como o Retinir das Espadas, trata-se de um marco midiático que definitivamente mudou os rumos e os acontecimentos de todo o mundo. Para Weiss e Hassan (2015), o vídeo, distribuído amplamente nas redes sociais, demonstra a capacidade do EI28 de propagar sua ideologia e recrutar fiéis, apresentando um conteúdo que os diplomatas ocidentais presumiam ser capaz de dissuadir a curiosidade de pessoas “comuns”. O Retinir das Espadas, transmite mais do que adequadamente a sua mensagem ao público-alvo. O vídeo estreou bem quando grupos rebeldes da região leste da Síria e Aleppo – sahwats de uma safra mais recente – estavam combatendo o EI. Nenhuma dessas facções tinha qualquer coisa comparável para apresentar para os seus militantes ou para as pessoas de fora sugerindo bravura ou unidade de propósitos parecidas. Para os iraquianos, se você fosse xiita em uma área infiltrada pelo EI, você ficava sem dúvida aterrorizado. Se você fosse sunita, por que se importar com aparecer para o trabalho como um soldado, policial ou vereador eleito se um simples juramento de fidelidade significava manter a sua cabeça pelo futuro próximo? O EI reivindicava ser inabalável e indomável (WEISS; HASSAN, 2015, p. 120).
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A abordagem atual sobre o uso do branding pode ser encontrada no artigo do designer consultor Patrick Hanlon (2015), ISIS as a Brand Movement. Nele o autor discute o crescimento do Estado Islâmico com base na sua força de propagação de marca. Recentemente, o mundo tem assistido, com fascinação e horror, às investidas dos guerreiros intitulados EI (Estado Islâmico ou Estado Islâmico do Iraque e do Levante) na travessia da Síria e do Iraque não só por causa da sua surpreendente capacidade de liquidar cidade após cidade, mas também por causa de seu uso dramático das mídias sociais e das ferramentas do branding para promover o seu terror. Para melhor entendimento do uso dos métodos de branding pelo EI, recorreremos à Hanlon (2015) e sua teoria de que uma comunidade de marca pode ser analisada dentro de uma arquitetura emocional ou de um código social. Esse código é dividido em sete pontos (história, crença, ícones, rituais, léxico, descrentes e líder), que juntos criam entendimento nas pessoas sobre grupos, produtos ou eventos. Para Hanlon (2005), se desconstruirmos o EI de acordo com esse “código social”, podemos enxergar melhor como estabelecem o terror e estimulam a nossa imaginação. O primeiro ponto do código diz respeito à história de origem da marca e onde ela nasceu. A Apple surgiu em uma garagem; os tênis da Nike, em uma máquina de waffles. Já o Estado Islâmico foi originalmente composto de uma variedade de grupos insurgentes sunitas e passou por diversas mudanças de nome antes de se tornar “EI” em 2013, após sua expansão para a Síria. Tomemos agora o segundo ponto: a crença. Segundo o autor, “todos os sistemas de crenças têm princípios fundamentais que unem pessoas que compartilham das mesmas ideias: a crença na vida após a morte; a liberdade para todos; o Estado é supremo; semper fi (sempre fiel)” (HANLON, 2015).29 O objetivo do EI é a instituição de um estado pan-islâmico “puro”, liderado por um líder religioso e político, o califa. Em outras palavras, buscam criar uma teocracia islâmica. E, como o mundo tem observado, a sua convicção é firme. Quando uma comunidade é rendida por suas forças militares, aqueles que não se convertem imediatamente, ou seja, não se levam pela crença EI, são instantaneamente mortos, decapitados ou queimados vivos. O terceiro ponto refere-se aos ícones. Desde a Idade Média, guerreiros utilizam brasões e símbolos como leões, dragões e armas para dis-
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tinguirem seus amigos dos seus inimigos, o que Steven Heller (2013) aponta como “distintivos carregados de lealdade”.30 Da mesma maneira que esses medievais, o EI também possui a sua bandeira preta e sua identidade visual. Além disso, fazem uso de uniformes e armas, como a AK-47, para singularizar e diferenciar o grupo. Hanlon (2015) também complementa: Mas ícones não são apenas restritos aos logotipos. Ícones estimulam todos os nossos sentidos: audição, paladar, olfato e tato. Eles são pistas que sinalizam imediatamente se podemos nos aproximar ou evitar. Fumaça significa fogo, uma serpente e o som de seu chocalho significa perigo e uma vítima queimada até a morte é também uma imagem icônica (HANLON, 2015).31 .61
A próxima essência do código social são os rituais. No caso do EI, rituais de guerra. Atos brutais de violência acompanham suas conquistas e execuções contra cristãos e mulçumanos xiitas. Voluntários (geralmente crianças), vestindo coletes suicidas ou dirigindo veículos cheios de explosivos, também são rituais. A morte igualmente é vista como rito de passagem. A conversão, um ritual sagrado. Os últimos noticiários apontam uma série de pessoas, incluindo adolescentes, que abandonaram seu país para se juntarem ao Estado Islâmico. Na sequência, tomemos o quinto ponto do código social, o léxico, de acordo com o autor: Todas as comunidades de marca possuem termos específicos para os seus membros e auxiliam na identificação dessa comunidade. Este vocabulário torna-se único para a sua narrativa e automaticamente identifica e une quem a entende. Se você não sabe comunicar, você não é parte da comunidade. Dessa forma, as palavras em torno da guerra, códigos, cifras secretas ou unidades militares especiais são conhecidas por qualquer pessoa envolvida nessas atividades. Essa é uma língua estrangeira para os outros (HANLON, 2015).32
Palavras sagradas do Alcorão dão forma à liturgia e ao léxico da comunidade do EI. Ainda, termos como califado, jihad e mujahieen penetram densamente no mundo ocidental. O penúltimo ponto do código social refere-se aos descrentes. Hanlon (2005) aponta que todas as comunidades de marcas reconhecem
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pessoas que não querem fazer parte de seu grupo. Elas, automaticamente, são vistas como parte de outra comunidade. Exemplos não faltam: Republicanos versus Democratas, políticos de esquerda e de direita, dentre outros. Os alvos do Estado Islâmico são justamente os descrentes dentro do Islã, líderes no Iraque e na Síria, em todo o mundo árabe, e dos governos ocidentais (HANLON, 2015). A última peça do código, o líder, a pessoa que guia toda a comunidade e seus objetivos. Sempre existirá um líder por trás das grandes comunidades de marca. No caso do EI, a sua liderança foi bastante alterada ao longo dos anos. Hoje, Abu Bakr al-Baghdadi (também conhecido como Abu Dua) é o líder do Estado Islâmico e único sucessor legítimo do Profeta Mohammed (HANLON, 2015). Diante desse panorama, percebemos como o código social se associa ao pensamento do branding e suas estratégias. Os sete pontos do código social criam uma estrutura holística que toca os indivíduos emocionalmente. É uma combinação poderosa que busca o que está faltando na vida das pessoas para preenchê-la. O código social nos ajuda a acreditar em algo maior que nós mesmos. Ele nos dá o senso de pertencimento. Se nos sentimos sós ou isolados, ele nos ajuda a identificar uma comunidade que parece se importar (HANLON, 2015).33
O branding do Estado Islâmico tem chamado muito a atenção mundial. Segundo a matéria Terror Inc.: How the Islamic State became a branding behemoth do Yahoo!, em 2014, o movimento criou um centro de comunicação e propaganda responsável pelo desenvolvimento de todo o seu material gráfico, como o periódico Dabiq (impresso em diversas línguas) e seu produto mais famoso: os vídeos de tortura que se espalham com velocidade na web. Sobre a Dabiq, Steven Heller (2015) argumenta: Ao longo da história, revistas que representam a rebelião de todos os lados (do neonazismo à nova esquerda) foram usadas para espalhar suas doutrinas. Portanto, não deve ser surpresa que o EI tenha suas próprias. Mas o nível de sofisticação gráfica excede a expectativa (HELLER, 2015).34
O Estado Islâmico também se preocupa em catalogar seus assassinatos, suas conquistas e em difundi-los pelo resto do mundo. Como qualquer
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empresa ou instituição, eles também publicam relatórios anuais. Exemplos de suas estratégias de branding e propagação de sua marca não param por aí. Atualmente, é possível encontrar em Istambul, na Turquia, uma experiência de varejo jihadista. Uma loja que vende tudo que um jovem islâmico pode precisar: de bandanas com o logotipo do Estado Islâmico a nicabs, para que a sua jovem esposa pareça perigosa também. Para os mais casuais, camisetas e casacos com o logotipo oficial, e, para os mais intrépidos, calças cargo para carregar munição extra (ATELIER WORKS, 2014). Por último, mas não menos importante, apresentamos também o projeto de doutrinação das crianças. Em maio de 2016, o Estado Islâmico criou um aplicativo para ensinar árabe para seus futuros militantes. O vocabulário utiliza da cultura jihad visando exemplificar as letras do alfabeto. Exemplos: a letra “M” refere-se à palavra “Madfa’e” (canhão em português), a letra “B” de “Bundiqiya” (rifle em português), e a letra “S” a “Sarokh” (míssil em português). As práticas apontadas reforçam e fundem os pensamentos do branding na cultura. Produzimos e projetamos de maneira complexa e sistematizada. A capacidade de gerir significados culturalmente é tarefa infinita que busca equacionar os ideais humanos e mundanos: quem somos, no que acreditamos e para onde vamos. A cultura e os valores de uma sociedade e a sua história, seja do Estado Islâmico, seja de seus inimigos, concatenam com o branding na produção de espelhos que refletem como somos com uma nitidez singular. As possibilidades de produção de significados por meio do design e do branding apropriam-se das questões mundanas, da história, da cultura e da sociedade. Nesse sentido, salientamos aqui a importância de conduzir o leitor em um breve percurso histórico sobre o nosso objeto empírico, a AK-47.
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CAPA DA REVISTA DABIQ #15 (clarionproject.org)
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The Ruling on Riddah
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ontrary to popular misconception, riddah (apostasy) does not exclusively mean to go from calling oneself a Muslim to calling oneself a Jew, Christian, Hindu, Buddhist or otherwise. In reality, there are only two religions. There is the religion of Allah, which is Islam, and then the religion of anything else, which is kufr. Allah c said, {Verily, the religion according to Allah is Islam} [Āl ‘Imrān: 19], and He said, {And whoever seeks other than Islam as a religion, it will never be accepted of him, and he will be among the losers in the end} [Āl ‘Imrān: 85]. So whatever is not Islam is not the religion according to Allah and it will never be accepted. Rather, it is the religion of losers in the end, which is kufr, as Allah said about the kāfirīn, {In the end, they are the losers} [An-Nahl: 109]. Therefore, anyone who falls into kufr has left Islam, even if he claims to be a Muslim. Ibn Hazm said, “There is no religion except Islam or kufr; whoever leaves one of them inevitably enters the other, as there is nothing in between them” [Al-Fisal]. The person who calls himself a “Muslim” but unapologetically commits blatant kufr is not a munāfiq (hypocrite), as some mistakenly claim. Rather, he is a murtadd (apostate). The difference between nifāq (hypocrisy) and riddah is that a munāfiq conceals his kufr and openly manifests Islam, quickly apologizing if ever his cover is blown. The murtadd, on the other hand, openly commits his kufr after ascribing to Islam.
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he ruling of the person who commits riddah is that he is killed, unless he repents before he is apprehended. Allah’s Messenger g sent Mu’ādh Ibn Jabal h to Yemen to assist Abū Mūsā al-Ash’arī h with ruling the people according to the Sharī’ah. When he arrived at the court assembly, he found there a man bound in chains. He asked Abū Mūsā, “Who is this?” He replied, “He was a Jew who accepted Islam and then became a Jew again. Sit.” Mu’ādh said, “I will not sit until he is killed. Such is the judgment of Allah and His Messenger! Such is the judgment of Allah and His Messenger! Such is the judgment of Allah and His Messenger!” So Abū Mūsā gave the order and he was killed [Reported by al-Bukhārī and Muslim]. His repeated statement, that “such is the judgment of Allah and His Messenger,” is a clear evidence that the ruling of one who leaves Islam after he is apprehended is that he is killed. As for repenting before being caught, then Allah said, {Say, “O My slaves, those who have transgressed against themselves, do not despair of the mercy of Allah. Verily, Allah forgives all sins. Verily, He is the Forgiving, the Merciful. And repent to your Lord and surrender to Him before the punishment reaches you; then you will not be helped”} [Az-Zumar: 53-54]. Likewise, and specifically about the apostate, Allah
said, {How would Allah guide a people who disbelieved after they believed, having testified that the Messenger is true, and clear evidences reached them, and Allah does not guide tyrannical people. Those, their reward is that the curse of Allah, the angels, and all of mankind is upon them, abiding therein forever. The torment does not lessen for them, nor are they given respite, except those who repent thereafter and correct themselves, for verily Allah is Forgiving, Merciful} [Āl ‘Imrān: 87-89]. It should then be no surprise that Amīrul-Mu’minīn Abū Bakr al-Baghdādī (hafidhahullāh) declared that any of the apostates from the sahwāt or otherwise who repent to Allah and surrender themselves to the Islamic State will be guaranteed amnesty, even if they had killed a million mujāhidīn. But those who are caught before they repent, then there is no amnesty for them and theirs shall be a painful – and fatal – punishment. Historical Examples
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uring the life and mission of the Prophet g, the issue of riddah arose on a few occasions. The most famous case was that of the ‘Uklī–‘Uranī apostates. Some men from the tribes of ‘Ukl and ‘Uraynah came to al-Madīnah, entered upon the Prophet g, and announced their Islam. They then said to him, “O Prophet of Allah! We are a people of livestock,
The punishment for apostasy
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PÁGINAS 8 E 9 DA REVISTA DABIQ #10 (clarionproject.org)
{And [mention], when Luqmān said to his son while he was instructing him, “O my son, do not associate [anything] with Allah. Indeed, association [with him] is great injustice.” And We have enjoined upon man [care] for his parents. His mother carried him, [increasing her] in weakness upon weakness, and his weaning is in two years. Be grateful to Me and to your parents; to Me is the [final] destination. But if they endeavor to make you associate with Me that of which you have no knowledge, do not obey them but accompany them in [this] world with appropriate kindness and follow the way of those who turn back to Me [in repentance]. Then to Me will be your return, and I will inform you about what you used to do} [Luqmān: 13-15].
TAWHĪD
And Our Duty to Our Parents {And [recall] when We took the covenant from Banī Isrā’īl, [enjoining upon them], “Worship none except Allah and be good to [your] parents”} [Al-Baqarah: 83]. {Worship Allah, and associate nothing with Him, and be good to [your] parents} [An-Nisā’: 36]. {Say, “Come, I will recite what your Lord has prohibited to you. [He commands] that you not associate anything with Him and that [you] be good to [your] parents} [Al-An’ām: 151]. {And your Lord has decreed that you not worship except Him and [that you] be good to [your] parents. Whether one or both of them reach old age [while] with you, say not to them [so much as], “ugh,” and do not repel them but speak to them a noble word. And lower to them the wing of humility out of mercy and say, “My Lord, have mercy upon them as they brought me up [when I was] small”} [AlIsrā’: 23-24]. {And We have enjoined upon man goodness to [his] parents. But if they endeavor to make you associate with Me that of which you have no knowledge, do not obey them. To Me is your return, and I will inform you about what you used to do} [Al-‘Ankabūt: 8]. 14 ARTICLE
PÁGINAS 14 E 15 DA REVISTA DABIQ #14 (clarionproject.org)
In these verses, good treatment of one’s parents follows the order of tawhīd and the prohibition of treating them wickedly follows the prohibition of shirk! Allah’s Messenger said three times, “Shall I not inform you of the greatest of major sins?” The Sahābah replied, “Yes, O Rasūlullāh.” He said, “Associating partners with Allah and wicked treatment of one’s parents” [Reported by alBukhārī and Muslim from Abū Bakrah]. He also said, “The approval of the Lord is in the approval of one’s father and the anger of the Lord is in the anger of one’s father” [Reported by at-Tirmidhī from ‘Abdullāh Ibn ‘Amr]. It was also reported by the Tābi’ī Wahb Ibn Munabbih that Mūsā (‘alayhis-salām) asked his Lord (‘azza wa jall), “O Lord, with what do you order me?” He replied, “That you do not associate any partners with Me.” He asked, “And with what else?” He replied, “That you be dutiful to your mother.” He asked, “And with what else?” He replied, “That you be dutiful to your mother.” He asked, “And with what else?” He replied, “That you be dutiful to your mother” [Az-Zuhd – Imām Ahmad]. So how can the muwahhid ignore this obligation and commit the major sin second to shirk by treating his parents wickedly? And how can the muwahhid not thank them, speak good words to them, and accompany them with kindness? This kind treatment is obligatory even if they might be sinful, and even if they order him with sin!
But the muwahhid should always remember that he is obliged not to obey his parents in what entails disobedience of Allah as ordered by these āyāt and as the Prophet said, “There is no obedience to anyone in disobedience of Allah. Obedience is only in good” [Reported by al-Bukhārī and Muslim from ‘Alī]. He also said, “Upon the Muslim is to listen and obey in regards to what he likes and dislikes, except if he is ordered with sin. If he is ordered with sin, then there is no listening nor obedience [in sin]” [Reported by al-Bukhārī and Muslim from Ibn ‘Umar]. Amongst the major sins that many parents order their children with is the abandonment of the fard ‘ayn jihād (jihād which is obligatory upon each and every individual). They intentionally or unintentionally distort the meaning of various ahādīth on the obligation to obtain the permission of one’s Muslim parents before performing fard kifāyah jihād (jihād which is an obligation on the Ummah as a whole but not obligatory upon each and every individual). These ahādīth should be understood in light of other evidences including the statement of Allah , {Say, “If your fathers, your sons, your brothers, your wives, your relatives, wealth which you have obtained, commerce wherein you fear decline, and dwellings with which you are pleased are more beloved to you than Allah and His Messenger and jihād in His cause, then wait until Allah executes His command. And Allah does not guide the defiantly disobedient people”} [At-Tawbah: 24]. This āyah refers to a jihād that is not excused by obeying one’s parents. The scholars have unanimously explained that such jihād is the fard ‘ayn jihād. Ibn Qudāmah said, “If jihād becomes obligatory upon him then the permission of his parents is not taken into consideration because the jihād has become fard ‘ayn and abandonment of it is a sin. There is no obedience to anyone in disobedience of Allah. Similarly is the case of hajj, jamā’ah prayer, Friday prayer, travel for seeking obligatory knowledge. Al-Awzā’ī said, ‘There is no obedience to the parents in abandonment of obligations, Friday prayer, hajj, and jihād, because they are acts of worship that became obligatory upon him as an
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CAPA DO RELATÓRIO ANUAL DE 2013 DO EI (zerohedge.com)
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PÁGINA DO RELATÓRIO ANUAL DE 2013 DO EI (zerohedge.com)
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APLICATIVO PARA ENSINAR O VOCABULÁRIO JIHAD PARA AS CRIANÇAS (longwarjournal.org)
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TELAS DO APLICATIVO PARA ENSINAR O VOCABULÁRIO JIHAD PARA AS CRIANÇAS (longwarjournal.org)
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IRAQUIANOS DISPARANDO A AK-47 (designandviolence.moma.org)
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UM OLHO E UM DEDO O período histórico da disputa tecnológica, política, militar e ideológica entre os Estados Unidos e a União Soviética, mais conhecido como Guerra Fria, foi perpetuado pela presença de bombas atômicas e por conflitos indiretos. Não obstante e, principalmente, pelo surgimento da AK-47. Enquanto os cientistas físicos russos aprimoravam as teorias e os testes de suas primeiras bombas atômicas, em outra parte do país, o ditador Josef Stalin lançava um concurso de design de uma nova arma, mais precisamente, de um fuzil de assalto. Em meio a ameaças de um mundo polarizado e instável, o programa se tornou prioridade do governo russo. O projeto da arma vencedora foi atribuído a Mikhail Kalashnikov, jovem engenheiro de vinte e poucos anos. O Exército Soviético a apelidou de AK-47, acrônimo para Avtomat Kalashnikova — a automática de Kalashnikov. Já o número 47 corresponde ao ano em que seus primeiros protótipos foram concluídos. C. J. Chivers, colunista americano que cobriu a guerra do Afeganistão para o The New York Times e autor do aclamado livro The Gun, argumenta que a arma apresentava características peculiares; uma mistura de escolhas de design que não pareciam ser passíveis de existência para os exércitos ocidentais na época (CHIVERS, 2010). Ela pesa 4,3 quilos quando está totalmente carregada, tem capacidade para 90 balas e um calibre de 7,62mm x 39mm. Os disparos podem alcançar uma velocidade de 700m/s, com uma expectativa média de 600 tiros por minuto (sendo no modo semiautomático ou automático). O projeto marcava uma verdadeira revolução para os russos e, posteriormente, para todo o mundo. Nenhum inimigo da União Soviética durante a Guerra Fria concebeu ou produziu nesse período uma arma tão compacta. De acordo com Chivers (2010), seu design era um testamento de simplicidade, a qual sua operação básica poderia ser apreendida em questão de minutos. Juntas, essas características significavam que, uma vez distribuído, a pessoa de baixa estatura, a mecanicamente desabilitada, a ignorante e a destreinada poderia ser capaz de manusear, com pouca dificuldade ou instrução, um rifle automático leve que dispara fogo a uma distância de dois ou três campos de futebol. Para o propósito que foi projetado ‑ um dispositivo que permitiu homens comuns a
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matar outros homens sem treinamento extensivo ou complicações indevidas –, esta era uma ferramenta eminentemente bem concebida (CHIVERS, 2010, p. 4).35
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À ventura, essa é uma das questões cruciais sobre o projeto da arma desenvolvida. O design da arma possibilitava rápido aprendizado, quase instantâneo. Para os russos, ela foi desenvolvida por um homem comum para pessoas triviais em um momento no qual as ameaças de guerra e invasão eram a chamada para proteger a pátria contra os inimigos. O país se preparava para uma guerra em massa. O design não visava corresponder às expectativas de pessoas já treinadas e aptas a manusear armas, mas a sociedade russa como um todo, seu proletariado. Certa vez, em uma declaração pública, Mikhail Kalashnikov afirmou: “Se você tem um olho e um dedo, você é capaz de atirar com a minha arma”. Eis a primazia da AK-47. Vale ressaltar que, durante a Guerra Fria, os americanos, reconhecidos na época pela superioridade de suas bombas e pelos programas tecnológicos militares, estavam completamente fixados nos programas de armamentos nucleares de seu inimigo, a União Soviética. Enquanto a nuvem de cogumelo rompia e dilacerava o céu japonês em 1946, o desenvolvimento da nova arma de Stalin passou despercebido por eles: E ninguém poderia ter previsto, enquanto o mundo estava preocupado com a guerra nuclear, que esses rifles, com seus cartuchos de tamanho reduzido, se tornariam o instrumento mais letal da Guerra Fria. Ao contrário do arsenal nuclear e da infraestrutura que se erguia ao seu redor — as ogivas, os lançadores móveis, os bombardeiros estratégicos e submarinos — o rifle automático era uma arma que poderia realmente ser usada [...]. No início da década de 1960, após a crise dos mísseis cubanos ter assustado seus participantes e com a expansão da guerra do Vietnã, o Kremlin e a Casa Branca compreenderam que seus arsenais nucleares tinham transformado a guerra total em algo inconquistável. Os pequenos conflitos e as guerras de procuração seriam os meios dos quais a Guerra Fria seria combatida. A Era Kalashnikov havia chegado. Nós estamos vivendo nela ainda (CHIVERS, 2010, p. 4-5).36
Em 1949, após dois anos do lançamento do primeiro protótipo da AK-47, a arma começou a ser produzida na fábrica russa de Izhevsk e com vinte e poucos anos de idade já poderia ser encontrada nas mãos de com-
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batentes em todas as partes do mundo. Frisamos aqui a relação de um apoio incondicional do governo de Stalin na produção e distribuição da Kalashnikov pelo mundo: A urgência da Guerra Fria pressionou os engenheiros da União Soviética a aperfeiçoarem a AK-47 e seus derivados, apressando-os para uma produção em massa. A produção estava ligada à força, até à sobrevivência do Estado. Enquanto isso, à medida que o ímpeto da personalidade de Stalin e os seus medos levantavam a indústria soviética de rifles de assalto, o mundo estava sendo dividido em lados. A AK-47 surgiu a tempo de se tornar a principal arma de fogo de um deles. Essas pressões históricas forjaram a AK-47 em algo mais do que um mero produto de defesa; era uma exigência nacional e logo, internacional (CHIVERS, 2010, p. 203).37
Após a morte do ditador, em 1953, Nikita Khrushchev assumiu o controle e permitiu com que as armas continuassem sendo produzidas e comercializadas a todo vapor. O prestígio de ambos os líderes os transformou em agentes vitais para a proliferação da AK-47. Em meado dos anos 1950, enquanto a União Soviética se recuperava da perda de seu ícone socialista, a nação se promovia como o espelho global do socialismo e, ao mesmo tempo, exibia-se como uma potência militar qualificada para ajudar as nações amigas com seus desejos e apetite armamentista. Dessa forma, as armas soviéticas tornaram-se também uma enérgica moeda política. Sustentados em Chivers (2010), desvendamos: enquanto a AK-47 conquistava gradualmente sua notoriedade, as nações e, posteriormente, os grupos revolucionários e justiceiros faziam fila para adquiri-la. O governo russo a fornecia prontamente como uma garantia diplomática de suas novas amizades, mas também para provocar o Ocidente com veemência. E essa destilação altamente funcional da tecnologia de armas de fogo tornou-se a saída das economias planificadas, que poderiam fabricá-las em uma quantidade além do que qualquer pessoa, fora das mentes que organizam os estados socialistas, precisaria ou desejaria. As correntes industriais e políticas na União Soviética haviam se alinhado de maneira a transformar a AK-47 na arma do mundo, o rifle automático para todos os homens [...] (CHIVERS, 2010, p. 228).38
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FUNERAL DE STALIN ( jrbenjamin.com)
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Como parte da estratégia de proliferação do artefato russo, as licenças para sua fabricação foram rapidamente concedidas aos países comunistas (ou a todos aqueles que tinham intenções ideológicas similares) como a região do Leste Europeu, Polônia, Hungria, Bulgária e Alemanha Oriental. Na Ásia, países como China e Coreia do Norte também não ficaram de fora. De certo, a quantidade de Kalashnikovs espalhadas atualmente ao redor do mundo é incontável. Por ter sido produzida muitas vezes em segredo ou clandestinamente, o cálculo exato tornou-se impossível. Estimativas apostam em um número em torno de 100 milhões de AKs e de seus modelos derivados. Para efeito de comparação, Chivers (2010) apresenta o número da segunda maior família de rifles produzidos até hoje, a americana M-16, e deixa evidente a afluência da AK-47: menos de 10 milhões de unidades de M-16 foram fabricadas até então, ou seja, dez vezes menos que a arma soviética. A epidemia do artefato incitou o mundo e a cada instante projetava o redesenho dos conflitos modernos. “Para competir com esta nova arma, os combatentes enfrentaram uma escolha. Ou usar a Kalashnikov, ou criar um rifle que poderia estar a sua altura em um combate. A guerra se reorganizou em torno da arma de Stalin” (CHIVERS, 2010, p. 8)39. Exércitos munidos com armamento avançado, aeronaves supersônicas, comunicações sofisticadas e recursos de inteligência foram levados ao chão por adversários dedicados ou fanáticos armados com nada mais do que a AK-47 e o RPG-7. O pouco recuo da AK facilitou o treino rápido de soldados e civis inexperientes, incluindo mulheres e crianças. Uma pessoa inexperiente poderia ser treinada para operá-la em uma hora; Ele ou ela não deveria ser tão competente como um soldado altamente treinado, no entanto, combatentes motivados com AKs podem infligir muitos danos (ROTTMAN, 2011, p. 46).40
Era o clímax da evolução das armas automáticas. A AK-47 se transformou na arma dos indivíduos triviais. Assim como um gatilho, ela se tornou um arquétipo de design. Sobre o termo, Sudjic (2008) aponta: Não só o aspecto de um objeto é a chave para a criação de um arquétipo. Um arquétipo dominante necessita de uma forma capaz de transmitir o que faz, e o que o usuário precisa fazer para
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que ele funcione. Se um objeto vem com um longo manual de instruções, você pode ter certeza de que nunca será um arquétipo (SUDJIC, 2008, p. 57).
