Análise sobre a violência: causas e apontamentos de superação

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ANÁLISE SOBRE A VIOLÊNCIA: CAUSAS E APONTAMENTOS DE SUPERAÇÃO Renato Chiera

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Renato Chiera

ANÁLISE SOBRE A VIOLÊNCIA: CAUSAS E APONTAMENTOS DE SUPERAÇÃO

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Rio de Janeiro, 2018.

Análise sobre a violência: causas a apontamentos de superação © Editora Casa do Menor — Rio de Janeiro — 2018

Projeto gráfico e diagramação: Leandro Monteiro – www.casadomenor.org.br Fotografia: Mauro Towé Villone - www.ilfattoquotidiano.it/blog/mvillone/

ISBN 978-85-7821-148-6

Editora Casa do Menor Av. Henrique Duque Estrada Mayer, 222 Miguel Couto — RJ — Brasil CEP 26.070-602 — Telefax: +55 (21) 3779-9909 www.casadomenor.org comunicacao@casadomenor.org.br

E-book - Análise sobre a violência: causas a apontamentos de superação

Chiera, Renato Análise sobre a violência: causas a apontamentos de superação/ Renato Chiera- Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, RJ: Editora Casa do Menor, 2018.

1. Violência - Baixada Fluminense (RJ) 2. Intervenção militar – impactos. 14-08177

CDD-362.298153

Índices para catálogo sistemático:

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1. Baixada Fluminense : Rio de Janeiro : Violência : Juventude : Prevenção : Problemas sociais 362.298153

ÍNDICE

Preciso ser filho e preciso de oportunidades e de futuro

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O que fazer perante tanto desespero?

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Intervenção Federal? Resolve?

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Mais policiamento?

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Armamento de cada cidadão para se proteger? Pergunta-se: “Somente o bandido pode ter arma”?

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Intervenção militar ou ditadura já?

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Mais cadeias?

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Diminuir a idade da imputabilidade?

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Matança para resolver na raiz?

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Ouvir o grito dos nossos jovens sempre mais violentos... O que nos sinalizam?

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A violência é o grito dos nossos adolescentes e jovens que não estão bem dentro e fora de si

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Outra raiz da violência dos nossos jovens é a falta de perspectivas de oportunidades e de futuro

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Outra causa: o abismo crescente entre ricos e pobres e a corrupção

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Apesar de... ainda tem esperança

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VIOLÊNCIA: NÃO TEM MAIS JEITO? OUVIR O GRITO

Preciso ser filho e preciso de oportunidades e de futuro.

Nunca estivemos tão preocupados e acuados como nestes tempos, reféns e vitimas de uma violência visível nas ruas e de uma violência quase invisível a nível estrutural (injustiça e corrupção), fonte e causa também de muitas violências que nos atingem cotidianamente. Somos um dos países mais violentos do mundo e Fortaleza, hoje, é a cidade mais violenta do Brasil. E somos, também, um dos países mais injustos do mundo. Estamos todos com medo e com raiva: não podemos mais sair de casa, não sabemos se voltaremos ainda ao lar, assaltados, roubados, feridos, assassinados a cada dia. Protagonistas e vítimas destas violências cotidianas são na maioria adolescentes e jovens quase sempre pobres, negros, favelados cooptados e adotados pelo narcotráfico que oferece, a quem não é ninguém na vida e não tem perspectivas de futuro, poder, protagonismo, visibilidade, pertença, dinheiro e prazeres fáceis. O preço, porém é muito alto: roubar, assaltar, traficar, matar policiais e ser mortos pela polícia, por membros de comandos ou gangues rivais, inimigos somente porque é do outro comando. Precisa ainda estar dispostos a morrer para defender a facção e o morro. Nestas guerras dos pobres, morrem policiais (também filhos de pobres), e centenas de meninos, adolescentes, jovens e muitas pessoas inocentes, trabalhadores, vítimas de uma guerra absurda e cruel que tem protagonistas ocultos, mercantes de mortes. Os pés de chinelo pobres e sem perspectivas, a polícia feita de muitos jovens, também carentes e sem perspectivas, são vítimas de forças econômicas e políticas que usam a juventude do morro e jovens fardados para lucros fabulosos. Muita mídia completa a obra,

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destruindo cada dia, família, valores e apresentando o ter, o prazer, o poder como ídolos aos quais se pode sacrificar tudo.

O que fazer perante tanto desespero?

