Jornal Brasil Atual - Zona Sul 08

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Zona SUL

www.redebrasilatual.com.br

Jornal Regional da Zona Sul de São Paulo

nº 8

Distr

ibu

Gratuição ita

Fevereiro de 2011

periferia vai à luta

bairro banca moeda

foto: Leonardo Brito

Depois do Banco Comunitário, agora um sampaio vale tanto quanto um real no Jardim Maria Sampaio

nasce uma estrela

dez anos de sarau Para comemorar a data, Cooperifa lança uma revista que pretende ser mensal

Pág. 2

foto: ferrez.com.br

foto: Bruno Miani/VIPCOMM

ferréz do capão

foto: viviane de paula

poesia

um artista puro

da zona sul para o mundo

A trajetória de um escritor da periferia que vai conquistando o Brasil

Pág. 3

Lucas, o craque do São Paulo e da Seleção Brasileira Sub-20

Pág. 6-7


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PIG - Partido da Imprensa Golpista

poesia

Um sarau de dez anos

editorial Pergunte-se a qualquer cidadão: quem tem banco e moeda próprios? A resposta, quase de chofre, será “um país”. Pois saiba que, há um ano, a Zona Sul pode-se declarar República Popular do Jardim Maria Sampaio! É que a população desse bairro pobre e esquecido pelas autoridades, que não tinha nem onde pagar as suas próprias contas, decidiu se juntar e criar um banco só para cuidar de seus interesses – o Banco Comunitário União Sampaio – e, de quebra, lançou uma moeda, o sampaio, para fazer a economia do lugar girar em torno de si mesma. O resultado, pra lá de satisfatório, é apresentado nas páginas centrais desta edição do jornal Brasil Atual. Nesta edição a gente também resolveu abrir espaço para dois artistas da Zona Sul: Ferréz, o nosso centroavante das letras, dos saraus, das bibliotecas, enfim, da literatura marginal, escritor premiadíssimo no Brasil e agora editado na Europa, e Lucas, craque da camisa 37 do São Paulo, o nosso número 10 da Seleção Brasileira Sub-20, que um dia chamou-se Marcelinho – em homenagem à escolinha de futebol do ex-corinthiano Marcelinho Carioca, onde começou –, e que um dia torceu para o Timão, embora se diga são-paulino “desde criancinha”.

vale o que vier As mensagens podem ser enviadas para jornalba@redebrasilatual. com.br ou para Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, SP, CEP 01011-100. As cartas devem vir acompanhadas de nome completo, telefone, endereço e e-mail para contato.

Em janeiro, o Sarau da Cooperifa completou dez anos. E deu um presente a São Paulo: no Bar do Zé Batidão, no Jardim Guarujá, houve a festa de lançamento da Revista Cooperifa, com entrevistas e matérias sobre a literatura da periferia, além de poesia dos frequentadores dos encontros. Há textos de pessoas que fizeram parte da primeira década do sarau – Eleílson Leite, Ana Tomé, Jéssica Balbino e Eliane Brum –, que fecham essa edição e abrem um novo ciclo na história da Cooperifa. A revista traz matérias como um estudo da antropóloga Érica Peçanha do Nascimento sobre a importância do sarau na cultura da cidade, e que descrevem o Cinema na Laje, evento da periferia que transforma a laje em sala de cinema. Liderado pelo poeta Sérgio Vaz, o sarau já deu espaço para

foto: viviane de paula

Na festa houve o lançamento da Revista Cooperifa

Sérgio Vaz, orgulhoso, anuncia: revista pretende ser mensal

centenas de artistas e escritores da periferia de São Paulo que acharam espaço para publicação de livros. “Por meio da poesia, muitos começaram a se interessar pela leitura, pela criação poética e, hoje, lançam seus próprios livros” – lembra Vaz. Em entrevista à revista, Heloísa Buarque de Hollanda, irmã de Chico Buarque, diz: “a Cooperifa sinaliza um horizonte de mudanças que este século pode

estar prometendo. Esse processo de descoberta se vê ao vivo nos saraus das quartas-feiras e irradia uma energia e uma potência que eu nunca tinha visto num movimento literário”. A Cooperifa surgiu para incentivar a arte e a leitura na periferia, e dez anos depois tem a publicação de sua primeira revista, mostrando o produto final para quem participou dessa década de mudanças no Capão Redondo.

