Autorretrato em redes sociais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO INSTITUTO DE CULTURA E ARTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO MESTRADO EM COMUNICAÇÃO LEILA MARIA LOPES TERCEIRO LINHA DE PESQUISA I: FOTOGRAFIA E AUDIOVISUAL AUTORRETRATO EM REDES SOCIAIS - A EXPRESSÃO DE SI E A FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA RESUMO Este projeto propõe uma reflexão a respeito da produção e circulação de autorretratos na era digital nas redes sociais online. Na medida em que as redes sociais são espaços de compartilhamento da experiência contemporânea, esta pesquisa questiona a produção e a publicação destas imagens na contemporaneidade, tomando como conhecimento as transformações ocorridas ao logo da história da fotografia. Além da possibilidade de compartilhamento, indexação e buscas, esta análise procura identificar outras possibilidades de produção e exibição dessas imagens através da rede. Atentarei para o estudo do autorretrato como forma de expressão e construção da imagem de si, envolvendo aspectos ligados à representação e subjetividade. Para tanto, parte dos conceitos de Phillipe Dubois e André Rouillé, entre outros teóricos, para compreensão e análise da fotografia e da imagem contemporânea. O conceito de subjetividade será abordado, de acordo com as perspectivas de Michel Foucault e Félix Guattari. Além do estudo do processo de produção do autorretrato, devem ser observados os espaços de publicação online existentes, no caso do presente estudo, a redes sociais. A proposta é trabalhar com os projetos: Born Nowhere, da fotografa Laís Pontes, com o trabalho do coletivo fotográfico Cia de Foto e com a comunidade My Flailing Limbs: a faceless self portrait situados nas redes sociais Flickr e Facebook. Abordarei aspectos que englobam as reflexões sobre arte, fotografia contemporânea e os conceitos de experimentação. Palavras-chave: contemporânea.

autorretrato,

imagem,

representação,

subjetividade,

fotografia

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DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA COM BASE NA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O presente projeto tem como proposta investigar o processo de criação de autorretratos na era digital e a exposição destes através do fluxo da Internet. A proposta é abordar o movimento em torno da construção imagética de si que fez com que o autorretrato migrasse da esfera do mundo privado para o espaço público midiatizado. Para isso se faz necessário analisar as teorias sobre público e privado, assim como recentes teorias sobre fotografia contemporânea, e analisar as novas formas pelas quais a fotografia contemporânea tem se voltado para o cotidiano e a auto-exposição. Faremos uma análise da produção destas imagens na contemporaneidade, tomando como conhecimento as principais transformações ocorridas ao longo da história da fotografia. Considerando a vinculação do objeto de estudo à linha de pesquisa em Fotografia e Audiovisual, construímos um projeto de pesquisa, em nível de mestrado, que pretende se traduzir, ao final em uma dissertação sobre o “estudo do autorretrato como forma de expressão e construção da imagem de si” e as estratégias de exposição destes através do fluxo da Internet. Sabe-se que ao longo dos tempos, a cultura visual, inicialmente por meio da pintura, passando pela fotografia e chegando aos meios audiovisuais (como a televisão e o cinema) foi ganhando força e relevância como ferramenta de informação. Com a chegada da era digital, e o advento da Internet, ocorreram transformações tanto na forma de produzir, de interpretar e conceituar a imagem, como, também, nas inovações estéticas ocorridas ao longo da história da arte. O ciberespaço tornou-se uma verdadeira vitrine imagética onde o que mais se vê são rostos. Rostos muitas vezes não identificados, muitas vezes enquadrados de modo que versam várias narrativas. Dentre esses rostos está o meu, o seu, e de vários desconhecidos que de tanto visualizarmos, se tornam íntimos. Ao observar esta infinidade de imagens me questiono de que maneira esses autorretratos se configuram na cultura visual contemporânea? Estaríamos caminhando rumo a novos paradigmas do fenômeno da imagem digital, que privilegiariam o trânsito entre dimensões globalizadas e manifestações individuais? Diante de tais questões a pesquisa será direcionada para o estudo do autorretrato como forma de expressão e construção da auto-imagem, envolvendo aspectos ligados à visibilidade, e subjetividade contemporânea, tendo como enfoque o processo de produção relativo aos gestos, cenários, colocar o corpo em cena e a experimentação no que diz respeito 2


