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Edição:


BRAGANÇA

MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA

ARQUEOLOGIA, ETNOGRAFIA E ARTE

POR

FRANCISCO MANUEL ALVES, ABADE DE BAÇAL

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TÍTULO: MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA TOMO IX - ARQUEOLOGIA, ETNOGRAFIA E ARTE AUTOR: FRANCISCO MANUEL ALVES, ABADE DE BAÇAL COORDENAÇÃO GERAL DA EDIÇÃO: GASPAR MARTINS PEREIRA REVISÃO DESTE VOLUME: NELSON CAMPOS, LINO TAVARES DIAS UNIFORMIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA: MARIA SARMENTO DE CASTRO EDIÇÃO: CÂMARA MUNICIPAL DE BRAGANÇA/INSTITUTO PORTUGUÊS DE MUSEUS – MUSEU DO ABADE DE BAÇAL EXECUÇÃO GRÁFICA: RAINHO & NEVES, LDA./SANTA MARIA DA FEIRA ISBN: 972-98569-0-7 DEPÓSITO LEGAL: 152080/00 OBRA CO-FINANCIADA PELO PRONORTE, SUBPROGRAMA C JUNHO DE 2000


i TOMO IX

INTRODUÇÃO NELSON CAMPOS

1934, Setembro, 1. É aposta mais uma das famosas datações de Prólogo a mais um dos volumes das não menos famosas Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, obra grandiosa sobre esta região que se continua escrevendo. É o nono. Passaram quase 25 anos sobre a data do primeiro tomo. Quem escreve é um pároco de aldeia, já idoso, passante dos 69 (e que se queixa de não passar de reitor), sentado ao pôr-do-sol de um dia outoniço, olhando a partida das andorinhas, como quem olha um fim já não muito distante. Talvez por isso, nessa pressa de tudo registar, intensificou nos últimos anos as excursões arqueológicas, atingindo o pico das dez saídas anuais em 1932, oito em 1933 e oito em 34 1. Vê-se que apostou forte nos volumes finais, até porque as matérias aqui tratadas obrigavam a maiores deslocações, apesar de serem um somatório de conhecimentos acumulados ao longo de mais de 40 anos. Mas o esforço foi compensado. A publicação do tomo IX, não só pelo seu conteúdo, mas pela totalidade da obra que se ia assim agigantando, marca definitivamente a consagração do Abade. A hierarquia eclesiástica, sem desculpas para continuar a negar-lho, vai atrás do movimento geral e concede-lhe tal título em 25.03.1935. No dia seguinte, é nomeado Director 1 JACOB, J. Neto – «Introdução...» ao tomo I da presente edição das Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança.

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ii TOMO IX

INTRODUÇÃO

Honorário do Museu Regional de Bragança, a que foi dado o seu nome. Em Abril, foi alvo de apoteótica manifestação em Bragança. Vêm as condecorações e o busto num jardim da cidade. Para além deste, faltavam só mais dois «cantos talhados» para compor o «monumento ao nosso rincão trasmontano», o último dos quais, porém, seria póstumo. Entretanto, já há muito morrera o cadelo Lafrau... O tomo IX no contexto das Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança O propósito de Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, definido no prólogo do tomo I, parece ser, tão-só, dotar o distrito/diocese de um conjunto de registos de coisas dignas de menção, referentes à sua história. Lembrando as memórias que vinham sendo elaboradas desde o século XVIII, por iniciativa académica ou de clérigos ilustrados, assim como as diversas indicações para se redigirem histórias eclesiásticas e anais municipais, o autor procura a «integração das colectividades étnicas num período histórico», dotando essa mesma região de uma consciência de si, já que «nem só de pão vive o Homem» 2. O pano de fundo do seu trabalho é a região («Ai, Distrito de Bragança, distrito de Bragança, meus Amores!...» 3), motivado pela curiosidade sobre as suas raízes. O seu paradigma é, pois, o do polígrafo monógrafo («bragançógrafo» 4) que o obriga, num esforço autodidacta, a dominar (melhor ou pior) as ferramentas básicas para o seu desiderato, as quais vão da paleografia à epigrafia, à numismática, até ao conhecimento da bibliografia temática (arqueologia, etnografia, história geral). O distrito é uma realidade administrativa recém-formada, à qual se plasmou a dos novos limites da diocese, depois de nela se integrar o território do extinto vicariato de Moncorvo em 1888, cuja individualidade se impunha afirmar no concerto geral da trasmontaneidade. O início da obra de F. M. Alves coincide, por assim dizer, com o tempo dos revivalismos étnicos de raiz romântica (ainda que trabalhando de forma positivista), movimento cultural esse que valorizava a história local, ilustrada com a arqueologia e etnologia, e em que elites culturais se empenhavam, pensando, escrevendo, discutindo e reunindo antigualhas. Daí 2

ALVES, F. M. – Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, tomo I, Pró-

logo. 3 Idem, ibidem, tomo II, p. 264. A expressão «os meus amores» inspira-se, claramente, na obra homónima de Trindade Coelho. 4 Idem, ibidem, tomo XI, Prólogo.

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iii INTRODUÇÃO

que o projecto das Memórias... tenha convergido, inevitavelmente, com o do Museu Regional, tal como era concebido e defendido pelo Abade de Baçal (um instrumento de educação e de representação da região) e que uma das suas primeiras medidas como Director do mesmo fosse institucionalizar um Grupo de Amigos do Museu e das Obras de Arte de Bragança. A completar este «projecto global», o Arquivo Histórico e a Biblioteca Erudita, instaladas também no edifício do Museu, seriam função da tal história institucional que ocupa essencialmente os oito primeiros volumes das Memórias... 5, do mesmo modo que os volumes finais, versando mais sobre as materialidades, seriam função de alguns aspectos do Museu (peças arqueológicas, incluindo a epigrafia, etnológicas, como «freios de maldizentes», trajos, alfaias e ferragens, ou aguarelas dos pelourinhos, etc.), para além dos aspectos da chamada cultura erudita (mobiliário e arte moderna e contemporânea), em que mais apostaria o seu colaborador e depois sucessor, Raul Teixeira. Quanto ao conteúdo, as Memórias... obedeciam a um plano pré-estabelecido, que passava por carrear tudo o que pudesse interessar à reconstituição do passado da região (centrando-se na realidade distrital-diocesana), como explicita no prefácio do tomo XI. Percebe-se, nos dois primeiros volumes, uma tentativa de dar uma visão de enquadramento, de levantamento e até esclarecimento de problemáticas, como a da questão da origem de Bragança. É a preocupação de traçar quadros de história política, militar, económica, social e eclesial 6. Os terceiro e quarto volumes, são essencialmente documentos, medievais e modernos, indispensáveis como apêndice à matéria dos volumes anteriores e posteriores. Nos volumes quinto a sétimo, evidenciam-se tipos sociais de excepção, excluídos e perseguidos uns (judeus e ciganos), privilegiados ou esforçados outros (fidalgos e notáveis), cada um dos quais marcando, à sua maneira, os destinos da região. Finalmente, nos volumes IX e X, avultam as materialidades, a arqueologia e etnologia, como ecos de uma história profunda do lastro da sociedade, o «povo bragançano», parte do povo trasmontano. Se o tomo X é uma actualização do IX, com alguns acrescentos, o tomo XI, sentido pelo autor como sendo o último 7, é uma espécie de «despejar da gaveta», em que, talvez mais que nos dois anteriores, insere um pouco de tudo o que ficara para trás.

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JACOB, J. Neto – «Introdução...». BRANCO, A. – Abade de Baçal. Vida e obra. Mirandela: João Azevedo Ed., 1997, cap. 7. 7 MOURINHO, António M. – Bio-bibliografia do Abade de Baçal, evocando os 120 anos do seu nascimento. «Trabalhos de Antropologia e Etnologia». Porto: SPAE. vol. 25, fasc. 1 (1985), p. 149 (excerto de carta pessoal do Abade a A. M. Mourinho). 6

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iv TOMO IX

INTRODUÇÃO

O carácter «desordenado» das Memórias... resulta do facto de, como o próprio título indica, se tratar de «memórias», ou seja, apontamentos que vão sendo tomados à medida do percurso de investigação pessoal do autor. Nota-se, apesar de tudo, que houve uma certa preocupação de arrumação temática (caso dos volumes dos documentos, dos Judeus, dos Fidalgos, dos Notáveis); naqueles temas que sempre acompanharam o interesse do autor, a obra surge como um dicionário com sucessivas actualizações. Às vezes parece ser uma estrutura análoga à das enciclopédias temáticas de leitura interactiva (tipo «Einaudi»). Daí que pareça abstrusa e de complicada utilização, um «labirinto», como lhe chamou Adérito Branco 8. O carácter «memorialístico», pessoal, evidencia-se pelos comentários «a propósito» (ou despropósito) que o autor introduz em cada passo, a pretexto de qualquer matéria, dando o seu ponto de vista, tecendo comentários pessoais que chegam ao queixume (mal disfarçado), como seja a «descompostura» que J. H. Pinheiro, despeitado, lhe deu por carta (tomo IX, p. 79), ou sobre o «adiamento» sine die, por parte dos bispos de Bragança, em lhe concederem o titulo de Abade, quando já todos assim o tratavam (tomo IX, p. 505-506). Estes, entre muitos exemplos, em que avultam a ironia, à mistura com a expressão popular, o apontamento biográfico. Nos volumes finais, e particularmente neste, é evidente que a galáxia baçaliana extravasa, pois, e muito, o domínio restrito das matérias que trata. É o homem que está sempre presente. Dá, por vezes, a impressão que nos está a falar do canto do escano, à lareira e, quando tal, interrompe a história para dizer um «a parte». A seguir retoma a história. Nunca diremos que esse parêntesis foi despiciendo, porque reforçou um dito e acrescentou-lhe outro. Tudo foi informação, que mais não fosse sobre o indivíduo. É claro que tudo isto nos dá a imagem de um «saco». Mas é um saco em que está lá tudo. Para encontrar, é preciso saber procurar, mas, principalmente, é preciso ler tudo! A quem ocorreria, por exemplo, encontrar referências à introdução da batata no distrito de Bragança, a propósito de umas supostas gravuras no termo de Moimenta, concelho de Vinhais (tomo IX, p. 639)? O grande mérito do Abade, foi ter sido um recolector. Talvez também por isso Torga o considerasse um troglodita «pré-histórico». Recolheu «muitas notícias inéditas (...) hauridas, não comodamente em trabalhos de gabinete, mas por montes e vales, sem temor do frio, calor e chuva e mil outros incómodos inerentes às excursões, só avaliados por quem a elas se dedica», como se vai ler no prólogo deste tomo, na sequência das peripécias a que já se havia referido no preâmbulo do tomo V 9. 8 9

BRANCO, A. – Abade de Baçal..., p. 15. ALVES, F. M. – Memórias…, tomo V, «Os Judeus», Preâmbulo, p. IX-X.

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v INTRODUÇÃO

O Abade não era um teórico. Quando arriscava alguma perspectiva, como a defesa da ideia de Santos Graça sobre as siglas poveiras, para explicar as pinturas rupestres do Cachão da Rapa (tomo IX, p. 672-675), e vê tal ideia rejeitada pelos sábios académicos, não resiste ao comentário: «Esta hipótese foi julgada “inconsistente” pelos mestres; veremos se a das marcas como símbolo pessoal é consistente». A verdade é que, sem materiais, não pode haver teorias e, quantas vezes, estas, depois de construídas sobre bases insuficientes, são destruídas por novos dados. Pena é que se considere «sábio» o que faz teorias, porventura ocas, e se tenha em menor conta o que carreia materiais, com sacrifício, persistência de olhar e ouvido arguto. As Memórias... podem ser um saco de «batatas, alhos e bugalhos», mas está lá tudo. São o cérebro aberto do Abade de Baçal.