olhar local

Roubo de R$ 70 mil traz medo “Foi uma afronta ao bairro” – diz presidente da Bancredi Na dia 21, à tarde, quatro homens armados renderam os funcionários da agência Olhar Local, em Vila Natal, e levaram R$ 70 mil. “Situações como essa podem tornar inviável o Olhar Local” – lamenta Flávio Moraes. A agência leva crédito para

desenvolvimento sustentável e dá acesso a alguns serviços bancários que os bancos não se interessavam em prestar na região. “A comunidade tem de se envolver para que o projeto cresça, pois o Olhar Local é patrimônio de Vila Natal e tem de ser protegido por todos” – acentua Flávio.

O Olhar Local pretende manter cursos para auxiliar moradores nos seus negócios. “Queremos que as pessoas saiam da informalidade e ampliem o comércio existente na localidade, gerando emprego e renda” – diz Flávio.

Expediente Rede Brasil Atual – Zona Sul Editora Gráfica Atitude Ltda. – Diretor de redação Paulo Salvador Editor João de Barros Redação Marina Amaral, Juliana Torres, Mayara Penina e Leonardo Brito (estagiário) Revisão Malu Simões Diagramação Leandro Siman Telefone (11) 3241-0008 Tiragem: 15 mil exemplares Distribuição Gratuita


3 entrevista

Ferréz, o artista do Capão Redondo Você se define como um artista, ou como um artista da periferia de São Paulo, da Zona Sul? Um artista? Como assim? As pessoas se definem assim quando fazem algo artístico, no seu caso, escrevem... É, eu estou mais para autista. Tem essa letra diferente aí do “r” para o “u”. Eu acho que sou bem mais autista porque tenho vontade de construir um mundo próprio bem melhor. Que tipo de influência você traz para as crianças e adolescentes do Capão Redondo? Acho que é positiva. Acabei virando uma espécie de exemplo. As mães passam por mim com os filhos e dizem “olha, você tem que estudar, pra ficar inteligente assim”. Como você avalia a polêmica do livro Capão Pecado, indicado como leitura para estudantes da escola pública? Alguns estados proibiram: Bahia, Minas Gerais. Algumas pessoas não entendem o propósito, né? Parece que as crianças precisam ler a Disney. O rap ainda tem a mesma importância pra você? Todo escritor tem que ter uma escola de linguagem, e a minha escola de linguagem é o rap, que me ensina gíria. Eu me considero do hip-hop também. Tem vários escritores que também tiveram movimento na música. Eu sou um cara que precisa disso, dessa música. E o rap é uma música mais real. E o Instituto 1 da Sul? Estamos montando um instituto para o ano que vem. A

foto: divulgação

Seu nome homenageia o cangaceiro Lampião e o negro Zumbi dos Palmares

Na carteira de identidade ele é Reginaldo Ferreira da Silva, mas todos o chamam de Ferréz, homenagem dele a outro Ferreira – o Virgulino, conhecido como Lampião – e a Zumbi dos Palmares, de quem tirou o Z. O artista partiu do rap, tornou-se escritor e compartilha a própria fama com o lugar onde mora, o Capão Redondo: situado na Zona Sul paulistana, o bairro inspirou Capão Pecado e nunca mais foi o mesmo depois que o livro, escrito na linguagem da periferia, esgotou a tiragem em menos de um mês. Ativista cultural, ele fundou a 1 da Sul, grife de moda apoiada nos artistas locais. Suas iniciativas transformaram o Capão em pólo cultural: saraus de poesia, bibliotecas, palestras em escolas, um selo editorial e outro para CDs de rap e uma revista – Literatura Marginal –, premiada pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), estão entre as realizações que surgiram de seu trabalho com a “molecada” do bairro, como gosta de dizer. Premiado na literatura, Ferréz passou a ser consultado sobre educação, violência policial, desigualdade social, racismo. Em 2005, foi convidado pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – para participar do relatório da ONU. No mesmo ano, recebeu o prêmio Zumbi dos Palmares, da Assembleia Legislativa de São Paulo. Confira a entrevista que ele concedeu à repórter Juliana Torres. gente já tem projetos sociais há muito tempo, e tivemos essa ideia do instituto. O que a gente quer com o instituto é poder apresentar o bairro de uma forma legal, né? Estamos

