De Casa a Museu: a Casa de Vidro e a Residência Oscar Americano nas transformações da cidade

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CA SA MU SEU

DE

A

A CASA DE VIDRO E A RESIDÊNCIA OSCAR AMERICANO NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE


Relatório Final apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), relacionado ao período entre 10/06/2019 e 31/10/2019.

Iniciação Científica – processo nº 2018/23244-6 Vigência – 01 /02/2019 a 31/10/2019 Bolsista: Laura de Freitas Pinheiro (IAU/USP) Orientadora: Profa. Dra. Aline Coelho Sanches (IAU/USP)

São Carlos, novembro de 2019.


Universidade de São Paulo Instituto de Arquitetura e Urbanismo

DE CASA A MUSEU: A CASA DE VIDRO E A RESIDÊNCIA OSCAR AMERICANO NO CONTEXTO DAS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE


07

RESUMO

08

OBJETIVOS

09

PLANO DE TRABALHO INICIAL

11

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS UM ESTUDO SOBRE O LIMITE ENTRE AS ESFERAS PÚBLICAS E PRIVADAS DA CIDADE E SOCIEDADE 14

O interior doméstico

16

A intimidade torna-se pública: o processo de transformação em casa museu

19

História do museu e a conceituação da museologia

O MORUMBI NO PROCESSO DE EXPANSÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO 24

Verticalização e o processo de suburbanização de São Paulo

31

De fazenda de chá a um bairro de alta renda

35

O Morumbi segundo as Revistas Habitat e Acrópole

39

Morumbi e suas favelas: uma relação construída a partir de contrastes

ESTUDOS DE CASO 44

Casa de vidro: a casa e o museu

58

Casa de Vidro: visita ao museu

64

Residência Oscar Americano: a casa e o museu

76

Residência Oscar Americano: visita ao museu

86

As casas-museu no tecido urbano: informações e levantamentos

93

As casas-museu no tecido urbano: interpretações e inquietações


ÍNDICE

100

CONCLUSÕES FINAIS

102

DIFUSÃO E DISCUSSÕES SOBRE A PESQUISA REALIZADAS NO PERÍODO

103

REFERÊNCIAS

108 ANEXO



RESUMO

E

ste trabalho aborda a relação de interdependência entre interior, arquitetura e urbanismo no contexto da modernidade paulista. Por meio do método da pesquisa histórica de duas residências paulistanas – a Casa de Vidro, de Lina Bo Bardi, e a Residência Oscar Americano, de Oswaldo Bratke –, pretende-se melhor esclarecer o vínculo entre os ideais do modo de morar em voga na época e a arquitetura moderna das casas, bem como seus papéis no loteamento e desenvolvimento do distrito Morumbi, no qual ambas as edificações se inserem. Reconhecido o papel expressivo que as casas exercem na discussão atual sobre interiores, o processo de musealização (pelo qual as

7 duas casas passaram) também muito contribui para o crescente debate sobre a tipologia de casa-museu, fornecendo, assim, um amplo campo de investigação para essa pesquisa. Ao longo do desenvolvimento deste estudo, foi possível reconhecer os diversos significados que as casas e seus respectivos arquitetos e proprietários possuíram no contexto de urbanização de uma parcela da capital paulista, e, por fim, foi possível fazer a tradução desses símbolos na atual condição de patrimônio tombado e instituto museológico, com suas reverberações nas dinâmicas culturais e urbanas da cidade de São Paulo.

palavras-chave: patrimônio, casa museu, Casa de Vidro, Residência Oscar Americano, São Paulo


OBJETIVOS

E

sta pesquisa propõe, como objetivo geral, a compreensão das questões intrínsecas à constituição do modo de morar e desenvolvimento dos interiores modernos e sua relação com o processo de formação e desenvolvimento das cidades. Para tal, o foco da pesquisa se estabeleceu na realidade brasileira paulistana, 8 no estudo do papel arquitetônico, urbanístico e museológico que os dois estudos coetâneos de caso exerceram e continuam exercendo atualmente na cidade. Tem-se como objetivo específico: (1) a reconstituição das transformações urbanas pelas quais a cidade de São Paulo e o distrito do Morumbi passaram, relacionando-as com as construções técnicas e simbólicas das duas residências, a Casa de Vidro e a Casa Oscar e Maria Luiza Americano; (2) o entendimento do processo de ressignificação de usos e espaços da casa moderna, associados ao campo da museologia e museografia presentes na condição atual de casa-museu das duas residências discutidas; (3) o estudo da inserção das casas, como instituições museológicas, nas atuais políticas culturais e patrimoniais do distrito do Morumbi e da cidade de São Paulo.


PLANO DE TRABALHO INICIAL

O

desenvolvimento pesquisa se baseou nas previamente definidas:

da etapas

(Etapa I) Revisão bibliográfica que trata da relação entre interior doméstico moderno e arquitetura; (Etapa II) Pesquisa e reconstrução do processo de loteamento do distrito Morumbi como estratégia de desenvolvimento da cidade de São Paulo; (Etapa III) Pesquisa do processo de projeto e uso ao longo do tempo dos dois estudos de caso e revisão bibliográfica de fontes publicadas e não-publicadas sobre o processo de musealização das casas; (Etapa IV) Pesquisa a respeito do significado atual das edificações como instituições museológicas, considerando as ações educacionais e culturais das casas-museus inseridas no planejamento urbano estratégico municipal; (Etapa V) Cruzamento de informações e elaboração de síntese teórica. Produção do relatório final das atividades desenvolvidas, juntamente com a construção de um artigo científico. A pesquisa teve vários momentos de discussão dentro do grupo de estudos sobre Interiores Modernos organizado pela orientadora, de forma articulada com a iniciação científica, também realizada com apoio da FAPESP, “A habitação e seu interior: um estudo sobre modernidade e domesticidade”.

9


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ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

O

estudo desenvolvido ocorreu como o planejado inicialmente no Projeto de Pesquisa, respondendo aos objetivos estabelecidos. Como consta no Relatório Científico Parcial, encaminhado para a FAPESP no dia 10/08/2019 (referente ao período de 01/02/2019 a 10/06/2019), primeiramente, foi levantada uma bibliografia que contribuísse para o entendimento da constituição e da significação do interior doméstico. As referências escolhidas (Souza et al, 2018; Silva, 2017; Sparke, 2008; Camargo, 2007; Rice, 2006; Veríssimo, 1999; Rybczynski, 1996; entre outras) tratam, sobretudo, da relação entre domesticidade e cultura material, explorando campos como o sociológico, antropológico e o relacionando com o arquitetônico. Visando pesquisas que deveriam ser realizadas em etapas conseguintes ao Relatório Científico Parcial, uma outra bibliografia foi selecionada para contextualização e complementação do estudo que foi posteriormente realizado sobre a musealização das casas aqui analisadas e o papel atual das instituições museológicas que elas se tornaram. O estudo do significado da instituição museu e suas funções atuais foi iniciado, assim como o da definição da categoria de casa-museu e

as particularidades que a situam nesse campo museológico maior. Referências bibliográficas como Scarpeline (2018), Afonso (2016), Barbosa (2012) contribuem para o estudo da casa-museu; e Kiefer (1998), Montaner (2003), e a pesquisa desenvolvida e divulgada pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), pelo Comitê Internacional para os Museus 11 de Casas Históricas (DEMHIST), pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e pela Fundação Casa de Rui Barbosa contribuem para o entendimento do que é uma instituição museológica. Essa etapa estimulou pesquisas que não constaram no plano inicial da pesquisa, mas que, por enriquecer o processo de investigação, julgaram-se pertinentes ao trabalho desenvolvido. As redações contidas no Relatório Científico Parcial a respeito desses temas foram retomadas na elaboração deste Relatório Final, a fim de justificar o embasamento teórico realizado inicialmente e demonstrar sua integração com todas as etapas posteriores da pesquisa. O respaldo do estudo da cidade encontrado na indissociável relação entre privado e público, permitiu o avanço para a outra etapa do trabalho, a reconstrução do cenário urbano no qual os estudos de caso surgiram. Para o estudo do loteamento e urbanismo do


Morumbi, foi de extrema importância a realização de uma análise que abrangesse um período maior da história da capital paulista, que, por fim, demonstrou uma evolução dos conceitos de urbanismo, moradia e cidade muito coerente em relação ao período de construção do Morumbi e das residências. Autores como Somekh (1997, 2002), Campos (2002), Anelli (2007), Leme (1991), Feldman (2008) embasam esse estudo. A reconstrução do loteamento do distrito Morumbi foi desenvolvida, com grande auxílio de Dall’Alba (2017), Ponciano (2004) e alguns artigos publicados pela Folha de São Paulo e a Revista Veja São Paulo. O processo de loteamento do distrito a partir de uma visão urbanística mais detalhada não possui muitos estudos acadêmicos disponíveis, e foi a partir desse hiato que se julgou necessária a busca de informações e projetos 12 arquitetônicos em fontes primárias, como as Revistas Habitat e Acrópole, durante o período de 1950 a 1970. Esse levantamento contribuiu imensamente para o trabalho, pois complementou a análise do conceito de urbanismo aplicado no distrito por meio das áreas de publicidade e design, e permitiu uma maior aproximação com os ideais propostos pelos arquitetos modernos da época, responsáveis pela afirmação de uma nova arquitetura brasileira. Estudadas as condições de idealização e construção desses novos bairros na capital paulista, um pouco do cenário atual correspondente às complexidades sociais e econômicas próprias do distrito Morumbi foram investigadas a partir de Gohn (2010) e Silva (2007). Esse estudo pretendeu ilustrar melhor a situação contemporânea do entorno imediato no qual as duas casasmuseu estudadas se inserem e atuam, tendo em vista a multiplicidade de

relações entre população, arquitetura, urbanismo e economia do próprio distrito. O período com o qual este Relatório Científico Final se relaciona abarcou a continuação da pesquisa a respeito dos estudos de caso. Visando um melhor estudo comparativo entre as casas-museu selecionadas, foi elaborado um modelo de ficha técnica que sistematizasse dados sobre o projeto, construção, tombamento e musealização dos estudos de caso. Após o levantamento dessas informações básicas, um banco de imagens e documentos (presentes no Anexo do Relatório) foi formado, com base na coleta de plantas, cortes, elevações e fotografias das casas, possível somente a partir de uma revisão bibliográfica sobre as edificações e busca em fontes primárias. Para estudo da Casa de Vidro, de Lina Bo Bardi, compreendeu autores como Anelli (2011, 2014), Corato (2013), Ferraz (2018), Grinover e Rubino (2009), Lima (2013), Suzuki (2010), Oliveira (2006 e 2014). Já algumas das referências utilizadas para estudo da Residência Oscar Americano, de Oswaldo Bratke, foram: Camargo (2013), Dall’Alba (2017), Segawa e Dourado (2007). A busca de documentos que integrasse o banco foi feita em revistas, artigos eletrônicos, sites online de arquitetura, fontes secundárias e nos acervos das fundações que administram as casas. Essa coleção de croquis, fotografias e documentos permitiu, a partir do método do redesenho, que fosse feita uma análise gráfica das casas. Souza M. (et al, 2018, p.5388) afirma que, “O significado sociológico do espaço doméstico pode ser interpretado pelas relações entre os espaços, identificando-se o tipo, número e área das várias divisões que compõem a casa, a localização e posição de cômodos em relação ao conjunto, a forma


como se agregam determinadas áreas ou zonas, além da relação de permeabilidade ou separação que se estabelece entre os cômodos ou entre áreas de circulação”.

Dessa forma, plantas, implantações, cortes e elevações foram refeitos e diagramas foram elaborados, visando um melhor entendimento do processo de projeto dos arquitetos Lina Bo Bardi e Oswaldo Bratke. Imprescindível à interpretação arquitetônica e sociológica do espaço edificado, visitas às casas foram realizadas, permitindo, assim, experienciar a visão e percepção de um visitante qualquer desses museus, realizando percursos, notando acessos, vivenciando ambientes, imaginando o museu sendo utilizado como casa. Já como pesquisadora, foi possível, nessas visitas, observar mudanças arquitetônicas feitas no processo de musealização, analisar o acervo presente nas casas, observar a conservação do patrimônio tombado e realizar entrevistas informais. Dessa forma, a pesquisa levanta e sistematiza dados inexistentes em fontes primárias ou secundárias a respeito do estado atual das casas, contribuindo, com seus resultados, para o debate museológico e patrimonial dessas casas-museu. Finalmente, a inserção das casas no seu entorno foi investigada. Os acessos às casas foram estudados, e seu entorno mapeado. Os eventos realizados nas casas foram buscados e analisados, de modo a perceber o público alvo dessas ações culturais e como esses eventos colaboram para a difusão do patrimônio que as instituições preservam. Posteriormente, a situação legal das casas perante o Plano Diretor da cidade de São Paulo foi investigada, a fim de verificar a efetividade dos instrumentos urbanísticos de preservação do patrimônio histórico na cidade.

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UM ESTUDO SOBRE O LIMITE ENTRE AS ESFERAS PÚBLICAS E PRIVADAS DA CIDADE E SOCIEDADE

O interior doméstico Para Sparke (2008) e Rice (2006), o interior e a domesticidade são os campos nos quais são estabelecidas experiências diárias da modernidade, e, por isso, devemos, aqui, ampliar nosso entendimento do interior como 14 o privado da casa, devemos considerar também, por exemplo, o espaço interno de edifícios públicos. Assim, como elabora Sparke (2008), o limite entre as esferas públicas e privadas se torna questão primordial para a discussão do interior moderno, já que determina e guarda instabilidade semelhante com a própria definição da modernidade. Deste modo, o interior, discutido, atualmente por esses autores, como reflexo da fragmentação de experiências dos habitantes do mundo moderno, é colocado em posição central de construção do novo “eu”. É relevante ressaltar que a emergência do interior doméstico como conceito e manifestação burguesa se dá em meados do século XIX, em um contexto no qual a interioridade subjetiva encontra sua máxima no senso de domesticidade e no desejo por privacidade e conforto da época (RICE, 2006). Porém, a busca

pela funcionalidade para uma nova sociedade industrial e laboriosa também identifica o interior como constitutivo de sua domesticidade, que, a propósito, se inclinou a emoldurar o entendimento de vida doméstica na história. Para a sociologia, antropologia e etnografia, a casa, como um todo, é entendida como uma manifestação social de significados diversos ao longo do tempo. Camargo (2017) explica que a partir da aproximação da história com as ciências sociais, no século XIX, a moradia passou a ser vista não apenas como documento arquitetônico, mas o modo de morar constituiu uma fonte de imensurável valor para a compreensão da sociedade e suas formas de viver e conviver. A residência revela anseios, desejos, estratégias de dominação e revoluções, assim como nos possibilita melhor entender o contexto urbano no qual está inserida. Enquadrado aqui no cenário brasileiro, o estudo do interior e sua domesticidade carece de fontes até o século XIX, pois é sempre baseado em inventários e relatos de viajantes. O risco que se corre ao estudar o tema a partir desse tipo de fonte é que, devido à


impossibilidade de o visitante adentrar as áreas íntimas da casa, essa região da moradia permaneça constantemente como uma suposição, tendendo a generalizações. Após a chegada da Família Real no Brasil e o fim do Período Colonial, no fim do século XIX, a situação muda. A concentração, nesse período, das principais mudanças nos espaços domésticos no Brasil, levou à novas e mais numerosas fontes primárias de estudo. A configuração e o uso de ambientes da casa passaram por diversas modificações, devido a intervenções políticas, econômicas e sociais pelo qual o país passava. Souza (et al, 2018) afirma que as noções de intimidade e privacidade foram desenvolvidas nesse contexto a partir de influências mais amplas de modernidade e de um modo de vida europeizado, e o processo de individualização observado posteriormente se refletiu na configuração de espaços. A autora também aponta a separação entre casa e trabalho, a redução do número de membros das famílias e a inserção de novas tecnologias na habitação como fatores de mudança no trabalho doméstico. As modificações aqui ocorridas seguem uma tendência internacional, comprovada pelo estudo de Wiltold Rybczynski (1996), que afirma que o interior, sobretudo da nobreza e da burguesia, passou a ser mais especializado, “com uma diversidade de ambientes designados para atividades específicas, permitindo a setorização de funções”. Como padrão, devido à especialização dos espaços, a área de cômodos tradicionalmente amplos se reduziu, mas, no Brasil, apesar da fragmentação das relações sociais em espaços mais individualizados e personalizados, arcaicas relações segregacionistas conservaram-se nos

ambientes de serviços, testemunhado pela remanescência de quartos de empregada e acessos diferenciados para moradores e empregados nos apartamentos atuais. Essa e outras distinções sociais (em relação a gênero, por exemplo) poderiam então ser percebidas não só pelos tipos de cômodos presentes na casa ou seus acessos, mas também por objetos de decoração, cores, formas, estilos, arranjos de mobiliário, localização de ambientes em relação aos demais, dentre outros aspectos. Em relação ao cenário paulista, Souza (et al, 2018) também julga válido ressaltar que as moradias burguesas de sua elite, na transição entre os séculos XIX e XX, apresentam grandes modificações. Esses palacetes ecléticos substituíram a arquitetura colonial da cidade à medida que passaram a contar com um projeto que antecedesse e guiasse suas construções. Esse projeto 15 era realizado por um engenheiro ou arquiteto, em contraposição ao saber construtivo empregado nas moradias coloniais. Além disso, uma definição maior das áreas social, íntima e de serviço pode ser observada nessas edificações. Souza (et al, 2018, p. 5386) também aponta um outro aspecto que mudou drasticamente o interior, “as casas ecléticas se tornaram parte de novas práticas de consumo associadas ao novo modo de vida burguês que se instaurava, baseado no consumo privado para a construção de identidades sociais. Em um processo de industrialização e modernização que o país começava a se inserir, o consumo de objetos na casa se abriu como uma perspectiva de mercado. Além disso, os objetos pessoais, móveis e utensílios cotidianos se tornaram eficazes no atendimento de necessidades individuais e expressões de status, manifestando-se como símbolos de distinção social.”


A mídia teve papel importante na disseminação do modo de morar burguês para outras classes sociais com menor renda. Apesar do papel importante, nesse processo, de jornais impressos, revistas de decoração e comportamento, folhetos de divulgação de produtos, rádio e televisão, é importante ressaltar que as restrições econômicas limitaram as alterações na configuração desses espaços. “De uma maneira geral, desde as senzalas aos mocambos, as casas da população pobre no Brasil foram caracterizadas pelo tamanho reduzido e pela sobreposição antiga de usos e funções nos ambientes” (SOUZA, et al, 2018, p.5387). As desigualdades sociais, portanto, limitaram diferentes apreensões da modernidade entre as camadas socioeconômicas brasileiras. A moradia se tornou um produto no mercado, e teve valor agregado à medida que era vendida como sinônimo de qualidade de vida e status social. 16 Isso se relaciona diretamente ao desenvolvimento de cidades, visto o poder que a moradia tem de nortear toda e qualquer expansão urbana. Afinal, “o elemento coletivo e o elemento privado, sociedade e indivíduo, contrapõem-se e confundem-se na cidade” (ROSSI apud CAMARGO, 2017). “Igualmente fundamental à conformação do caráter urbano das cidades, independente da escala e do significado social, a casa é, como bem explorou Aldo Rossi, a tipologia determinante da paisagem urbana: ‘A cidade sempre foi amplamente caracterizada pela residência. Pode-se dizer que não existem ou não existiram cidades em que não estivesse presente o aspecto residencial’.” (CAMARGO, 2017, p. 9)

Essa relação pode ser identificada no debate sobre a contribuição do interior na construção de um modo de morar moderno paulistano, já que,

nesse contexto, “[...] o programa residencial foi a mola propulsora do debate para a transformação do ambiente urbano. Mesmo as residências unifamiliares, que são exercícios criativos de caráter mais individualizado, tanto de ordem programática quanto de concepção, constituíram, um instigante laboratório, onde enfrentaram problemas tecnológicos, e ensaiaram a reorganização da estrutura doméstica com vistas a uma transformação mais ampla da sociedade” (CAMARGO, 2007, p.3).

A moradia, principalmente a operária, foi tema de um intenso debate nas primeiras décadas do século XX em São Paulo. O intuito de exercer controle sobre os operários da maneira menos dispendiosa possível – fatores que originaram a construção das diversas vilas operárias paulistas – também influenciou o planejamento do interior dessa tipologia, utilizando a arquitetura como instrumento para esse fim. De modo geral, a residência desempenhou papel essencial na metropolização da cidade, assim como a dinâmica vida intelectual e artística, resultante desse processo, exerceu uma influência muito grande na mudança dos padrões de sociabilidade e dos hábitos modernos. Justifica-se, assim, o estudo conjunto de interior e exterior, da unidade habitacional e da cidade, da arquitetura e do urbanismo.

A intimidade torna-se pública: o processo de transformação em casa museu A tipologia museológica casamuseu surge a partir do século XIX, como afirma Afonso (et al, 2016), e é símbolo máximo da dualidade entre público e privado. A casa-museu caracteriza-se


por revelar e expor um ambiente que, há séculos, tem a função de resguardar relações e hábitos íntimos. São ideias contraditórias, mas que se baseiam na concepção de que “a casa não é mais apenas um objeto arquitetônico, nem sequer apenas um objeto cultural. A casa se transforma em continente de um conteúdo, em suporte de um significado maior” (HORTA apud AFONSO et al, 2016). Esses locais de memória (NORA apud AFONSO et al, 2016) nascem com o intuito de preservar e divulgar a memória de um personagem de destaque em um grupo, ou evidenciar uma coleção de valor inestimável, ou divulgar a relevância do edifício para a formação de uma sociedade, retratando um recorte específico de uma determinada época, servindo de importante fonte de estudo para as mais diversas áreas, como arquitetura, sociologia, antropologia, design, entre outras. A casa-museu, diferentemente de outros tipos museológicos, tem o poder de estimular sensações muito específicas nos visitantes, já que o sentir-se em casa é experimentado na visita a essa categoria de museu. Por se tratar da reconstituição da moradia, os visitantes se relacionam diretamente com a memória individual e coletiva, podendo despertar uma série de lembranças pessoais e uma nostalgia inevitável. “O reconhecimento das lembranças depende do presente, e é no presente que a ressignificação das imagens é feita ativando a memória. [...] Auxiliadas pelo percurso expositivo, as Casas-

Museu transportam os visitantes a vivências familiares, da mesma forma que os museus de história, mas com uma intensidade muito mais íntima. [...] A memória pessoal, reflectida no espaço privado, transforma-se em memória colectiva, o espaço pessoal torna-se espaço público, procurado por quem pretender chegar ao íntimo de uma certa personalidade” (AFONSO, et al, 2016).

