TECENDO A CIDADE NO FIO DOS TEMPOS
Trabalho de Graduação Integrado II Instituto de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo
TECENDO A CIDADE NO FIO DOS TEMPOS laura adami nogueira
Comissão de Acompanhamento Permanente (CAP): Aline Coelho Sanches David Moreno Sperling Joubert José Lancha Lúcia Zanin Shimbo Coordenador de Grupo Temático (GT): Tomás Antonio Moreira São Carlos, SP Dezembro, 2019
FOLHA DE APROVAÇÃO Trabalho de Graduação Integrado apresentado ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP – Campus de São Carlos.
TECENDO A CIDADE NO FIO DOS TEMPOS LAURA ADAMI NOGUEIRA
BANCA EXAMINADORA: __________________________________________ Profa. Dra. Aline Coelho Sanches Instituto de Arquitetura e Urbanismo - IAU USP
__________________________________________ Prof. Dr. Tomás Antonio Moreira Instituto de Arquitetura e Urbanismo - IAU USP
___________________________________________ Prof. Dr. Angelo Lorenzi Politecnico di Milano
___________________________________________ Profa. Dra. Chiara Geroldi Politecnico di Milano
Aprovado em: /12/2019
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS 9 RESUMO 13 AS QUESTÕES 15 A PARTIDA 2030 e a construção da cidade global 19 projetos de requalificação urbana: progetto porta nuova 28 a cidade 35
problemática: milano
O PERCURSO 40 scalo farini e o porquê da escolha 50 a ferrovia: cartografia histórica 51 leituras 58 a cidade: milão
O PROJETO diretrizes 67 dinâmicas 72 disposições 82 recortes
POR FIM 115 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 118
AGRADECIMENTOS
à minha mãe, que me ensina todos os dias sobre dedicação; ao meu pai, que põe um pouco de poesia no meu caminho; à minha irmã, que dividiu comigo a barriga e divide a vida, porque ‘’irmão não se divorcia’’; ao Eduardo, que me mostra cotidianamente uma versão melhor de mim e de nós; ao Giordano, pela lealdade de longa data, aos amigos Giovanni, Bia, Rafa, Leandro, May, José, Comka, Samyah, Juma, Ju, Lucas, Bruni, Jonas, Cris e Alex, por terem me formado enquanto pessoa, e me permitido formá-los, ao Herói e ao Pumba, pela parceria de luta e de vida, aos professores, Aline, Tomás, Angelo e Chiara, pela orientação não apenas neste trabalho, mas enquanto profissionais – e pessoas – responsáveis por criar em cada aluno a vontade de imaginar um mundo diferente.
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Tecendo a Manhã. João Cabral de Melo Neto “Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro: de outro galo que apanhe o grito que um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzam os fios de sol de seus gritos de galo para que a manhã, desde uma tela tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão”.
RESUMO
tecendo a cidade no fio dos tempos
Tendo em vista a atual dinâmica de produção dos espaços urbanos, frutos de requalificações, que caracterizam-se como espaços ‘‘genéricos’’, este trabalho pretende construir uma relação dialética frente a mais nova requalificação urbana milanesa: o Progetto Porta Nuova, convidando a pensar outras maneiras de produzir cidade, pautando-se na costura urbana , na memória e na construção de uma identidade coletiva como diretrizes norteadoras.
Date le attuali dinamiche produttive degli spazi urbani, frutto di riqualificazioni, che si caratterizzano come spazi “generici”, questo lavoro intende costruire un rapporto dialettico con la nuova riqualificazione urbana milanese: il Progetto Porta Nuova, invitando il pensare ad altri modi di produrre città, basati sul cucito urbano, sulla memoria e sulla costruzione di un’identità collettiva come linee guida.
Palavras-chave: Scalo Farini, Palavras-chave: Scalo Farini, Milano, Cucito Urbano, Memoria, Milão, Costura Urbana, Memória, Progetto Urbano Projeto Urbano
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AS QUESTÕES
tecendo a cidade no fio dos tempos
Este trabalho surgiu de inquietações que me acompanham desde o início do curso a respeito dos processos de produção da cidade. Retomando Aldo Rossi, compreendi que ‘’um ponto na cidade é a cidade em um ponto’’ diz respeito às complexas relações que possuem diferentes visões e caminhos interpretativos para a composição dos espaços que construímos e que nos constroem enquanto sujeitos ativos. Mais do que isso, compreendi que a cidade é o espaço da experiência coletiva e que a construção coletiva é fundamental para a imaginação de uma realidade outra. Assim, a cidade tornou-se para mim um objeto de interesse e encanto. A possibilidade da diversidade, das suas contradições e de luta política em um mesmo espaço me aparece como questão norteadora para a interpretação do mundo. A partir da realização de dois
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trabalhos de iniciação científica, que tinham como mote o estudo de instrumentos de requalificação urbana, bem como suas intenções, seus atores, suas realizações e os espaços produzidos por eles, foi fundamental olhar a cidade, o desenho urbano e a paisagem como construções culturais cheias de intensões e posicionamentos, nem sempre justos, ampliando o entendimento a respeito da produção urbana e suas implicações sobre as sociabilidades, práticas sociais e o direito à cidade. Tornou-se uma questão, portanto, imaginar que tipo de espaços podemos produzir que sejam capazes de recuperar sua história, seu imaginário, suas memórias e compor sua identidade, retomando complexidades passadas e sugerindo complexidades futuras, permeados sempre pela dimensão coletiva. A primeira pesquisa tomou como
objeto de estudos a Operação Urbana Consorciada Água Branca, em São Paulo, e a segunda o Progetto Porta Nuova, em Milão. Ambas analisam os instrumentos de requalificação urbana e ajudam a perceber que, embora em locais muito diversos um do outro, possuem aspectos muito parecidos, sobretudo a intenção de incluir ambas as cidades no circuito competitivo de cidades globais, criando uma narrativa que abdica das questões do lugar. Dessa maneira, os espaços resultantes dessas intervenções simbolizam a representação máxima do capital internacional materializado em arquitetura e constroem uma imagem de cidade corporativa e ‘’genérica’’, que poderia ser alocada em qualquer lugar do mundo, carregando de ideologia da hegemonia financeira o espaço urbano. Dentro disso, este trabalho se coloca como uma dialética aos projetos de requalificação urbana
que produzem cidades globais de arquitetura capitalizadas, buscando pensar a produção de uma arquitetura e de um urbanismo contemporâneos capazes de se pautar na história, nas referências de vida e no imaginário local. Esse projeto tinha, dentre todos os caminhos de representação de uma ideia de arquitetura, a possibilidade de construir um cenário distópico, imaginando que dentro deste sistema econômico, essas grandes intervenções só poderiam proporcionar espaços como esses que pouco se relacionam com a história e as complexidades locais. Porém, escolhe seguir o percurso do possível, e convida a discutir soluções que construam uma cidade costurada, que deixa clara sua passagem do tempo, mas que vê nos elementos locais a criação de uma paisagem urbana que resgate a memória, e que marque seu tempo nessa paisagem.
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A costura urbana, portanto, permeia as intenções desse trabalho, e imagina que através dela se possa entender a cidade e sua produção como uma construção coletiva através da acumulação dos tempos, das memórias e das apropriações.