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Nesse sentido, mesmo mantendo um relacionamento institucional com exércitos nacionais e agências de segurança, a arma ganhou distinção em lutas não convencionais. Para muitos, a AK-47 é o símbolo das guerrilhas e dos ditadores modernos, dos terroristas e das crianças soldado e, particularmente indiscutível, de todos aqueles que almejam nivelar-se (moral ou materialmente) com inimigos superiores (CHIVERS, 2010). Os mitos e as personalidades que a utilizaram poderiam ganhar um capítulo à parte na História dos conflitos contemporâneos. A Guerra do Vietnã abriu as portas para a sua primeira aparição emblemática. Os vietcongues, apoiados pela União Soviética, muniram-se de AK-47 e obtiveram êxito na expulsão das tropas americanas, seus inimigos no conflito. Apesar da superioridade militar e econômica, os Estados Unidos se viram forçados a deixar o Vietnã nas mãos do comunismo, concedendo, indiretamente, uma vitória para a AK-47. A arma apresentou-se inteiramente resistente às condições climáticas, à lama e à poeira do Vietnã. Por outro lado, sua adversária americana, a M-16, manifestou uma série de problemas em seu carregamento e disparo durante as batalhas. A resiliência da Kalashnikov consagrava-se: indestrutível, em uma batalha, ela continuaria disparando, sem falhas, mesmo após o contato com a água, terra, areia, se levasse pancadas ou até mesmo se caísse de uma altura considerável. Curioso acerca de sua durabilidade é a quantidade de vidas que ela possui ao longo de sua existência. No Afeganistão as AK-47s são passadas de geração para geração, de guerreiro para guerreiro, de pai para filho. Em muitas famílias em Kabul, as armas são consideradas verdadeiras heranças de família. O simbolismo do artefato vai além no país afegão. O caderno dos jovens estudantes nos campos da Al Quaeda revela que a aula inaugural (para obter um currículo jihad) é uma lição de como manusear a arma. Apoiados em Chivers (2010), relembramos aqui também um momento memorável na história dos conflitos entre Ocidente e Oriente. Em sua primeira mensagem gravada após os ataques de 11 de Setembro, Osama Bin Laden anunciava que “os ventos da fé e da mudança sopraram”. Do seu lado,
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a presença singular da AK-47 sobre uma pedra. Evidentemente, ele sabia da capacidade simbólica de sua escolha. Outros líderes também se deleitaram com o artefato. Depois de comandar a revolução e se tornar o ícone cubano de todos os tempos, Fidel Castro adquiriu uma grande quantidade de Kalashnikovs bordadas para presentear os amigos. Em 2005, Hugo Chávez adquiriu da Rússia um arsenal de 100.000 unidades. Na época, o presidente venezuelano pretendia também construir uma fábrica para produzir mais armas nos arredores de Caracas. Na América do Sul, ela também é encontrada fora dos campos de batalha. Para o Peru e a Colômbia, a Kalashnikov é a guardiã das plantações de coca e dos laboratórios de cocaína. Já na América do Norte, pode ser encontrada facilmente em gangues urbanas e nas mãos de traficantes em Los Angeles.
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NUVEM DE COGUMELO APÓS EXPLOSÃO DA BOMBA ATÔMICA EM NAGASAKI, 1945 (en.wikipedia.org)
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VIETCONG DURANTE A GUERRA DO VIETNÃ (bowshrine.com)
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OSAMA BIN LADEN (bedelho.com)
SADAM HUSSEIN (watson.ch)
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FIDEL CASTRO (vicmart.com)
.82 UMA AK-47 DESMONTADA (nytime.com)
TROPA RUSSA (nytimes.com)
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SOLDADOS NO SRI LANKA (stevemccurry.com)
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SOLDADO DA TRIBO KARO, ETIÓPIA (pinterest.com)
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AFRICAN KREDITCARD A AK-47 transformou-se em uma commodity. Após a Guerra Fria e o fim da União Soviética, grande quantidade de armas e armamentos militares tornou-se obsoleta e começou a ser comercializada clandestinamente, por todos os cantos do mundo (CHIVERS, 2010). Com muita oferta, a arma acabou ficando extremamente barata e fácil de ser adquirida. Na África, foram livremente negociadas por diamantes brutos, moeda de troca abundante na região. Exemplo do grande ditador da Libéria, Charles Taylor, que armou rebeldes e até mesmo crianças para conquistar o poder no país. Na época, a arma era tão comum que poderia ser trocada por dez dólares ou por cachos de bananas nos mercados liberianos locais. Na linguagem popular, as AKs foram apelidadas de African Kreditcard, um sinônimo para garantia de sobrevivência. Enfatizamos aqui como a Kalashnikov absorveu uma quantidade de significados que vão muito além das fronteiras do que “lhe é inerente”. Ela também é usada como um “termômetro” de conflitos. Para as pessoas que estudam o universo da desordem, a Kalashnikov serve como uma unidade de medida razoavelmente confiável. Especialistas em controle de armas e estudantes de conflitos observam o preço dos fuzis de assalto Kalashnikov nos bazares de armas do mercado aberto de uma nação para determinar quais áreas desestabilizadas estão inundadas de pequenas armas e seu estado de risco. Quando os preços sobem, a ansiedade pública cresce. Quando eles afundam, o declínio pode indicar que um conflito está diminuindo (CHIVERS, 2010, p. 13).41
Buscamos tornar explícito aqui a forma como a arma transpôs as barreiras de sua função primeira, como ela foi além. O que está aqui apresentado fomenta a promoção de reflexões acerca da potencialidade desse artefato e sua densa carga simbólica em uma suprarrelação com o ser humano, a sociedade e a cultura. Nenhuma outra arma aparece em tantas áreas de conflito ano após ano. Nada é tão certo do que aparecer em uma guerra futura, somente porque nenhuma outra arma serve tão bem para tantas missões e tarefas. E de todos os rifles disponíveis para a guerra de
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hoje, a Kalashnikov se destaca como o rifle mais abundante e amplamente utilizado. Praticamente todo mundo viu uma Kalashnikov [...] É a arma mais reconhecida, um dos objetos mais reconhecíveis do mundo (CHIVERS, 2010, p. 9).42
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A Kalashnikov desperta sentimentos, a favor e contra, e os sábios aprenderam a explorar seus muitos significados para o próprio propósito (CHIVERS, 2010). EsseO autor também pontua a história de Mark Muller nos Estados Unidos, em 2009. Muller, dono de uma concessionária de carros, com o objetivo de aumentar as suas vendas, ofereceu um voucher que valia a compra de uma AK-47 pela metade do preço nas lojas de armas americanas. A promoção de Muller acabou chamando a atenção e ganhando publicidade gratuita das mídias estrangeiras como a Al Jazeera e um canal russo de notícias. Mais uma vez, a AK-47 é eleita e compactuada para outras finalidades. “Seu impacto em um combate é uma coisa, mas, quando uma arma se torna um símbolo nacional ou cultural, isto é uma declaração social” (ROTTMAN, 2011, p. 6). O reflexo dessa afirmativa pode ser constata-
do também por um exemplo advindo de uma instituição cultural de massa. Em janeiro de 2004, a revista Playboy listou os 50 produtos que mudaram o mundo. A AK-47 ganhou a quarta posição da lista, perdendo apenas para o Macintosh, da Apple, a pílula anticoncepcional e o videocassete da Sony. Por ora, e um tanto quanto extasiados, recapitulamos as vertentes históricas e socioculturais de nossa empiria sustentados no personagem Yuri Orlov, o protagonista do filme O Senhor das Armas (2005): É o fuzil de ataque mais popular do mundo. Uma arma que todos os combatentes adoram. Uma amalgamação elegantemente simples de quatro quilos de aço forjado e madeira compensada. Não quebra nem trava ou superaquece. Continua atirando mesmo coberto de lama ou coberto de areia. É tão simples que até as crianças podem usá-la e as usam. Os soviéticos colocam o fuzil na moeda. Moçambique o coloca na bandeira. Desde o fim da Guerra Fria, a Kalashnikov se tornou o produto mais exportado da Rússia. Depois vem a vodka, o caviar e os romancistas suicidas. Uma coisa é certa: ninguém ficou na fila para comprar os carros deles (SENHOR DAS ARMAS, 2005).
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Diante de uma densa exposição sobre nossa empiria, seguimos. Elucidamos fatos recentes, amostras e contextos para dar corpo às prosas estratégicas de branding apresentadas em 2014. Nossas discussões buscam despertar a crítica do design, lançar luz sobre questões complexas, em um cenário complexo – plano de fundo da atuação contemporânea de nossa disciplina.
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GAROTA CURDA COM UMA AK-47 (pinterest.com)
CRIANÇA PALESTINA COM UMA AK-47 (pinterest.com)
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EXÉRCITO VENEZUELANO (infodefensa.com)
GAROTO DA TRIBO MURSI, ETIÓPIA (nytimes.com)
IMAGEM DO LIVRO WAR IS BEAUTIFUL (nybooks.com)
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A GUERRA É BELA O design se faz presente nas configurações estéticas e interfere em nossas opiniões políticas e sociais. Exemplos, como vimos anteriormente, ressoam em nossa mente por serem, segundo Steven Heller (2014), mais complexos que um mero truque de fumaça e espelhos. Para os conterrâneos do presidente Vladmir Putin e da AK-47, atravessar obstáculos em alta velocidade com seus veículos de guerra e acertar alvos com seus canhões é também conhecido como “Biatlo de Tanques”, o esporte mais esperado e com mais inscritos no International Army Games. Aportuguesando, os Jogos Internacionais Militares acontecem pela segunda vez, na Rússia, com a presença de mais de 3.000 militares divididos em 21 equipes de 19 países. As 23 modalidades dos Jogos apresentam algumas dinâmicas mais comuns em situações de guerra que exigem agilidade e rigor dos militares quando estão presentes em zonas de conflitos. Além do Biatlo, é possível acompanhar as provas de tiro de franco-atiradores ou até mesmo as mais amigáveis como um circuito de cães treinados chamado “Verdadeiro Amigo”. As provas são transmitidas em rede nacional, e a mídia estatal, controlada pelo governo, ajuda a disseminar o evento por todos os lados. Segundo Igor Satyagin (2016), especialista em assuntos militares russos os Jogos são: “[...] um jogo político e envia uma mensagem não apenas para a população russa, mas também para fora do país. Tem a intenção de mostrar que a Rússia não está sozinha. [...] é um exemplo muito importante de ‘soft power’” (SATYAGIN apud IANDOLI, 2016). Vale ressaltar que os órgãos por trás da competição não procuram esconder o objetivo do evento: enaltecer as atividades militares de seus países. “Os Estados Unidos produzem o Top Gun, enquanto a Rússia transmite esses Jogos. [...] Você precisa popularizar seu exército para as pessoas, porque, do contrário, não é fácil atraí-las para se alistarem (SATYAGIN apud IANDOLI, 2016). O escritor americano David Shields analisa, em sua última publicação, War is Beautiful: The New York Times Pictorial Guide to the Glamour of Armed Conflict como o noticiário americano explora visualmente (por meio de fotografias) as operações de guerra dos Estados Unidos no Oriente Médio. Todas elas, expostas na primeira página do maior jornal americano, o The New York Times, entre 1994 e 2014.
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As imagens da guerra no Iraque e no Afeganistão publicadas no New York Times lhe causavam maior impacto estético que emocional. Apreciava-as pela beleza e pela composição, independentemente do que retratavam, e percebeu que quase sempre glorificavam a guerra e os sacrifícios feitos em seu nome (HARAZIM, 2016, p. 170).
Vemos também, em outro trecho, a seguinte explanação:
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Da peneirada inicial, separou 1.450 edições para análise mais minuciosa. Da segunda rodada, sobraram cerca de mil fotografias específicas; dessas ele considerou que 700 confirmavam o desconforto que o assaltara originalmente: eram belas demais, tanto no conteúdo quanto na forma, para servir como representações da realidade. O horror, o inferno, estavam ausentes (HARAZIM, 2016, p. 170).
A estetização da guerra havia chamado a atenção de Shields. Para o autor, nesse momento, era imprescindível desconcertar a cabeça do leitor e despertá-lo de uma prostração que ele diagnosticou como “letargia opiácea nacional”. A perda temporária de sensibilidade do autor tinha os seus dias contados. Para a jornalista Dorrit Harazim, “o mérito de Shields foi ter percebido a anestesia visual com a qual a ferida tem sido tratada” (HARAZIM, 2016, p. 174). Nesse sentido, Shields resolveu armar o seu projeto com proposições acerca de um jornalismo (considerado pelos americanos como sensato e sério) no qual o conteúdo relacionado à guerra promove uma conotação favorável diante da estética apresentada no fotojornalismo da The New York Times. “Por isso, as fotos publicadas são tão digeríveis com o cereal do café da manhã” (HARAZIM, 2016, p. 170). Como sustenta David Hickey no posfácio, as coberturas de guerra retornaram à estéticas de obras de museus, de arquivos de história da arte. ‘São composições esvaziadas de densidade, de realidade, de vida na morte’. A cobrança, naturalmente, não é por fotos fora de foco, ‘sujas’, mal iluminadas, com enquadramento apressado, encharcadas de sangue ou mostrando pessoas em ricto de dor. Excesso de drama também anestesia (HARAZIM, 2016. p. 178).
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A publicação, que possui um subtítulo bastante irônico (Guia ilustrado do The New York Times para o glamour dos conflitos armados em tradução livre para o português), ganhou um formato coffee table com a capa de autoria do consagrado designer gráfico americano Milton Glaser. Para Harazim (2016), Shields não procura evidenciar em seu projeto os fotógrafos das imagens, tampouco avaliar a proficiência desses profissionais por trás das lentes — muitos deles, na opinião de Harazim, merecedores do prêmio Pulitzer. De fato, alguns deles acabaram garantindo a distinção. Relembramos aqui a célebre imagem Saigon Execution de Eddie Smith, vencedora do Pulitzer de 1968. Considerada uma dentre as mais emblemáticas e violentas imagens de todos os tempos, a fotografia exibe um tiro à queima-roupa, um disparo repentino de um oficial da polícia da então Saigon (a partir de 1975, Ho Chi Minh) contra a têmpora de um prisioneiro vietcongue durante a Guerra do Vietnã. Detalhe: análises posteriores indicam que a bala ainda passava pela cabeça da vítima durante a fração de segundo do clique de Smith (WISLOW, 2014). Na época e por anos seguintes, a imagem promoveu a transformação da opinião pública contra a guerra em diversos países onde foi publicada. Todavia, não se esperava que, após décadas, a fotografia de guerra tenha ganhado cada vez mais espaço e revivemos agora o debate acerca de sua promoção. O que publicar? O que não publicar? Os paradoxos se apresentam. O editor americano Donald R. Wislow questiona: o editor de imagens hoje é um editor ou um censor? Ele aponta: Quando Adams foi um dos melhores fotógrafos do mundo, fotojornalistas profissionais foram conduzidos por editores e apoiados por seus jornais e agências. Hoje os combatentes — dos cartéis de drogas mexicanos aos rebeldes do Estado Islâmico que decapitam seus prisioneiros — tornaram-se uma fonte crescente de imagens, filmagens, edição e liberação de suas próprias fotos e vídeos. À medida que tentam controlar a mensagem, o jornalismo honesto e ético corre o risco de ser posto de lado em favor de imagens que são propaganda pura, se não pura fabricação (WISLOW, 2014).43
Wislow acredita que o bombardeio imagético dessas fontes trouxe desconexão com a realidade ou com a ideia do perigo e da morte em si.
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SAIGON EXECUTION (100photos.time.com)
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Tornamos seres dessensibilizados pela quantidade de material exposto? Estamos empobrecidos de sentimento e empatia? Ele afirma que as imagens atuais não estimulam a transformação, tampouco impactam ou criticam a guerra assim como aconteceu com a Saigon Execution em 1968. Elas não parecem mais poderosas o suficiente para gerar discussão em torno da opinião pública ou causar empatia. A letargia opiácea de Shields também estava diagnosticada por Wislow. Nesse sentido, estudos realizados com jornalistas expostos frequentemente a imagens e vídeos violentos apontam maior predisposição para doenças como ansiedade, depressão ou estresse pós-traumático. Fred Ritchin, professor da NYU e codiretor do programa Fotografia e Direitos Humanos da Tisch School of Visual Arts, afirma que diversas publicações que dialogam com o grande público estão de maneira “não ética” bloqueando a divulgação de imagens dos conflitos contemporâneos com o receio de chocar os leitores e, consequentemente, afastá-los da publicação. Por outro lado, ele explica: Eu suspeito que parte da resposta sobre o motivo pelo qual temos tal fascínio em ver a violência em grande escala é a sua natureza apocalíptica, como se uma luta pelo bem contra o mal estivesse acontecendo diante da câmera, com elementos de heroísmo, bravura, traição e covardia, e com vencedores e perdedores. Certamente a guerra, com a sua imagem impressionante de bombas explodindo, paisagens transformadas e soldados e civis enfrentando ferimentos cataclísmicos e morte súbita, pode ser altamente visível e, como resultado, vividamente fotografado. A guerra pode parecer um verdadeiro espetáculo multicolorido [...] (RITCHIN, 2014).
No artigo Why Violent News Imagens Matter, Ritchin (2014) afirma que imagens violentas devem ser consideradas, pois causam impacto profundo no telespectador. Como devemos lidar com as imagens que expõem a violência e a guerra? A proposta é expor a realidade ou nos afastá-la dela? Se olharemos para elas ou não, elas não deixam de ser importantes documentos de nossa história. O fotógrafo de guerra Christoph Bangert, no livro War Porn (2014), acredita que a censura não deveria acontecer e questiona se devemos recusar a enxergar a representação de um acontecimento trágico enquanto pessoas são forçadas a viver o acontecimento em si.
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Sou fotógrafo. Sinto que tenho a obrigação de publicar minhas imagens. Se eu não fizer isso, eu falhei. Eu não estou afirmando ser moralmente superior do que, digamos, o jovem soldado ou rebeldes com quem eu passei tempo. E não me importa o que você chama o que eu faço. Chame de pornografia de guerra, se quiser. Creio que é impossível evitar completamente os elementos desumanizantes em imagens horrendas, assim como é impossível evitar a exploração do dilema do assunto, pelo menos até certo ponto. Claro que é pornografia de guerra! Estas são desculpas maravilhosas para não publicar imagens horríveis. Mas há um problema: essas imagens não são fictícias ao contrário dos filmes ultraviolentos de Hollywood, que tão prontamente consumimos, ou de vídeo games que jogamos. Elas documentam e interpretam eventos reais. Como este trabalho pode ser insignificante? (BANGERT, 2014, p. 4).44 .96
Em 1980, o filósofo francês Roland Barthes traz em seu livro A Câmara Clara reflexões acerca da essência da fotografia e seu impacto no espectador. Barthes acreditava que a experiência com a fotografia era, de fato, uma conexão emocional com a morte. Para o francês, as imagens fotográficas eram promessas de um encontro com o infinito, algo reproduzido mecanicamente em uma fração de segundo, que jamais se repetiria. Eis a sua importância. Um objeto de representação torna-se uma experiência semiótica, propulsora de significados e sentimentos. Respirando o mesmo ar de Barthes e dos autores, recorremos à polêmica foto do ano do World Press de 2017, um dos maiores prêmios de fotojornalismo da atualidade. A fotografia captada por Burhan Özbilici, para muitos especialistas, parece um frame de cinema. E, por mais que tenha um quê de James Bond ou Cães de Aluguel, a imagem tirada no fim de 2016 apresenta o flagrante do assassinato do embaixador da Rússia em uma galeria de arte. O turco Mevlüt Mert Altinas, autor do crime, vestido de terno e gravata preta, grita com a arma na mão ao lado do cadáver no chão. A grande distinção do flagrante do fotógrafo veio acompanhada de críticas que acreditam que a foto em questão produz uma mensagem a favor do terrorismo e sua propagação pelo mundo. Stuart Franklin, presidente do júri, apresentou-se contra o resultado e, em entrevista após a premiação, afirma ser um equívoco colocar uma fotografia dessa natureza em um pedestal. Por outro lado, a jornalista Dorrit Harazim comenta no artigo Terrorismo em Cena da revista ZUM:
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No meu entender, as reticências morais por ele levantadas não se sustentam. Todo atentado terrorista visa à espetacularização máxima, à manipulação da mídia e da sociedade – a essência do terror é ser, ao mesmo tempo, meio e fim. Franklin argumenta que não deveríamos injetar-lhe mais oxigênio, que a cena premiada foi um homicídio premeditado e coreografado para ocorrer diante da imprensa presente no salão. Sem dúvida; é possível até que o assassino tenha ensaiado em casa, diante do espelho, o gestual de maior efeito cênico. Ainda assim, ele não poderia ter previsto a cena captada por Özbilici, na qual até o par de óculos do morto jaz, inútil, num canto da parede. Tampouco o fotógrafo previu a cena, apenas teve o talento e o instinto de registrá-la para a História. A imagem atrai e repulsa. Ela é o retrato do ódio da sociedade polarizada em que vivemos (Harazim apud VELASCO, 2017). .97
Para muitos críticos, a imagem apresenta o retorno de um fotojornalismo seco, capaz de produzir imagens com as quais lidamos hoje na realidade nua e crua. Para outros, a fotografia é o resultado de um projeto coreografado e premeditado pelos terroristas e encoraja, com a sua exposição, atos semelhantes. Desvencilharemos, a seguir, proposições complexas entre o design, o branding e a comunicação das armas e da guerra. Discursaremos sobre o uso das armas e seus significados. Será possível falarmos sobre paz em tempos de guerra? Como enxergar o design na condução desses discursos?
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MEVLÜT MERT ALTINTAS APÓS ASSASSINAR O EMBAIXADOR RUSSO NA TURQUIA (revistazum.com.br)
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IMAGEM DO LIVRO WAR IS BEAUTIFUL (nybooks.com)
IMAGEM DO LIVRO WAR IS BEAUTIFUL (nybooks.com)
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PROJÉTIL 9MM EXPANDIDO (ageofdecadence.com)
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APERTE O GATILHO Chegamos aos próximos alvos investigativos de nossa dissertação. Faz-se necessário, portanto, remontar aqui o percurso proposto e esclarecer os nossos objetivos: explorar o papel simbólico da AK-47 valendo-nos das mediações de design e branding utilizadas em seu novo projeto de marca. Como base para a discussão, exploraremos também a potencialidade dos artefatos e do design de imbuí-los com significados em diversas camadas e vertentes. Eles revelam mais do que meras aparências. Transitam pelo mundo e se transformam, à medida que são interpretados e usufruídos. No primeiro capítulo, observamos o design a serviço da construção de marcas no mundo pós-moderno. A sobrevivência (e não estamos aqui falando em meio a um campo de batalha) se faz mediante uma afirmação de identidade: seja ela restrita ao seu universo, seja restrita ao mundo dos negócios, seja restrita ao mundo da política. Os exemplos apresentados até aqui são capazes de ilustrar a nossa percepção. À luz de nossa empiria, propomos, nesta segunda parte, explorar o contexto sociocultural das armas e dos artefatos da guerra, abrindo espaço para dialogar com elas como resultado da produção de nossa disciplina desprendido de maniqueísmos. Os debates apresentados aqui elucidam e dão corpo às questões analíticas do projeto. Nesse sentido, procuramos evidenciar também o seu relacionamento fetichista com o homem que não podemos negar.
O que torna essa visão do design realmente atraente é a noção de que há algo a entender sobre os objetos além das questões óbvias de função e finalidade. Isso sugere que há tanto a ganhar explorando-se o significado dos objetos quanto considerando o que fazem e o visual que têm (SUDJIC, 2010, p. 49).
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Apoiados em Sudjic (2010), estamos propensos a enxergar as armas além de sua “primeira noção” (função e funcionalidade). Afinal, as aparências enganam. Para Cardoso (1998), os artefatos também se revelam para além de sua natureza formal e intrínseca, e é por esse terreno que projetamos a nossa investigação. Qual é o discurso por trás desses artefatos? Como e quão complexa se dá a interpretação de seus significados pelo mundo? Decodificar histórias de um povo ou de uma época por meio de uma pesquisa de sua produção material traz à tona as grandes descobertas da arqueologia no fim do século XVIII e também as transformações nas disciplinas emergentes das artes (CARDOSO, 1998). Sudjic (2010) argumenta que os objetos que nos rodeiam são vitais para medirmos a passagem de nossa vida. Entender o papel dos artefatos no mundo de maneira analítica torna-se primordial para decodificar o contexto da vida moderna. Exemplifiquemos com Cardoso (1998): [...] onde se encaixa o design em tudo isso? A resposta inescapável é que o design representa na sociedade industrial um sítio privilegiado para a geração dos artefatos. Restringindo a análise ao universo dos bens móveis (em contraposição aos imóveis, que são produtos da engenharia e arquitetura), o design se configura como o foco principal para o planejamento e o desenvolvimento da maioria quase absoluta dos objetos que constituem a paisagem artificial (no sentido de ´não natural´) do mundo moderno (CARDOSO, 1998, p. 22).
