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MISTÉRIOS
from Revista Leia
by Revista Leia
Dos muitos mistérios da minha infância, o que mais me intrigava era o pé da minha avó que não preenchia por inteiro o sapato ou chinelo e, por isso mesmo, consumia a parte lateral dos calçados. Também, as missas e vestimentas franciscanas de Santo Antônio que ela me fazia vestir em 13 de junho e desfilar pelo bairro da Ilha de Vitória. Apesar das muitas dúvidas que minha avó me deixou, a maioria foi com coisas alegres e divertidas. De Santo Antônio, dizia que nascera em Lisboa, chamava-se Fernando, para os ibéricos significa ardoroso na paz. Transformou-se em Antônio de Pádua, em homenagem à cidade italiana escolhida para viver e morrer. Dentre os mistérios que gostava de contar, a lenda do dote do nosso santo casamenteiro surpreendia. Contava: “Na idade média, tempo que era exigido o dote para as moças se casarem, uma delas o procurou. Ele entregou um papel à noiva e pediu que fosse a um ouvires e este lhe entregasse em ouro e prata o equivalente ao peso daquela folha de papel. Ao colocar na balança, a folha de papel, para surpresa geral, o ourives entregou à moça o bastante para um dote.” Na idade adulta, procurei me distanciar dos mistérios, das coisas que não compre- endia com facilidade. Com o passar do tempo, a todo instante, me surpreendia as muitas coisas que não conseguia explicar. E, um assunto instigante me inquieta: o transcendentalismo. Em certa ocasião acompanhei várias respostas para a transcendência. Entre homens e mulheres houve uma quase unanimidade: Deus. Silenciei. Apenas ouvi. Dia desses, apresentei-me a um desconhecido, rapidamente começamos a conversar e logo parecíamos amigos de longa data. A conversa não era inteligente e nem de assuntos complicados, mas fluía sem necessidade de medir palavras, sem preocupação de agradar. Dias depois, precisei de um ouvido amigo, apenas falei, pouco ouvi. Senti-me aliviado. Em Cachoeiro, desperto ainda na escuridão. Logo, por cima do Itabira o clarão do amanhecer aparece e com ele um vermelhão se apresenta acima dos morros. Assim, presencio um momento especial da natureza, o nascer do dia. Penso... O ouvido amigo, as coisas da natureza, as coisas de Deus que sinto e não entendo... Será isso a transcendência?
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