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A PARTIDA
tecendo a cidade no fio dos tempos
PROBLEMÁTICA: MILANO 2030 E A com a mesma política. PRODUÇÃO DA CIDADE GLOBAL O ponto de inflexão refere-se à década de 1970, quando uma parte dos ‘’Os melhores anos do Estado Liberal países desenvolvidos viviam situações acabaram. Creio que temos de, estáveis em função das políticas do efetivamente, reinventar o algoritmo de Estado do Bem-Estar Social - em alguma versão de capacidade, recurso, que especial à proteção do assalariamento represente um público maior, que permita e o fortalecimento dos movimentos um público maior. Mas o tipo de Estado sociais - no momento em que o mundo Liberal que temos hoje não é um espaço’’ se viu imerso em uma profunda (SASSEN, 2013). crise econômica e, sobretudo, uma crise de pleno emprego. Crise essa Para Saskia Sassen, esse Estado que passa a ameaçar as formas de Liberal anteriormente, ainda que acumulação de capital, de maneira existissem as desigualdades, as que o neoliberalismo apareça como expulsões e repressões, pautava- alternativa para saná-la. se num projeto que pressupunha O Estado Liberal Moderno do a garantia de direitos - uma classe início do século XX, a que se refere trabalhadora próspera, infraestrutura a socióloga, cresce a partir de uma pública, educação pública, transporte política econômica peculiar, no qual público, moradia pública (claro que as pessoas são importantes, tanto sempre atrelado à mecanismos e enquanto trabalhadores quanto formas de controle) - mas que não consumidores. Uma política de possui mais condições, apoiados na produção e de consumo em massa, justificativa da crise fiscal, de continuar mas que ainda entende as pessoas
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como parte constitutiva dessa dinâmica complexa, garantindo assim as assistências recebidas. Isso não quer dizer que não houve violência, expulsões e repressões, mas que no cerne do sistema havia uma dinâmica que necessitava de pessoas tanto como trabalhadores quanto como consumidores. Entendia a força de trabalho industrial, cada vez mais crescente e urbanizada, como um braço estratégico da produção e do consumo. Se até então a acumulação decorria da atividade industrial e da extração da mais valia, o capital financeiro dinamiza os processos de produção e consumo, autonomizando e mundializando essas relações, colocando em cheque o processo de assalariamento, bem como às formas de organização coletiva em prol da flexibilização do trabalho. Nesse sentido, as dinâmicas urbanas se modificam radicalmente,
de modo que o solo urbano passa a ser artigo financeiro e esse espaço se conforma e transforma de acordo com as oscilações do capital. A produção de vazios, bem como a de empreendimentos, dão espaço para processos de remoção de populações, mas que ao mesmo tempo ativam parcelas urbanas que, até então, encontravam-se às margens dessa sociedade, compreendendo que as populações que habitam as áreas ilegais também podem ser incorporadas pelas lógicas de reprodução capitalista. O que se tem, assim, dos anos 1970 em diante, não é só o encolhimento e a fragmentação da população assalariada, mas a conformação de uma cidade que reforça os encolhimentos dos direitos. Nos anos 1990, portanto, observa-se o encolhimento do setor produtivo estatal no mundo todo, decorrente da manifestação e radicalização
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do neoliberalismo fortemente legitimador do mercado financeiro e da economia corporativa, assim como cidades que se desenvolvem segundo as mesmas ideias. Essas novas dinâmicas sócio econômicas, de flexibilização e desregulamentação da economia, de aumento de fluxos de capital e do papel do capital financeiro, provocam a necessidade de as cidades responderem a essas novas características através de edifícios e políticas públicas e urbanas capazes de atender às exigências desse novo setor econômico, denominado como terciário avançado por Sassen. A cidade global, assim, preocupase com as configurações espaciais voltadas para o terciário moderno, pouca ou de nenhuma maneira se importando com as desigualdades sociais que caracterizam as cidades modernas. Para Milton Santos, essas cidades ‘’ envolvem também
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os antagonismos da desigualdade e da exclusão associados a essas grandes metrópoles, e que devem ser considerados numa nova dinâmica de espaço e tempo própria justamente aos novos tempos da globalização’’. A globalização aparece como criadora de locais geográficos estratégicos de acordo com uma hierarquia de importância para o funcionamento do sistema global de finanças do comércio. A conjuntura econômica e institucional - de um Estado que tem seu papel como legitimador das ações do capital - está localizada nas cidades globais, constituídas como lugar estratégico para a reprodução da economia global, o que significa a exigência de uma materialidade, sediadas nesses espaços nacionais específicos. A reprodução do capitalismo global é complexa e essa complexidade repercute em demandas materiais e locais dentro
de uma ‘’ geografia estratégica’’ que engendra as cidades globais, revelando tanto o processo de desnacionalização quanto o enraizamento local e material da globalização. Dessa maneira, são recorrentes alguns instrumentos que determinam a conformação dessa cidade voltada para os interesses mercadológicos. Os megaeventos, sobretudo a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, pautados na justificativa de que recebê-los acarreta em resultados positivos para as cidades sede, contribuem para essa reprodução do capital no espaço urbano construindo consensos e reforçando as desigualdades e injustiças sociais. Os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, por exemplo, são referências para pensar os impactos que recebê-los acarretam tanto nas cidades organizadoras quanto em projeção internacional. O chamado ‘’modelo Barcelona’’ é inspiração para
os grandes acontecimentos esportivos que acontecem em importantes cidades do mundo todo, de forma que compreendê-lo é fundamental para entender as transformações que ocorrem nelas, bem como os instrumentos e consensos que se criam para que essas se justifiquem. Para Manoel Delgado, em La ciudad mentirosa. Fraude y miseria del modelo Barcelona (2007), o que se realizou na cidade espanhola faz parte de um processo de consolidação de um modelo de empreendimento urbano que se tornou hegemônico no atual cenário internacional. Na cidade convertida em produto de consumo, através de estratégias de marketing, esse modelo é promovido pelo capital financeiro e imobiliário e pela indústria do turismo e do entretenimento, de forma que o território urbano se torna grande fonte de especulação e enriquecimento, ao passo que reforça as exclusões e desigualdades
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sociais. Essas cidades-commodities, cidades-negócio, cidades-empresa, se produzem através de ‘’dinâmicas globalizadoras de internacionalização de um modelo de intervenção urbana que realiza os interesses de grandes corporações multinacionais’’ (CUNHA, 2013). Apresentado como um modelo de requalificação eficaz contra as ‘’patologias urbanas’’ e produtor de bem-estar social e de qualidade de vida, as transformações nada mais foram que, como coloca o Delgado, transformação da urbes em fábrica de produção de sonhos simulacros, de forma que sua própria mentira tornou-se sua principal indústria. É importante perceber que a origem do ‘’ modelo Barcelona’’ não se deu como uma ruptura dos planejamentos que se fazia até então, mas como continuidade das concepções que se colocavam, o que segundo Manoel Delgado, ainda no
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governo franquista, de forma que tais transformações evidenciam que as intervenções anteriores faziam parte do processo de implantação de um projeto que entende a cidade como commoditie. A realização dos Jogos Olímpicos representa muito mais as condições favoráveis para que se impulsionasse a realização desse projeto de cidade mercadológica que o ponto de ruptura entre um caráter de política urbana e outro. Isso comprova-se no caráter intervencionista e tecnocrático das transformações que se propôs para o momento, denunciando a distância que existe entre a ordem da cidade projetada, pautada em uma identificação entre a perfeição do plano desenhado e as relações sociais, e a desordem da cidade real, que se constitui a partir de processos de interação cotidiana da diferença, com todos os conflitos de interesses e contradições que lhes são inerentes.
Dessa maneira, a noção de diversidade cultural foi o slogan publicitário para a venda dessa cidade produto, colocando Barcelona como uma cidade feita por todos e para todos, aberta à diversidade cultural e social. No entanto, essa heterogeneidade foi forjada, em busca de uma uniformidade identitária controlada, criando uma ‘’personalidade coletiva padronizada e falsa’’, coesa em torno de valores políticos hegemônicos, mas não necessariamente democráticos, resultando em um processo de homogeneização e estabelecimento de padrões ideais de comportamento e modos de habitar a cidade.
monumentalizadoras’’. Essas ações teriam por objetivo tanto a valorização de um determinado ponto de vista sobre a história urbana quanto a viabilização dos planos e projetos governamentais. Na base de tal processo estaria a eleição de determinados fatos e acontecimentos históricos, em detrimento de outros, produzindo uma espécie de memória coletiva oficial e institucionalizada que passaria a orientar o uso práticos e simbólico do espaço urbano. Para Delgado, trata-se de uma espécie de maquiagem, que recria o passado em função da valorização de aspectos
que
favorecem
o
marketing
urbano e a eliminação dos obstáculos que poderiam inviabilizar a venda dessa cidade transformada em mercadoria para
‘’Associado ao processo de construção
consumo. O que se pretende, a partir de
de uma identidade única seria também
tais processos, é construir uma imagem da
empreendida uma estratégia de produção
cidade sem conflitos por oposição à ‘cidade
daquilo que os urbanistas e arquitetos
real’, complexa e heterogênea.’’ (CUNHA,
costumam definir como ‘’ espaços de
2013).
qualidade’’, a partir da invenção de ‘’lugares de memória’’ e da proliferação de ‘’políticas
Além de pautar-se em uma -
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ao contrário de assegurarem sua realização, falsa - diversidade cultural e social, buscam sempre seu enfrentamento, essas transformações legitimaramdestituindo assim o espaço público de seu se também por um discurso de significado enquanto locus, por excelência, ‘’ renovação’’, ‘’ reabilitação’’, ‘’ de expressão da participação democrática. requalificação’’ urbana. Esses termos Nas cidades-commodities, inspiradas no não passaram de eufemismos para modelo de Barcelona, a reconversão do o processo de gentrificação que se território urbano em produto de marketing colocava para os bairros populares e exige um controle permanente do espaço periféricos, muitas vezes identificados público. E a renúncia deliberada dos como bairros problemáticos e agentes políticos de suas responsabilidades indesejáveis em locais enobrecidos em garantir direitos urbanos fundamentais, da cidade, resultando em remoções relaciona-se diretamente ao incremento e expulsões dessas populações de um padrão cada vez mais autoritário para locais cada vez mais distantes, e violento do controle do espaço público, reforçando a segregação. concebido como mero território para O que se discute, em relação às a realização das grandes operações do forças que legitimam ações para a capital imobiliário e promoção comercial e realização desse projeto de cidadeturística da cidade.’’ (CUNHA, 2013). produto, bem como a conformação desse caráter de cidade, é o É nesse sentido que Saskia encolhimento dos direitos sociais e, Sassen em ‘’Sociologia da sobretudo do direito à cidade: Globalização’’, propõe a recuperação ‘’Analisando as manifestações populares, do ‘’lugar’’ e de suas práticas sociais, Delgado observa que as forças de segurança, sem esquecer da retomada da escala
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e das características nacionais. O que se vê é uma rede de cidades que conecta tudo a diferentes lugares, de maneira que existe um rompimento das hierarquias urbanas, a partir das condições locais que essas cidades oferecem para o funcionamento de instituições de atuação e alcance global, como os mercados de capitais. Em alguns momentos, aquilo que é estrangeiro transmite uma sensação de familiaridade. As avenidas que abrigam edifícios sede de corporações, por exemplo, assemelham-se mesmo estando em São Paulo, Barcelona, Nova Iorque ou China. Enquanto esse tipo de construção conforma um espaço homogeneizado, outras funcionam como ícone de identificação da cidade, de forma que a arquitetura se torna uma marca do espaço urbano. Essas construções são fundamentais para o desenvolvimento dessa cidade global internacionalizada, de maneira que
esses ícones atuem como marketing da cidade. Ao mesmo tempo que atrai construções homogêneas, necessita de outras singularidades, como a Sagrada Família, como atração de investimentos e implantação de sedes corporativas. A arquitetura, nesse sentido, vende a cidade promovendo-a e tornando-a mais competitiva no mercado global para atrair capitais e investimentos. Se o modelo Barcelona foi responsável por dar continuidade de legitimidade às grandes intervenções de requalificação das cidades globais, na ausência de megaeventos as transformações urbanas precisam continuar ativas, de modo que os planos reguladores determinam que áreas ‘’degradadas’’ da cidade devem ser reformuladas. O resultado dessas intervenções, como veremos, segue a linguagem da cidade homogênea, que poderia ser alocada em qualquer lugar do mundo,
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dissolvendo as características locais em prol da construção de uma cidade competitiva no mercado global. Dentro disso, a cidade de Milão aparece como palco importante para a reprodução dessas relações, uma vez que, apesar da atual crise financeira ao redor do mundo, a cidade italiana vem cada vez mais investindo em projetos de requalificação e transformação urbana. O PRG Milano 2030 prevê para a cidade uma série de intervenções de melhorias urbanas capazes de transformar a cidade em uma cidade ecologicamente sustentável e renovada. Porém, como veremos a seguir, os espaços criados por essas reformas se descolam do tecido urbano tão carregado de história e identidade, construindo ilhas num espaço urbano que por anos foi construído de maneira contínua.