Para o pesquisador da cultura material, Marcus Dohmann (2010), os objetos são provas documentais de uma sociedade que cria um processo intercultural, dinâmico e comunicativo. Consideramos, assim, o Design como disciplina responsável por uma produção simbólica. Imprimimos nos objetos o nosso modo de pensar e viver. Segundo Sudjic (2010), o design é a linguagem utilizada pelo ser humano para moldar objetos e fabricar as mensagens que carregam. A história do design é como a história da sociedade. As mudanças que nela ocorrem afetam o processo do design e o seu resulta-
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do nele mesmo. De acordo com Cardoso (1998), os objetos projetados manifestam certa visão do mundo, a reflexão do designer e, consequentemente, da sociedade e da cultura nas quais eles estão inseridos. [...] o design se encaixa em um fenômeno humano bem mais abrangente: o processo de projetar e fabricar objetos. Do ponto de vista antropológico, o design é uma entre as diversas atividades projetuais, tais quais as artes, o artesanato, a arquitetura, a engenharia e outras que visam à objetivação no seu sentido estrito, ou seja, dar existência concreta e autônoma a ideias abstratas e subjetivas. Mais correta do que ´objeto`, no contexto atual, seria a palavra ‘artefato’, a qual se refere especificamente aos objetos produzidos pelo trabalho humano, em contraposição aos objetos naturais ou acidentais (CARDOSO, 1998, p. 19).
Sob esse aspecto, os artefatos podem ser considerados manifestações culturais que conduzem em sua materialidade valores de uma sociedade vigente e que, ao mesmo tempo, contribuem para a reconstrução simbólica dessa. Nesse contexto, partimos para o entendimento do conceito de cultura material. Na opinião de Cardoso (1998), a cultura material diz respeito a um consumo de artefatos em conjunto. Hoje, encaramos esse conceito como um caminho para entender o que produzimos e como o que é produzido se envolve com o indivíduo, seus sistemas simbólicos e ideológicos. “Reconhecendo a aplicabilidade do estudo da cultura material no seu sentido mais amplo, torna-se possível começar a entender melhor o papel histórico do design na nossa cultura” (CARDOSO, 1998, p. 37). O autor completa: Toda sociedade projeta (investe) na sua cultura material os seus anseios ideológicos e/ou espirituais e se aceitamos esta premissa, logo é possível conhecer uma cultura – pelo menos em parte – através do legado de objetos e artefatos que ela produz ou produziu (CARDOSO, 1998, p. 37).
Os artefatos gerados nesse sistema possuem valor simbólico e, portanto, apresentam-se como começo-meio-fim para o desenvolvimento sociocultural, ultrapassando seu entendimento estético e comercial previsto superficialmente em um primeiro momento. Apontamos Belo (2016):
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A cultura material suporta uma rede de hábitos, cristaliza rotinas de comportamento e induz práticas. Caso aceitemos nossa existência inextricavelmente vinculada ao artificial, perceberemos nos projetos de design gráfico incríveis ferramentas de convivência e compartilhamento de conhecimento (BELO, 2016, p. 91).
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Cardoso pensa a cultura material como um vestígio do que somos como coletividade humana. “Os artefatos são expressão concreta do pensamento e do comportamento que nos regem. O conjunto de todos os artefatos que produzimos reflete o estado atual de nossa cultura” (CARDOSO, 2009, p. 131). Sejamos fetichistas: “dialogar” com os artefatos é uma boa maneira de decodificar o contexto cultural vigente e o ofício de nossa disciplina. Afinal, eles são fruto do nosso olhar sobre o mundo e refletem a nossa imagem na forma como interagimos com eles. A nossa tradição fetichista (não só como designers) também não escapa. Projetamos nos artefatos uma série de significados que não estão ligados às suas condições operacionais. Humanizamos, seduzimos e criamos um mundo à parte. Aniquilamos a timidez diante de uma empiria um tanto quanto árida e revelamos então o contexto das armas em um mundo também à parte. Seus paradoxos simbólicos se transformam, metaforicamente, em projéteis e disparam exemplos de naturezas distintas: exercitar a mente, expandir os argumentos. Apresentamos a designer Barbara Eldredge, mestre pela School of Visual Arts, que dedicou a sua pesquisa às armas modernas e os porquês de sua ausência em museus de design nos Estados Unidos. Segundo a autora: Uma arma é muito mais do que a capacidade (consistente e precisa) de expelir um projétil na direção desejada. Armas de fogo na cultura americana são usadas frequentemente como símbolos e metáforas físicas do que artefatos usados para matar. Mesmo tendo de um lado um defensor do controle de armas ou um membro da National Rifle Association, os americanos são encorajados a praticar seus valores éticos por meio de uma relação com as armas de fogo. Quando o MoMA — Museu de Arte Moderna — ou qualquer outra coleção de design exclui as armas, eles estão simbolicamente excluindo a violência do mundo do design; embora seja uma aspiração compreensível, o resultado não é uma representação precisa da realidade contemporânea (ELDREDGE, 2012, p. 1).45
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Eldredge assimila a inexistência das armas nessas instituições em razão de suas implicações morais e associações negativas com a violência, a guerra e a morte. Ilustrando esse argumento, a autora cita Arthur Drexler, ex-diretor do Departamento de Arquitetura e Design do MoMA – Museu de Arte Moderna de Nova Iorque – em 1984: Armas letais estão entre os artefatos mais fascinantes e bem projetados de nosso tempo, mas a sua beleza pode ser valorizada apenas para quem o prazer estético é divorciado do valor da vida — um modelo de percepção que as artes não devem incentivar (DREXLER in ELDREDGE, 2012, p. 3).46
Para Eldredge (2012), armas apresentam todos os critérios necessários para estarem presentes nesses espaços: são universais, culturalmente relevantes e produzidas em massa. Todavia, apesar de sua participação intensa na cultura em geral, elas são ignoradas nas discussões institucionais de design e da cultura material. Ela constatou também que o MoMA não era o único museu que baseava sua conduta curatorial em questões morais. A autora revela que, até dezembro de 2011, não havia uma arma moderna sequer em qualquer coleção de design no mundo. Em dezembro desse mesmo ano, o Design Museum de Londres anunciou a aquisição de treze novos objetos para a sua coleção e, dentre elas, a AK-47. O momento marcava a primeira inclusão de uma arma moderna dentro de um museu de design no mundo. Em entrevista concedida a Eldredge, o curador expõe: O objetivo geral da exposição é fornecer uma amostra de objetos na coleção permanente e expor como o design afeta os usuários e o mundo em que nós vivemos. A AK-47 foi escolhida especificamente para ilustrar o conceito de um arquétipo do design — um projeto tão bem-sucedido que os subsequentes buscam imitá-lo ou reagem a ele. Temos uma foto da Gun Lamp (luminária da AK47) do designer Philippe Starck ao lado da arma como um meio para contextualizá-la. Uma série de museus possui uma dessa em seu acervo, que utiliza a forma da AK- 47, mas não a sua função (NEWSON in ELDREDGE, 2012, p. 33)47.
Newson acredita que um museu tem o papel de coletar objetos que contam múltiplas histórias, sejam densas, sejam complexas. O discurso do artefato vai além da estética, da fabricação ou do processo pro-
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jetual de um design, mas está ligado também ao impacto de suas contribuições ao redor do planeta. Mesmo fora da mira de quase todas as curadorias dos museus de design ao redor do mundo, as armas são onipresentes. Sua popularidade é facilmente expressa em números: 300 milhões de unidades estão espalhadas apenas nos Estados Unidos, ou seja, uma arma para quase cada americano (ELDREDGE, 2012). Para a autora, tais dados explicitam sua teoria de que as armas, na cultura americana, estão mais ligadas a um artefato de expressão de valor e moral do que propensas a causar violência. Vejamos: como símbolo ou como qualquer outro artefato ao nosso redor, uma arma “afeta” as pessoas de formas distintas. O contexto em que ela aparece – como é percebida e usada – pode ser capaz de deixar de lado o seu “potencial violento” sem necessariamente ser violenta. Para tudo, deve haver um contexto. Sustentados por Victor Margolin (2014), o “entorno do produto” diz respeito a esse contexto e ao trânsito de significações de um artefato. As nossas experiências e memória são resultado da interação com algo que, em determinado momento, faz parte do nosso ambiente. Para ele, esse entorno é vasto e difuso ao invés de fixo. As histórias dos produtos no mundo são escritas em diferentes tempos, uma vez que as transformações que acontecem no seu entorno ocorrem em ritmos variados. Essa é a dinâmica e a forma como aderimos significados aos artefatos. No artigo Design, Cultura Material e o Fetichismo dos Objetos (1998), Cardoso propõe que a natureza essencial da profissão do designer não está apenas em seus processos ou nos seus projetos (produtos). No entanto, ela está em uma ligação mais profunda e particular que diz respeito à maneira pela qual os processos incidem sobre seus projetos, investindo-os de significados para além da sua natureza intrínseca (denominamos, aqui, a capacidade de projetar além do projeto). Esse pressuposto é enquadrado, contrariando o senso comum da palavra, de fetichismo dos objetos: Fetichismo é o ato de investir os objetos de significados que não lhes são inerentes. É a ação respectivamente espiritual, ideológica e psíquica de acrescentar valor simbólico à mera existência concreta de artefatos materiais: ou seja, de dar outra vida, estranha, às coisas. Trata-se de certo modo, de humanizar ou, às vezes,
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divinizar aquilo que não é humano (ou pelo menos não completamente) e, portanto, de incluí-lo na nossa humanidade e, ao mesmo tempo, de conectarmos à sua natureza essencial e ao que supomos que seja a sua essência mística (CARDOSO, 1998, p. 28).
O termo empregado por Cardoso não tem cunho pejorativo e vai essencialmente ao avesso de uma “desmoralização do design”. O que se busca é uma conceituação mais extensa sobre o “ser” e o “fazer” design, que possibilite compreender a sua verdadeira relevância para a sociedade. A palavra “fetiche”, apesar de ter sido usada em diferentes contextos e em diferentes épocas, possui certa semelhança significativa. O termo em português é uma adaptação do vocábulo francês fétiche, que, por transposição, significa “feitiço”. Nesse determinado contexto, fetichismo está ligado ao culto dos fetiches, ou melhor, na adoração de objetos animados ou inanimados aos quais são atribuídos poderes sobrenaturais (CARDOSO, 1998). Ainda segundo esse autor, “partamos, então, para um esboço de definição: o design é, em última análise, um processo de investir os objetos de significados, significados estes que podem variar infinitamente de forma e de função, e é nesse sentido que ele se insere em uma ampla tradição fetichista” (CARDOSO, 1998, p. 29). Mas quais seriam esses significados? O autor partilha da opinião de que não é função do designer atribuir ao objeto aquilo que ele já possui, o que já faz parte da sua natureza (cita-se aqui o exemplo de um relógio e a sua função de comunicar o horário). Esse profissional deve enriquecê-lo de significados de outros níveis, bem mais complexos do que os que já dizem sobre a sua essência, sua função intrínseca, ou o que também é nomeado “o que lhe é inerente”. Afinal, como definir o que é ou não é inerente a um artefato? Para Cardoso (1998), seguindo um raciocínio Funcionalista, sairíamos com o termo “função”. A função de um relógio é mostrar as horas. Se o projeto de design de um relógio não cumpre tal função, encontra-se aí um erro de design, segundo a visão modernista. No entanto, o significado de um artefato para o ser humano não se limita apenas às suas condições operacionais. Se o relógio existe apenas para marcar as horas, como devemos fazer distinção entre um Rolex, um Swatch, um analógico ou um digital? Não estaríamos, então, elegendo funções como conforto, gosto, contexto social, dentre outros?
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Dialogando com as convicções de Cardoso (1998) e a nossa empiria, apontamos: o branding da AK-47 (ou das armas em geral) não sustentará argumentações sobre a sua eficiência em matar. Essa é a função primeira e intrínseca de seu artefato. Dessa forma, em um piscar de olhos, o designer e a sua tradição fetichista exploram e batizam as armas livremente com termos como pacificadora, libertadora, destemida, dentre outros.
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Não cabe ao designer atribuir relogiosidade a um relógio, pois este já o possui necessariamente, com ou sem a participação de um designer no processo de produção. Não, a função do designer não é de atribuir ao objeto aquilo que ele já o possui, aquilo que já faz parte (in haerere) da sua natureza, mas de enriquecê-lo, de fazer colar — aderir mesmo (ad haerere) — significados de outros níveis bem mais complexos do que aqueles básicos que dizem respeito apenas à sua identidade essencial. Conforme assinalei acima, esses significados podem ser de ordens diversas, desde questões de segurança e facilidade de uso, até noções de moda, prestígio ou sexualidade (CARDOSO, 1998, p. 35).
Trazemos aqui o exemplo da Indian Ordinance Factory, empresa estatal indiana que desenvolveu um revólver especialmente para as mulheres se defenderem contra possíveis ataques e tentativas de estupro. A arma foi batizada como Nirbheek, nome de uma estudante que sofreu um estupro coletivo em Nova Déli, em 2012. Na língua indiana, Nirbheek é o sinônimo de Nirbhaya. Ambas significam “destemida” ou “corajosa”. Esse apelido foi dado pela imprensa indiana à vítima já que ela não podia ter o seu nome verdadeiro divulgado segundo as leis do país (ANTONELLI; HUNT, 2015). A crítica de Cardoso (1998) sob a relação do designer com o fetichismo dos objetos é um tanto quanto mordaz. Para ele, é, e deve continuar sendo, de responsabilidade do profissional investir os objetos de significados (o que sugerimos aqui de “projetar além do projeto”) e sugere que a função que o designer não pode se dar o luxo de exercer é o da omissão e o da indiferença, já que um designer que não atribui significados a objetos – e que não age, portanto, um tanto quanto fetichista – perde o sentido do seu projeto profissional e cultural. Posicionando Cardoso (1998) novamente, os objetos só podem adquirir significados a partir da intencionalidade humana. Nenhum significado, nem mesmo os que chamamos aqui de “inerentes”, preexiste à transfor-
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mação da matéria-prima pela atividade humana. Como dito anteriormente, o designer possui o papel de mediador entre objetos, indivíduo e sociedade. Retomando Eldredge (2012), as armas para os americanos são, por exemplo, objetos talismânicos (sejamos fetichistas). Elas estão ligadas a manifestações culturais e históricas do país. Ora, em um determinado contexto, ela é o talismã contra ameaças, ora é o reflexo e a consequência da Segunda Emenda à Constituição dos Estados Unidos48. Uma arma pode ter mais a ver com uma ameaça: a percepção de que um indivíduo tem a capacidade de matar, ao invés de ser morto. Pelo que uma arma é capaz de fazer — expelir um projétil em alta velocidade numa direção desejada, muitas vezes com a intenção de perfurar ou causar dano — e suas associações, ela é necessariamente um objeto de poder. A forma como uma arma se encaixa na palma da mão como uma extensão do corpo e a mira, combinam para impor intencionalidade e domínio. A força da arma é direcionada, controlada e integrada no próprio corpo humano. Quando alguém segura uma arma de fogo, há imediatamente uma mudança espacial de poder: aqueles por trás da arma são mais poderosos do que aqueles na frente dela (a menos que, naturalmente, a pessoa em pé na frente da arma esteja segurando uma arma maior e mais poderosa). O revólver Colt pode ter sido considerado um grande igualador, mas não há realmente nada de igual sobre ele. A arma produz um efeito psicológico no usuário e nas pessoas ao seu redor. Segure uma arma em sua mão e, como um talismã mágico, ela lhe concederá superioridade ao invés de igualdade (ELDREDGE, 2012, p. 21).49
Seu forte papel simbólico e seu poder produzem conflitos em nossa memória e a associam para muitos, num piscar de olhos, ao perigo. Objetos que, em determinado contexto, carregam histórias violentas estão propensos a adquirir associações complexas e interpretações morais.
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AK-47 NO DESIGN MUSEUM, LONDRES (timeout.com/london)
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PISTOLA NIRBHEEK (designandviolence.moma.org)
INDIANAS CARREGANDO A PISTOLA NIRBHEEK (flicense.blogspot.com.br)
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TALHERES DO SÉCULO XXV E XXVI (design-is-fine.org)
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NÃO LIMPE OS DENTES COM A FACA “Permita-me lhe dar uma regra: tudo o que pode ser cortado sem faca deve ser cortado apenas com o garfo”. The Habits of Good Society
Em o Processo Civilizador: uma História dos Costumes, Nobert Elias (1990) narra a construção das práticas "civilizatórias" na antiga Europa. O capítulo O Uso da Faca à Mesa apresenta que, para todo costume, implicações morais são levadas à risca. Exemplificamos aqui o caso da faca que, segundo Elias (1990), no contexto civilizador e histórico, carrega consigo associações violentas que impõem e restringem o seu acesso ao ser humano. A faca, igualmente, pela própria natureza de seu uso social, reflete mudanças na personalidade humana, com suas mutáveis compulsões e desejos. Ela é a materialização de situações históricas e de fidelidades estruturais da sociedade. Uma coisa acima de todas as características de seu uso como utensílio da mesa em nossa atual sociedade ocidental: as inumeráveis proibições e tabus que a cercam. A faca é com certeza um instrumento perigoso já no que poderíamos chamar de sentido racional. É uma arma de ataque. Provoca ferimentos e descarna animais que foram abatidos (ELIAS, 1990, p. 129).
Os valores de um artefato estão intrínsecos em sua relação interativa com o ser humano. No processo civilizador, a faca é "vestida" de sentimentos antagônicos "ligados à sua função e forma, mas não deduzidos 'logicamente' de sua finalidade" (ELIAS, 2012, p. 129). Ela é cercada por restrições e proibições quanto ao seu uso à mesa, uma vez que sua imagem, em determinado contexto, desencadeia associações negativas e moldou a nossa forma de acessá-la. Para Elias, quando esses tabus são analisados de perto e em conjunto, é possível perceber que o comportamento social que pauta as condições do uso da faca à mesa é essencialmente construído por uma natureza emocional (ELIAS, 1990). O artefato por si só não é capaz de se "autorremodelar"; de cortar, picar, de ameaçar. Ela, enquanto artefato, é inerte e é o ser humano quem a interpreta, acessa-a, transforma-a e a recheia de sentimentos (neste dado contexto, sentimentos como o medo, o perigo e a ameaça).
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Mas são a memória e associação da faca com a morte e o perigo, o significado simbólico do instrumento, somados a cada vez maior pacificação interna da sociedade e a gradual preponderância de sentimentos de desagrado com sua presença, que levam a limitação e suspensão final de seu uso em sociedade. A simples vista de uma faca apontada para o rosto provoca medo: ‘Não voltes a faca contra o rosto, porque nisto há razão para muito medo’. Esta á a base emocional de um poderoso tabu de uma época posterior, que proíbe que se leve a faca à boca (ELIAS, 1990, p. 130).
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Dessa forma, o emprego do símbolo "intimidador" que a faca evoca é motivo de restrição e resguardo. Nessa "proposta" civilizadora, Elias (1990) retoma a imposição de Calviac em 1560: "Se for passar uma faca para alguém, pegue-a pela ponta e lhe ofereça o cabo, porque não seria polido agir de outra maneira". Mais uma vez, a explicação apresentada não escapa das razões emocionais. Virar a ponta da faca para alguém pode caracterizar um ataque. A recordação ou a ameaça do possível acontecimento soaria simplesmente desagradável. Por um lado racional, nessa época seria também possível que um indivíduo pudesse passar a faca adiante, mas com o objetivo de cravá-la no pescoço de alguém (ELIAS, 1990). Um ritual social é formado em torno desse perigo porque o gesto ameaçador em si se enraíza em um nível emocional, como fonte geral de desagrado, símbolo de morte e perigo. A sociedade, que nessa época começa a limitar cada vez mais os perigos reais que ameaçam o homem e, em consequência, a remodelar sua vida afetiva, coloca também cada vez mais barreiras em torno dos símbolos, dos gestos, e dos instrumentos de perigo. Aumentam, assim, as restrições e proibições ao uso da faca, juntamente com as limitações impostas ao indivíduo (ELIAS, 1990, p. 130).
No caso das armas, Eldredge (2012) entende que os indivíduos que reagem automaticamente contra elas possuem o mesmo raciocínio dos processos civilizatórios apresentadas por Elias (1990). Elas imbuem o artefato com associações negativas como uma maneira de materializar (objetificar) a sua aversão pela violência humana. Essa projeção de vida e sensibilidade em objetos também pode ser um componente para projetar sobre eles uma responsabilida-
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de moral. Um objeto pode ter intenção? A direcionalidade das armas de fogo, a sua ergonomia — a maneira como elas imitam e se encaixam na mão humana como uma extensão do corpo — complicam a sua aceitabilidade moral. Seria mais fácil pensar e lidar com a violência e a brutalidade quando nós imbuímos o objeto com responsabilidade? Destruir o objeto usado para cometer violência é uma forma de expressar o desejo de destruir a própria violência (ELDREDGE, 2012, p. 25).50
Retomamos a questão: um objeto pode ter intenção? Na Inglaterra do século XI, a expressão legal deodand foi criada para designar a punição sobre a responsabilidade de objetos ou animais que causaram danos ao ser humano. A palavra, que tem origem no latim Deo Dandum (Deo, de Deus, e dandum, de dar) significa “entregar para Deus”. Acreditava-se que, por exemplo, se caísse sobre a cabeça de um indivíduo, um sino de uma igreja deveria ser confiscado e doado ao Estado. O castigo geralmente envolvia charretes, móveis domésticos, barcos, cavalos e árvores. Segundo Sutton (1997), um dos casos mais emblemáticos no emprego de deodands ocorreu quando dois homens acabaram se afogando após as 58 ovelhas que carregavam em um barco correrem juntas e ao mesmo tempo para a proa. Na opinião de Eldredge (2012), “deodand é uma absolvição simbólica da violência e da morte. Pode parecer infantil ou ingênuo atribuir consciência e responsabilidade para meras coisas ou para punir um objeto por infligir violência que não poderia ter consciência de fazê-la” (ELDREDGE, 2012, p. 24).51 Nós é quem somos capazes de fazê-lo. Apresentamos o oposto: os artefatos só podem ser ou fazer a partir de uma intencionalidade humana. Por si sós são inertes e incapazes de produzir violência, ameaça, carinho ou amor. É preciso acessá-los e é com esse acesso que produzimos significados e significamos o mundo a nossa volta. Á luz dos pensamentos de Flusser, um artefato só fará aquilo que lhe for acionado (por meio do desejo de um indivíduo). Para Belo (2016), “à medida que nos liberta em determinado sentido e possibilita alternativas de existência, o artefato é limitado às suas próprias configurações e requer a presença e atuação do indivíduo para que possa se manifestar” (BELO, 2016, p. 109).
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GATILHO (arquivo da autora)
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A ASA DA XÍCARA Como foco de nossa investigação, recorremos à nossa empiria. Como os argumentos anteriores refletem sobre o nosso entendimento e a percepção das armas? Como entender a sua ação e relação com o homem? Com olhar clínico (sustentados pela disciplina que envolve nossa discussão), apresentamos um caminho possível por meio de um diálogo, em nível de relações e metáforas, com o ensaio A Asa do Recipiente, do sociólogo George Simmel. Vilém Flusser compreende e relaciona o mundo material fabricado como um auxiliar das atividades do corpo humano de forma potencializada. .117
Todo artefato é produzido por meio da ação de dar forma à matéria seguindo uma intenção. Do ponto de vista etimológico, portanto, a manufatura corresponde ao sentido estrito do termo in + formação (literalmente o processo de dar forma a algo). No sentido amplo, fabricar é informar. Todo objeto manufaturado, por sua vez, tem como meta transformar as relações do usuário com seu entorno de modo a tirar dele algum proveito. Ao concretizar uma possibilidade de uso, o artefato se faz modelo e informação (FLUSSER, 2007, p. 12).
Flusser cita como exemplo a alavanca. Uma vez que compreende o emprego desse instrumento, o indivíduo não será mais capaz de observar uma vara (de madeira ou metal) sem presumir o seu potencial para o mesmo fim. O que antes era percebido como um simples pedaço de pau ganha significado pela existência prévia de um conceito, ou seja, informar também é fabricar. Segundo o autor, fabricar e informar são indissociáveis e fruto da manifestação cultural humana. São ações que tentam inserir sentido no mundo por meio de códigos (informação) e técnica (fabricação). Como a alavanca, que imita o movimento de um braço, criamos extensões do corpo ou próteses, ferramentas que prolongam e especializam nossas tarefas. Eis o design. O mediador do nosso corpo com o mundo que nos cerca. Ampliamos assim a nossa capacidade e intelectualidade. Prolongamos, tornamo-nos mais eficientes e resistentes. Transferimos. Para Belo (2016), design propõe relação: “A relação que se estabelece entre dois sistemas: o dos artefatos e o de ações. O design é um
meio de união desses sistemas, uma vez que ele carrega em si uma ambivalência, talvez uma ambiguidade: simultaneamente se apresenta como continente e conteúdo (BELO, 2016, p. 109). Tomamos os argumentos até aqui e colocamos em evidência o componente mágico de nossa empiria: o gatilho. Ele, na qualidade de alavanca, é a porta de entrada para acessar a potencialidade da arma, assim como a asa de uma xícara. Para Simmel (2014), a asa da xícara ou de um recipiente qualquer se coloca como ponto de contato com o mundo, o ponto de acesso do artefato. Belo (2016), sustentado por Flusser, relembra que os artefatos são frações de realidade, interagem ao nosso redor e são obstáculos dos quais dependemos para progredir. Ele apresenta: .118
A asa de um recipiente é uma ilustração evidente desse obstáculo. É o elemento do projeto que se abre ao contato, como se o recipiente ‘estendesse a mão’ ao indivíduo, ‘é a parte na qual ele é apanhado, elevado, virado, com ela [asa] ele se ergue concretamente ao mundo da realidade, ou seja, para dentro das relações de toda exterioridade’. A asa é a parte visível de dois mundos, tanto para fora do corpo do instrumento, como parte constitutiva do seu próprio corpo. Para Simmel, as marcas de solda de uma asa sobre o recipiente ou até a diversidade material que a constitui em determinada xícara demarcariam essa transição. A asa possui, se pudermos simplificar, uma finalidade funcional: manejar o recipiente (BELO, 2016, p. 111).
Assim como para a asa de Simmel, o gatilho também demarca o limite dos dois mundos e se apresenta funcionalmente: o manejo e o alcance à arma. Argumentamos à respeito do contato, do acesso e da interação de sua matéria (como artefato que precisa ser tirado da inércia) com o nosso corpo (como ser humano que é capaz de despertar uma ação). O gatilho, como espécie de alavanca, apresenta-se também como o nosso obstáculo. Afinal, a questão “para que serve um gatilho” nos parece superficialmente óbvia. A “ação” de uma arma, ou, colocando em outras palavras, “acionamos” uma arma por meio de uma relação mecânica entre gatilho e cão. Explicaremos o que pode parecer evidente: o gatilho é uma peça que, ao ser acionada com os dedos da nossa mão, libera o cão que, consequentemente, deflagra a munição para fora da arma. Acessar e acionar, dentro e fora. Suas propriedades formais nos dão pistas, tornam-se ponto de partida.