terminando de fazer o estatuto, tem muita gente legal. Você tem algum parceiro neste projeto? Tem o pessoal da Atitude Brasil, tem muita gente ajudando

a gente, o próprio Alexandre de Maio também. E vários empresários aqui da região que querem que o bairro melhore junto com a gente. Você está escrevendo um livro

novo e uma revista em quadrinhos. Pode falar um pouco sobre isso? Estou escrevendo há seis anos esse livro novo, que se chama Deus foi Almoçar. Já deu muito trabalho, mas vou lançar este ano. A revista em quadrinhos, em parceria com o Alexandre de Maio, já tem vários anos que a gente está fazendo. Agora já é uma revista com mais de 150 páginas e a gente está entrando em contato com as editoras para publicar. A revista se chama Mil Fitas. Tem um lado criminal, mas fala bastante do lado humano dos caras, o lado problemático, de solidão também. Como foi o lançamento de seus livros em países como Portugal, França e Espanha? É a nossa história. É a prova de que as pessoas se interessam pelo nosso convívio. Enquanto as pessoas aqui nos censuram, outras querem saber um pouco da nossa história.

Livros 1997 – Fortaleza da Desilusão 2000 – Capão Pecado, publicado em Portugal 2003 – Manual Prático do Ódio, publicado na Espanha, em Portugal e na Itália 2005 – Amanhecer Esmeralda – infantil 2005 – Literatura Marginal – organizador 2006 – Ninguém é Inocente em São Paulo – Indicado ao prêmio Jabuti e finalista do prêmio Portugal Telecom


4 periferia vai à luta

União Sampaio, um banco comunitário O Jardim Maria Sampaio, na periferia da Zona Sul, é um conjunto vermelho de casarios inacabados. Uma pesquisa apontou altos índices de violência doméstica contra a mulher, o idoso e a criança. Por aqui vivem 30 mil pessoas. A falta de dinheiro é constante. O povo é pobre, mas consome! Há pouco tempo ninguém tinha acesso às agências bancárias. Empréstimos só se conse-

guiam com amigos. Até que a União Popular de Mulheres de Campo Limpo e Adjacência, de 27 anos de lutas, se uniu à Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade de São Paulo (ITCP-USP) e criou um banco para atender à comunidade. Assim, nasceu o Banco Sampaio. Em 2005, a União participou do Fórum Mundial, no qual João Joaquim de Melo

Neto, idealizador do Banco Palmas de Fortaleza, primeiro banco comunitário do Brasil, falou da importância da criação desses bancos para o fortalecimento econômico das periferias brasileiras, discutiu economia solidária e o auxílio financeiro para moradores e microempreendedores da periferia. A ideia de abrir bancos comunitários em bairros distantes amadurecia.

Por Leonardo Brito

fotos: Leonardo Brito

Os segredos econômicos e financeiros para fazer a periferia crescer

Agência do Sampaio na sede da União Popular de Mulheres

Banco dos pobres: a ideia deu em união

As metas

Em 2003, com a implantação do Programa Oportunidade Solidária, da Prefeitura Municipal, para combater a exclusão social, a ITCP passou a realizar projetos nos distritos do Campo Limpo, Capão Redondo e Jardim Ângela, que culminaram com a criação dos bancos comunitários. Foi quando a União de Mulheres de Campo Limpo juntou o desejo de melhorar

Os objetivos do Banco Sampaio são: promover o desenvolvimento sustentável, organizar e potencializar a produção e o consumo local, garantir acesso aos serviços bancários e financeiros, ser um espaço educativo, gerar empregos, fomentar a economia solidária, fortalecer a comunidade nas lutas sociais e diminuir a violência.