à utilização de recursos estéticos como edição de imagens, sobreposição, borrado, granulado etc. Será questionada a influência das novas tecnologias na forma como compreendemos a fotografia e a construção de subjetividade. Nesse contexto a pesquisa se dedica ao estudo desses autorretratos compartilhados nas redes sociais Flickr e Facebook. O trabalho se desenvolverá entorno do grupo “pool” My Flailing Limbs: a faceless self portrait1, e do photostream do coletivo fotográfico Cia. de Foto2 e o projeto Born Nowhere da fotografa Laís Pontes3. Para isso, se faz necessário uma pesquisa sobre o percurso histórico do autorretrato desde o analógico ao digital, tendo como referência o trabalho de artistas como: Andy Warhol, Cindy Sherman, Nan Goldin e Sophie Calle os quais imbricam vida e arte, vivência e imaginários midiáticos em suas obras. A escolha destes pools e Photostreams dispostos no Flickr e também no Facebook vêm pelo fato, destes dialogarem com os aspectos que envolvem os trabalhos dos fotógrafos então citados, assim com também, com a tendência contemporânea em torno do interesse a auto-exposição, e no registro do cotidiano. Também será de suma importância relevar aspectos que envolvem fotografia contemporânea, a começar pelos estudos e críticas do que venha a ser „contemporâneo‟, tendo em vista as contínuas polêmicas entre acadêmicos, críticos, artistas e/ou público, entorno do termo. Entretanto, para melhor analise do objeto, será necessário compreender que a fotografia contemporânea mais do que um procedimento, uma técnica, um tendência estilística, é uma postura que se desdobra em ações diversificadas, mas cujo ponto de partida é a tentativa é posicionar-se de modo mais consciente e crítico diante do próprio meio. (ENTLER, 2009)4. A fotografia contemporânea deve ser compreendida entendida através de uma contribuição paradigmática e não através de uma cronologia. O advento da tecnologia digital parece ter um papel importante na reformulação da teoria fotográfica contemporânea. “O digital glorifica a fotografia porque oferece a sua própria textualidade em diferença ao ato fotográfico” (LISTER, 2007, p.252). Hoje a fotografia se reatualiza pela disseminação de novos dispositivos técnicos, novas formas de visibilidade e de enunciação de si.

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http://www.flickr.com/groups/my_flailing_limbs/ http://www.flickr.com/photos/ciadefoto e http://www.facebook.com/ciadefoto 3 www.laispontes.com e http://www.facebook.com/Project.Born.Nowhere 2

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Disponível em: http://www.entler.com.br/textos/postura_contemporanea.html. Acesso em 13 de outubro de 2011.

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A Internet, por conseguinte, trouxe à cultura visual a aproximação entre visualizar e querer ser visualizado. Especificamente nos autorretratos, o eu reconhece-se através do consumo da imagem do outro. Não necessariamente esse consumo implica passividade ou apagamento da vida coletiva, mas sim, um corpo com uma qualidade especial: um corpo em processo, “afetado pela multiplicação de imagens e por desdobramentos virtuais favorecidos pelas novas tecnologias” (VILLAÇA E GÓES, 1998. p. 52). O narcisismo indiciário do autorretrato, segundo Dubois (1993:128), que só pode se realizar na petrificação fotográfica encontrou no ciberespaço a super exposição. Considerando essa perspectiva, é possível observar a dinâmica cultural contemporânea enfocando a produção de autorretratos como vitrines de subjetividade. “A identidade ficou atada à aparência pessoal sempre renovável, à produção de imagens do eu mediadas por modelos efêmeros de estilo provenientes da cultura do consumo” (SANTAELLA, 2007, p. 106). Com a acessibilidade e a praticidade dos dispositivos produtores de imagens da era digital, como webcams, câmeras digitais, câmeras acopladas a celulares veio à chance de produzir um número enorme de imagens em tempo mínimo e custos reduzidos. Com esse novo estímulo surge um novo desdobramento, a experimentação, sendo possível fazer fotos de seu próprio rosto, partes do corpo, selecionando aquilo que se deseja, modificando o que convém.

