Painel 14

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torre de moncorvo MONCORVO,

1974 ZONA QUENTE

NA TERRA FRIA -

Te x t o d e F. A S S I S PA C H E C O

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Fotos de LEONEL BRITO

JOSÉ INÁCIO, «CRIADO DAS VACAS» O Sr. José Inácio vive paredes meias com a vila, num «bairro» suburbano. É produtor de leite. À noite vem sempre até um café. Conversa. Bebe. Vê televisão. Despede-se a horas certas para ir tratar das vacas. «Eu das vacas sou mais criado que dono…» As vacas dão leite, que o Sr. José Inácio vende de porta em porta, mas também dão um trabalhão dos diabos. Quer o leitor saber? O Sr. José Inácio tem casa, tem família, mas dorme normalmente na vacaria. Criados… Era bom, era. Criado é ele.Apesar de dono. Já esteve na agricultura tradicional. «Fez» ervilha para o cachão. Pagavam-lhe tarde e a Más horas. Um risco por cima das ervilhas. «Faz» batata, mas só para ele e para a mulher.

«O pequeno lavrador está perdido, que lho digo eu!» Leite para Moncorvo fornecem-no, com o Sr. José Inácio, mas quatro produtores. Entre a classe fala-se já de vender gado. «Porquê? Ora havia de ser porquê… então se a ração aumentou de preço duas vezes no ano passado!» O Sr. José Inácio, mais lido do que parecia (fui descobrir a «república» na vacaria, ao pé de um fardo de palha), olhou-me a direito nos olhos, piscou depois os dele e lançou-me a seguinte bisca: «Lembre-se sempre deste dia, e do José Inácio que lhe está a dizer isto. Daqui a um ano as pessoas hão-de andar com um saco de notas de cem escudos e não terem que comprar…»

Como adora graças, o Sr. José Inácio contou-me logo a do burro que uma bela manhã adquiriu por vinte e cinco tostões. «Passaram aqui uns miúdos com um burro velho. Iam deitálo aos lobos! Perguntei eu se mo vendiam. Ai não, não vendiam… ficou por vinte e cinco tostões, e olhe, vê-o ali ao fundo? Consertei-o…» O Sr. José Inácio, que adora graças, adora também falar de coisas sérias, o que é muito mais curioso.Assim: «Se a batata falta, e o leite, e a carne, é porque eles querem. Compram a carne a 120 para a venderem a 60, não sabia? Ora eu gostava que me dissessem: a quem pertence o subsídio, ao criador ou ao talhante? É, dãono ao talho e tiram-mo a mim…»

José Inácio, leitor da «República»

MONCORVO, ZONA QUENTE NA TERRA FRIA - (Conclusão)

O SONHO DAS MINAS A FUNCIONAR PASSA POR OUTRAS REALIDADES Te x t o d e F. A S S I S PA C H E C O

«Se um dia as minas funcionarem a sério… se um dia Moncorvo for a terra do ferro…» Este sonho foi-me posto com tal veemência que não posso deixar de o registar no derradeiro texto sobre a vila e o concelho. As minas são as de hematite, no Carvalhal, mais ou menos a caminho do Felgar (num desvio). E o que há sobre elas está, por agora, num plano de hipotética concretização. Socorro-me de textos oficiais para fazer ponto à situação do ferro (hematite) de Moncorvo. Assim, as Estatísticas Industriais de 1972, vol. I, «Indústrias Extractivas», a pp. 12/13, diziam no capítulo da «Extracção de Minérios de Ferro» que a produção

31-12-1971, qualquer coisa como 33 estabelecimentos registados e 508 coutos mineiros de ferro. Vejamos o Relatório Anual de 1972 da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos, publicado em Lisboa no ano seguinte. Lê-se aí, no capítulo 2.3, «Minérios Metálicos,

Um moncorvense de fora da vila continental de ferro no ano anterior montara a 42.826 toneladas, sendo 42.140 de ferro-manganês, do Cercal do Alentejo, supõe-se, e escassas 686 (valendo 137 contos) de hematite, estas do Carvalhal. O distrito de Bragança tinha, em

Minérios de Ferro», isto: «Baixou para menos de metade a produção de minérios em relação a 1971, como consequência do encerramento das minas de magnetite da Orada. Apenas houve produção de minério de