A estrutura do tomo IX Denunciando a complementaridade entre a obra escrita (mais passiva) e a obra material (mais activa), o tomo IX abre com uma referência ao Museu e a listagem dos beneméritos do mesmo, numa estratégia inteligente de envolvimento da sociedade civil no projecto de um verdadeiro Museu Regional (há contribuintes de todo o distrito e até fora dele). Dentro ainda da temática do Museu, referem-se peças arqueológicas, algumas incorporadas nele, outras já enviadas para o exterior (caso da fíbula de Mogadouro e da bráctea de Bragança). É nesta apresentação de peças que surgem as estelas discóides (medievais) e as estelas funerárias romanas, o amplo capítulo da Epigrafia, destinado a servir de catálogo do Museu sobre esta matéria. Aqui a «interactividade» fará remissas para o primeiro volume, em que utilizou essencialmente informação de um manuscrito do século XVIII, a Descrição... de J. Cardoso Borges, por si redescoberto. Voltará ao assunto no tomo X, a título de actualização. A partir daqui, entra-se na ordem alfabética normal, de A a Z, entremeando verbetes de tipo corográfico com temas gerais, no âmbito da Arqueologia, Etnografia e Arte. No primeiro caso, estão os nomes de povoações (aldeias, vilas e cidades), de conteúdo bastante desigual. Por exemplo, artigos como Bragança ou Torre de Moncorvo são bastante desenvolvidos, enquanto que para algumas aldeias, se limita à transcrição das Memórias Paroquiais de 1758, acrescidas, porventura, de uma ou outra inscrição epigráfica, algum povoado «castrejo», ou achado arqueológico significativo. Parece que as localidades surgem como «calços» entre os «grandes temas». Estes foram, além da Epigrafia, e de acordo com a ordem MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA

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vi TOMO IX

INTRODUÇÃO

alfabética, as Estradas (viária medieval até ao aparecimento da aviação no distrito, passando pelo caminho de ferro e estradas a macadame), os Fachos/Atalaias/Mirandas, etc., os Forais, os Frades, Funerais, Lendas, Moedas/Numismática, Pelourinhos, Porco/Berrões e Pré-história. Este capítulo comporta um pequeno glossário introdutório, uma cronologia da pré-história e uma tentativa de síntese da Carta Arqueológica do distrito, por concelho e por tipo de estações arqueológicas. Depois, há uma extensa descrição de sítios com insculturas rupestres, a que se seguem referências a Cavernas, sítios com vestígios considerados do Neolítico (essencialmente locais onde se recolheram machados polidos), e Pedras Oscilantes. Inexplicavelmente, insere as Sepulturas escavadas na rocha no capítulo da Pré-história e antes das Antas, apesar das dúvidas sobre a sua cronologia. É possível que fosse intenção inseri-las no fim do volume, na sequência da letra S, tratando-se de um erro de paginação, tal como as Antas, com o apêndice específico sobre os dólmens de Vilarinho da Castanheira e Zedes, que deveriam estar a seguir ao Neolítico. A «interactividade» destes temas está, por exemplo, entre a Epigrafia e a viária a propósito dos miliários, pontes e vias romanas, bem como em relação aos rituais funerários; do mesmo modo, o tema dos Forais e da justiça medieval induz o dos Pelourinhos, mas também, ao dar indicação dos limites dos concelhos, vai remeter para a Pré-história, porque o Abade de Baçal considerava (e com razão em muitos casos) que os cruciformes gravados em marcos e fragas eram limites territoriais; as Lendas, como é evidente, articulam-se com o capítulo da Etnografia, assim como as Águas, porque as lendas de mouras e de aparições da Senhora, muitas vezes se associam a fontes miraculosas. Os pelourinhos voltam a ser falados no artigo sobre os «berrões», nos casos de Torre de D. Chama e Bragança, para se salientar o carácter simbólico e «totémico» de tais esculturas proto-históricas. Assim sucessivamente. Ou seja, ao descobrir estas ligações, o leitor perceberá melhor que a intenção do autor foi criar a imagem de um todo que, depois, se estende a outros volumes. Como num jogo...

As fontes do tomo IX Podemos agrupar as fontes utilizadas pelo Abade de Baçal em três tipos principais: as fontes eruditas; as que utilizou através de inquérito oral regional; e os dados materiais resultantes do trabalho de campo. Nas fontes eruditas, englobamos as manuscritas (de antiquários ou corógrafos), a bibliografia publicada (livros, opúsculos e revistas especializadas) e os contactos essencialmente epistolares com os grandes mestres. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Quanto aos manuscritos que consultou essencialmente nas bibliotecas de Lisboa e Porto, além da Torre do Tombo, salientamos o de Cardoso Borges (†1745) e as Memórias Paroquiais de 1758, além de escritos de outros antiquários, como o Pe. Manuel de Queiroga Carneiro de Fontoura (†1856), reitor de Lamas de Orelhão (Mirandela), ou as Memórias de Ansiães, dos Padres João Pinto de Morais e António de Sousa Pinto Magalhães (século XVIII). Quanto à bibliografia impressa que utiliza, é de notar a quantidade de corografias, desde as Memórias... de Contador de Argote à Corografia... de Carvalho da Costa, ao Dicionário Geográfico... de Luís Cardoso, à España Sagrada do Pe. Florez, ao Portugal Antigo e Moderno... de Pinho Leal/Abade de Miragaia, entre vários outros. Muitas destas obras deve tê-las consultado na Biblioteca de Chaves, na fase em que paroquiou Mairos, além de consultas no Porto e Lisboa. Eram obras raras e caras, pelo que, não as possuindo, teria de recorrer ao apontamento e à cópia das partes que lhe interessavam, para além da memória. A bibliografia temática circunscreve-se a um bom conjunto de obras gerais para cada assunto, vendo-se estar melhor documentado para as áreas de arqueologia (geral, epigrafia, pré-história e arte rupestre), do que para a etnografia e história de arte. Sublinhe-se que estas ainda não haviam conhecido, a nível nacional e internacional o desenvolvimento daquela. Referencia também várias monografias, destacando-se a Bragança e Benquerença, de A. Lopo, essencialmente por causa da epigrafia, e o Folclore do concelho de Vinhais, de Firmino Martins, para a etnografia. Entre as obras gerais, de história, cita os artigos do Elucidário... de Viterbo, a História de Portugal de A. Herculano, a História da Administração Pública... de Gama Barros, a História da Igreja em Portugal... de Fortunato de Almeida, entre outros. A cada passo, vem ao de cima a sua formação clássica e literária, citando Virgílio (pricipalmente a Eneida), Horácio, Tácito, Lucano, Heródoto, além de Gil Vicente, Cervantes, Almeida Garrett, ou Victor Hugo. Entre revistas especializadas, refere amiúde artigos do Arqueólogo Português (que se começou a publicar em 1895), do Arquivo do Seminário de Estudios Galegos, da Revista Arqueológica e da Portugália. Os títulos citados em língua estrangeira são essencialmente em espanhol e francês. Em latim aparece sobretudo o Corpus epigráfico de Hübner e Rituum qui olin apud romanos... de Nieupoort. Concordamos com A. Branco, quando diz que se impõe a inventariação do que restou da biblioteca do Abade, a fim de perceber melhor as suas fontes (in)formativas 10. 10 BRANCO, A. – Abade de Baçal..., p. 49 e seg. Essa biblioteca foi doada ao antigo Liceu de Bragança, hoje Escola Secundária «Emídio Garcia».

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viii TOMO IX

INTRODUÇÃO

Quanto aos contactos epistolares, sabe-se que trocou correspondência com Leite de Vasconcelos, Santos Júnior e Rui de Serpa Pinto, entre outros investigadores de renome. Por esta análise, parece-nos que o Abade possuía uma formação diversificada e um apetrechamento razoável, ao nível dos conhecimentos gerais do seu tempo para tratamento das áreas que abordou, embora não nos sendo lícito esperar que fosse um especialista em cada uma delas. Os materiais recolhidos por inquérito oral, são as informações etnográficas e arqueológicas junto do povo da sua própria aldeia e das terras que visitou e, como declara na p. 623 deste tomo, junto dos recrutas do quartel militar de Bragança. Teve a sorte de lidar com oficiais interessados que não só lhe facilitavam o acesso aos soldados, como alguns se dedicaram mesmo a coligir informações e objectos, que enviavam para o Museu, como foi o caso do Major António José Teixeira e do Tenente João José Vaz de Morais Abreu Sarmento, este oriundo do concelho de Macedo de Cavaleiros. Este oficial, que se começara a interessar pela arqueologia a partir do achado de uma cista, talvez da Idade do Bronze, numa propriedade sua, foi um dos colaboradores dedicados do Abade, chegando a acompanhá-lo em excursões arqueológicas e a copiar gravuras rupestres, como as de Ridevides (tomo IX, p. 650). Outros dos méritos do Abade foi ter conseguido montar uma verdadeira rede de informação, envolvendo párocos amigos, professores primários ou simples cidadãos interessados, muitas vezes ávidos de serem mencionados numa obra de tal envergadura, sobretudo numa fase em que obra e autor principiavam a ser já uma instituição. A partir dessas informações organizava o trabalho de campo, as tais «excursões arqueológicas», como lhes chamava, «por montes e vales», sabendo-se que se deslocava muito a pé. Por vezes, utilizava guias, como quando foi identificar as marras de Vimioso (tomo IX, p. 587). Nestas jornadas, furtava-se sempre a pernoitar em casa de amigos ou conhecidos, para não constituir encargo (tomo IX, p. 588). De tudo tomava nota nuns cadernos de campo, a que chamava «couseiros», por aí registar as «cousas» que depois eram incorporadas nas Memórias... 11.

Teoria e método através do tomo IX Tal como dissemos, o Abade de Baçal foi essencialmente um colector, algo avesso à teorização 12. As suas perspectivas e pensamento transparecem 11 12

JACOB, J. Neto – «Introdução...», tomo I da presente ed. BRANCO, A. – Abade de Baçal..., p. 50-51.