A equipe que leva o banco adiante: união

a condição financeira do pessoal da Zona Sul à ideia da ITCP de inaugurar um banco comunitário no Jardim Maria Sampaio –

a ITCP já criara o Banco Apuanã, no Jardim Apuanã, na Zona Norte; o Banco Vista Linda, no Jardim Donária, na Zona

Oeste; o Banco Autogestão, no Jardim São Luis, na Zona Sul; e o Banco Paulo Freire, em Inácio Monteiro, na Zona Leste. Em junho de 2009, a União de Mulheres convidou o bairro inteiro para participar, sugerir o nome do banco, e compactuar das propostas de fortalecimento do bairro. Em setembro, o Banco Sampaio abriu as suas portas.

Crédito produtivo ou crédito de consumo: fácil e rápido

Visa e Sampaio: pau a pau

O crédito produtivo do Banco Sampaio atende pequenos empreendimentos locais com capital de giro ou fixo. O empréstimo – em reais – é de até R$ 1.000. O prazo para saldá-lo é de seis meses. Os juros são de 1,5% ao mês para quem pega até R$ 300; de 2% ao mês, para quem pega até

R$ 699; e de 2,5% ao mês, para quem pega até R$ 1.000. As únicas exigências do Conselho de Análise de Crédito para o empréstimo são que o morador se relacione bem com a comunidade do bairro, atue há mais de seis meses na atividade a ser financiada e tenha condições de pagar.

O Banco Sampaio destina também crédito de consumo, priorizando o fortalecimento do comércio local. O empréstimo é de até $300 sampaios (leia na pág. ao lado), quatro meses para saldar a dívida e taxa de juros zero. Caso atrase o pagamento, o cliente paga taxa administrativa de 1% ao mês e R$ 0,25 por dia de atraso.

Para aprovação do crédito, os clientes respondem a um questionário socioeconômico. Para liberação da grana, o banco quer saber do cliente qual é a finalidade do crédito e exige um aval solidário de um vizinho, para saber se esse vizinho emprestaria um dinheiro pessoal para o cliente.


5 periferia vai à luta

Um dinheiro só nosso. E de todos Um sampaio vale a mesma coisa do que um real. E ele ainda compra quase tudo no bairro As cédulas de sampaios – 0,50, 1,00, 2,00, 5,00 e 10,00 – são produzidas no Banco Palmas, de Fortaleza, que gerencia o fluxo das notas e troca as cédulas velhas a cada ano. As notas têm marcas de segurança. Há dois hologramas: um P de Palmas, no canto superior esquerdo, e, abaixo, um símbolo amarelo em forma de sol. Há também o nome Rede

Palmas na faixa amarela, embaixo da nota. No verso, está o número de série dela. Cada sampaio homenageia uma pessoa ou instituição, com foto ou ilustração. Na nota de S$1,00, por exemplo, está o professor Paulo Freire. O que valida essa moeda é a garantia de que o banco Sampaio tem, no cofre, o valor correspondente em reais.

Banco Palmas, o primogênito O Banco Palmas nasceu nos anos 70, depois do despejo de algumas comunidades para a periferia de Fortaleza. Abandonados pelo poder público, os moradores criaram a Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras (ASMOCONP), em 1981. A conquista de água, luz, transporte, posto de saúde veio com os anos. Mas muitas pessoas que lutaram pelas melhorias não tiveram como arcar com essas despesas e se mudaram para outras favelas – uma pesquisa no bairro

Cena de banco popular

mostrou que os habitantes gastavam mais de R$ 1 milhão por mês no comércio fora da comunidade e concluiu que todos se empobreciam com isso. Em 1998, criou-se o Banco Palmas e uma moeda social, o Palmas, com o intuito de fazer o dinheiro circular no comércio

local, gerar emprego, aumentar a renda e promover o desenvolvimento econômico. Hoje, o Banco Palmas negocia com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) empréstimos de R$ 3 milhões, para manter sua estrutura, funcionários e investir em novos bancos comunitários pelo Brasil. Acredita-se que os 52 bancos comunitários brasileiros movimentem mais de R$ 1,5 milhão por ano – desde o início de 2010, eles são reconhecidos pelo Banco Central.