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REQUALIFICAÇÃO URBANA: atividades de gestão urbana para a área PROGETTO PORTA NUOVA abandonada por mais de cinquenta ano. Localizada entre as linhas que Como já enunciado, as pesquisas conectam a Estação Central e a de iniciação científica a respeito Estação Garibaldi, Porta Nuova gravita dos instrumentos de requalificação perto de Corso Como e do distrito urbana nas cidades de São Paulo de Isola, representando um polo e Milão procuraram compreender estratégico para o desenvolvimento a cidade contemporânea e como social e econômico de Milão. suas dinâmicas de produção do De acordo com as informações espaço urbano, sejam em território apresentadas pela Comune de Milano, brasileiro ou em território italiano, são o coração da intervenção consiste capazes de, pautados muitas vezes em um grande parque urbano, que nas mesmas justificativas, configurar liga as diferentes partes do projeto e espaços de caráter e conformações constitui o elemento de referência muito semelhantes, ainda que seus para as áreas urbanas circundantes. contextos se difiram profundamente. Apresenta alto grau de acessibilidade O Progetto Porta Nuova devida a presença massiva de linhas de estabeleceu-se a partir do objetivo metrô, sistema ferroviário e rodoviário. de reconstrução urbana e ambiental Associado à localização, tornou a área da área através de um conjunto de atrativa à intervenção em função da intervenções destinadas à realização sua centralidade de seus contexto e de um novo centro moderno na região, tecido urbanos muito consolidados. caracterizado por funções ligadas A intenção do projeto era à cultura, lazer, moda e sistema de de preenchimento de um vazio,
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reconectando bairros com diferentes histórias, estruturas, características e propósitos. Atribuiu-se às áreas vegetadas, aos espaços públicos e à área de pedestres, a possibilidade de conexão, restaurando à cidade uma área que representou, por muitos anos, um dos emblemas da decadência urbana. Porém, antes mesmo da completude do projeto, começaram a aparecer reivindicações contra ele, sobretudo das associações de moradores do bairro de Isola. No passado, o tecido urbano da cidade, sobretudo nessa região, era muito diverso. A Estação Central localizava-se na Piazza della Repubblica, e o trem circulava pela área tornando-a una e movimentada. Com a transferência da Estação para sua localização atual e a construção da Estação Garibaldi, o local foi abandonado. É impossível negar que o projeto traz ecos futuristas para uma área
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consolidada há tempos. No entanto, Porta Nuova ajuda a tornar Milão uma cidade mais moderna e mais próxima dos padrões internacionais. Adequar a cidade ao cenário global significa, porém, na grande maioria das vezes, ignorar as exigências das mudanças sociais locais. Existe, no bairro, um sentimento forte de insatisfação com as mudanças urbanas, porque parecem ameaçar singularidade. Sua história é composta por lutas operárias, sentimento antifascismo e mitos, como o de Don Eugenio Bussa, o pároco que, durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou em favor das famílias de imigrantes e judeus, criando espaços e oportunidades, especialmente para os jovens. Portanto, Isola possui uma identidade muito coesa, um núcleo autêntico que se quer preservar ante o concreto e o vidro tão presentes nas construções do novo projeto. Os comitês de bairro lutam contra
a suposta especulação imobiliária e a não-sustentabilidade das intervenções, acreditando que as áreas de reconstrução devem ser adaptadas para diferentes fins e não configurada por grandes empreendimentos residenciais de alto padrão, torres de escritórios e shopping centers. Este é o caso, por exemplo, do Bosco di Gioia, um enorme terreno deixado pela Condessa Giuditta Sommaruga, em Policlinico Maggiore, emprestado para o funcionamento de uma creche até que não fosse vendido. O terreno ficou por anos em desuso, até que, em 2006, foi comprado para a implantação do Palazzo Lombardia que abriga a nova sede administrativa da região - com investimento que custou cerca de 500 milhões de euros. Além disso, atividades culturais foram marcadamente enfraquecidas depois da derrubada, em 2007, da antiga Stecca degli Artigiani, que abrigava laboratórios e associações,
hoje incorporados no que se chamou de incubadora para a arte. Em geral, teme-se que as mudanças que estão ocorrendo no bairro - incluindo residências de luxo personalizadas - possam desencadear um processo de gentrificação favorecendo a chegada de residentes mais ricos e diluindo as tradições proletárias e industriais do bairro. Como se pode observar a partir das reivindicações dos comitês de bairros, não apenas a estética das intervenções se apresenta como um perigo para a manutenção da história e da identidade do bairro, mas os próprios programas propostos transformam o caráter de uso da área e seu entorno. A partir da descrição das intenções projetuais da intervenção Porta Nuova, nota-se que existia uma premissa grande de costura urbana. Porém, de acordo com as imagens, observa-se que o projeto
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mapa: localização scalo farini, progetto porta nuova e duomo di milano. elaboração própria
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se coloca como uma ilha de edifícios envidraçados em meio à um tecido urbano muito bem consolidado e estruturado, e que pouco se relaciona com seu entorno imediato. Como já colocado, pensar os mecanismos de requalificação urbana envolve não somente analisar suas áreas de atuação, mas também compreender os impactos que essas grandes operações são capazes de causar em seu entorno imediato, na paisagem da cidade, nas relações sociais que existiam e que vão existir naquele determinado local, na constituição de um novo sujeito e na imagem global que tal metrópole pode assumir. Trata-se de observar os instrumentos como partes de um modelo de atuação que envolve a cooperação entre diversos agentes no processo decisório, inaugurando práticas nas políticas urbanas, de modo que o espaço da cidade seja instrumento de direcionamento de
interesses entre as esferas pública e privada conduzindo, muitas vezes para a privatização no lugar de reforçar a essência pública da gestão urbana. Contudo, considera-se importante levar em consideração que tais políticas estão inseridas em um contexto mundial marcado pela lógica neoliberal e por uma economia global baseada intensamente no capital financeiro. Neste cenário contemporâneo, portanto, observase que cada vez mais dinâmicas neoliberais e empresariais têm influído na produção do espaço urbano, quando se nota uma crescente importância voltada à construção de cidades, e suas imagens, que sejam atrativas aos investimentos privados enquanto elementos que podem contribuir para o desenvolvimento urbano. Dentro disso, percebe-se que a produção dos espaços segue, de maneira crescente, a lógica
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de reprodução do capital e, neste sentido, cidades podem associar-se a uma empresa, na medida em que ações estratégicas em determinados fragmentos urbanos podem torna-la rentável a partir da sua valorização.