Esse

novo

corpo

imagético

de

subjetividades

múltiplas

reconfigura-se

intermitentemente, adaptando-se a novos paradigmas de percepção. Chalfen (2002, p143) tem ressaltado a importância do estudo do que ele conceitua como “mídia doméstica visual”, “que consiste em formas mediadas de comunicação audiovisual que são criadas de forma privada e pessoal e que prevêem um consumo privado e pessoal” 5. A fotografia doméstica é impactada pelo digital não apenas por sua multiplicação como também uma maior circulação através das redes virtuais de compartilhamento de imagens. Basta fazer um breve percurso pelas comunidades virtuais na Internet (Orkut, Facebook, Flickr etc.) para constatar este fato. Ao observar autorretratos ao logo dos tempos é nítido o diálogo entre espaço e personagem como elemento de uma estratégia visual responsável pela construção de uma releitura tanto biográfica como do cotidiano. Flavya Mutran (2009, p.1) afirma que através da retratação e da autorretratação não só foram construídas algumas das mais importantes fontes Iconográficas e Iconológicas da História, como também das civilizações. O autorretrato passa a ser um resultado temporário de acordos entre o ambiente e a cultura, acionando mecanismos 5

Tradução livre da autora: “In summary, home visual media consist of mediated forms of audio-visual communication that are created in private, personal ways and meant for personal and private consumption.”

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de produção, armazenamento transformação e distribuição de informação. Fazer arte, segundo a artista norte-americana Bárbara Kruger, é materializar sua experiência e percepção com o mundo, transformando fluxo de momentos em alguma coisa visual ( Canton, 2002, p. 226). Mas os autorretratos exibidos no ciberespaço versam sobre o nosso tempo? A produção de autorretratos na contemporaneidade encontra-se permeada de novas práticas e uso das imagens. Nesse contexto esse projeto de pesquisa se dedica ao estudo desses autorretratos compartilhados na rede social Flickr, uma rede de relacionamento que também pode ser chamada de álbum virtual. Assim como Flickr, o Facebook comporta inúmeras imagens que surgem a cada segundo, expondo a intimidade, a criatividade e as formas de experimentação de milhões de usuários em seus perfis reais e/ou fictícios. Redes Sociais como o Flickr e Facebook, ampliam as possibilidades de visualização desses autorretratos fotográficos que antes eram apenas visualizados em álbuns de família, museus e galerias etc. Através dos Photostreams e group pool a serem estudados observa-se imagens que exibem um “eu” em permanente mutação com o mundo ao redor, “onde o corpo físico desdobra-se em vários corpos que prescindiam deste para existir” 6. “A fixação dos olhos permite ao seu autor simbolizar a si mesmo como inteligência, como agente constituinte da obra” (KRAUSS, 2002 p.94). Trabalharemos especificamente com My Flailing Limbs: a faceless self portrait, Caixa de sapato do coletivo fotográfico Cia de Foto e o projeto Born Nowhere da fotografa Laís Pontes, o qual também está disponível no Facebook. A escolha pela análise desses objetos se deu pelo fato de, embora cada projeto tenha a sua proposta, eles têm elementos que dialogam entre si, como a relação entre fotografia e intimidade e aspectos que envolvem representação, subjetividade e experimentação. Em My Flailing Limbs: a faceless self portrait, a intenção é fazer o usuário publicar fotos de partes do corpo, remetendo a idéia de que tudo que nos representa é nosso autorretrato. Nesses trabalhos em que os fragmentos são remontados num corpo imagético, a subjetividade é perpassada por uma sensação de possibilidades múltiplas e fugacidade. Essas fotografias oferecem ao olhar mais do que um depósito de signos e de imagens, mas também, em igual escala, um novo depósito de percepções e novos comportamentos (COUCHOT, 2003. p. 24).

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VELÁZQUEZ, Fernando. Autorretrato, o corpo desmaterializado / VELAZQUEZ PENA, Fernando Daniel. São Paulo: SENAC 2007 (p.32)