A bronca de quem quer crescer O real virou sampaio O sampaio vale nas lojas credenciadas pelo banco. Além de oferecer desconto nesses estabelecimentos, ele tem lastro no real, é seguro e circula livremente no bairro. O comerciante que faz seus negócios em sampaios pode usálos em outros pontos credenciados ou trocá-los por reais quando pagar uma conta fora do bairro ou município.

Como e onde circula “Com o Sampaio, os moradores não compram fiado, eles têm dinheiro para pagar.” A opinião é de Silvestre Oliveira, 47 anos, dono do Açougue do Silvestre, um dos primeiros a aceitar o sampaio em seu comércio. “Com um capital maior, ele

ajudaria ainda mais as pessoas” – explica. Atualmente, 26 lojas aceitam o sampaio. São padarias, cabeleireiros, casas de material de construção, lojas de roupa, mercadinhos, lanchonetes, drogarias e bares do Campo Limpo e do Jardim Helga.

Sampaio: Thiago quer mais

O analista de crédito Thiago Vinícius de Paula da Silva, 21 anos, funcionário do Banco Sampaio, adora o que faz.

E quer fazer mais, muito mais. Olha só o que ele diz: “O Banco Sampaio tem uma pequena carteira de crédito. Mas ele não tem estrutura física nem mãode-obra para voar mais alto. O ideal seria ter dinheiro para bancar seus projetos, contratar mais funcionários, aumentar o crédito, atrair mais comerciantes. Mas falta profissionalismo.

A atividade do banco é vista como uma política marginalizada. As condições de trabalho não ultrapassam o conceito de voluntariado – muitos trabalham sem salário fixo. Os bancos convencionais emprestam nove vezes o seu valor em caixa; os comunitários só emprestam aquilo que têm em caixa”.

De Bangladesh para o Brasil Em Bangladesh, o economista Muhammad Yunus criou um banco que emprestava 27 dólares para artesãs endividadas. Hoje, o programa beneficia sete milhões de bengaleses. O índice de inadimplência é de menos de 1%.

Em 2007, a deputada federal Luiza Erundina apresentou um projeto que legaliza o funcionamento dos Bancos Populares de Desenvolvimento Solidário, voltados ao atendimento de famílias de baixa ou nenhuma renda.


6 nasce uma estrela

O futebol moleque do menino de ouro da cidade Ademar

foto: divulgação

Lucas, o craque da camisa 37 do São Paulo, virou o camisa 10 da Seleção Brasileira Sub-20 Por Marina Amaral

O menino exibe o seu troféu, a camisa tricolor

Cidade Ademar. O céu azul no fim da tarde chuvosa convida a meninada a jogar bola na “rua reta”, apelido da rua asfaltada paralela à Avenida Cupecê, onde ocorrem as peladas do dia a dia – no fim de semana elas são no campinho –, apesar dos carros velozes que passam e assustam a garotada. Os primeiros a chegar – William, 9 anos, Mateus, 8 anos, e Nicolas, 14 anos – já

trocam passes. Ao ver a câmara fotográfica, o loirinho William dispara: “Vocês vieram procurar o Lucas? Eu sei onde fica a casa dele!” Mateus, o caçulinha, confirma: “Ele está sempre por aqui, agora não porque ele está no Peru”. E acrescenta: “Eu virei são-paulino por causa dele. Também quero ser jogador de futebol”. Os mais velhos riem, encabulados.

Nascido no vizinho Jardim Míriam, a família de Lucas mudou-se para Cidade Ademar há seis anos. Por lá, ninguém mais o chama de “Marcelinho”, por ele ter começado na escola de futebol de Marcelinho Carioca, em Diadema, e nas categorias de base do Corinthians. Para os vizinhos e amigos ele é o Lucas, bom de bola, de escola e de pagode. Um adolescente alegre e tranquilo de 18 anos de idade.