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Como material inerte (e incompleto), ele sempre vai precisar de uma ação, do acesso humano, para se revelar (BELO, 2016) e propor significados. Simmel sugere que as múltiplas maneiras com que nos apropriamos dos artefatos, assim como eles se apropriam de nós, formulem a coesão de nossa existência. Algo se incorpora, se liga e se funde a nós sem deixar de demarcar uma simultaneidade que estabelece o dentro e o fora. [...] As totalidades de artefato e indivíduo se confundem sem nunca se romperem. Para Simmel, a asa da xícara encontra sentido simbólico nessa expressão, ainda que de modo superficial, mas justamente por isso que melhor se desvenda. A asa presenteia a nossa vida com o convívio possível de dois mundos. Afinal, ela completa o artefato por meio da forma, como um membro necessário, e impõe à xícara o pertencer ao outro. Permite também alcançar os entrelaçamentos e o sentido do outro. A asa de uma xícara é o braço de um mundo que se estende (BELO, 2016, p. 116).
O gatilho, conquanto obstáculo, é asa de xícara. Funde-se à mão humana e demarca o encontro do dentro com o fora ou a possibilidade de um encontro. Como a asa de um recipiente, ele se formaliza como convite para pertencer e entrelaçar no outro. Seja asa, seja gatilho, como braços que ofertam “para apanhar um outro e para incluir a si e para se deixar apanhar por ele e incluir a si” (SIMMEL, 2014, p. 33). Se apertaremos ou não o gatilho, esse é o cerne de nossa questão.
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REVOLVER COLT COM BORDADO COM OURO E PRATA DESENVOLVIDO PELA TIFFANY&CO (francolini.com)
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PACIFICADORAS “As pessoas deste mundo estão longe de estarem satisfeitas umas com as outras e minhas armas são as melhores pacificadoras.” Samuel Colt
Samuel Colt (1814-1862) é considerado uma personalidade notável da história norte-americana. Ele foi engenheiro, inventor, patenteador, fabricante, showman e um grande vendedor de suas armas no mundo, em uma época distante da economia globalizada que desfrutamos hoje (HOUZE, 2006). Em 1851, Colt revolucionou os processos de fabricação de um revólver a partir do uso de peças intercambiáveis em sua montagem e produção. Ele adicionou no desenho de sua arma um tambor, que, depois de efetuado um disparo, girava e recarregava a arma, deixando-a pronta para um novo tiro. Vinte anos depois, ele a apelidou de “Peacemaker” (ou Pacificadora, na tradução livre para o português). A sua criação não só influenciou profundamente a história dos Estados Unidos, mas todo o curso dos acontecimentos sociais, políticos e econômicos de todo o planeta (ELDREDGE, 2012). Em novembro do mesmo ano, Colt viajou a Londres com o objetivo de apresentar o seu novo design na Grande Exposição dentro do Palácio de Cristal no Hyde Park. Foi nesse encontro que os ingleses examinaram os produtos americanos e se depararam, pela primeira vez, com métodos de produção que lhes pareciam tão originais. Prontamente os apelidaram de “O Sistema Americano” (precursor do sistema da produção em massa que possuímos hoje). O fenômeno fora muito bem ilustrado com o revólver de Samuel Colt e com os processos de fabricação a partir de peças intercambiáveis da indústria armamentista americana da época. Beneficiando-se com as relações estabelecidas na Inglaterra e em resposta aos diversos conflitos que eclodiam no mundo, o engenheiro montou uma fábrica em Londres para fornecer suas “pacificadoras” aos participantes da Guerra da Crimeia e da Revolta dos Cipaios, na Índia, em 1857. O sistema americano permitia mais uniformidade às peças, maior produção a um menor custo. Quando um novo componente precisava ser substituído, sua cópia poderia ser providenciada com agilidade e precisão. Embora muitos profissionais na época duvidassem da capacidade de uma
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ANÚNCIO DA COLT NA REVISTA FIELD & STREAM, 1958 (pl.pinterest.com/bbaudens)
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máquina produzir armas e das muitas peças que ainda precisavam ser colocadas à mão no processo de montagem, a revolução da prática já estava instaurada (e com sucesso) em termos de custos, tempo e mão de obra. Em 1852, um ano após a apresentação de Samuel Colt em Londres, o Instituto de Engenheiros Civis concedeu-lhe a medalha Telford, prêmio que reconhece as contribuições de um inventor para a indústria ou para o design. Em 1855, as máquinas da fábrica de Coltsville estavam a todo o vapor e mais eficientes do que nunca. As técnicas de produção armamentista se espalharam rapidamente para além do ‘vale das armas’ — vale do rio Connecticut, onde mais de 90% das armas do país eram fabricadas — e para a indústria em geral na América e no exterior. O ‘Sistema Americano’, capaz de produzir peças intercambiáveis, acabou transformando a produção em massa de máquinas de costura, máquinas de escrever, bicicletas e automóveis. O processo dos sistemas mecanizados tornou-se tão universal que, quase um século após o discurso de Colt aos engenheiros de Londres, as fábricas de máquinas de escrever e carros puderam reverter seus processos e fabricar armas durante a Segunda Guerra Mundial (ELDREDGE, 2012, p. 6).52
Segundo Eldredge (2012), sempre houve uma promiscuidade dos avanços tecnológicos entre a guerra e a cultura de massa. A roda de um barco a vapor inspirou o mecanismo do revólver Gatling. A primeira televisão não foi desenvolvida para a comunicação de massa, mas como um meio de melhorar a visão nas batalhas. O uso de balões e pipas com câmera deu origem ao uso de drones fotográficos controlados pela IBM na Guerra do Vietnã, que, por sua vez, levaram aos veículos aéreos não tripulados utilizados em conflitos armados até hoje. Paul Virilio, em Guerra e Cinema (1989), também alimenta as relações com a fotografia e o cinema. Em 1874, o francês Jules Jansen se inspirou no revólver com tambor (patenteado em 1832) para criar o seu revólver astronômico, capaz de obter fotografias em série. Servindo-se desta ideia, Jules Étinenne Marey aperfeiçoou seu fuzil cronofográfico, que permitia focalizar e fotografar um objeto que se desloca no espaço (VIRILIO, 1984, p. 25).
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Tal "libertinagem", descrita por Eldredge (2012), também pode ser destacada pelo olhar do designer Phil Patton. A fabricação de armas de fogo, obviamente, foi o primeiro empreendimento moderno pelo seu pioneirismo no uso de peças intercambiáveis – o assim chamado ‘sistema americano’, que foi utilizado para desenvolver máquinas de costura, de escrever, caixas registradoras e, finalmente, toda a maquinaria da vida moderna. As implicações sociais do mundo do armamento – da Colt Peacemaker para a AK-47 – tocam em praticamente todos os aspectos do design – invenção, marketing, custo e sustentabilidade (PATTON, 2012, p. 12).53 .124
Para Eldredge (2012), a ideia utópica de que a evolução da indústria dos armamentos poderia levar ao fim das guerras e dos conflitos é empregada como fundamento por trás do design e do desenvolvimento desses artefatos: desde o revólver Colt até a bomba atômica. Trazendo de volta as consequências da apresentação de Colt na Grande Exposição e o alastramento de sua invenção pelo mundo, o ministro americano Abbott Lawrence declarou, à ocasião, que, apesar de se tratar mesmo de um artefato de guerra, as armas desenvolvidas por Colt deveriam ser usadas para promover a paz: armas mais eficientes são pacificadoras mais eficientes (ELDREDGE, 2012, p. 7). Muitas pessoas acreditam que as armas incorporam uma promessa de segurança e até mesmo de paz mundial. Elas são objetos projetados cujos meios históricos de produção têm sido incrivelmente influentes nos dias de hoje. Armas de fogo são, sem dúvida, produtos de consumo comprados além de sua função. O mundo da produção de massa e do design, sem dúvida, não existiria sem o pioneirismo tecnológico do sistema de armamentos americano (ELDREDGE, 2012, p. 10).54
Herb Belin é atualmente um dos maiores designers de armas de fogo nos EUA. Em uma entrevista concedida para Eldredge (2012), ele argumenta: “Há uma questão mística entre homens e armas de fogo. Há algo de emocional. Entender essa química significa mais que a funcionalidade. Essa é a arte negra do negócio” (ELDREDGE, 2012, p. 9). Segundo o designer, as armas de fogo de maior sucesso provocam uma resposta emocional
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e promovem uma relação não muito diferente de um romance entre duas pessoas. Suas vendas acontecem de forma expressiva para o setor civil americano: “Em tempos de dificuldade econômica, as taxas de criminalidade e atividade criminosa sobem, resultando em um aumento na compra de equipamento de proteção pessoal” (ELDREDGE, 2012, p. 9). Muitas pessoas acreditam que a aquisição de armas dá status, segurança e, até mesmo, paz. O contexto apresentado explicita como as armas são importantes no mundo dos artefatos projetados, fruto das práticas projetuais de nossa disciplina. Relembramos Flusser (2012) e apontamos aqui certo consenso e interação entre o progresso da produção de massa e os avanços na produção dos artefatos de guerra. .125
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ILUSTRAÇÃO MEDIEVAL UTILIZADA NO PROGRAMA HOW TO KILL PEOPLE: A PROBLEM OF DESIGN (designandviolence.moma.org)
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COMO MATAR PESSOAS: UM PROBLEMA DE DESIGN Matar é um problema de design. Em 1961, George Nelson, arquiteto e ícone do design modernista americano, expôs suas críticas sobre a relação da disciplina com a tecnologia de guerra e dos armamentos durante um episódio de vinte minutos, no canal de televisão nacional americano CBS, com o título How to kill people: a problem of design. Para ele, o design de armas está dentre as três principais frentes da disciplina junto com a moda e os objetos domésticos. Quiçá, consideramos uma das poucas ou primeiras vezes em que um designer discute publicamente as armas como projetos de design. “Existe o mito que os generais vencem as guerras”, argumenta Nelson. “Mas, na verdade, os fatos mostram que são os designers quem ganham” (ELDREDGE, 2012, p. 8).55 Sua fala tem o objetivo de demonstrar como o design criou objetos de uso e projetou beleza e eficiência aos artefatos de violência humana em um trajeto cronológico desde a Pré-História (pedra) até os dias de hoje (bomba atômica). Em uma concepção ontológica, Vilém Flusser, em seu ensaio “Design: obstáculo para a remoção de obstáculos”, problematiza também uma grande questão sobre os designers como criadores de objetos nos dias de hoje: Um ‘objeto’ é algo que está lançado no meio do caminho (em latim, ob-jectum; em grego, problema). Um ‘objeto de uso’ é um objeto que se necessita para afastar outros objetos do caminho. Há nessa definição uma contradição: um obstáculo que serve para remover obstáculos? [...] eu topo com obstáculos em meu caminho (topo com o mundo objetivo, objetal, problemático), venço alguns desses obstáculos (transformo-os em objetos de uso, em cultura), com o objetivo de continuar seguindo, e esses objetos vencidos mostram-se eles mesmos como obstáculos [...]. Em outras palavras: quanto mais prossigo, mais a cultura se torna objetiva, objetal e problemática (FLUSSER, 2007, p. 194).
Os objetos de uso são tão necessários quanto opressores: ao mesmo tempo em que os julgamos necessários para a nossa evolução, eles estão sempre em nosso caminho, impondo limites. A solução traz à tona novos problemas. Os obstáculos da batalha removem os obstáculos, que se tornam na sequência, novos obstáculos. A pedra cria a clava, a clava cria o machado, o machado cria a lança, e assim por diante.
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Para Tony Fry (2009), os designers não só projetam, mas fazem parte de uma engrenagem complexa na qual também sofrem o redesenho de suas ações: O uso de ferramentas não apenas facilitou atos prefiguradores de construção e transformação do mundo fabricado e danificado que agora ocupamos — ele também retroagiu (no sentido do feedback num sistema cibernético) nos usuários das ferramentas — e os proto-designers/fazedores tornam-se eles mesmos um produto de design. Este processo, agora infinitamente mais complexo, continua sendo a chave para compreender as relações dos homens com a tecnologia, a ciência e o mundo fabricado (FRY, 2009, p. 24). .128
Retomando Flusser (2007), a falha se encontra na efemeridade dos projetos, ou, aqui considerado, dos objetos de uso. Na medida em que são colocados no mundo para solucionar problemas, eles são posteriormente dejetados. O que antes era a solução, agora se torna novamente o problema. Por aqui, voltamos ao próprio autor e às questões ontológicas apontadas por ele no início de nossa discussão. O designer também parece estar em um desafio constante no redesenho do que foi desenhado. Eis o progresso apontado por ele: projetar mísseis melhores para matar melhor quem primeiramente ‘matou’. Diante desse cenário, Flusser busca compreender como configurar projetos de modo que os aspectos comunicativos, intersubjetivos e dialógicos estejam mais presentes do que os aspectos objetivos, objetais e problemáticos. A sociedade deveria, assim, preocupar-se com a configuração de projetos que reduzam essa “obstrução” do caminho ao passo que aumentem as possibilidades de mediação entre os homens. Pensemos também que, ao mesmo tempo, a obstrução leva-nos a busca de uma nova forma de “pensar/fazer” design. Afinal, parte-se de um senso comum de que o homem é conhecido por tomar medidas quando algo negativamente o afeta, ou seja, ele precisa superar o obstáculo em seu caminho. Em um rápido diálogo também com Tony Fry (2009), ambos parecem acreditar que a criação e a destruição são inseparáveis. Ao projetar, o homem também acaba transformando-se no refém do próprio projeto. De acordo com Flusser (2007), os objetos resistem a projetos e acabam controlando o processo da própria criação. Podemos
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também, sob esse viés, entender que não só eles, mas também o nosso ambiente, o tempo e as relações. O ponto crucial de discussão sobre esse ciclo contínuo se estende a um comportamento projetual e quais as mudanças que nós, homens, devemos adotar em busca de entendimento e reflexão. Para o processo de criação, enxerga-se a responsabilidade sob o criador, uma vez que seu objeto será “lançado no caminho dos demais” – oferecendo possibilidade para prosseguir e/ou tornando-se um empecilho, um obstáculo, para o usuário. Deve-se, no entanto, refletir sobre o fato de que, no processo de criação dos objetos, faz-se presente a questão da responsabilidade, e exatamente por isso é que se torna possível falar da liberdade no âmbito da cultura. A responsabilidade é a decisão de responder por outros homens. [...] Quando decido responder pelo projeto que crio, enfatizo o aspecto intersubjetivo, e não o objetivo, no utilitário que desenho. E, se dedicar mais atenção ao objeto em si, ao configurá-lo em meu design (ou seja, quanto mais irresponsavelmente o crio), mais ele estorvará meus sucessores e, consequentemente, encolherá o espaço da liberdade na cultura (FLUSSER, 2007, p. 196).
Complementando a reflexão flusseriana, retornamos a Fry (2009): [...] o design e os designers enfrentam questões prementes de liderança. Como criadores de sonhos, desejos e futuros materiais, os designers arcam com uma carga desproporcional de responsabilidade. Já não se pode negar essa responsabilidade citando o desejo do cliente e as instruções do projeto (‘apenas obedeci às ordens’ não é defesa militar ou penal). Não há meio-termo para os designers – ou agem segundo a ética ou negam a própria responsabilidade (FRY, 2009, p. 16).
Empregamos aqui Flusser e Fry sob a poética drummondiana, um lugar onde estaremos sempre indo de encontro com um obstáculo em nosso caminho para progredir como seres humanos. Para seguir com a crítica acerca do ofício do designer no mundo e suas obstruções ontológicas, exploraremos adiante suas conexões como programa de Marc Nelson. Existirá ou, recolocando nossas indagações, é possível vislumbrar um mundo onde não há um meio-termo?
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OPERÁRIOS MONTANDO TANQUES M-3 EM UMA FÁBRICA AMERICANA, 1942 (mashable.com)
MÍSSIL DA COREIA DO NORTE, 2017 (en.trend.az)
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Parafraseando Carlos Drummond de Andrade: seremos capazes de esquecer, na vida de nossas retinas fadigadas, que no meio do caminho tinha uma pedra? Retomando Marc Nelson e How to Kill: a problem of design, a ontologia e a trivialidade dos obstáculos encontram-se na base de seus argumentos: a proximidade. Explicamos: há anos, a eficiência para causar danos com uma pedra estava inteiramente ligada à proximidade do atacante com a sua vítima. Perante a visão de Nelson, observamos com nobreza e generosidade o problema de design: o atacante (ou usuário) deve estar perto o suficiente para causar um dano à sua vítima; todavia, não tão perto para se colocar também em perigo. No desfecho do programa, ele apresenta a solução de forma sucinta: os mísseis e a bomba atômica são bons projetos de design, pois o seu poder está ligado na distância entre aqueles que as comandam e aqueles que vão sofrer a sua consequência. Diante da prosa poética de Flusser (2012) e Goethe, sentenciamos: matar com certa elegância. A propriedade da fala do designer atira também na máxima ontológica discutida por Flusser. O progresso humano encontra-se no desencadeamento de projetos que buscam matar com mais eficiência aquele que primeiramente o matou. Em outras palavras, como apresentado por Willis (2006), “o design que criamos age sobre nós alterando nosso design […] isso culmina em um movimento duplo – nós fazemos o design de nosso mundo, enquanto nosso mundo age de volta sobre nós e sobre nosso próprio design” (WILLIS, 2006, p. 80). É dessa forma que nos tornamos mais nobres e generosos também. A nossa disciplina, desde então, tem sido imprescindível para o sucesso dos senhores das guerras e, segundo Nelson, mantendo um apoio “incondicional” de nossa sociedade: […] Para funcionar com sucesso, para produzir obras de arte, os designers devem ter a aprovação da sociedade. Design para matar é interessante porque a guerra ocupa muito da nossa atenção e recebe nosso apoio incondicional. A grande vantagem para o designer nesta área é que ninguém se importa com os custos de nada. Esta atitude tem sido predominante desde o cerco de Troia até o bombardeio de Hiroshima. E é esse tipo de atitude em relação ao dinheiro que sempre atraiu pessoas criativas. Esta é a razão pela qual, provavelmente, o design de armas belas e eficientes progrediu continuamente, sem interrupção grave (NELSON, 1961, p. 23).56
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Por outro lado, Alice Rawsthorn, em seu artigo sobre o programa de Nelson, no livro Design and Violence, aproxima-se do tema com tom vigorosamente questionador:
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Em nenhum momento Nelson questiona se tantos designers deveriam investir tanto o seu tempo e energia em armamentos. A resposta será determinada de acordo com as crenças de cada indivíduo. Se, como ele, você considera a guerra — e o caos que ela pode causar — justificável, por que você se oporia a projetar o meio mais eficiente de garantir a sua vitória? Mas se você se opõe à guerra, seguramente sentirá o mesmo em projetar suas ferramentas, mesmo aquelas que são destinadas a conflitos cujos objetivos você pode considerar louváveis, como a derrubada de tiranos perversos (RAWSTHORN in ANTONELLI; HUNT, 2015, p. 182).57
As colocações de Rawsthorn nos retornam aos argumentos dos Homens Nobres. Para Flusser, o bem moral não lhe parece ser bom para nada. O indivíduo (ou o designer) que pensa estar projetando apenas em prol da pureza está equivocado. À medida que busca uma aplicação ou uma finalidade, ele está, automaticamente, indo contra a pureza. Na opinião de Flusser (2012), o bom aplicado é maléfico para a moral. Ele alerta: quem decidiu ser um designer decidiu ir contra a pureza. Sempre quando houver um propósito para alguma coisa, você já estará do outro lado do muro. Rawsthorn (2015) apresenta que uma defesa plausível para o design dos armamentos está nas inovações tecnológicas colocadas, posteriormente, para uso benevolente. Como exemplo, cita milhares de pessoas que se beneficiaram com os avanços da cadeira de rodas e das próteses de membros (originalmente destinadas aos veteranos militares). Ela finaliza: Os benefícios justificam o sofrimento e a destruição causados por encarnações anteriores das mesmas tecnologias? Novamente, a resposta é uma questão de consciência individual e é tão complexa quanto qualquer outro julgamento relacionado à política de design da guerra (RAWSTHORN in ANTONELLI; HUNT, 2015, p. 182).58
Os pensamentos de Nelson não nos parecem distantes do que experienciamos hoje. Pelo contrário: os mísseis e os drones presentes nos conflitos são controlados remotamente. Quanto menos próximos, mais seguros estaremos?
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Os maravilhosos mísseis que dormem tranquilamente em seus berços em todo o mundo são de fato um triunfo de design, mas em muitos aspectos, eles ainda são tradicionais e ainda refletem o desejo do atacante de estar afastado de seu alvo (NELSON apud ELDREDGE, 2012, p. 7).59
Acentuamos o discurso com Virilio (1994): Não existe guerra, portanto, sem representação, nem arma sofisticada sem mistificação psicológica, pois, além de instrumentos de destruição, as armas são também instrumentos de percepção, ou seja, estimuladores que provocam fenômenos químicos e neurológicos sobre os órgãos do sentido e o sistema nervoso central, afetando as reações, a própria identificação dos objetos percebidos, sua diferenciação em relação aos demais, etc. (VIRILIO, 1994, p. 24).
As abordagens dos autores, que podem parecer ardilosas por um momento, são campo fértil para discussão do papel e impacto do design na sociedade. A relação ou a coexistência do bem e do mal é aqui, mais uma vez, injetada em nossa investigação. Caímos novamente sob a nossa empiria na qual matar é um caminho para a sobrevivência, e a guerra, um caminho para a liberdade.
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ATOMIC BOMB, ANDY WARHOL, 1965 (warholessays.tumblr.com)
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DR. FANTÁSTICO OU COMO PAREI DE ME PREOCUPAR E AMAR A BOMBA ATÔMICA A imagem mais aterrorizante do século XX é uma nuvem de cogumelo (HELLER, 2007). De acordo com Steven Heller, nem sempre o terror é entendido em imagens estereotipadas de seres humanos em agonia. O cogumelo gigante, em pouco tempo, tornou-se um marco visual e símbolo da aniquilação para a civilização humana. Em julho de 1946, após a explosão da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, estava inaugurada a era do estilo “nuclear” (HELLER, 2007). "Sem precedente", "terrível", "magnífica", "brutal" e "estupenda" foram algumas das expressões utilizadas pelos espectadores diante do presenciado. Instaurava-se naquele momento, e em todos os lares ao redor do mundo, a imagem inesquecível de um arranha-céu dilacerado por uma nuvem de cogumelo gigante, uma imagem que se perpetuaria na memória coletiva por várias décadas. Heller observara que o personagem principal (a bomba atômica em si) não aparentou ser icônico o suficiente. No entanto, a nuvem em forma de cogumelo tornou-se a imagem e a representação de um grande feito humano. "Ela simbolizava justiça ao invés de maldade" (HELLER, 2007, p. 22).60 O cogumelo foi sendo rapidamente incorporado na iconografia popular, e designers de todas as partes começaram a adotar o estilo "atômico" em seus projetos. Em 1947, havia 45 empresas na lista telefônica de Manhattan que usavam a palavra ‘atômica’ em seu nome, e nenhuma tinha relação com bombas. O designer de roupas de banho francês, Louis Reard, deu o nome de ‘bikini’ das Ilhas Marshall, onde duas bombas atômicas dos EUA foram testadas em 1946, porque ele achava que o nome significava o efeito explosivo que as duas peças teriam sobre os homens. O governo e a indústria promoveram ‘nosso amigo, o átomo’ com uma variedade de personagens e mascotes com características moleculares. Editores de revistas em quadrinhos fizeram ouro com a ‘cogumelo mania’. Explosões atômicas, como acidentes de automóveis, chamaram a atenção de muitos leitores de quadrinhos e aficionados pelo horror. Assim como as fotos reais e os filmes de testes atômicos seduziram os espectadores, fantásticas representações pictóricas de bombas do dia do juízo final contorciam a imaginação (HELLER, 2007, p. 22-23).61
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Dando sequência aos exemplos de Heller, trazemos aqui o filme Dr. Fantástico ou Como Parei de me Preocupar e Amar a Bomba Atômica (1964), de Stanley Kubrick. O longa, protagonizado pelo consagrado ator americano Peter Sellers, ridicularizava a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a Rússia com personagens recheados de sarcasmos e ironias. Para se defenderem de um possível conflito e "cumprirem um acordo de paz", as superpotências disparam em uma corrida armamentista. Durante um período de incertezas e à beira de uma guerra nuclear, o filme ganhou atenção ao redor do mundo pelo humor negro que reunia paradoxalmente o medo, o riso e a reflexão. O grand finale do longa-metragem é, à parte de toda a satirização, seriamente dramático e impactante. Uma série de explosões nucleares estala na tela. A sequência de aparições de nuvens de cogumelos gigantes ao som da canção We’ll meet again (consagrada como canção da despedida dos soldados americanos para as suas famílias na Segunda Guerra Mundial), de Vera Flynn, confrontam-nos com a ideia de um verdadeiro (ou possível) apocalipse. “A guerra não pode jamais ser separada do espetáculo mágico, porque sua principal finalidade é justamente a produção deste espetáculo: abater o adversário é menos capturá-lo do que cativá-lo, é infligir-lhes, antes de morrer, o pavor da morte (VIRILIO, 1994, p. 24). Quando a Segunda Guerra Mundial desencadeou a Guerra Fria, o governo americano consagrou a bomba atômica como um meio de manter a atmosfera pacífica e a segurança em um mundo que estava sendo ameaçado pelos comunistas soviéticos. Com o objetivo de resguardar o poder americano da bomba e institucionalizar o seu sistema de produção, os Estados Unidos logo a consagraram como uma arma de paz, concebida para o triunfo americano na Guerra Fria. Entre os anos de 1945 e 1963, os Estados Unidos e a União Soviética compartilhavam uma série de imagens de testes de explosões nucleares. Ano após ano, aumentavam a quantidade de imagens de nuvens de cogumelo que circulavam ao redor do mundo. Esse fato era apenas o começo. Em 1995, no 50º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, o Serviço Postal dos Estados Unidos criou um selo comemorativo ilustrando a nuvem de cogumelos atômicos de Hiroshima com a legenda: ‘As bombas atômicas aceleraram o fim da guerra, Agosto
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de 1945’. O governo japonês protestou e o selo foi cancelado. Para o cogumelo ser comemorado seria uma afronta à memória dos mortos e feridos, mas também serviria para legitimar a marca do fim do jogo em vez de ressaltar o papel da nuvem de cogumelo como o ícone mais perverso do mundo (HELLER, 2007, p. 23).62
Até os dias de hoje, o paradoxo dessa iconografia tem sido praticado em um misto de esperança e perversão, vitória e tragédia, salvação e extinção. O mundo da sétima arte nos presenteia com mais exemplos. Filmes como Independence Day, Armaggedon e Impacto Profundo empregam as bombas nucleares como a salvação do planeta contra extraterrestres e asteroides, provocando uma visão contrária aquela de uma aniquilação perversa. Levando a questão adiante, apresentamos a empresa de design inglesa Dune & Raby. Eles acreditam que seus projetos têm como objetivo estimular a discussão e o debate entre os designers, a indústria e o público sobre as implicações sociais, culturais e éticas das tecnologias existentes e emergentes. Dentre eles, está a Huggable Atomic Mushroom (nuvem de cogumelo "abraçável"), parte da série Design for Fragile Personalities in Anxious Times (Design para Personalidades Frágeis em Tempos de Ansiedade). O design é uma espécie de almofada "atômica" que pode ser encontrada hoje na coleção permanente do MoMA. O projeto invoca o design na promoção de produtos que "encarnam" os sentimentos e as complexidades existenciais do ser humano. As peças dessa série fazem alusão às ansiedades irracionais, mas reais, como o medo da abdução alienígena ou da aniquilação nuclear. "Ao invés de ignorá-las, como a maioria dos projetos faz, ou ampliá-las para criar paranoia, tratamos as fobias como se fossem objetos perfeitamente razoáveis e projetados para divertir seus usuários" (DUNE & RABY, 2017).63 Os cogumelos atômicos "abraçáveis" foram criados para pessoas amedrontadas pela aniquilação nuclear. Os designers brincam: “Como tratamentos para fobias, permitimos a exposição gradual por meio de seus diferentes tamanhos (DUNE & RABY, 2017).64
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HUGGABLE ATOMIC MUSHROOM, DUNE&RABY (dunneandraby.co.uk)
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Com a mesma intenção do Huggable Atomic Bomb, que é utilizar humor e irreverência para falar de assuntos críticos, apresentamos War in Rio. Criado pelo mestre e designer carioca Fábio López, o projeto é baseado no clássico WAR, jogo de tabuleiro de estratégia que tem como objetivo conquistar territórios pelo mundo. No entanto, o humor em torno da paródia foi pensado sistematicamente. O tabuleiro, em vez de ilustrar o mapa do mundo, apresenta a cidade do Rio de Janeiro e suas famosas favelas organizadas em setores e paleta cromática. Ao contrário do jogo original, no qual os jogadores escolhem apenas com que cor vão jogar, o War in Rio possui exércitos e grupos armados à disposição. Para López (2017), esse aditivo permite que os jogadores se envolvam mais, podendo defender sua equipe de acordo com seus propósitos. Os objetivos do jogo foram adaptados para a realidade violenta do cotidiano carioca. No lugar de conquistar continentes do além-mar, o jogador tem a possibilidade de arquitetar a invasão dos lugares que mora e trabalha, ou de locais que costuma ver em destaque no telejornal (LÓPEZ, 2017).