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ix INTRODUÇÃO

sobretudo a partir dos característicos «a partes», seja a propósito de uma tese de que desconfia («já li que o Burnouf estava a caçoar com a gente, ou alguém caçoou com ele, impingindo-lhe uma patranha» – tomo IX, p. 24), seja a título de conclusão pessoal sobre algo que parecia evidente, através da lógica e do método comparativo: «toda esta manifestação popular do actual artista bragançano, na cerâmica acontece o mesmo, se relaciona com a pré-histórica, porque o homem é sempre o mesmo nas suas concepções simplistas e no modo de as executar, chegando aos mesmos temas pela actividade da própria mentalidade sem plagiar os antepassados» (tomo IX, p. 610). C. Lévi-Strauss vai dizer praticamente o mesmo, de forma mais elaborada, duas décadas depois, tal como os teóricos da arqueologia contextual, ao falarem de «fenómenos de convergência», contra os difusionistas. Acontece que o Abade tão depressa chega a esta conclusão como se contradiz, enveredando pelo mais absurdo orientalismo, ao conotar os dólmens com a civilização egípcia, por via de uns serpentiformes (tomo IX, p. 715). O seu método crítico, que já funcionara no tomo I para desmontar as lendas da origem de Bragança, continua a revelar-se eficiente, seja para atribuir uma cronologia mais lógica às sepulturas escavadas na rocha, através de um miliário «reciclado» em sarcófago (tomo IX, p. 37), seja para antecipar a tese (extrema) de Ferro Couselo 13 sobre os cruciformes e outros gravados modernos na arte rupestre. O Abade tinha consciência da crítica e por onde ela poderia vir, pelo que antecipa a resposta, logo no Prólogo, através de uma citação de Roosevelt: «o progresso é obtido pelo homem que faz as coisas e não pelo que discute de que maneira elas não deveriam ter sido feitas». É o pragmático e o homem de acção que fala. Ainda em termos mais metodológicos, além do que já foi dito a propósito da recolha de informação, sobre o trabalho de campo em arqueologia, há a acrescentar que a sua actividade assentou sobretudo na prospecção e verificação de informações. As escavações parece que não o tentaram, apesar do interesse com que acompanhou nos anos oitenta do século XIX, os trabalhos de J. H. Pinheiro. Talvez porque ficava dispendioso contratar pessoal para a realização das mesmas, já que nesse tempo as escavações se faziam mais para descobrir objectos destinados a colecções particulares ou Museus, sem grande preocupação pela interpretação do registo arqueológico. A única escavação que diz ter feito, foi numas cavidades no termo de Sacoias, por volta de 1900 (tomo IX, p. 678), sem resultados interessantes (apenas ossos de animais). 13 FERRO COUSELO, J. – Los petroglifos de termino y las insculturas rupestres de Galicia. Orense, 1952.

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x TOMO IX

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No campo da etnografia, tal como na arqueologia, o seu registo devia passar por assentar tudo o que lhe diziam nos famosos «couseiros», sendo depois tudo agrupado tematicamente, interpretado e comentado com a parca bibliografia de que dispunha neste domínio. Conhecia, no entanto, a obra de Frazer e de Van Genepp, embora pouco citados, o que deixa antever que só deveria possuir apontamentos delas. No campo da história de arte, os seus conhecimentos vão ainda menos longe, como no caso da descrição do tímpano de Ansiães, apesar de não haver ainda uma grande produção nesta área, em Portugal. Como alguém já disse, o Abade foi essencialmente um historiador 14. A sua abordagem das «disciplinas auxiliares» da História surgem como um complemento, que obviamente também lhe interessam nesse afã de erigir uma síntese tão completa quanto possível sobre a região, mas limita-se a aplicar as ideias gerais bebidas nas grandes sumidades da época. Mais uma vez, o que importava era o «material» registado, e em boa hora o foi, porquanto muitos dos sítios mencionados foram sendo destruídos pela agricultura, pela ignorância popular e pelo desenvolvimentismo, ao longo do século que agora finda.

Personalidade, expressão e linguagem do Abade de Baçal, através do tomo IX Como se disse atrás, o Abade de Baçal deixa transparecer muito sobre si no texto que escreveu, através dos seus comentários. No emaranhado da floresta de páginas, ia deixando escapar o que pensava, sem se expor muito, já que na imprensa certas afirmações teriam impacto mais polémico e seriam interditas, a partir de certa altura. Assim, o Abade usa a instituição que já era a sua obra para, a coberto da ciência, «as poder dizer». Algumas afirmações eram pouco ortodoxas do ponto de vista religioso, como quando refere amplamente o fundo pagão do catolicismo romano, no capítulo sobre Funerais e no da Etnografia, ao falar das festividades: «Se tornasse a este mundo um sacerdote pagão e visse os sacerdotes cristãos com trajos iguais aos seus, etc.» e continua: «e visse..., e visse...» (tomo IX, p. 311-314). Aí veladamente tece críticas à hierarquia e regras da igreja católica, nomeadamente sobre o celibato dos padres. Critica ainda a propriedade religiosa, no capítulo sobre os Frades (tomo IX, p. 424), acabando a zurzir a 1a República, pelo anticlericalismo exacerbado e pela política dos baldios (tomo IX, p. 425 e 430). 14

BRANCO, A. – Abade de Baçal..., p. 70.

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xi INTRODUÇÃO

A crítica social à burguesia do Liberalismo que lucrara com a «expoliação fradesca» é classificada de «fauna conselheiral de pés descalços» enquanto «o povo, a eterna vítima, que trabalha a terra, continuou despojado dela» (tomo IX, p. 430). Mas, páginas atrás, o povo da região é zurzido pelo seu carácter «arboricida» e pela destruição das matas antigas, cujo plantio ele atribuía aos frades. A queixa pessoal sobre o eternamente adiado título de Abade é metida no capítulo sobre os Pauliteiros, a pretexto de «corrigir» um artigo de jornal (espanhol) que assim o tratara: «Ora, eu sou de facto o abade de Baçal, porque toda a gente assim me chama, apesar de oficialmente ter apenas o título de reitor» (tomo IX, p. 505-506). No próprio índice, na remissa sobre Paulitos (Dança dos), chega a escrever: «A propósito de meu título oficial de reitor e do de abade que me dá a voz pública, apesar da autoridade eclesiástica fazer de mula de médico às reclamações dos intelectuais» (tomo IX, Índice). Quanto à linguagem utilizada, por vezes, certas construções frásicas, alguns regionalismos e até o erro ortográfico ocasional denotam um homem que escreve conforme fala, imbuído como estava no mundo popular em que se inseria. A graça e o anedótico condimentam esporadicamente o texto, como no trecho em que descreve o sabat, no artigo sobre as Feiticeiras: «... reúnem-se em certos locais a prestar culto ao diabo, beijando-o na válvula de segurança adjacente à estação términus da parte inferior da coluna vertebral, no meio de grandes descantes e bailes» (tomo IX, p. 356). Ou ainda, no mesmo capítulo, onde relata o episódio do sapateiro que se imiscuiu num desses sabats, espetando «a sovela do ofício no esferóideo que guarnece a tal válvula retro...» (tomo IX, p. 358). Poderíamos multiplicar os exemplos, mas tal não cabe aqui. Fica só o apontamento para quem queira estudar mais aprofundadamente a figura do Abade. O melhor, mesmo, é lê-lo.

O contexto cultural da obra do Abade de Baçal e a sua projecção, no âmbito das matérias do tomo IX Antes de mais, convém lembrar que o Abade de Baçal não surgiu do nada, no plano cultural trasmontano e particularmente bragançano. Ele é o «resultado final» de uma série de antiquários e eruditos que vinham desde o século XVII-XVIII a interessar-se pelas antigualhas da região. Como dissemos, alguns manuscritos destes foram por ele utilizados. Já no século XVII o médico de Bragança António Pires da Silva, autor de uma MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA

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xii TOMO IX

INTRODUÇÃO

Cronografia medicinal das Caldas de Alafões (1696), dera notícia da lápide de Ærno de Castro de Avelãs, a qual supusera dedicada ao deus Æternus (tomo IX, p. 161, nota 2). Depois, já do século XVIII, o manuscrito de José Cardoso Borges e as inscrições que copiou (algumas já desaparecidas no tempo do Abade) foram largamente utilizados por este. Ainda no século XVIII, Tomé de Távora e Abreu e João Carneiro de Morais Fontoura, foram informadores de Contador de Argote, sobre a epigrafia norte-trasmontana, tal como os Padres João Pinto de Morais e António de S. Pinto Magalhães, primeiros reveladores das pinturas do Cachão da Rapa (concelho de Carrazeda de Ansiães), também publicadas por Argote (1732-1747). Há ainda a mencionar os escritos inéditos do Pe. Manuel de Queiroga C. Carneiro da Fontoura, do General Pery, no século XIX, e do Major Celestino Beça, consultados e dados a conhecer pelo Abade de Baçal. Não esquecendo José Henriques Pinheiro, natural de Torre de Moncorvo e professor liceal em Bragança, colaborador da Sociedade Martins Sarmento, de Guimarães, e um dos impulsionadores da arqueologia bragançana, com os seus estudos sobre a via romana de Braga a Astorga 15, além do Coronel Albino Lopo, natural dos Estevais de Mogadouro e militar em Bragança, um arguto arqueólogo de campo e colaborador do Arqueólogo Português. Ainda contemporâneo do Abade de Baçal, o Pe. José Augusto Tavares, Abade de Carviçais (Torre de Moncorvo), pioneiro dos estudos arqueológicos no sul do distrito de Bragança e também colaborador do Arqueólogo Português. A completar este quadro, é de realçar o fervilhar cultural e político do final do século XIX no distrito, com uma imprensa regional activa e contando com inúmeros títulos, onde se debatia, discutia, insultava. Era também o tempo em que reputados políticos bragançanos clamavam junto de Lisboa pelas eternamente adiadas vias de comunicação, particularmente o caminho de ferro, como refere no capítulo sobre as Estradas (tomo IX, p. 218-232). Portanto, a obra do Abade, não surge no deserto. Talvez aquando da edição deste tomo IX, se verificasse já uma desaceleração, com o início do «Estado Novo». Agora o Abade estava quase só no panorama cultural do distrito. Tinha em Bragança uma pequena «corte» que o auxiliava e venerava e que se interessava pelas questões culturais e do património. Mas, a nível da produção literária e científica, não o acompanhava. Santos Júnior, no Porto, e outros investigadores longínquos vão-lhe enviando publicações, mas faltava a discussão e a crítica de grupo diárias. O que também já não 15

PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga. Porto,

1895.

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xiii INTRODUÇÃO

era compatível com a idade que pesava e a vivência no retiro ascético de Baçal. Faltou ao Abade, para criar um verdadeiro movimento cultural regional, algo parecido com o grupo galego da revista Nos. Um problema de massa crítica, diríamos hoje, que decorre da pobreza económica e, consequentemente, demográfica. Assim, não é de admirar que depois do falecimento do Abade de Baçal, até aos anos oitenta, se verificasse uma significativa letargia nos estudos regionais, permanecendo a sua recolha como a única obra de base para o conhecimento da história e património do distrito de Bragança. As excepções foram alguns trabalhos esporádicos de Santos Júnior († 1990), mormente o estudo que dedicou aos berrões, e artigos sobre arqueologia e etnografia da região trasmontana, além da obra de António Maria Mourinho († 1995), mais centrada na terra de Miranda. Mourinho, o único discípulo directo do Abade de Baçal, interessou-se igualmente pela arqueologia, epigrafia, etnografia, linguística, sendo responsável pela conservação das ricas tradições mirandesas, através da dinamização do grupo dos Pauliteiros (tomo IX, p. 502-512) e da criação do Museu da Terra de Miranda. Na mesma linha de continuidade dos investigadores regionais de mérito, podemos filiar o Dr. Belarmino Afonso, dedicando-se também às mesmas áreas temáticas, na zona de Bragança em particular e ao distrito em geral, e o Dr. António Rodrigues Mourinho Júnior. No campo da etnologia, há ainda a assinalar, nos anos cinquenta, os estudos de Jorge Dias sobre Rio de Onor e a edição da famosa tese sobre o comunitarismo agro-pastoril 16 (tomo IX, p. 348-352), bem como as recolhas de Ernesto Veiga de Oliveira, sobre a construção tradicional e etnomusicologia. Para além disto, e até aos anos setenta, só os Boletins da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, com as correspondentes acções de restauro e o diverso material produzido por este serviço, no âmbito de inúmeros processos de classificação. O Grupo dos Amigos do Museu e das Obras de Arte de Bragança tornou-se invisível depois da morte do Abade e o próprio Museu entrou numa espécie de rotina, à semelhança de outros museus da época. No plano do interesse pelo património e pela investigação histórico-etnográfica, valeu a dedicação de um ou outro carola, para além dos já mencionados, entre os quais se contam Ernesto Sales, contemporâneo do Abade, de Mirandela, Armando Pires, de Macedo de Cavaleiros, Amílcar 16

DIAS, J. – Rio de Onor. Porto: Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto,

1952.