De franzino a galã

O metalúrgico Jorge Rodrigues da Silva é o pai de Lucas. Ele se aproxima, vestindo a camisa número 37 do tricolor – em 2011, Lucas vai vestir a 7. Jorge administra a carreira do filho, sem faltar ao trabalho na Ford. “Eu quis ser jogador de futebol, mas não deu. Meu filho mais velho, o Tiago, jogava bem, mas desistiu logo. Mas o Lucas, desde os 4 anos, tem uma habilidade e uma vontade de treinar impressionantes” –, conta, enquanto caminhamos da “rua reta” até a casa dele, em frente a uma pracinha bemcuidada – foi ele quem plantou as árvores e as folhagens e as rega regularmente. Uma bela morena, de cabelos compridos e sorriso largo, a cabeleireira Maria de Fátima da Silva Moura, mãe de Lucas e Tiago, nos faz entrar na pequena e confortável sala, repleta de fotos dos filhos e de troféus de Lucas. Fátima e Jorge eram pobres, casaramse jovens e trabalharam muito

“Eu sou do tipo de mãe que respeita as decisões dos filhos. Deixei o Lucas ir morar fora de casa aos 13 anos, passando por cima da saudade e da preocupação que eu sentia.” Os olhos de Fátima se enchem de lágrimas ao lembrar da partida do filho para morar no CT do São Paulo, em Cotia, há cinco anos. “Eu nem desci do carro, sentia aquela dor. Ele franzino, só comia arroz e frango.” E confessa: “Escondi uns biscoitos Trakinas na sacola dele, depois fomos chorando para casa”– conta a mãe. “Foi na época do filme Dois Filhos de Francisco, tocava aquelas músicas e a gente chorava” – lembra o pai. Tiago, fã declarado do irmão, anima a conversa. “Ele era maníaco por bola. Eu gostava de outras coisas também – pipa, super-herói. E a gente brigava. Eu queria ver desenho na TV e ele só

foto: Mowa Press

Os jovens velhos amigos

Neymar e Lucas: amigos de infância

para dar uma vida melhor aos filhos. A mãe de Fátima, dona Aparecida, morava no mesmo quintal, no Jardim Míriam, e cuidava do cotidiano da casa e dos meninos. A mãe supervisionava as lições, ia às reuniões da escola, cobrava os estudos; o pai os levava à escolinha de futebol, aos treinos e campeonatos. Jorge mostra uma foto do craque aos seis anos, com uma medalha de ouro no uniforme do Santa Maria, time de futsal de São Caetano do Sul. E entrega: “Essa medalha ele ganhou do time do Neymar”. Os dois craques, que dividem um quarto no

alojamento da seleção no Peru, são amigos de infância. “A turminha disputava os mesmos campeonatos e alguns deles dormiam aqui” – lembra o pai. Também em destaque na sala, um retrato emoldurado mostra o caçula de beca e diploma, comemorando a formatura do ensino médio. “Agora não tem jeito, mas ele quer cursar a faculdade e eu incentivo” – diz Fátima. No ano passado, Lucas deu uma palestra na escola estadual onde estudou. Um bom jeito de mostrar aos alunos que bola e caderno podem conviver em harmonia.

queria futebol, mesa-redonda” – conta, rindo. “Também por causa dele quase levei a pior surra da minha vida, e de meninas” – revela. “Elas chamaram a gente pra jogar bola e ele, bem menor, ficou esnobando; elas ficaram loucas de raiva e a gente, oh, saiu correndo.” Hoje, as meninas também correm atrás, mas por outros motivos. “Antes ele tinha uma namoradinha, a gente gostava muito, mas depois que aparece na televisão...” – diz o pai. E explica: “O Lucas é um profissional, mas ainda é menino. Quando vem para casa só quer ficar com a gente, assiste filme de terror e vai dormir comigo. Com balada eu não me preocupo, ele não é disso, mas sempre digo: você agora é homem, tem de se cuidar, usar preservativo” – revela Jorge. Fátima, a mãe, se fecha: “Não gosto dessa conversa, sou ciumenta”.