A criação de um Comitê Internacional para os Museus de Casas Históricas (DEMHIST) dentro do ICOM, em 1997, contribuiu para a difusão desse gênero museal, pois nasceu com a principal função de auxiliar na institucionalização e gestão desta categoria de museu, a qual abriga registros de uma memória social, e desenvolver padrões para conservação, restauração e segurança das casas museu, além de promover um maior diálogo entre instituições, profissionais 17 e visitantes. Na sua primeira reunião, em 1999, o Comitê apresentou para a comunidade científica a primeira fase de um projeto de categorização global para os tipos de casa-museu¹ . Em 2007, durante conferência anual do DEMHIST, as categorias foram finalmente apresentadas, resultado da fase dois do projeto: 1. Casas de Personalidade (PersH): Artistas, escritores, músicos, políticos, entre outros personagens que de alguma forma tiveram destaque social. 2. Casas de Colecionadores (CollH): A qual a qual abrigou a residência de um colecionador ou a residência que abriga uma coleção. 3. Casas de Beleza (BeauH): A

¹ Elaborada por Rosanna Pavoni, secretária científica do DEMHIST entre o período de 1999 a 2002. A primeira fase desse projeto de categorização foi realizada em conjunto com diversos países, contando com o apoio de algumas casas-museu e também de profissionais que atuam em museus. Aspectos como critérios de restauração, ações educativas, investigação entre outras ações museológicas foram questionados para que se pudesse definir, como Pavoni indicou a “descrição da identidade do museu”


valorização estética do local é o principal ponto para musealização. 4. Casas de Eventos Históricos (HistH): Locais representativos por sua participação em eventos históricos. 5. Casas de Sociedade Local (SociH): Musealizados por refletirem a identidade de uma sociedade. 6. Casas Ancestrais (AnceH): Casas típicas de uma época, abertas ao público. 7. Casas de Poder Real (RpowH): Palácios abertos ao público. 8. Casas Clericais (ClerH): Mosteiros, casas de abades e outros edifícios eclesiásticos com um uso residencial antigo ou atual e que estejam abertos ao público. 9. Casas Modestas (HumbH): Casas vernaculares abertas ao público. No arquivo final das classificações, após a fase três do projeto, elaborado e disponibilizado no próprio site do 18 DEMHIST, foram acrescentadas mais duas tipologias, devido à dificuldade de classificação de algumas instituições que participaram do projeto dentro das nove primeiras categorias elencadas. Incluíram-se mais duas categorias para contemplar as 33 instituições de distintos países que participaram do projeto: 10. Casas com salas cronológicas (Period Rooms): Casas as quais abrigam diferentes salas com decorações de diversos períodos de tempo. 11. Casas para Museus (Houses of Museums): Quando uma casa abriga diferentes coleções, não relacionados com a sua própria história. A Residência Oscar Americano participou do projeto e recebeu, pelo DEMHIST, a classificação de Casa de Colecionador (2.CollH), devido ao grande acervo que Oscar Americano e sua esposa adquiriram ainda em vida. A

Casa de Vidro não participou do projeto, mas acredito que deva ser encaixada em mais de uma categoria. Devido à pluralidade dos moradores da casa, arquiteta e colecionador de arte, deve se encaixar tanto na categoria de Casas de Personalidade (1.PersH), quanto na de Casas de Colecionadores (2.CollH). Outra peculiaridade a ser destacada nessa tipologia específica de museu é o processo de musealização, ou seja, a série de adequações que o edifício construído originalmente para fins residenciais passa ao se tornar museu. Para abrigarem “práticas museológicas efetivas, como exposição, conservação, educação, documentação, entre tantas outras ações que compreendem a área museológica e, sobretudo, serem abertas ao público” (AFONSO et al, 2016), as casas-museu devem modificar o uso da maioria de seus ambientes originais, e isso impõe questões condicionantes à adaptação, relativas à manutenção predial, iluminação, exposição, área técnica, percursos, acessibilidade, entre outros. (BARBOSA, 2018) Dessa forma, como conciliar um novo programa arquitetônico e, simultaneamente, prezar pela preservação do edifício, assim como dos bens culturais que detém, de modo a manter viva a memória ali contida do seu homenageado? Cada instituição museológica responde à essa questão de forma singular, da mesma forma que não há consenso no meio científico museológico, patrimonial e arquitetônico sobre o tema. Porém, “as casas-museu se valem usualmente de estratégia de congelamento do tempo como procedimento[...]. Os espaços para implantação destas facilidades são itens do programa de adaptação arquitetônica e quando não construídos em forma de acréscimos à edificação original, com o risco


de descaracterização do conjunto existente, evidenciam em muitos casos a opção pela reificação da personagem homenageada, pela seleção dos ambientes a desconfigurar, suprimir, operando algo como um esquecimento ativo na visão de Jean Louis Déotte.” (BARBOSA, 2018, p. 20).

Jean-Louis Déotte, filósofo e professor na Universidade de Paris, propõe a ideia de “esquecimento ativo”, em que afirma que a construção da memória se vale de processos intencionais de apagamento. Devido à complexidade dessa questão, é possível afirmar que cada casa-museu, assim como qualquer outro museu, tem, portanto, o poder de decidir o que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido, moldando, assim, um discurso e um significado próprios. No recorte realizado nessa pesquisa, essas questões se apresentam como fundamentais no entendimento das Casa de Vidro e da Residência Oscar Americano como instituições museológicas no contexto atual. A gestão atual dos museus opta por acolher, nas casas, diversos eventos que acabam por compor maior parte da captação de recursos necessários para a sobrevivência da instituição museológica e preservação dos patrimônios tombados. Casamentos, editoriais de moda, jantares, concertos de música, entre outros eventos, financiam esses museus que se localizam em zona residencial. Para aprofundamento desse estudo, foi essencial que o atual Plano Diretor da cidade de São Paulo fosse consultado, fornecendo informações a respeito do zoneamento do distrito do Morumbi.

História do museu e a conceituação da museologia “Uma instituição permanente e sem fins lucrativos a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe, com o propósito de estudo, educação e prazer, evidência do homem e de seu ambiente.” (AMBROSE, PAINE apud KIEFER, 1998, p. 10)

É assim que o International Council of Museums (ICOM) define a instituição museu, e é assim que Kiefer (1998) inicia sua pesquisa a respeito da museologia e da arquitetura dos museus em sua dissertação de mestrado. Kiefer, antes de narrar a história da instituição museu e sua correspondente arquitetura ao longo dos séculos, ressalta a grande divisão espacial do espaço museográfico, ocorrida no contexto de criação do museu público, que retratava a complexa 19 relação entre privado e público dessas instituições. A estruturação espacial baseada na dualidade público e privado caracteriza o tipo de instituição cultural aqui abordado, mas também é notada na tipologia residencial, contribuindo para a constituição do interior moderno, como também já mencionado. Nessa nova tipologia de espaço cultural, há uma evidente separação entre a área privada destinada aos conservadores e aos curadores, e o espaço público dos visitantes, a área expositiva. Sob essa configuração programática, aliada à qualidade do espaço físico necessária (principalmente no que se refere a preservação e a restauração do acervo histórico), o museu hoje deve seguir as principais recomendações dos museologistas quanto à segurança do acervo sob sua proteção. Essas necessidades estão, de certa forma, relacionadas ao contexto atual de


numerosas intervenções que visam a modernização de museus, e resumem boa parte dos desafios de casas-museu. Mas, para compreender melhor o cenário museológico atual e suas adversidades, é preciso reconstituir os conceitos de museu que se fizeram presentes desde sua origem e moldaram o que está em voga hoje. Kiefer (1998) afirma que o museu, mesmo que com outra concepção e características, é tão antigo quanto a própria história da humanidade. “Pode-se considerar que eles existem desde que o ser humano começou a colecionar e guardar, para si ou seus deuses, objetos de valor em salas construídas especialmente para esse fim” (KIEFER, 1998, p. 13). Porém, a principal base para o modelo de museu que conhecemos hoje é desenvolvida somente nos finais do século XVIII, com a Renascença, pelas coleções reais ou privadas, como a reunida no Palácio dos Médici, em Florença, Itália. Nesse 20 contexto também nasce o gabinete de curiosidades ou câmaras de maravilhas, onde se colecionam e armazenam objetos exóticos trazidos por exploradores, como animais, objetos ou obras raras. “Esboça-se, assim, a divisão que se fará notar mais adiante entre as artes e as ‘curiosidades’, duas direções a partir das quais surgirão, a seu tempo, o museu de belas-artes e o museu de história natural” (apud KIEFER, 1998, p. 13) O Palácio Médici pode ser considerado o primeiro museu privado da Europa, seja pela quantidade de objetos reunidos ou pela ornamentação ostensiva, mas o primeiro espaço dedicado exclusivamente às artes, desvinculado do objetivo decorativo, surge também em Florença, no final do século XVI. François I utiliza o último andar de seu edifício de escritórios, que nada mais era que um corredor de passagem que unia diferentes

palácios, para agrupar sua grande coleção de obras de arte que antes se encontrava em diferentes locais. A Galleria degli Uffizi, portanto, abrigou a grande coleção de pinturas, estátuas, objetos de arte antigos e modernos, armaduras, miniaturas, e medalhas do rei, para deleite de sua família e da nobreza local. Foi chamado de galleria, e a denominação passou a nomear as salas reservadas para coleções de arte, tornando, assim, a Galleria degli Uffizi uma referência para os colecionadores de toda a Europa. Sinônimo de prestígio e importância, a Galleria de François I contribui para o imaginário burguês que coordena a abertura de museus públicos franceses após a Revolução Francesa. O museu público foi criado com os ideais iluministas da época, pois foi um dos instrumentos que expunha a decadência e a tirania das velhas formas de controle, o antigo regime, ao mesmo tempo que valorizava a utilidade pública e democrática do novo, a república. Com a invenção da cultura democrática, a tarefa de expropriação das coleções reais e nobres, necessárias para a abertura dos museus públicos no final do século XVIII, foi encabeçada pelos burgueses, e foi facilitada pelo gesto dos próprios reis anteriores de reunir suas coleções em alas dos seus próprios palácios, assim como François I o fez. Entretanto, é relevante destacar que o caráter público desses primeiros museus se restringia a uma pequena parcela da população na época, diferentemente do que se observa no século XX, quando os museus, de fato, tornam- se um fenômeno de massas. Kiefer (1998) ressalta o forte caráter educativo que os primeiros museus possuíam. A associação da instituição museu com bibliotecas, vista na obra de Jean-Nicolas-Louis Durand, em 1819, que constitui um dos primeiros tratados de arquitetura que cita os museus, é


defendida a partir da concepção de que o museu deveria ser idealizado como um edifício que guarda um tesouro público e que é, ao mesmo tempo, um templo consagrado aos estudos, assim como a biblioteca. “Essas duas maneiras de ver os museus, como templo guardião de tesouros sagrados ou como escola, vão estar presentes, de alguma forma, em todos os projetos de seus novos edifícios. Uma vê a arte como fruto de uma essência atemporal, e a outra como feitos históricos perfeitamente determinados. A forma de Panteon, circular e monumental, vai responder aos anseios da primeira visão; as galerias, sequenciando a visita, vai responder à segunda” (KIEFER, 1998, p. 16).

A arquitetura, portanto, passa a ser um instrumento essencial utilizado pelo novo museu. Mudanças passam a ocorrer no interior desses museus nacionais, contribuindo para um campo que viria a se consolidar como museografia. Os primeiros museus, como visto, têm como forma de expressão arquitetônica a tipologia dos palácios, visto que, majoritariamente, ocupavam edifícios públicos já existentes, como foi o caso do Louvre², em Paris. Isso se justifica por alguns fatores: a organização linear das salas, típica dos palácios, se adequava muito bem aos museus nacionais; a opulência característica dessa arquitetura valorizava o acervo ali contido, representando a riqueza da nação e sua acessibilidade pelo povo; e a ocupação dos palácios por museus respaldava a tomada de posse de palácios pela burguesia ávida de poder. “A fórmula de museu-palácio conseguiu resultados significativos em termos urbanos e simbólicos durante

mais de um século” (KIEFER, 1998, p. 20), permitindo um circuito sequencial de visitação, e subcircuitos independentes ou especializados. É a partir do final do século XIX que os museus nacionais começarão a ser questionados, quando os movimentos de vanguarda passaram a chamá-los de “velhos museus de necrópole da arte”, como forma de crítica ao lugar conservador que abrigava a arte oficial. Mas as ideias modernistas na arquitetura dos museus só aparecem em forma de projeto na primeira metade do século XX, com o projeto do Museu Sem Fim, de Le Corbusier, nunca construído. A ideia principal desse projeto era o crescimento indefinido, já que o museu se constituía em uma espiral, contrastando o caráter amontoado dos antigos museus, que possuíam e expunham cada vez mais acervo no seu espaço limitado, tornando as instituições extremamente cansativas para o visitante. Museus se tornam, portanto, 21 objeto de projeto de diversos arquitetos renomados, como Frank Lloyd Wright, Josep Lluís Sert, Walter Gropius, Philip Johnson, Mies van der Rohe. Os arquitetos que tratam da questão no cenário brasileiro são Reidy, com o Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro (MAM, de 1924), e a própria Lina Bo Bardi, com o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP, de 1957 e, antes disso, a organização expográfica da primeira sede na Sete de Abril em 1947 e 1951). Majoritariamente, os projetos modernistas tratam de fluidez e transparências, continuidade espacial entre salas e exposições, explicitação da estrutura, simplificação de seus espaços internos. “A parede do museu deixa de ter realidade material, espessura, que contém ‘janelas’, para se transformar

² O museu, que nasceu em 1793, foi o primeiro Museu Nacional da história ocidental, e ocupou parte do palácio do governo pouco depois da Revolução Francesa.


em ‘fundo’ neutro que ressalta objetos autônomos” (KIEFER, 1998, p. 16). Dando continuidade às mudanças introduzidas no período moderno, a pós modernidade também observa alterações, e não somente na arquitetura dos museus, no conceito de museu também. Para Montaner (2003), os novos museus são aqueles obrigados a lidar com a consolidação da cultura pósmoderna do ócio e a indústria cultural dentro da sociedade pós-industrial, a partir da década de 1980. São instituições que reconheceram a necessidade de multiplicar seus serviços oferecidos, com exposições temporárias e locais para consumo. É diante desse cenário de reformulação que os próprios museus sofrem, na medida do novo contingente de visitantes-consumidores, que a discussão entre o museu como espaço cultural e educativo e o museu como espaço de diversão e lazer é considerada profunda e conflituosa. E se ramifica em 22 diversos campos, como o arquitetônico, museológico, turístico e econômico. Os museus modernos contribuíram imensamente para a ciência museológica, visto que surgiram como tentativas de responder novas necessidades observadas, ainda que sem nenhum respaldo científico. À época, não havia demandas museológicas cientificamente definidas para embasar as soluções adotadas pelos arquitetos, configurando, assim, os museus modernos como exemplos para estudos comparativos. Mas os novos museus, já dialogando com a ciência museológica recém consolidada, se afirmam pela complexidade de seus programas, e pelo importante papel urbano que assumem, como monumentos e lugares

de arte. No contexto brasileiro, essa complexidade de programa e o caráter abrangente que uma instituição museológica atual deve propor é respaldado pela Lei nº 11.904/2009, que institui o Estatuto de Museus. Dentre várias providências, o art. 32 estabeleceu que os museus deverão elaborar e implementar programas de exposições adequados à sua vocação e tipologia, com a finalidade de promover acesso aos bens culturais e estimular a reflexão e o reconhecimento do seu valor simbólico, ou seja, um Plano Museológico, que nada mais é do que “uma ferramenta básica no planejamento estratégico, de sentido global e integrador, indispensável para a identificação da vocação da instituição museológica para a definição, o ordenamento e a priorização dos objetivos e das ações de cada uma de suas áreas de funcionamento” (BRASIL, 2009).

Por meio deste instrumento, portanto, é possível analisar a concepção de museu que o país adota, e se aproximar dos dois estudos de caso dessa pesquisa. Esse Plano interdisciplinar, que deve ser elaborado com caráter participativo, deve abordar alguns programas, como: o institucional, o de gestão de pessoas, acervos, exposições, os planejamentos educativo e cultural, o programa de pesquisa, os programas arquitetônico e urbanístico, estratégias de financiamento e fomento, comunicação e acessibilidade. É um instrumento válido já que, nos programas arquitetônico e urbanístico, deve abordar questões intrínsecas à adaptação de um espaço existente a

³ Essas vinham a ser consolidadas somente na década de 1980, após um grande percurso iniciado em 1930, com a crescente necessidade de sistematização de conhecimentos dispersos sobre conservação, e com a constituição da museologia como ciência a partir da criação do Instituto Internacional para a conservação de Trabalhos Históricos e Artísticos (IIC), em 1950.


um museológico e aos desafios que qualquer instituição museológica assume, como a identificação, a conservação e a adequação dos espaços livres e dos construídos, bem como das áreas em torno da instituição. Com a descrição dos espaços e instalações adequados ao cumprimento de suas funções, deve indicar os aspectos de conforto ambiental, circulação, identidade visual, possibilidades de expansão, acessibilidade física e linguagem expográfica voltadas às pessoas com deficiência. O Plano também aponta a necessidade de se analisar as individualidades da localidade em que os museus se inserem, pois “[...] ressalta-se que o termo urbanístico amplia o entendimento inicial do Programa de Arquitetura para museus, tornando explícito que, desde a sua concepção, o espaço do museu não pode ser considerado encerrado em si mesmo, pois está inserido em um contexto urbano mais amplo, com o qual interage e interfere. [...] Não há mais espaço para a separação entre museu e comunidade, museu e sociedade e, consequentemente, entre museu e cidade”. (PEREIRA; KIMURA apud IBRAM, 2016).

Como discutido no Encontro Luso-Brasileiro de Museus Casas (2006), a “visão ativa de museu como instituição comprometida com a dinâmica cultural da sociedade é fundamental para criar laços com a comunidade intelectual e com o público em geral”. Sendo assim, a consonância das políticas públicas a respeito do tema com as atuais políticas culturais e ações educativas das instituições é peça chave no estudo do significado que as casas vêm exercendo ao longo de sua história no distrito do Morumbi, que se localiza muito próximo da segunda maior favela da cidade, Paraisópolis, além abrigar outras favelas,

como a Jardim Panorama. O museu, como espaço múltiplo, permite uma troca constante de conhecimentos, experiências e vivências. Isso é educar, e aí se encontram a dimensão e o compromisso social dos museus. É partindo dessa ideia que o Estatuto de Museus afirma, em seu art. 29, que “os museus deverão promover ações educativas, fundamentadas no respeito à diversidade cultural e na participação comunitária, contribuindo para ampliar o acesso da sociedade às manifestações culturais e ao patrimônio material e imaterial da Nação” (BRASIL, Lei nº 11.904, 2009).

A educação museal pode ser vista como formadora e mediadora da relação entre sujeito, memória e bem musealizado e/ou patrimonializado, reforçando, assim, a construção e a preservação da identidade partilhada por um grupo, comunidade ou sociedade, valorizando-os na diversidade. A partir 23 das discussões acerca do trabalho com a memória e a cultura, que resultaram na Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972, e seus desdobramentos, a educação museal assume um novo compromisso com a realidade social e com as transformações contemporâneas. O museu se torna instrumento de desenvolvimento social e do exercício da cidadania. E, ao seu lado, está o novo conceito de museologia social, que valoriza os seres humanos como sujeitos participativos, críticos e conscientes da sua realidade, ultrapassando, assim, a valorização da cultura material desvinculada da realidade social. (Instituto Brasileiro de Museus, 2007). É, portanto, com a sua comunidade e o seu território que o museu deve estabelecer o diálogo necessário para a construção do seu próprio significado.


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O MORUMBI NO PROCESSO DE EXPANSÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO

Verticalização e o processo de suburbanização de São Paulo Para melhor compreensão do que foi o processo de loteamento do distrito do Morumbi, que abriga os dois casos de estudo escolhidos, é necessária uma contextualização a respeito dos ideais 24 urbanísticos em voga, principalmente na década de 1950, em São Paulo. O período aqui reconstruído se estende do final do século XIX até meados do século XX, abarcando desde a crescente afirmação da cidade de São Paulo como pólo administrativo, econômico e habitacional, até a proposição do Relatório Moses, na década de 1950, que coincide com a década de construção dos dois estudos de caso da pesquisa. Esse espaço de tempo é analisado de modo a oferecer uma visão sensível às diferentes concepções de cidade e urbanismo que foram introduzidas no desenho urbano da cidade ao longo das décadas, resultando na idealização do distrito do Morumbi. A cidade de São Paulo foi fundada no ano de 1554, mas somente três séculos depois exerceria papel importante no cenário do país. Até 1850, a cidade se resumia ao chamado “triângulo histórico”, delimitado pelos

Conventos de São Francisco, São Bento e Carmo. Os eixos de deslocamento para outros aglomerados urbanos eram poucos expressivos, sendo usados principalmente por tropeiros. Mas a inauguração da São Paulo Railway, em 1867, dá início a uma série de mudanças na cidade, pois fez de São Paulo um entroncamento ferroviário. A cidade, portanto, nas décadas seguintes, começa a observar um crescimento demográfico exponencial, que também tem a ver com epidemias em cidades vizinhas, abolição da escravatura e os rendimentos da produção de café na província. A população, que era de cerca de 26 mil habitantes na inauguração da ferrovia, passa a ser 240 mil habitantes em 1900. (CAMPOS, ACKEL apud SOMEKH, CAMPOS, 2002) Devido às novas demandas de uma cidade em constante expansão, João Teodoro Xavier de Matos, presidente da província entre 1872 e 1875, realiza a “segunda fundação” da cidade, o primeiro conjunto de intervenções urbanísticas que visava atender as necessidades da nova São Paulo. As obras compreenderam desde calçamentos


de ruas existentes, reforma de jardins, implementação de iluminação pública, abertura e alargamento de ruas, até obras de drenagem e aterro em várzeas da cidade. Essa série de mudanças possibilitava o contínuo crescimento da cidade, principalmente nos vetores norte e leste, e intentava transformar a cidade em um grande polo administrativo e econômico, além do residencial, que já bem se configurava. Planos viários para a cidade foram desenvolvidos por posteriores presidentes de província, mas poucos saíram do papel. O projeto de João Alfredo Correa de Oliveira, presidente entre 1885 e 1886, completava as obras de João Teodoro, de modo a prefigurar “as soluções adotadas em futuros planos viários para São Paulo: ‘O presidente lembrava a conveniência de facilitar o tráfego da cidade, evitando a congestão das ruas centrais, com a abertura de avenidas circulares’”. (CAMPOS, ACKEL apud SOMEKH, CAMPOS, 2002, p. 17) Loteamentos de grandes áreas são realizados, visto o potencial proporcionado pela centralização econômica e política da cidade. O “novo centro” é desenvolvido dessa forma, a partir do loteamento do Morro do Chá, em 1876. Mas foi entre 1879 e 1881, que Frederico Glette e Victor Nothmann promoveram a inauguração do primeiro bairro “planejado” da cidade, os Campos Elísios. A região foi o principal destino da elite paulistana da época, que começava a desabitar o “triângulo histórico” de São Paulo. Houve, nesse período, uma renovação arquitetônica na capital, que substituía técnicas (taipa de pilão por tijolos importados) e soluções formais locais (arquitetura colonial por ecletismo europeu) por materiais e ideias importadas, tudo financiado pela riqueza trazida pelo sucesso da exportação do café. Nos anos 1880 e 1890, o vetor oeste

da cidade abrigou novos loteamentos para classes sociais abastadas, como Vila Buarque, Santa Cecília, Higienópolis e a Avenida Paulista com suas alamedas vizinhas. Em contrapartida, observavase a ocupação do território de várzea e de áreas vizinhas às estradas de ferro por uma população com pequeno poder aquisitivo. A explosão demográfica, que a cidade observou após a Proclamação da República e seu consequente ganho de autonomia, causou a primeira grande crise sanitária e habitacional na cidade, uma epidemia de cólera. Cortiços e outras formas de moradia popular foram as que mais sofreram com ações públicas de combate à doença, que, por fim, mascaravam um combate ao pobre, contra a marginalidade e a favor dos chamados “bons costumes”. As prioridades do governo, então, modificaram-se. As intervenções urbanas deveriam abarcar o controle 25 sanitário e o combate às epidemias, assim como a construção de novos edifícios públicos para abrigar as novas instituições e afirmar a pujança do novo governo vigente, a República. (CAMPOS, ACKEL apud SOMEKH, CAMPOS, 2002) Uma Comissão Técnica de Melhoramentos foi criada, em 1896, pela Câmara, com o objetivo de elaborar um plano geral para a cidade, o fazendo em 1897. Com base na planta geral da cidade atualizada, a Comissão, junto da Intendência de Obras, elaborou um plano viário urbano, que se baseava em uma grande via perimetral como estruturadora de uma configuração radio concêntrica. A política de melhoramentos e embelezamento, que estava por trás do plano, guiou as intervenções públicas na cidade por um longo período, visto que o Prefeito encarregado era Antonio da Silva Prado, membro da elite paulista e com interesses comuns ao seu meio social e


econômico. São Paulo deveria ser, então, remodelada: “A cidade deveria ser adequada para fazendeiros, negociantes e governantes, também servindo de vitrine para imigrantes e investidores estrangeiros. Ignoravam-se as necessidades das atividades produtivas urbanas e da população trabalhadora, assim como a realidade desigual e contraditória que acompanhava o intenso crescimento territorial e demográfico da cidade” (CAMPOS, ACKEL apud SOMEKH, CAMPOS, 2002, p. 23)