Fotos de LEONEL BRITO

ferro-manganês das minas do Cercal do Alentejo, com destino ao consumo nos altos fornos do Seixal. A produção no seu conjunto tem sido insignificante, e só começará a ter peso económico quando se conseguir arrancar com a exploração industrial em larga escala do vasto jazigo de hematite de Moncorvo, pertença de dois concessionários, «um estrangeiro de predominância alemã» (Minacorvo) «e outro actualmente do domínio da Siderurgia Nacional» (Ferrominas). Estudos vários de profundidade têm sido realizados, quer no domínio do conhecimento geológicomineiro do jazigo, quer no domínio do apuramento das técnicas de enriquecimento dos concentrados finais, parecendo que estes problemas têm solução técnico-económica à vista. Os transportes, porém, é que parece constituírem campo de dúvida, visto que, tanto quanto sabemos, não está ainda apontada a solução que deverá ser adoptada. Parece ser este o grande problema que condiciona a exploração deste grandioso depósito de minério de ferro. A importação continua a ser a base do abastecimento à SN, a qual, como minério de ferro nacional, se limitou ao minério de ferro-manganês do Cercal e às cinzas de pirites tratadas. (…) continuou a assistência técnica a ferrominas, no estudo do jazigo de Moncorvo.» Um terceiro dado é o que consta do Relatório de Propostas para o IV Plano de Fomento (da Comissão de Planeamento da Região Norte). Data de Outubro de 1972 e anunciava então, para um futuro próximo, «a exploração do ferro de Moncorvo». Quarto dado, o do Relatório de Propostas para o mesmo plano, este elaborado pela Câmara Municipal de Bragança: «Os valores da exploração das hematites para o período de

1959 a 1970 foi de 910 mil toneladas, no valor de 117 mil contos. Prevista uma exploração inicial de 1.000.000 toneladas / ano, fácil se torna calcular o enorme interesse que advirá de tal iniciativa para a economia do distrito. Mas será realmente verdade estar para breve o desencadeamento desta moura encantada?» Um ano e meio depois a pergunta mantém-se.

Casa de emigrante, em construção ao pé duma montureira NASCER, MORRER A minha tentação é coleccionar aqui todos os dados disponíveis sobre a terra onde, mal ou bem, tentei penetrar para lá da capa de ignorância (minha também) e do desinteresse. Logo no início, porque sempre me tocam muito de perto estes números, tratei de saber como se nascia por aqui.

Apurei o seguinte, relativo a 1971 (estatísticas da saúde): no distrito de Bragança, e para esses doze meses, tinha havido 3.079 partos e nada menos de 1.852 sem assistência. No concelho de Moncorvo, com um pouco mais de pormenor: 179 partos (175 s i m p l e s ) ; 5 4 e m estabelecimentos de saúde com

internamento (deles um feto morto); 124 no domicílio (com 3 fetos-mortos); 1 noutro local. Destes 124 partos no domicílio, 6 foram com médico, 2 com enfermeira ou parteira, 116 sem assistência. Fui depois saber como e de que se morria. Moncorvo, 1971, elementos oficiais: 164 óbitos. Quase todos devido a estados mórbidos, pois só se haviam registado 7 acidentes e um

óbito por «suicídio e lesões autoinfligidas». Quanto às doenças, espantei-me um tanto ao ler que 36 óbitos se deviam a «sintomas e estados mórbidos, mal definidos». Fiquei a pensar que naquelas aldeias, naqueles lugares tão desacompanhados de tanta coisa, quando se morre já pouco interessa saber de quê…

… E LÁ SE FOI O CASTELO! «Referindo-se às fortificações de Moncorvo, diz Carvalho da Costa: tem esta villa «muralha ao uso antigo com três portas, e a seus lados baluartes ou cubellos redondos; hum Castello de cantaria em forma quadrada com duas torres, quatro cortinas e dous baluartes redondos». Com esta última parte relativamente ao castello concorda Columbano de Castro e Almeida. Devemos notar que já quando este escreveu, 1866, estavam em ruínas estas fortificações e o seu terreno, plantado de árvores, servia de passeio público: «tudo, menos o castello foi arrazado, há poucos annos e o terreno occupado pelas antigas fortificações está actualmente plantado de árvores e serve de passeio público.» Por último nem o velho castello escapou. Veio a illustrada vereação presidida pelo bacharel António Joaquim Ferreira Pontes

deputado em várias legislaturas pelo districto de Bragança e também seu governador civil e, escudado com o camartello dos aformoseamentos, ajardinamentos et relíquia, acabou de arborizar e converter tudo em passeio e lá se foi essa veneranda relíquia sem que as cans de tantos séculos impozessem respeito a seus demolidores! E lá se foi esse representante d'uma epocha e ciclo artístico peculiar em Portugal à região do norte! E lá se foi esse symbolo da autonomia de Moncorvo, da sua força e importância! E lá se foram, esfrangalhadas pelos próprios filhos essas fortificações que tantas vezes souberam impor respeito aos inimigos…» Padre Francisco Manuel Alves (Abade de Baçal), «MONCORVO», separata da «Ilustração Transmontana», Porto, 1908.

...Fiquei a pensar que naquelas aldeias, naqueles lugares tão desacompanhados de tanta coisa, quando se morre já pouco interessa saber de quê...


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