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Lucas foi Marcelinho

entrevista

Tricolor, mas ex-corinthiano

Os pais, Fátima e Jorge, acompanham a carreira de Lucas

O assédio feminino é uma situação com que o jogador e sua família têm de lidar depois que 2010 revelou o que os técnicos que o acompanham desde pequenino já sabiam: o talento e a habilidade com a bola o tornam valioso em qualquer equipe. A mãe conta que seu orgulho explodiu quando o viu vestido com a camisa da Seleção Brasileira, no Sub-18 da África do Sul, em abril do ano passado. “Tinha gente no salão que sabia que o Lucas jogava bola, mas eu não falava muito, daquela vez não aguentei, contei para todo mundo” – conta Fátima, que trabalha no mesmo cabeleireiro há mais de 15 anos. Outra grande alegria foi quando o filho retomou seu nome de batismo – supersticiosos, anotem, Lucas nasceu às 13 horas do dia 13 de agosto de 1992 –, deixando de lado o “Marcelinho”, ou “Lucas Marcelinho”, que o acompanhava desde o início da carreira. “Ele me disse, ‘mãe, agora eu sou o Lucas, só Lucas’” – conta. O apelido era tão marcante que o jogador teve de anunciar a mudança pelos jornais, o que agradou a torcida tricolor, incomodada com o apelido ligado ao craque corintiano.

O gesto também encerrou outra polêmica: a de que o São Paulo teria “roubado” Lucas do Corinthians, como afirmou seu presidente, Andres Sanchez. “O mundo do futebol é perigoso. Por isso, acompanho todos os passos do Lucas, verifico os contratos, procurando favorecer a carreira do Lucas” – diz Jorge. “Não é uma questão de dinheiro, apenas. O mais importante é a carreira dele. Ele saiu do Corinthians para o São Paulo porque as condições de treino eram melhores, a preocupação com a escola maior, o condicionamento físico e a dieta mais bem cuidados. E ele logo foi para o time titular, que era o que mais queria” – conta o pai, que prefere não revelar as condições e valores do contrato do meia-atacante com o São Paulo. Por enquanto, a família continua na Cidade Ademar, Lucas no CT da Barra Funda e Fátima e Jorge em seus empregos. Com o filho no Peru, a única preocupação da família era acompanhar os jogos e conversar com ele pelo rádio, em que as chamadas são gratuitas. “Só saio do meu salão se o Lucas um dia for jogar na Europa” – diz Fátima. “Sozinho, meu menino não vai.”

Como está sendo sua experiência na Seleção? É difícil falar, ainda não caiu direito a ficha, mas eu estou vivendo um sonho. Desde moleque eu sempre quis ser jogador de futebol, dormia e acordava com a bola ao meu lado, jogava na rua. Assistia aos jogos da Seleção Brasileira e sonhava um dia chegar a ela. Hoje estou realizando esse sonho. Só tenho a agradecer. Primeiramente a Deus, pelos pais que ele me deu. Como está a comunicação e a saudade da família? Com o meu pai eu falo todo dia, pelo rádio (Nextel) é mais fácil. Com a minha mãe é mais difícil, ela ainda não tem rádio. Mantenho contato depois do jogo, depois do treino, ligo pro meu pai, falo bastante com ele e peço para ele avisar minha mãe. Sempre falo com eles. Você já tinha pensado em ser outra coisa além de jogador de futebol? Olha, nunca passou pela minha cabeça fazer outra coisa, até ficava com medo e falava se eu não for jogador, o que eu vou fazer da minha vida? Só sei jogar futebol! Mas sempre acreditei no meu sonho, no meu potencial. Porque desde pequeno eu jogava bola na rua, no quintal de casa, na quadra ou no parque em que meu pai me levava, com meu irmão, meu primo. Como foi conciliar a vida estudantil com essa paixão e a carreira de jogador mirim?

foto: Mowa Press

foto: leonardo brito

O craque diz: “sou são-paulino desde criancinha”