organizacional do espaço das cidades, produzindo espaços que estimulam a atuação do mercado imobiliário e as parcerias público-privadas, de maneira que a cidade passa a ser desenhada por intervenções privadas, produzindo e reproduzindo espaços En la ciudad capitalista todo espacio es de segregação social. objeto de ser rentabilizado. El predominio de la función de consumo sobre la de
(...)há evidências claras de valorização
espacio de socialización, hace que las calles
imobiliária de uma área já valorizada, onde
y plazas dejen progresivamente de ser
houve a substituição da classe média pela
entendidas como espacios fundamentales
classe média alta. As operações urbanas
para el desarrollo de la comunidad y se vean
se propunham a “alcançar, em uma área,
únicamente como objeto de explotación
transformações
económica. (MEDELA & MONTAÑO, 2016)
melhorias sociais e valorização ambiental”,
urbanísticas
estruturais,
estando sempre esse interesse voltado
Tendo em vista a caracterização do instrumento urbanístico, o que se percebe, é a predominância dos interesses privados em detrimento dos públicos, mesmo quando a lógica deveria ser inversa. O mercado imobiliário, desse modo, se mostra, cada vez mais, como elemento
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para a coletividade, mas, ao contrário, o que se observa é a criação de centros que
concentram
riqueza
e
expulsam
parte da população residente para uma condição de vida pior, é o favorecimento da concentração de investimentos públicos e privados nas áreas de interesse do mercado imobiliário, nas áreas que já são bem
infraestruturadas. Mas essa infraestrutura, com a ação da especulação (fomentada pela operação urbana) fica sobrecarregada e, consequentemente, a região passa a sofrer pressão por novos investimentos.” (BÓGUS & PESSOA, 2008)
A globalização dos bens imobiliários é uma das condições da onda de processos de requalificação urbana propagada nos últimos anos entre as metrópoles e as cidades mundiais. [Moulaert et al. 2003]. As intervenções urbanas funcionam como totens responsáveis por nortear os caminhos dos investimentos, atraindo funções do terciário avançado, criando novos locais estratégicos para abrigar equipamentos urbanos de diversos usos e atrações (facilidades para cultura, comércio e entretenimento). Grandes projetos têm um apelo inegável sobre o capital, como oportunidades de investimento financeiro que geram fluxos de caixa
e aumentam a rentabilidade do solo urbano, bem como indicam alegoricamente para os investidores globais de que a cidade segue as regras do “jogo imobiliário.” Nesse sentido, é importante compreender as intenções por trás da construção da imagem desta cidade, sobretudo compreender porque uma determinada área é tida como decadente e cai em desuso. Essa dinâmica, na realidade nada tem a ver com a problemas de acesso, poluição ou violência, como geralmente se costuma difundir. A verdade é que, como coloca Flavio Villaça, a mobilidade territorial, aliada à conveniência de acessibilidade das burguesias e à produção de bairros novos por parte do capital imobiliário é que impulsiona o abandono dos bairros tradicionais. A ideologia dominante produz, portanto, a ideia de que o ‘’centro velho’’ não é mais o centro da cidade, e transfere todas
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as suas necessidades para o ‘’centro novo’’. O centro novo, de acordo com a ideologia dominante, passa a ser o centro da minoria, imponto um processo de universalização do particular por parte da classe dominante: ‘’o ‘’seu’’ centro deve ser sempre o centro da cidade’’. Portanto, a segregação é uma determinada geografia, produzida pela classe dominante, e com a qual essa classe exerce sua dominação através do espaço urbano. Não é coincidência, portanto, que a cidade de Milão se tonou um grande canteiro de obras nos últimos anos. O Piano di Governo del Territorio, Milano 2030, tem como principais estratégias a construção de uma cidade conectada, metropolitana e global, uma cidade de oportunidades e atrativa, uma cidade verde e sustentável e que se regenere. Procura-se, a partir do plano urbano, construir a imagem de uma cidade que se coloca como moderna
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e inovativa, mas que esconde essas dinâmicas de homogeneização de seus espaços em detrimento dos investimentos financeiros imaginados para esse lugar ‘’renovado’’. A CIDADE Explicitada a problemática, faz sentido, portanto, apresentar o modelo de cidade que este trabalho imagina que deve nos conduzir enquanto profissionais que atuam no espaço da cidade. La città è una struttura complessa, un organismo soggetto
unitario, a
un
continue
corpo
vivente
evoluzioni
e
trasformazioni che ne costituiscono la vita, in costante relazione con le azioni umane, individuali e collettive che in essa si svolgono. [...] Postulare la continuità nella vita della città diviene un elemento di metodo fondamentale: lo studio del passato permette di coglierne il grado
di sviluppo, di costruire una spiegazione di quanto si svolge sotto i nostri occhi, di prepararne l’avvenire. (Milano. Costruzione di una città _ G. De Finetti)
‘’Fruto da imaginação e do trabalho articulado de muitos homens, a cidade é uma obra coletiva que desafia a natureza’’ (ROLNIK, 1995). Assim, nasce como um processo de sedentarização, inaugurando uma nova relação entre homem e natureza: fixar-se para garantir seu sustento, demanda também um domínio daquele território ocupado. Nesse sentido, imbricada com a natureza mesma da cidade está a organização da vida social e, consequentemente, a necessidade de gestão da produção coletiva. Indissociável à existência material da cidade está sua existência política. Desde a antiguidade clássica, a cidade configurou-se, como coloca Argan, como um sistema
de informações e comunicações, detentora de uma função cultural e educativa. Entendia-se os monumentos urbanos como uma razão didática capazes de comunicar a história das cidades através de uma perspectiva ideológica. Nesse sentido, arquitetura e projeto urbano nada mais são que ferramentas que auxiliam o homem na representação da sua própria noção de vida social; ferramentas fundamentais para a construção desta natureza artificial carregada de camadas e interpretações. A cidade, portanto, é coisa humana, obra produzida por nossas mãos, testemunho de memória, valores e vivências. ‘’a arquitetura da cidade é parte integrante do
homem,
é
a
sua
construção.
É
cena fixa das vicissitudes do homem, carregada de sentimentos de gerações, de acontecimentos públicos, de tragédias privadas, de fatos novos e antigos’’ (ROSSI,
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tecendo a cidade no fio dos tempos
1978).
A arquitetura, nesse sentido, não é apenas o lugar da condição humana, mas uma parte dessa condição, que se representa na cidade e em seus movimentos, nos bairros, nas residências, em torno dos fatos urbanos que emergem do espaço habitado. Entretanto, como vimos até aqui, a cidade é também espaço de disputa e interesses que nem sempre promovem essas relações. Constroem uma espécie de não-lugar que colocam em cheque a valorização da memória e da história urbana, diluindo as referências comuns e as percepções sensoriais. Este espaço pode ser qualquer lugar que não mantenha ligações com o genius loci do território que o circunda. Construir no construído, como se propõe este trabalho, portanto, pressupõe compreender que cada
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cidade tem sua história, sua evolução, seu próprio desenvolvimento, sua problemática e suas próprias soluções oriundas da cultura daquela comunidade, entendida em seu aspecto mais amplo de ser, de viver, de confrontar-se, o que faz, portanto, da lembrança e da memória elementos fundamentais para essa cultura. Promovem um depositário das experiências coletivas e de conservação do saber fazer, da consciência de si próprio, da lembrança de valores coletivos e de semente para o desenvolvimento da personalidade. Ela é criadora da identidade das cidades, dos países, de seus ritos, das celebrações e festas que acontecem nas ruas, nas praças, nas próprias calçadas que acabam definindo o espaço urbano construído, estabelecendo forte relação entre arquitetura e a cidade. A cidade contemporânea deve ser lida, interpretada e reproposta a partir
de soluções contemporâneas, mas que reconhecem nas sobreposições temporais as raízes para as saídas do agora. A arquitetura, na perenidade de seus materiais, tem a capacidade de fazer durar por tempos e tempos os vestígios de sua existência, mas não só: conserva também as relações sociais e culturais que aconteceram nos espaços que conformou, materializando a própria história da cidade. Por isso, a construção da cidade resulta das relações que cada elemento estabelece entre si capazes de manter e traduzir a memória histórica do lugar, não somente através do espaço construído edificado, mas também de seus espaços vazios e outros elementos que marcam o territórco, ainda que muitas vezes não se encaixem no imaginário coletivo como elementos compositivos de memória como os edifícios industriais, as linhas férreas e as instalações fabris. Como veremos a seguir, esse
trabalho utiliza esses elementos como elementos de recuperação de história e memória para construir um pedaço de cidade em um tecido urbano muito consolidado e carregado de história e relações que se sucederam por anos.
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O PERCURSO
A CIDADE: MILÃO É possível reconhecer na paisagem da Milão contemporânea a coexistência entre diferentes realidades, que expressam os diversos períodos históricos que a formaram. Partem da formação romana, passando pelo o centro medieval, os burgos lineares, os pequenos municípios, a malha viária do século XIX, a cidade industrial, as periferias do século XX e os novos bairros resultantes das requalificações urbanas de áreas consideradas degradadas. Milão é construída sobre uma sequência de fatos distantes no tempo: sua genealogia e mutação morfológica devem ser entendidas pensando em uma cadeia de momentos, resultado de diferentes estratégias. O estudo de mapas históricos, das diferentes fases evolutivas da cidade de Milão, permite apreender as diversas visões de cidade colocadas na sua produção ao
longo da história, bem como verificar, comparando os vários períodos, as permanências fundamentais. A cidade nasce como um local de encontro de mercadores. Sua origem foi marcada pelo assentamento dos povos celtas e gálios em meados dos séculos IV e V, sobretudo por conta de sua localização estratégica na encruzilhada das vias de comunicações terrestres e fluviais, entre Veneza, Gália, Espanha e Roma. Construiu-se em torno de uma fortaleza poligonal, onde cada lado se opõe a uma das estradas provenientes da região, caracterizada pelo relevo de planície. comparando os vários períodos, as permanências fundamentais. A cidade nasce como um local de encontro de mercadores. Sua origem foi marcada pelo assentamento dos povos celtas e gálios em meados dos séculos IV e V, sobretudo por conta de sua localização estratégica
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città retangolare
città pentagonale
tecendo a cidade no fio dos tempos
città esagonale
città massiminea
na encruzilhada das vias de comunicações terrestres e fluviais, entre Veneza, Gália, Espanha e Roma. Construiu-se em torno de uma fortaleza poligonal, onde cada lado se opõe a uma das estradas provenientes da região, caracterizada pelo relevo de planície. Os laços entre a cidade e seu território circundante são tão fortes que até os romanos, tendo conquistado a cidade por volta de 194 aC, se adaptaram às orientações pré-existentes. É evidente a formação do núcleo de esquema crucial simples, que identifica a cidade primitiva a partir de seu cardo, que parte de um portão voltado para o sudeste claramente reconhecível. Em função disso, Milão origina-se como uma cidade concêntrica, e assim se desenvolverá, ainda que tenha passado por diversos outros domínios e reformas urbanas. Algumas décadas depois, a
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cidade ganha um novo eixo que não se encaixa no antigo sistema em cruz, mas cria um novo sistema primário, com um novo cardo, que parte de Porta Romana e chega à Porta Vercellina, assim como um novo decumanus, que conecta Porta Ticinese à Porta Nuova e um novo fórum. Assume a forma pentagonal através da inclusão da antiga vila bárbara. Algumas décadas depois, a cidade ganha um novo eixo que não se encaixa no antigo sistema em cruz, mas cria um novo sistema primário, com um novo cardo, que parte de Porta Romana e chega à Porta Vercellina, assim como um novo decumanus, que conecta Porta Ticinese à Porta Nuova e um novo fórum. Assume a forma pentagonal através da inclusão da antiga vila bárbara. A expansão urbana muda, portanto, do eixo noroeste para o nordeste, assumindo uma forma hexagonal. Nesta nova área,
encontramos a basílica de Santa Tecla e a basílica de Jemale de Santa Maria Maggiore, orientadas de maneira diferente da cidade, mas de acordo com a norma litúrgica que quer o altar voltado para o leste. Como se vê pelo mapa, constrói-se uma estrutura monumental para o lado de fora de Porta Romana. A cidade maximiniana é cercada pelas muralhas que levam o nome do imperador, incorporando novos blocos sem alterar a posição do fórum; absorve também o circo, localizado entre a Porta Vercellina e a Porta Ticinese, um elemento que se tornará limitante para a expansão da cidade nessa direção. É possível imaginar que a forma hexagonal romana pode ter influenciado a organização dos distritos da cidade, os mesmos rastreáveis na Idade Média e no Renascimento, simbolizados nos seis portais ao longo do perímetro da Piazza Mercanti.