Nos primeiros anos do século XX, o centro da cidade encontravase à beira de um colapso, devido ao constante congestionamento da região, reforçando a necessidade de remodelação da cidade. Essa região central foi o foco dos investimentos da época, com ampliação de ruas e construção de grandes edifícios, e 26 destinada às classes abastadas da sociedade. O plano urbanístico em voga fez questão de destinar os cortiços para longe da cidade e transformar as moradias operárias em áreas isoladas do tecido urbano, caracterizando um projeto muito segregacionista. De acordo com os princípios econômicos liberais da época, a infraestrutura urbana deveria ser atribuída à iniciativa privada, e assim aconteceu. A empresa canadense Light & Power entrou nesse cenário, nos anos finais do século XIX, com a geração e distribuição de energia elétrica, telefonia e transportes públicos. A companhia detinha, por fim, o monopólio desses setores, e contribuía para determinar o desenho da expansão urbana paulista,

pois suas linhas radiais de bonde se configuravam vetores reais de expansão. Em 1910, a proposta de “Melhoramentos do Centro da Cidade de São Paulo”, desenvolvida por Victor Freire e Eugênio Guilhem e baseada nos ideais de Augusto da Silva Telles4, é apresentada ao então prefeito da cidade, Antonio Prado. O projeto se dedicaria ao desafogamento do “triângulo histórico”, com o alargamento da Rua Líbero Badaró, e a criação do Parque no Anhangabaú, que viria permitir a expansão imobiliária da área central sobre essa zona muito pouco valorizada. O projeto foi alvo de muita discussão, visto que recebeu uma rápida contraproposta elaborada, a pedido do Governo do Estado, por Samuel das Neves. Victor Freire, em resposta a esse novo projeto, defendeu o seu trabalho exigindo a superação de referências haussmanianas e a adoção de ideais da obra do arquiteto austríaco Camillo Sitte: “a irregularidade do sítio paulistano, antes considerada um obstáculo, poderia ser transformada em vantagem, desde que aproveitada por projetos cuidadosos que tirassem partido da paisagem” (CAMPOS, ACKEL apud SOMEKH, CAMPOS, 2002, p. 38). Para resolver o impasse a favor do projeto estadual, o arquiteto francês Joseph-Antoine Bouvard foi contratado pelo Diretor de Obras Municipais, em 1911. Porém, Bouvard soube conciliar os interesses públicos e privados e apresentou o seu trabalho como o primeiro plano com visão mais abrangente da capital paulista. O centro histórico deveria ser uma área exclusiva comercial e de serviços, condizente com sua condição de capital do Estado, e deveria se voltar para os novos bairros

Professor na Escola Politécnica de São Paulo, engenheiro da cidade de Santos, diretor de obras do Rio de Janeiro, a então capital federal, entre 1897 e 1898 e vereador da capital paulista entre 1905 e 1911. Neste cargo, desenvolveu um projeto de melhoramento urbanístico do centro da cidade (indicação n° 147 de 15 de setembro de 1906), que solicitava várias obras no entorno do Vale do Anhangabaú. Este projeto é descrito no livro “Os Melhoramentos de São Paulo”, de 1906, escrito pelo próprio Augusto Teles. 4


residenciais de classes abastadas, como os Campos Elíseos, Higienópolis, Avenida Paulista e os loteamentos já previstos para o Pacaembu e a várzea do Rio Pinheiros. Para esse fim, poderiam ser utilizados artifícios como a criação de áreas verdes pitorescas e um desenho viário que respeitasse o relevo natural. A estrutura viária proposta ainda se configuraria como radial, formando um anel externo ao circuito do “triângulo histórico”, com avenidas partindo do centro, mas que evitariam os alinhamentos retilíneos forçados. (CAMPOS, ACKEL apud SOMEKH, CAMPOS, 2002) No Plano Bouvard, a arquitetura, junto com o paisagismo, molda e valoriza a paisagem urbana, numa simbiose de total coerência. O plano foi assim implantado em seções, no período entre 1910 e 1920. Em meio a discussão do novo Código de Obras de São Paulo, Freire defendia que fora da área central, a cidade deveria se formar a partir somente de bairros residenciais horizontais, proibindo assim, em 1921, por meio da Resolução Municipal, a verticalização fora do perímetro urbano. Isso vai ao encontro dos princípios do seu plano de 1918, que defendia os novos loteamentos com caráter residencial e unifamiliar, e também com qualidade urbanística semelhante aos inaugurados pela Companhia City em São Paulo.

“A estrutura urbana básica – um centro terciário denso limitado à colina histórica, ao ‘Centro Novo’ e a Santa Ifigênia, e um entorno horizontal de bairros residenciais acessados por linhas radiais de bondes – seria almejada pelas iniciativas da Light, também defendidas por Freire, e da Companhia City, na ocupação da região Oeste/Sudeste da cidade”. (CAMPOS, ACKEL apud SOMEKH, CAMPOS, 2002, p. 48)

A Companhia City foi criada em 1912 a partir da iniciativa de capitais estrangeiros no investimento em solo paulista, que seriam defendidos por Bouvard como objeto inevitável de aplicação rentável. A compra de numerosos terrenos por investidores resultaria na implantação dos atuais bairros do Jardim América, Pacaembu, Alto de Pinheiros, Boaçava, City Butantã e Alto da Lapa, destinados às classes média e alta, que fariam uso de ideais urbanísticos concebidos por Ebenezer Howard, na sua concepção de Cidade Jardim. Berry Parker, arquiteto que contribuiu essencialmente para a prática de tais conceitos, projetou o Jardim América, em 1917, o primeiro empreendimento da Companhia. A implantação de tais bairros jardim implicou diretamente na mudança de legislação municipal de parcelamento do solo. O traçado ortogonal não era obrigatório desde 27 1913, permitindo, dessa forma, o desenho viário dos Jardins América e Europa fazerem uso também de curvas. A hierarquização de vias, traçados mais livres, previsão de áreas verdes e estabelecimento de uma área mínima para os novos lotes foram aprovados legalmente, com o apoio de Freire. Em 1920, o Plano de Bouvard já era visto como ultrapassado para a cidade em plena atividade e expansão, então foi encomendado um novo plano a Ulhôa Cintra, engenheiro técnico da divisão da diretoria responsável pela planta da cidade. O engenheiro elaborou um projeto de irradiação e expansão, entregue em 1922 à Câmara. A proposta de expansão da área central da cidade extrapolava o “triângulo histórico” e, também, o “circuito exterior” de Freire, apostando em uma estrutura viária radial perimetral, de circunferências sucessivas, que estruturariam e incentivariam o crescimento urbano e


seriam apoiados em vias radiais. Ulhôa Cintra se relaciona com Francisco Prestes Maia, engenheiro civil e arquiteto representante da Secretaria Estadual de Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Juntos, concebem o perímetro em concordância com outras ideias, e Prestes Maia o apresenta como Plano de Avenidas, em 1930. Porém, quase nenhum projeto desse Plano foi cumprido nessa década, devido ao fim da República Velha e todas as mudanças políticas que a Revolução de 1930 trouxe consigo, que resultaram na perda dos recursos necessários para sua implantação. O Plano de Avenidas se baseia em três principais pressupostos: o crescimento horizontal e vertical da cidade; a circulação e a importância do transporte rodoviário, com destaque para o automóvel; e a ideia de uma estrutura urbana voltada ao crescimento e apoiada na infraestrutura viária. “Para 28 Maia, o crescimento é um aspecto essencial da realidade paulistana, a ser organizado e articulado, e não um problema a ser contido; a própria estrutura radial salienta a possibilidade de expansão permanente” (CAMPOS, SOMEKH, 2002, p. 64). Possuiu, então, um caráter ambicioso, e como os planos anteriores, teve propostas muito bem claras a respeito do centro histórico, que sofria de três males, sendo eles a sua área limitada, sua dificuldade de acesso e o cruzamento de correntes externas. Propõe, portanto, a construção de três anéis viários, o primeiro inspirava-se nos bulevares parisienses, e denominava-se Perímetro de Irradiação, englobando o centro antigo e o novo bairro comercial nas encostas do vale Anhangabaú. A transposição do vale, e a integração entre os dois centros assumem um significado importante neste momento, pois “as novas avenidas e os viadutos projetados sinalizavam a importância

que este novo centro assumia para a administração municipal” (SOMEKH, 1991, p. 67), visto que abrigava um comércio mais sofisticado, sediava empresas e oferecia novas atividades culturais. O segundo anel, o bulevar exterior, englobaria uma área maior, que teria sua circulação de veículos melhorada e seu sistema ferroviário racionalizado e unificado. Já o terceiro anel, denominado Circuito de Parkways, era composto pelas marginais dos rios Tietê e Pinheiros. “Este sistema radialperimetral permitia a extensão sem limites da cidade garantindo, ao mesmo tempo, uma integração mais eficiente entre os diferentes bairros” (SOMEKH, 1991, p. 67). As soluções previstas no plano, entretanto, não deveriam basearse em obras no sistema viário, mas sim na combinação dessas com uma política de renovação urbana dirigida à eliminação dos bolsões de pobreza adjacentes ao centro. No Plano de Avenidas, é possível identificar, portanto, uma estreita relação entre a forma de expansão urbana e o sistema de mobilidade proposto para a cidade. A expansão horizontal da zona periférica da cidade exigia, entretanto, outras alternativas para viabilizar a mobilidade urbana, pois o atendimento da Light a essa expansão era desigual. A empresa atendia aos bairros nobres como Higienópolis e Avenida Paulista, e não servia às principais concentrações operárias surgidas na virada do século. Entre 1924 e 1927, a empresa Light, proprietária da rede de bondes elaborou e propôs seu Plano Integrado de Transportes. Era prevista uma rede de metrô articulada a outros meios, como os bondes já existentes e ônibus, para estender o sistema de transporte coletivo às novas dimensões urbanas. Porém, o projeto foi recusado pela municipalidade, após longo debate. O abandono do transporte


urbano de passageiros sobre trilhos caracterizou o período e isso ocorreu a partir da combinação de dois motivos, um técnico e outro político. Foram eles: o fato do ônibus para o transporte público apresentar a flexibilidade adequada para circular desde o centro até os bairros periféricos sem infraestrutura viária, dispostos quase que aleatoriamente pelo território, versatilidade impossível aos sistemas sobre trilhos; e as relações entre a implantação de uma política “rodoviarista” e a aproximação paulista ao modelo industrial estadunidense inegável no período histórico em discussão. O surgimento do culto do automóvel como sinal de modernidade influencia o cenário político, “[...] o “rodoviarismo” assume um papel que transcende a forma de organização técnica do território, revelando seu caráter de diretriz econômica e política que disputava a hegemonia no país. Coerente com essa política, o projeto de Prestes Maia propõe a mobilidade baseada nas vias para transporte sobre pneus, a qual viria a se tornar o principal atributo estrutural da expansão da cidade.” (ANELLI, 2007)

Os projetos previstos no Plano só começaram a ser realizados na gestão municipal de Fabio de Prado (1934-1938) e seriam completadas na seguinte, de Prestes Maia (1938-1945). Difere-se, enfim, o modelo urbanístico anteriormente proposto por Bouvard e Freire, que vislumbravam uma cidade com seu centro terciário e vertical restrito ao “triângulo histórico” e ao Morro do Chá, com suas áreas adjacentes horizontais, na forma de bairros-jardim. Somekh (1991) defende que foi uma transição gradual entre duas concepções urbanísticas, pois Prestes Maia adota soluções anteriores, adapta-as a seus objetivos e adiciona novos princípios. Mas as pressões de crescimento, intensificadas pela

industrialização, tomam proporções inimagináveis, exigindo um Plano que reconhecesse, de fato, a transformação de São Paulo como cidade do capital agroexportador para a cidade do capital industrial. Como afirmam Ackel e Campos (2002, p. 52), “Podemos dizer que os planos de remodelação urbanística de São Paulo até 1930 destacam a afirmação de valores representativos, por meio de controles volumétricos e de preocupações estéticas localizadas, aprimoram a funcionalidade urbana central por meio de intervenções pontuais, e configuram espaços residenciais de qualidade para a elite. Não são adotadas políticas abrangentes de regulação, integração viária e provisão de equipamentos urbanos. As propostas têm seu horizonte limitado ao papel do ‘capital do café’ como centro decisório, comercial, administrativo e residencial, deixando de lado as necessidades da produção industrial e da população trabalhadora”.

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Um aspecto válido de ser apontado neste momento é decorrente da conquista de espaço no mercado imobiliário pelo racionalismo arquitetônico. O ecletismo afrancesado observa a inserção de edifícios que seguiam o racionalismo arquitetônico moderno na malha urbana da cidade. Obras de Rino Levi, Vital Brazil, Jacques Pilon, Elisiário Bahiana e vários outros protagonistas da modernização paulistana começam a configurar a capital. Muito influenciados pelos CIAMs e pela Carta de Atenas, esses arquitetos revelam seu entusiasmo com a rápida transformação da cidade, e introduzem uma nova arquitetura que condissesse com o patamar de modernidade que a cidade se situava. (ANELLI, 2007) A execução do Plano de Avenidas, por fim, tem consequências irremediáveis, que culminam em novas


condições urbanas, como a expansão dos loteamentos populares acessados por ônibus e a consolidação do padrão periférico de assentamento popular. Áreas que não mais se constituíam a partir do modelo rentista de provisão habitacional, mas sim a partir da institucionalização da casa própria autoconstruída, que foi amplamente respaldada na popularização da aquisição de terrenos a prestações, no comércio de materiais e nos loteamentos clandestinos. (SOMEKH, CAMPOS, 2002) O bonde elétrico também dá espaço ao veículo sobre rodas, seja o carro particular, ou o ônibus urbano, gerido pela empresa estatal CMTC. Essas condições, somadas a mudanças políticas, forçaram adaptações do Plano de Avenidas, que, no período pós-guerra, não mais satisfazia as necessidades da cidade. O Relatório Moses, de 1950, assim surge. O principal documento 30 urbanístico que sucedeu o Plano de Avenidas nasce no contexto de carência de transportes coletivos e verticalização intensiva dos velhos e novos espaços centrais, fatores que por si só agravam os problemas urbanos de São Paulo. O então prefeito Lineu Prestes, encomenda à IBEC (International Basic Economy Corporation) um relatório minucioso que abrangesse estudos e planos referentes: à planta geral e ao plano de zoneamento, ao sistema viário, aos parques e praças, à hidrografia do Rio Tietê, à engenharia sanitária e métodos de financiamento para realização de obras públicas. A direção desse estudo foi atribuída a Robert Moses, engenheiro nova iorquino que tinha forte atuação e reconhecimento na grande cidade estadunidense. O estudo encomendado poderia auxiliar no embate brasileiro entre duas visões urbanísticas, a de Prestes Maia e a do engenheiro arquiteto Anhaia Mello. A primeiralegitimava

o livre crescimento e expansão da metrópole. A última defendia o controle e limitação da expansão urbana, opondose à instalação de novas indústrias, que eram as que atraíam constantemente os novos trabalhadores que ocupavam o território de forma desordenada. Em seu relatório “Programa de melhoramentos públicos para a cidade de São Paulo”, Moses respondeu à questão por meio de uma organização setorial da cidade (ao contrário do Plano de Avenidas), e com a proposta de construção das “rodovias urbanas”, que condiziam com o modelo rodoviário adotado na cidade. Pretendeu resolver o problema da insuficiência do transporte público por meio da modernização e ampliação da frota de ônibus. Manteve a estrutura radio-concêntrica do plano de Prestes Maia, pois identificou a importância da cidade para a rede de rodovias estaduais que tinham São Paulo como centro regional. Sugeriu também, que algumas marginais, como a Tietê e a Pinheiros, recebessem o tráfego de rodovias, sem cruzamentos em nível e sem interferências de entrada e saída de veículos nos edifícios lindeiros. Muito diferente dos bulevares que Prestes Maia concebeu para a cidade, as marginais deveriam ser independentes de qualquer tecido urbano que atravessassem. (ANELLI, 2007) Por fim, é importante ressaltar a defesa do arquiteto estadunidense do subúrbio “‘conectado’ à cidade por grandes avenidas permitindo as duas possibilidades de cotidiano – viver na grande cidade e o fim de semana no campo, ou viver em uma grande casa de campo e manter na cidade um pequeno apartamento” (LEME apud CAMPOS, SOMEKH, 2002). Essa dualidade entre cidade e campo é de extrema relevância quando estudaremos, a seguir, o surgimento de novos bairros paulistas no final da década de 1940 e início da


de 1950, como o Morumbi, que nasceu com o intuito de oferecer, aos seus moradores, um caráter bucólico à 15 quilômetros do centro da metrópole.

De fazenda de chá a um bairro de alta renda Inserido no contexto anteriormente abordado, o distrito do Morumbi é objeto de estudo neste subcapítulo. A bibliografia específica sobre a história do bairro não é abundante e percebe-se ainda algumas lacunas a respeito da formação desse distrito de São Paulo. Algumas reportagens em periódicos como Veja e Folha de São Paulo nos fornecem informações importantes sobre a região desde o período colonial. Para o período que se inicia com o loteamento da área, a pesquisa de Dall’Alba (2017) também é de grande valia para essa investigação e constitui a principal fonte secundária sobre a época. A região que hoje se encontra o distrito do Morumbi se origina do loteamento de uma extensa área de mata fechada com cerca de 12 quilômetros quadrados, que se estendia da margem do Rio Pinheiros até Santo Amaro. A área compunha a chamada Fazenda Morumby, que pertenceu primeiramente aos jesuítas, durante o período colonial. Mas em 1759, ano no qual a coroa portuguesa expulsou os religiosos da Companhia de Jesus de todos os seus territórios coloniais e metropolitano, a fazenda foi devolvida à família real. O terreno abrigava uma capela e a casa principal, construída, em 1813, pelo regente Diogo Antônio

Feijó. Em 1825, a fazenda foi adquirida pelo inglês John Rudge, e acredita-se que Dom João VI tenha incentivado a transformação da terra em extensas plantações de chá e vinhedos, evitando, assim, a importação desses tais produtos para o país. A fazenda prosperou e alcançou uma extensa rede de distribuição para os seus produtos, englobando diversas regiões do Estado de São Paulo. Porém, segundo Silvia Siriani5, a fazenda teve diversos proprietários a partir de 1840, até que no início do século XX, “uma praga levou seu então proprietário, Antonio Diederichsen, a se desfazer das terras. Os donos que lhe sucederam começaram a retalhar o espaço em chácaras, que seriam a semente dos loteamentos que compõem o Morumbi” (SIRIANI apud ZAMBRANO, 2017). O historiador e jornalista Levino Ponciano, autor dos livros Bairros Paulistanos de A a Z(2001) e São Paulo: 31 450 bairros, 450 anos (2004), resume o processo: “Eles lotearam o que sobrou da gigantesca área original, principalmente próximo à casa que era a sede da fazenda, nos moldes de bairros como o Jardim América. A ideia pegou e atraiu muita gente com dinheiro, criando uma espécie de marca registrada do Morumbi” (PONCIANO apud ZAMBRANO, 2017).

O engenheiro Oscar Americano Filho, dono da Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO), e a Companhia Imobiliária Morumby iniciaram, então, o processo de loteamento da região a partir do processo de suburbanização da cidade de São Paulo, que tem suas causas descritas por Dall’Alba (2017):

5 Professora do departamento de história da FMU e mestre em história social pela USP, procurada pela Veja São Paulo para colaborar com a reportagem


“a partir dos anos 1920, o processo de verticalização iniciado no núcleo urbano principal não apenas alterou a paisagem da cidade, que já ganhava feições de metrópole, como inclusive fortaleceu, por causas e interesses diversos, a emergência da suburbanização” (DALL’ALBA, 2017, p. 64)

Como já discutido, o crescimento exponencial da população, visto a partir da década de 1920, a implantação de novas malhas rodoviárias na cidade e o crescente uso do automóvel a partir dos anos 1940 são questões intrínsecas a esse processo de suburbanização periférica que compreende diversos bairros, como os que formam o distrito do Morumbi. No setor sudoeste da periferia imediata, por exemplo, pôde ser vista, com mais intensidade na década de 1950, a ocupação de alguns

bairros na região do atual Morumbi por uma parcela da população com maior poder aquisitivo, configurados como subúrbios para famílias privilegiadas. Observa-se um rápido processo de valorização das terras da região durante as décadas de 1950 e 1960. Isso pode ser verificado, na década de 1950, em ações publicitárias desenvolvidas por companhias ligadas ao mercado imobiliário que atuaram na região, em intervenções feitas pela Companhia Imobiliária Morumby, assim como na construção de diversas residências projetadas por grandes nomes da arquitetura. Já na década de 1960, além dos projetos residenciais que continuam a ser construídos, observa-se a inauguração de grandes equipamentos e instituições no distrito. Visando a valorização dos seus terrenos, a Companhia, por exemplo, contratou o escritório do arquiteto

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Figura 1 - Áreas urbanizadas na cidade de São Paulo até 1949. (DALL’ALBA, 2017, p. 71)


Gregori Warchavchik para também fazer a reconstrução das ruínas de taipa de pilão, que se acreditou ser da capela da antiga fazenda. O arquiteto já havia feito a reconstrução da Casa da Fazenda na década de 1920, quando parte da estrutura ruiu6. Na capela, completou a edificação com alvenaria de tijolos, e, por indicação de Pietro Maria Bardi, convidou a pintora Lúcia Suanê, em 1951, para pintar um afresco em seu interior. A representação realizada narra a cena do batismo de Cristo e os anjos com fisionomias de índios. Já na década de 1960, destacamse a conclusão e inauguração de alguns departamentos do Hospital Israelita Albert Einstein, a inauguração do estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi – que contou, em sua construção, com conselhos técnicos de Oswaldo Bratke –, e a transferência da sede de governo do Estado para o Palácio dos Bandeirantes no distrito do Morumbi, no ano de 1964. É essencial frisar, entretanto, que desde a concepção desses novos bairros no subúrbio paulistano, a valorização da terra já estava sendo planejada. Foi, portanto, um resultado já esperado por quem coordenou o loteamento da grande área e quem desenvolveu o traçado urbano do distrito. Um bom exemplo disso – assim como do papel do arquiteto na conformação de bairros, distritos e cidades – é o bairro Paineiras do Morumbi, vizinho à localização das casas escolhidas para estudo aprofundado, mas integrante do distrito Morumbi e desenvolvido por Oswaldo Bratke e o engenheiro civil Oscar Americano (19081974). O arquiteto comprou uma porção de terra na passagem dos anos 1930

para os 1940, a utilizou como campo de experimentação de novas técnicas construtivas e também como chácara de lazer para os finais de semana. Bratke incentivou, desde que adquiriu as terras, amigos a investirem na região, e assim, Oscar Americano comprou uma gleba contígua a do arquiteto, no final dos anos 1940, que possuía cerca de 110000 m², já com a intenção de reparti-la e urbanizá-la. Juntos, portanto, empreenderam o loteamento da área denominada Paineiras do Morumbi, sendo encargo de Bratke o projeto do traçado viário e do parcelamento da área, assim como a previsão de algumas normativas urbanísticas para a ocupação dos terrenos. Bratke, que havia executado boa parte dos seus projetos residenciais já nesse modelo urbanístico oriundo dos ideais de cidade jardim de Ebenezer Howard, toma como referência, para o Paineiras do Morumbi, as características do modelo de bairros- 33 jardim paulistas introduzidos na capital pela Companhia City de São Paulo, na década de 1910. Em uma porção desta gleba, Bratke projetou sua residência e, posteriormente, foi contratado para projetar a residência destinada a Oscar Americano e sua família. Ambas as residências se inserem no contexto paulista da busca pelo subúrbio bucólico, que refletia as ambições tradicionais da elite paulista acerca do seu ideal de vida moderno que não mais se contentava com as dinâmicas urbanas da crescente metrópole da região economicamente mais dinâmica do país. (DALL’ALBA, 2017) Os quarteirões loteados por Bratke tiveram grandes metragens, de forma parecida ao Jardim América, da

6 Na década de 1990, ocorreu novo processo de restauração da casa, coordenado pelo engenheiro Antonio Gorios com base na reconstrução feita por Warchavchik. Em 2005, a casa e a capela foram tombadas pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo. (TEIXEIRA, 2017)


Figura 2- Bairro Paineiras do Morumbi, Jardim Leonor e Jardim Morumbi, 1958 (DALL’ALBA, 2017, p. 101)

Companhia City, possuindo áreas que variavam entre 500 m² e quase 1000 m². Os grandes terrenos possibilitavam grandes casas e generosos jardins. O uso do solo foi inicialmente restrito à construção de residências, e o comércio,

serviços e outros equipamentos foram projetados (mesmo que não construídos) pelo próprio Bratke em áreas específicas. Essa restrição implicou no incentivo ao uso do automóvel, que ainda era importado na época, sendo acessível somente às classes mais abastadas da cidade. Segundo Dall’Alba (2017, p.90), apesar do traçado viário retomar algumas soluções oriundas do desenho das cidades-jardim, “como ruas terminadas em cul-de-sac, pequenas vielas e a hierarquização entre vias de trânsito rápido (Avenida Morumbi) e ruas de trânsito local com largura mais estreita”, o desenho do bairro em extensos quarteirões favorecia a mobilidade por automóvel, ao invés do deslocamento pedonal. Além disso, pelo fato de o bairro se encontrar no subúrbio da cidade, o Rio Pinheiros, mesmo que já transposto por

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Figura 3 - Alguns bairros que compõem o distrito do Morumbi (DALL’ALBA, 2017, p. 90)


infraestrutura viária, ainda permanecia no imaginário da população como uma barreira física natural entre a região e o centro da cidade de São Paulo. É isso que se observa a partir da entrevista realizada pela Veja de São Paulo à Ana Luiza Bellio, empresária que tem uma confecção no bairro Jardim Guedala e que narra alguns episódios que eram comuns na vida dos moradores do bairro quando este se encontrava ainda em vias de urbanização: “Morávamos em Higienópolis em uma casa alugada e meu marido comprou um terreno no Guedala em 1970 porque o preço o atraiu. Aqui pudemos construir uma ótima casa e criar os três filhos. [...] Para fazermos uma festa de aniversário das crianças, tínhamos de ir buscar os amigos delas do outro lado do Rio Pinheiros, porque ninguém queria vir. Diziam que o Morumbi ficava no fim do mundo”. Também lembra que “cobras apareciam em nosso quintal. E, quando começava a construção de algum imóvel nas redondezas, as aranhas e os escorpiões que ficavam escondidos no mato vinham parar dentro da minha casa.” A partir da análise urbanística do Paineiras do Morumbi, e da reconstrução histórica de outros bairros do distrito, como o Jardim Leonor (que, assim como o Paineiras, também foi projetado por Bratke), Jardim Guedala, Jardim Morumbi, Cidade Jardim (Figura 3), é possível identificar semelhanças e compreender que a região foi concebida a partir de um modelo bem definido de cidade e sociedade, com seu bucolismo e isolamento próprios. Seu desenvolvimento no modelo de subúrbio americano ocorreu de acordo com o planejado, e foi apoiado por diversas figuras de destaque da época, como pode ser constatado no subcapítulo a seguir.