É camisa 10 da Seleção

Sempre fui muito dedicado aos meus estudos, eu nunca tive problemas. Chegava da escola fazia a lição direitinho, nunca faltava as aulas, meu pai sempre me cobrava e eu sabia que o estudo era muito importante. E como você está se sentindo em carregando o número que o Pelé jogou, a camisa 10. É uma responsabilidade grande, mas estou com o psicológico preparado para isso. Sempre usei a camisa 10 – no Corinthians, quando passei por lá, no São Paulo, estou acostumado com essa camisa. Quando soube que eu vestiria essa camisa na Seleção, foi uma surpresa, mas eu fiquei tranqüilo, sabia da responsabilidade. Então nada me atrapalha. Sempre observei jogadores consagrados com essa camisa – Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Kaká – e busco inspiração neles. Como agora é a minha

vez de usar essa camisa, vou procurar fazer meu melhor e marcar história com ela. E quando você era criança qual time torcia? A pergunta que não quer calar (Risos). Eu gostava de assistir jogos de todos os times, do Corinthians, do São Paulo. Quando joguei no Corinthians, torci para ele, mas sempre gostei do São Paulo, time de muita tradição, que já ganhou tudo no futebol, todos os campeonatos importantes e sua estrutura é conhecida mundialmente. Então, gostava do São Paulo também. E, hoje, vestindo a camisa do São Paulo, sou são-paulino desde criança. Como é sua relação com o Jardim Míriam, o bairro onde você nasceu? Minha família representa o meu bairro. Sempre que eu posso, vou lá visitá-los. Quando tenho uma folguinha, eu estou junto com os amigos que cresceram comigo. Meu bairro é humilde. Nele há vários moleques jogando bola, descalços, soltando pipa, fazendo coisa de criança mesmo e comigo não poderia ser diferente. Cresci fazendo isso no Jardim Miriam, e eu agradeço a esse lugar. Da minha infância não posso reclamar, mas terminou cedo. Saí de casa aos 13 anos para morar no Centro de Treinamento do São Paulo, em Cotia. Então, curti pouco essas coisas de moleque, mas o pouco tempo que tive aproveitei muito.


8 foto síntese

palavras cruzadas 1

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foto: júlio marcondes

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sudoku 4

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Vertical – 1. Córrego que cruza a Zona Oeste de São Paulo 2. Membro emplumado das aves; América Latina; O que lhe pertence 3. Teatro Popular do Sesi 4. Panificadora; Antônimo de chora 5. Aqueles que não têm nome 6. Movimento que se repete a intervalos regulares, com acentos fortes e fracos; Diz-se do som da flatulência 7. Móvel sobre o qual se come; Rodopio 8. Do grego psyché 9. Nicho com imagens religiosas 10. Uma república soviética 11. Canal por onde corre a água; Centro de Memória do Esporte 12. Imparcial, justo 13. Adoro; Primeira pessoa do singular; Central de Inteligência Americana 14. Referente à rosa; A última sílaba do nome da namorada de Peri 15. Sufixo de uso; Que tem forma de rolo

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Horizontal – 1. Região meridional da América do Sul; Nome primitivo da aldeia de Embu; Difícil de conseguir 2. É, em inglês; Agência Nacional de Regulação Econômica; Tom musical 3. Divindade egípcia; Rápido (gíria) 4. Ó existente na imaginação; Atmosfera 5. Agora; Cada um dos órgãos produtores de urina; Nona letra do alfabeto grego; Reflexão de uma onda acústica 6. Derradeiro; Mal0passado; Universidade Estadual de Londrina 7. Alimento feito de farinha de trigo; Cinto largo de couro; Saudação jovial 8. Associação (abr.); Sigla do extinto Serviço de Proteção ao Índio; Um, em inglês 9. Segunda nota musical; Empresa de Urbanização do Recife; Aporto 10. Fenômeno caracterizado pelo desligamento da realidade exterior; Mulher que deu à luz um ou mais filhos; Gemido de dor

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Respostas p i r a j u ç a r a

a m p a s a n a d o f a n a r i l t i m p a o s s s e r u t i s

m b o r e r i s p a t a s t m i o o c r g o i p i o u r b mo m

Palavras cruzadas

l i t u a n i a

y r a r b e mo i t o s c o a a e c u e c a o e c d r i c e a i

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Sudoku


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