A cidade da era paleocristiana mostra que as novas vias não coincidem com as quatro componentes do principal cruzeiro, uma vez que se orientam para destinos externos, divergindo cada vez mais da orientação de cardo e decumanus. Procurou-se manter o centro urbano estável e adaptá-lo por meio de reformas árduas às necessidades da época, mas não foi efetivo. No entanto, ousou-se modificar o centro várias vezes e adaptar o sistema em cruz às novas funções. Entre 452 e os próximos cinco séculos, a cidade de Milão é marcada por um período difícil, que passa a reconhecer seu próprio organismo apenas quando o bispo Ansperto reconstrói os muros maximianos. Os muros que, em 1171, serão substituídos por uma nova fortificação colocada ao longo do círculo de canais. À época do governo dos
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milano
1614. planta em perspectiva, aveline pierre
tecendo a cidade no fio dos tempos
Visconti, Milão, no entanto, não evolui internamente e supera sua natureza como cidade compacta. Apenas em 1477 com a morte do ultimo familiar que a cidade se rebele e institui um curto período republicano, que tem seu fim com o governo de Francesco Sforza. Em 1456, junto com Filarete, construiu o Ospedale Maggiore, adjacente ao canal, centrada em um grande pátio com mais oito pátios ao lado. O Filarete também projeta uma cidade ideal, chamada, em homenagem ao Sforza, Sforzinda: possui um limite poligonal com oito torres defensivas nos vértices externos das muralhas e oito portões nos vértices internos. No início do século XVI, Leonardo da Vinci imagina possíveis soluções para a cidade de Milão, levando em consideração nos seus desenhos não só o castelo e as estradas principais, mas também os cursos d’água. Imagina um círculo externo como
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novo limite de expansão da cidade, mantendo a forma circular. No espaço entre a cidade antiga e o novo perímetro urbano, ele imagina casas mais espaçosas, ruas em dois níveis, com esgotos e locais para o tráfego de carroças ou barcos subterrâneos. Esse sistema pensado por Leonardo inovava ao permitir a comunicação entre canais de níveis diferentes e de interligação da cidade com o lago de Como. Mais tarde, Napoleão III amplia essa rede de comunicação criando uma conexão indireta com o mar ao interligar entre vários rios e lagos do norte da Itália. Mas essa forma de transporte fluvial decai na segunda metade do século XIX devido à lentidão nas viagens e, principalmente, à concorrência da ferrovia. Sob domínio espanhol, em meados de 1535, constrói-se a muralha poligonal, confirmando que a cidade é agora concebida como um organismo estático e fechado que
deve ser defendido. O fato de essas paredes espanholas terem uma forma circular também se deve a problemas econômicos; na verdade, o círculo é a figura geométrica que inclui mais área em perímetro menor. Como se pode verificar a partir das cartas históricas, o território e seus cursos d’água são elementos importantes para todos aqueles que se propunham a representar a cidade de Milão. Foi no período de dominação austríaca quando Milão recuperou um papel fundamental, tanto no nível cultural quanto no econômico, marcado pela criação de instituições que perduram até hoje, como o Teatro La Scala, as escolas e a Accademia di Brera. Nota-se, pelo mapa que data 1786, realizado pelos Astrônomos di Brera, como território ao norte de Milão foi caracterizado pela presença de uma constelação de pequenos centros urbanos, enquanto a área ao sul da cidade era principalmente
agrícola. Tal dualidade se verifica pelas diferentes vocações conferidas pelo território. Quando em 1796 Milão cai sob domínio Napoleônico, tem início a construção de uma série de infraestruturas que permite à Itália uma comunicação direta com a França, de modo que a característica básica de formação da cidade que foi o local de encontro de mercadores, se afirma cada vez mais como um cruzamento de vias de ligação da Itália para a Europa. A expulsão dos austríacos e a subseqüente proclamação da Unidade Nacional da Itália, em 1861 determina o desenvolvimento ferroviário da Região Lombarda, impedido antes pelos invasores. A realização da galeria Vittorio Emmanuele II e a organização da Praça do Duomo reforçam o monocentrismo da cidade. O século XIX inaugura uma forma mais científica e racional da leitura da cidade milanesa, sobretudo por conta
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milano
1805, pinchetti
tecendo a cidade no fio dos tempos
milano
1888. carta degli astronomi di brera
das ferramentas do planejamento urbano. Os planos urbanos, como ferramentas analíticas e sintéticas ao mesmo tempo, refletem as diferentes abordagens culturais e técnicas. Após a reunificação da Itália, a cidade foi centrada à força na Piazza del Duomo, perturbando o tecido urbano multicêntrico. O primeiro PRG de 1884, conhecido como Piano Beruto, consagrou a incoerência do desenvolvimento urbano à cebola, criando um outro anel viário, hoje conhecido como anel externo, baseado no ideal de uma cidade redonda. Para Beruto, o plano da cidade teria uma grande semelhança com a seção de uma árvore: as extensões e as camadas concêntricas são muito bem visíveis. Essa perspectiva monocêntrica permaneceu em diversos outros planos regulatórios, tendo dificuldades de enfrentar os problemas do desenvolvimento demográfico, econômico e industrial
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de uma cidade que se tornou uma força motriz na economia nacional e europeia. Diferentemente do que se colocou em Paris e Barcelona com Haussmann e Cerda, respectivamente, não foi criado em Milão nenhum projeto de reurbanização e desenvolvimento. A estrutura existente se adaptou ao novo modo de vida da cidade industrial sem conflitos com o préexistente, tendo sempre a perspectiva de fortificar a cidade histórica. Apenas na segunda metade do século XX ocorre a aprovação de um plano regulador, ainda que muito esquemático, que se propunha a solucionar as devastações causadas pela grande guerra. A expansão industrial do período anterior faz com que a população radicada junto às muralhas espanholas se reduza, mas fora delas o povoamento praticamente duplica, principalmente ao longo do eixo norte-sul de interligação
com o resto da Europa. O novo desenvolvimento econômico causou forte crescimento demográfico: esses anos viram grande imigração do sul da Itália a Milão, as grandes indústrias passaram a atrair a mão-de-obra que necessitavam, oriundas, sobretudo, do sul do país. A reabilitação urbana foi introduzida neste período como instrumento de intervenção na cidade durante a década de 1950 caracterizando-se como uma política dirigida a áreas consolidadas da cidade para a valorização de potencialidades sociais e econômico funcionais. Esses projetos visavam, sobretudo, a modernização do território, dinamizando a cultura, o turismo e o consumo nas áreas de intervenção, com investimentos em reforma e embelezamento, retornando o efeito simbólico da memória histórica do local . A realidade das intervenções urbanas atuais não difere tanto das
dos anos 50, mas carrega questões ideológicas muito fortes no que diz respeito ao espaço produzido. Como coloca Smith (2006, p. 83), “os arautos da estratégia de renovação e requalificação urbanas mascaram as origens sutilmente sociais e os objetivos da mudança urbana, apagam as políticas de ganhadores e perdedores de onde emergem tais linhas de ação, quando “um segundo silêncio sistemático é o dos perdedores” . Nesse sentido, e após essa longa explanação a respeito da história da cidade, os terminais ferroviários se colocam como elementos a serem estudados, uma vez que se configuram como grandes corpos que marcam o território da cidade e moldam diretamente a estrutura urbana, redesenhando o tecido e ordenando os assentamentos. Não atoa são parte principal do novo PGT Milano 2030, como áreas de requalificação
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estratto del catasto lombardo veneto,
1888
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urbana e criação de outras novas complexidades. As linhas ferroviárias foram capazes de influenciar o tecido urbano ou a estrutura do edifício, mas também nas relações entre os diferentes espaços abertos. O sistema ferroviário norteou a expansão das novas extensões externas e periféricas, comparando-se com novas faixas fora dos muros ou caminhos de marcação consolidado, determinando novos limites e arestas, orientando as transformações subsequentes de uma maneira decisiva. No entanto, a cidade pública é suspensa e o limite que separa as duas realidades gradualmente se torna uma margem urbana desgastada e fragmentada, caracterizada de tiras de tecido desintegrado, ruas que se quebram ao redor do perímetro interditado. O advento da ferrovia em Milão, nesse sentido, favorece o desenvolvimento da produção
