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COISAS DO CORAÇÃO

As coisas do coração a gente sente e não consegue entender, já bem dizia o poeta Newton Braga, quando tentava explicar o seu amor por Cachoeiro. Uma cidade entre montanhas, que sofre as agruras de uma temperatura exageradamente quente, que não é bela, mas é acolhedora, cortada por um rio encachoeirado e que segundo Newton “entra alegre e saltitante quando aqui adentra, triste e soluçante ao deixar a cidade”. O relevo permite que se visualize o Itabira, a pedra símbolo, altaneira e orgulhosa em seu papel de cartão postal de Cachoeiro de Itapemirim.

Se não bastasse essas riquezas naturais, imbuída talvez do espírito da festa que se aproxima, trago à memória cachoeirenses que saíram e se destacaram no cenário nacional, alguns até bem além. O cronista maior Rubem Braga, em cujas crônicas destaca os anos em que aqui viveu. Seu irmão Newton Braga, que em poesia e prosa liricamente descreve a cidade de onde saiu e para onde retornou impulsionado pelas coisas do coração. Raul Sampaio, compositor, cujas músicas foram gravadas por grandes intérpretes e cuja composição, Meu pequeno Cachoeiro, levou o nome da cidade por esse mundo afora na voz de Roberto

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Carlos, e que foi transformada em hino oficial, música e letra profundamente emocionantes. Roberto Carlos Braga, o filho de Cachoeiro considerado o rei da música, cantor e compositor, ídolo reverenciado no Brasil e no mundo e que mesmo após décadas de sucesso absoluto agrega multidões em suas apresentações. E tantos mais, como Sérgio Sampaio, ídolo inconteste, Carlos Imperial, Jece Valadão, Luz Del Fuego e Darlene Glória, além de que poderia citar cachoeirenses de destaque em muitas outras áreas.

Na sabedoria do poeta Newton Braga, para que se mantivesse aceso o orgulho por seus filhos que daqui saíram e se destacaram, ele criou a figura do Cachoeirense Ausente, que retorna nos festejos da cidade e que simbolicamente recebe a chave do coração, num pacote de atos que preservam a tradição. É esse cachoeirense que volta para ser reverenciado que dá o tom da festa, e o evento se inicia com a sua acolhida nas portas da cidade. E não adianta explicar os simbolismos da Festa de Cachoeiro, para entendê-los é preciso nascer aqui ou incorporar as coisas que são do coração.

São suas iniciais. O nome? Não se recordava. Restava, em documento, uma foto apagada, um registro civil. Não se lembrava dos pais, irmãos ou vizinhos. Menos ainda da casa onde morava e os detalhes da redondeza, coisas de sua infância e adolescência. Não havia passado apenas o presente. Sua história resumia-se a um leito de hospital psiquiátrico. Encontrava-se internada, esquecera o tempo, quem sabe meses ou anos, não sabia. Fora esquecida por todos. Sua vida mudou a partir de uma infecção respiratória – os médicos falavam em pneumonia. Transferiu-se para hospital geral – Santa Casa de Cachoeiro de Itapemirim. A melhora clinica foi rápida, logo desapareceu a febre, tosse e a secreção pulmonar. Alimentava-se naturalmente. No novo ambiente diminuem sua medicação psiquiátrica e dias depois se sentia diferente. Uma agitação, os gestos se alteravam, algo que experimentara anteriormente. A agitação aumenta e é levada ao pronto socorro psiquiátrico, retorna a medicação e logo se acalma. No pronto socorro psiquiátrico – Capaac, os médicos constatam, não necessita internação, precisa de cuidados dos familiares – uma questão social. Ficaria sob os cuidados e proteção do Estado, até o encontro da família. Era informada sob as buscas. Pouco se empolgava. Indiferente. Em seu mundo não

No Novo Ambiente

podia existir a ilusão. Sofrera bastante em passado recente e distante. Mas, algo mudara. Algo iniciado com a visita ao pronto socorro do hospital Capaac. Queria a memória de volta, com isso poderia ajudar. Nada. As lembranças desapareceram no tempo. O domingo foi diferente. Sabia que era domingo, a irmã de caridade, logo cedo, entregou o folheto da missa, seria na Capela da Santa Casa. Uma leve esperança. Algo de novo se anunciava. Na segunda-feira, mês de agosto de 2015, a Assistente Social informou: Encontramos sua família. Moram em Piúma. Bem perto do mar. No carro, junto ao motorista e a Assistente Social, com as informações recebidas, lentamente a memória retornava. Recordava os pais e irmãos, não estava nítido o suficiente para o sorriso em face, ainda assim a lágrima escorreu pelo rosto, a vista levemente turva. Ao chegar, enquanto percorria o quintal da casa e identificava as coisas que via, buscou a mão da irmã e, ainda com a vista turva pela lágrima, pediu: ajude-me a enxergar o mar. Mais tarde, junto ao fluxo e refluxo das ondas do mar e pelas areias da praia de Piúma, caminhou livremente.

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