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Já Caixa de Sapato, faz parte de um trabalho desenvolvido pelo coletivo fotográfico Cia. de Fotos, composto por fotografias da vida privada chamada por eles de “série de autorretratos da intimidade”. A análise do projeto Caixa de Sapato pode nos ajudar a discutir a relevante questão da exibição da intimidade na contemporaneidade, além da ascensão de uma “estética do efêmero” (MURRAY, 2008), que faz com que se estreite a fronteira entre as imagens amadoras e profissionais. O projeto Born Nowhere foi criado pela fotógrafa Laís Pontes durante o seu período de estudos em Nova Iorque no ICP – International Center of Photography. Seus dois maiores diferenciais são a interatividade e a utilização de Redes sociais como Flickr e Facebook para alcançar o objetivo final. A fotógrafa cria novos personagens “em branco” a partir de sua própria imagem. Publica-os no Facebook, sem qualquer informação adicional, para que sejam interpretadas e descritas por outras pessoas. “As informações do meio se instalam no corpo; o corpo, alterado por elas, continua a se relacionar com o meio, mas agora de outra forma, o que o leva a propor novas formas de troca”. (GREINER e KATZ, 2001, p.71). Através de técnicas digitais, a fotógrafa cria expressões faciais, iluminação, adereços e maquiagem, com base nas diversas descrições recebidas pelos internautas. Esse novo corpo imagético exige novas configurações de mundo e novas tecnologias. “Meio e corpo se ajustam permanentemente num fluxo inestancável de transformações e mudanças” (idem). Para compreender o processo de produção desses autorretratos, impulsionada pela popularização de dispositivos fotográficos e maior acessibilidade às tecnologias digitais devese levar em consideração os processos culturais em que eles estão inseridos. Deste modo algumas questões devem ser levantadas: 1. De que forma o artista contemporâneo marcado por esses processos de subjetivação representa a si próprio, através do autorretrato fotográfico digital? 2. O que a produção de instantâneos fotográficos, especificamente de autorretratos contemporâneos realizados para os espaços virtuais apresentam de novo em relação aos instantâneos modernos? 3. Quais reflexões podem ser extraídas desses autorretratos, dos elementos que o compõem e dos laços que se desenvolvem a partir dele? Respostas para tais questionamentos são essenciais para se entender a produção da subjetividade marcada pelo trinômio corpo/tecnologia/cultura (VILLAÇA E GÓES, 1998, p. 71 -91), no qual o corpo é constituído de um subsistema cultural através do qual o indivíduo 6


cria valores, coesão e interage com o mundo, com o outro e com a tecnologia. Por esta razão foi feita opção por trabalhar com a hipótese de que: 1) o autorretrato fotográfico digital promove possibilidades de mediação entre o homem, o mundo sensível e suas representações. (2) a convergência das estratégias da fotografia contemporânea com o uso de autorretratos nas redes sociais se aproxima de uma nova narrativa autobiográfica. 3) Essas práticas de autoexposição na rede operam como um “dispositivo” visibilidade, que coloca em situação, numa estratégia complexa, sujeito e objeto fotografia e observador. Há um conceito de dispositivo desenvolvido a partir da idéia de positividade proposta por Foucault. Resumidamente o dispositivo atua como um conjunto de instituições, processos de subjetivação e regras em que se concretizam as relações de poder. “Qualquer coisa que tenha a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (AGAMBEM, 2009 p.40). Desta forma, podemos entender as redes sociais como dispositivos da cibercultura, um panóptico contemporâneo de design diferenciado, cujo foco talvez não fosse à vigilância, mas sim no jogo entre aprisionamento e liberdade. A prisão perfeita, de onde se pode fugir, mas cuja fuga prende novamente. Foucault, tomando emprestado este termo (que se tornará mais tarde “dispositivo”), toma posição em relação a um problema decisivo, que é também o seu problema mais próprio: a relação entre os indivíduos como seres viventes e o elemento histórico, entendendo com este termo o conjunto das instituições, dos processos de subjetivação e das regras em que se concretizam as relações de poder”(AGAMBEN 2009:33) (Grifos do autor). É do encontro do sujeito com o dispositivo que surgem os múltiplos processos de subjetivação (idem). Na contemporaneidade, tais processos baseiam-se na excitação do uso das imagens na relação com o mundo, com os outros indivíduos e consigo mesmo. Se o ideal moderno vai de encontro à essência e aparência em favor da imagem a contemporaneidade parece não opor verdade e imagem, aproximando as fronteiras entre real e ficção, público e privado. O que assistimos é a valorização da idéia de sujeito que busca uma subjetividade constituída na exterioridade, na superfície da imagem. Por outro lado, esses autorretratos publicados na internet explicitam uma vivência comum. As transformações tecnológicas induzem a considerar simultaneamente uma tendência à homogeneização universalizante e reducionista da subjetividade e a singularização de seus componentes (GUATTARi, 1992: 15).