O autor do projeto vai além na satirização. Para ele, as regras do jogo tradicional não foram alteradas e mantêm os princípios morais na comercialização em lojas de brinquedos: “Matar, destruir, conquistar e aniquilar seus amigos”. Os projetos “atômicos” ampliam nossa percepção sobre a capacidade do designer de atuar como um produtor. Assim, entendemos também que o ato do designer é, em sua essência, a remodelagem de um conteúdo para outro. O resultado (ou a solução) é esse conteúdo “renderizado” em um novo formato. Moldamos o mundo configurando os objetos. Cardoso (2010) entende que o processo de significação, assim como a comunicação, só existe quando é conferida forma a uma retórica. O designer, conquanto comunicador, é o responsável pela reflexão visual que dará corpo a essa retórica. A discussão sobre a natureza do design não deveria ser polarizada entre estilo e substância. A superfície das coisas importa, mas também precisamos ter a capacidade de entender o que está por baixo. O design já não se baseia em modelos mecânicos.
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A máquina de escrever tinha partes móveis que o desenhista industrial possivelmente poderia comprimir. Quantas partes móveis há para Jonathan Ive manipular? Até que ponto um conhecimento básico das leis da termodinâmica favorecerá o projeto de um produto eletrônico para o consumidor moderno? O que sobra para um designer lidar é a superfície, a aparência e as nuances semânticas do significado que nos permitem interpretar e entender o que um objeto está tentando nos dizer sobre si mesmo. Essas mensagens vão desde o que um objeto faz, e quanto vale, até o modo de ligá-lo. São questões que estão longe de ser triviais, mas transformam o designer em narrador. E, embora sem dúvida seja verdade que o design é uma linguagem, só quem tem uma história convincente para contar sabe como usar essa linguagem de maneira fluente e eficaz (SUDJIC, 2010, p. 34). .140
O designer Michael Rock expõe em seu artigo Fuck Content uma visão crítica e contemporânea sobre o ato de “dar forma”. Seu raciocínio inicia-se assim: os designers, em geral, sentem-se desamparados e inseguros diante da importância de seu trabalho. Essa ansiedade tem desencadeado um movimento que valoriza a origem do conteúdo em detrimento da manipulação desse conteúdo. Seus argumentos contra esse movimento buscam recuperar o ato de design em si como essencialmente linguístico e evocativo. No caminho contrário, deparamo-nos, cada vez mais, com a ideia de que designers devem gerar conteúdos. Para o autor, o equívoco é que, sem um conteúdo relevante, o design é reduzido aos truques. Na comunidade dos designers, o conceito de “forma segue função” é reconfigurado como “forma segue conteúdo”. Se o conteúdo é a fonte da forma, a forma sem conteúdo (como se isso fosse possível) torna-se uma espécie de concha vazia (ROCK, 2009). Indo além, Rock (2009) remonta a famosa metáfora de Beatrice Warde em The Crystal Goblet: o design (vidro) deve ser um recipiente transparente para o conteúdo (vinho). O indivíduo que pensasse em algum tipo de ornamento deveria ser considerado um imbecil. Os críticos se contorceram diante do debate: de um lado, os minimalistas o abraçaram como um manifesto; do outro, os maximalistas o enxergaram como um fascismo estético. A questão é que nenhum dos lados questionou o básico ou a premissa implícita: é tudo sobre o vinho. Essa falsa dicotomia tem circulado por tanto tempo que passamos a acreditar nela. Acabamos aceitando o fato de que o desenvolvimento de conteúdo tem maior relevância do que moldá-lo,
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dar-lhe forma. Seria mesmo o bom conteúdo a medida do bom design? Rock (2009) relembra a máxima do designer Paul Rand de que “não há nada pior que um conteúdo ruim, apenas uma forma ruim”65 e de como ela transformou o seu entendimento sobre o ofício do designer. O discurso de Rand não diz respeito a banalidades, mas sobre como a competência do designer está na forma. Dar forma é a maneira como afetamos um objeto profundamente. Um diretor pode ser o autor estimado de um filme que ele não escreveu, editou ou filmou. O que torna um filme de Hitchcock um filme de Hitchcock não é a história, mas a consistência de estilo, que se mantém intacta por meio de diferentes tecnologias, gráficos, atores e o tempo. Todo filme é sobre o ato de filmar. Sua grande geniosidade é que ele é capaz de moldar a forma em seu estilo de uma maneira verdadeiramente única. O significado de seu trabalho não está na história, mas na narrativa. Designers lidam igualmente com a narrativa. Os elementos que devemos dominar não são a história ou o conteúdo, mas os dispositivos para narrá-los: tipografia, linha, forma, cor, contraste, escala, peso. Falamos por meio da nossa razão, literalmente entre as linhas (ROCK, 2009).66
O design, na visão de Rock (2009), não é uma história de conceitos, mas de formas. Elas evoluíram e continuam sugerindo a figura do designer como produtor e remodelador do mundo através da forma como o design é processado. Para Rock (2009), exemplos de como a disciplina muda a forma pela qual enxergamos o mundo são encontrados frequentemente em conteúdos mundanos: um anúncio de tinta, de cigarros ou de um maquinário. A maneira como tais projetos são posicionados, moldamos e recolocados no mundo revela uma filosofia, uma posição estética ou uma crítica. Esta ligação profunda do fazer também posiciona o design em um papel mediador entre o usuário e o mundo. Ao manipular a forma, ele remodela esta relação. Nesse sentido, forma é substituída por troca. Ou seja, as coisas que fazemos negociam um relacionamento sobre o qual temos um profundo controle. [...] Nosso conteúdo é, perpetuamente, o Design em si (ROCK, 2009).67
Sob esse aspecto, recorremos também ao artigo de José Bártolo, O Designer como Produtor, texto que traça um paralelo com o conceito por trás de O Autor como Produtor, de Walter Benjamin. Bártolo (2009) reflete,
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em particular, sobre as transformações culturais e sociais advindas da prática do designer, transformando-o assim em um produtor/colaborador social. O interesse aqui corresponde a uma análise de como os designers participam na mediação de novos significados sociais e, de certa maneira, de uma atuação política. Qual o seu papel? A proposta de enxergar o designer como produtor, e não como autor dentro de uma construção social, implica alterações na própria forma de resolução da disciplina. Eis uma delas:
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Em segundo lugar exige uma transformação do quadro epistemológico do design, a passagem de um modelo de peritagem para um modelo de conhecimento edificante, passagem através da qual o designer deixa de ser reconhecido como ‘perito’ ou ‘especialista’ a quem compete dar resposta à necessidade de um cliente ou consumidor (esquema produtor/consumidor) para passar a ser reconhecido como um ‘agente social crítico’ que colabora activamente, e no exercício das suas competências, com os seus parceiros não designers na procura de uma transformação efectiva de determinados aspectos da realidade. Designer e não designer funcionam, dentro deste modelo, como ‘parceiros epistémicos’ na construção política e social, devendo o designer assumir uma ‘objectividade forte’, para usar a expressão de Sandra Harding, que não convida à neutralidade, objectividade que permite dar conta eficazmente das diferentes e porventura contraditórias perspectivas, posições, motivações, que se confrontam numa dada situação social, que permite, numa palavra, ao designer o exercício da mediação (BÁRTOLO, 2009).
Na suposição do autor, não há neutralidade e objetividade na disciplina. Pode-se, portanto, enxergar como um “sedimento das acumulações”. Para um geólogo, o termo é empregado como metáfora ao observar uma formação rochosa. Para nós, estaríamos apenas olhando um rochedo. Ainda em relação ao geólogo, há ali um resultado de milhares de anos de transformação da natureza. Complementando, Bártolo afirma: “No interior das práticas sociais, o designer deve ser capaz de operar com esses ‘ciclos de acumulação’, funcionando, na expressão de Willem van Weelden, como um ‘editor’ capaz de se posicionar com a sua ‘objetividade forte’ perante os processos sociais” (BÁRTOLO, 2009). Induzimos: ele possui a capacidade de configurar o nosso entorno e as questões culturais humanas. O designer torna-se, assim, um interlocutor na produção de significados que possivelmente estarão a todo o momento em curso. Ele não
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se limita à transmissão de uma mensagem, mas cria também um terreno para a sua transmissão. A relação entre a experiência da produção do design e a participação política reside na capacidade de apreender, reconhecer, partilhar e propor ligações em um ciclo contínuo (BÁRTOLO, 2009). As reflexões nos projetam adiante. Nossos autores e teorias estimulam o pensamento de que tudo está em constante transição, um universo onde as configurações mundanas também configuram a nossa percepção acerca dos artefatos que produzimos.
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PUBLICAÇÃO ATOMIC BOMBING, HOW TO PROTECT YOURSELF (museumofthecity.org)
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ATOM BURST, ROY LICHTENSTEIN, 1965 (postwar.hausderkunst.de)
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THE LIBERATOR (designandviolence.moma.org)
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IMPRIMA E ATIRE Defense Distributed, grupo sem fins lucrativos com sede no Texas (EUA), foi formado com o objetivo de criar uma arma de fogo que qualquer um poderia fabricar usando uma impressora 3D. Invocando as liberdades civis e desafiando as noções de controle de armas e de censura, eles criaram a The Liberator (o Libertador, na tradução livre para o português): arma calibre 0.38 impressa em 16 peças de polímero. Os arquivos de fabricação da arma 3D foram imediatamente disponibilizados on-line e baixados mais de 100 mil vezes até que o governo americano forçasse a suspensão do website (ANTONELLI; HUNT, 2011, p. 11). Estamos vivendo a era da impressão 3D, pela qual adquirimos grande simpatia por tantas possibilidades que ela é capaz de promover. No entanto, as implicações da tecnologia surpreenderam e pegaram desprevenidos os olhares ao redor do mundo com o feito controverso do The Liberator. Agora, além de fabricar brinquedos, peças de avião e utensílios de várias naturezas, a impressora é capaz de produzir armas com precisão e que realmente funcionam. Os idealizadores, no entanto, não buscam introduzir o terror no mundo, mas propõem uma crítica ao controle de armas nos Estados Unidos e seus modos de governança. Para Cody Wilson, o designer por trás do projeto, tudo está ligado a um ato político. O objetivo de sua organização é revelar o potencial da Segunda Emenda, tornando a obtenção de uma arma de fogo trivial. Suas restrições, até mesmo para a sua fabricação, tornam-se inúteis. Rob Walker, colunista do Yahoo Tech, discorre no livro Design and Violence sobre o projeto. Para ele: Eu não compartilho da política de Wilson, por isso compreendo os tecnólogos que olham para o The Libertador e queixam-se de que está estragando a sua utopia. Mas eu gostaria que eles pudessem reconhecer que há algo mais importante acontecendo aqui: Wilson não quer frustrar a utopia alheia; ele está em busca de sua própria. E com o The Liberator, ele expôs seu ponto de vista tão claramente que merece, exige, uma resposta coerente que explique todas as implicações do sistema que ele tão brilhantemente explorou. Para uma provocação de design, o tiro acertou em cheio (WALKER apud ANTONELLI; HUNT, 2015, p. 44).68
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FEINSTEIN AK MAG — CARTUCHEIRA DA AK-47 PRODUZIDA POR UMA IMPRESSORA 3D (freerepublic.com)
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Contrariando Eldredge, o projeto da The Liberator, chamou a atenção da comunidade do design e, em 2013, foi adquirido pelo Victoria & Albert Museum, o maior museu de artes decorativas do mundo, situado em Londres. Apelidada pelo curador como “wikiarma”, o projeto imprime em 3D expectativas e críticas acerca de um futuro próximo. A AK-47 também acabou sendo beneficiada e impressa na história da Defense Distributed. Em 2013, o grupo imprimiu com a mesma tecnologia do The Liberator sua icônica cartucheira em forma de banana, ou o cuerno de chivo, para os mais íntimos. Para contrariar mais uma vez, o governo americano decidiu nomear o projeto de Feinstein AK Mag (Cartucheira Feisntein), sobrenome de um senador que defende o controle de armas mais rigoroso. A tecnologia dos armamentos estende-se em contrassensos. Apresentamos a seguir as contradições e a relação do design das munições e a preocupação das suas consequências para o meio ambiente.
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M855A1 — BALA VERDE (designandviolence.moma.org)
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BALAS VERDES O M855A1 – green bullet (ou “bala verde”, na sua tradução livre para o português) – é um tipo de munição militar para rifles, desenvolvido como o sucessor do modelo M855. O cartucho foi projetado ao longo de um período de cinco anos pela Equipe de Produto do Exército norte-americano no Arsenal de Picatinny, Nova Jersey. Em 2010, o Exército dos Estados Unidos adotou o cartucho M855A1 Enhanced Performance (Projétil de Alta Performance) como a sua munição oficial de combate. Durante mais de 20 anos, o modelo anterior, M855, foi a munição utilizada nos rifles M16 e M4, presentes nos grandes combates norte-americanos como no Vietnã, no Afeganistão e no Iraque. O modelo M855A1 foi desenvolvido com o intuito de substituir o seu núcleo de chumbo tradicional por um núcleo de cobre, modelo que finalmente demonstrou melhor desempenho no campo, além de solucionar questões ligadas ao meio ambiente e aos perigos ambientais. Quando o Exército menciona ‘perigos ambientais’ ele diz respeito ao desperdício de material e não sobre a ‘letalidade’ de projéteis. As balas devem ainda ‘neutralizar’ o inimigo, mas sua fabricação e disposição não devem prejudicar o resto de nós (incluindo as tropas) através de compostos orgânicos voláteis (COVs), substâncias que destroem o ozônio e metais pesados (GBR1, 2014).
O projeto da bala verde foi desenvolvido como parte de um programa político norte-americano para produzir munições sem chumbo. A nova bala destinada aos rifles tradicionais dos militares dos EUA desencadeou críticas e indignação da comunidade americana, que ridicularizou a nova munição como parte da “onda verde” do mercado e um tanto quanto desnecessária num momento em que as tropas estavam sofrendo em combates pelo mundo. A curiosidade é que o que foi visto como um projeto eco-friendly ou “ambientalmente amigável” tornou-se um marco de redesign militar de armas de pequeno porte. O Exército americano acabou sendo obrigado a refletir sobre a remoção do chumbo de sua munição para reduzir as grandes quantidades do metal que se acumulam no solo em áreas de treinamento militar nos Estados Unidos.
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Segundo especialistas, seja por regulamentos estaduais, seja por regulamentos federais, seja pelo apelo do mercado, as balas de chumbo serão praticamente eliminadas dentro de poucos anos em favor das “balas verdes”. Enquanto muitos acreditam ser favorável para o meio ambiente (como, por exemplo, a contaminação do chumbo no solo e das águas subterrâneas em áreas de treinamento), outros dizem que as balas de cobre custarão mais caro aos caçadores e aos esportistas. Para Phil Clark, gerente de produto de munições de pequeno calibre do Programa Oficial de Munição, “isso torna o projétil ambientalmente amigável e ainda dá aos soldados a precisão e desempenho que eles necessitam nos campos de batalha. Até agora, eliminamos 1.994 toneladas de chumbo da produção” (DAILY CALLER, 2013). O cartucho M855A1 conquistou elogios por ter em seu redesign padrões de desempenho aprimorados: melhor penetração no alvo, mais consistência contra alvos suaves e melhoria no alcance. O redesign da M855 para a M855A1 promoveu melhoras significativas sobre o modelo anterior, utilizado durante mais de 20 anos nos combates norte-americanos, durante os séculos XX e XXI. O projeto manteve o mesmo comprimento, peso e formato do modelo M855 que ele substitui, ainda que sua munição seja cerca de três milímetros maior. Dessa forma, o cartucho se encaixa em qualquer arma que utilize a munição M855, incluindo os rifles tradicionais americanos, o M16 e o M4. A bala verde possui uma ponteira de aço maior e mais aguda em sua extremidade. Em um comparativo, ambos possuem um revestimento de cobre, mas no M855A1 ele é invertido, cobrindo a base do núcleo do projétil. Uma munição convencional utiliza chumbo, metal que pode ter muitos efeitos adversos para a saúde humana e a vida selvagem por exposição direta ou indireta. Críticos afirmam que, além de o chumbo contaminar o abastecimento de água, do solo e da cadeia alimentar, as pessoas que manipulam munições têm níveis elevados de chumbo no sangue. Envenenamento por chumbo prejudica órgãos e tecidos e pode resultar em danos cerebrais. Pelo olhar do design, projetar uma munição com menor impacto ambiental revela aplicações e complexidades surpreendentes para a disciplina, uma vez que apresenta um paradoxo aparente na preocupação com a sustentabilidade em um artefato percebido por muitos como letal e causador de mortes. Salvar o ambiente ao passo de não salvar a nossa espécie?
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No entanto, tornam-se de grande relevância o estudo e a investigação de possibilidade de substituição do metal nas munições, visto que as implicações morais se misturam com as grandes preocupações ambientais que envolvem qualquer construção de um artefato de design. O objetivo aqui proposto é exercitar a mente e abrir território para um diálogo crítico dentro de nossa disciplina. Ver também é um exercício de saber ver. Os caminhos são muitos e podem suscitar interpretações ardilosas. Como já apontados, as aparências enganam. Nossas bases teóricas anseiam pelo próximo disparo. Recorremos a Belo (2016) para reafirmar e sintetizar pensamentos: Ainda que tomemos os artefatos entre as pontas dos nossos dedos, na palma da mão ou sob nossos pés, nunca os entenderemos desvinculados dos nossos olhos e pensamento. O indivíduo vai descobrindo, comparando com aquilo que já sabe e inclusive com o que não sabe e ao sabor dos acasos. A aventura intelectual que o projeto de design comunica proporciona, nos dizeres de Rancière, ‘a emancipação: o embaralhamento da fronteira entre os que agem e os que olham, entre os indivíduos e membros de um corpo coletivo’. A curiosidade deve resistir bravamente aos imperativos da vida cotidiana. Um dos caminhos – e, por isso, convocamos a refletir sobre o tema – passa pelo design gráfico. Sigamos por ele, tratando das astúcias projetuais aplicadas pelo designer gráfico para alcançar tal intento (BELO, 2016, p. 118).
Por meio da análise do projeto de branding da AK-47, exploramos o seu valor sociocultural e simbólico. Nessa construção, o design é inserido como mediador entre a cultura, os artefatos e os indivíduos. Embasados nos discursos apresentados, poderíamos revelar a capacidade de a AK-47 carregar a paz? Os paradoxos não se encerram por aqui. Para o momento, esperamos que os disparos que se seguem sejam memoráveis. Talvez tão inesquecíveis como apertar o gatilho pela primeira vez.
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CRIANÇA NA PARADA MILITAR — FERIADO VICTORIA DAY, RÚSSIA (kalashnikov.com)
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BRIEFING A multiplicidade de histórias e contrassensos que cercam a AK-47 projeta múltiplos caminhos para dialogar com a nossa empiria. O objetivo aqui é remontar, ou pelo menos apresentar, os acontecimentos por trás de um artefato que, certamente, remodelou o mundo moderno. Contemplamos, com olhar clínico, a vida da AK-47. A sua superabundância e onipresença nos convidam a entrar em um infindo universo de práticas sociais, culturais e políticas em seu nome. Para atingir os objetivos investigativos da pesquisa, frisamos aqui a importância da identificação do repertório em torno do nosso universo temático da pesquisa como visto no capítulo anterior. A análise e o embasamento prévio nos proporcionam caminhos possíveis para estudar as relações entre o design e o nosso objeto empírico. A terceira parte de nosso projeto assim se apresenta. Enfim, declaramos aqui a cultura Kalashnikov ou, se ousamos salientar, a “Era Kalashnikov”: uma justa amostra da relação complexo-simbólica entre o artefato e o homem. Em uso e ainda em voga. Eis o que segue. Ao estourar em 2013, a crise da Ucrânia acentuou uma disputa entre antigos rivais. Desde a Guerra Fria, as sanções impostas pelos Estados Unidos à Rússia não eram tão intensas. Como parte do
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conflito, o país russo fora ameaçado pelos americanos de um “isolamento internacional”, caso liberasse a Crimeia de se firmar como parte da Rússia. Consequentemente, por um lado as imposições transformaram a economia russa em um cenário de incertezas, no qual o fornecimento de seu maior produto de exportação (as armas) foi severamente interrompido para os americanos. Simplesmente por curiosidade, por mais que as armas russas signifiquem apenas uma pequena parcela no mercado americano, há um ano antes das limitações, os Estados Unidos representavam quase a metade do total de vendas da empresa russa (KRAMER, 2016). Vistas por outra perspectiva, as sanções tornaram-se também um fator essencial para impulsionar o mercado russo a ir à procura de novas amizades, de novos aliados. É sabido: mares calmos não formam bons marinheiros. O cenário impunha mudanças. Todavia, sem acesso aos bons compradores americanos — aclamados pela sua atração fatal por amas — e as crescentes divergências políticas entre os países, a Kalashnikov, conquanto instituição, compreendeu que aquele momento era o disparo inicial para olhar estrategicamente para o seu negócio. No mesmo período, A Izhmash (empresa por trás da produção das AKs e suas linhas derivadas), controlada pela empresa estatal Rostec, acabou tendo 49% de suas ações vendidas para dois empresários russos, tornando-a em uma inédita parceria público-privada no país. A reestruturação empresarial, financeira e política da empresa apontava a próxima fase de transformação: o desenvolvimento de uma marca corporativa que pudesse evidenciar as mudanças, o novo posicionamento e a estratégia. A empresa buscava, além da sobrevivência em um mercado impositivo e restrito, mostrar uma nova fase e deixar claro que as coisas por ali estavam se transformando. Para impactar o cenário global, expandir as fronteiras de comércio em outros países e declarar que novos investimentos tecnológicos de seus produtos estavam prestes a acontecer, o branding transformou-se em elemento primordial. Não podemos negar, designers ovacionam e desejam clientes que corroboram com a ideia de Vasily Brovko, diretor do Departamento de Comunicação da Rostec: Uma marca de qualidade beneficia seus produtos e é um fator de competitividade no mercado mundial. A empresa de armas tem um enorme potencial para seu progresso. Para implementar a estratégia de expansão além das fronteiras, uma marca forte e reconhecível é necessária e indispensável (ROSTEC, 2014).69
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O diretor-geral da Kalashnikov, Aleksey Krivoruchko, complementa o raciocínio acima afirmando que uma marca é o primeiro passo para qualquer estratégia da empresa que busca o sucesso internacional e uma expansão agressiva em mercados internacionais. Um dos objetivos do design da marca é reafirmar a reputação lendária da Kalashnikov e da Rússia como o principal fornecedor de armas no mundo (ROSTEC, 2014). Sem falsa modéstia, a sua ambição é tornar a marca tão conhecida quanto a da Apple. A comparação entre elas pode não estar tão distante; afinal, ambas disseminaram seus produtos por todos os cantos do planeta. Em meados de 2014, a Kalashnikov abriu uma concorrência aberta para selecionar a empresa que faria o trabalho de branding e de reposicionamento da marca nos mercados nacional e internacional. A Apostle, já reconhecida na Rússia pelos projetos realizados para a estatal Rostec (e o redesign da marca da Rostec em si), foi a escolhida. Meses depois, ela acordou o mundo para revelar o seu projeto. Um novo olhar, um novo sentido. Uma mistura provocativa e paradoxal, e claro, de design.