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industrial, mas acompanhado da conformação de uma parte de cidade que segue uma lógica diferente da territorial, configurando-se como como uma fratura que restringe o desenvolvimento morfológico da mesma cidade. É datada de 1840 a primeira estrada de ferro que interliga Milão à Monza seguindo uma trilha histórica de conexão entre as duas cidades, tendo em Porta Nuova sua estação. A partir de 1857 a linha lançou-se no sentido de interligação Milão-Veneza, bem como em direção à Piacenza e Pavia. Milão ganha uma estração central – localizada em Lazzaretto responsável por transformar o desenho do ambiente urbano: da vasta praça à sua frente abriu uma ampla rota de comunicação com o centro da cidade através de grandes vias, seguido de uma passagem subterrânea que cruzava as muralhas entre Porta Venezia e Porta Nuova. Em 1870, a
linha de Vigevano (1870) se conectava ao cruzamento que contornava todo o lado oeste da cidade, ramificandose de Milão-Turim até a fronteira norte do Cemitério Monumental. A crescente importância do desenvolvimento ferroviário e as intervenções que pôs em prática, determinadas então um sistema que envolvia progressivamente perímetro nordeste da cidade com um cinturão de trilhos que influenciou e abordou fortemente as linhas de desenvolvimento urbana. Por volta de 1880, Milão era agora o ponto crucial de intersecção entre as linhas ferroviárias norte-sul e leste Oeste para a escala territorial; também havia desenvolvido como polo da indústria ferroviária com a presença de plantas industriais para material circulante. Além da Central, o plano de reorganização incluía uma ampliação do pátio de carga da Via Farini, indo para
ocupam a maior parte da área ao norte do cemitério Monumental, no triângulo de San Rocco. Um novo grande pátio de distribuição de mercadorias teria sido construído sobre Lambrate, próximo à linha de Veneza; um adicional novo terminal de carga em Porta Vittoria teria sido destinado exclusivamente para o tráfego de frutas e vegetais, para alimentar mercado adjacente. Finalmente, eles tiveram que ser atualizados as estações Rogoredo, na linha de Bolonha e San Cristoforo na linha Vigevano. A reorganização ferroviária concluída na década de 1930 racionalizou sistema ferroviário, mas a cidade se viu sem uma ligação ferroviária direta entre as linhas do sudeste e os que se dirigem para o noroeste. Com a chegada do Passante Ferroviario, projetado no final do década de 1960, iniciada em 1984, há apenas uma reconexão suprimida na
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estratto del catasto teresiano,
1722 e localização villa simonetta
tecendo a cidade no fio dos tempos
década de 1930. O Passante hoje segue o diretor Garibaldi-Liberation-TunisiaQueen Giovanna-Dateo, depois refazendo o metrô antiga linha férrea para Veneza-Placência, suprimida no início dos anos 30. Da mesma forma, o A Galleria Garibaldi segue a primeira seção da antiga ferrovia para MonzaComo (também suprimida). Apesar disso, a realocação da produção e a nova demanda por logística e mobilidade tornou obsoletos muitos desses pátios, liberando áreas também de tamanho considerável, de localização relativamente central e de alta acessibilidade. Configuram-se em muitos casos como fraturas relacionais e funcionais reais no tecido urbano, marcadas por degradação e poluição, se não por usos marginais e impróprio, como sempre segue o abandono. A recuperação dessas áreas tem sido debate constante entre as instituições governamentais, universidades e atores urbanos. Existe
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uma demanda de desenho urbano, de tornar esse espaço vazio um espaço construído de qualidade e que se insira no tecido tão consolidado e carregado de camadas históricas como o de Milão. Porém, não me parece somente um problema de desenho. Os diferentes prátios, cada um com relação ao seu contexto de referência, devem poder responder a uma demanda por espaços abertos, serviços públicos, habitação social e funções produtivas e comerciais específicas, em relação a uma interpretação adequada da nova dinâmica urbana. A compreensão da área de atuação é, portanto, fundamental para a definição das atividades de recuperação. O próprio PGT coloca como objetivos específicos da transformação urbana: a alta qualidade arquitetônicoambiental; a requalificação do contexto circundante; a criação de novos espaços públicos e verdes, novas conexões para ciclistas e pedestres,
novas conexões rodoviárias e morfológicas entre os tecidos hoje em dia separados, bem como melhorar o relacionamento com a linha ferroviária existente e a promoção de uma nova oferta de habitação social. Apesar disso, como já explicitado a respeito da intervenção do Progetto Porta Nuova, alguns desses foram alcançados, mas deram origem a um pedaço de cidade completamente descolado do seu entorno, bem como a um padrão de ocupação muito alto. Parte considerável das salas para escritórios e das habitações propostas, por exemplo, não foram vendidas, e configuram-se como elementos da especulação imobiliária.
borgo degli ortolani
SCALO FARINI E O PORQUÊ DA ESCOLHA Dentre os 7 scali presentes no território milanês, scalo Farini me aparece como objeto sobretudo
cemitério monumental
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tecendo a cidade no fio dos tempos
por localizar-se muito próximo à intervenção Porta Nuova-Garibaldi. Nesse sentido, este trabalho procura trabalhar a construção de uma dialética em relação à intervenção já consolidada, na possibilidade de imaginar outras maneiras de construir cidade que melhor atendam as necessidades locais. Embora esses grandes corpos configurem-se como elementos de fissura urbana, eles também são parte constituinte da história dessa cidade e, portanto, devem ser compreendidos como elementos importantes para a construção de um lugar futuro. A questão é: qual cidade queremos construir para o futuro? A FERROVIA: HISTÓRICA
CARTOGRAFIA
Até o início do século XIX, a área fazia parte administrativa do Corpo de Santos de Porta Comasina e Porta
cemitério monumental
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Tenaglia e se desenvolveu em uma faixa entre as ocupações históricas fora do tecido consolidado de dentro das muralhas. Nesse período, caracterizava-se pelo desenvolvimento agrícola e ocupação de pequenas aldeias agrícolas ao longo das estradas de acesso à cidade. Das marcas que o passado nos deixa sobre a história, Borgo degli Ortolani é um exemplo desse arranjo; assentamento construído perto de uma entrada para a cidade. Além dele, a área era ocupada por uma série de fazendas quadras fechadas dispostas longitudinalmente às hidrovias cujas conexões determinavam uma densa rede de estradas rurais. Villa Simonetta é um outro exemplo dessa marca do tempo; conectada à cidade por uma estrada secundária e com um sistema de quadra aberta alinhado de acordo com a direção de um canal de irrigação. Nota-se, a partir do mapa, que sua implantação estava
milano
1850, planta da cidade, antonio bossi
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tecendo a cidade no fio dos tempos
piano beruto,
diretamente relacionada ao tecido de sua região circundante. Conforme as dinâmicas urbanas se desenvolveram, acabou por isolada dentro de um tecido que atendia uma outra lógica. O advento da ferrovia foi fundamental para que a área sofresse os principais fenômenos da urbanização, quando passou a fazer parte do sistema urbano de Milão, de maneira que outras formas de ocupação fossem se sobrepondo à agrícola comprometendo os tecidos anteriores. A linearidade das relações entre a cidade histórica, a cidade murada e o território circundante, a racionalidade das conexões entre estrutura urbana e território são negadas a partir da segunda metade do século XIX, pelas formas escolhidas para regular e ordenar o desenvolvimento da cidade fora das muralhas. Paralelamente ao aparecimento dos primeiros trilhos, um novo eixo,
1846
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perpendicular à ponta da fortaleza de Porta Comasina ligava a cidade ao novo Cemitério Monumental, um grande vazio entre a cidade de frente para a entrada e o tecido fora do perímetro das muralhas Com o aparecimento dos primeiros trilhos na segunda metade do século XIX, a área passou a sofrer significativas transformações. A ferrovia impõe seu desenho ao desenho do campo, cortando o território em sentido Leste-Oeste, determinando uma ruptura com a cidade a partir da implantação dos trilhos no tecido urbano através de cinturões. A área, portanto, assume aparência industrial, sobretudo por localizar-se próxima às saídas da cidade, importante rota de distribuição da produção. A primeira tentativa de racionalizar a expansão da cidade além dos muros ocorreu em 1884 com o plano de expansão de Cesare Beruto. com o objetivo de
conectar as aldeias à cidade através de um sistema rodoviário composto por anéis concêntricos originados pelo curso das muralhas e por eixos de penetração que convergiam para um único centro, o Duomo. Para o nordeste da área, o plano definia a urbanização da Via Farini com uma rede de estradas paralelas e perpendiculares, enquanto para o sudoeste foram planejadas muitas subdivisões até a ferrovia com os blocos que seguiam a orientação do eixo da Sempione. O plano de Beruto não previa a localização do Scalo Farini nessa área e supunha que o eixo gerado pelo cemitério monumental atuaria como um elo entre as diferentes seções das estradas circulares. Com a construção deste, define-se um grande vazio urbano que permanece indiferente à cidade circundante, determinando diferentes malhas que regulam as diferentes partes da cidade.