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TOMO IX


xiv TOMO IX

INTRODUÇÃO

Paulo, de Freixo de Espada à Cinta e Casimiro Machado, de Mogadouro (estes vivendo habitualmente no Porto), e Joaquim M. Rebelo, em Torre de Moncorvo, para além da actividade do grupo dos Amigos de Bragança, em que pontua Eduardo Carvalho. O panorama começou lentamente a mudar nos anos oitenta, coincidindo com a criação da revista Brigantia, por Belarmino Afonso. O aparecimento dos Serviços Regionais de Arqueologia, do Instituto Português do Património Cultural (IPPC, depois IPPAR), permitiram uma certa redescoberta da arqueologia bragançana, neste período. A cartografia e registo fotográfico, com novas descrições dos sítios mencionados pelo Abade de Baçal e outros, foram acrescentados com novas estações inéditas. Fizeram-se escavações (muitas delas de emergência) em vários pontos do distrito de Bragança. Entre os anos oitenta e o tempo presente, novas perspectivas foram levantadas no campo da Arqueologia, da História e da Etnologia, através de novos achados e estudos, nomeadamente várias teses de mestrado e de doutoramento, elaboradas por investigadores das Universidades do Porto, de Braga, do ISCTE, entre outros. Já nos anos noventa, o Museu do Abade de Baçal, apesar de um processo algo controverso, foi modernizado. A própria contestação a esta obra trouxe de positivo a discussão sobre a preservação do património, revelando elites culturais vivas e actuantes. Cem anos depois, o distrito parece ter cobrado um novo alento cultural. Receamos, porém, que isto seja uma ilusão passageira. Uma espécie de estertor de um corpo moribundo. O panorama mudou muito desde o princípio do século. A sangria demográfica retirou-lhe massa crítica e peso demográfico. A condenação do sector primário e o envelhecimento da população aceleraram a desertificação e, consequentemente, a diminuição do peso social e político. Isto induz a insustentabilidade do crescimento cultural. Receamos, por isso, que a obra do Abade de Baçal seja o canto do cisne de um povo que já foi, um último olhar visto de dentro para dentro. Depois, talvez fique apenas o terreno, como uma espécie de deserto do Tassili, onde investigadores de capacete colonial vêm ver a paisagem (em destruição constante), para fazerem mais umas teorias já sem alma.

Nota às Notas de Revisão O critério dos revisores do presente volume foi abranger um público mais vasto do que os chamados «especialistas». Daí que algumas notas possam parecer superficiais ou demasiado simplistas. De facto, nada se diz que o especialista já não saiba ou saiba de mais. Pensámos antes no cidaMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


xv INTRODUÇÃO

dão comum, no trasmontano curioso de saber coisas sobre a sua terra, no professor e no aluno do Secundário que vão à Biblioteca da vila ou da cidade à procura de dados sobre a história local. Foi esse o público-alvo que privilegiámos. Daí que, em relação às obras gerais, procurássemos referenciar, sempre que possível, a bibliografia existente em português, mais fácil de obter e de entender. O objectivo, foi mostrar onde é que o Abade se mantém actual e onde está ultrapassado. E, sobretudo, procurou-se demonstrar que a investigação sobre a região, com altos e baixos, não parou. E esperemos que não pare mais. Agradecemos ao Dr. João Neto Jacob, Director do Museu do Abade de Baçal, assim como ao Dr. Armando Redentor, as indicações prestadas sobre o paradeiro actual de algumas peças arqueológicas. Ao Dr. Armando Redentor devemos ainda preciosas informações bibliográficas e de crítica epigráfica, sobre algumas das inscrições romanas referidas no texto do Abade de Baçal. No entanto, qualquer insuficiência ou erro, dever-nos-á ser imputado.

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TOMO IX


Aos grandes Mecenas

DR. ANTÓNIO AUGUSTO PIRES QUINTELA DR. ANTÓNIO FRANCISCO DE MENEZES CORDEIRO JOSÉ ANTÓNIO FURTADO MONTANHA DR. JOSÉ VAZ DE SOUSA PEREIRA PINTO GUEDES BACELAR DR. RAUL MANUEL TEIXEIRA DR. VÍTOR MARIA TEIXEIRA

O. D. C. O AUTOR

PADRE FRANCISCO MANUEL ALVES

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I TOMO IX

AO LEITOR

Mais um canto talhado para o monumento ao nosso rincão trasmontano, célula do nosso Portugal, que não pode ser amado sem achegas monográficas elucidativas da sua História. Trata da sua Arqueologia, Etnografia e Arte, com muitas notícias inéditas, capítulos inteiros mesmo, hauridas, não comodamente em trabalhos de gabinete, mas por montes e vales, sem temor de frio, calor, chuva e mil outros incómodos inerentes às excursões, só avaliados por quem a elas se dedica. Não poupei energias mentais, físicas e pecuniárias para que saísse completo, mas «podem estabelecer-se três aforismos no estudo da Epigrafia: rara será a inscrição romana que não dê um ensinamento; que não contenha uma dificuldade de leitura ou de interpretação; e que logo à primeira seja bem copiada» (1). E ainda o mesmo: «apesar do cuidado que consagrei ao presente Catálogo (refere-se ao do Museu Etnológico Português), é provável que contenha muitos erros, quer devidos a dificuldades de matéria, quer porque, para ler inscrições, necessita-se de boa vista, e a minha, na idade em que escrevo, se me vai enfraquecendo. Só um epigrafista consumado, (1) VASCONCELOS, José Leite de, em O Arqueólogo Português, vol. 21 (1916), p. 166. No mesmo sentido fala no vol. 28, p. 143, e no vol. 29, p. 222 e seg., dá, com sincera lealdade, pequenas correcções que o Dr. Wickert fez as suas leituras epigráficas.

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II TOMO IX

AO LEITOR

novo e dotado de qualidades que me faltam, naturais e de ciência, poderá fazer obra acabada. Perdoe o leitor os meus erros» (2). Pelo que me toca, nem sequer posso aspirar a que sejam «estos errores de muy poca importancia y de la especie a que estamos expuestos todos los autores de libros de algun bulto» (3). Ora, quando os mestres assim falam, que dirá quem nem discípulo foi, e apenas ao esforço próprio, à ânsia de pôr em relevo os fastos memoráveis da sua terra, para justificação consciente do amor pátrio, deve a campanha em que milita desde que se entende? Não se ignora que «na sociedade de hoje, mais cheia de um tolo snobismo do que de verdadeira depravação, tudo que seja sofrer por algo de verdadeiramente desinteressado e nobre merece ser votado ao ridículo»; mas também se sabe que «o progresso é obtido pelo homem que faz as coisas e não pelo que discute de que maneira elas não deveriam ter sido feitas», segundo dizia Roosevelt, presidente dos Estados Unidos. Nem obsta a que, como alguns afirmam, Portugal esteja dividido em três classes: «a dos que trabalham, a dos que não fazem nada e a daqueles que, ou inconscientemente ou propositadamente, se limitam a incomodar os que trabalham». Quanto aos puristas, aos zoilos, a essa espécie de míopes intelectuais, como lhe chama o Dr. Júlio Dantas, pulgas de Taine, lombrigas loiras de Brunetière, vamos adiante, que estão no inglório campo (2) O Arqueólogo Português, vol. 28, p. 227. (3) HÜBNER, Emílio, em O Arqueólogo Português, vol. 22, p. 103, apreciando os Miliários do Padre Martins Capela, onde aponta alguns defeitos.

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III AO LEITOR

da sua mesquinhez crítica. «Nam digo isto por confiar que todas as cousas que neste tractado screvo sejam tam certas como eu queria que fossem, porque bem sei que a reprehensam que dou a muitos, essa daram outros a mim: que estas falhas auemos de dar aos engenhos, pois a natureza nenhum criou perfecto» (4). Baçal, ao fresco na varanda, enquanto um grilo domiciliado no canteiro do curral junto à espirradeira, começa de afinar o instrumento para saudar o pôr-do-sol deste caloroso dia 1 de Setembro de 1934; enquanto os quatro casais de andorinhas e respectiva filharada, co-proprietárias estivais da minha casa, dão os retoques finais nas malas de viagem, enviando-me de passo saudosos hii, hii, hiis de despedida, com votos de boa hibernação, legando a faina destruidora das perniciosas moscas e mosquitos ao recém-chegado tralhão, que acaba de se instalar num corrimão; enquanto os irmãos porcos, mai-la bezerra branca, a burra, as galinhas, assomam às portas das lojas abertas por meus sobrinhicos Luzia Alves e Barnabé Alves, acompanhados da sua mãe Maria Cândida Alves, sem receio de afrontar a bicharada moscácea, na busca dos pascigos; e enquanto a semente da camélia mandada pelo amigo Manuel da Cunha Lima, do Porto, aflora à superfície do canteiro do curral, saudando fraternalmente casa e respectiva animalidade, que, além do já dito, abrange mais o cão (Valhadolide), as muchanas Branquica e Ruçanha com seus meninos.

PADRE FRANCISCO MANUEL ALVES

(4) BARREIROS, Gaspar – Corografia, 1561, na «Dedicatória».

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TOMO IX


MUSEU REGIONAL DE BRAGANÇA

1 TOMO IX

O MUSEU REGIONAL DE BRAGANÇA foi criado por proposta do vereador Sebastião dos Reis Macias, aprovada na sessão de 4 de Novembro de 1896, baseada num artigo do coronel Albino dos Santos Pereira Lopo, publicado no Norte Trasmontano, semanário de Bragança, de 29 de Outubro de 1896, em que se reclamava a sua criação; a sua inauguração teve lugar a 14 de Março de 1897. Os membros do Senado, que tão louvável resolução tomaram, foram: major Luís Ferreira Real, presidente, Pedro Augusto Lobo, Sebastião dos Reis Macias, Hermínio Augusto Pereira e José Diogo de Morais, vereadores. O Museu foi instalado no rés-do-chão da casa da Câmara Municipal de Bragança, tendo por director o referido coronel A. Pereira Lopo. Por decreto de 29 de Novembro de 1916 foi criada a Biblioteca Erudita de Bragança, instalada no Paço Episcopal da mesma cidade, constituída pelas livrarias da Mitra, Junta Geral (não chegou a incorporar-se; ficou na Biblioteca do Liceu, onde já estava), Seminário Diocesano, obras literárias possuídas pela Câmara Municipal, etc. Pelo mesmo decreto se criou o Arquivo Distrital de Bragança, anexo à Biblioteca Erudita, constituído pelo cartório do Cabido, documentos dos conventos de S. Bento e Santa Clara de Bragança, Santa Clara de Vinhais, existentes na Repartição de Finanças do distrito de Bragança, documentos provenientes das casas congreganistas de S. Bento de Bragança, franciscana de Izeda, oblatas de Fornos de Ledra e Mofreita, cartórios paroquiais, notariais e criminais, nos termos do decreto de 9 de Junho de 1915, e mais documentação proveniente de repartições extintas no distrito (5). Por decreto de 13 de Novembro de 1915, publicado no Diário do Governo de 4 de Dezembro do mesmo ano, foi criado o Museu Regional de Obras de Arte, peças arqueológicas e numismáticas de Bragança. «Este museu é composto por grande número de objectos de prata, cadeiras de couro, cadeiras de estofo de alto espaldar de estilos diferentes, bufetes, quadros (retratos dos bispos), paramentos, imagens em madeira, camas antigas e outros objectos, que se acham no edifício do Paço Episcopal da mesma cidade e de objectos arqueológicos e numismática, que compõem o Museu da Câmara Municipal, também da mesma cidade, que o oferece ao Museu agora criado» (6). A incorporação do Museu Municipal no Regional só veio a fazer-se pelos anos de 1927, durante a nossa vigência como director. (5) Sobre a história da criação do Museu, ver O Arqueólogo Português, tomo 3, p. 48 e seg. (6) O Arqueólogo Português, vol. 21 (1916), p. 344.