O Morumbi segundo as Revistas Habitat e Acrópole A fim de complementar a análise urbanística do loteamento e do desenvolvimento da região, com uma leitura da arquitetura que contribuiu para a construção da imagem do bairro, foi realizada uma varredura nas Revistas Habitat e Acrópole no período de 1950 a 1970. Ambas as revistas são fontes importantes para pesquisa a respeito da cidade São Paulo, pois retratam mais do que a arquitetura de uma época, dão pistas sobre o processo de construção e afirmação de um novo estilo arquitetônico que estabeleceu forte diálogo com a revisão de aspectos urbanísticos, sociais, culturais, econômicos e políticos do país. Qualquer menção nessas revistas, portanto, ao bairro e aos projetos arquitetônicos que ele abrigou foi sistematizada, e pôde-se extrair informações importantes a partir 35 dessas fontes primárias. A Revista Habitat foi uma “revista de cultura em que arte, arquitetura, design, teatro, bailado e fotografia aparecem inseridos no universo de ação cultural no momento em que São Paulo consolidava-se como metrópole” (STUCHI, 2007, p. 1). A revista, que possuiu 84 números lançados entre outubro de 1950 e dezembro de 1965, teve papel importante na consolidação da arte e arquitetura moderna no Brasil e deve ser vista como parte essencial tanto da trajetória profissional de Lina Bo Bardi e de seu marido, Pietro Maria Bardi, ambos diretores da revista, quanto do Museu de Arte de São Paulo (MASP), também dirigido por Pietro Bardi. O periódico se afirma como “formador” de um público, e, diante de um contexto de crescimento desordenado da cidade de São Paulo, aponta soluções que dialogam com o cenário internacional


dos CIAMs e convoca os arquitetos para a ação, contribuindo, assim, para a revisão do papel do artista e do arquiteto na sociedade moderna. (STUCHI, 2007) Não é um acaso que Lina e Bardi, que compraram seu próprio terreno no Jardim Morumby, façam publicidade do bairro em sua revista. Assim, o primeiro artigo na Revista Habitat (n. 5) sobre o bairro compartilha o receio de que essa região virgem na cidade acabe por abrigar arquitetura de todos os estilos e gostos pessoais, após cada proprietário contratar seu arquiteto e ter um projeto de residência conforme suas exigências. Apesar de ser pontuado como a sequência natural dos Jardins América, Paulista e Europa, o “carnaval” que virou a arquitetura desses bairros é o oposto do que se espera do Morumbi,

que deve ser construído nos “moldes rigorosamente contemporâneos” e deve manter uma arquitetura de bom gosto. Oswaldo Bratke e Gregori Warchavchik são citados como colaboradores para o salvamento do “bairro mais bonito de São Paulo”, visto que têm influência nas companhias de construção e outras do mercado imobiliário que atuam na região. O décimo volume do periódico possui em sua capa imagens da Casa de Vidro de Lina Bo Bardi e abriga o terceiro artigo que se refere ao bairro. No volume em que Lina publica sua casa recém construída, o artigo do bairro antecede o da residência. Lina aborda, dessa vez, a relação entre arquitetura e paisagem, responsáveis pela formação da “cidade harmônica”. “O Jardim Morumbi será o

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Figura 4 - Revista Habitat, n.5, recorte da p.66


Figura 5 - Revista Habitat, n. 10, p. 31

Figura 6 - Revista Habitat, n. 10, p. 38

melhor exemplo deste amor do paulista pela natureza”, onde as árvores, as plantas e as flores serão respeitadas e apreciadas, onde a natureza será o “repouso dos olhos e do espírito”. Podese notar, neste artigo, uma contribuição para a construção da imagem do bairro como um “contraste vivo e verde” aos loteamentos estereotipados de São Paulo. O artigo seguinte, no mesmo volume (n.10), expõe o projeto de Lina Bo Bardi para sua própria residência no bairro, que, dentre muitos detalhes técnicos, é caracterizado por sua “aproximação com a natureza por todos os meios, os mais singelos, que menor interferência possam ter junto à natureza”. É de se destacar a crítica positiva que a revista faz à essa residência, que pode ser notada a partir da afirmação de que “natureza e arquitetura são hoje os elementos para uma casa

saudável”, e a partir do apontamento que a revista faz ao bom sucesso da arquitetura da casa devido à ausência de um cliente que pudesse interferir nas soluções corretas escolhidas pelo arquiteto, visto que essas duas figuras, naturalmente antagônicas, coincidiram na mesma pessoa. O ambiente interior e social da casa também é destacado e comparado a um museu. Lina, com seu repertório expográfico, compõe o mobiliário e a decoração da sala de estar com objetos diversos, originais de diferentes períodos artísticos e culturais. Isso é valorizado, visto que “apreciar o antigo, o passado, a história, é o único índice cultural que diferencia o homem moderno dos visitantes de estádios e hipódromos” (HABITAT, n.10, 1953, p. 38). Mas é importante frisar que, apesar dos objetos que compõem o seu interior, a casa não deixa de prezar pelo racionalismo e pela funcionalidade

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dos seus espaços, em sintonia com os princípios da arquitetura moderna. O próximo artigo que faz menção ao Morumbi apresenta a Residência Oswaldo Bratke (n. 10). É a residência do arquiteto e de sua família, que por estar localizada no topo de uma colina, tem vista para todos os sentidos. “Como ponto principal do projeto, a vista é um fator importante, e não deve ser interceptada em nenhum sentido” (HABITAT, n.10, 1953, p. 41). O arquiteto fez uso de elementos vazados e um espelho d’água junto à casa, de modo a fazer uma transição suave entre a casa e a natureza do entorno, integrando a mesma no terreno. Assim como a Casa de Vidro, essa residência tem projeto paisagístico essencial, pois também interfere na natureza (por meio da plantação de árvores) e compõe diretamente a paisagem.

Os próximos artigos com projetos no distrito do Morumbi apresentam: um Hospital Infantil, projeto de O. Bratke também e com construção pela Companhia Brasileira de Pavimentação e Obras (n. 13); uma residência que tira proveito do terreno em declive, do arquiteto Abelardo de Souza e projeto paisagístico de Miranda Magnoli e Rosa Kliass (n. 54); e outra do arquiteto Pedro Paulino Guimarães, da construtora Cosmo e do proprietário Carlos Raul Arantes, que faz divisa com o parque do bairro (n. 58). Todas as residências apresentadas pela revista Habitat no distrito do Morumbi tornaram a natureza do novo bairro elemento constitutivo da paisagem, junto à arquitetura. Corroborando, assim, para a imagem do bairro como um refúgio da metrópole, um lugar que oferecesse qualidade de vida, na medida que possuísse boa

Figura 7 - Projeto de Augusto e M. Cláudia Boccara, Revista Acrópole, n. 340, p. 20

Figura 8 – Projeto de Luis Saia, Revista Acrópole, n. 209, p. 178

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infraestrutura urbana, mas que não apresentasse os problemas ambientais (e sociais) da grande cidade. Já a Revista Acrópole, outra importante revista brasileira que tratava de arquitetura, urbanismo e decoração, circulou entre 1938 e 1971, e o período aqui analisado corresponde, sobretudo, àquele em que Max Grunwald foi o seu diretor (volumes 173 a 391, de 1952 a 1971). Há um predomínio, neste período, da publicação de obras vinculadas ao movimento moderno e do Estado de São Paulo, e observa-se a forte aproximação entre a revista e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), resultando na publicação do Boletim Oficial do Instituto nas suas edições, a partir do volume 184, de 1954. Oswaldo Bratke, que presidiu o Instituto de Arquitetos de 1951 a 1954, se aproximou de Grunwald no período, e esteve relacionado, mesmo que indiretamente, à revista. (AVELAR, 2017) Esse periódico apresenta mais projetos arquitetônicos realizados no bairro Morumbi do que a Revista Habitat, consolidando algumas deduções sobre a região na época de construção dos casos de estudo desta pesquisa. O primeiro artigo que se refere ao distrito aqui estudado apresenta uma residência na Avenida Morumby e possui uma página apenas (n. 171), com poucas informações a respeito do projeto, e somente dois desenhos do arquiteto responsável, Oswaldo Bratke. Já o segundo artigo (n. 190), apresenta outra residência, do arquiteto Max Ouang. Neste projeto é destacado o uso de materiais naturais como madeira, tijolos aparentes e pedra, caracterizando a obra como “rústica”, muito bem inserida no “ambiente campestre em que se acha construída”. O projeto da Residência Oscar Americano é apresentado no volume 226 do periódico (1957), mas não possui texto crítico ou explicativo, somente plantas e imagens, assim como o projeto

também de Bratke para uma residência de A. Joly. Além das quinze casas que são documentadas no período de 1950 a 1970 na Revista Acrópole, são expostos projetos de uma escola primária (Novo Colégio São Luiz) e o Clube Paineiras do Morumbi, do arquiteto Carlos Millan. Em suma, os projetos residenciais no Morumbi procuram todos tirar proveito dos terrenos íngremes e irregulares da região para a distribuição, em diferentes pavimentos, do programa com suas áreas social, íntima e de serviços. Busca-se sempre a integração de ambiente internos com a paisagem e natureza, seja por meio de paredes constituídas por elementos vazados e materiais translúcidos como o vidro, ou por meio da inserção de pátios e jardins internos nas casas. Como são terrenos com metragens generosas, possuem uma diversidade de programas – algumas residências possuem piscina, quadra, orquidário – e fazem uso constante da vegetação para 39 manutenção do caráter preconizado na criação do bairro: a estreita relação entre arquitetura e natureza. O distrito se torna, portanto, um campo de experiências muito fértil para os arquitetos e urbanistas modernos, que fazem dali sua residência ou área destinada a seus experimentos, contribuindo para a almejada valorização da região.

Morumbi e suas favelas: uma relação construída a partir de contrastes O processo de formação das cidades brasileiras é marcado, sobretudo pela herança patrimonialista e a restrição do acesso à terra, herdados do período colonial, que fazia uso do sistema de sesmarias. Isso, segundo Werneck (2016), é motivo suficiente para


uma constante luta entre o capital e a classe trabalhadora. A partir da Lei de Terras, em 1850, somente quem pagasse pela terra poderia possui-la. Inicia-se, portanto, a grande dificuldade de acesso à terra por parte das classes menos favorecidas, como os trabalhadores livres, ex-escravos e imigrantes. O conflito se intensificou no período de industrialização do país, pois, além das grandes áreas rurais pertencerem à elite, as áreas urbanas agora se destinaram a outras figuras com igual dinheiro e poder. Os cortiços, casas de aluguel e favelas nascem nesse contexto, no final do século XIX, em resposta ao exponencial crescimento urbano da cidade de São Paulo e seu crescente déficit em habitação e infraestrutura. Quem não tinha condições financeiras de adquirir propriedades se dirigia a esses tipos de habitação, responsável por algumas ocupações periféricas na cidade, que contrastavam com outras 40 realidades socioespaciais paulistas. Fatores como valorização da terra em área central, aumento da desigualdade social e territorial e ausência de políticas de habitação social efetivas contribuem para uma ocupação clandestina de lotes e que não dispõe de nenhuma infraestrutura. O sistema centralizado que caracteriza a trajetória da Política Habitacional no Brasil propicia uma política que não consegue articular as ações dos Estados e Municípios, fazendo com que a questão habitacional fosse tratada, em todos os projetos habitacionais, com pouca participação popular. Isso resulta em dificuldades na criação do sentimento de pertencimento do morador ao local. Werneck (2016, p. 3) defende que a “Participação popular pressupõe construções coletivas, fazendo-se necessária à integração dos moradores na solução dos problemas de seu

meio, ou seja, integrando-os como responsáveis pelo poder de decisão nos processos de interesses coletivos. As ações devem desenvolver a capacidade de articulação e organização de seus membros, buscando atender os interesses coletivos e visando a sustentabilidade local”.

A favela de Paraisópolis, no distrito do Morumbi, em São Paulo, ganha destaque nesse contexto, na década de 1950. Segundo Silva, Maziviero e Fedeli (2016), a atual comunidade foi implantada em um loteamento irregular em parte da Fazendo do Morumbi, em 1921, através da União Mútua Companhia Construtora e Crédito Popular S.A.. Mas é na década de 1950, com o início da construção do Estádio do Morumbi, que a ocupação da área é intensificada, absorvendo grande migração populacional até os anos 1980. Paraisópolis se torna, então, região dormitório de trabalhadores que migraram pra São Paulo no cenário do “boom da construção civil e da quase verticalização nas regiões ‘nobres’ paulistanas da Zona Sul, nos anos de 1970 e parte dos 1980” (GOHN, 2010, p. 268), representando a mão de obra básica dessa região (80% da população local é de origem nordestina, que foi atraída para a capital pela “facilidade de emprego”). A população, sem condições de pagar pelo valor da terra e observando o aumento significativo do aluguel, inicia, então, o processo de autoconstrução nesse local até então desprovido de qualquer infraestrutura. A partir dessa época, o Morumbi não mais se resumia ao bairro de classe alta que foi por mais de 30 anos: “O bairro de enormes mansões, terrenos vazios e áreas verdes, foi transformado, depois de uma década de construção frenética, num distrito de edifícios. No final dos anos 1970, ele foi ‘descoberto’ por incorporadores imobiliários que


decidiram aproveitar o baixo custo dos terrenos e o código de zoneamento favorável e o transformaram no bairro com o mais alto número de novos empreendimentos imobiliários da cidade durante os anos 80 e 90. [...] a novidade no Morumbi e na Vila Andrade não é só o volume de construção, mas também o tipo de construção: os conjuntos habitacionais murados” (CALDEIRA apud GOHN, 2010, p. 269).

Contrastando com a forma concêntrica de expansão e ocupação que caracterizou a urbanização de São Paulo até 1970, marcada pela segregação socioespacial entre zonas centrais e periféricas, o Morumbi foi ocupado paralelamente por loteamentos de alto padrão e por favelas, que contrastam e, aparentemente, não estabelecem relações entre si. Porém,

parte da população que hoje mora em Paraisópolis hoje é empregada como faxineiro, porteiro, e empregada doméstica nos condomínios de luxo do bairro do Morumbi, ilustrando a grande complexidade de relações socioeconômicas dentro do próprio distrito. “Forma-se, então, um mosaico, onde um morro, uma declividade, ou até mesmo uma rua, podem separar a moradia de grupos sociais distintos socioeconomicamente, gerando um padrão híbrido de ocupação do território” (GOHN, 2010, p. 269). Considerando que Paraisópolis é a segunda maior favela da cidade de São Paulo7, segundo o Censo 2010, é de extrema importância a investigação sobre o modo que as casas museu estudadas se relacionam com essa realidade. É sabido que a

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Figura 9 – Paraisópolis e o Morumbi de alto padrão (Fotografia de Tuca Vieira, disponível em: <https://www. theguardian.com/cities/2017/nov/29/sao-paulo-tuca-vieira-photograph-paraisopolis-portuguese>)

7 Segundo o Censo 2010, é composta por 44.982 pessoas e 14.410 imóveis.


comunidade é assistida por inúmeras entidades assistenciais, filantrópicas ou beneficentes, estimadas em 50 por Gohn, em 2010. Diversas ONGs reconhecidas, como o Meninos do Morumbi, atuam na região, que também possui um forte associativismo entre seus moradores, que, além de manterem relações diretas de parentesco e noção de vizinhança, se reúnem em sociedades de amigos de bairro, centros comunitários, união de moradores, associação de cidadão, entre outros. Essas entidades têm forte atuação na região, e suas principais reivindicações giram em torno de questões infraestruturais, são basicamente as mesmas: canalização de córregos, bocas de lobo, asfalto, obras para conter enchentes, entre outros. A construção de uma biblioteca pública na região é reivindicada por uma dessas associações, demonstrando, assim, preocupações educacionais e 42 culturais que resultam em estratégias particulares dessa realidade. Gohn (2010) ressalta que a demanda na área da cultura, em vilas e jardins populares (favelas ou não), contém uma simples lógica: a comunidade demanda equipamentos que “ocupem” os jovens e adolescentes, os afastando do tráfico e das drogas. A Fundação Maria Luisa e Oscar Americano é uma das fundações que atuam no âmbito cultural dessa região8, e por isso, entende-se que é essencial o aprofundamento da pesquisa a respeito dessa relação.

8 GOHN, 2010, p. 270.


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ESTUDOS DE CASO

FICHA TÉCNICA: CASA DE VIDRO

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Figura 10 - Fachada principal da Casa de Vidro (disponível em: <http://institutobardi.com.br/?page_id=11>.

Projeto: 1949-1950 Construção: 1951-1952 Projeto Arquitetônico: Lina Bo Bardi Projeto Paisagístico: Lina Bo Bardi Área do terreno: 6700 m² Área Construída: cerca de 500 m² Localização: Rua General Américo de Moura, 200. Morumbi, São Paulo – SP, Brasil Implantação no terreno: Isolada Tombamento: IPHAN - 2007 CONDEPHAAT - 1987 CONPRESP - 1991 Musealização: 1990 Instituição administradora: Instituto Lina Bo & Pietro Maria Bardi Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (estudantes, professores e idosos)


Casa de Vidro: a casa e o museu Uma das primeiras casas do distrito do Morumbi, a Casa de Vidro, de Lina Bo Bardi, foi construída entre os anos de 1951 e 1952 e contribuiu para a urbanização da região. Lina Bo Bardi (1914-1992), arquiteta italiana que desembarcou no Rio de Janeiro, no ano de 1946, se inseriu diretamente no movimento moderno brasileiro e se destacou ao tratar o projeto de interiores de modo integrado a questões arquitetônicas mais gerais, especialmente em um cenário que não tratava o interior como o foco central do debate arquitetônico, diferentemente de seu país de origem (CORATO, 2013). Lina e sua obra são objetos de estudo riquíssimos no Brasil e no exterior, pois se encontram sempre em meio a multidisciplinaridade. Apesar de possuir uma grande 44 gama de projetos construídos pelo Brasil, Lina Bo Bardi teve apenas três residências executadas ao longo de sua carreira. Junto com a Casa de Vidro, a Casa do Chame-Chame e a Casa Valéria Cirell nos permitem entrar no “mundo fraturado entre o natural e o artificial, feminino e masculino, público e privado, antigo e moderno, popular e erudito, [...] cristalino e opaco, real e imaginário” (OLIVEIRA, 2006, p. 11), que muito nos ensina sobre o sentido de habitar, ou seja, o sentido da arquitetura na obra de Lina. A arquiteta, ainda segundo Oliveira (2006), tem um poder de concisão muito significativo, pois possui uma capacidade de concentrar em cada fragmento a essência do todo, permitindo, assim, que suas casas, aparentemente opostas, nos indicie os temas principais que toda a sua produção arquitetônica aborda. Sua própria residência, por exemplo, suscita a discussão sobre a relação entre exterior e interior da edificação,

como visto no seu artigo Residência no Morumbi (Revista Habitat, 1953, p. 31-40), no qual Lina declara: “Esta residência representa uma tentativa de comunhão entre a natureza e a ordem natural das coisas, opondo aos elementos naturais o menor número de meios de defesa”. Lina afirma que seu desafio foi “criar um ambiente ‘fisicamente’ abrigado, isto é, onde viver defendido da chuva e do vento, participando, ao mesmo tempo, daquilo que há de poético e ético, mesmo numa tempestade”. Segundo Suzuki (2010, p.60), o estrangeirismo que Lina carrega em relação a sua visão da natureza explosiva, da sua escolha pela vegetação exuberante local, soma-se à sua postura moderna. O projeto de sua residência dá, para a paisagem, o papel de participar, tanto quanto às questões técnicas da construção civil, quanto das questões ambientais, urbanísticas e paisagísticas. Além dos materiais utilizados, como o vidro e o esbelto aço dos pilares, que passam a ideia de uma casa aérea, a arquiteta faz uso de outros instrumentos para transmitir sua intenção de comunhão com a natureza. Por meio de um percurso, Lina conduz as experiências do visitante na sua casa, acentuando o contato deste com o exterior da residência, como afirma Oliveira (2014, p.22), “exterior que se faz interior. Estamos muito próximos da ideia lecorbusierana de que ‘o exterior é sempre um interior’. O exterior só existe quando captado, percebido, pensado. A paisagem só existe dentro [...] de uma intenção racional e sensorial”. O percurso é iniciado na entrada do terreno, por meio da rampa que liga o nível da rua ao térreo da casa (Figura 11), mas é na escada, que Lina projeta para a entrada principal de sua Casa, que a ideia de promenade architecturale, que Le Corbusier faz uso na Ville Savoye, pode ser observada com mais ênfase. Após


Figura 11 - Diagrama de acessos do terreno (elaborado pela autora)

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Figura 12 - Diagrama do percurso ascendente (elaborado pela autora)


Figura 13 - Diagrama de acesso e translucidez de paredes (elaborado pela autora)

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Figura 14 - Diagrama de acesso e translucidez de paredes (elaborado pela autora)


Figuras 15 e 16- Fotografias da escada que faz o acesso principal da Casa de Vidro (acervo pessoal, fotografias tiradas em 2019)

47 adentrar o terreno por meio do carro e desembarcar no “jardim coberto”, o visitante faz um percurso ascendente (Figuras 12 e 13), visto que o único meio de acesso do visitante para a Casa se dá pela escada (a entrada secundária da casa se localiza na fachada dos fundos, se caracterizando como entrada de serviços - Figura 14). Lina, portanto, projeta uma escada metálica leve e vazada9 para a entrada social, iniciada por um lance de degraus menor, direcionado à paisagem, e submetendo o visitante ao mirante que o próprio patamar intermediário da escada oferece. (OLIVEIRA, 2006) Após o observar a paisagem na qual a Casa se insere, o visitante, ao virar 180º, se depara com outro lance

de escadas, maior, que leva ao volume branco e opaco da casa, que apresenta o mosaico de De Chirico, realizado por Enrico Galassi. no patamar final da escada, anterior à sala de estar (Figuras 15 e 16). Quando adentrada a sala de estar, a experiência é outra. O ambiente, que passa a ser muito bem iluminado pela pele de vidro das fachadas, evidencia a paisagem que se estabelece no exterior da Casa, tornando o pátio interno da área social o primeiro contato visual com a natureza de quem agora se encontra no interior da residência (Figuras 14 e 17). “A presença de vegetação desde o arranque da escada até a chegada mostra a clara intenção de trazer

9 Segundo Oliveira (2006), a partir de alguns croquis e estudos para a escada, observa-se a intenção de Lina

de não configurar a escada como um obstáculo à vista, dando a noção de escada aérea, e ainda que fizesse a transição entre terreno e o volume da casa


48 Figura 17 - Diagrama da presença da vegetação relacionada à translucidez de paredes (elaborado pela autora)

ao interior o caráter mais livre do exterior. [...] Todo o ritual de acesso à Casa de Vidro nada mais é do que a apresentação do entorno e, quando nela entramos, temos a impressão de estar fora porque a paisagem foi captada” (OLIVEIRA, 2006, p. 63)

A partir dessa análise, além de representar o modo de morar moderno em vias de consolidação da época, é evidente que a casa contribuiu para a formação da ideia de cidade que se pretendia construir naquele loteamento, tal como evidenciado na peça gráfica correspondente à Figura 18, de 1952, elaborada pela Companhia Nacional de Investimentos, que utilizava a Casa de Vidro como símbolo para propaganda

e venda de lotes do Jardim Morumbi, o bairro com a perfeita aliança entre arquitetura e natureza (CAMPELLO, 1997). Entretanto, é necessário abordar a distinção que pode ser constatada entre os dois volumes nos quais a Casa de Vidro se distribui (Figura 19). Segundo Ortega (2008) e Oliveira (2006), esses dois blocos assumem uma certa relação de contraste, visto que um se projeta no espaço como uma caixa de vidro sobre delgados pilotis, com claras referências aos princípios da arquitetura moderna, e o outro assenta-se diretamente no solo e é construído com materiais e linguagem próprios às edificações tradicionais vernaculares.