Partidos, políticos e a sociedade em geral, desesperados, amedrontados, revoltados, motivados pelo impulso e vontade de combater a violência, invocam medidas imediatas, talvez pensando em boa fé que estas são as soluções. O medo,o desespero,o sentimento de impotência e de raiva não são os melhores conselheiros. Somos tão desesperados que aceitamos como inevitável e normal o genocídio dos nossos garotos antes dos vinte anos, declaramos guerra a nossos filhos, renunciamos a educa-lhos, reconhecendo assim nossa falência como famílias, igrejas, escolas, governos e sociedade no geral. Falimos todos. É compreensível que o povo queira medidas fortes para se proteger a nível emergencial.” Não se pode mais viver”, é o lamento do povo. Todo mundo propõe soluções. Cada proposta depende do status social e da experiência de cada um ou cada grupo. Vamos analisar as varias propostas sem animosidade. Eu falo a partir de 32 anos ao lado destes adolescentes e jovens "problema e ameaça" para a sociedade. È meu ponto de vista.

Intervenção federal? Resolve?

Terá resultado momentâneos, depois voltara tudo como e pior de que antes, a historia recente ensina. Foi assim na ocupação das favelas antes dos grandes eventos que aconteceram no Rio. O exercito não tem a função de caçar bandido, mas de cuidar da defesa do Brasil e controlar suas fronteiras para impedir a chegada da droga e das armas. Esta seria a grande contribuição que atingiria as causas profundas do narcotráfico: Quem faz isso? Quem esta por trás do tráfico de armas e de drogas? Todo mundo sabe. Chamar o exercito não é 6


admitir que a policia militar e civil e o governo estadual é incapaz de fazer sua função de defesa do cidadão?

Mais policiamento?

A policia deve ser mais preparada para lidar com a marginalidade e o povo, melhor equipada e retribuída para não se corromper e se unir a criminalidade,ao narcotráfico para tirar proveito econômico. A policia infelizmente tem uma fama não boa e é temida e vista como braço do estado que mata. Não se pode porem generalizar .Deve-se reconhecer que muitos policiais são do bem e muitos acabam morrendo em operações perigosas. A verdade porem é que muitíssimos morrem por mão da policia. Execuções sem julgamentos,piores de que pena de morte. A policia não nasceu para matar, mas para defender e proteger o cidadão e não somente o patrimônio dos mais abastecidos. Deve-se se superar uma mentalidade puramente repressiva e letal que não resolve. A policia depois não pode resolver o problema da violência.A sociedade cobra da policia aquilo que a mesma não pode resolver. Pode apenas dar maior proteção e amenizar, não resolver. “Aqui precisa de políticas publicas,não de armas”,desabafava comigo um policial numa ação de recolhimento de usuários. Também os policiais devem ser vistos como sujeitos de direitos humanos. Precisam também ser ajudados a superar a mentalidade de repressão, de violência e é urgente um preparo para lidar com o povo e os bandidos.

Armamento de cada cidadão para se proteger? Pergunta-se: “Somente o bandido pode ter arma”?

"Um menino de 8 anos mata sua irmãzinha de 3 anos com a arma que o pai tinha em casa, por briga sobre o controle remoto". "Policial é morto por assaltante com a arma que o mesmo carregava". "Aluno transtornado faz massacre na escola com arma que tinha em casa". E poderíamos continuar. 7


A quem interessa liberação do armamento para cada cidadão? A lobby e industrias de armas. Nos Estados Unidos resolveu? Assistimos a matanças indiscriminadas todos os dias que apavoram toda a America e se debate a possibilidade de rever esta política armamentista apoiada pelas grandes industrias. Se revela de fato uma falsa solução: ter arma não da mais segurança como se afirma: a arma com a qual você mata, pode te matar. Acontece todo dia. Investir em armas ou em educação valores, profissionalização?

Intervenção militar ou ditadura já?

Alguém, tão desesperado, invoca intervenção militar já, e até o retorno da ditadura, frente a tanta corrupção generalizada e ao crescimento espantoso da violência. “Perdoa Pai, não sabem o que dizem”. Quem experimentou a ditadura como eu, sabe que desta forma se propõe a institucionalização da violência arbitraria do estado que fiscaliza até idéias, e ações e elimina quem pensa diferente. A experiência do Brasil e da America Latina foi horrível em todos os níveis, criou uma cultura de violência e repressão: até a nível econômico, com a venda do Brasil as multinacionais e com o inicio da divida externa hoje eterna, entregou o país nas mãos de estrangeiros de poderes ocultos que até hoje sugam o sangue da nossa nação. Ditadura? Nunca mais: gritam os mortos e desaparecidos de uma época escura que queremos esquecer e que superamos com muita luta e sofrimento.