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2

MUSEU REGIONAL DE BRAGANÇA

TOMO IX

LISTA DO «GRUPO DOS AMIGOS DO MUSEU, DOS MONUMENTOS E OBRAS DE ARTE DE BRAGANÇA» [2] Nomes

Moradas

Categorias

Cota mensal

Abílio Moreno ................................. Acácio António Massa .................... Acácio Augusto Mariano ................ Adérito Mendes Madeira ................ Albano de Jesus Falcão ................... Albano Gouveia ............................... Albano Maria Fernandes ................ Alberto Augusto Gonçalves ............ Alberto da Cruz Machado .............. Alberto Augusto Franco ................. Alberto Félix de Carvalho ............... Alberto Rodrigues ........................... Albino Maria Areias ........................ Adolfo Teixeira ................................ Alcino Alves ..................................... Alfredo José Rodrigues ................... Alípio Augusto Falcão ..................... Alípio Augusto Queirós .................. Alípio Saldanha ............................... Alexandre Montanha ...................... Álvaro Leite ...................................... Álvaro Magalhães ............................ Amadeu de Sá Morais ..................... Armando Artur Vergueiro .............. Aníbal Augusto Teixeira ................. Aníbal Pires ...................................... Antero Lopes Navarro .................... António Afonso Terroso ................. António Aníbal de Almeida ............ António Augusto Cordeiro ............. António Augusto Dias .................... António Augusto de Oliveira Dias . António Augusto do Nascimento .. António Augusto Pires .................... António Augusto Pires Quintela .... António Aug. Rodrigues Cepeda ... António Augusto Gonçalves Braga António Augusto T. Pereira ...........

Izeda Lisboa Bragança Aveiro Bragança Bragança Coimbra Bragança Bragança Bragança Madrid Bragança Bragança Lisboa Moncorvo Bragança Bragança Porto Lisboa Bragança Vinhais Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Lisboa Mafra

Médico Tenente infant. Farmacêutico Médico Padre Aman. G. Civil Prof. do Liceu Empr. Finanças Empr. Correios Tesour. da E. P. Cônsul Comerciante Comerciante Farmacêutico Chefe C. Ferro Advogado Comerciante E. de Direito Industrial Empr. Correios Médico Empr. B. Portugal Cap. de inf.10 Empr. Finanças Prof. do Liceu Comerciante Proprietário Cap. reformado Empr. Finanças Ten. de inf. 10 Proprietário Cap. reformado Ten. de inf. 10 Ag. B. Portugal Reitor do Liceu Cons. Reg. Civil Médico Ten. de infantaria

2$50 2$00 5$00 2$50 5$00 1$00 2$50 1$00 1$00 5$00 10$00 2$50 2$00 2$50 1$00 5$00 2$50 5$00 2$50 1$00 2$50 2$50 2$50 1$00 1$00 2$50 2$50 2$00 2$00 2$50 5$00 2$50 1$00 2$50 5$00 2$50 5$00 5$00

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MUSEU REGIONAL DE BRAGANÇA

3 TOMO IX

Nomes

Moradas

Categorias

António Carlos Alves ...................... Porto Desembargador António Eduardo de Faria .............. Mirandela Ten. da G. Rep. António Garcia ................................ Vinhais Advogado António Olímpio Cagigal ............... Lisboa Médico António Augusto Teixeira .............. Bragança Capelão reformado António Bastos Pereira ................... Bragança Pagador O. Públic. António Emílio Rodrigues .............. Bragança Emp. B. Portugal António Gouveia da Silva ............... Bragança Emp. B. Ultramar António José Teixeira ...................... Bragança Tenente-coronel António Júlio Marrana ................... Bragança Director correios António Lino Lopes dos Santos ..... Bragança Prof. do Liceu António Furtado .............................. Lisboa Farmacêutico António de Meneses Cordeiro ....... Saldonha Proprietário António Augusto Magalhães Feijó . Bragança Juiz de Direito António da Purificação Afonso ...... Bragança Emp. B. Ultram. António Tiago Teixeira Lopes ........ Bragança Emp. J. Geral Aquiles Mendes Pereira .................. Bragança Emp. público Augusto César de Carvalho ............ Bragança Marceneiro Augusto César Moreno ................... Bragança Prof. aposentado Augusto Cândido Rodrigues .......... Bragança Emp. B. Ultram. Augusto dos Inocentes .................... Bragança Ten. de infant. 10 Augusto Guimarães ......................... Mirandela Proprietário Augusto da Veiga Valente .............. Izeda Proprietário Advogado Armando Pires ................................. Mac. Cavaleiros Artur Pinheiro Coelho .................... Lisboa Major Artur Camacho Lopes Cardoso ...... Lisboa Desembargador Artur Águedo de Oliveira ............... Lisboa Juiz T. Contas Bernardino Artur de Magalhães ..... Bragança Ten. de infant. 10 Bernardino Guedes de Miranda ..... Bragança Emp. escolar Benjamim dos Santos Lopes ........... Bragança Ten. de infant. 10 Carlos Alberto Teixeira Direito ...... Vimioso Dr. Juiz Carlos Francisco Teixeira ............... Bragança Alferes reformado Camilo Manuel Diz ......................... Bragança Padre Camilo de Sá Morais ....................... Serapicos Proprietário Casimiro António Pissarro ............. Lisboa Comerciante Comp. Nac. dos Caminhos de Ferro Lisboa – Constantino Tavares ....................... Bragança Ten. de infant. 10 Daniel José Rodrigues ..................... Bragança Prof. do Liceu David Augusto Rodrigues ............... Porto General Domingos António Ferreira ........... Bragança Alferes de inf. 10 Domingos Manuel Lopes ................ Bragança Comerciante

Cota mensal

5$00 2$50 2$50 5$00 2$50 1$00 1$00 1$00 8$00 5$00 5$00 2$50 5$00 5$00 1$00 2$00 2$50 1$00 2$50 1$00 2$50 2$50 5$50 2$50 2$00 10$00 10$00 2$50 2$50 2$00 2$50 2$00 1$00 5$00 5$00 41$50 2$00 2$50 2$50 3$00 2$50

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4

MUSEU REGIONAL DE BRAGANÇA

TOMO IX

Nomes

Moradas

Categorias

Domingos Bernardo Vinhas ........... Bragança Professor oficial Domingos Montanha ...................... Arcas Professor liceal Eduardo Augusto Rodrigues .......... Bragança Emp. Junta Geral Eduardo Ernesto de Faria ............... Bragança Advogado Francisco António Carneiro ........... Bragança Coronel reformado Francisco Bastos de Matos .............. Bragança Capitão reformado Francisco Bernardo Falcão ............. Bragança Farmacêutico Francisco Felgueiras Júnior ............ Bragança Dr. Veterinário Francisco Ferreira ............................ Bragança Comerciante Francisco José Martins Morgado ... Porto Médico Francisco Mendonça ....................... Alf. da Fé Capitão de infant. Advogado Frederico Falcão Machado ............. Mac. Cavaleiros Francisco Gonçalves Xavier ............ Bragança Ten. de infant. 10 Francisco Henrique Barbosa .......... Porto – Francisco João Lourenço ................ Bragança Dr. Agrónomo Francisco Manuel Alves .................. Baçal Direct. do Museu Francisco Manuel Gonçalves .......... Bragança Ten. de infant. 10 Francisco Mós .................................. Bragança Médico Francisco Vidal ................................ Bragança Emp. dos Correios Advogado Gualter Rodrigues ........................... Mac. Cavaleiros Herculano Azevedo ......................... Bragança Ten. de infant. 10 Henrique Pimenta ........................... Bragança Major reformado João Alfredo Afonso ........................ Bragança Emp. O. Públicas João Barata ....................................... Bragança Marchante João Baptista Araújo Leite .............. Bragança Major de infant. 10 João Carlos de Sá Alves ................... Bragança Advogado João António Lopes Saldanha ........ Bragança Major de inf. 10 João Gonçalves ................................ Izeda Médico João José Vaz de M. A. Sarmento .. Vale Benf. Ten. do D. R. R. João Pedro de Barros ...................... Bragança Industrial João Xavier da Costa Pina .............. Bragança Ten. de infant. 10 Joaquim Alves da Silva .................... Bragança Ten. de infant. 10 Joaquim Augusto M. Filipe ............ Setúbal E. de Direito Joaquim José Gouveia ..................... Bragança Ten. de infant. 10 Joaquim Guilherme Pinto .............. Bragança Emp. O. Civil Joaquim Maria Neto ....................... Bragança Major de inf. 10 Joaquim Trigo de Negreiros ........... Valpaços Advogado Joaquim Tomás Bramão ................. Bragança Ten. de infant. 10 José António Guerra ....................... Bragança Emp. B. Portugal José António de Morais Parra ........ Bragança Ten. de infant. 10 José Carlos Teixeira ......................... Bragança Chefe de Polícia

Cota mensal

1$00 5$00 1$00 5$00 2$50 1$50 2$50 5$00 1$00 5$00 10$00 5$00 2$50 5$00 2$50 5$00 2$50 2$50 1$00 2$50 1$00 1$00 1$00 1$00 1$00 5$00 1$50 2$50 2$50 2$00 2$50 2$00 2$50 2$50 2$50 5$00 5$00 2$00 3$00 2$00 1$00

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MUSEU REGIONAL DE BRAGANÇA

5 TOMO IX

Nomes

Moradas

Categorias

Cota mensal

José Faria .......................................... José Francisco Esteves ..................... José Fernandes ................................. José Luís Afonso .............................. José Pinto Araújo Rombo ............... José Salazar ...................................... José Joaquim Coelho ....................... José Eugénio Teixeira ...................... José Luís da Cruz ............................. José Furtado Montanha .................. José Manuel Diegues ....................... José Porfírio Gouveia ...................... José Vaz Guedes Bacelar ................. Júlio Augusto Coelho ...................... Júlio Maria Chaves de Lemos ......... Luís António Doutel ....................... Luís Azevedo .................................... Leopoldino Augusto Ramires ......... Lucien Guerche ............................... Luís Carlos Leão Saldanha .............. Luís Emílio Ramires ........................ Luís Macias Teixeira ....................... Luís António Rodrigues .................. Luís dos Santos Ferreira .................. Manuel António Monteiro ............. Manuel Taboada .............................. Manuel Fernandes Torres ............... Manuel Ferreira da Costa ............... Manuel Gonçalves Miranda ........... Manuel João Teixeira ...................... Manuel Jorge de C. Sepúlveda ....... Manuel José Rodrigues ................... Manuel Luís Lopes .......................... Manuel Justino Miranda Raposo ... Manuel Martins ............................... Manuel Ramos Lousada ................. Manuel Ribeiro Miranda ................ Margarido Lopes da Silva ............... Mário Costa ..................................... Mário Pinheiro Coelho ................... Mário Artur Fernandes ...................