Figura 18- Propaganda do loteamento do Morumbi, 1952 (CAMPELLO, 1997, p. 69)

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Figura 19 - Diagrama da setorização da Casa e distribuição do programa (elaborado pela autora)


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Figura 19 - Diagrama da setorização da Casa e distribuição do programa (elaborado pela autora)

Oliveira (2006, p. 66) afirma que a Casa de Vidro “já traz a preocupação de preservar a privacidade da vida cotidiana travada nos espaços íntimos da casa”, e isso justifica a escolha de materiais opacos e outra linguagem arquitetônica que a arquiteta faz uso no volume de Figura 20 – Fachada noroeste, área de serviços (acervo pessoal, fotografia tirada em 2019)

trás de sua edificação (Figura 20), pois os dois volumes têm usos diferentes, o primeiro abriga a área social e íntima, e o segundo a área de serviços, com seus quartos de empregada e lavanderia. Ao contrário da planta livre da área social, das fachadas de vidro e da variedade de objetos de arte ou decorativos que o casal adquire ao longo dos anos e expõe em sua sala de estar, a área íntima se constrói a partir de ambientes reservados, extremamente funcionais, somente com o mobiliário considerado necessário, justificando o contraste entre a área íntima e a destinada ao convívio social, ao lugar de encontro, ao coletivo (Figuras 21 e 22). Oliveira (2006) aponta que a própria área destinada a cada quarto é sintomática: o quarto de casal possui 24 m², o quarto de hóspedes 12 m² e os quartos dos empregados com 9 m² cada um.


Oliveira (2006, p. 69) interpreta, portanto, que a parede que divide o salão de estar e a área íntima “assume papel de uma fachada da casa, resguardando a parte íntima, de maneira que o salão de visitas se identifique ainda mais com o exterior e funcione exatamente como uma varanda, estabelecendo ali uma fronteira volátil entre dentro e fora, entre público e privado. [...] É como se existissem duas casas dentro de uma; casa moderna e casa tradicional. Ambas se mesclam para captar as melhores qualidade da outra”.

Os dois volumes opostos e complementares são distanciados por um vazio, o “pátio das rosas” (que não possui acesso a partir do interior da Casa), mas se interligam por meio da cozinha. A partir desse gesto, Lina dá um papel de destaque para esse ambiente que vinha sendo objeto de estudo mundo afora, principalmente na Alemanha. Em um novo modelo de interior doméstico, a racionalização espacial da cozinha da Casa de Vidro atende a crescente demanda pela otimização dos trabalhos domésticos. “A cozinha está pensada como uma Arbeitsküche, verdadeiro instrumento de trabalho com equipamentos organizados de forma racional para economizar os movimentos e o tempo dedicado às tarefas domésticas, habitualmente de responsabilidade feminina. Essa simplificação das tarefas, indispensáveis numa residência moderna, estendia-se aos móveis, luminárias, sistemas de aquecimento, equipamentos sanitários e instrumentos domésticos que Lina havia minuciosamente desenhado e previsto para sua residência.” (OLIVEIRA, 2006, p. 67)

Sendo assim, Lina faz uso de inovadores aparelhos domésticos

Figura 21 - Fotografias da área social, ainda com poucos objetos pessoais, 1951-1952 (OLIVEIRA, 2006, p. 59)

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Figura 22 - Fotografia do quarto do casal, 1951 (ORTEGA, 2008, p.261)

para sua cozinha, como moedor de carne e abridor de garrafas fixos à parede, máquinas de lavar e secar roupas, incinerador de lixo, triturador de alimentos na pia, entre outros. É sabido que certos sistemas e aparelhos procuravam lidar com a escassez de infraestrutura do recém-loteado Morumbi, mas a inovação mencionada também mora no fato de que esses aparelhos ainda não eram empregados com tanta frequência no contexto burguês brasileiro, implicando na importação de maioria desses objetos. E o mais importante de se destacar é


Figuras 23 - Lina demonstra os equipamentos da cozinha, 1951 (ORTEGA, 2008, p. 259)

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o valor simbólico que isso toma, visto que anuncia uma modernidade a ser importada de outros países, como a Itália, e serve de ilustração para o modo de morar almejado da época (Figuras 23). Após a pesquisa e análise aqui realizada sobre o processo de projeto da Casa de Vidro, foi elaborada uma linha do tempo que narra e sistematiza os principais acontecimentos que dizem respeito à Casa, e que, em certo ponto, se fundem com a própria história do Instituto Lina Bo e Pietro M. Bardi, instituição administradora da Casa de Vidro atualmente. Mas aqui, essa linha do tempo será apresentada simultaneamente com a descrição dos eventos, de modo a oferecer também uma leitura sistematizada de dados que são relacionados entre si. Parte dos eventos aqui apresentados foram levantados pelo Plano de Gestão e Conservação da Casa de Vidro, no período

entre 2016 e 2019, no qual fui estagiária por seis meses (08/2017 a 01/2018). Este Plano foi realizado devido à premiação da Casa de Vidro, pela Getty Foundation, por meio do projeto Keeping It Modern, que reconheceu o valor arquitetônico moderno da construção e financiou o projeto. Com coordenação geral do Prof. Dr. Renato Anelli, o Plano foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa em Arquitetura Brasileira (ARQBRAS), do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP São Carlos. Tendo a Profa. Dra. Aline Coelho Sanches (orientadora desta pesquisa e do estágio realizado) como coordenadora da equipe responsável pela sistematização de informações provenientes de documentação primária e secundária referentes ao projeto, à construção, à manutenção e ao acervo da Casa de Vidro, esta iniciação científica pôde se beneficiar da pesquisa realizada anteriormente no Plano de Gestão e Conservação. Dessa forma,


a linha do tempo aqui apresentada foi sistematizada pela frente (Task 1) coordenada pela Professora Dra. Aline Coelho quanto à construção, usos e

manutenções ao longo dos anos, e sofreu adições, pela atual pesquisa, relacionadas ao uso da Casa como museu.

Após algumas visitas de Lina ao Morumbi, em 1949, Lina e Pietro compram o terreno da Casa de Vidro, para já em 1950, o projeto arquitetônico e estrutural estarem praticamente finalizados. As obras se iniciam em 1951, e são concluídas em 1952, ano no qual se obtém o Habite-se da Casa. Em 1953, a Casa é apresentada nas revistas Domus, Habitat e Casa e Jardim, com plantas, cortes e fotografias da obra recém construída. De 1953 a 1955, a Casa ainda recebe algumas obras específicas, principalmente no jardim, para sua finalização, e no mesmo período, são 53 observadas algumas tentativas de ocupação da Casa pelo casal, que enfrenta muitas dificuldades devido ao isolamento da Casa e do Distrito Morumbi. Segundo levantado pela orientadora para o Plano de Gestão e Conservação, Lina envia uma carta, em 1954, para a Companhia Imobiliária Morumby, afirmando que não pagaria as prestações relativas aos serviços de luz, água, arborização e pavimentação, pois esses serviços não estavam sendo oferecidos e, por isso, o casal estava morando provisoriamente em um hotel. A partir de 1956, e até a última década do século XX, há documentos que comprovam o aparecimento de problemas na Casa e a realização de manutenções, obras essas que abarcam desde uma reforma do fogão, até a reforma da cobertura, ou construção da calçada e muro da Casa. 10 O Plano de Gestão e Conservação da Casa de Vidro se encontra em processo de publicação.


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Em carta de 29 de outubro de 1985, dirigida ao Presidente do Condephaat, Pietro Bardi afirma que a destinação da Casa a uma fundação já é idealizada pelo casal: “Permita-me completar a ideia de minha esposa, Lina, relativa à possibilidade de destinar nossa casa e objetos de arte a uma fundação que possa transformá-la num curioso exemplo de moradia de emigrados, os quais contribuíram para a divulgação das artes no Brasil, tanto no setor da arquitetura, como no setor museográfico, como jornalístico, e no editorial. Penso que a Casa do Morumby, uma vez restaurada, às nossas custas, com seu jardim-florestal, poderia ser ambientada com uma série de obras de arte de um certo valor, para um dia ser visitada por um público interessado em conhecer um trecho da história da renovação da museografia nacional”. Em 1987, ocorre o primeiro tombamento da casa, em nível estadual pelo CONDEPHAAT (Resolução SC 6/87), ainda enquanto seus moradores ocupavam a casa. Em 1990, o casal cria, portanto, o Instituto Quadrante, que viria a ser denominado Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, e que surgiu como uma sociedade sem fins lucrativos destinada à promoção da cultura e das artes brasileiras no Brasil e no exterior. Em 1991, o órgão municipal de preservação do patrimônio histórico, CONPRESP, divulga a Resolução nº 05/91, na qual tomba 89 bens, entre eles, a Casa de Vidro. Com a morte de Lina, em 1992, o Instituto se direciona para preservação e valorização do legado dela. É iniciada a primeira sistematização do acervo da Casa, resultando em uma mostra, um catálogo e um documentário. Dessa forma, graças ao Instituto, Lina e sua obra têm repercussão internacional. O Instituto Bardi, ao longo dos anos seguintes, se preocupa então com sua linha editorial, desenvolvendo e lançando publicações sobre a arquitetura e arte brasileiras, divulgando,


assim, obras de alguns arquitetos modernos que tem seu trabalho em voga no país. Neste contexto, Renato Anelli, em entrevista realizada no dia 24 de outubro de 2019, aponta que há uma ambiguidade do espaço da casa, pois Pietro Bardi continua habitando o andar superior da Casa, que ainda abrigava os desenhos da arquiteta, enquanto o escritório de projeto da Lina e seus associados continua funcionando no ateliê presente na parte baixa do terreno, até se encerrarem os projetos assumidos. Assim que o escritório encerra suas atividades, o Instituto, criado desde 1990, tem sua sede propriamente dita neste mesmo ateliê. Segundo Anelli (2011, p. 3), em 1995, Pietro Bardi doa, ao Instituto, a residência do casal para servir como sua sede, mesmo restringindo o acesso à parte superior da casa a raros funcionários do Instituto e colaboradores. Neste período, observa-se uma crescente relevância da atuação do Instituto no panorama cultural da cidade de São Paulo e do 55 país. Entretanto, decorridos alguns anos após a morte de Bardi, ocorrida em 1999, o Instituto passa sua sede para a Casa e vê problemas internos, como esgotamento de recursos e problemas de gestão, interromperem essa grande atuação cultural alcançada. (ANELLI, 2011) Já em 2006, houve uma renovação da diretoria e do conselho curador, devido ao novo estatuto do Instituto. Como afirma Anelli (2011), com um processo de ajustes internos que permitiram a definição de prioridades para evitar a dispersão de esforços e recursos do Instituto, foram traçadas três frentes de trabalho neste período que ficou marcado por uma forte ação interna: de ordem institucional, visando a sua capacitação para pleitear financiamentos públicos e privados através de projetos de incentivo à cultura e à pesquisa; recuperação física da “Casa de Vidro”, coordenado pelo arquiteto


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Marcelo Suzuki, antigo colaborador de Lina; levantamento e sistematização do inventário e organização e restauro do acervo, coordenado pela diretora Anna Carboncini. Desde 2006, a Casa se encontrava interditada para visitações, em função do crítico estado de conservação do edifício, e entre 2007 e 2008, ocorreu, portanto, o grande restauro da casa e de seu acervo. Após a conclusão dessas obras, a Casa foi reaberta ao público e passou a abrigar, de fato, o Instituto Lina Bo e Pietro M. Bardi. Tais mudanças exigiram algumas adaptações, como um projeto de instalações elétricas compatível com os novos usos, por exemplo. Durante esse período de reformas, no ano de 2007, a morada de Lina e Pietro Bardi é tombada em nível nacional, pelo IPHAN. A partir de 2009, já com a casa reaberta ao público, o Instituto e seu programa foram concentrados na área de serviço e em dois dos três dormitórios, liberando o espaço no salão principal para outros usos, como exposições. Com a obtenção de recursos em um projeto cultural da Caixa Econômica Federal, em 2009, a reprodução fotográfica digital em alta resolução de todo o acervo de desenhos da Lina foi possível ao longo do ano de 2010, contando, para isso, com uma nova catalogação deste acervo. O Instituto teve outros dois significativos auxílios aprovados, que possibilitaram a continuação dessa atividade e também a criação de um banco de dados online para o acervo, sendo os recursos da FAPESP e da Petrobras, ambos em 2011. Anelli (2014, p. 4) destaca que, a partir de 2012, a casa passou a receber com maior frequência exposições de arte e arquitetura. Afinal, “não se trata de função estranha, pois sua sala, transparente em três das suas faces, serviu de ensaio para sua museografia com fachadas e suportes de vidro, que seria implantada na segunda sede do Museu de Arte de São Paulo”.


Em 2013, foi disponibilizada a consulta online do acervo iconográfico da Casa, possibilitando a reprodução digital de parte significativa deste material em posse do Instituto. O centenário do nascimento de Lina, que ocorreu em 2014, e foi expandido para um ano, finalizando em 2015, foi responsável pela grande projeção internacional que a imagem de Lina e sua arquitetura têm atualmente. A Casa realizou e participou, neste período, por meio de associações com outras instituições culturais, de inúmeras exposições nacionais e internacionais, como por exemplo, na Alemanha e Estados Unidos. Finalmente, em 2016, como já comentado, a Casa de Vidro foi premiada pela Getty Foundation, por meio do projeto Keeping It Modern, que financiou a execução do Plano de Gestão e Conservação da Casa de Vidro desde então. A elaboração deste Plano é de muita importância para o Instituto Bardi, visto que reúne esforços para 57 uma extensa análise tanto da história quanto da situação atual da Casa, e traça objetivos claros para sua preservação, para, posteriormente, executar as obras necessárias de conservação. É um estudo muito minucioso e completo, pois abarca importantes campos de investigação: pesquisa em fontes primárias a respeito do projeto, uso, e manutenção da Casa, levantamento de danos físicos e materiais na Casa, mapeamento do jardim, e, posteriormente, a sistematização de informações coletadas em novas plataformas tecnológicas e realização das ações do Plano de Gestão e Conservação11. 11 Coordenador: Renato L. Sobral Anelli; Coordenador adjunto: Ana Lúcia Cerávolo; Supervisor: Marcelo Suzuki.

Coordenadores de tarefas: 1: Documentação histórica: Aline Coelho Sanches; 2: Documentação digital: Márcio Minto Fabrício; Escaneamento 3D: Marcelo Balzani; 3: Estrutura e patologia: João Adriano Rossignolo; 4: Jardim histórico: Luciana Martins Bongiovanni Schenk. Consultores: Beatriz M. Kuhl; Alexandre Rosim Pereira; Ricardo Couceiro Bento; André Graziano; Osny Pelegrino. Pesquisadores: Ana Regina Mizrahy Cuperschmid, Bruno Carlos de Santis, Júlio Franco, Ligia Teresa Paludetto Silva. Estagiários: Aluísio Teles, Amanda Basso Morelli, Diogo Horvath, Gabriela Possato, Isadora Inocencio, Laura de Freitas Pinheiro, Leticia Becker Savastano, Marina Graf Grachet.


Casa de Vidro: visita ao museu

Como prática indispensável para o estudo do museu, uma visita à Casa foi realizada, e as informações aqui contidas foram extraídas a partir da observação do objeto de estudo, entrevista informal com um funcionário que realizou a visita guiada e entrevista semiestruturada realizada com o Professor Renato Anelli12, que colabora oficialmente com o Instituto desde 2006 e hoje ocupa cargo de conselheiro. A visitação da Casa de Vidro ocorreu no dia 28/10/2019 (sábado), se iniciou às 10h da manhã e durou cerca de 80 minutos. O acesso à Casa foi feito a partir da utilização tanto do metrô da cidade, quanto do transporte privado urbano que me levou da estação de metrô Morumbi Shopping (estação mais próxima) para a 58 Casa de Vidro. Todas as visitas são guiadas por educadores contratados pelo Instituto (anteriormente, havia uma empresa terceirizada que era responsável pela contratação dos funcionários educativo), e têm horário preestabelecido divulgado no site da Instituição: de quintas a sábados, às 10h, 11h30, 14h e 15h30. No momento da visita, a Casa recebia a exposição intitulada “Casa de Vidro: por dentro do acervo”, que integrou a programação da 13ª Primavera dos Museus – IBRAM13 (23 a 29 de setembro). A exposição foi concebida como uma forma de “ampliar o acesso às informações sobre

exposições, publicações, visitação e gráficos elaborados para revelar os diferentes usos do acervo dos Bardi, que reúne cerca de 40 mil itens”14, sendo possível entender um pouco do fluxo dos processos de documentação, acondicionamento e catalogação das coleções dos Bardi, e podendo também acessar ambientes e seus acervos normalmente restritos ao público em geral, como a coleção de arte popular, localizada no closet de Lina Bo Bardi. Fora isso, a Casa expunha parte do mobiliário e dos objetos originais do casal, compondo um dos recortes temporais da residência da arquiteta e seu marido. Essa miniexposição “mostra diferentes tipologias e conteúdos que envolvem o espaço, como obra arquitetônica, residência do casal Lina Bo e P. M. Bardi e também sede do Instituto”15. O primeiro contato com o guia que iria nos acompanhar pela Casa se deu no patamar intermediário da rampa de acesso à Casa, e seguiu para o térreo sob pilotis de Lina. Por ser um grupo pequeno de visitantes (quatro pessoas), a troca de informações com o guia foi maior. Após questionada a razão de visita da Casa (a fim de entender qual o perfil do público visitante), o guia nos conduziu exatamente pelo percurso projetado por Lina para acesso à sua residência. Após subirmos as escadas, adentramos a área social da Casa, a partir de onde não era mais permitido tirar fotos. Questionei se, como pesquisadora, era possível a autorização da realização de fotos para fins acadêmicos, e me foi informado que eu deveria entrar em contato com a administração do Instituto para uma

12 Professor Dr. Renato Anelli, quando não conselheiro do Instituto Bardi, foi diretor entre 2012 e 2016, e diretor

executivo entre 2006 e 2007. 13 Esse evento busca estimular atividades com foco na reflexão e trocas de experiências no sentido de “entender e se envolver “ com o espaço museológico. 14 Descrição retirada do site do Instituto Bardi <http://institutobardi.com.br/>, acesso em 07 de outubro de 2019. 15 Descrição retirada do site do Instituto Bardi <http://institutobardi.com.br/>, acesso em 07 de outubro de 2019.


autorização prévia16. Essa nova política foi totalmente inesperada e foi adotada posteriormente a 2015, visto que a primeira visita que fiz à Casa se deu neste mesmo ano, junto à Universidade de São Paulo e um grupo considerável de alunos, na qual não havia restrições quanto a isso. A exposição que a Casa promovia revelava o funcionamento da Casa de Vidro, e dava lugar, no grande salão, em uma mesa redonda, textos e imagens sobre os processos museológicos da Casa, com foco no acervo e na relação com os diferentes públicos, em especial visitantes e pesquisadores do Brasil e Exterior. Neste contexto, é importante ressaltar que o Instituto Bardi teve a iniciativa de estruturar atividades que revelam a visão e estrutura de funcionamento de uma casamuseu, tipologia essa da Casa Vidro, contribuindo para o debate crescente sobre casas-museus no Brasil e exterior. A apresentação da tipologia casamuseu, sua origem e requisitos para esta classificação, a dimensão privado/ público e as práticas museológicas efetivas como documentação, catalogação, conservação, exposição e educação, pôde revelar um pouco de suas particularidades e diferenças em relação aos museus tradicionais. Pôde-se notar que os itens do acervo do casal Bardi se concentram na área social da Casa, e tensionam diferentes estilos e períodos, já que se constituem na crítica de Lina sobre a valorização do moderno em detrimento do vernacular. Apesar de enfrentar uma enorme dificuldade em catalogação

e sistematização de um inventário, o Instituto Bardi apresenta um acervo rico e diverso, pois abrange quadros, esculturas, objetos, tapetes, mobiliário, entre outros itens. Isso devido às personalidades que lá residiram, Pietro Maria Bardi, colecionador de arte, e Lina Bo Bardi, arquiteta, designer de mobiliário interno, defensora da cultura popular brasileira, colecionadora de objetos populares e com repertório expográfico. Após percorrer as áreas muito bem iluminadas pelas cortinas de vidro das fachadas, a área íntima foi acessada. Neste ponto do percurso, começamos a notar a presença do Instituto na Casa, visto que parte da reserva técnica ocupa alguns quartos da área íntima (Figura 24).

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Figura 24 - Diagrama sobre o uso da casa como museu no ano de 2019, na ocasião da visita (elaboração própria)

16 Após a visita na Casa de Vidro, entrei com contato, via telefone, com o Instituto, e fui informada que fotos não

poderiam ser realizadas no espaço interior da casa-museu, e que isso se caracterizaria como aluguel do espaço, serviço que deveria ser devidamente pago. Mesmo assim, tomei a iniciativa de mandar email para o Professor Anelli, membro da equipe do Instituto e Professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo no qual a pesquisa se desenvolve, explicando a situação e pedindo novamente uma autorização para realização de fotos internas. Obtive uma resposta mais positiva em relação às outras, mas com uma solução que exigisse o planejamento de uma nova viagem a São Paulo.


Figura 25 - Diagrama sobre o uso da casa como museu antes do ano de 2009 (elaborado pela autora)

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Figura 26 - Diagrama sobre o uso da casa como museu após o ano de 2009 (elaborado pela autora)

Como a visita englobou o acesso às áreas de reserva técnica, na ocasião da exposição “Casa de Vidro: por dentro do acervo” (Figura 27), foi possível realizar comparações com épocas distintas (Figuras 25 e 26), nas quais o Instituto ocupava outros ambientes da Casa. A visita total tomou um tempo considerável, em consequência de que, em cada novo ambiente, havia uma explicação a ser feita pelo guia, e após isso, éramos livres para explorar o espaço independentemente e fazer quaisquer perguntas.