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carta histórica,
1884
carta histórica,
1910
tecendo a cidade no fio dos tempos
carta histรณrica,
1930
carta histรณrica,
1956
carta histรณrica,
1972
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No início do século XX, a área continuou em expansão industrial, e, sobretudo a partir da transferência da alfândega para a área Farini, esta adquire cada vez mais valor industrial. Inevitavelmente, galpões e condomínios industriais preenchem aleatoriamente o vazio entre a cidade compacta e o muro da ferrovia. A fronteira entre a cidade e a infraestrutura é claramente definida por uma estrada que circunda o muro do pátio e um exemplo é a via Valtellina, uma avenida arborizada e marcada por prédios aduaneiros, que abriga o depósito interurbano de bondes. Villa Simonetta e Cemitério Monumental tornaram-se presenças estranhas ao tecido urbano que os cercava. No início da década de 1930, Milão caracterizou-se por uma expansão que excedeu as disposições do atual plano regulatório e o engenheiro Cesare Albertini foi contratado para formular
um novo plano. Esse plano segue a estrutura radiocêntrica da cidade projetada por Beruto, expandindo-a como uma mancha de óleo no território circundante. No entanto, o plano é reduzido a um mero plano de subdivisão indiferenciada, fechado por um grande anel externo que contém a cidade e ignora suas relações com a região. A ineficácia do plano Albertini levou o município a buscar novas propostas. O plano de RA, elaborado a partir de 1944 por um grupo de arquitetos, dos quais Albini, Gardella e Bottoni faziam parte, era uma das propostas mais importantes: visava conter a população e atingir o conceito de Cidade-Região através da descentralização industrial e construção de eixos de penetração equipados na cidade. Em 1953 a preparação do PRG propunha, agora compreendido como um plano regional, a
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surgimento degli scali ferroviari,
1884
surgimento degli scali ferroviari,
1910
tecendo a cidade no fio dos tempos
surgimento degli scali ferroviari,
1956
surgimento degli scali ferroviari,
2012
descentralização industrial em favor da criação de um centro regional, bem como a construção de grandes eixos de penetração equipados ao agregado urbano com a consequente reorganização do tecido residencial através da construção de áreas residenciais autônomas para uma expansão orgânica da cidade. No entanto, o plano não teve muitos êxitos, e resultou na saturação do tecido com a construção de novos blocos, além da concentração de infraestruturas na área do pátio ferroviário, após a construção da nova estação de Garibaldi, que fortaleceu ainda mais o caráter industrial da área. Atualmente o local encontra-se parcialmente abandonado, não fosse pela utilização de alguns armazéns ferroviários e do uso das estruturas da Dogana e da Guardia di Finanza. A área, inserida em um contexto urbanizado, já é atendida hoje pela estação Lancetti do desvio ferroviário
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e pela estação Milano Porta Garibaldi, bem como pela linha de bonde e trans urbanos, mas aparece como uma fratura no tecido construído entre as áreas da Bovisa /Dergano ao norte e as áreas de Ghisolfa /Porta Volta ao sul. Vale ressaltar que apresentase como um local estratégico, uma vez que insere-se no eixo estratégico de expansão da cidade – noroeste – além de localizar-se próxima do Centro Universitário de Bovisa e do novo empreendimento Porta Nuova. Posto isso, é fácil imaginar que as intenções dos atores urbanos para esse pedaço de cidade podem, muito provavelmente, configurar-se como um ‘’segundo Porta Nuova’’, dando continuidade às claras intenções de produção de uma cidade global.
GRECO
LEITURAS: A CIDADE Depois de exposto o conteúdo a respeito da história da cidade de Milão e do desenvolvimento do seu sistema ferroviário, a análise de dados é fundamental para, juntamente com a análise histórica, traçar propostas projetuais. Nesse sentido, uma visão geral da cidade nos mostra informações muito relevantes à respeito da localização dos scali, dos sistemas de espaços livres e da temperatura diária da cidade. A partir do cruzamento desses mapas podemos aferir que as temperaturas mais baixas se encontram nas regiões periféricas, onde também se localizam os grandes parques agrícolas. Claro que os fenômenos de ilha de calor são também fatores responsáveis pelo aumento das temperaturas no centro, porém, a presença de áreas mapa: scali ferroviari. elaboração própria scali ferroviari
FARINI
GARIBALDI LAMBRATE
PORTA GENOVA
SAN CRISTOFORO
PORTA ROMANA
ROGOREDO
verdes reduz consideravelmente o índice. Concomitantemente, próximo aos scali ferroviari estão as temperaturas mais elevadas, além da ausência de espaços livres – com exceção de Porta-Nuova Garibaldi, que ganhou uma grande praça após a recente intervenção. Na área de intervenção, notase que, além da carência de espaços livres e verdes – é a região com menor número de parques e praças e as temperaturas demonstram os índices mais altos de medição. Não apenas por uma questão climática, mas parques e praças são necessários porque são corpos fundamentais para o lazer e interação coletiva. Em função disso, uma das diretrizes desse projeto leva em conta a construção de um parque ao longo da ferrovia, sobretudo porque pretende trabalhar a memória desse grande corpo nesse novo pedaço da cidade. mapa: sistema de espaços livres. elaboração própria espaços livres
mapa: temperatura ao longo do dia elaboração própria
27ºC - 30ºC
34ºC - 36ºC
30ºC - 32ºC
36ºC - 38ºC
32ºC - 34ºC
36ºC - 38ºC
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mapa: sobreposição dos mapas scali ferroviari, sistema de espaços libvres e temperatura diária. elaboração própria
27ºC - 30ºC
34ºC - 36ºC
scali ferroviari
30ºC - 32ºC
36ºC - 38ºC
espaços livres
32ºC - 34ºC
36ºC - 38ºC
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mapa: temperatura ao longo do dia elaboração própria linhas e pontos de metrô
linhas de tram
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mapa: cheios e vazios. elaboração própria
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LEITURAS: ENTORNO Os mapas do entorno dos serviços públicos, cheios e vazios e infraestruturas de transportes, revelam algumas necessidades capazes de nortear as diretrizes projetuais. Como já mencionado, a região do scalo farini possui uma rede de infraestruturas de transportes muito densa. O mapa de linhas e pontos de metrô e linha de tram evidencia que a área do projeto é muito bem servida de transportes públicos, infraestrutura que auxilia no acesso ao local, bem como diminui a necessidade de veículos individuais para transitar na cidade. O mapa de cheios de vazios salta aos olhos uma das questões mais enunciadas no desenvolvimento do texto até aqui: a ruptura do tecido urbano nas áreas dos scali, sobretudo em scalo farini. Percebe-se a fragilidade do tecido na medida em que se aproxima dos pátios ferroviários. Para além disso, esse mapa evidencia que boa parte do tecido da cidade é formada pelo
mapa: serviços públicos. elaboração própria biblioteca
segurança e proteção civil
cultura
administrativo
escola
universidade e pesquisa
esporte
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assentamento de edifícios pátios. Não apenas esses mapas, mas os mapas históricos também revelam que cada quarteirão possui sua própria fortaleza e cidade, se compreendermos o edifício como fortaleza e o espaço do pático, como espaço de convivência, sua cidade. No fim, nada mais é que a relação ‘’um ponto na cidade é a cidade em um ponto’’, como colocava Aldo Rossi. Para nortear o programa deste projeto, foi necessário pontuar os serviços públicos e os usos distribuídos na cidade. Nota-se que Scalo Farini possui uma carência grande de equipamentos de cultura, em relação a outras partes da cidade, bem como esportivos, educacionais e bibliotecas. Nesse sentido, o projeto propõe alocar um centro cultural e um centro esportivo nos edifícios pré-existentes que serviam à alfândega. Associado ao centro cultural, constrói uma biblioteca que hierarquiza os espaços públicos da área: intimiza o pátio do esquipamento de cultura e faz frente à praça da área residencial.