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Para compreender como se dá esse processo de subjetivação na construção do autorretrato nos grupos My Flailing Limbs: a faceless self portrait, Caixa de sapato e no projeto Born Nowhere se faz necessário entender que esta “não se limita mais a uma manifestação de um eu, mais ou menos egoísta e narcísico, ou à expressão de uma vontade de ser ou de fazer, de uma consciência ou de uma afetividade” (COUCHOT, 2003, p. 17). A noção de subjetividade deve ser compreendida de maneira ampliada. Para isso, se faz necessário entender os aspectos relativos à produção dessas imagens como: gestos, cenários, colocar o corpo em cena, manipular essas imagens digitalmente etc. Assim como também refletir os desdobramentos envoltos a publicação dessas imagens. A indústria imagética oferece ao olhar mais do que um depósito de signos e de imagens, mas também, em igual escala, um novo depósito de percepções e novos comportamentos (idem. p. 24). Os autorretratos que se apresentam nesses ambientes virtuais são móveis e “flutuam livremente, desterritorializados, extraídos de sua identidade física” (SANTAELLA, 2007, p. 108). Pensar esses autorretratos como um território que transita conforme os fluxos de interação social é compreendê-los como corpos imagéticos “exilado de si mesmo, de sua ontologia estável” (idem). A relevância do estudo desses autorretratos se dá pelo fato deste tipo de produção simbólica em que os corpos tornam-se objetos artísticos sem, contudo, constituírem formas de representação, tem chamado atenção pela possibilidade de experimentação envolta no processo de produção imagético. Pode-se afirmar que, esses autorretratos estão envoltos em um processo que pode ser visto como um jogo: não importa o clique fotográfico, mas, sobretudo, a idéia que se encerra nesse ato. As imagens propõem um jogo de olhares, em que se permitem ver pelo outro; um jogo de sombras, em que persegue o outro, mas também se deixa seguir. De certa forma, esses autorretratos são produzidos livres da obrigatoriedade informacional e da realidade e valoriza a produção coletiva de sentido (ROUILLÉ, 2009 p.19). Acaba por tornarem-se um mecanismo de expressão da subjetividade do fotógrafo, de reconhecimento de si como outro, por meio da troca e do diálogo entre fotografar e ser fotografado. Sabe-se que a construção de qualquer tipo de fotografia requer o uso do imaginário, que é “o fermento do trabalho do eu sobre si próprio e sobre a natureza, através do qual se constrói e desenvolve a realidade do homem.” (MORIN, 1970, p.249 apud LOMBARDI, 2007 p.164).

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JUSTIFICATIVA Quando Robert Cornelius em um dia de sol do ano de 1839 montou sua câmera nos fundos da loja de seu pai, e se expôs à lente cerca de oito minutos, mal sabia que estava registrando o primeiro autorretrato que se tem conhecimento na história da fotografia. Cerca de um século e meio depois, em meados da década de 1970, a fotógrafa Nan Goldin iniciava seu percurso como fotógrafa. Suas imagens rondavam entre o privado e o proibido. Munida de uma câmera analógica e um olhar intimista, a fotógrafa passa a registrar autorretratos e retratos dos seus amigos em momentos íntimos como festas privadas, usando o banheiro, tomando banho etc. Em 1975, a fotógrafa Cindy Sherman produz um ensaio que consiste em cinco fotografias Sem Título A-E (1975) no qual encena diferentes personagens utilizando no qual se diferenciam um do outro através das vestimentas, maquiagem e penteados. Dois anos depois, Sherman compõe Still cinematográficos sem título(1977-1980) uma série de autorretratos nos quais são apresentadas situações que sugerem a repetição de cenas cinematográficas que estruturam o imaginário produzido pela indústria cultural. O que Cornélius, Goldin e Sherman têm em comum? A forma com estes produziram suas imagens vem sendo copiada por usuários das redes sociais em suas produções fotográficas – embora, Cornelius não tivesse intenção de produzir uma fotografia artística, o que está sendo elucidado aqui é o ato de se dispor na frente da objetiva para registro da própria imagem. Segundo Flusser (2002), a intenção do fotógrafo é codificar em forma de imagem os conceitos que se tem em memória, servindo-se do aparelho para tanto. O fotógrafo pretende fazer com que tais imagens sirvam de modelo para outros homens e fixar tais imagens para sempre. Dentre essas muitas imagens que habitam o ciberespaço, os autorretratos são as que ganham mais destaque, onde seus personagens fazem questão de se mostrar em ação em seus momentos mais íntimos. O que se observa na sociedade contemporânea é uma demanda que acarreta uma possível necessidade do indivíduo de se visualizar ou se publicar, para ser reconhecido pelo outro. Mas seria isso um sintoma da contemporaneidade? Traçando um breve percurso pela História da Arte veremos que a representação humana em imagens sempre foi o foco do imaginário social. O autorretrato, por exemplo, é uma das formas mais antigas de representação imagética. Subgênero do retrato obteve popularidade a partir do Renascimento, período esse em que foi produzido, de forma realista, pelos pintores na ausência da fotografia. Walter Benjamin (1994) faz um recorte de uma frase de Lichtwark para afirmar que 9