Logo após a visita aos dormitórios, adentramos a cozinha, que estimulou uma conversa sobre a tentativa de modernização da cozinha feita por Lina, por meio dos aparelhos domésticos que importou da Itália. Finalmente, passamos pela área de serviços antes de sair da Casa (Figura 28), nos sendo informado que a administração do Instituto ali funcionava e que não era permitido o acesso, mesmo sob pretexto da exposição atual. No exterior, a visita continuou, e para chegar ao estúdio na parte baixa do terreno, ponto final da visita, contornamos a casa por sua fachada nordeste, e descemos, pelos caminhos projetados por Lina em seu jardim, até a pequena casa de madeira. Lá, o tema da conversa que se desdobrou foi a carreira de Lina e a mostra de outras obras da arquiteta, por meio do folhear do livro escrito por Marcelo Ferraz, intitulado “Lina Bo Bardi” e impresso pela Romano Guerra Editora, em 2018 (1ª edição de 1993 pela editora Empresa das Artes e Instituto Lina Bo e P.M. Bardi). Questionado se havia alguma associação que a Casa de Vidro fizesse com outras instituições culturais ou educacionais, o guia respondeu que há uma negociação em andamento para a associação entre a Casa de Vidro e a Casa de Valéria Cirell, também de autoria de Lina Bo Bardi, no que trata de visitas combinadas às Casas. Além do estudo da possibilidade de realizar uma visita expandida até a Capela do Morumbi, que se localiza a 200 metros da Cada de Vidro. No que tange a projetos e parcerias com o setor educativo, a Casa de Vidro não possui nenhuma associação formal com alguma escola, apesar de receber muitas visitas de grupos de crianças e adolescentes. Mesmo assim, o público que mais visita a Casa, segundo o guia, é o interessado em arquitetura, ou artes e design, não havendo programas sólidos


Figura 27 - Diagrama de acessos ao pĂşblico no museu (elaborado pela autora)

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Figura 28 - Diagrama do percurso realizado dentro da Casa de Vidro na ocasiĂŁo de sua visita (elaborado pela autora)


do setor educativo que extrapolem sua função básica de recebimento de visitantes e auxílio na visita à Casa, como por exemplo, a atuação direta do Instituto em escolas, ou promoção de eventos que foquem esse perfil mais jovem de visitantes. Por fim, é necessário apontar a presença de um guia preparado para conduzir visitações como de extrema importância para maior entendimento do significado da Casa ao longo das décadas, visto que as informações extraídas da visita não estão disponibilizadas nos espaços da Casa para leitura ou interpretação, como uma exposição qualquer faz. O guia, ao longo dos cômodos da residência, nos fornece as informações necessárias para desenvolvermos nossa própria interpretação a respeito do espaço, e, além disso, se torna um consultor exclusivo à disposição, pois se 62 disponibiliza para responder qualquer dúvida que o visitante tenha ao longo do percurso. É dessa forma, portanto, que essa casa-museu, que interpreto estar inserida em duas categorias do Projeto de Classificação do DEMHIST, Casa de Personalidade e Casa de Colecionadores, preserva e expõe não só boa parte do acervo riquíssimo que o casal Bardi colecionou em vida, mas também um modo de morar muito atrelado a uma arquitetura moderna e a um conceito de cidade posto em prática nesse período.


FICHA TÉCNICA: RESIDÊNCIA OSCAR AMERICANO

63 Figura 29 - Fachada principal. Fotografia de Nelson Kon

Projeto e construção: 1952-1954 Projeto Arquitetônico: Oswaldo Arthur Bratke Projeto Paisagístico: Otávio Augusto Teixeira Mendes Área do terreno:

70000 m²

Área Construída:

1500 m²

Localização: Av. Morumbi, 4077. Morumbi, São Paulo – SP, Brasil Implantação no terreno: Isolada Tombamento:

CONPRESP – 2004/2018

Musealização: 1974 (1980 é aberta ao público) Instituição administradora: Fundação Maria Luisa e Oscar Americano Ingressos: R$10,00 (inteira) e R$5,00 (estudantes e terceira idade). Aos sábados, a entrada é gratuita.


Residência Oscar Americano: a casa e o museu

A Residência Oscar Americano foi projetada pelo arquiteto paulista Oswaldo Bratke (1907-1997) entre 1952 e 1954, no distrito do Morumbi, para seu amigo Oscar Americano Filho. A relação entre o arquiteto e o seu cliente era antiga, desde os tempos que Bratke estudou na Escola de Engenharia do Mackenzie e abriu um escritório de topografia, em 1929, junto com Oscar Americano, Eduardo Kneese de Melo e Clóvis Silveira. Estavam executando o empreendimento de urbanização do Paineiras do Morumbi quando Bratke projetou sua segunda residência e seu estúdio no bairro, em 1951 (Figura 32). 64 A residência do arquiteto, segundo Segawa e Dourado (1997, p. 110), é um dos clássicos da arquitetura moderna brasileira e “foi um ponto de inflexão na trajetória de Oswaldo Bratke, assinalando a consolidação de sua arquitetura segundo uma peculiar visão de modernidade. [...] é uma das obras brasileiras mais publicadas no exterior na década de 1950”. Alguns arquitetos que já visitaram a casa foram: Walter Gropius, Marcel Breuer, Alvar Aalto, Kenzo e, Siegfried Giedion, Ernesto Rogers, entre outros. Após um ano, o projeto destinado a Oscar Americano e sua família, composta por seis pessoas com intensa vida social, foi concebido. Além de possuírem o mesmo contexto urbano, essa proximidade temporal entre as duas casas projetadas pelo arquiteto traz consigo soluções arquitetônicas parecidas para as duas obras. Bratke, na Residência Oscar Americano, adota

a geometria e a modulação como matrizes compositivas da arquitetura, configurando a residência a partir de uma marcante volumetria (Figuras 30 e 31). A casa guarda semelhanças com o projeto da Casa de Vidro, pois nesta residência, que foi construída em uma área de 75000 m² e contou com projeto paisagístico do engenheiro agrônomo Otávio Augusto Teixeira Mendes (autor do projeto do Parque Ibirapuera), a estreita relação entre arquitetura e natureza também é destacada como partido projetual, satisfazendo a principal vontade do cliente e futuro usuário. Oscar Americano contratou o paisagista anteriormente à Bratke, e segundo a integração percebida entre arquitetura e paisagismo, é provável

Figura 30 - Residência do arquiteto no Morumbi, 1951 (DALL’ALBA, 2017, p. 119)

Figura 31 - Residência Oscar Americano, 1954 (Revista Acrópole, n 226, p. 360)


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Figura 32 - Loteamento do Paineiras do Morumbi e entorno, 1954 (DALL’ALBA, 2017, p. 86)


que os dois profissionais tenham realizado um trabalho conjunto. Na área escolhida por Oscar para construir sua residência, a vegetação então existente era constituída sobretudo por pinheiros e eucaliptos, muito diferente do que é hoje. Mendes “setorizou os jardins em 10 zonas paisagísticas, organizadas em uma composição assimétrica que tirava partido de eixos visuais para criar unidades espaciais autônomas entre si” (DALL’ALBA, 2017, p.150). Foi responsável por trazer espécies autóctones características da mata Atlântica brasileira, a fim de conferir identidade a ambiência própria ao entorno. Para isso, “montou um viveiro nos fundos

do terreno, importou mudas de vários estados brasileiros e, com a ajuda de uma equipe dedicada, concluiu seu trabalho em cerca de um ano” (FUNDAÇÃO MARIA LUISA E OSCAR AMERICANO, 2006, p. 33). O contrato do paisagista dizia que “seus serviços seriam pagos ‘por árvore de qualidade, plantada e vingada’. [...] Recebeu o correspondente ao inestimável serviço que realizara: 25 mil árvores de várias espécies [...] Ali estão exemplares de jacarandás, sibipirunas, angicos, ibipunas, paus-ferro, pausbrasil e muitos outros, retrato vivo e condensado da extensa riqueza natural do Brasil” (FUNDAÇÃO MARIA LUISA E OSCAR AMERICANO, 2006, p. 33).

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Figura 34 - Diagrama da interação entre arquitetura e natureza na planta inferior (elaborado pela autora)


Figura 33 - Diagrama da interação entre arquitetura e natureza na planta superior (elaborado pela autora)

67 Para Segawa e Dourado (1997), esta relação entre arquitetura e natureza não é estabelecida a partir da rivalidade, mimetização ou diluição entre as duas partes, mas sim de quadro e moldura, como podemos ver adiante. A volumetria predominantemente horizontal, utilizada para a integração dos espaços internos com pátios e jardins, faz uso constante de planos de vidro para fortalecer a relação do interior com o exterior (Figuras 33 e 34). O extenso terreno de Oscar Americano tem um declive de 50 metros, e Bratke opta por situar a casa em uma das cotas mais altas (Figura 35), assim como no projeto de sua própria residência. A casa se eleva 90 cm do solo, e configura dois pavimentos de áreas úteis praticamente iguais, solucionando o extenso programa da casa. A distinção existente entre base e corpo da edificação que Bratke projetou é

Figura 35 - Diagrama de implantação da casa e os acessos ao terreno (elaborado pela autora)


reforçada pela setorização do programa (Figuras 36), estabelecendo, portanto, uma área social, uma íntima e outra de serviços, assim como a Casa de Vidro. No pavimento superior17 , associados com o acesso principal da casa (Figura 37), concentram-se os amplos ambientes de convívio social e recepção de visitas, como a sala de estar, sala de refeições, gabinete do Oscar Americano; bem como a área íntima, formada pelas cinco suítes (para o casal e seus quatro filhos) e closets; e os ambientes de serviços, como cozinha, copa, sala de

telefone, entre outros. No piso inferior, encontram-se mais áreas de apoio, como o quarto da governanta, dormitórios dos empregados, lavanderia, adega, e o espaço de estar familiar que se associa ao espaço de lazer e aos jardins. A localização das áreas íntimas e de serviços, que ocupam as extremidades opostas da casa, associada com a existência de duas circulações verticais paralelas na casa (uma que liga os cômodos da área de serviço dos dois andares, e outra que liga áreas íntimas), indica uma forte segregação entre

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17 É importante ressaltar a inconsistência de informações obtidas nessa pesquisa relacionadas à planta da casa

e seu programa. O redesenho feito nessa pesquisa utiliza como base o estudo mais recente da casa: as plantas desenhadas por Anderson Dall’Alba, em sua dissertação de mestrado, de 2017. Esses desenhos, entretanto, diferem-se da planta aprovada na Prefeitura de São Paulo, em 1952, que, por sua vez, são diferentes das plantas publicadas na Revista Acrópole, em 1957. As diferenças giram em torno principalmente do desenho do espelho d’água do pátio interno, da existência de uma garagem, do desenho do piso da área externa inferior, e do uso de certos ambientes da residência.


Figuras 36 - Diagramas de setorização das plantas (elaborado pela autora)

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Figura 37 - Diagrama de acessos, translucidez de paredes (elaborado pela autora)


moradores e funcionários, que não devem se cruzar, segundo o projeto arquitetônico. Os espaços de convívio social se beneficiam da visão do pátio interno central, que possui espelho d’água e vegetação abundante. Esse jardim integrado à volumetria básica caracteriza também a fachada principal da casa, aquela que recebe as pessoas e é formada por uma grande varanda. “Bratke se preocupou em potencializar a expressão arquitetônica do acesso principal e das circulações internas da residência, estruturando-as enquanto itinerários dinâmicos, com múltiplas articulações e elementos de interesse, sem comprometer o sentido de direção e localização do usuário tanto no

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Figura 38 - Fotografia do jardim interno, 2019 (acervo pessoal)

exterior quanto no interior do edifício. A arquitetura proporciona um viver mais elaborado” (SEGAWA, DOURADO, 1997, p. 122)

Além do vidro utilizado para a integração da natureza com a casa, Bratke explora diferentes materiais e texturas, que variam entre transparentes, sombreadas, opacas e iluminadas (Figura 38). O mobiliário da casa também contribui para esse efeito de fruição visual com o exterior, pois é desenhado, pela loja Branco e Preto18, a partir de formas geométricas simples dispostos de forma fluída, tirando partido da transparência (Figuras 39, 40, 41 e 42). A residência de Oscar e sua família não foi a única construção do terreno. Além da casa do caseiro, um pavilhão recreativo foi projetado por Bratke (Figura 43), caracterizando o setor esportivo e complementando o setor de lazer da residência. O programa do pavilhão era simples, compreendia um bar com churrasqueira, vestiários e uma ampla varanda. A solução compositiva desse pavilhão é clara, um volume único que se apresenta horizontalmente, praticamente livre de vedações. Associado a uma piscina e a uma quadra, essa pequena edificação era de uso exclusivo da família. Possui até hoje um painel desenhado por Karl Plattner, pintor e desenhista italiano (Figura 44). Quando discutido o parque que circunda a residência, é necessário apontar que, assim como ocorre na Casa de Vidro, Bratke faz uso desse entorno natural imediato para transformar o acesso à Residência Oscar Americano em um percurso. Caminho esse iniciado logo no portão de entrada, que é

18 Segundo Dall’Alba (2017), foi uma empresa fundada em 1952 pelos arquitetos Carlos Millan, Roberto Aflalo, Plínio Croce, Chen Y Hwa, Miguel Forte e Jacob Ruchti. Foi importante no cenário do design paulista, pois fazia uso de móveis com desenho moderno e de materiais não usuais da época, como a madeira laminada, o ferro soldado, o plástico.


Figura 39 - Fotografia da sala de estar (site da Fundação Oscar Americano)

Figura 40 - Fotografia da sala de estar íntimo (site da Fundação Oscar Americano)

Figura 41 - Fotografia do interior (site da Fundação Oscar Americano)

Figura 42 - Fotografia de um quarto (site da Fundação Oscar Americano)

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Figura 43 (acima) - Fotografia do pavilhão de lazer (fotografia de Nelson Kon)

Figura 44 - Fotografia do painel de Karl Platrner (fotografia de Nelson Kon)


localizado em uma cota abaixo da casa. Bratke propõe, dessa forma, que o edifício principal fosse se descortinando aos poucos no decorrer do percurso do parque em subida que conduz ao acesso principal da casa. As fachadas leste e norte são as primeiras a se revelarem. Já a fachada oeste, que possui uma grande varanda que se abre para o arborizado pátio interno, indica o acesso social. “Essa oposição entre as entradas da residência e do parque cria um percurso cenográfico que sugere, em certo sentido, que assim como a paisagem dos jardins, também a arquitetura é para ser apreciada gradualmente. Os caminhos sinuosos no entorno da casa criam pontos de interesse distintos, em efeitos nitidamente pitorescos, com visuais dinâmicas e espacialidades crescentes, que despertam o interesse pelo objeto arquitetônico antes de convidar ao ingresso.” (DALL’ALBA, 2017, p. 135)

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O projeto de Bratke prevê a integração da natureza não só com a arquitetura, mas com a arte também. Perto do pavilhão, há uma escultura de bronze (Figura 45) do artista Emanuel Manasse (1955), e, pelo parque, distribuíam-se 15 esculturas em aço escovado de Karoly Pichler, um dos artistas que fundou a Associação de Artistas Plásticos de São Paulo. Essa integração também se observa na transição entre arquitetura e natureza que se faz na fachada leste do edifício, no pavimento inferior da casa, tanto com a vegetação do pátio interno da casa, quanto com o piso de mosaico português, denominado “Foz do Rio Amazonas” (Figuras 46 e 47), desenhado por Lívio Abramo, artista pioneiro da gravura brasileira, introduzindo a natureza gradualmente ao edifício por meio da previsão de canteiros vegetados. Após a pesquisa e análise aqui realizada sobre o processo de projeto

da Residência Oscar Americano, tentouse elaborar uma linha do tempo que narrasse e sistematizasse os principais acontecimentos que dizem respeito à casa e à Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, mas certas dificuldades foram encontradas nessa etapa do

Figura 45 - Fotografia da escultura de Emanuel Manasse com o pavilhão de lazer ao fundo, 2019 (acervo próprio)

Figura 46 – Fotografia do piso de Lívio Abramo (DALL’ALBA, 2017, p. 139)


Figura 47 - Fotografia do pátio da varanda do pavimento inferior (site da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano)

trabalho. Diferentemente da Casa de Vidro, a residência possui uma bibliografia muito precária que faça análise da casa como museu. Renata Puig foi a única autora encontrada que sistematiza informações que ultrapassem temporalmente o uso da casa como residência, mas sua dissertação de mestrado foi concluída em 2011, e, a partir da visita à Fundação Maria Luisa e Ocar Americano (que é sediada e administra a Residência), pude observar mudanças da casa posteriores a esse ano. Também é necessário apontar a enorme dificuldade em estabelecer contato com a administração da Fundação no período dessa iniciação científica. Um email foi encaminhado para a Fundação em setembro do presente ano, solicitando informações sobre a Residência ou sobre a Fundação e a realização de uma entrevista para isso, porém, até a data de finalização do Relatório Final não se obteve nenhuma resposta. Uma ligação foi

feita à Fundação, a fim de confirmar o recebimento do email enviado, e 73 me foi informado que este havia sido encaminhado para a diretoria da Fundação, que é a única que estaria autorizada a me conceder entrevistas e maiores informações sobre a casa e o museu. A visitação à casa ocorreu posteriormente ao email e à ligação, e novamente, houve outra tentativa de conversar com algum funcionário da administração da casa para que me auxiliasse com a pesquisa desenvolvida. Me foi negada qualquer ajuda, e ainda me foi informado que seria muito difícil obter resposta da diretoria, visto que essa, na maior parte do tempo, nem se encontra no Brasil. Assim, a linha do tempo aqui apresentada não é extensa, mas relaciona eventos indissociáveis, como as informações básicas de projeto, construção, musealização e tombamento da Residência Oscar Americano, a história do bairro Paineiras do Morumbi e uma parte da trajetória profissional de Bratke.


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Dall’Alba (2017) afirma que Bratke conheceu o Morumbi na década de 1930, a partir de passeios equestres que realizava, e adquire, então, nos anos 1930, uma chácara na região, com o intuito de utilizá-la como campo de experimentação de novas técnicas construtivas (como mais tarde se concretiza a partir da construção de sua própria residência, e de dois estúdios no mesmo terreno), e como chácara de lazer para os finais de semana. Após incentivar os amigos a investirem na região, Oscar Americano adquire uma gleba contígua a de Bratke, no final da década de 1940, com a intenção de loteá-la. O primeiro desenho feito por Bratke e Oscar, portanto, do loteamento chamado “Paineiras do Morumbi”, é feito em 1949. Um ano após a construção da residência do arquiteto, a Residência Oscar Americano, em 1952, é concebida e tem seu projeto aprovado na Prefeitura de São Paulo. Sua construção se conclui em 1954, e logo é ocupada por Oscar, sua esposa, e seus quatro filhos. Neste mesmo ano, a casa é publicada na revista Arquitetura e Decoração, e em 1957, nas revistas Acrópole e Habitat. Em 1960, houve uma redecoração da casa, que contou com móveis trazidos da fazenda da família, e com o desenho do ambiente do gabinete de Oscar Americano, montado pelo Liceu de Artes e Ofícios, com mobiliário inglês (Rainha Ana). Em 1961, aparece nas páginas do catálogo italiano de Aloi, configurando o único periódico que divulga a obra internacionalmente. Após a morte de Maria Luisa, ocorrida em 1972, a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano é instituída, em 1974, no mesmo ano da morte de Oscar, iniciando-se, assim, o processo de musealização pelo qual a residência passou, que só foi finalizado em 1980, com a abertura ao público neste mesmo ano. Durante este período, foram realizadas diversas modificações


internas e externas à casa, com o objetivo de permitir a distribuição organizada do acervo da família pela casa-museu. Entre o período de 1999 e 2002, participou do projeto de categorização global realizado pelo DEMHIST para os tipos de casa-museu. A residência foi tombada pelo CONPRESP (Resolução nº26/2004), em 2004, pois constou no processo de tombamento dos imóveis enquadrados como Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPEC), em São Paulo, no Plano Diretor Estratégico do mesmo ano. Em 2007, durante conferência anual do DEMHIST, as categorias foram finalmente apresentadas, categorizando a Residência Oscar Americano, portanto, como Casa de Colecionadores, pois expõe um acervo originário dos objetos de arte pertencentes à família Americano, tais como pinturas, esculturas, porcelanas pratas e móveis. 75 Em 2018, constou em outra resolução do CONPRESP (Resolução nº35/2018), que tombou em específico duas obras do arquiteto Oswaldo Bratke: a própria Residência Oscar Americano e o Edifício Comandante Lineu Gomes.

Nessa resolução, o conselho ressaltou a “contribuição arquitetônica paulista e paulistana à história da arquitetura moderna brasileira” a partir dos anos 40. “As obras em questão encontram relevância tanto no âmbito individual de sua presença na cidade como pela contribuição que representam à cultura arquitetônica paulistana”, diz o texto. É importante destacar que esse tombamento diz respeito à volumetria da antiga residência Oscar Americano (com suas características internas e externas que compõem essencialmente a proposta

conforme originalmente construída), o pavilhão de lazer situado próximo à área da antiga piscina e da quadra esportiva (também em suas características originais internas e externas), e o paisagismo original tal como executado pelo paisagista Otávio Augusto Teixeira Mendes. Também ficam definidas como características internas todas aquelas originalmente construídas, mesmo que alteradas para adaptação da antiga casa em espaço para abrigar as atividades da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, incluindo as áreas de jardins internos e os pisos projetados


pelo artista plástico Lívio Abramo. Seu tombamento dispensa área envoltória de proteção aos imóveis.

Residência Oscar Americano: visita ao museu Antes da visitação à casa, a revisão bibliográfica indicou importantes questões a serem observadas na pesquisa em campo. Sabido que seu interior gera inúmeras controvérsias no debate arquitetônico e museológico, durante a visita, o olhar de pesquisadora prevaleceu sobre o olhar desatento de um visitante comum do museu. Na ocasião da visita, as plantas do projeto inicial de Bratke foram impressas e levadas para realizar comparações. Assim como na Casa de Vidro, fotografias não eram 76 permitidas no interior da casa-museu, e a análise foi feita a partir do redesenho das plantas no próprio local, gerando os desenhos aqui apresentados. Anterior à visita, era sabido que, no processo de musealização da casa: “a pastilha fora trocada por mármore de Carrara, em função de sua manutenção (a contragosto de Bratke que desenhou a paginação da pedra nos anos 1960); a mobília original, da loja Branco & Preto, deu lugar a outra de época; as luminárias modernas das varanda foram trocadas por peças de estilo colonial; os pilotis sobre os quartos das crianças foram fechados com caixilhos, aumentando a sala íntima (hoje transformada em auditório). O muro junto ao terraço, com piso de Goeldi, foi demolido; o pavilhão da piscina, também revestido de pedra, ganhou área construída sob o espaço vazio da laje” (PUIG, 2011, p. 42).

A quadra de tênis não existia mais. O espelho d’água do jardim interno chegou a ser desativado e transformado

em jardim somente com vegetação. Restaurado três anos antes da pesquisa de Puig, voltou a ser espelho d’água, como na época da residência. A garagem e dormitório do motorista, que configurava outra edificação no terreno, se transformou em sanitários e loja. Puig afirma que o local estava prestes a ser reformado e, talvez, agregasse à construção principal. O hall de entrada não modificou sua posição, os batentes de suas portas foram trocados e foi adicionada a ele uma porta para a sala de jantar, onde antes havia uma parede com lambri e portas sem batentes. A área de serviços, que era composta por cozinha, copa, sala de almoço e chapelaria deixou de existir, tendo sido transformada em salas de exposição e depósito, e com seu piso recoberto. A área íntima dos dormitórios e banheiros foi reformada para abrigar salas de exposição, reserva técnica e escritórios de administração. O único cômodo que se assemelha, até hoje, ao que foi um dia a casa, é o escritório de Oscar Americano, todo em madeira, que foi desenhado em 1960. (PUIG, 2011) A visita à casa se deu, então, no dia 01 de outubro de 2019 (terçafeira), durou cerca de 3 horas e contou com a combinação de dois meios de transporte até a casa, o metrô e o carro particular. Assim como a Casa de Vidro, a Residência Oscar Americano possui segurança no portão de entrada, que é o responsável pela abertura do portão para os visitantes. O ingresso (custou R$5,00, meia entrada para estudantes) foi adquirido na hora, na guarita ao lado do portão principal do terreno. Na própria guarita, o funcionário descreve o caminho no parque que deve ser percorrido a pé para chegar na edificação e, assim, o percurso se inicia. Como o horário que cheguei na casa estava próximo ao intervalo de almoço dos funcionários, momento no qual as


visitas são interrompidas, a visita à casa ocorreu em dois momentos. Em vinte minutos, fiz o percurso interno à casa, depois disso, almocei no salão de chá da própria instituição, percorri um pouco do parque, e voltei a visitar o interior da casa, dessa vez munida de plantas impressas e caneta. Logo, a primeira visita se deu em 20 minutos, e foi direcionada pelo segurança que trabalha na casa, responsável pelo cumprimento de normas, como a regra de não tirar fotos internas e não tocar nas obras. Em entrevista informal, o segurança contou que trabalha há um mês na casa e é terceirizado19, assim como os outros dois seguranças (armados) que vigiam o parque da Fundação. Por

ter que garantir o cumprimento das normas, este segurança acompanha os visitantes pela casa e acaba fazendo o papel de guia da visita. A Fundação não o prepara previamente para a condução de grupos de visitantes, não fornece informações sobre a casa, ou sobre o acervo ou sobre o museu. Todas as informações que ele reproduz durante a visita foram adquiridas ao ouvir outros visitantes estudiosos da casa e observar o acervo da Fundação. A visita guiada então é iniciada no hall de entrada da casa, no qual se situam grandes pinturas do casal Americano, e nos é informada a importância dessas pessoas na sociedade paulistana do século passado. O gabinete de Oscar Americano

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Figura 48 – Diagrama do percurso efetuado no museu, 2019 (elaboração pela autora)

19 A empresa contratada para a função de segurança é o Grupo GR, que tem atuação nacional há mais de

duas décadas, e oferece, entre outros serviços, segurança patrimonial, segurança pessoal e funcionários para controle de acesso.