Mais cadeias?

Somos um dos países com mais presos no mundo. Nossas cadeias são cheias de jovens, na maioria negros, pobres, analfabetos virtuais, com famílias desestruturadas, sem perspectivas concretas. A cadeia prepara profissionais do crime alem de desumanizar e gerar mais violência. Superlotação, mal tratos, violências, rebeliões, matanças de facção contra outra. Não re-socializa ninguém e custa mais de que investir na prevenção. 8


Convido quem acredita nesta medida a visitar uma cadeia e a constatar os horrores, o abandono, a violência, a falta de atendimento medico e das condições mínimas para a sobrevivência do ser humano. Se tratássemos assim os cachorros, a defesa dos animais e o mundo inteiro se revoltaria. Pena que os presos não são cachorros.

Diminuir a idade da imputabilidade?

È possível e até necessário mudar algo no Estatuto. A situação social mudou. Nossos adolescentes e jovens devem ser educados a ter limites e deveres e mais responsabilizados e conscientizados que cada ação tem uma conseqüência. Posso dizer porém que botar na cadeia adolescentes com menor idade não resolve, a não ser que os coloquemos na cadeia recém-nascidos. Somos o segundo pais com mais presos no mundo, e mesmo assim a violência aumenta cada dia mais, temos cadeias explodindo por superlotação e maus-tratos e isso gera raiva que explode em revoltas quase diárias. Quem está preso, como já falei, é pobre, negro, analfabeto e sem futuro. Criminalização da pobreza e de uma raça? Casas de ressocializacão, assim chamadas, não ressocializam ninguém e muitas vezes,até com a separação de um grupo do outro, fomentam a rivalidade de uma facção com os da outra. Se estes adolescentes depois forem colocados em celas com presos de maior idade, a coisa piora. Vão se tornar mestres do crime. Quero porém alertar sobre uma constatação que faço diariamente. Nossos adolescentes não tem medo de serem presos, nem de morrerem: quem não é amado e não tem perspectivas de futuro quer morrer. A atitude de prender e de endurecer as penas dos adolescentes é, como já falei acima, a confissão que famílias, escolas, igrejas, governos e a sociedade renunciaram a educar. Declaramos nossa falência e não queremos ver que somos nós os geradores de tantas violências dos nossos meninos. Não os amamos. Não damos valores, limites, ideais e perspectivas de futuro digno. Nisso devemos investir, não na cadeia. 9


A perspectiva de ser preso ou de ser morto não coíbe o crime. Afirmo isso com a experiência de trinta e dois anos”. Tomara que me matem” desabafam muitos deles. “Assim paro de sofrer e fazer sofrer”. Falo isso por experiência de mais de trinta anos. Quem não é amado, não se ama e não ama ninguém. Se destrói e quer destruir. É triste ver que governo e sociedade declara guerra a seus filhos que gerou e não amou.

Matança para resolver na raiz?

Outra ilusão. Matamos um, nascem dez. Porque? O problema da violência mais profundo. Nestes 40 anos de Brasil matamos quantos? Centenas e centenas de milhares: verdadeiro genocídio. Cada dia cerca de 160-170, a maioria jovens de 14 ate 24 anos negros, pobres e quase analfabetos. Melhorou algo? Assistimos ao aumento de uma violência hoje sem controle e capaz de derrotar as forças da ordem e governos... Qual o resultado? Cidades, periferias, asfalto e morro sem lei. Bandidos matando policia, policia matando bandidos. Pobres matando pobres: muitos inocentes morrendo. As medidas acima não resolvem: são frutos do desespero e do sentimento de impotência, não apresentam perspectivas de esperança e de superação. A violência não se combate, se deve superar com medidas que atingem a raiz do problema.

Ouvir o grito dos nossos jovens sempre mais violentos... O que nos sinalizam?

Do Brasil, do Rio de Janeiro, da nossa Baixada se levanta um grito sempre mais estarrecedor.