“nenhuma obra de arte é contemplada tão atentamente em nosso tempo como a imagem fotográfica de nós mesmos”. Há dois anos venho pesquisando a dinâmica das redes sociais e a relação de seus usuários com a auto-imagem. E foi com a necessidade de formular um projeto de pesquisa para conclusão do curso de pós-graduação em Teorias da Comunicação e da Imagem da Universidade Federal do Ceará que surgiu este trabalho. Entretanto, a escolha do objeto se deu durante a disciplina de Imagem Técnica ministrada pelo professor Dr. Silas de Paula. Através das sugestões de leitura apontadas pelo professor, tomei conhecimento da obra do teórico americano W.J.T. Mitchell. Uma delas me chamou a atenção por se tratar de uma questão: O que essas imagens querem?7 (What do the pictures want?). O que tem nesses autorretratos que me prendem de tal forma que me faz suscitar várias inquietações ao ponto de eu querer desenvolver um estudo sobre eles? Adentrar no olhar de fotógrafos anônimos, fora do circuito da arte, assim como aqueles que estão inseridos neste circuito é a minha maior motivação para execução desta pesquisa. Através deste olhar, posso compreender o processo de produção, representação e da simulação da fotografia e suas manifestações. O estudo e a compreensão do processo de produção de imagens na contemporaneidade, não é só relevante, mas também necessário, para que se possa teorizar e construir conhecimento a fim de ser socializado, não apenas na academia (pesquisadores e corpo docente/discente), mas também nos meios sociais. O resultado dessa análise poderia, ainda, fornecer subsídios para ampliar os conhecimentos no campo da Fotografia. E por ser uma análise do objeto fotográfico inserido na rede mundial de computadores, o projeto pode ser desenvolvido junto à linha de pesquisa Fotografia e Audiovisual proposto neste programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. OBJETIVO GERAL Este projeto propõe uma reflexão a respeito do processo de produção do autorretrato como forma de expressão e construção da imagem na era digital fazendo uma relação com a fotografia contemporânea e a experimentação. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 7

W.J.T. Mitchell, What Do Pictures Want?: The Lives and Loves of Images, Chicago: University of Chicago Press, 2005, 380 pp.

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 Analisar a produção e publicação de autorretratos e suas estratégias de visibilidade nas redes sociais destes.  Investigar o autorretrato como um processo de construção imagética do sujeito no ciberespaço  Compreender de que forma estes autorretratos configuram uma nova narrativa autobiográfica.  Analisar as modalidades de visibilidade através da exposição do autorretrato nas redes sociais. METODOLOGIA Este trabalho consiste na elaboração de uma pesquisa teórica que resultará na dissertação final. As referências teóricas apresentadas neste projeto deverão ser desenvolvidas através da bibliografia a consultar, indicada no final do texto, e das novas referências que serão apreendidas através das disciplinas cursadas, e de outros textos que tomarei conhecimento ao longo do processo. A metodologia empregada transita entre as investigações qualitativa e exploratória quanto aos fins, e buscará através da observação, descrição, comparação a melhor análise do autorretrato como forma de expressão e construção da imagem. Assim com também transitará entre a pesquisa bibliográfica e documental quanto aos meios. A pesquisa bibliográfica será à base de sustentação do trabalho, isso porque o trabalho inicial de qualquer pesquisa cientifica parte de um processo sistematização de leitura pertinente ao estudo. Na medida, em que se adquire mais conhecimento através da leitura construir-se-á paradigmas para a análise do autorretrato fotográfico a partir do cruzamento de referenciais teóricos nos campos de fotografia e cibercultura. Para se efetuar a análise documental, partiremos de uma ampla observação do autorretrato fotográfico no ciberespaço, uma vez que é neste ambiente, que estas imagens ganham visibilidade através da exposição nas redes sociais. A análise partirá do preceito que a produção de autorretratos do Cia de Foto, de Laís Pontes e em My Flailing Limbs: a faceless self portrait envolve a estética do ordinário, narrativas autobiográficas, ficção assumida e desejada. Nesta etapa, dividirei o estudo em duas etapas. A primeira diz respeito à produção dessas imagens como gestos, cenários, colocar o corpo em cena, editar as imagens. A segunda etapa diz respeito à publicação