Figura 49 – Fotografia do gabinete de Oscar Americano (site da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano)

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pode ser visto (mas não acessado) do hall de entrada, e configura como o ambiente que mais corresponde à situação da casa como residência (Figura 49). Posteriormente, adentramos a área que antes se configurava a cozinha, a copa, a sala onde se almoçava, a sala de telefone, lavabo e armário. Nada resta dessas áreas senão a tubulação de água nas paredes (apontada pelo segurança).

Uma escada, que fazia a conexão entre áreas de serviço dos dois andares da casa, não existe mais (Figura 50), e uma parede branca de drywall (de uso recorrente no museu) foi levantada para ocultar o acesso à escada de serviços exterior. Retorna-se para o hall, e daí, adentra-se a sala de estar, que tem a circulação restrita a área de passagem (que liga a antiga área de serviços à antiga área íntima). A sala de jantar também está restrita a entrada de visitantes, mas ainda é exposta (Figuras 51 e 52). Na sala de estar, todo o mobiliário moderno da Preto & Branco foi substituído por peças do acervo da família, que são de outra época e outro estilo artístico. Até o teto não é mais abobadado, e a iluminação foi completamente modificada. Seguindo o percurso proposto e direcionado pelo segurança,

Figura 50 – Planta do pavimento superior do museu, 2019 (elaboração pela autora)


Figura 51 – Fotografia da sala de jantar (site da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano)

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Figura 52 – Diagrama sobre o acesso do visitante em áreas do museu, 2019 (elaboração pela autora)

adentramos o que foi a área íntima, que também sofreu inúmeras modificações. A primeira sala desse setor era o antigo hall da área íntima, que se fundiu com um dos quartos. Abriga hoje as peças das

vanguardas, com obras de Di Cavalcanti, Lasar Segall, Portinari, entre outros. O corredor de circulação dessa área se tornou vitrine da louçaria do acervo e expõe outros quadros (Figura 55).


Figura 53 – Fotografia da sala de estar com o mobiliário da Preto & Branco (site da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano)

Figura 55 – Fotografia do corredor de exposição das louças (site da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano)

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Figura 54 – Fotografia da sala de estar após o processo de musealização (PUIG, 2011, p. 44)

Figura 56 – Antigos dormitórios, hoje sala de exposição (site da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano)


Figura 57 - Planta do museu, 2011 (PUIG, 2011, p. 48, modificado pela autora)

Os quartos ao fim deste corredor foram unidos e expõem uma coleção de medalhas de D. Pedro I, quadros da família real, cartas (Figura 56). Os banheiros das suítes são trancados, e recebem outros usos que na visita não pude conhecer, mas segundo planta elaborada por Puig (2011), os banheiros se tornaram escritório, depósito de quadros e sala de exposição (Figura 57). As mudanças na área íntima da casa na musealização da casa seguiram uma lógica de sequenciação dos ambientes, resultando em um circuito a ser feito. Entretanto, é importante pontuar que a visita tanto no interior quanto no exterior da casa é livre: o visitante tem o livre arbítrio de ir e voltar a qualquer momento, e passar quanto tempo quiser na casa e no parque da Fundação. Na continuação do percurso, passa-se por um outro corredor, que foi construído a partir de pequenos cômodos denominados “rouparia” na planta. Esse corredor expõe mais porcelanas de D. Pedro I, oriundas da China, e termina em outra sala de exposição, que introduz a antiga suíte do casal. O quarto do casal foi mobiliado com móveis do século XVIII para ser exposto, diferindo completamente do que foi a casa um dia. O segurança afirma que o quarto se mantém original, com aquele mobiliário. Passamos por uma espécie de capela,

inexistente no projeto de Bratke, para chegarmos ao hall de circulação vertical novamente da área íntima (atual sala com quadros modernos). A partir daí, o percurso passa pela mesma sala de estar visitada anteriormente, e termina no hall de entrada. Antes da saída pela porta principal, o segurança aponta um álbum de fotografias antigas, disponibilizados pela Fundação na sala 81 de estar, e o folheia, mostrando como era a residência quando ocupada por seus moradores. A partir da visita ao interior à casa, portanto, pôde-se comprovar o distanciamento da ambientação original executado principalmente no processo de musealização da casa, com exceção do gabinete de Oscar Americano, que foi remodelado pelos próprios moradores. O acervo também se encontra descaracterizado, com partes da coleção do casal faltantes ou com objetos posteriormente agregados de diferentes naturezas e épocas. Essas peças subsequentes vieram a completar o acervo preexistente, atualmente composto dos seguintes núcleos principais: Brasil Colônia (mobiliário, prataria, exemplares de arte sacra brasileira e pinturas), Brasil Império (esculturas, pinturas, louças, móveis, pratas e adereços que retratam usos e costumes do período) e Mestres


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do Século XX (obras de Victor Brecheret, Lasar Segall, Di Cavalcante e Cândido Portinari). Com o intervalo de almoço dos funcionários, almocei no Salão de Chá da Fundação (Figura 58), que oferece salgados e pratos rápidos, além de brunches e “chás completos” individuais (R$82,00 e R$72,00 respectivamente). O ambiente era usado na residência como salão de jogos, e hoje integra uma cozinha, e outros ambientes antigamente destinados à área de serviços da casa (Figura 59). Quanto ao pavimento inferior da casa, também passou por mudanças. A expansão da sala de estar íntima da família possibilitou a implantação de um auditório, onde ocorrem os diversos eventos, principalmente concertos, que a Fundação promove. O restante da área à direita na planta original é utilizado pela Fundação, como balcão de informações e loja de produtos (principalmente livros editados pela

Fundação), e em área reservada, administração, e outras funções que não tive acesso. Puig (2011) desenha a planta desse pavimento (Figura 60) e atribui usos aos cômodos inacessíveis pelo público (Figura 61). A comparação entre a planta atual e a desenhada em 2011, indicam mais modificações na casa, como a transformação de um depósito em dois banheiros acessíveis,

Figura 58 - Fotografia do Salão de Chá, 2019 (acervo pessoal)

Figura 59 – Planta do pavimento inferior do museu, 2019 (elaborado pela autora)


próximos ao Salão de Chá. Apesar de não registrado em planta, Puig já indica a adição de uma estrutura externa ao edifício para realização de eventos para os quais a Fundação aluga seu espaço

(Figuras 62, 63, 64, 65 e 66). No anexo deste Relatório, encontram-se mais desenhos de comparação entre a casa como residência e a casa como museu.

Figura 60 - Planta do museu, 2011 (PUIG, 2011, p. 47, modificado pela autora)

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Figura 61 - Diagrama sobre acesso aos ambientes da casa pelo público, 2019 (elaborado pela autora)


Figura 62 – Comparação entre fachadas: casa > museu (elaborado pela autora)

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Figura 63 – Comparação entre fachadas: casa > museu (elaborado pela autora)


Figura 64 – Comparação entre fachadas: casa > museu (elaborado pela autora)

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Figura 65 – Comparação entre fachadas: casa > museu (elaborado pela autora)


Após o almoço, um percurso pelo parque foi realizado, visitando-se o pavilhão de lazer, que se encontra sem uso atualmente. Como já apontado, o pavilhão sofreu alterações significativas, pois teve área construída adicionada sob um vazio da laje. Após percorridas algumas áreas do parque e a casa reaberta, uma outra visita ao interior, mais demorada, foi feita para registro de informações e a posterior elaboração da planta do museu.

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Figura 66 – Fotografia da estrutura metálica para eventos, 2019 (acervo pessoal)

As Casas-museu no tecido urbano: informações e levantamentos

Como estratégia de estudo da inserção dos museus no bairro, o Mapa Digital de São Paulo foi acessado e, em um raio de 1 km a partir de casa Instituição, foram levantadas algumas informações, permitindo o mapeamento de instituições culturais, educacionais, esportivas, integração com transportes públicos. As legislações vigentes também foram consultadas, no que se refere ao Plano Diretor Estratégico, com a delimitação de ZEPECs, mapeamento do uso do solo, leis de incentivo fiscal, entre outras.

O primeiro estudo foi feito a partir da busca por instituições culturais e esportivas do entorno. Dentro do raio analisado, existem 5 equipamentos de cultura (ícones em roxo), além da Casa de Vidro e da Fundação Oscar Americano, que são os ícones em azul (Figura 67). Configuram o Museu do Palácio dos Bandeirantes, uma Galeria das Artes, a Casa dos Macacos, o Museu da Capela do Morumbi, e a Pinakotheke São Paulo (do arquiteto Carlos Bratke, filho de Oswaldo Bratke). Os equipamentos de esportes (ícones laranja) são apenas dois, o Estádio do Morumbi e o Clube Paineiras do Morumbi (projeto arquitetônico de Carlos Millan). Os equipamentos educacionais são diversos, que compreendem desde escolas de ensino infantil até ensino médio. Enquanto há duas escolas públicas do ensino fundamental e médio, 7 escolas privadas dessa faixa etária se encontram dentro do raio de análise. Escolas de ensino infantil há somente da rede pública, somando 4 (Figura 68). O transporte público que serve a região foi levantado. O acesso à Casa de Vidro é difícil por meio do metrô, visto que a estação mais próxima, Morumbi (CPTM Linha 9), se encontra do outro lado do Rio Pinheiros e fica a 2,5 quilômetros da Casa. Porém, há um ponto de ônibus a 130 metros da Casa, onde param 6 linhas desse transporte público (Figura 69). O custo de um bilhete único do metrô na cidade de São Paulo, na data da visita à Casa, era de R$4,20, e o bilhete para ônibus, R$ 4,30. O valor do transporte privado requisitado via aplicativo de celular é cerca de R$ 10,00, para o percurso estação Morumbi – Casa de Vidro, e depende do horário da busca por um carro disponível. O ingresso para o museu da Casa de Vidro custou R$15,00 (valor de meia entrada para estudantes) e foi adquirido na hora, na bilheteria da própria loja da Instituição, que


Figura 67 – Mapa do entorno dos estudos de caso (Mapa Digital de São Paulo, modificado pela autora)

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Figura 68 – Mapa do entorno dos estudos de caso (Mapa Digital de São Paulo, modificado pela autora)


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Figura 69 – Diagrama das linhas de ônibus próximo à Casa de Vidro (Google Maps)

Figura 70 – Diagrama das linhas de ônibus próximo à Residência Oscar Americano (Google Maps)

ocupa, atualmente, a antiga garagem localizada na parte baixa do terreno, logo após a entrada pelo portão principal. O valor total da visita, portanto, que não deve ser calculado a partir somente do valor do ingresso, mas também do valor gasto com transporte de ida e volta à Casa, é de R$38,40 (alternativa mais barata: valor do ingresso inteiro somado à dois bilhetes de metrô), tornando a visita não tão acessível para todos os tipos de público. É sabido que o valor gasto com transporte é relativo, pois depende de algumas variáveis, como ponto de origem na cidade para o percurso até a Casa, tempo disponível para o uso combinado de mais de um meio de transporte público, disposição do visitante em percorrer distâncias a pé, entre outros. Mas é importante ressaltar que a Casa, devido à sua localização, torna comum a combinação de mais de um tipo de transporte para seu acesso, encarecendo o valor gasto com a visitação. Situação parecida ocorre com a Residência Oscar Americano. A casa se distancia das estações mais próximas do metrô (Estação Morumbi – CPTM Linha 9 Esmeralda e São Paulo-Morumbi – Metrô Linha 4 Amarela) cerca de 3,5 km, mas possui mais pontos de ônibus ao seu redor, sendo dois deles na entrada da Fundação. Mas o ponto de ônibus que mais abriga diferentes linhas desse transporte público se localiza a 50 metros, recebendo 12 linhas, e, assim como o ponto da Casa de vidro, ligando a região à diversas outras, inclusive ao centro da cidade de São Paulo. O valor do ingresso da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano é mais barato em relação ao da Casa de Vidro, custando R$10,00. O mesmo cálculo realizado para analisar o preço final da visita totaliza R$18,20, apresentando um valor mais viável e acessível. Ambas as casas não possuem ciclovias próximas. Em relação às favelas existentes


Estudos de caso

Figura 71 – Mapa de favelas do entorno (Mapa Digital de São Paulo, modificado pela autora)

no bairro, observa-se a proximidade não só com Paraisópolis, mas com pelo menos outras quatro (Figura 71). Quando se trata do tombamento e da inserção das casas no Plano Diretor Estratégico de 2014 da cidade, hoje, elas se inserem na Macroárea de Urbanização Consolidada, que se localiza na região sudoeste do Município, e, segundo o Artigo 13 da Lei nº 16.050/14, de 31 de julho de 2014, “é caracterizada por um padrão elevado de urbanização, forte saturação viária, e elevada concentração de empregos e serviços e é formada pelas zonas exclusivamente residenciais e por bairros predominantemente residenciais que sofreram um forte processo de transformação, verticalização e atração de usos não residenciais, sobretudo serviços e comércio” (SÃO PAULO, 2014).

Os objetivos de ordenação do território na Macroárea da Urbanização Consolidada são denominados pelo mesmo artigo: controle do processo de adensamento construtivo e da saturação viária, por meio da contenção do atual padrão de verticalização, da restrição à instalação de usos geradores de

tráfego e do desestímulo às atividades não residenciais incompatíveis com o uso residencial; manutenção das áreas verdes significativas; estímulo ao adensamento populacional onde este ainda for viável, com diversidade social; incentivar a fruição pública e usos mistos no térreo dos edifícios, em especial nas centralidades existentes e nos eixos de estruturação da transformação urbana. O Plano Diretor de 2014 classifica também o uso e ocupação predominante do solo, assim como a Figura 72 representa. Reforça-se o caráter muito predominante do uso do solo residencial no entorno das casas, e a horizontalidade e o padrão médio/alto das residências caracterizando o bairro Morumbi como um todo. Quanto ao zoneamento da cidade (Figura 73), a Casa de Vidro se insere na grande área do Morumbi que é caracterizada como Zona Exclusivamente Residencial 1, definida, pelo PDE 2014, como uma porção do 89 território destinada exclusivamente ao uso residencial de habitações unifamiliares e multifamiliares, podendo haver tipologias diferenciadas, mas níveis de ruído compatíveis com o uso exclusivamente residencial e com vias de tráfego leve e local. Na categoria 1, que possui baixa densidade construtiva e demográfica, o gabarito de altura máximo da edificação é igual a 10 metros e os coeficientes de aproveitamento são: mínimo igual a 0,05, básico igual a 1,0, e máximo igual a 1. Já a Residência Oscar Americano é categorizada como Zona Especial de Preservação Ambiental (ZEPAM), definida como “área destinada à preservação e proteção do patrimônio ambiental, que têm como principais atributos remanescentes de Mata Atlântica e outras formações de vegetação nativa, arborização de relevância ambiental, vegetação significativa, alto índice de permeabilidade e existência de nascentes, entre outros que prestam


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Figura 72 – Mapa do uso e ocupação do solo do entorno dos estudos de caso (Mapa Digital de São Paulo, modificado pela autora)

Figura 73 – Mapa do zoneamento do entorno dos estudos de caso (Mapa Digital de São Paulo, modificado pela autora)


91 relevantes serviços ambientais, entre os quais a conservação da biodiversidade, controle de processos erosivos e de inundação, produção de água e regulação microclimática” (SÃO PAULO, 2014).

Paralelamente, tanto a Casa de Vidro quanto a Residência Oscar Americano têm seus lotes caracterizado como Zona Especial de Preservação Cultural (ZEPEC) na categoria de Bem Imóvel Representativo (BIR), devido aos seus respectivos tombamentos (Figura 74). A região possui outros bens tombados, que, pelo Plano Diretor, são obrigatoriamente ZEPECs. O Mapa Digital de São Paulo nos fornece mais informações a respeito das áreas envoltórias dos patrimônios, como visto a seguir. Para o CONPRESP, dos bens tombados na região (em roxo), somente três possuem definição de área envoltória, sendo a Casa de Vidro um deles (Figura 75). Para o CONDEPHAAT

Figura 75 – Mapa das áreas envoltórias definidas pelo CONPRESP (Mapa Digital de São Paulo, modificado pela autora)


Figura 76 – Mapa das áreas envoltórias definidas pelo CONDEPHAAT (Mapa Digital de São Paulo, modificado pela autora)

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Figura 77 – Mapa das áreas envoltórias definidas pelo IPHAN (Mapa Digital de São Paulo, modificado pela autora)

(Figura 76) e IPHAN (Figura 77), destes bens tombados da área, somente a Casa de Vidro tem área envoltória demarcada. Conforme definido pelo PDE, para garantir a proteção aos bens de interesse histórico de São Paulo, foram definidos instrumentos para as ZEPECs, como a Transferência do Direito de Construir (TDC). Tendo em vista que os imóveis tombados não podem alterar as suas

características construtivas, esses não podem usufruir do potencial construtivo da zona em que estão inseridos. Assim, para o PDE, a transferência do potencial construtivo dos bens tombados garante o mesmo direito à cidade aos seus proprietários e contribui financeiramente com a conservação dos imóveis de valor histórico-cultural da cidade de São Paulo. Também está previsto na nova lei de zoneamento que, no caso de reformas com incremento de área construída nos imóveis tombados que já tenham recebido a Declaração de Potencial Construtivo Passível de Transferência, a área acrescida será descontada do potencial construtivo transferível do imóvel. Outro instrumento importante de apoio aos proprietários de bens tombados (assim como autores de projetos culturais) existente é a isenção parcial do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), aprovado pela Lei nº 15.948, de 26 de dezembro de 2013, que institui o Programa Municipal de Apoio a Projetos Culturais - Pro-Mac. A lei é regulamentada pelo Decreto nº 58.041, de 20 de dezembro de 2017, que por sua vez determina a renúncia fiscal do contribuinte em 100%, 80%, 50% ou 20% de acordo com o projeto cultural (analisados valor do ingresso, orçamento geral, entre outros aspectos). Além deste incentivo municipal, podem ser utilizados os de âmbito estadual e federal, respectivamente: a Lei de Incentivo à Cultura da Secretaria de Estado da Cultura (LINC) e a Lei de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura (Lei Rouanet). Segundo o PDE 2014, a Casa de Vidro apresenta o valor de Fator de Incentivo (Fi) de 0,7 (imóvel que possua entre 5000 e 10000 m² de lote) e a Residência Oscar Americano de 0,1 (imóvel com mais de 50000 m² de lote).


As Casas-museu no tecido urbano: interpretações e inquietações Sobrepostas as camadas de informação levantadas, é possível interpretar a realidade do entorno com maior acuidade. Primeiramente, a ausência de associações entre as instituições mapeadas e as casas é vista como possibilidade a ser explorada. As parcerias entre instituições foram investigadas por meio de entrevistas, constatando-se que, quando elas se firmaram, foram muito breves e com objetivos muito específicos, incluindo uma ou outra exposição. A proximidade entre elas chega a ser de 250 metros, como é o caso da Casa de Vidro e da Capela do Morumbi, e isso deveria ser analisado como um potencial, ainda que essas instituições sejam administradas por esferas público-privadas diferentes. É possível haver um circuito de visitação que inclua mais de uma instituição no bairro. O vínculo e colaboração mútua fortaleceriam, assim, as próprias instituições culturais, e responderiam ao compromisso social do museu atual. A articulação das casas com escolas deveria ser vista como essencial para o estímulo de uma cultura que valorize o museu, a arquitetura e, sobretudo, a história. Sabe-se que esta associação foi colocada pelas equipes do Plano de Conservação da Casa de Vidro, algo que, portanto, poderá ser desenvolvido no futuro. Essa questão envolve um outro fator que foi experienciado durante a pesquisa e que não havia sido previsto. A postura adotada pela Fundação Maria Luisa e Oscar Americano em relação às tentativas de aproximação realizadas durante o período compreendido pela pesquisa pode indicar algumas problemáticas. É inevitável interpretar essa postura como causa da lacuna existente no que diz respeito a fontes

primárias e secundárias sobre a casa na condição de museu. Ao contrário da Casa de Vidro, que deposita maior valor no estudo e na pesquisa sobre a Casa (auxiliando diversos pesquisadores de iniciação científica, mestrado e doutorado, disponibilizando seu acervo online, disponibilizando funcionários para fazerem o papel de educadores na visitação), a Fundação Oscar Americano não se caracteriza por ser uma instituição com a mesma postura em relação ao seu público e aos seus pesquisadores. A inexistência de um retorno da Fundação a respeito da pesquisa desenvolvida e da solicitação de ajuda a respeito demonstra uma dificuldade no diálogo com o campo acadêmico, que tanto poderia contribuir para a Fundação. Aponta-se, assim, os benefícios que uma instituição cultural pode ter ao se vincular com uma universidade, com professores pesquisadores, como se observa na Casa de Vidro, que possui professores como membros da equipe 93 do Instituto, e tem um Plano de Conservação e Gestão da Casa realizado por um grupo de pesquisadores multidisciplinar da Universidade de São Paulo. Em segundo lugar, uma ponderação sobre o tipo de evento que as casas promovem e seu respectivo público alvo deve ser feita. A partir de uma busca nas agendas culturais da cidade e das instituições, e usando informações obtidas com a entrevista ao Professor Anelli e ao Professor Paulo Fujioka , mais uma vez, observa-se duas realidades. A Residência Oscar Americano destaca-se pela promoção de concertos de música clássica durante o ano todo (Figura 78), que são realizados aos domingos, no horário de almoço (o restaurante da Fundação nesses dias é muito utilizado), e custa R$ 60,00 (inteira) ou R$30,00 (meia entrada). O Professor Fujioka conta que é uma prática antiga da Fundação, na qual seus pais frequentavam, “antes da inauguração da


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Figura 78 – Calendário de concertos de 2019 (acervo pessoal)

Sala São Paulo, não havia muitos lugares para apreciar concertos de música além do Teatro Municipal e do Teatro Cultura Artística. Nos bairros residenciais fora do Centro, a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano constituiu um exemplo

pioneiro da prática de organização regular de concertos de câmara”. A casa abriga algumas exposições temporárias, que são mais raras e que tem menor divulgação, mas outro tipo de evento é mais comum na casa. Festas de aniversário e casamento podem ser promovidas no espaço externo do pavimento inferior, por meio do aluguel do espaço. A estrutura metálica adicionada na fachada leste serve para esse fim. É comum a casa fechar para o público em determinados finais de semana, e isso se dá pelo uso do espaço por esses eventos (Figuras 79, 80 e 81). A estrutura fixa adicionada por ser expandida para abrigar mais pessoas (Figura 79). Em relação à essa estrutura, Fujioka ressalta que, ao se percorrer os jardins da Fundação, é “possível perceber o grande potencial dos espaços abertos do sítio para abrigar outros tipos de cobertura removível, não permanente. Não seria necessário desfigurar uma das fachadas com o toldo, ele poderia ser instalado em outros espaços. E havia um interessante conjunto de apoio junto à Avenida Morumbi, parte do projeto original de Bratke, que parecia não estar sendo utilizado”. A Casa de Vidro também abriga eventos, mas não casamentos ou aniversários. Anelli, em entrevista, explica que todos os eventos da Casa se relacionam com a arquitetura de Lina ou com sua personalidade. Para angariar recursos para o seu funcionamento, o Instituto Bardi já promoveu um show de Maria Bethânia, em 2018, na ocasião de um almoço feito pela chef Sabrina Leite Oliveira, que resgatou receitas de Lina. Outra chef que foi chamada, este ano, para coordenar um almoço em prol do Instituto foi Paola Carosela, que cozinhou, para o prato principal, braseado de cordeiro com berinjela e

20 Professor Dr. do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP/São Carlos, em entrevista realizada via email, em novembro de 2019. O professor visitou a Residência Oscar Americano em diversas ocasiões, e descreve, nesta ocasião as duas últimas realizadas, em 1999 e em 2012.