Um jovem, marcado pra morrer, que veio pedir ajuda,

desabafava comigo: “Nós estamos errados, somos violentos, usamos drogas, mas ninguém quer saber porque somos assim e o que estamos sofrendo. Vocês nos matam e pensam de resolver deste jeito? Eu não quero morrer, eu preciso de ajuda". 10


Não quero passar a mão e justificar, cada um é responsável de seus atos, mas a violência é sinal que os nossos filhos não estão bem. Violentos porque não amados, sem apoio de família e sem instrumentos para concretizar seus sonhos de futuro. Antes de tudo precisa fazer o diagnostico das causas da grave doença que é a violência e depois aplicar o remédio. Nos agimos apenas sobre as conseqüências e somos levados pelos impulsos e raivas do momento. Por isso enxugamos gelo! Com segurança cientifica e experimentada em 32 anos ao lado dos filhos do Brasil violentos e não amados, posso afirmar que a violência dos nossos filhos do Brasil inicia no seio da mãe e na família, nos primeiros anos da infância. Atrás de cada adolescente infrator, narcotraficante, usuário de drogas, envolvido no crime, tem uma família ferida, incapaz de acolher, amar e ser presença e dar valores. Já conheci milhares e milhares de “delinqüentes”,de usuarios e todos ou quase contam historias inauditas de violência e abandonos na infância e na primeira adolescência. Vejo isso também com o povo de rua ou das cracolândias: mesmas historias, muda somente o nome e a idade. Não foram amados, não tiveram presença de quem os fizesse sentir filhos. Ser filho é a primeira e determinante experiência de cada ser humano. Se esta experiência importantíssima não acontece em forma harmoniosa,o ser humano se quebra dentro, quer destruir a si próprio e aos outros, cresce com raivas e carências que procura preencher de varias formas:drogas,violências,busca de prazer a todo custo.

A violência é o grito dos nossos adolescentes e jovens que não estão bem dentro e fora de si. Vamos ouvir e interpretar este grito. Violentos porque não amados e violentados em muitas formas. Claro que eles tem responsabilidades. O ser humano é feito de amor: para ser amado e amar. Se isso não acontecer, é o desastre. Se quebra, como o motor que deveria funcionar com gasolina e se 11


coloca água ou álcool. Quem não foi amado não consegue amar nem a si nem aos outros. Aqui a raiz da violência ou uma raiz fundamental. A maior violência é não ser amado e ser rejeitado. A maior tragédia não é ser pobre, è não ser filho. Temos sistematizado nestes longos anos uma nova pedagogia ,a pedagogia presença ou pedagogia dos não amados. E descobrimos uma chave para curar e sarar feridas. Ser presença para quem não teve presença de amor,de família de oportunidades. O amor cura, a família cura. Quem acredita? Nos acreditamos, melhor experimentamos que funciona. Nossos jovens são violentos porque não amados e violentados e nos fazemos mais violência sobre eles para curá-los. Somente o amor , a presença transforma. Nisso devemos investir, não em cadeias ou matanças. Investir em dar valores, ideais fortes, por limites e ajudar a encarar o sofrimento. Deus pode ser ainda um ideal ou foi exilado? A sociedade apresenta como ideais o ter, o prazer, o poder. Para conseguir estes idéias enganosos, nossos meninos se drogam, estupram,entram no narcotráfico e nos os criminalizamos e fingimos de nos escandalizar. Foram

apenas alunos que colocaram em pratica o que nos

ensinamos todo dia. São nossos filhotes, nosso espelho.

Outra raiz da violência dos nossos jovens é a falta de perspectivas de oportunidades e de futuro.

Não sonham mais: matamos seus sonhos e se sonharem não tem instrumentos para realizar estes sonhos. Devemos dar instrumentos e oportunidades. Isso funciona e custa menos de cadeia policia e exercito nas ruas. Venham nos visitar na Casa do Menor São Miguel Arcanjo.

Por isso as comunidades mais vulneráveis clamam por políticas sociais escolas lazer, profissionalização,emprego: caminhos de esperança. Ocupar as

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comunidades abandonadas por todos e pelo poder publico e não investir em políticas publicas não resolve e custa caro.

Hoje aumenta a pobreza e a exclusão e cresce em forma assustadora a violência. Tem relação entre injustiça social e violência. A historia das UPPs deveria nos ensinar. Eu doei e dôo minha vida toda a adolescentes e jovens excluídos e candidatos a criminalidade as drogas ao narcotráfico a matar e serem mortos Este caminho apontado acima funciona já passaram mais de 60 mil jovens que receberam presença de amor e de família , profissionalização , inserção no mercado e na sociedade e são cidadões honestos e não mais ameaça e perigo Nossos adolescentes e jovens das periferias não tem outra proposta a não ser o narcotráfico que oferece dinheiro, poder, visibilidade, pertença auto-estima. Precisamos oferecer outras alternativas mais gratificantes e atraentes.uma sociedade injusta e sempre mais excludente como a nossa é violenta estruturalmente. O ser humano é bom, mas está ferido. Não se acredita mais na possibilidade da recuperação. Todos são recuperáveis: se não os recuperamos é porque não os amamos bastante ou não tivemos os instrumentos para dar uma perspectiva futura.