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APRESENTAÇÃO DA NOVA IDENTIDADE DA KALASHNIKOV EM SUAS CARTUCHEIRAS (creativereview.co.uk)
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RIFLE SV-98 (kalashnikov.com)
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MATERIAL PROMOCIONAL DA KALASHNIKOV (rostec.ru)
TIPOGRAFIA DE APOIO (kalashnikov.com)
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PALETA CROMÁTICA DA KALASHNIKOV (kalashnikov.com)
PICTOGRAMAS DA KALASHNIKOV (kalashnikov.com)
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WEBSITE DO CONSÓRCIO KALASHNIKOV (kalashnikov.com)
SOUVENIRS (kalashnikov.com)
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.163 MOCHILA KALASHNIKOV (kalashnikov.com)
SACOLA KALASHNIKOV (kalashnikov.com)
CAMISETA KALASHNIKOV (kalashnikov.com)
GUARDA CHUVA KALASHNIKOV (kalashnikov.com)
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ESTANDE PROMOCIONAL DA KALASHNIKOV NA PARADA MILITAR — FERIADO VICTORIA DAY, RÚSSIA (kalashnikov.com)
ESTANDE PROMOCIONAL DA KALASHNIKOV NA PARADA MILITAR — FERIADO VICTORIA DAY, RÚSSIA (kalashnikov.com)
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ESTANDE PROMOCIONAL DA KALASHNIKOV NA PARADA MILITAR — FERIADO VICTORIA DAY, RÚSSIA (kalashnikov.com)
ESTANDE PROMOCIONAL DA KALASHNIKOV NA PARADA MILITAR — FERIADO VICTORIA DAY, RÚSSIA (kalashnikov.com)
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IDENTIDADE VISUAL DA KALASHNIKOV (kalashnikov.com)
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AO PÉ DA LETRA Não apenas de discurso vive uma marca. Confiamos ao design também todos os aspectos visuais e mnemônicos de uma instituição ou produto. Apresentamos a forma com a qual a Kalashnikov busca perpetuar as suas ideias por meio de símbolos e imagens. Como parte ambiciosa do projeto, nada o impede de seduzir perigosamente também os próprios inimigos. Ponderamos aqui novamente, em nível teórico, a necessidade de um reconhecimento visual de uma instituição para o seu público. Como objetivo de um plano maior, ela precisa ser lembrada para ser escolhida. Ela precisa ser identificada. Para o design, a resposta seria a identidade visual. O designer, ao manipular símbolos gráficos, projeta mensagens, ideias e sentimentos que desejam ser expressados. A humanidade sempre usou símbolos para expressar intensamente a individualidade, o orgulho, a fidelidade, e a propriedade. O poder dos símbolos continua fugaz e misterioso – uma simples forma pode engatilhar instantaneamente a lembrança e despertar emoções, seja ela estampada em uma bandeira, lapidada em uma placa de pedra ou exibida no visor de seu celular (WHEELER, 2008, p. 10).
Porventura, a identidade visual da Kalashnikov pode ser compreendida na mesma velocidade que a própria arma pode ser desmontada e montada novamente. Há algo de novo, mas também algo de familiar. Ao pé da letra, aqui está o tiro certeiro: a identidade visual é uma espécie de monograma — um símbolo construído a partir de um caractere isolado (WHEELER, 2008). A letra “K” de Kalash é projetada com base em uma perspectiva visual da arma. Explicamos: virada na vertical para cima (ou de pé), o desenho inconfundível de seu carregador curvado formaliza a presença da letra inicial de seu nome. A forma da arma se releva e explicita uma relação, quase que vulgar, entre a AK-47 e a letra “K”. A ciência da percepção investiga como os indivíduos reconhecem e interpretam os estímulos sensoriais. O cérebro reconhece e memoriza primeiramente as formas. As imagens visuais podem ser lembradas e reconhecidas de forma direta, enquanto o significado das palavras tem que ser decodificado. A leitura não é necessária para identificar formas, porém a identificação
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de formas é necessária para a leitura. O cérebro reconhece formas distintas que fazem uma impressão mais rápida na memória (WHEELER, 2008, p. 17).
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A identidade visual também é composta de um logotipo, que assina o nome da marca abaixo do monograma. Como um projeto forjado de patriotismo, a coerência da escolha das cores não nos deixa enganar: o monograma é composto de um vermelho pujante, prontamente remetendo a uma das cores da bandeira russa, o nome do seu Exército na era da União Soviética e símbolo de vitalidade para muitas culturas ao redor do mundo. Pictogramas e tipografia de apoio também foram desenhados exclusivamente dando consistência e linguagem à comunicação da marca. No seu site institucional, é possível perceber como todos os elementos funcionam em conjunto e harmonia. Em um clique, pode-se também adquirir uma série de parafernálias e souvenirs da marca no e-commerce: blusas, sacolas, garrafas de água, isqueiro e cases para Iphone. Se ela quer ser reconhecida tanto quanto a Apple, nada mais propício do que estar até mesmo atrelado a ela. Caso o público não deseje comprar os seus produtos virtualmente, o Aeroporto de Moscou já possui também uma loja. A Kalashnikov espera que, antes de se despedir da Rússia e partir para casa, você leve um souvenir do seu produto mais prestigiado em todo o mundo.
МИРА No fim de 2014, o consórcio Kalashnikov estava de cara nova. A empresa apresentou uma estruturação de arquitetura de marca e naming, de acordo com os setores atuantes da empresa e suas frentes distintas de atuação. Explicamos: o segmento de pequenas armas engloba uma série de consumidores específicos. Existe a tradição e particularidades da linha de produtos voltados para o tiro de caça, assim como para o esporte, para os praticantes e os atletas de biatlo. Citamos também a existência do setor militar e de defesa pessoal, no qual a AK-47 está inserida. Salientamos aqui o curioso fato (um tanto quanto mordaz) do próprio vocábulo cunhado para o segmento: defesa pessoal. O léxico se aproxima e se emaranha em nosso pensamento: defesa, proteção, resistência, liberdade e paz.
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Para cada objetivo comercial, uma marca distinta que se posiciona livremente das outras. Os produtos de caça foram inseridos na Baikal, nome em homenagem a um importante lago na Rússia. As armas esportivas foram cunhadas como Izhmash (nome da antiga fábrica) e por último a Kalashnikov, direcionada ao setor militar e de autodefesa. Finalmente, a marca corporativa que se posiciona acima das demais: a Kalashnikov Concern (Consórcio Kalashnikov). Ela abraça suas submarcas e incorpora os novos investimentos tecnológicos do grupo, como drones, barcos e aviões. O branding da Kalashnikov invoca um novo olhar sob a AK-47, um antagonismo, por vias atraentes, no qual matar se opõe a sobreviver, e a guerra converge-se na busca da liberdade e da paz. Ostensivamente emocional, o discurso da marca é expresso em inglês como Protecting Peace (ou Protegendo a Paz, em português). Pontuamos ainda que a expressão possui um trocadilho entre as línguas russa e inglesa. A versão russa é apresentada como ОРУЖИЕ МИРА (ОРУЖИЕ para “armas” e МИРА para “mundo”). A palavra МИРА, quando traduzida para o inglês, tenciona ao mesmo tempo duas palavras: mundo e paz. O trocadilho desperta pensamentos. Em entrevista concedida exclusivamente à presente pesquisa, o russo Grigor Badalyan, diretor criativo da Apostle e responsável pelo projeto da marca, avalia com convicção: Se falarmos em armas do mundo, não estaríamos enganados, pois a Kalashnikov é a mais difundida, a mais popular. Já МИРА como paz carrega a ideia de que ela proporciona as pessoas o poder de reivindicar seu direito de viver em paz. Empregada de uma maneira agressiva, possivelmente ele enfatizaria ОРУЖИЕ ПРАВОСУДИЯ, ou armas da justiça (BADALYAN, 2017)
Assim como a AK, o paradoxo discursivo é lançado com veemência. Sustentados por Patrick Borgoyne, da Creative Review, impomos um pouco de reflexão: “É uma máquina de matar que, sem dúvida, trouxe a liberdade para milhões. Ela (ou pelo menos aqueles que a utilizaram) causou um sofrimento incalculável e agora se pode argumentar que desempenhou um papel superior naproteção dos indefesos do que qualquer outro produto” (BURGOYNE, 2014).70 Como avaliar, perante a nossa disciplina, as constatações do branding, valendo-se de um artefato que interfere diretamente na própria exis-
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tência do ser humano, nas relações de poder e na disputa entre grupos divergentes? Recapitulamos aqui as ambições de nossa pesquisa. De que forma interpretamos ou percebemos a AK-47, sua proposição de valor e significado, mediante o seu discurso de marca? Estaríamos propensos a relutar ao máximo diante da aridez do artefato que se apresenta ou do design apresentado? A ontologia revive e aponta a nobreza e a generosidade de Flusser – haveremos então de falar sobre as pombinhas da paz? Propomos aqui, de forma enérgica e corajosa, a aposta em um pensamento crítico acerca da produção de nossa disciplina. Imbuir nossa cabeça de reflexão até certo e desconcertante desencontro de verdades. Assim sendo, se ela não é pura, única e restrita, averiguamos o seu contexto. Reconhecer a complexidade da proposta já é vantagem. Apoiados em Cardoso (2012), afirmamos que “o grande inimigo é sempre a ignorância, e as ideias preconcebidas que derivam da falta de exercício do pensamento” (CARDOSO, 2012, p. 43). Pensemos também o cerne de nosso ofício, nossa prática projetual. A cultura pós-industrial desperta o nosso apetite na medida em que crescemos em números no planeta – é de certo o encontro da fome com a vontade de comer. Diante desse contexto (ou do banquete, se ousamos salientar), buscamos Tony Fry (2009, p. 26) ao nos deparamos com um contrassenso: a humanidade depende daquilo que a ameaça. Segundo o autor, dessa maneira, a forma possível para a sobrevivência está ligada na reconstrução da própria cultura industrial pelo design. Mas como isso poderia acontecer? O autor sugere a ontologia em poucas palavras: isso se fará com “o design, à medida que o próprio design seja redesenhado”. Para Fry, o poder do design, sua importância e o impacto ao longo da História da humanidade (passado, presente e futuro) não foram ainda totalmente alcançados e, tão pouco, explicitados: Um vasto abismo pode ser vislumbrado, por exemplo, entre o modesto volume de literatura crítica sobre o assunto e o enorme impacto do design (corporificação que é de pensamento e de prática econômica) como designação de forma material e prefiguração de rumos – coisas que convergem para gerar um impacto acumulado e profundo na vida do homem e de tudo o mais no planeta Terra (FRY, 2009, p. 26).
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O autor define o termo “design” como uma imposição antropocêntrica de direção. A disciplina precisa de conhecimento para direcionar e entender que as necessidades do homem e os interesses das outras modalidades de vida devem estar em equilíbrio e em uma relação formal. Ainda ressalta que: O design vem antes daquilo que se faz e prossegue depois que termina. A implicação é que a atuação do design envolve não apenas quem desenha, mas também quem é desenhado. [...] O design jamais começa do zero, pois tem de nascer com um objeto desenhado já existente e provir de um ambiente determinado (FRY, 2009, p. 26). .171
A visão cíclica apresentada por Fry implica uma percepção de que todos deverão saber que tudo o que fazemos, consumimos e usamos (seja individual, seja coletivamente) tem consequência direcional. Trata-se, então, do modo como nós nos colocamos diante das nossas opções e como configuramos o futuro. O design é um aspecto da função mental que define a presença do pensar nas consequências do pensamento prefigurativo. De modo semelhante, o design – ao longo de toda a prática material e imaterial – é o direcionamento do processo e da forma, tanto quanto o produto direcional. Se o design se tornou uma prática profissional graças ao advento da cultura industrial, mais fundamentalmente, como elemento do espírito, ele é e sempre foi uma das designações do humano (FRY, 2009, p. 144).
Para Fry, deveremos agir, não apenas de maneira projetual, mas processual e técnica a favor de um bem maior. Pensamos, agimos. Talvez o que precisemos perguntar, à sombra da crise de nossos rumos equívocos, porquanto neles é que fomos educados e socializados, seja: que aprendemos, que sabemos, quais valores privilegiamos no momento e quais pomos de parte? Não serão essas perguntas mais apropriadas para a nossa época? (FRY, 2009, p. 46).
Apontamos aqui que, para onde vamos, sempre suscitará também a pergunta: de onde viemos? “Diga-se logo, ao começo que os modos pelos
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quais a cultura industrial e pós-industrial veio a lume, ‘desenvolvendo-se’, modificaram e continuarão modificando a forma como o significado cultural e econômico do passado, presente e futuro deve ser compreendido” (FRY, 2009, p. 113). Expomos aqui um possível caminho para tentar entender o mundo contemporâneo e o “fazer design” de Tony Fry. Sob uma ótica pessimista apresentada pelo filósofo Gilles Lipovetsky, o mundo, caótico e exacerbado, produz, em passos acelerados, um universo hiperindividualista e hiperconsumista. Ele entende que os exageros individuais, da democracia e do mercado, são incontornáveis, e nos projetam de maneira antagônica, ora para o bem, ora para o mal. Mediante uma sociedade contestada e fragilizada, o mundo “hiperbolizado” transforma a esfera econômica e individual, na qual o consumo de informação desenfreado dá autonomia e, ao mesmo tempo, fragilidade ao indivíduo. “Esta insegurança pessoal se difunde no coletivo. A individualização do modo de vida, a perda do poder da política e a globalização convergem para causar esse estado de insegurança” (LIPOVETSKY apud PINTO, 2017). O resultado desse processo também é paradoxal. Mesmo com a crescente evolução da tecnologia, da ciência e das práticas políticas democráticas, vemo-nos cada vez mais em um cenário delicado, inquieto e inconformado. Os conflitos tornaram-se incontáveis e estamos “habitualmente” em estado de alerta. Sob a ótica apontada por Lipovetsky, canalizamos possíveis conexões entre o mundo apresentando por ele, o branding e a propagação de ideologias. Na era do vazio, a inquietação e a fragilidade do indivíduo podem soar como um convite para apropriações; um verdadeiro alimento social para os discursos das marcas que objetivam, no seu íntimo, criar uma conexão identitária capaz de sustentar o indivíduo e propor-lhe ação. Nas circunstâncias investigativas aqui propostas, o branding estaria em sua proposta emocional para uma arma (que promove o empoderamento e a proteção do indivíduo em busca de paz), apropriando-se das fragilidades mundanas e, similarmente, auxiliando (ao menos) na promoção de sua autonomia e emancipação em tempos de não paz. Como deveríamos nos colocar diante dos discursos das marcas, dos estímulos incitados pelo branding no contexto atual? Estaria essa ferramenta se transvestindo em uma tentativa de definir, interpretar e explicar tudo e todo o mundo nos próprios termos? Heller aponta que esses processos,
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para o bem ou para o mal, podem demandar artimanhas e falácia (HELLER, 2010). Além do mais, trata também o branding como uma ferramenta que não se relaciona com a consciência ou a moralidade. Ele trabalha ora para um, ora para outro. Às vezes, para ambos em conjunto. Pressionamos as forças antagônicas. Seus contextos também articulam e se apropriam de uma fórmula que não nos parece conter uma verdade absoluta. Ela existe? Não falhemos a memória. Flusser pondera a nobreza e a elegância do design: bondoso inconveniente ou maldoso conveniente? Para o filósofo, o projeto da pomba da paz nada diz a respeito de nosso ofício. Nesse caso, para projetar, interpretar e apreender além das aparências, serão necessários juízos e valores previamente enraizados, convenções. .173
‘As aparências enganam’ é um ótimo dito popular. Só não revela onde se esconde a verdade. Podemos argumentar que a verdade não existe. Melhor do que isso, interpretamos a verdade como algo cambiante, tomando consciência de que existem camadas de significação abaixo da superfície visível que nos revela um contexto cultural, comunica valores e conceitos, uma dimensão imaterial, de informação. Enquanto as aparências realmente podem enganar, o design gráfico revela intenções que estão submetidas à dinâmica cultural (BELO, 2016, p. 60-61).
Neste caso, como questionar o papel do designer, criador de um discurso que permeia questões — não só do funcionamento de consumo, mas do funcionamento de ideologias — sobre as possibilidades de significação na construção de uma identidade? Aqui, o designer é mediador, uma espécie de tradutor e facilitador de relações simbólicas entre indivíduo – artefato – identidade. Como apontado, a transitoriedade dos significados condiciona e permite que o sentido da coisa (e mesmo a sua identidade) não se mantenha fixa, contida em uma só perspectiva. Ela, ou em nosso caso, a AK-47, será avaliada e apreendida de maneiras distintas, todas elas ligadas à experiência, às condições socioculturais de um determinado contexto. Como discutido anteriormente, um artefato pode se comportar de maneiras distintas ao longo de sua vida, e muitas vezes, de forma paradoxal. “Mesmo para quem só tem conhecimento direto de um artefato, sem mediação (se é que isso ainda é possível), a experiência do objeto é sempre delimitada por costumes e convenções” (CARDOSO, 2012, p. 60).
Victor Margolin (2014) trata também a experiência dos objetos e o trânsito de significações no ensaio A experiência com os produtos. O autor desenvolve um raciocínio atrelado à proposta de uma reforma educacional do filósofo pragmatista americano John Dewey. Para o filósofo, as escolas deveriam ser capazes de envolver as experiências prévias da vida dos alunos na sala de aula e como elas influenciam no ambiente de ensino. Segundo ele, uma experiência sempre será o resultado de uma interação entre o indivíduo e algo que, naquele momento, faz parte de seu ambiente.
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Em uma palavra, do nascimento até a morte vivemos em um mundo de pessoas e objetos que, em grande parte, é o que é graças ao que foi feito e transmitido por atividades humanas anteriores. Quando esse fato é ignorado, a experiência é tratada como se fosse algo exclusivamente no interior do corpo e da mente do indivíduo (DEWEY apud MARGOLIN, 2014, p. 58). A experiência existe na consciência do indivíduo em consequência de sua interação com o produto. Dessa forma, dois indivíduos não terão uma experiência idêntica. Cada pessoa trará diferentes condições internas para uma situação de utilização e com isso atribuirá a sua interação com o produto um significado que pertence apenas a si mesma (MARGOLIN, 2014, p. 62). O ambiente, em outras palavras, são todas as condições que interagem com as necessidades, os desejos, os propósitos e as capacidades pessoais para criar a experiência que se tem. [...] Cada experiência tanto assume algo das que aconteceram antes como modifica de algum modo a qualidade das que virão depois (MARGOLIN, 2014, p. 58).
Para Dewey, o ambiente onde ocorrem os experimentos e, consequentemente, as experiências é descrito por Margolin como “entorno do produto”, conceito que expomos a seguir: Cunhei o termo entorno do produto para caracterizar o agregado de produtos materiais e imateriais, incluindo objetos, imagens, sistemas e serviços, que preenchem o mundo vivido. Esse entorno é vasto e difuso, mais fluido que fixo. Está sempre presente física e psiquicamente e consiste em todos os recursos que os indivíduos utilizam a fim de viver as suas vidas. Cada um dos
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produtos no mundo vivido tem a própria história. Suas vidas cobrem diferentes durações, já que as transformações no entorno ocorrem em ritmos variáveis em diferentes campos de produtos (MARGOLIN, 2014, p. 63).
Para exemplificar os conceitos aqui expostos, recorreremos ao artigo A View from the Porch (2016), no qual o designer de ambientes Avi Friedman afirma como os padrões sociais estão alterando o design de nossa casa e a maneira como vivemos nela. De acordo com o autor, o telefone foi o primeiro aparelho que inaugurou a comunicação dentro de casa e alterou a vida no interior dela. Como esse artefato poderia, além de sua inovação tecnológica, modificar o significado de “estar em casa”? Após a sua invenção em 1876, a interação humana transformou-se da noite para o dia, uma vez que alcançar alguém instantaneamente para uma comunicação ao vivo fazia-se possível. Quando introduzido pela primeira vez, o telefone foi colocado no corredor, na sala de estar, ou perto da porta de entrada. Em razão de sua utilização esporádica, ele foi confinado dentro de uma cabine. Apenas anos mais tarde, ele estaria pendurado na parede e, mais tarde ainda, isolado. Tendo em vista sua “participação” dentro do lar, seu toque começou a perturbar a rotina da família, já que estavam todos interessados em saber quem estava ligando, para quem e qual era o assunto. Com o passar dos anos, tal aparelho também começou a mesclar a vida privada das pessoas com a vida profissional. Uma série de ligações era feita tarde da noite para falar sobre trabalho. A introdução do telefone também transformou as ruas residenciais e as varandas da frente das casas. Remontando esses locais como principais ambientes de contato social, a conversa cara a cara tornou-se menos necessária a partir daquele momento e da praticidade de se falar ao telefone com um vizinho do outro lado da rua ou ainda com um conhecido do outro lado da cidade. Décadas seguintes, com os avanços tecnológicos e o barateamento dos serviços telefônicos, ficou possível a instalação de outras linhas dentro dos quartos, possibilitando os adolescentes a gastar horas de seus dias confinados em longas conversas. Então, em 1950, a instalação de tomadas por toda a casa permitiu que as pessoas falassem ao telefone enquanto cozinhavam, assistiam à TV ou faziam a lição de casa. A transitoriedade do significado do artefato estava, e ainda está, sob movimento. Fechando o raciocínio, Friedman (2015) conclui:
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“Semelhante ao ocorrido com o telefone – que gerou, ao mesmo tempo, vantagens e perdas para a sociedade –, a introdução de computadores trouxe a mesma ambivalência. Apenas alguns anos após a sua introdução, ele causou um impacto tremendo no âmbito doméstico” (FRIEDMAN, 2016, p. 51).71 As formas dos artefatos também não possuem significado fixo. Elas são consequências de uma significação – a troca entre o que está embutido em sua materialidade e o que pode ser depreendido por nossa experiência. Os artefatos e as suas formas são passíveis de trânsito. Cardoso (2009) cita o exemplo de um garfo de prata que, entortado e soldado nas pontas, se transforma em uma pulseira e nos induz a refletir sobre os processos de significação. Mesmo não deixando de ser percebido como artefato, o garfo já não serve para a sua função original – transportar um alimento até a boca – e nunca mais será percebido como um talher. “Tais transformações e usos híbridos são extremamente reveladores da natureza profunda da relação entre forma e significado” (CARDOSO, 2009, p. 36). Dialogando com as questões propostas e a nossa empiria, exemplificamos aqui o projeto da Escopetarra. O músico colombiano César Lópes desenvolveu, em parceria com o luthier Luis Alberto Paredes, um modelo de guitarra (que realmente toca e funciona como uma) a partir de AK-47s. O que vale aqui, como objetivo do trabalho proposto pelo músico, é transformar um instrumento de morte em um símbolo de mudança. O filósofo Moles, em sua obra sobre o sistema dos objetos (1975), oferece-nos também a proposta de que os objetos, como portadores de signos, são variáveis. Alterando os valores de uma sociedade, alteram-se os signos e, consequentemente, a forma como percebemos os objetos. Podemos, então, entender que, modificando as variáveis, é possível alterar também a percepção que temos dos objetos. Valendo-se de nossa empiria: seria a AK-47, enxergada por muitos como a mais violenta de todos os tempos, capaz de exprimir sensações como a paz? Segundo Cardoso (1998), nenhum objeto possui um monossignificado. Os artefatos que compõem o nosso cenário estão sempre situados em um tempo e em um espaço determinado, ou seja, perdendo sentidos antigos e adquirindo novos à medida que mudam de contexto. Para Rheims apud Cardoso (1998), “no seu estudo curioso do fenômeno de colecionar, os objetos estão sujeitos a toda espécie de dispersão, apropriação e até transmutação, pelo uso e pela posse” (CARDOSO, 1998, p. 33).
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Abriremos um parêntese aqui para criar conexões entre o pensamento exposto por Cardoso e o filósofo alemão Martin Heidegger em sua publicação Que é uma coisa?. Lugar e momento-de-tempo fazem que coisas absolutamente iguais sejam, cada uma delas, esta coisa, quer dizer, coisas diferentes. Mas, na medida em que cada coisa tem o seu lugar, o seu momento-de-tempo e a sua duração próprios, nunca há duas coisas iguais. O caráter ocasional dos lugares e a sua multiplicidade está fundado no tempo. Esta característica fundamental da coisa e esta determinação essencial da coisalidade da coisa, que faz ser esta coisa, na essência do espaço e do tempo (HEIDEGGER, 1987, p. 26). .177
Para Cardoso (2012, p. 91), “a identidade é sempre compósita, construída a partir de muitas partes e possuindo muitas facetas”. Visando cultuar uma arma como artefato que simboliza a busca da paz, abrimos aqui um parêntese para levantar as possibilidades, ou mesmo as limitações, e nos posicionarmos em um determinado espaço-tempo. Permita-nos apropriar de outros olhares. O olhar é também sujeito a transformação no tempo, e aquilo que depreendemos do objeto visto é necessariamente condicionado pelas premissas de quem enxerga e de como se dá a situação do ato de ver. Ou seja, o olhar é uma construção social e cultural, circunscrito pela especificidade histórica do seu contexto (CARDOSO, 2012, p. 37).
Nosso olhar, nossa interpretação, fala sobre convicções. Estas, multifacetadas e antagônicas, são subjetivas para cada indivíduo ou comunidade e, portanto, não são capazes de desvendar os conflitos da sociedade e impor uma verdadeira razão. Não há um único caminho, um todo em comum. O psicanalista Contardo Calligaris, no seu artigo para a Folha de S.Paulo intitulado “O que temos em comum?”, destrincha seus argumentos baseados no vídeo de publicidade Worlds Apart (Mundo Distantes) da cerveja Heineken. Em poucos minutos, seis pessoas, separadamente, falam diante das câmeras sobre suas convicções. Na sequência, são distribuídas em grupos de três casais que possuem radicais opostos. Ou seja, de um lado, um militante ecologista com uma pessoa que se preocupa com as mu-
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danças climáticas. De outro, uma negra feminista ao lado de um machista assumido. Por último, um hétero normativo com uma transgênero. Nesse momento, não sabem ainda que estão ao lado de uma pessoa que pensa completamente diferente dele ou dela. O objetivo proposto para o encontro é que cada casal deveria construir uma bancada. Depois da bancada pronta, sentam-se e assistem aos depoimentos gravados. Ali, descobrem quem realmente são os seus parceiros de trabalho. O resultado? Ou vão embora indignados ou acabam dialogando sobre suas diferenças. “O que temos em comum, acima e apesar de nossas diferenças? E, por consequência, quais são os acordos possíveis? E qual a convivência?” (CALLIGARIS, 2017). Há de existir uma razão compartilhada? Complexo seria identificá-la. Parece-nos uma verdadeira cacofonia de vozes. Ou seja, você levado pela razão, acredita que o bem da humanidade esteja no comunismo futuro. E você, levado pela mesma razão acha que o bem está na obediência à revelação divina. Apesar dessas conclusões opostas, será que nossa faculdade de pensar comum é suficiente para que a gente dialogue, conviva e se respeite? Faz 400 anos que essa pergunta paira no ar. Nessa altura, deveria ser óbvio que a razão compartilhada não nos leva a nada concreto que seja comum (CALLIGARIS, 2017).