Figura 79 – Construção da estrutura temporária para eventos (site da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano)

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Figura 80 – Evento da Residência (site da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano)

Figura 80 – Evento da Residência (site da Fundação Maria Luisa e Oscar Americano)

ravioli alla panna com creme e tomates. Os ingressos desses eventos se restringem a uma parcela muito específica da população brasileira, aquela que pode desembolsar R$1800,00 por um almoço ao som de Maria Betânia, ou R$ 460,oo por um almoço all inclusive da jurada do programa de TV Mastechef. Assim como a Residência Oscar Americano, o público alvo desses eventos é a classe média e alta da população paulistana, não incluindo toda a população que reside no distrito do Morumbi, e muito menos da cidade

de São Paulo. Sabe-se, no entanto, a necessidade de obtenção de renda dados os custos destas instituições. Entretanto, em oposição à Residência Oscar Americano, para possibilitar a promoção desses eventos, a Casa de Vidro optou por uma solução que não modificasse em caráter permanente as fachadas e implantação da Casa. Para os eventos que excedem a capacidade da Casa ou de seu estúdio (que recebe palestras, oficinas, entre outras atividades), o “Pavilhão de Verão” foi projetado por Sol Camacho (Figuras


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Figuras 82, 83 e 84 – Pavilhão de Verão e evento na Casa de Vidro (fotografia de Simon Plestenjak)

82, 83, 84, 85 e 86), curadora do museu, que investiu em uma estrutura temporária em meio à vegetação e com uma forma orgânica, mesclandose e, ao mesmo tempo, chamando atenção no contexto. Uma reflexão a respeito deste pavilhão ainda mereceria aprofundamentos nos meios acadêmicos. É possível afirmar, portanto, que por mais que os eventos desse porte sejam necessários para a captação de recursos para a manutenção das

instituições, outras iniciativas culturais que englobassem todas as classes sociais contribuiriam com o cumprimento do dever de qualquer museu, previsto em lei, de “promover ações educativas, fundamentadas no respeito à diversidade cultural e na participação comunitária, contribuindo para ampliar o acesso da sociedade às manifestações culturais e ao patrimônio material e imaterial da Nação” (BRASIL, Lei nº 11.904, 2009).


Figura 85 – Pavilhão de Verão na Casa de Vidro (fotografia de Simon Plestenjak)

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Figura 86– Planta do Pavilhão de Verão, autoria de Sol Camacho (https://www.archdaily.com.br/br/907203/ pavilhao-temporario-e-construido-na-casa-de-vidro-de-lina-bo-bardi)


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Com o mesmo caráter observado na elaboração de eventos na Casa de Vidro, as exposições temporárias que a Casa abriga sempre se relacionam com a arquitetura da construção ou com as experiências que ela promove. As exposições são frutos das pesquisas realizadas sobre a Casa ou são exposições artísticas que tensionam a proposta de Lina para sua Casa e provocam uma reflexão muito grande sobre o espaço construído. A exposição de 2013, O interior está no exterior, do curador suíço Hans Ulrich Obrist (Figuras 87 e 88), marcou a história do museu, iniciando uma sequência de exposições que possuem como tema principal a Casa de Vidro. As exposições mais recentes foram a Casa de Vento, de Lucia Koch, em 2019 (Figuras 89, 90 e 91), a Jardim suspenso, do Estudio Campana (Figura 92), no mesmo ano, e em 2017, a Casas de Vidro, que tratava da relação entre a Casa e outras casas de vidro no mundo

Figura 87 – Exposição na Casa de Vidro, 2013 (Fotografia de André Ligeiro, via Uol)

Figura 88 – Exposição na Casa de Vidro, 2013 (Fotografia de André Ligeiro, via Uol)

Figura 89 – Exposição Casa de Vento, de Lucia Koch, 2019 (Fotografia de Bruna Guerra)


Figuras 90 e 91– Exposição Casa de Vento, de Lucia Koch, 2019 (Fotografia de Bruna Guerra)

Figuras 93 e 94 – Exposição Casas de Vidro, 2017 (Fotografia de Marina D’Império)

(Figuras 93 e 94). Essas exposições suscitam algumas outras questões, que segundo Renato Anelli (em entrevista), constituem um dos debates mais intensos dentro do Instituto. “Não há exposição de arquitetura melhor do que a própria arquitetura”, é dessa forma que Anelli defende a exposição permanente da Casa de Vidro como residência, reconstituindo a configuração dos ambientes como o casal Bardi utilizava. A partir da visita às casas, é possível notar que as principais curiosidades que os visitantes expressam giram em torno da configuração de móveis e da dinâmica interna das casas usadas como residência pelos proprietários. Isso é inevitável quando se visita uma casamuseu. Dessa forma, outra inquietação pertencente ao campo museológico se levanta a partir disso, tratando da delicada seleção de um recorte temporal para ser exposto, visto que

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Figura 92– Exposição Jardim Suspenso, 2019 (https:// archtrends.com/blog/5-programas-para-fazer-emsao-paulo-em-setembro/)

essa tipologia de museu, por categoria, se propõe a expor a casa em seu uso original. Porém, a pergunta é: “o que é original”? Nenhuma residência é um espaço congelado no tempo, mudanças arquitetônicas, de layout e de uso são feitas todos os dias nesse espaço que abriga a complexidade da vida doméstica e íntima. Tendo consciência disso, como a museografia das casas expõe o modo de vida dos antigos moradores? Como as instituições se afirmam como casas-museu? A pesquisa destes dois exemplos tornou concretos os dilemas suscitados por esta tipologia particular de museu.


CONCLUSÕES FINAIS

P

rimeiramente, é possível afirmar que a revisão bibliográfica a respeito do desenvolvimento da cidade de São Paulo e do Distrito Morumbi, quando cruzada com o estudo do projeto e uso das residências, permitiu observar uma grande consonância, naquele lugar, de ideais que atrelaram arquitetura e urbanismo na capital paulista na 100 metade do século XX. A ocupação do distrito por uma população com maior poder aquisitivo se deu de acordo com o planejado, visto que o conceito de cidade jardim aplicado no Brasil– para as elites, e que já orientava outros bairros, como Jardim América e Jardim Europa – também se fez presente no traçado viário e no loteamento do distrito Morumbi. Ou seja, em sintonia com o plano de urbanização do bairro, o paisagismo imediato das casas incorpora um caráter pitoresco, irregular e até cenográfico, através de percursos externos sinuosos, planos vazados, em composições recorrentes envolvendo espelhos d’água, vegetação e até mesmo pedra bruta. O subúrbio bucólico e isolado foi edificado por uma arquitetura moderna de geometrias claras, regulares e precisas, que se encontrava em vias de consolidação, como nos mostra as Revistas Habitat e Acrópole, que difunde, como se fosse

uma propaganda, o seu conceito do modo de morar moderno. A pesquisa, ainda, permitiu compreender a magnitude da relação entre público e privado, que permeia o estudo do interior moderno (traduzida na associação entre ambientes sociais e íntimos) e que também molda o espaço urbano. Com base nesse ponto de vista, constatou-se que a dualidade público e privado encontra um de seus símbolos máximos na tipologia casa museu. E é importante ressaltar que, essa instituição específica, a qual só se constitui a partir de uma ressignificação do que é íntimo para algo exposto ao público, possui limitações intrínsecas, ainda mais quando configura um patrimônio tombado. A partir da análise da história das instituições nas casas e de sua situação atual, é possível afirmar que esses entraves se traduzem nos principais desafios das fundações que administram as casas hoje. Os principais debates que ocorrem dentro dessas instituições giram em torno de como adaptar ambientes para o programa do museu, com seus espaços administrativo e de reserva técnica, como tornar a casa acessível segundo normas atuais, ou como captar recursos para a sobrevivência desse patrimônio. Finalmente, a partir das inquietações a


respeito do processo de musealização das casas e da linha expográfica adotada por cada instituição, alguns pontos puderam ser avaliados. Diferentemente da naturalidade que a Casa de Vidro apresentou ao se tornar um museu (tendo em consideração o caráter museográfico que Lina aplicou na Casa e as raras adaptações executadas para o funcionamento deste museu), a Residência Oscar Americano precisou alterar arquitetonicamente a casa para expor o acervo da Fundação. O mobiliário moderno que constituía o interior da casa foi substituído por itens coloniais do acervo de Americano, e ambientes perderam qualquer referência do que foram um dia para se tornar salas de exposição. Entretanto, deve-se ponderar o período no qual as duas casas tiveram suas respectivas musealizações executadas. Na década de 1970, na qual a Residência Oscar Americano se transformou me museu, não havia campo museológico que suscitasse discussões sobre o significado da descaracterização de ambientes e casas inteiras para transformação em museu. Somente em 1997 que é criado, dentro do ICOM, um Comitê Internacional que contribuiu para a difusão desse gênero museal recém institucionalizado. É, portanto, um anacronismo julgar aqui as modificações ocorridas na Residência Oscar Americano nesse processo. Entretanto, escolhas posteriores à musealização e posturas atuais podem e devem ser discutidas. A adição da estrutura permanente para eventos, que se calcula ter ocorrido já no século XXI, descaracteriza a fachada leste da Residência Oscar Americano, e interfere nas fachadas norte e sul. A curadoria que mantém ambientes simulados com um mobiliário diferente do que era usado pelos moradores e não deixa claro, para o visitante, essa escolha expográfica, não informa a respeito da casa. O

aluguel do espaço para casamentos, apesar de constituir principal fonte de renda para a instituição (que não se mantém somente com apoio financeiro e respaldo legislativo municipal), não contribui para a divulgação do valor cultural que a instituição cultural museal exerce. Isto posto, por meio do contraste de soluções encontradas por cada instituição para se manterem vivas e cumprindo com o seu papel de difundir o patrimônio que administram, é possível colaborar com os debates das áreas museológicas, arquitetônicas e patrimoniais que tratam dessa tipologia de instituição museal.

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DIFUSÃO E DISCUSSÕES SOBRE A PESQUISA REALIZADAS NO PERÍODO

C

umprindo a intenção inicial de divulgação e discussão da pesquisa 102 desenvolvida, a pesquisa beneficiou-se da participação no Café com Pesquisa, no dia 11 de setembro de 2019. O evento anual é organizado por alunos do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU/USP) e se volta para a apresentação de trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores vinculados ao programa, tanto de graduação quanto de pós-graduação. Uma publicação no respectivo Caderno de Resumos da edição 2019 também integra a participação. Posteriormente, houve a participação no Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP (SIICUSP), na sua 27ª edição, em 09 de outubro de 2019, que também contará com um caderno de resumos publicado pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo/USP. A pesquisa, após participar da primeira etapa (realizada nas próprias Unidades

da Universidade), foi convocada, por seu bom desempenho, para a participação na Etapa Internacional do evento, que ocorreu no dia 05 de novembro de 2019, no Campus São Paulo. A pesquisa foi apresentada também na XI Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade, no dia 30 de outubro, e contará com a publicação de um resumo expandido no anal do evento. A produção de um artigo científico também está sendo planejada após a finalização da pesquisa, com o objetivo de facilitar o acesso aos resultados e conclusões obtidas a partir dessa investigação.


REFERÊNCIAS

A

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ZAMPRANO,

Valmir.

Infestação

em vinhedos serviu de embrião para loteamento no Morumbi. Revista Veja Online, São Paulo, jun. 2017. Disponível em: <https://vejasp.abril.com.br/cidades/ morumbi-loteamento/>. Acesso em: 19 abr. 2019.

107


ANEXO

O

s documentos e fotografias levantados ao longo da pesquisa que complementam as atividades desenvolvidas se distribuem nas seguintes páginas da seguinte forma: 109 Plantas do Loteamento do Jardim Morumbi

108

116 Croqui do projeto de Warchavchik para reforma da Sede da Fazenda para Sede de Clube do Morumby 118 Sistematização em tabela dos artigos referentes ao Morumbi nas revistas Habitat e Acrópole, período entre 1950-1970 120 Tombamento das Casas Ata da 52ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (IPHAN), páginas referentes ao tombamento da Casa de Vidro, 2007 Resolução SC 6/87, referente ao tombamento da Casa de Vidro pelo CONDEPHAAT, 1987 Resolução nº 05/91, referente ao tombamento da Casa de Vidro e outras edificações pelo CONPRESP, 1991 Resolução nº 35/08, páginas referentes ao tombamento da Residência Oscar Amerciano pelo CONPRESP, 2008 132 Modelo de Ficha para análise dos estudos de caso 133 Banco de imagens da Casa de Vidro 146 Banco de imagens da Residência Oscar Americano


Acervo da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP: Planta 01 do Loteamento do Jardim Morumbi Fonte: Fotografia de Aline Sanches

109

Carimbos da Planta 01 do Loteamento do Jardim Morumbi

Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP


Capela restaurada por Warchavchik

110

Recorte da Planta 01 do Loteamento do Jardim Morumby Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP


Viela interna Lotes da Casa de Vidro

111

Sede da Fazenda do Morumbi


112

Planta 02 do Loteamento do Jardim Morumby, 1951

Em amarelo na parte superior: os dois lotes iniciais da Casa de Vidro Obs.: Mesma planta da FAU/USP, porĂŠm, com outro tipo de impressĂŁo Fonte: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi


113


114

Planta 03 do Loteamento do Jardim Morumby, 1951 Fonte: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi


115


116

Projeto de Warchavchik para reforma da Sede da Fazenda para Sede de Clube do Morumb Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/USP


by

117


118

Sistematização dos artigos referentes ao Morumbi nas revistas Habitat e Acrópole, período entre 1950-1970 Fonte: Elaboração própria


119


120

Ata da 52ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (IPHAN), páginas referentes ao tombamento da Casa de Vidro, 2007

Fonte: http://portal.iphan.gov.br/uploads/atas/2007__01__52a_reunio_ordinria__09_de_fevereiro.pdf


121


122


123


124


125


CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo.

Resolução SC 6/87, de 19/01/87, publicada no DOE 20/01/87, p. 13

JORGE DA CUNHA LIMA, SECRETÁRIO DE ESTADO DA CULTURA, no uso de suas atribuições legais e nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei nº 149, de 15 de agosto de 1969 e do Decreto 13.426, de 16 de março de 1979, Considerando: -

126

a singularidade do projeto arquitetônico e paisagístico da “Casa de Vidro”, concebida em 1951 pela arquiteta Lina Bo Bardi; reconhecida e publicada em periódicos brasileiros e internacionais; seu significado histórico, na medida em que foi pensada como parte de um projeto cultural que visava criar um Instituto de Arte Contemporânea de alto nível no Brasil; a existência de um acervo de obras de arte, de mobiliário, de design e de objetos que são parte da vida da residência; a atuação cultural marcante de Pietro e Lina Bardi nos meios artísticos brasileiros, ela como uma das mais importantes arquitetas do País, ele como um dos fundadores e diretor do Museu de Arte de São Paulo, escritor e crítico de Arte.

RESOLVE: Artigo 1º - Fica tombada a residência de Pietro Maria e Lina Bo Bardi, conhecidas pelos moradores do Morumby como a “Casa de Vidro”, situada à Rua Gen. Almério de Moura, 200, nesta Capital. Artigo 2º - Fica o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado autorizado a inscrever no Livro do Tombo competente o bem em referência, para os devidos e legais efeitos. Artigo 3º - Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Resolução SC 6/87, referente ao tombamento da Casa de Vidro pelo CONDEPHAAT, 1987

Fonte: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/cf22f_RES.%20SC%20N%2006%20-%20 Casa%20de%20Vidro.pdf


127

Resolução nº 05/91, referente ao tombamento da Casa de Vidro e outras edificações pelo CONPRESP, 1991 Fonte: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/d833c_05_TEO_89_itens.pdf


128


129


130

Resolução nº 35/08, páginas referentes ao tombamento da Residência Oscar Amerciano pelo CONPRESP, 2008 Fonte: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/ re3518tombamentoobrasarquitetooswaldoarthurbratkepdf_1534352440.pdf


131


FICHA TÉCNICA: ESTUDO DE CASO

132 Figura XX - Imagem de identificação, fachada principal

Projeto e construção: Projeto Arquitetônico: Projeto Paisagístico: Área do terreno: Área Construída: Localização: Implantação no terreno: Tombamento: Musealização: Instituição administradora: Ingressos: Modelo de ficha para análise dos estudos de caso Fonte: Elaboração própria


Banco de Imagens - Casa de Vidro

Casa de Vidro, atual

Fonte: http://institutobardi.com.br/?page_id=11

133

Casa de Vidro, vista noturna, atual, fotografia de Nelson Kon

Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casa-devidro/

Casa de Vidro, 1951

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/0112802/classicos-da-arquitetura-casa-de-vidrolina-bo-bardi


Planta 1Âş Pavimento da Casa de Vidro (acima) e Planta TĂŠrreo (abaixo), 1951 (legenda adicionada pela autora)

134 Fonte: Acervo Digital Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi


Implantação da Casa de Vidro (acima) e Cortes da Casa de Vidro (abaixo), 1951 Fonte: Acervo Digital Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

135


Elevações Nordeste e Noroeste da Casa de Vidro (abaixo, respectivamente), 1951 136 Fonte: Acervo Digital Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

Elevações Sudeste e Sudoeste da Casa de Vidro (respectivamente), 1951

Fonte: Acervo Digital Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi


137

Elevações Nordeste, Sudoeste e Sudeste da Casa de Vidro (respectivamente)

Fonte: Elaboração própria com base no desenho do Acervo Digital Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi


Elevações Nordeste da Casa de Vidro

Fonte: Elaboração própria com base no desenho do Acervo Digital Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi

138

Cortes da Casa de Vidro

Fonte: Elaboração própria com base no desenho do Acervo Digital Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi


Lina na escada da entrada principal da Casa de Vidro, 1952 (acima)

Fonte: https://casacor.abril.com.br/arquitetura/ahistoria-da-casa-de-vidro-de-lina-bo-bardi-nomorumbi/

Escada da entrada principal da Casa de Vidro, atual (ao lado) Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/0112802/classicos-da-arquitetura-casa-de-vidrolina-bo-bardi

Vista do Jardim Morumbi a partir da Casa de Vidro, recĂŠm construĂ­da

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-12802/classicos-da-arquitetura-casa-de-vidro-lina-bobardi

139


Vista do Jardim Morumbi a partir do interior da Casa de Vidro, recĂŠm construĂ­da

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/0112802/classicos-da-arquitetura-casa-de-vidrolina-bo-bardi

Lina no Interior da Casa de Vidro, 1952 Fonte: https://www.vivadecora.com.br/pro/ arquitetos/casa-de-vidro-lina-bo-bardi/

Interior da Casa de Vidro, sem data

140

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/0112802/classicos-da-arquitetura-casa-de-vidrolina-bo-bardi


Sala de Estar da Casa de Vidro, 1952

Fonte: https://www.vivadecora.com.br/pro/ arquitetos/casa-de-vidro-lina-bo-bardi/

141 Sala de Estar da Casa de Vidro, sem data, fotografia de Nelson Kon

Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casa-devidro/

Sala de Estar da Casa de Vidro, 2018, exposição Casas de Vidro Fonte: https://www.vivadecora.com.br/pro/ arquitetos/casa-de-vidro-lina-bo-bardi/


142

Croquis da sala de estar da Casa de Vidro, Lina Bo Bardi

Fonte: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi


Integração entre ambientes da Casa de Vidro, sem data, fotografia de Nelson Kon Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casa-devidro/

Casal Lina Bo e Pietro Maria Bardi na Casa de Vidro, sem data Fonte: http://institutobardi.com.br/sociedade/

143


Mobiliรกrio da Casa de Vidro e artigos de cultura popular, sem data, fotografia de Nelson Kon Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casa-de-vidro/

144


Banheiro (ao lado) e Cozinha (abaixo) da Casa de Vidro, sem data, fotografia de Nelson Kon

Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casa-devidro/

145

Jardim da Casa de Vidro, sem data, fotografia de Nelson Kon Fonte: https://www.nelsonkon.com. br/casa-de-vidro/

Fachada Sudeste da Casa de Vidro, sem data

Fonte: https://www.flickr.com/photos/ lf_seo/6040389066


Banco de Imagens - Residência Oscar Americano

Fachada Leste da Residência Oscar Americano, sem data, fotografia de Nelson Kon

146 Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casa-oscar-americano/

Implantação Residência Oscar Americano

Fonte: DALL’ALBA, 2017.


Planta Pavimento Superior e Inferior da Residência Oscar Americano (respectivamente) Fonte: Revista Acrópole, n.226. 1957.

147


148

Cortes da Residência Oscar Americano, uso como casa Fonte: Elaboração própria a partir de DALL’ALBA, 2017.


149

Cortes da Residência Oscar Americano, uso como museu Fonte: Elaboração própria


Residência Oscar Americano, recém construída Fonte: https://www.fundacaooscaramericano.org.br/

150

Residência Oscar Americano, recém construída

Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/

Marquise, Residência Oscar Americano, recém construída Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/

Sala de estar, Residência Oscar Americano, recém construída

Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/


Vista para o espelho d’água, Residência Oscar Americano, sem data Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/

Escritório, Residência Oscar Americano, sem data Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/

151

Sala íntima, Residência Oscar Americano, sem data Fonte: https://www.fundacaooscaramericano.org.br/

Quartos, Residência Oscar Americano, sem data Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/


Pátio interno da Residência Oscar Americano, sem data, fotografia de Nelson Kon

Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casaoscar-americano/

Corredor externo na Residência Oscar Americano, sem data, fotografia de Nelson Kon Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casaoscar-americano/

152

Vista do espelho d’água na Residência Oscar Americano, sem data, fotografia de Nelson Kon Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casaoscar-americano/

Corredor externo na Residência Oscar Americano, sem data, fotografia de Nelson Kon Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casaoscar-americano/


Fachada Norte da Residência Oscar Americano, sem data, fotografia de Nelson Kon

Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casaoscar-americano/

Fachada Leste da Residência Oscar Americano, sem data, fotografia de Nelson Kon

Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casaoscar-americano/

Fachada Oeste da Residência Oscar Americano, com estrutura para eventos, atual

Fonte: https://www.fundacaooscaramericano.org.br/

153


Espaço de eventos na fachada oeste da Residência Oscar Americano, atual Fonte: https://www.fundacaooscaramericano.org.br/

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Evento na Residência Oscar Americano, atual Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/

Salão de chá em funcionamento, Residência Oscar Americano, atual

Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/


Ações culturais na Residência Oscar Americano, sem data

Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/

Residência Oscar Americano musealizada, atual

Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/

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Residência Oscar Americano musealizada, atual

Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/

156

Gabinete da Residência Oscar Americano musealizado, atual

Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/


Pavilhão da Residência Oscar Americano, recém construído

Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/

Pavilhão da Residência Oscar Americano, sem data, fotografia de Nelson Kon

Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casaoscar-americano/

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Vista do Pavilhão da Residência Oscar Americano, recém construído Fonte: https://www.fundacaooscaramericano. org.br/

Vista do Pavilhão da Residência Oscar Americano, sem data, fotografia de Nelson Kon Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casaoscar-americano/

Painel de Karl Plattner no Pavilhão da Residência Oscar Americano, sem data, fotografia de Nelson Kon Fonte: https://www.nelsonkon.com.br/casaoscar-americano/


Parque da ResidĂŞncia Oscar Americano, atual Fonte: https://www.fundacaooscaramericano.org.br/

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