Bragança Bragança Vinhais Porto Izeda Mirandela Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bouça Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Lisboa Coimbra Chaves Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Guimarães Bragança Lisboa África Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Lisboa Bragança

Advogado Emp. B. Ultram. Advogado Profes. de Liceu D. da C. Penal Advogado Emp. B. Portugal Director do B. U. Capitão Reformado Agente B. Portug. Cónego da Sé Proprietário Advogado Comerciante Emp. C. Municip. Chefe C. Ferro Ten. de inf. 10 Comerciante Industrial Industrial Major de infant. Médico Notário Comte da Polícia Emp. G. Civil Prof. do Liceu Médico Prof. do Liceu Prof. do liceu Farmacêutico Func. Público Ten. de inf. 10 Comerciante Ten. de inf. 10 Comerciante Comerciante Inspector Escolar Emp. público Prof. do Liceu Emp. público Ten. de inf. 10

2$50 1$00 5$00 2$00 2$50 2$50 2$50 2$50 1$00 5$00 1$50 2$50 10$00 2$50 2$50 1$00 2$50 1$00 5$00 2$50 2$00 2$50 2$50 5$00 2$50 1$00 2$50 1$00 5$00 2$50 10$00 1$50 2$50 5$00 5$00 1$00 2$50 2$50 5$00 2$00 1$00

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TOMO IX

Nomes

Moradas

Categorias

Cota mensal

Marcelino de Castro ........................ Maurício F. Afonso ......................... Miguel B. Rodrigues da Costa ........ Nuno da Cunha Pimentel ............... Olímpio Artur de Oliveira Dias ..... Raul Manuel Teixeira ...................... Roque António Lopes da Silva ....... Salvador Nunes Teixeira ................. Teófilo de Morais ............................ Tito Cruz .......................................... Tito Sendas ...................................... Visconde das Arcas .......................... Vítor Maria Teixeira .......................

Vila Real Bragança Rio Tinto Bornes Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Bragança Arcas Lisboa

Comerciante Alferes reformado Tes. F. Pública Proprietário Engenheiro Dr. Juiz Sec. de Finanças Cap. G. Fiscal Major de inf. 10 Emp. B. Portugal Inspector Escolar Proprietário Médico

2$50 2$00 2$50 10$00 2$50 10$00 5$00 5$00 1$00 1$00 2$00 10$00 4$50

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DEVOTADOS REGIONALISTAS QUE TÊM OFERECIDO DÁDIVAS AO MUSEU REGIONAL DE BRAGANÇA, QUE MUITO SE AGRADECEM 1925-1932 (7) Paulino Fernandes, de Varge, um cântaro de madeira, aferido, antiga medida legal do concelho. Carmelina Morais, de Baçal, um quartilho de madeira. Padre Albano Falcão, de Bragança, um punhal e uma lucerna romana (imitação). Padre Manuel Cardoso, pároco de Vila Chã de Braciosa, o manequim de um suíço da guarda pontifícia, com o respectivo uniforme delineado por Miguel Ângelo, e um relatório da sua peregrinação a Roma em Outubro de 1925. Carrazedo, de Samil, duas moedas de cobre – uma espanhola e outra indiana. Padre Francisco Manuel Alves, director do Museu, uma placa de alabastro do Vimioso, tala do foro de Calabor, do gado e das esmolas, véus do cálice com teses de direito canónico e filosofia (quatro), dois pares de castanholas, uma bala de artilharia antiga, três ornatos em talha de madeira, referentes à evolução da suástica, um tinteiro de corno com areeiro e canudo para meter a pena (três peças diferentes que encaixam umas nas outras), próprio para andar no bolso. José Augusto Santos, 1° sargento, uma moeda de prata antiga. Salomão Pinto Machado de Barros, empregado da Caixa Geral de Depósitos, em Bragança, duas moedas de prata espanholas. Luís José de Carvalho, negociante, de Bragança, uma adufa de antiga janela. Padre Camilo Diz, de Bragança, seis moedas portuguesas, de prata e cobre. Carlos de Deus Roque, estudante do Liceu, natural de Gouveia, concelho de Alfândega da Fé, uma moeda de prata de 240 réis. Francisco Gonçalves Xavier, tenente, uma edição antiga de Fábulas de Fedro, com o texto em latim e grego. Augusto Mesquita, empregado ferroviário na estação de Bragança, uma pistola antiga. Fausto Ramos Zoio, de Bragança, alguns opúsculos de Francisco Xavier Gomes de Sepúlveda, abade de Rebordãos, e uma moeda de cobre do Montenegro, cunhada em 1900. (7) Os nomes dos beneméritos que ofereceram objectos anteriormente, constam de O Arqueólogo Português, tomo 3, p. 54, 99, 155 e 244, e tomo 4, p. 154.