Tomamos partido das indagações de Calligaris diante de um mundo fragilizado que trasborda conflitos e guerras. A faculdade do pensar comum (chegar a uma conclusão, construir bancadas sem hostilidade, diálogo e convivência) não parece estar presente aqui, no mundo de nossa existência. Ela nos afigura abstrata e subjetiva. Logo, para a Kalashnikov, a bancada em questão só poderá ser construída quando nivelamos a batalha com a sua arma? Seria a guerra a nossa verdadeira capacidade de resolver as nossas diferenças? De acordo com Calligaris, o diálogo, nossa faculdade de comunicação, não mostra ser capaz de controlar/solucionar o dissenso. “Para que serve então a razão, se ela não nos levou a nenhum consenso viável? E, se o que temos em comum for a razão, o que podemos esperar de nossa convivência?” (CALLIGARIS, 2017). Os apontamentos motivam o recuo perante um projeto de sociedade que (até então) não nos permite chegar a um lugar comum, justamente
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quando devemos pensar em conjunto com os outros. Se não há uma conclusão, possivelmente nos “entenderemos” na guerra. Diga-se de passagem, o ser humano nos leva a crer que esteja mais entusiasmado com essa oferta. Uma pergunta: como os designers podem (e fazem) então para comunicar sobre as armas diante de um cenário que nos parece progredir com a falta de diálogo? Eis a resposta: dê ao ser humano o direito (ou pelo menos a noção dele) de autonomia e independência. Seria possível experienciarmos a trégua ao invés da guerra? Inspirados em Calligaris, produzimos: trataremos a interlocução ou o nosso agir comunicativo como o caminho possível para nos entendermos, garantir a liberdade e o equilíbrio? Se precisamos de armas para alcançar a paz, talvez a nossa “capacidade” comunicativa não seja a condição especial para chegar nela mesma. A “razão comum” é abstrata, subjetiva. Aqui está o desafio: transpor as barreiras das guerras e das divergências em troca de diálogo. Nesse caso, haveria bancadas prontas? Para o psicanalista, o segredo do sucesso é como apresentado pela Heineken: construa a bancada e converse somente depois. Dando continuidade às questões investigativas de nosso projeto, resumimos parafraseando o consagrado escritor português José Saramago: não nos peça razão pois não as temos, ou daremos quantas quiserem. Razões são palavras, palavras criadas na hipocrisia que aprendemos. Apoiados na entrevista com Grigor Badalyan (2017), tomamos a AK-47 sob determinada “razão”: de maneira geral, a comunicação em torno das armas valoriza, em sua essência, a exposição de seus méritos racionais, sua performance, precisão e confiabilidade. Para a Apostle, a AK-47, em um sentindo amplo de comunicação de marca e em um contexto comercial, é a única em seu segmento (relembrando o nosso léxico: defesa pessoal) capaz de imprimir emoções e proclamar valores morais graças ao seu legado simbólico e histórico. Nesse sentido, a sua existência proporcionou, além de uma revolução tecnológica para a época, uma revolução social. Badalyan exemplifica, com base nos processos civilizatórios, na divisão desigual das sociedades. Os nobres, enquanto minorias, dotados de poder aquisitivo e militar, foram sempre capazes de dominar uma comunidade (frequentemente a maioria de uma população), já que eram os únicos que detinham armas. Naquele momento, portar armas significava ter o controle da sociedade. Ela poderia dominar e reprimir de acordo com suas leis.
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Sob essa perspectiva, em conflito, como as guerras coloniais por exemplo, a vitória da minoria frequentemente estava garantida. No entanto, quando surge, a AK-47 promove uma transformação social. O artefato (um projeto de design resiliente, prático e compacto) possibilitou as grandes maiorias (que não dotavam de armas, exército ou treinamento militar) de se armarem para lutar contra seus repressores e reivindicar seus direitos. Nesse sentido, a AK-47 foi destacada como o meio de equilíbrio e nivelamento das batalhas. Para a filosofia da empresa sustentada pelo discurso da marca, a arma foi decisiva a fim de que muitas pessoas ao redor do mundo pudessem clamar por sua liberdade. Na opinião de Badalyan, esse motivo acabou vinculando-a em um símbolo de liberdade e, possivelmente, de paz para muitas pessoas. Seria essa uma explicação para a sua presença em bandeiras (como a de Moçambique, onde está ao lado de uma enxada e de um livro que representa a libertação do país), nas identidades visuais de justiceiros e terroristas e em nomes de meninos no Iêmen? Em uma tribo na África, o poder fetichista a transformou também em talismã. Em algumas comunidades, as cartucheiras da AK-47 são reproduzidas em madeira e usadas nas portas dos lares para que as pessoas se protejam de maus espíritos. Então o que eu realmente estou apontando aqui é que a AK-47 é, claro, sobre matar, não há nada de bom sobre pessoas matando outras. Mas nesse cenário maldoso e ruim, a AK é a única que pode reivindicar uma posição moral mais elevada porque criou um equilíbrio na sociedade. Elas produziram um equilíbrio entre os que sempre foram oprimidos e os seus opressores. Então isso significa igualar as chances. É por isso que esta marca é tão popular em todo o mundo (BADALYAN, 2017).72
De um ponto de vista analítico nu e cru, o branding não tem contraindicação, e seu uso não é (e acreditamos até aqui que nunca será) comedido e imparcial. Seguimos com McCracken (2016): uma marca eficaz precisa compreender o quão importante é gerenciar culturalmente os seus significados na medida em que o mundo nos propõe novas exigências. Sob esse ponto de vista, recapitulamos a posição do discurso da marca em uma análise que, a priori, nunca se absterá de subjetividade: “O resultado disso é que as aparências dos objetos nunca são neutras, mas antes estão carregadas de significados. Toda vez que olhamos para um artefato,
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associamos a ele uma série de valores e juízos ligados à nossa história, individual e coletiva” (CARDOSO, 2012, p. 111). A transitoriedade dos significados (em nosso caso, da AK-47), as convenções e o ponto de vista são partes intrínsecas e primordiais para o branding urgir as reputações devidas, cada caso, um caso. Dessa maneira, a abordagem alcançada pelo projeto (apoiado em sua construção sociocultural) trouxe à tona um novo olhar, uma nova experiência de interpretação e a capacidade de a AK-47 carregar, simbolicamente, a paz. A rigor, em termos lógicos, qualquer ponto de vista é igualmente plausível e importante para a compreensão do artefato. [...] O fato é que elegemos perspectivas melhores ou piores, corretas ou erradas, e formamos uma hierarquia de modos de ver. Essas hierarquias são constituídas culturalmente, ao longo dos anos (CARDOSO, 2012, p. 67).
Não só enxergamos como também interagimos com os artefatos. Vale lembrar aqui a asa da xícara de George Simmel e do elemento mágico de nossa empiria, o gatilho, abordados no início desta dissertação. As potencialidades de um artefato estão intrinsecamente ligadas à forma que nos dispomos a eles, as quais acessamos e exercitamos a relação. Convenhamos que o discurso e os significados que eles podem carregar também. O gatilho se expressa metaforicamente como convite para revelar a potencialidade de uma arma, e o disparo pode ser fatal. No panorama uso x posse de uma arma, poderíamos falar de funções? Simbolicamente, estaríamos traçando caminhos completamente distintos ao tratarmos de sua função de uso e a sua função de posse. Para Cardoso (2012), seria mais inteligente ou, melhor ainda, falarmos de “usos”. ’Uso’ é uma palavra que abrange as noções interligadas de operacionalidade, funcionamento e aproveitamento. Nesse sentido, aproxima-se da palavra ‘função’, comumente empregada por um artefato nas relações sociais. Contudo, a palavra ‘uso’ é mais adequada, porque não pressupõe que um artefato qualquer tenha uma única vocação, como é frequentemente o caso quando se fala em ‘função’ (CARDOSO, 2012, p. 63).
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Concluímos: seria equívoco impor uma única função ao artefato. Corroboramos com a possibilidade de que a posse da arma seja um de seus usos possíveis.
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Permeia a cultura do design ditames funcionalistas como: ’uma cadeira é para sentar’. E quando não o é? E quando uso a cadeira para empilhar livros no assento ou pendurar roupas no encosto? Será que estou violando sua função? E quando os garçons do bar, impacientes com os últimos boêmios, que continuam firmes e fortes às três horas da manhã, colocam as cadeiras viradas de cabeça para baixo sobre as mesas? Nesse momento a cadeira não é para sentar: ela é um signo comunicando que está na hora de ir embora, antes de ser expulso. Seria mais exato afirmar que as cadeiras são para sentar, de modo geral, mas que elas podem servir para muitos outros propósitos e que, em alguns casos, sentar-se sobre elas é a possibilidade menos importante ou interessante (CARDOSO, 2012, p. 123).
Tomemos a nossa empiria e a maneira simbólica da arma de “carregar” a paz. A partir disso, lidamos com o argumento de que, mesmo não fazendo o uso “principal” do artefato (digamos, aqui, o de atirar), estaríamos fazendo uso de uma arma. Sustentados em Belo (2016), poderíamos também nos referenciar ao filósofo Umberto Eco e ao conceito de destinações comunicacionais. Conforme Eco (1991) os artefatos permitem e promovem a execução de funções. Para além disso, são capazes de comunicar a função a ser executada e servir de baliza sociocultural para aquele que dele faz usos, podendo ainda comunicar até mesmo sem ser utilizado. Entendemos por uso justamente o significado exato e convencionalmente denotado pela sua função. Existem outros usos – ’destinações comunicacionais’ –, os quais Eco (1991) denomina conotativos, pois assumem em um projeto a função simbólica (BELO, 2016, p. 45).
De acordo com Belo (2016), as funções denotativas, sendo elas comuns, literais e imediatas, também podem variar. Já as funções empregadas como conotativas (sujeitas a interpretações, associações e contexto) estarão sempre propensas à contingência.
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Dentro dessa perspectiva, portanto, a qualificação de ‘função’ passa a abarcar todas as destinações comunicacionais de um objeto, visto que na vida associada às conotações ‘simbólicas’ do objeto útil não são menos ‘úteis’ do que suas denotações ‘funcionais’. E fique claro que entendemos as conotações simbólicas como funcionais não só no sentido metafórico, mas enquanto comunicam uma utilizabilidade social do objeto que não se identifica imediatamente com a ‘função’ no sentido estrito (ECO apud BELO, 2016, p. 47).
A abertura para a interpretação acerca do uso de um artefato é vasta, difusa e incontrolável. A arma pode passar toda a sua “vida” dentro de um cofre (como demanda a lei brasileira) e proporcionar ao seu portador segurança contra o perigo iminente. As armas bordadas e gravadas com buril, por exemplo, podem ser usadas, adornar e decorar as paredes da casa de um colecionador. Ao mesmo tempo, é permitido que ela seja carregada com o intuito de mudar drasticamente o significado de poder, revelando quem está com a vantagem e o controle sobre outrem.
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FRAME DO FILME JOHNNY MAD DOG (youtube.com)
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VOX POPULI, VOX DEI O designer Michael Bierut (2017) aponta: Há um princípio de marketing bem conhecido que é muitas vezes creditado à lenda do designer secular, Raymond Loewy. Ele sentia que as pessoas eram governadas por dois impulsos concorrentes: uma atração pela excitação de coisas novas e um anseio pelo conforto proporcionado pelo que já conhecemos. Em resposta, Loewy tinha desenvolvido uma fórmula confiável. Se algo era familiar, faça-o surpreendente. Se algo for surpreendente, torne-o familiar (BIERUT, 2017).73 .185
Nossa empiria parece ter sua inspiração nos princípios de Loewy. A familiaridade da AK-47 e seu reconhecimento mundial apontou um caminho surpreendente, um novo diálogo entre o mundo, o artefato e a instituição que está por trás. No entanto, isso não nos afigura como uma tarefa fácil para o design. Transformamos uma imagem, universalmente disseminada, em algo substancialmente novo, atraente e, ao mesmo tempo, convincente. Pensamos o oposto. Transformamos também algo surpreendente em algo puramente familiar. Sob esse ponto de vista, o discurso de promoção de paz e direito de liberdade estaria imbuído de familiaridade para outrem. Exemplificamos aqui, de maneira livre e curiosa, o relato de Grigor Badalyan sobre as reações e o impacto do projeto ao redor do mundo em seu lançamento: Nós lançamos a marca no início de dezembro de 2014. Neste ano, foi o segundo evento mais falado na Rússia após os Jogos Olímpicos de Inverno em Sóchi. Foi no contexto da crise na Ucrânia. É claro que era uma espécie de provocação para o Ocidente naquela época. A nossa mensagem era forte e todo mundo no país acreditava nesta filosofia. Nós monitoramos as reações de diferentes partes do mundo. Mais de três mil menções sobre o lançamento na imprensa em um único dia. Os tons de vozes eram muito distintos. E na verdade, aquele dia não fora somente para lançar a marca, mas também para anunciar a chegada do novo presidente e das novas estratégias da empresa. De fato: temos uma nova estratégia e é por isso que precisamos de uma nova marca e aqui está ela. O que aconteceu foi que o Ocidente imediatamente ignorou a parte
racional da mensagem, ou seja, a estratégia de novos negócios, e pulou direto para o lema da paz. Isso os deixou muito irritados. Foi tão espantoso ver as reações dos Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido. Eles ficaram muito zangados com a mensagem e reagiram. Isso criou também um grande buzz na mídia. Ao mesmo tempo, nas regiões onde a Rússia comercializa bastante, como as nações da América Latina, Índia, China, Indonésia, mercados árabes, ninguém estava realmente se preocupando com a ideologia. Todos falavam de uma nova gerência na renovada fábrica de Izhmash, de suas armas, novas tecnologias, etc. Portanto, seguiram completamente a parte racional da mensagem e não reagiriam sobre a parte emocional. As reações acabaram dizendo muito sobre como essa marca é percebida em diferentes partes do mundo (BADALYAN, 2017) .186
Talvez haja um contexto para cada reação ou vice-versa. Todavia, para alguns, o que se apresenta é uma identidade que parece compactuar com uma construção cultural e social mediada por convenções em um raio de impacto global. Sem moderações, o projeto de design soube para onde mirar. Recorrendo aos provérbios de nossa língua: atirou no que viu, e “também” acertou no que não viu. Como relatado, o tiro saiu de maneira contraditória, incontrolável e contingente. Finalizada a entrevista, Grigor Badalyan resume seu raciocínio. A AK é realmente um objeto de orgulho nacional e é positivamente vista em muitas nações do mundo. Sim, ela trata-se de matar, mas ainda de alguma forma as pessoas tendem a gostar dessa marca. Há um provérbio latino: Vox populi, vox Dei. A voz das pessoas é a voz de Deus (BADALYAN, 2017).
A fim de estimular o diálogo entre a prática e a teoria, exemplificamos também as questões investigativas levantadas até aqui na aplicação do código social de Patrick Hanlon (2015). Para o autor, o código é dividido em sete pontos (história, crença, ícones, rituais, léxico, descrentes e líder), que funcionam em conjunto para gerar significado e entendimento sobre marcas e grupos. As marcas são comunidades de pessoas movidas por um sistema de crenças comum. Este sistema atrai outros que compartilham suas crenças, quer sejam dois irmãos que constroem uma bomba em um porão de Boston ou dois bilhões de pessoas que definem uma nação (HANLON, 2015).74
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O autor elucida: Lembre-se do 11 de Setembro. O acontecimento inexplicável desenrolou rapidamente uma narrativa que incluía Osama bin Laden, um grupo terrorista organizado chamado Al Qaeda, e unidades de treinamento terroristas em todo o mundo. O ato inicialmente sem sentido rapidamente adquiriu ‘sentido’ (HANLON, 2015).75
Como base para toda narrativa, iniciamos a aplicação do primeiro código que diz respeito à origem e à História. De acordo com o apresentado, a Avtomat Kalashnikov nasceu na Rússia como resultado de um projeto de um homem comum para ser usada por homens comuns. Considerando as ameaças iminentes e as tensões da Guerra Fria, a nação soviética encontrava em 1947 uma maneira de se defender contra os inimigos. Ainda, com o seu surgimento, a AK-47 transformava-se também em uma moeda diplomática entre países que se preocupavam conjuntamente com a sua defesa e emancipação. Sua produção desenfreada e a proliferação pelo mundo acabaram tornando-a a arma mais abundante de todos os tempos. Recordamos também as inúmeras menções a respeito da presença da AK-47 em relatos históricos — uma “testemunha” fundamental das conquistas entre forças completamente díspares — como a Guerra do Vietnã, a Guerra do Afeganistão e até mesmo ataques terroristas da atualidade (Massacre de Charlie Hebdo, em Paris). A arma é transformada em um amuleto, um talismã da vitória. Em Samuel, na Bíblia, encontramos história bastante semelhante. Basta recordar Davi e Golias. Para a Kalashnikov, a sua crença (ou as ideias em comum que unem os indivíduos) está em seu ideal de emancipação e independência. Em outras palavras, possuir uma arma ou, no seu caso, a AK-47, é a maneira na qual pessoas comuns, povos e comunidades oprimidos conquistam o direito de lutar pela liberdade, defender-se, reivindicar seus direitos diante daquele que o oprime. A convicção é resoluta: AK-47, a arma que faz a justiça e democratiza a guerra. Locais de conflitos entre comunidades e exploração colonial, como África, Ásia e Oriente Médio, tornaram-se os maiores clientes da marca. A AK-47 por si só e a sua cartucheira curvada tornaram-se um ícone pertencente ao seu código social. Elas, quando avistadas, são uma imagem icônica e promovem inúmeras associações: ora o perigo e a morte na mão de um terrorista prestes a fuzilar o inimigo, ora nas mãos de tribos africanas im-
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pondo sua soberania. Exemplificado previamente, a própria AK-47 é um ícone utilizado pelo Estado Islâmico para se distinguir dos demais inimigos. Segundo Hanlon (2015), os ícones são códigos que estimulam os nossos sentidos além da visão. De maneira contrastante, relembramos aqui também a presença da arma em brasões e bandeiras de países e grupos insurgentes, exaltando a sua carga simbólica de emancipação e autonomia. Para o design, vale ainda pontuar que o próprio redesign faz uso do caráter icônico da AK47 ao representar a cartucheira no próprio “K” (identidade visual). Algo que reconhecemos imediatamente. “Uma vez que sabemos de onde você é, no que você acredita, e como você se identifica, nós observamos as ações repetidas ou interações que o diferencia: seus rituais” (HANLON, 2015). Para os afegãos, os rituais que envolvem a AK-47 dizem respeito à formação de soldados aptos a defender as suas ideologias em um campo de batalha. Sem aprender a atirar com ela, ele não se formará. No Líbano, homens tornam-se homens “de verdade” quando são presenteados com a arma. Recorrendo ao outro lado do planeta, no Ocidente mainstream, inúmeras são as canções e os versos da cultura hip-hop e do rap que a referenciam. Por aqui, relembramos os Racionais MC’s: metralhadoras alemãs ou de Israel, estralhaça ladrão que nem papel. Apoiamo-nos agora no quinto código social: o léxico. AK, AK-47, Cuerno de Chivo, Afrikan Kreditcard, ОРУЖИЕ МИРА são alguns dos termos e apelidos que reconhecemos prontamente para a Kalashnikov e, especificamente, usados em comunidades de idiomas distintos. Essa é uma forma de mapear o entendimento e o significado da arma em determinadas regiões. O léxico é usado e explorado para identificar aqueles que se compreendem ao dialogar. A língua torna-se estrangeira para aqueles que não se reconhecem como parte da comunidade. Enxergar o inimigo, ou o descrente que não compartilha o seu ideal, também se refere a um dos princípios do código social de Hanlon (2015). Sob esse aspecto, apontamos aqui o conflito entre os oprimidos e os opressores. Para a Kalashnikov, os oprimidos e os humilhados que desejam reivindicar os seus direitos são os crentes, que se promovem a partir do instante em que combatem com a AK-47. Por outro lado, enxergaríamos os descrentes como aqueles que não acreditam na posse de arma e em uma possível fonte de liberdade e de paz. Elegeríamos aqui também os defensores e os críticos acirrados sobre o controle de armas. Vejamos: um dos argumentos para
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o projeto de marca dizia respeito também a uma expansão de mercados. Ou melhor: promover a conversão dos descrentes. Por último, o líder por trás das narrativas que guia toda a comunidade. No caso da AK-47, apresentaríamos inicialmente a figura de Mikhail Kalashnikov, o designer responsável pelo projeto do artefato. Mikhail ganhou distinção e se tornou um ícone de orgulho para toda a nação russa. Indo adiante, caberia ressaltar os inúmeros líderes políticos e militares citados anteriormente que, ao segurarem uma AK-47, revelavam também toda a sua capacidade simbólica e ideológica. No entanto, poderíamos também enxergar a própria AK-47 (o artefato por si só) como o seu líder. Como pontuado anteriormente, ela é capaz de se tornar icônica (vejamos sua identidade visual ou sua cartucheira, por exemplo), como também de exercer papel fundamental e influenciador como um arquétipo de design. O código social de Hanlon (2015) possibilita o entendimento de uma construção de marca sistematizada e ordenada. Ele reforça a ideia de que a marca, ao produzir os códigos sociais e unificá-los, gera sentido para as pessoas e as preenche emocionalmente. Resumimos: como armar as respostas mediante um branding que se apresenta de forma nobre e generosa? Conquanto designers, sim, somos produtores de significados e, consequentemente, mediamos os valores culturais do ser humano e suas relações. Miramos e projetamos de maneira amigável. Relembrando a poética de Flusser (2012), a bondade do design está nos estiletes, que não cortam somente papéis; também cortam os dedos, ou nos mísseis, que nos impulsionam a criar mísseis cada vez melhores para matar quem primeiramente “nos matou”. Aqui está o primor e a complexidade do design. No branding, as marcas criam significados, que, por sua vez, nos criam também de volta. Uma ontologia passível de discussão. No seu âmago, o propósito e o discurso de uma marca são emanar significado, estender um convite para promover a identificação e perpetuar seus seguidores. Seja para a Heineken, seja para a Kalashnikov, seja para o Estado Islâmico, seja para qualquer instituição que deseja ser lembrada. E, nessa batalha de propósitos, quer comercial, quer ideológica, devemos também nos lembrar de Flusser: um projeto de design, enquanto projetado para ter um propósito funcional, traz sutilmente consigo um diabinho em emboscada.
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CELEBRAÇÃO DE OFICIAIS NO ARMISTÍCIO DE 1918 (history.com)
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Respire! Interrompemos temporariamente. Faz se necessário remontar, de maneira sucinta, as intenções do projeto. Questionamos: o discurso pacificador da AK-47, exposto pelo branding da marca, poderia ser tomado como um equívoco de design? Podemos, sim, nos aproximarmos do problema e prontamente contestar as motivações por trás deste projeto. “Protegendo a paz” à primeira vista pode ser indubitavelmente suspeito. No entanto, com uma mistura de precaução, coragem e fascínio, lançamos luz à questão e problematizamos: poderemos, sob uma perspectiva, associar simbolicamente uma arma com a noção de paz. Mediante nossas ambições investigativas, percebemos os significados da AK-47, suas possíveis interpretações através do design de marca, do branding e da estratégia apresentada. Como percurso, relembramos aqui o nosso modesto compêndio. Sem o recolhimento dos debates, não haveríamos como proferir respostas e levantar os caminhos discursivos que permeiam todo o nosso trajeto até o objeto empírico, efetivamente. Para alcançar a resposta, fez-se primeiramente necessário reconstituir o percurso do design e a sua atuação na construção das identidades e marcas. Conjuntamente, a revisão histórica da AK-47 expôs as feridas e apontou um complexo relacionamento simbólico com o mundo. Subestimamos os artefatos em vez de enxergá-los como o resultado da forma como olhamos para o mundo, o nosso reflexo e também o nosso espelho. Seus discursos estarão sempre indo além de sua forma, da esté-
tica e da produção. Os objetos estão intrinsecamente conectados à nossa história e às suas contribuições para o mundo. Para revelar possíveis caminhos conclusivos ou, de fato, apontar respostas, retomamos a vitalidade do artefato e seus significados por meio do conceito de “usos”: não “uso” a arma para atirar e ferir alguém, mas a “uso” como posse, como prazer ou como bem quiser. Eco (1991) salienta que as conotações simbólicas não devem ser superestimadas diante das denotações funcionais. Apoiados em Belo (2016), concluímos:
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Para Eco (1991, p. 214), os artefatos são estímulos potenciais, comunicam operações possíveis e ‘postulam, com o mudar do aparato retórico, a reestruturação do aparato ideológico, e com o mudar das formas de uso, uma mutação do modo de pensar, de ver as formas no contexto mais vasto do obrar humano’. E conseguem isso através de algumas características peculiares. São operações comunicológicas persuasivas: ‘Parte de premissas adquiridas, coliga-as em argumentos conhecidos e aceitos, e induz a determinado tipo de consenso’. Apresentam ainda uma ‘suave violência’. Somos levados a seguir instruções, que não apenas significam funções, mas as promovem e são capazes de induzir. Outra característica relevante é que são fruídos de maneira desatenta, na maior parte das vezes não colocamos em evidência as supostas intenções do projetista. Carregam, paradoxalmente, um traço curioso: podemos lhes subverter todas as funções. Apoiados em Eco (1991), afirmamos que a significação dos artefatos transita em um espectro que vai do máximo de coerção (faça isso, faça aquilo) a um máximo de irresponsabilidade (não faça, ou simplesmente faça o uso que desejar). Sempre haverá espaço para a sagacidade do ser humano (BELO, 2016, p. 47).
Moldamos tudo a nossa volta com o nosso olhar. As premissas, os significados e os usos dos artefatos estarão sempre atrelados a quem enxerga, de onde enxerga e como enxerga. Nesse sentido, a proposta pacificadora da Kalashnikov, ou usá-la de maneira “portando” (simbolicamente) a paz, pode estar enraizada, até mesmo, antes do seu redesign de marca. A nova promessa, sua proposição de valor e ambição comercial, estão assim travadas. Sobre isso, o designer Michael Bierut (2017) também aponta:
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De acordo com Paul Rand, um bom logotipo fornece o ‘prazer de identificação e a promessa de significado’. A promessa, é claro, só é cumprida ao longo do tempo. ‘É somente por associação com um produto, um serviço, um negócio ou uma corporação que um logotipo assume qualquer significado real’, escreveu Rand em 1991. ‘Ele entrega seu significado e utilidade a partir da qualidade daquilo que simboliza’ (BIERUT, 2017).76
Tomamos o nosso caminho investigativo com essa proposição. Para Bierut, a diferença pode estar no entendimento do significado e a promessa que se faz dele. Talvez a marca não seja uma garantia de sucesso, mas pelo menos destaca o seu potencial. Sendo assim, como avançar em uma análise sobre a nova marca da empresa e seu discurso? Pontuamos aqui o contexto atual das marcas. Para nós designers, já se tornou familiar o que acontece com a introdução de novas marcas ao grande público. Basta elas surgirem e dizer “Olá, muito prazer!” e imediatamente estarão gerando uma grande quantidade de comentários e associações. O julgamento não escapa, e nada está conforme uma “razão compartilhada”. Somos impacientes e queremos uma resposta rápida. Talvez, ansiosos como somos, precisamos respirar e pensar em longo prazo. Como sugerido por Bierut (2017), quem sabe não precisamos dar tempo ao tempo? Essa é a melhor maneira com que as marcas se preenchem de valores e, consequentemente, relacionam-se conosco. O tempo precisa passar. Se queremos reconhecer ou não, qualquer um que avalie uma nova marca a primeira vista está – parafraseando minha sócia Paula Scher – analisando uma peça de teatro de três atos baseado no que veem no momento em que a cortina sobe. Ou, colocando de outra forma, eles pensam que eles estão julgando uma competição de mergulho, quando na verdade eles estão julgando uma competição de natação. A questão não é que tipo de splash você faz. É quanto tempo você pode manter a sua cabeça acima da água (BIERUT, 2017).77
Não delongaremos mais a história. A nossa investigação acerca das possibilidades significativas da AK-47 mediante o seu design nos municia de questões que produzem mais questões. A complexidade investigativa e sua exposição visa promover o diálogo, sem teor preconceituoso, sobre os projetos que nos cercam. Assim como a prática do mergulho,
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buscamos alcançar as profundezas. Para isso, vamos precisar dar tempo ao tempo e entender como as marcas e seus discursos farão para sustentar a cabeça fora d’água. Como exposto ao longo da pesquisa, as possibilidades significativas também são transitórias, carentes de contexto e memória. Os artefatos, os discursos e a nossa capacidade projetual estarão sempre se relacionando com o mundo de maneira reflexiva, moldando-nos e apontando novos caminhos. De maneira metafórica, queremos guerra como forma de chacoalhar cabeças, disparar sentimentos e senso crítico. Afinal, eis a nossa profissão. Ela nos propõe a construção de um mundo conforme ele deseja ser revelado. Ele nos cria e, assim, o criamos também de volta. E que assim seja. E que, nesse caminho, a paz seja alcançada.