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O PROJETO
tecendo a cidade no fio dos tempos
DIRETRIZES Após o quadro teórico e analítico exposto, 3 diretrizes nortearam as soluções desse projeto: dialética, costura urbana e memória Uma vez colocada a intenção de transformar a cidade de Milão em uma cidade global e competitiva no mercado internacional de cidades, a área do Scalo Farini é um dos locais que sofrerá intervenções atrativas para esse fim, assim como ocorreu com a antiga área Porta Nuova-Garibaldi. No entanto, compreendendo que é possível construir cidade a partir das suas refências históricas e de sua passagem de tempo, este projeto se lança numa relação dialética com Progetto Porta Nuova, na tentativa de enunciar outro modelo de cidade que não esteja atrelado às necessidades competitivas e mercadológicas do capital e que dê continuidade à história de Milão, sem produzir
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espaços ilhados em si mesmos e sem relação com o todo. Para a construção dessa dialética surge a segunda diretriz norteadora: a costura urbana. Compreendendo a cidade como uma construção coletiva e resultante da sobreposição de tempos e histórias, o projeto propõe a continuidade do tecido urbano a partir da apropriação e reinterpretação de soluções aplicadas em Milão ao longo dos anos. Nesse sentido, imagina que, para organizar este grande vazio, é necessária uma hierarquização de espaços de convivência coletiva no seu interior. Parte do parque, passa pela praça, pela rua, pela côrte e chega no pátio privado da tipologia da ringhiera, determinando possíveis relações e urbanidades que possam acontecer neste novo pedaço de cidade. A construção do parque se baseia, como já enunciado, na
necessidade que a área Scali Farini e seu entorno imediato possuem de espaços livres e verdes. O mapa dos sistemas de espaços livres e o mapa de temperatura diária são os dados usados para justificar essa ação. O parque é proposto não apenas para auxiliar na redução da temperatura local, mas também como alternativa de lazer e diversão da população residente e visitante. Enquanto o parque assume a função de espaço verdejado, o projeto propõe algumas praças como locais de encontro e atividades de feiras e eventos, retomando a tradição inicial que deu origem à cidade a partir do encontro de mercadores em função da sua importante localização no ponto médio de cidades comerciais italianas e europeias. A rua se ocupa, portanto, do espaço público de apropriação e conexão, não só de uma parte a outra, mas como um ‘‘espaço entre’’ de dois
edifícios que se faceiam. As novas ruas que rasgam o até então vazio do pátio ferroviario conecta esse sistema hierarquizado de espaços entre si, mas também com seu entorno. A costura urbana não se dá apenas pela retomada histórica das soluções, mas também pela continuidade das vias propostas pelos diferentes planos regulatórios ao longo do tempo. A tipologia da côrte, no entanto, aparece como elemento que não apenas define a rua, mas conforma um espaço de uso diferente dela. Propõe espaços de uso coletivo e misto, como uma cidade que funcionaria dentro de uma outra cidade. O final da hierarquia acontece no espaço privado da casa de ‘‘ringhiera’’. Para eles se voltam os balcões de acesso aos apartamentos e os cômodos de permanência coletiva e, consequentemente, diurnas. Nesse sentido, a vida privada acontece também nesses pequenos
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tecendo a cidade no fio dos tempos
espaços, que são de acesso privado, mas que se abrem tanto para a rua e praças quanto para o parque. Esse espaço privado que olha para a paisagem faz referência também ao antigo Borgo Ortolani apresentado precedentemente. Naquela época, tanto ele quanto a Villa Simonetta eram responsáveis por ordenar a paisagem artificial do seu entorno a partir da orientação dos seus espaços abertos, mas de uso privado. Dialética e costura urbana estão intrinsecamente associadas à construção da memória e da identidade coletiva. Como já colocado, a região Scalo Farini e seu entorno esteve inicialmente relacionada à produção agrícola, e nos tempos mais recentes à produção industrial e à chegada da ferrovia. Por isso, este projeto compreende que os ‘‘scali ferroviari’’ são parte constituinte e indissociáveis da construção da cidade de Milão, sobretudo porque
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mesmo sua implantação concêntrica retoma as antigas ocupações e os primeiros planos urbanos. Assim, a memória da ferrovia continua, nessa proposta, no Scalo Farini, não simplesmente porque o trem passa por alí, porque o desenho das praças e a conformação de seus espaços remetem à linguagem ferroviária. Além disso, a presença do Cimitero Monumentale traz a questão da memória do patrimônio histórico da cidade, assim como o imaginário filosófico e nostálgico que esse corpo transmite. Desse modo, o cemitério transpassa a ferrovia e encontra parque e praça, conectanto os dois lados do scali, até então separados pelo trilho. Funciona como ponto de encontro e transição entre a cidade existente e a cidade que está por vir.
DIRETRIZES
DIALÉTICA
COSTURA
oposição ao modelo de cidade
recompôr
urbano
evidenciar a sobreposição dos
global
espaços
fragmentado pela ferrovia e unir
tempos, confiada à ela a tarefa
homogênios sem relação com a
construir pedaço de lugar que
de manter viva a identidade
história da cidade
se apoie na história da cidade
humana
que
cria
o
tecido
MEMÓRIA
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tecendo a cidade no fio dos tempos
HIERARQUIA DE ESPAÇOS
PARQUE
PRAÇA
RUA
o espaço da natureza e do
o espaço do encontro, que
o
lazer
retorna às origens da cidade
estrutura a costura urbana
como local de encontro de
e amarra espaços edificados
comerciantes
e não edificados
espaço
‘‘entre’’
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que
CÔRTE
PÁTIO
o espaço coletivo dos usos
o espaço da vida privada, mas
diversificados
que se abre para a cidade
DINÂMICAS
HABITAÇÃO
EDUCAÇÃO
HABITAÇÃO COMÉRCIO INSTITUCIONAL
PARQUE
CULTURA ESPORTE
FLUXOS
USOS
PERMANÊNCIAS
costura a cidade continuando as vias pré existentes
responde às carências da área evidenciadas pelo
ou ‘‘os olhos da rua’’: auxilia na criação de sensação
e expandindo o cemitério para a área do parque e
mapa de serviçoes públicos e de uso do solo
de segurança das ruas e espaços públicos e coletivos
da praça
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tecendo a cidade no fio dos tempos
ACESSOS
SOLO ABERTO E FECHADO
reforça a hierarquia dos espaços livres
favorece a descoberta dos espaços livres
CARÁTER DOS ESPAÇOS eixo
de espaços públicos que molda a transição
entre o parque, a cidade criada e a cidade préexistente
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FLUXOS_SITUAÇÃO os fluxos da situação atual da área restringem-se às vias de carro que circunda o pátio ferroviário. em função do extenso muro, é impossivel acessar a área.
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FLUXOS_PROJETO a transformação dos fluxos foi possível por conta da retirada do muro e da continuação das vidas do entorno como acesso físico e visual à área.
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USOS o
programa
responde
às
demandas
de
cultura,
esporte, educação, comercios e serviços evidenciadas pelo
mapa
de
serviços
disponívels.
Além
disso,
aumenta a intensidade de pessoas na área e auxilia na construção de espaços livres mais seguros
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FLUXOS_INTENSIDADE o
programa
proposto
favorece
o
aumento
na
intensidade de fluxos em função da diversidade de usos. favorece também uma transição da intensidade de fluxos e usos ao longo da área de intervenção, respeitando as hierarquias de espaços livres.
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PERMANÊNCIAS_OS OLHOS DA RUA os usos determinam também a sensação de segurança dos espaços livres, não apenas pelo aumento da intensidade de pessoas neles, mas também por aqueles que ocupam os edifícios e olham para a rua.
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ACESSOS_PERMEABILIDADE os acessos mantêm a hierarquia dos espaços livres e determinando os percursos, que não se restringem apenas às ruas, mas também, de maneira controlada, por dentro das côrtes.
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SOLO LIVRE_DESCOBERTAS a permeabilidade do solo, bem como seu impedimento, reforça a hierarquia dos espaços livres, mas também determina pontos de descoberta pelos percursos possíveis
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CARÁTER DOS ESPAÇOS espaços públicos, privados e controlados diversificam os percursos e os usos da área. cria-se uma transição entre os espaços livres que se relaciona também com o bairro pré-existe
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DISPOSIÇÕES_IMPLANTAÇÃO
EDIFÍCIOS E ESQUINAS
CÔRTES E PÁTIOS
VIAS
SCALO FARINI 82
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POR FIM
tecendo a cidade no fio dos tempos
TECENDO A CIDADE NO FIO DOS como elemento fundamental TEMPOS para esse antídoto, protegendo do esquecimento as camadas que Na mitologia grega, a memória formaram aquele território. é conhecida como uma divindade, O desenho de um pedaço que tem como grande tarefa manter de cidade vem carregado de uma viva a identidade humana. É aquela dimensão estética: as imagens que que preserva do esquecimento, que produzimos no espaço urbano protege os homens dos perigos da são parte constituinte da nossa infinitude e de não reconhecer-se identidade, percepção de mundo ou não reconhecer sua própria a sua e condição humana. A arquitetura, história. portanto, é cena fixa e profunda da A cidade é na sua história. É um cidade. Carrega um valor profundo de todo que reúne os diversos tempos formação da realidade e conformação que passaram por ela, Evidencia uma da matéria. Assim, ela mesma é não identidade múltipla da estrutura apenas lugar da condição humana, urbana, como um caleidoscópio de mas uma parte constituinte dela, que imagens que se sobrepõem, mas que se representa nos monumentos, nos formam um todo nítido e complexo. bairros, nas residências e em todos Essa complexidade deve funcionar os fatos urbanos que emergem do como um antídoto à generalidade espaço habitado. de suas recentes intervenções, que A arquitetura é, nesse sentido, compreendem o espaço urbano o fio que tece as diversas identidades como local globalizado e competitivo. desse lugar podendo, ignorar tudo o A memória, portanto, aparece que veio antes dela, ou compreender
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que o presente é fruto da sobreposição dos passados, e que o futuro será, portanto, uma sobreposição desse presente. Este trabalho entende que esse deve ser o papel da arquitetura: costurar a cidade a partir das suas relações, das suas referências, das suas memórias e da sua história. Produzir um espaço que se legitime como continuidade do que foi e do que está por vir. A construção coletiva entre passado e futuro, portato, é parte constitutiva e indissociável da cidade, assim como os galos o são na tessitura de todas as manhãs.
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