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José Francisco Cordeiro, um rosário monumental de Lurdes, contas de madeira trabalhada. Álvaro Augusto Borges, de Bragança, meio bronze de Octaviano César Augusto. Padre Camilo Diz, mais oito moedas portuguesas de prata e cobre, encontradas na sua propriedade, junto às muralhas da Vila (Bragança). Álvaro Mós, de Bragança, uma banda de seda com borla de prata, de uma freira, obtida em São Julião, deste concelho, em casa da família Quintanilhos, que, segundo ela refere, era de uma freira da mesma família que foi abadessa de um convento. Ana Folgado, de Baçal, um lindo botão de metal amarelo, do regimento de infantaria n° 24, da guarnição de Bragança. José Leal, de Sacoias, um machado neolítico, encontrado no termo da povoação. António Sendas, de Sambade, seis moedas de cobre portuguesas, uma espanhola e 80 réis de prata de D. João V. Manuel dos Santos Salgado, de Travanca, concelho de Macedo de Cavaleiros, chefe de Finanças, uma moeda de prata do imperador romano Antonino Pio. Américo Gouveia, de Bragança, uma moeda de prata de D. Pedro II. Domingos António Ferreira, de Bragança, aspirante a oficial do exército, uma medalha antiga. Dr. Daniel José Rodrigues, de Varge, professor de inglês e alemão no Liceu de Bragança, um interessante tinteiro de bronze em forma de cão, posto de pé, com casaca de gola alta, moda de 1820. Dádivas obtidas por intermédio do director do Museu Francisco Manuel Alves: Moeda de cobre de D. Sebastião, encontrada na Senhora da Hera, em Cova de Lua. Bula da erecção da confraria em Sacoias. Pergaminho contendo uma venda de propriedades em Vila Meão, feita a D. Viviano, abade do dito convento, ao mosteiro de S. Martinho da Castanheira (Espanha) por Pedro Mouriz em 1281. Testemunhas: vários indivíduos de Baçal e de S. Julião. Autorização régia e ordem em 1785 para dos frutos da comenda de Rio Frio da Carragosa se fabricar um Sacrário para em Montesinho, pertença daquela comenda, haver Sacramento. Autorização régia em 1802 para em Montesinho e Portelo haver em cada ano seu cura que paroquie, estas duas povoações. Título de venda em papel branco feito em 1685 de propriedades sitas em Santa Cruz, termo da Vila de Paçó. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Procuração feita em papel comum em 1583 por Gregório Teixeira, abade da igreja paroquial de S. João de Bragança, reitor do Colégio de S. Pedro da mesma cidade, para um seu procurador receber em Lisboa, na casa da Índia, certos dinheiros do Colégio. Procuração feita em 1800 em Vinhais por António Rodrigues, viúvo, de Vilar de Ossos, para vender um casal. Carta de 1770 ao Reverendo Doutor Manuel de Miranda por Caetano Mendes Tenreiro, de Espadanedo. É interessante, por se referir a devassas a tirar acerca do comportamento moral e ligações ilícitas de pessoas viúvas e já velhas da mesma povoação de Espadanedo. Cópia antiga de um alvará de D. João VI referente a ordens religiosas. Cópia antiga dos estatutos (só em resumo) da Irmandade das Chagas de Freixiel, fundada em 1718 por bula de Clemente XI. Título de venda feita em 1746 pelo Padre Pedro Gonçalves, morador em Vinhais, a José de Morais Sarmento, também de Vinhais, de uns terrenos sitos no moinho do Perigo, limite daquele concelho. Título de quitação de uma dívida feita em Vinhais em 1774. Documentos referentes às Guerras da Aclamação (1640-1668), fornecidos pelo abade de Arzadegos (Espanha), D. José Garcia. Folha costaneira do «Livro de Soeira», referente às revoltas das freiras da Santa Clara de Bragança, que mencionámos ao tratar delas no tomo II destas Memórias. Manuscrito de Vilar Seco de Lomba. Veio do Governo Civil de Bragança. José Mirandela, Bragança, seis moedas de prata e uma de cobre (quatro portuguesas e duas espanholas). Francisco António Pires, estudante, de Bragança, uma moeda de cobre de D. Pedro V e outra árabe. João Garcia, de Sacoias, um meio bronze romano de Augusto muito bem conservado, cunhado em Colónia Cesaraugusta, tendo por emblema um touro e uma fíbula romana, tipo circular, tudo admiravelmente bem patinado e conservado. São dois objectos de valor. Francisco Manuel Alves, abade de Cicouro, um pataco de el rei D. Miguel. Alice de Jesus Alves, de Bragança, um ceitil de D. João I, encontrado em 1928 dentro do recinto da vila (Bragança). José Montanha, a lápide votiva de Viboni, que estava em Cova de Lua em casa de João Fontes. Interessante por ser desconhecido o nome do deus. Padre Manuel José da Ressurreição Palmeiro, a lápide funerária de Donai da Docie Reburrina, interessante por apresentar a grafia de dois ii valendo é. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Doutor Daniel José Rodrigues, um livro manuscrito de teologia moral sobre os sacramentos, de 139 páginas (páginas e não fólios), seguidas de várias em branco. Pinto Machado, por intermédio de José Montanha, uma Verónica, em cobre ou latão, representando S. Francisco Xavier, e do lado oposto um índio convertido. D. Cândida Florinda Ferreira, professora, um medalhão de marfim, do Ambi, província de Angola, para retrato; uma pulseira de pêlo de elefante e um cinzeiro de bronze, fundido, com figuras. Doutor Raul Manuel Teixeira, um machado neolítico e uma pedra de afiar. Padre Francisco Manuel Alves, director do Museu, duas moedas de cobre. José Leal, de Sacoias, uma carteira de trazer em cinturão. Arlindo Costa Santos, estudante, de Fiolhal (freguesia do Castanheiro), Carrazeda de Ansiães, um pataco, 10 réis de D. João V, uma moeda da Argentina e uma chapa de cobre representando o naufrágio de um navio francês. José Montanha, um dinheiro de D. Dinis. José Ligeiro, de Sacoias, uma moeda de cobre antiga. Padre Vítor Fortunato Botelho, uma moeda do tempo dos Filipes. Albino dos Santos Pereira Lopo, coronel, lápide da JVMURIA. Anastácio Peixoto, de Bragança, duas moedas de cobre. Armando Pinto Machado, mestre de carpintaria da Escola Industrial de Bragança, uma moldura de quadro ou oratório antigo. Padre Augusto César Pais, de Travanca, Mogadouro, pároco de Miranda do Douro, vinte e cinco moedas de cobre do tempo dos Constantinos. Joaquim Feliz José Gouveia, tenente de infantaria n° 10, um ceitil, uma moeda de prata de Fernando VI de Castela, uma moeda moderna brasileira e 10 réis em cobre. O mesmo ofertou por várias outras vezes diversas moedas. Luís José de Carvalho, um areeiro de barro preto e dois manifestos, impressos, dos estudantes da Universidade de Coimbra de 1862 e 1864 com os nomes dos ditos. João do Nascimento Pires, de Urrós, um machadinho neolítico de sílex, manchado de preto, encontrado em Meireide, e uma sacha de ferro cordiforme, encontrada no mesmo sítio. Um raspador neolítico de sílex, de secção trapezóide, um denário de Júlio César, cunhado em Geronda (Espanha), um denário de Galieno, tudo encontrado no termo de Urrós, bem como um machado de cobre, tipo cuneiforme. Francisco José Martins, inspector das Agências do Banco de Portugal, sete quilos e meio de moedas de cobre e de prata, portuguesas, estrangeiras e romanas, algumas de muito valor, oferecidas por intermédio de José António Furtado Montanha. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Rogério Afonso, major, um vintém de prata de D. Manuel I. Doutor José Vaz de Sousa Pereira Pinto Guedes Bacelar, nobre fidalgo da Bouça, vinte pedras de granito pertencentes ao portal de uma antiquíssima capela de Vale de Telhas, já derrubada, que se encontravam fazendo parte da parede de uma casa de habitação que teve de apear e reconstruir à sua custa, com dispêndio de alguns milhares de escudos. Estas pedras pesam perto de cinco mil quilos, e, pelas esculturas ornamentológicas, figuras humanas e bestiário que contêm, são de alto valor para documentar a tradição de uma arte popular trasmontana, que através dos séculos vem derivando das insculturas rupestres e do totemismo tipificado na Porca da Vila de Bragança e similares. Que valor e grandeza de alma representa a oferta do Doutor José Bacelar! Deu mais uma cruz com embutidos de madrepérola e um pequeno tríptico com pinturas em cobre e ferro. Francisco Bernardo Falcão, farmacêutico de Bragança, por intermédio de José Montanha, cento e dez moedas, entre as quais vinte e cinco portuguesas, de prata, algumas romanas e raras. António Augusto Gomes, guarda fiscal reformado, de Rebordãos, um cinzeiro, umas tesouras primitivas de enxertia pelo sistema de fenda inglesa. Francisco António Dias, de Paçó, Vinhais uma moeda de prata de Tibério, encontrada no termo da sua povoação. Doutor José Leite de Vasconcelos, uma sacha (sarculum) romana e uma relha de arado, também romana, tudo de ferro, encontrada nas ruínas romanas de Gimonde. Armando Vítor Silva Estácio, de Freixo de Espada à Cinta, uma moeda árabe de prata. Álvaro Lopes Pereira, duas moedas portuguesas do tempo de el rei D. João I. Francisco Manuel Fernandes de Matos, professor, um pondus de barro, duas moedas portuguesas e um manuscrito de versos. Doutor José Manuel dos Santos Silva, de Bragada, concelho de Bragança, Delegado do Procurador da República na Índia Portuguesa, uma moeda de ouro do imperador Sétimo Severo, encontrada juntamente com mais doze, também de ouro e romanas, dentro de um vaso de barro, a um metro de profundidade, na região de Pondá (Índia). António Maria Teixeira, de Lamalonga, pela notável dedicação com que auxiliou a remoção do miliário encontrado nesta povoação para o Museu Regional de Bragança. António José Teixeira, major, comandante do regimento de infantaria n° 10, seis moedas de cobre portuguesas (D. Fernando e D. João I), encontradas no sítio chamado Cidade, termo de Mascarenhas, concelho de Mirandela; um cossoiro, notável pelos ornatos em chevron que apresenta no bojo esférico e pelo círculo pontoado que envolve de um e outro lado o MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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orifício central; um cone truncado de granito com 0,16m de altura por 0,135m de diâmetro na base, com um orifício na parte superior, como que indicando serviço de peanha ou mísula, ornada por duas linhas em ziguezague, uma junto ao cimo, outra em volta da base, e mais uma fíbula de bronze, bem patinada e integralmente conservada, tipo de s minúsculo cursivo, similar tipologicamente a duas outras fíbulas encontradas em Donai, concelho de Bragança, e oferecidas ao Museu pelo Padre Manuel José da Ressurreição Palmeiro. António Joaquim Gonçalves Xavier, de Rebordãos, uma lápide funerária romana. Salvador Nunes Teixeira, capitão. Além do valioso auxílio que, como presidente da Câmara Municipal de Bragança, tem prestado ao Museu, sublima-se a sua benemerência na aquisição de peças de alto valor artístico, que, sem a sua dedicação, tarde ou nunca se conseguiriam. D. Maria Eduarda de Albuquerque do Amaral Cardoso de Lencastre Fragoso e marido capitão Tomás Augusto Salgueiro Fragoso, Governador Civil de Bragança, uma chávena e pires de porcelana brasonada, armas da família. O marido ofereceu mais um machado neolítico, encontrado no Cerco, termo da Cisterna, concelho de Vinhais, uma moeda ibérica com a legenda nesta língua, a primeira deste género que teve o Museu, encontrada no termo de Peredo, concelho do Mogadouro, e uma estela discóide, de marco, ilegível por gasta nas letras, encontrada no Castelo de Oleiros, termo de Bemposta, concelho do Mogadouro. Eduardo Vaz de Quina, de Argozelo, vários manuscritos do século XVII. Majores Artur CoeIho e João Leite, tenentes Joaquim Gouveia, António Pilão e António Nascimento, membros da Comissão Administrativa da Junta Geral do Distrito de Bragança, um precioso tecto em talha D. João V, que estava numa cela do antigo convento de S. Bento de Bragança. É justo memorar aqui a competência artística do entalhador António Joaquim Graça, de Bragança, que o assentou numa sala do Museu, depois de lhe fazer as necessárias reparações. Luís dos Santos Ferreira, tenente-comandante do Corpo de Polícia de Bragança, valiosos serviços prestados ao Museu. João de Deus Fernandes, de Bragança, uma medalha de cobre com a legenda «Sante P. Ignati S. I. Fundator ora pro nobis ad major Dei Gloriam», em volta da efígie do santo, e no anverso, dentro de uma coroa entrelaçada, o monograma I H S. António José Monteiro, de Bragança, um carimbo com as armas dos Ferreiras, um pataco de el rei D. João VI, uma folha de papel timbrado com o retrato de el rei D. Manuel II, uma letra comercial de 100 réis de el rei D. Luís, 5 réis do mesmo monarca, quatro moedas portuguesas, um peso do MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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tabaco, uma balancinha de latão da seda, outra balança maior com pratos de metal e um punhal pequenino, tipo estilete. Doutor Casimiro Henriques de Morais Machado, do Mogadouro, a lápide funerária de Protheus e diversos manuscritos. João José Vaz de Morais de Abreu Sarmento, uma tese impressa em seda, uma cadeira de couro gravado, uma arca com ferragens antigas, armas de fogo antigas e três punhais de bronze (neolíticos), encontrados na serra de Monte Mel (Bornes). José Montanha, vários documentos, oficiais com trocadilhos patuscos. Padre Manuel António Fernandes, pároco de Salsas, vários artefactos de valor etnográfico, uma bula em pergaminho e umas teses impressas em seda. Câmara Municipal de Moncorvo, medidas-padrão de bronze para líquidos, mandadas adoptar por el rei D. Sebastião em 1575, como indica o respectivo letreiro. Compreendem as seguintes peças: cântaro, meio cântaro, canada, meia-canada e quartilho. Para complemento desta colecção, falta uma peça que foi levada para Vila Real por um oficial do exército, em serviço de inspecções naquela localidade. Idem, idem, para sólidos. Compreendem: alqueire e meio alqueire, com os respectivos rasouros, tudo bronze. Peças raras e de valor. Augusto da Costa Pessoa (dos condes de Vinhais), Mirandela, um manuscrito antigo. Amadeu Humberto de Sá Morais, tenente, serviços eficazes na consecução da ara do Deus Aerno, de Malta, e na fíbula de ouro, duas raridades de valor primacial. João Manuel Gil Pereira, reitor de Ousilhão, a ara do deus Elanicus. É consolador ver o que representam todas estas dádivas em dedicação, nobreza de sentimentos e compreensão do valor científico e cívico dos museus, como escolas de educação artística e mental, destinados a guardar os autênticos brasões dos diversos povoados; os legítimos títulos da sua glória, obstando assim ao seu descaminho, como tem sucedido a tantos, desaparecidos ou estupidamente vandalizados. Sim, porque «os monumentos arqueológicos são quase sempre o pergaminho nobilitante de uma vila, cidade, província e mesmo de um reino» (8). Esta dedicação sobe de ponto, se nos lembrarmos que ali, em Paçó, de Vinhais, está a servir de batente à porta de uma loja de bois, uma peça granítica esculturada do seu pelourinho, símbolo do poder jurisdicional da terra e do seu título nobilitante de vila; se nos lembrarmos que além, em Sesulfe, anda aos trambolhões pelas estrumeiras das ruas, uma pedra de armas esculpida; se nos lembrarmos que acolá, em Faílde, sofre vandálicos (8) ARAGÃO, Teixeira de, O Arqueólogo Português, vol. 8, p. 185.