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EM CASO DE EMERGÊNCIA — MCCROW ART (mccrowart.com)
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FIRE, COLAGEM DE JÚLIA GUTIERREZ (arquivo da autora)
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Pode parecer piegas, mas me sinto, desconcertantemente, como parte de uma cena clichê hollywoodiana: a volta de um soldado para casa. Uma mistura de ansiedade, de alívio com a certeza de dever cumprido. Aquela imensa vontade de abraçar todos aqueles que amamos. Agradeço à Rita Ribeiro, que carinhosamente me orientou e me conduziu na vida acadêmica. Obrigada por travar esta luta ao meu lado. Serei eternamente grata. Ao Didi, Diego Belo, uma menção a la melhor soldado em campo. Meu amigo, estou sentindo, após tantas páginas escritas, a falta de palavras. Saiba que você foi (e continua sendo) imprescindível nisso aqui. Mesmo, muito. Danke, danke, danke! À minha família e aos meus amigos, que ansiavam também pelo meu retorno. Amo vocês, todos. Em especial, àqueles que contribuíram com o projeto e fizeram parte desta história: Ludmila e Kiko, por terem me proporcionado a incrível experiência de atirar e claro, pelos tiros na sobrecapa do trabalho. Marcelinha, Leo e amigas da UEMG, obrigada. À Júlia, a minha poeta favorita e a melhor aliada que eu poderia ter. Obrigada por estar ao meu lado e pelo amor que faz um céu nunca anoitecer. É, eu não saberia mesmo dizer que, há dois anos, eu retornaria desta batalha mais viva do que nunca. #paz
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Notas .205
1 Das Götliche – Edel sei der Mensch, hilfreich and gut. Denn das allein, Unterscheidet ihn, Von alle Wesen, die wir kennen. 2 The fact that the users of the rockets were killed represented a challenge for the designers to become even better. In other words: to design rockets that killed the killers of the first killers to be killed. This is what is called progress: Thanks to this feedback in design, men become better and better. And thus more generous and noble as well. 3 The Gulf War made plain yet again what it would be like if there were no wars. If in their day our ancestors in East Africa, 100,000 years ago, had not designed arrow-heads that were at the same time elegant, user-friendly and good (and that could therefore kill with elegant convenience) then we would be probably still be laying into each other or into animals with our teeth and nails. It may be that war is not the only source of good design (perhaps sex is also involved here; see fashion in clothing for example). But whether one prefers to say ‘Make love not war’ or ‘Make love’, it is certainly not in the interest of a good design to say ‘Make love not war’. 4 These good people are good for nothing but for simply existing. They are anti-designers. 5 Between pure good (moral good), which is good for nothing, and applied good (functional good), there can be absolutely no compromise, because in the end everything which is good in the case of applied good is bad in the case of moral good. Whoever decides to become a designer has decided against pure good. The may disguise this as much as they wish (for example, by refusing to design rockets and limiting themselves to designing doves of peace. They remain, by their very involvement, trapped within the ambit of functional good. If theyin fact begin to inquire into the pure good of their activity (for example, by asking themselves what their design for a dove of peace might be good for in the end) they are forced not just to design the dove of peace badly, but not to design it at all. There can be no such thing as a bad designer acting out of nothing but pure good, because even the intention of producing a bad design is functional and not pure.
If therefore a designer claims that he only designs objects that correspond to his idea of pure good (eternal values and all that), he is mistaken. [...] To put this in rather more theological language: Pure good is pointless, absurd, and, wherever there is a purpose for anything, you will find the Devil lying in wait. 6 It was a good day! Didn’t have to use my AK. 7 When you’ve absolutely, positively, got to kill every motherfucker in the room. 8 The simple and reliable AK was also in demand well beyond the borders of the Soviet Union. It precipitated not just a technological but a social revolution. Freedom movements in Africa, Asia and Latin America could at last fight back against professional colonial armies. The AK-47 gave them the chance to demand rights and achieve justice. This is a weapon which helped people defend their families and futures, and demand the right to a peaceful future. 9 That design is something far more pervasive and profound than is generally recognised by designers, .206
cultural theorists, philosophers or lay persons; That designing is fundamental to being human — we design, that is to say, we deliberate, plan and scheme in ways which prefigure our actions and makings — in turn we are designed by our designing and by that which we have designed (i.e. through our interactions with the structural and material specificities of our environments); That this adds up to a double movement — we design our world, while our world acts back on us and designs us. 10 It is useful to think of the hermeneutic circle in three moves, taking the example of language. While we cannot think outside of language, this does not mean we are totally programmed: (i) we are born into and come to be human in language; (ii) we appropriate it, modify it, perhaps put words together in ways that they have not been combined before, encounter new situations which require new words; (iii) thus in appropriating language we also change it, and language-as-changed in turn acts back on us as language users. 11 The significant point here is that all these designings are of the same order. That is, no distinction is being made about the nature or relative significance of determinations; neither object, process nor agent is granted primacy. Traditionally agency has been posited with the designer — the assumption being that the designer’s intentions are embedded within the designed object which then causes the object’s user to do things in certain ways. But the problem here is a flawed model of causality based on a linear temporality, in which it is assumed things can be traced back to origins further back in time – there is no particular need for this assumption when attempting to explain phenomenologically the designing that is going on in a particular situation. The fact that teams of designers worked on the configuration of the screen and keyboard I am now using cannot really help me to understand that my using this equipment is at the same time this equipment designing what I am doing. Once the comfortable fiction of an originary human agent evaporates, the inscriptive power of the designed is revealed and stands naked. 12 Ontological design is not a new set of ideas or practices but its time has come. Without being too melodramatic, it is probably the most important design philosophy today. 13 In order for this brand to work effectively in the world, we must create a combination of exquesitely chosen, crafted, combined, an then mananged cultural meanings. There are different levels of meaning
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associated with any given brand, some of which are absolutely new to a moment, and other that are continuously there over time. A brand is composed of these meanings These meanings are being carefully chosen and crafted. And then they’re managed, because we’re swapping meanings in and out to make the brand adapt as the worldmakes new demands of us. 14 Most brands are ‘meanings made’. Creator brands are meaning makers. They help make the meanings that in turn make us. 15 Brands have become time capsules, and in many ways, they´re now navigation and identity devices. They’ve transcendent their transactional economic function and now reflect our culture and who we are in a way that no other objects can. 16 Allgemeine Elektricstäts-Gesellschaft, empresa de equipamentos elétricos fundada na Alemanha, em 1885. 17 O Estilo Tipográfico Internacional surgiu na Suíça como uma vertente do funcionalismo. O movimento buscava em seus projetos uma padronização de formas visuais e tipografia, com o objetivo de que fossem compreendidos universalmente. No design, aplicou-se o máximo de clareza, uso de grids e layouts estruturados. As grandes corporações adotaram o novo design funcional em seus produtos e na sua identidade visual. 18 Twenty years before Madison Avenue embarked upon ‘Motivational Research’, Hitler was systematically exploring and exploiting the secret fears and hopes, the cravings, anxieties and frustrations of the German masses. 19 ‘All effective propaganda’, Hitler wrote, ‘must be confined to a few bare necessities and then must be expressed in a few stereotyped formulas’. These stereotyped formulas must be constantly repeated, for ‘only constant repetition will finally succeed in imprinting an idea upon the memory of a crowd’. 20 And branding is not just smoke and mirrors; the results are often quantifiable because public awareness and loyalty can be measured by sales – or votes. 21 If one is involved in understanding the power of design the power of symbols the power of typography to alter behavior, to influence behavior which it does everyday on a corporate level, on a nonprofit level, on a benign level, on a malicious level, you have to understand what went on with the Nazi practices. I can’t deny there’s a certain allure of the material rooted in its history. And also in the quality, as a designer I see the quality and consistency of their brand. But also I look at it as teaching us something. 22 A logo is the essential point of contact between the public and any product, organization or movement. What would the Catholic Church be without the crucifix (which began as an outlawed symbol)? Could Adolf Hitler have commanded the German nation without ritualizing the swastika (which is outlawed in Germany today)? And where would United States be without the Stars and Stripes, and all that complementary American national iconography? Of course, business logos are considered to be ´sacred´: the Coca-Cola, IBM and Apple marks, for example, are protected at all costs from infringement by corporate terrorists and industrial saboteurs.
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23 Branding is a tool that has no conscience or morality – it can be used for good or bad, and sometimes for both in tandem. 24 A successful logo is imbued with unequal parts of mythology and truth, as well as all other positive virtues that a product or idea need in order to thrive. […] They are charged badges of loyalty. But even more, a logo is the glue that binds disparate individuals into a unified mass. Regardless of the quality of design, an effective logo is both a bonding agent for those similar and a key to the realm that excludes the non-believers or otherwise unwelcome. 25 With numerous active groups around the world (several of them having similar ideology and the same goals), branding and marketing become important elements of the terrorist groups overall strategy. Getting credit for an attack is almost as important as the attack itself. 26 In corporate communications this is called branding. Branding a terrorist attack of a terrorist organi.208
zation is a purposeful action, undertaken to attach emotional associations to an otherwise undifferentiated product, and to allow the audience to identify the organizations and what it stands for. 27 The aim of strategic branding is not merely to raise visibility in the marketplace by celebrating the intrinsic worth of an idea or product but also to infiltrate the subconscious in order to trigger conformist behavior. The real objective of commercial branding campaigns is not to create ‘educated consumers’, but rather to capture the loyalty of a targeted, and hopefully malleable, demographic. If this requires engaging in some ruse or creating fallacy, then ruse and fallacy it is. 28 Anteriormente, o Estado Islâmico se intitulava como Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ou Levante). A questão recorrente sobre Síria ou Levante fundamenta-se na palavra arábe Sham. Sham pode significar Damasco, Síria ou Levante. Dessa maneira, o termo se apresenta nas siglas em inglês como ISIS (Islamic State in Iraq and Syria) e ISIL (Islamic State in Iraq and the Levant). EI, por sua vez, é a sigla em português para Estado Islâmico, que é a forma atual como o grupo se identifica. 29 All belief systems have core principles that attract others who share those beliefs: a belief in life after death; freedom for all; a belief that the state is supreme; semper fi. 30 Charged badges of loyalty. 31 But icons are not just the logo. Icons stimulate all our senses: sound, taste, smell, and touch. These cues instantly signal whether we should approach or avoid. Smoke means fire, a snake rattle sounds danger, a victim burning to death is a sticky iconic image. 32 All brand communities have specialized words known to members of the community and help to identify that community. This vocabulary becomes a unique part of the community narrative and both identifies and bonds those who understand it. If you don’t know the words, you’re not a part of the community. Similarly, the words surrounding warfare, secret codes and ciphers, or special military units are well-known to anyone engaged in those activities. They are a foreign tongue to others. 33 The seven pieces of social code create a holistic surround that touches individuals at their emotional core. It is a powerful combination that seeks what’s missing in people’s lives and fills it in. It helps us
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believe in something larger than ourselves. It helps us feel that we belong. If we feel alone or isolated, it helps us identify a community that seems to care. 34 Throughout history magazines representing rebellion on all sides (from Neo Nazis to the New Left) have been used to spread their gospels. So it should come as no surprise that ISIS has their own. But the level of graphic sophistication exceeds expectation. 35 Together these traits meant that once this weapon was distributed, the small-statured, the mechanically disinclined, the dimwitted, and the untrained might be able to wield, with little difficulty or instruction, a lightweight automatic rifle that could push out blistering fire for the lenghts of two or three football fields. For the purpose which it was designed – as a device that allowed ordinary men to kill other men without extensive training or undue complications – this was an eminently well conceived tool. 36 And no one would have predicted, as the world worried over the nuclear war, that these rifles, with their cartridges of reduced size, would become the most lethal instrument of the Cold War. Unlike the nuclear arsenal and the infrastructure that would rise around them – the warheads, the mobile launchers, the strategic bombers and submarines – an automatic rifle was a weapon that could actually be used. [...] By the early’s 1960s, after the Cuban Missile Crisis had startled its participants and as the war in Vietnam was expanding and quickening, the Kremlin and the White House comprehended that their mutual nuclear arsenals had made total war unwinnable. Small wars and proxies would be the means through which the Cold War would be fought. The Kalashnikov Era had arrived. We are living in it still. 37 Cold War urgency pressed Soviet Union engineers to improve the AK-47 and its follow-on armns and rush them to mass production. Production was linked to the strengh, eventhe survival, of the state. All the while, as the force of Stalin’s personality and the particulars of his fears gaves rise to the Soviet assaut-rifle industry, the world was being divided into camps. The AK-47 emerged in time to become the principal firearm o fone of them. These historical pressures forged the AK-47 into something more than a mere defense product; it was a national, then an international, requirement (CHIVERS, 2010, p. 203). 38 And this highly functional distillation of firearms technology had become the output of planned economies, which could manufacture them in numbers beyond what anymone, outside the minds that organize socialists police states, would need or want. Industrial and political currents in the Soviet Union had lined up in ways that were converting the AK-47 into the world’s gun, the automatic rifle for everyman [...] 39 To compete with this new weapon, combatants faced a choice. Either use the Kalashnikov, or come up with a rifle that could match it in a fight. War reorganized around Stalin’s gun. 40 Armies armed with advanced weaponry, supersonic aircraft, sophisticated communications, and intelligence collection assets have been brought to heel by dedicated or fanatical opponents armed with nothing more than the AK-47 and the RPG-7. The AK’s low recoil made it easier to train both soldiers and inexperienced civilians quickly, including women and children. An inexperient person could be trained to operate it in an hour; he or she ould not be as proficient as a highly trained soldier but enought motivated fighters with AKs can inflict a great deal of damage.
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41 For people who study the universe of disorder, automatic Kalashnikov serve as reasonably reliable units of measure. Arms-control specialists and students of conflict look to the price of the Kalashnikov assault rifles in a nation’s open market arms bazaars to determine booth the degree to which destabilized lands are awash in small arms and the state of risk. When prices rise, public anxiety is considered high. When they sink, the decline can indicate a conflict is ebbing. 42 No other weapon appears in as many conflict areas year after year. None is as sure to appear in each future war, if only because no other weapon is as well suited for as many missions and tasks. And of all the rifles available for war today, Kalashnikov line stands apart as the most abundant and widely used rifle ever made. Virtually everyone has seen a Kalashnikov [...] It’s the most widely recognizable weapon, one of the world’s most recognizable objects. 43 When Adams was one of the world’s top photographers, professional photojournalists were guided .210
by editors and backed by their newspapers, wire services and agencies. Today the perpetrators and combatants — from Mexican drug cartels to the ISIS rebels who behead their captives — have become a growing source of images, shooting, editing and releasing their own photos and videos. As they attempt to control the message, honest and ethical journalism risks being shoved aside in favor of images that are pure propaganda, if not outright fabrications. 44 I’m a photographer. I feel I have an obligation to publish my images. If I don’t I have failed. I’m not claiming to be morally superior than, say, the young soldier or rebels that I spent time with. and it does not matter to me what you call what I do. Call it war porn if you like. I believe that it is impossible to avoid the dehumanizing elements in horrific images entirely, just as it is impossible to avoid the exploitation of the subject dilemma, at least to an certain extent. Of course it is war porn! These are wonderful excuses not to publish horrific images. But there is one problem: theses pictures are non fictional, unlike the ultra violent Hollywood movies we so readily consume or gruesome video games we play. They document and interpret real events. How can this work possibly be meaningless or insignificant? 45 A gun is much more than its capacity to consistently and accurately expel a projectile in the desired direction. Firearms in civilian American culture are more often used as symbols and physical metaphors than utilitarian tools for killing. Whether one is a gun control advocate or a shotgun-toting member of the National Rifle Association, Americans are encouraged to perform their ethical values through a relationship with firearms. When the Museum of Modern Art or any design collection excludes firearms and designed weapons, it is symbolically excluding violence from the world of design; though an understandable aspiration, the result is not an accurate representation of contemporary reality. 46 Deadly weapons are among the most fascinating and well-designed artifacts of our time, but their beauty can be cherished only by those for whom aesthetic pleasure is divorced from the value of life — a mode of perception the arts are not meant to encourage. 47 “The purpose of the overall exhibition was to provide a survey of objects in the permanent collection and show how design affects users and the world we live in. The AK-47 was chosen specifically to
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illustrate the concept of a design archetype — something so successful that subsequent designs must either imitate it orreact to it. We’ve got a picture of Philippe Starck’s AK-47 desk lamp next to it to kind of contextualize it,” said Newson. “And a number of museums have one of those in their collection which is using the form of the AK-47, perhaps, but none of its function”. 48 A Segunda Emenda à Constituição dos Estados Unidos protege o direito do povo americano de manter e portar armas. 49 The gun can be more about inducing feelings of threat, the perception that one has the capacity to kill rather than the act of killing itself. Because of what a gun does — propel a projectile at high speed in a desired direction, often with the intent to pierce or inflict harm — and the associations that attend it, it is necessarily an object of power. The way that a handgun fits into the palm of one’s hand like an extension of the body and the directionality implied by the point of the barrel combine to imply intentionality and dominance. The gun’s force is directed, controlled, seemingly integrated into the body itself. When someone holds a firearm, there is immediately a spatial change in power: those behind the gun are more powerful than those in front of it (unless, of course, the person standing in front of the gun is holding a bigger, more powerful gun). The Colt revolver may have been called a great equalizer, but there is really nothing equalizing about it. The gun produces a psychological effect in both the user and the people around them. Hold a gun in your hand and, like a magic talisman, it grants you superiority rather than equality. 50 This projection of life and sentience onto objects may also be a component for projecting onto them a moral responsibility. Can an object have intention? The directionality of firearms, their ergonomics — the way they mimic and fit into the human hand as an extension of the body — complicates their moral acceptability. Is it easier to think about and deal with violence and brutality when we imbue the object with agency? Destroying the object used to commit violence is a way of expressing the desire to destroy violence itself. Another means of expressing distaste towards violence is placing severe limitations on the use of violent objects, as illustrated by Norbert Elias and his table knife. 51 Deodand is a symbolic absolution of violence and death. It may seem childish or naïve to attribute awareness and responsibility to mere things, or to punish an object for inflicting violence it could not have been aware of doing. 52 By 1855, machines at the Coltsville Factory were steam-powered and more efficient than ever before. Armory production techniques quickly spread beyond ‘gun valley’ — the Connecticut River valley in which over 90% of the country’s guns were manufactured — and into industry at large in America and abroad. The ‘American System’ of making products with machine-produced interchangeable parts eventually blossomed into the mass production of sewing machines, typewriters, bikes, and cars. The process of mechanized systems became so universal that, almost a century after Colt’s speech to the London engineers, factories producing typewriters and cars were able to revert back to manufacturing guns during World War II. 53 Firearm manufacture of course was the first modern industrial enterprise because it pioneered the use
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of interchangeable parts — the so-called ‘American system’ that was applied to make sewing machines, typewriters, cash registers and ultimately all the machinery of modern life. The social implications of the gun world, from the Colt Peacemaker to the AK-47, touch on virtually every aspect of design — invention, marketing, cost, and maintainability. 54 Many people believe that guns embody a promise of status, safety, and even world peace. They are designed objects whose historical means of production has been incredibly influential today. Firearms are unquestionably consumer products purchased for more than ostensible function. The world of mass product design would arguably not exist without the pioneering technologies of the American armory system. 55 There is a silly myth that generals win wars. What the facts show is that designers do. 56 “[…] to function successfully, to produce works of art, designers must have society’s approval of what they are doing. Design for killing is interesting because war occupies so much of our attention, .212
and receives our unquestioning support. The great advantage of the designer in this area is that nobody cares what anything costs. This attitude has been prevalent from the siege of Troy to the bombing of Hiroshima. And it’s this kind of attitude towards money that has always attracted creative people. This is the reason, probably, that the design of beautiful and efficient weapons has progressed continuously, without serious interruption”. 57 At no point does Nelson question whether so many designers should invest so much of their time and energy on armaments. The answer will be determined by each individual’s beliefs. If, like him, you consider war – and the slaughter it can cause – to be justifiable, why would you object to designing the most efficient means of ensuring victory? But if you are opposed to warfare, surely you will feel the same about designing its tools, even those that are intended for the purposes of which you may deem to be laudable, like the overthrow of vicious tyrants. 58 Do the benefits justify the suffering and destruction caused by earlier incarnations of the same technologies? Again, the answer is a matter of individual conscience, and is as complex as every other judgment relating to the design politics of warfare. 59 The marvelous missiles sleeping quietly in their cradles all over the world are indeed a triumph of design, but in many respects, they are still traditional, still reflecting the desire of the attacker to stay removed from his target. 60 It symbolized righteousness rather than wickedness. 61 By 1947, there were 45 businesses listed in the Manhattan phone book that used the word ‘atomic’ in their name, and none had anything to do with making bombs. French bathing suit designer Louis Reard took the name ‘bikini’ from the Marshall Islands where two U.S. atom bombs were tested in 1946 because he thought that the name signified the explosive effect that the radical two-piece suit would have on men. Government and industry promoted ‘our friend the atom’ with a variety of molecular looking trade characters and mascots. Comic book publishers made hay out of mushroom mania. Atomic blasts, like auto accidents, caught the eye of many comic readers and horror aficionados. Just as real photos and films of
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atomic tests seduced viewers, fantastic pictorial representations of doomsday bombs blowing up large chunks of earth tweaked the imagination. 62 In 1995, the fiftieth anniversary of the end of World War II, the U.S. Postal Service planned to issue a postage stamp showing the Hiroshima atomic mushroom cloud with the caption: ‘Atomic bombs hasten war’s end, August 1945’. The Japanese government protested, and the stamp was canceled. For the mushroom cloud to be so commemorated would have been an affront to the memory of those killed and injured, but it would also have served to legitimize this endgame trademark rather than underscore the role of the mushroom cloud as the world’s most wicked icon. 63 Rather than ignoring them, as most design does, or amplifying them to create paranoia, we treated the phobias as though they were perfectly reasonable and designed objects to humour their owners. 64 Like treatments for phobias they allow for gradual exposure through different sizes. 65 “There is no such thing as bad content, only bad form”. 66 A director can be the esteemed auteur of a film he didn’t write, score, edit or shoot. What makes a Hitchcock film a Hitchcock film is not the story but a consistency of style, which winds intact through different technologies, plots, actors, and time periods like a substance of its own. Every film is about filmmaking. His great genius is that he is able to mold the form into his style in a genuinely unique and entertaining way. The meaning of his work is not in the story but in the storytelling. Designers also trade in storytelling. The elements we must master are not the content narratives but the devices of the telling: typography, line, form, color, contrast, scale, weight. We speak through our assignment, literally between the lines. 67 This deep connection to making also positions design in a modulating role between the user and the world. By manipulating form, design reshapes that essential relationship. Form is replaced by exchange. The things we make negotiate a relationship over which we have a profound control. [...] Our content is, perpetually, Design itself. 68 I don’t share Wilson’s politics, so I’m somewhat sympathetic to technologists who look at the Liberator and complain it’s mucking up their project, setting back their progress, spoiling their utopia. But I wish they could recognize that there’s something more important going on here. Wilson is not out to thwart utopia; he is pursuing it. And with the Liberator, he’s made his vision so clear that it deserves, demands, a considered, thoughtful, reasoned response that accounts for the full implications of the system he has so brilliantly exploited. 69 A quality brand benefits the products and is a factor of competitiveness in the world market. The weapons company has a huge potential for its development. To implement the strategy of overseas expansion, a strong and recognizable brand is necessary and indispensable. 70 It’s a killing machine that has, arguably, brought freedom to millions. It (or at least those using it) has directly caused incalculable suffering and yet it could be argued to have played a greater role in protecting the vulnerable than any other product.
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71 Similar to the telephone – which has generate advantages at the same time as contributing to societal losses –, the introduction of computers brought the very same ambivalence. Just a few years after their introduction, they had a tremendous impact on the domestic realm. 72 So what I’m actually pointing here is that the AK-47 is of course about killing, there’s nothing good about people killing others. But in that bad and evil background, the AK was the only one that can claim a higher moral position because they appeared to created a balance in the society. They created a balance between the ones that were always oppressed and the oppressors. So this means equaling the chances. This is why this brand is so much popular all over the world. 73 There is a well-known marketing principle that is often credited to midcentury design legend Raymond Loewy He felt that people were governed by two competing impulses: an attraction to the excitement of new things and a yearning for the comfort provided by what we already know. In response, Loewy had .214
developed a reliable formula. If something was familiar, make it surprising. If something was surprising, make it familiar. 74 Brands are communities of people driven by a common belief system. This system attracts others who share your beliefs, whether it is two brothers building a bomb in a Boston basement or two billion people defining a nation. 75 Remember 9/11. The inexplicable ‘What’s happening?’ event quickly unrolled a narrative that included Osama bin Laden, an organized terrorist group called Al Qaeda, and terrorist training cells around the globe. The initially senseless act quickly gathered ‘sense’. 76 A good logo, according to Paul Rand, provides the ‘pleasure of recognition and the promise of meaning’. The promise, of course, is only fulfilled over time. ‘It is only by association with a product, a service, a business, or a corporation that a logo takes on any real meaning’, Rand wrote in 1991. ’It derives its meaning and usefulness from the quality of that which it symbolizes’. 77 Whether we want to acknowledge it or not, anyone evaluating a brand new logo at first glance is – to paraphrase my partner Paula Scher – reviewing a three-act play based on what they see the moment the curtain goes up. Or, to put it differently, they think they’re judging a diving competition when in fact they’re judging a swimming competition. The question isn’t what kind of splash you make. It’s how long you can keep your head above water.
Esta dissertação foi projetada com as família tipográficas GT Esti (redesign da tipografia Zhurnalnaya Roublennaya, comumente usada nos livros e editoriais publicados na União Soviética) e National. O miolo foi impresso em papel Offset 120g/m2 e a capa dura e acabamento feitos pelo Grace. A sobrecapa é composta de alvo de tiro de papelão usado pela vice campeã mundial de tiro, minha querida amiga, Ludmila Melo. #paz.