Outra causa: o abismo crescente entre ricos e pobres e a corrupção.

Uma sociedade estruturalmente injusta é um campo favorável a explosão da violência..Hoje aumenta a pobreza e exclusão e cresce a violência em forma assustadora. A exclusão é causa de tantas violências e ela mesma a pior violência. Mas quem é criminalizado por isso? Quem paga é o pé de chinelo. E todo mundo pensa que é ele o culpado da violência que assola o Brasil. Policiais meus amigos indignados me diziam que precisa matar todos os delinqüentes. Eu respondi que não serve. Nascerão outros piores, se não mudarmos a realidade das nossas famílias e da sociedade corrupta e corruptora, cruel,injusta e excludente que perdeu todos os valores. Digo mais e com força: estes 13


adolescentes e jovens que não tiveram amor de família e que não tem perspectiva de futuro e que não tem apoio de ninguém não tem medo de morrerem ou serem presos, inconscientemente o desejam. Dizem-me: não nasci para ficar de semente. Tomara que alguém me mate, assim paro de sofrer. Quem não se sente amado não se ama e quer morrer. Não tem medo de morrer. Acreditem, são milhares que me falaram isso. Não adianta matar ou prender. Não resolve. Penas mais duras? Serão sempre mais violentos e brutalizados, com um cachorro, se você der chutes na bunda, te mostra os dentes, se der uma caricie, abana o rabo. E com nossos filhos? Os violentamos e abandonamos desde pequenos, renunciamos a educá-los, a dar limites e valores. Não cuidamos do futuro deles e esperamos que nos joguem flores. Botamos ate o exercito na rua contra filhos do Brasil que geramos sem amor, renunciamos a educá-los e depois os criminalizamos e matamos para calar vozes que nos acusam e incomodam. Cada filho assassinado, eu e você somos os assassinos e os derrotados. Nestes dias enterrei um nossos ex menino, sem pai e sem mãe, agora jovem casado com 2 filhos e, sem emprego, sem comida para os filhinhos. Senti uma dor profunda. Eu fali com todos vocês: não conseguimos salva-lo.

Apesar de... ainda tem esperança

Existem caminhos possíveis e eficazes de superação da violência e de construção de uma sociedade mais justa pacífica e fraterna. A Casa do Menor São Miguel Arcanjo experimenta isso com milhares de jovens e aponta um caminho eficaz que funciona e custa menos de que reprimir e matar. Temos milhares de testemunhos. Bandido bom é bandido recuperado. C.A., ex chefe do CV, usuário de crack por mais de 6 anos, morador da cracolandia, hoje é responsável por duas casas de recuperação de adultos que vem da rua e do crack.

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E.M., chefe do narcotráfico numa famosa favela do Rio, ao qual mataram o pai e quatros irmãos, hoje é voluntario, dando a vida a Deus nos adolescentes com historias parecidas.

R.V. ex menina de rua, hoje é assistente social, coordenadora de um grande centro de recuperação de adolescentes, jovens e adultos. W.R., ex menino de rua, sem pai e com mãe alcoólatra, hoje coordenador do nosso centro de acolhimento de Fortaleza. Al. ex usuário e menino de rua, hoje é instrutor de percussão e de atividades lúdico-esportivas com meninos com experiências parecidas com ele. Poderia continuar... O amor transforma, ainda mais se for acompanhado com oferta de oportunidades concretas. Para isso precisamos dar as mãos todos: igrejas, religiões, partidos, escolas

famílias,

sociedade,

governos

e

superar

ódios,

intolerâncias,

radicalismos, divisões políticas e religiosas. E precisa agir rápido ou teremos um futuro sempre mais violento ou não teremos mais futuro, nos destruiremos. Se sonhamos juntos, os sonhos se tornam realidade. Como muitos,sonho a intervenção nos morros, uma grande intervenção cultural artística- musical- educativa com escolas e cursos profissionalizantes, com os morros ocupados por artistas, professores, psicólogos, engenheiros, advogados, médicos, assistentes sociais, todos armados de informação, conhecimentos ,instrumentos de musica, arte, profissão, emprego. Todos lutando, não por mais jovens no caixão lacrado, mas por jovens sadios e felizes, cidadões honestos, protagonistas de um novo Brasil. Aí renasce a esperança. Precisa, porém ouvir o grito!

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