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desses autorretratos na rede social Flickr e Facebook, fazendo uma reflexão sobre as práticas implicadas neste processo e nas estratégias de visibilidade de se desenvolve a partir disto. Para isso será feita uma pesquisa semanal nos álbuns digitais do Cia. de Foto, de Laís Pontes, bem como dos usuários do grupo My Flailing Limbs: a faceless self portrait. Devido ao grande número de usuários que postam diariamente seus autorretratos em My Flailing Limbs: a faceless self portrait, será feita uma seleção de algumas fotografias de diferentes

usuários

buscando

relacioná-las

com

autorretrato

como

forma

de

expressão. Através desta observação, será constituído um corpus fotográfico que envolve tantos os trabalhos citados, como o de outros profissionais da fotografia moderna e contemporâneos na tarefa de fixar tanto as influências que esta imagens sofreram como o que é próprio do autorretrato do nosso tempo. Deste modo, se faz necessário buscar nos trabalhos desenvolvidos por Andy Warhol, Nan Goldin, Cindy Sherman e Sophie Calle aspectos que ajudem a compreender a tendência contemporânea em desenvolver imagens que envolvem intimidade, identidade e subjetividade e narrativas do cotidiano. O acompanhamento de processos de produção dos autorretratos será feito junto aos realizadores, tanto do Cia de Fotos quanto com Laís Pontes através da análise do material fotográfico. Bem como entrevistas que poderão ser realizadas via e-mail, ou através das redes sociais (Skype, Facebook etc.) para situarmos o quê estes fotógrafos estão fazendo e irão fazer. Espera-se que através deste canal se possa visualizar, de fato, o processo de criação e de construção das imagens a partir de uma idéia até seu produto final. Atentarei para os sites que discorrem sobre os trabalhos destes artistas, bem como publicações impressas, testos de curadores, vídeos e trabalhos acadêmicos. Para a pesquisa teórica, tendo em vista que estas imagens estão inseridas no âmbito da fotografia contemporânea, no qual a ênfase na criatividade e subjetividade faz com que questões que envolvem veracidade ou realidade não sejam tão relevantes, a contribuição de André Rouillé (2009) com seus estudos sobre a fotografia-expressão e Kátia Lombardi (2007) no que diz respeito à expressão e imaginário serão de suma importância. Para buscar os conceitos de subjetividade contaremos com os textos de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Felix Guatarri e Michel Maffesoli. E por estas imagens pertencerem à era da cultura visual, as contribuições de W. T. J. Mitchell, Annateresa Fabris, Villém Flusser, Walter Benjamin, Phillip Dubois, Gillian Rose, Liz Wells ajudarão a compor o corpo teórico da pesquisa. Ainda no que diz respeito à 12


análise das imagens-técnicas e sua inserção no ambiente virtual, a manipulação e desdobramentos envoltos a publicação dessas imagens nas redes sociais contaremos com leitura de Arlindo Machado e André Parente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bibliografia Consultada: AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Título Original: Liquid Modernity. Tradução: Plínio Dentzien, autorizada da edição inglesa publicada em 2000 por Polity Press, Oxford, Inglaterra. Jorge Zahar Editor, 2001. BENJAMIN, Walter. 'Pequena história da fotografia'. In: Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre Literatura e História da Cultura. 7a Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras Escolhidas; v.01) (pp.91-107) ______________________, 'A Obra de Arte na era da de sua reprodutibilidade técnica'. In: Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre Literatura e História da Cultura. 7a Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras Escolhidas; v.01) (pp.165-196) CANTON, Kátia. Narrativas enviesadas. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. COUCHOT, EDMOND. A tecnologia na arte: da fotografia à realidade virtual. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003. DE PAULA, Silas. Culturas de Visão: Bandeira e a construção do “eu” imaginado. In: XIX Encontro da Compós, PUC-RJ, apresentado no Grupo de Trabalho “Fotografia, Cinema e Vídeo”,

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