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tratos a escultura zoomorfa de uma porca idêntica no tipo à da Vila, intramuros da cidade de Bragança (adiante, no artigo Porcos, diremos do valor destes monumentos), que os vadios asselvajados se entretêm, por brincadeira estúpida, a lançar às poças e charcos da povoação; se nos lembrarmos que mais além, em Outeiro, enterraram malevolamente uma peça de artilharia, que jazia ao abandono no campo, logo que se lhes falou nela para a resguardar no Museu: se nos lembrarmos... se nos lembrarmos... Sobe de ponto, dizemos, pela tristeza que causa a tacanhez dos que assim procedem, adindo, para complemento, oposição estúpida ao ingresso dessas antigualhas, com tanto desprezo e abandono tratadas, no Museu, onde, utilizando ao bem geral, documentariam a nobreza dessas terras, preferindo antes enterrá-las ou destruí-las, sem se lembrarem que assim, além da triste ideia que dão da sua fraca mentalidade, desfalcam o património artístico da nação, a quem tais monumentos pertencem, embora acidentalmente se achem na posse de tão néscios proprietários; roubam os bens de todos nós, porque o Museu não é de Bragança, mas sim de todo o distrito, de todo o país, de todos quantos lá querem ir estudar. Honra, pois, aos Beneméritos do Museu e à sua culta mentalidade! Honra aos que não têm mentalidade de preto! O Museu Regional de Bragança abrange as seguintes secções: neolítica, epigráfica, numismática e etnográfica [3]. A secção neolítica acha-se representada abundantemente por exemplares de pedra polida – machados, facas, percutores, raspadores, etc.; a época do cobre, por machados e manilhas; a do bronze, por machados de diversos feitios, lanças, etc.; a do ferro, por fíbulas, em que se salientam, pela sua factura, ornamentação e variedade tipológica, uma preciosa colecção, onde avulta uma de ouro, seguramente a mais preciosa das existentes em Portugal. A secção epigráfica, sem dúvida a melhor dos museus de província portugueses, consta de sessenta e duas lápides, além de outras medievais portuguesas. As romanas agrupam-se nas categorias: votivas, miliárias, honoríficas e funerárias. As votivas têm especial importância pelas divindades indígenas que comemoram; as miliárias, pelas provas que trazem à solução do magno problema referente à trajectória da estrada militar romana de Braga a Astorga, tão discutida pelos arqueólogos mundiais, e as funerárias, pelos nomes regionais que apresentam, pela ornamentação e factura, distinguindo-se particularmente as estelas discóides em arco de ferradura e o bestiário simbólico que muitas ostentam. Na secção etnográfica há pintura, escultura, gravura, tecelagem, bordados, lhamas, brocados, mobiliário, cerâmica, serralharia, ferragens, pratas lavradas e armoriadas. Nesta secção merece atenção especial a Sala Mirandesa, pelos manequins com o típico trajo regional; pelas rocas de fiar MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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com ornamentação tradicional, que evoca a arte rupestre neolítica, e ainda pela tecelagem, que parece derivar dos ornatos da mesma época. São também muito para ver os dois freios das mulheres maldizentes (9) e a medida de bronze, tanto para sólidos como para líquidos, do tempo de el rei D. Sebastião. Destacam-se ainda nesta secção vários artefactos em ferro forjado, como aldravas, pica-portas, ferrolhos, batedores de portas, fechaduras, puxadores, etc., representantes tradicionais das velhas serralharias bragançanas, tão celebradas nos séculos XVI e XVII, hoje reduzidas a alguns artistas curiosos, que, sem preparação nenhuma, mantêm, por efeito da tradição, a serralharia artística, principalmente em terras mirandesas. É verdadeiramente interessante a forma destes objectos. Assim, um pica-porta, formado por uma cobra disposta com verdadeira arte; outro por um lagarto; as aldravas dispostas com evidentes intentos de imitação fálica, recordam claramente supervivências de milenários cultos naturalistas: a ofidiolatria, de que tão abundante documentação resta no distrito de Bragança, como adiante se verá testemunhada pelas insculturas rupestres. Como esta perduração na arte popular de modalidades étnicas que se supõem desaparecidas assombra e dá que pensar! Quem ensina ao pastor, à tecedeira, ao serralheiro bragançano a fixar na roca de fiar, no canhão de fazer meia no tapete, na colcha, no ferro forjado, motivos ornamentológicos, lavores exóticos, representativos de dogmas culturais desaparecidos há milénios?! Mistérios grandiosos da natureza humana! Encanto irresistível da etnografia! A Biblioteca Erudita, adjunta ao mesmo Museu, consta de 5.298 volumes impressos, entre os quais se destacam alguns pela raridade, antiguidade, arte gráfica e correlativas, além de preciosos, muitos, para estudos de exegese bíblica. O Arquivo Distrital, também adjunto ao Museu, compreende 1.448 volumes ou maços de documentos, entre os quais dez volumes em pergaminho e noventa pergaminhos avulsos desde princípios do século XIII por diante, tudo interessantíssimo, não só para a história da região, mas também para a do país e, de modo especial, para a das Guerras da Aclamação, Guerra Peninsular e lutas liberais, bem como para a história da arte, pelas iluminuras que muitos encerram e pelas notícias que fornecem referentes às obras dos monumentos arquitectónicos [4]. A interessante fíbula, atrás referida, de que não foi encontrado o fusilhão, é de ouro martelado, pesa quarenta e cinco gramas e foi encontrada no sítio chamado Estrada, termo de Vinhas, concelho de Macedo de (9) Ver a descrição de um deles no Elucidário, de Viterbo, artigo «Zegoniar».

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Cavaleiros, em Novembro de 1930, quando arrancavam um castanheiro. Por único ornato, apresenta no extradorso três filetes longitudinais relevados. Tipologicamente engloba ao lado de outras encontradas em Sabroso (10) apresentando contudo ao pé, não roliço, com ressaltos esféricos, mas em forma de pirâmide e plinto quadrangulares [5]. Pierre Paris (11) dá como ibérica e pré-romana uma fíbula muito semelhante a esta. Trata-se, pois, de uma peça de grande valor e raridade, porquanto parece que em Portugal só há outro exemplar no Museu Etnológico, mas de menos valor. Tem ainda enorme interesse regional por documentar a opinião já corrente «de que a região trasmontana foi em tempos antepassados o centro de uma população magnificente com manifesta predilecção pelos enfeites artísticos e caros» (12). O mesmo, falando da pobreza ornamentológica das fivelas de outras regiões, acrescenta: «Apenas Trás-os-Montes, como sempre, se destaca; sem transgredir as linhas do tema Fíbula de ouro de Vinhas geométrico [quer dizer que a ornamentação é geométrica], ostenta superior opulência de desenhos, mais fecunda inventiva, maior variedade artística» (13). Tipologicamente, relaciona-se com outras fíbulas ibéricas já conhecidas (14). José Fortes, falando da fíbula de prata aparecida no Mogadouro [6], diz que é de interesse e valia, «não porque revele um tipo local, inédito, ou documente uma influência civilizadora que se não houvesse ainda assinalado por outros característicos; menos porque tenha particular destaque na

(10) CARDOSO, Mário – Citania e Sabroso, «Notícia descritiva», 1930, p. 58. (11) PARIS, Pierre – Essai sur l’art et l’industrie de l’Espagne primitive, vol. 2, plana VIII I, p. 245-247. (12) FORTES, José – Fíbulas e Fivelas, 1904, p. 3, separata do vol. 9 de O Arqueólogo Português. (13) Portugália, tomo 2, p. 25. (14) CARTAILLAC – Les âges préhistoriques, p. 277, 299. PARIS, Pierre – Essai sur l’art et l’industrie, vol. 2, 16. DÉCHELETTE – Sur la chronologie préhistorique de la Péninsule Ibérique, 1909, p. 52. VASCONCELOS, José Leite de, O Arqueólogo Português, vol. 24, p. 105. FORTES, José – As Fíbulas do Noroeste da Península. «Portugália», tomo 2, p. 15 e seg.

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série conhecida, por acidentes decorativos de notável originalidade, ou date com precisão rigorosa um estádio de cultura de que proceda. Mas porque é o primeiro modelo do norte que se colige manufacturado em um metal nobre, e ainda porque aflui a confirmar o facto já vislumbrado de que a região trasmontana foi em tempos antepassados o centro de uma população magnificente, com manifesta predilecção pelos enfeites artísticos e caros» (15). Ainda o mesmo, falando, em geral destes artefactos, diz que as fíbulas trasmontanas se «distanciam de todas as congéneres pela opulência e originalidade das decorações e por episódios arquitectónicos relevantemente discordantes» (16) [7].

BRÁCTEA DE SIRACUSA Como prova da magnificência trasmontana pelos enfeites caros e artísticos, segundo afirmam os arqueólogos em face dos achados que vão aparecendo, damos aqui notícia de uma bractea encontrada em 1840 nos arredores de Bragança agora pertencente ao Museu Municipal do Porto [8]. É de ouro e representa «a cabeça de Aretusa (ou Perséfona?), coroada de folhas de trigo e rodeada por quatro golfinhos. As bracteas são em geral lâminas de ouro batido Bráctea de Siracusa e estampado, com orifícios permi(encontrada nos arredores de Bragança) (15) FORTES, José – Fíbulas e Fivelas, 1904, separata de «O Arqueólogo Português», vol. 9. (16) FORTES, José – As Fíbulas do Noroeste da Península, p. 20. Sobre o assunto, ver PINTO, Rui de Serpa – As Fíbulas do Museu Regional de Bragança, separata dos «Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia», vol. 5, fasc. 1, onde se relaciona e descreve toda a

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tindo a sua prisão ao vestuário. Usadas pelos gregos e romanos nos trajes de luxo (vestes auratae), encontram-se muitas vezes nas sepulturas, parecendo que representavam papel de amuletos (17). Pelo «cunho é igual aos dos célebres decadracmas de Siracusa, com a mesma legenda Siracusa e a assinatura do governador Evaineto em caracteres gregos». Hübner apresenta a questão: «ou esta pequena obra de arte é mais um testemunho da exploração imemorial de minas de ouro no Tejo, Douro e Minho por gregos siciliotas (Plínio, História natural, 4, 20, 112; Estrabão, 3, 4, e Itinerário de Antonino, 423, 6), ou devemos supor que o velho mundo chegou ao extremo ocidental, em tempos tardios, através dos romanos». O Doutor Serpa Pinto, a quem vamos seguindo, acha «preferível a hipótese de se tratar duma peça importada, possivelmente pelos romanos: tanto mais que os achados arqueológicos não se pronunciam a favor de colonizações gregas. De restos gregos em Trás-os-Montes podemos somente citar o célebre recinto sagrado de Panóias [9] e uma moeda de Thurion, encontrada em Sabrosa e depositada no Museu Municipal do Porto (18).

ESTELAS DISCÓIDES (19) Como no Museu Regional de Bragança abundam as estelas discóides, julgamos conveniente transcrever os seguintes esclarecimentos: «Segundo muitas crenças, quando o homem morre, verifica-se a divisão entre o seu corpo e a alma. Alguns destes componentes ficam na sepultura; outros empreendem uma larga viagem a mundos fabulosos, que guardam sempre certo parentesco com a terra natal; outros, finalmente, podem quedar-se perto do cadáver, do seu túmulo, ou da sua casa, conservando o poder de influir, para bem ou para mal, sobre a vida e negócios dos sobreviventes. Para realizar a penosa viagem, ou, simplesmente, para prosseguir com regularidade na sua vida de além-campa, o morto necessita de ajuda dos que ficaram sobre a terra. O culto dos antepassados, que é a base da

colecção fibulógica do Museu Regional de Bragança, que constitui, segundo ele diz, «o mais perfeito núcleo regional dos nossos museus». (17) PINTO, Rui Correia de Serpa – O Tripeiro. Porto. vol. 1, n° 171 (1930), p. 15, a quem agradecemos a gentileza de nos haver cedido a fotografia que vai junto da bráctea. (18) Ibidem. (19) As estelas discóides são antropomórficas, isto é, têm certa semelhança com a figura humana.

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maioria das religiões, explica-se assim, facilmente, como o cumprimento dos deveres exigidos aos vivos pelas suas crenças acerca da vida além-terrestre. Não foi só o amor dos mortos que originou estes cultos, mas em muitos casos o medo, o desejo de ofertar o espírito do morto, de aniquilar qualquer união possível entre ele e os viventes. Para exemplo, pode apontar-se a incineração, praticada em diversos tempos e variadas regiões do globo, a qual foi sempre considerada um dos remédios mais seguros de protecção contra os espíritos malignos, que tanto terror causavam a todos os povos primitivos. A elaboração das estátuas funerárias foi, de princípio, uma das mais profundas expressões da crença na vida de além-campa. A ideia de representar a figura do falecido encontra-se em todas as partes do mundo, seja para atrair e conservar, nessa imagem, a alma errante do morto, que poderia ocasionar danos a vivos e finados, seja para proporcionar ao espírito uma figuração mais duradoura do que o próprio corpo. A ideia de levantar monumentos comemorativos do falecido, essa é relativamente moderna. Houve tempo em que na Península Ibérica se confeccionaram também figuras representativas dos mortos. De tais figuras e das suas transformações, que são estelas discóides é que nos vamos ocupar. Estas estelas discóides pertencem, indubitavelmente, ao número dos monumentos funerários mais interessantes da Península e aparecem em todo o território dela... a estela discóide, na sua forma definitiva, existiu na Península Ibérica já alguns séculos antes de Cristo. (...) Os adornos primitivos de algumas estelas pertencem, indubitavelmente, ao grupo dos desenhos para encher, que aparecem sempre, em certa fase das estilizações, a ocupar as suas superfícies desnudadas pelo desaparecimento dos símbolos; a sua função é somente preencher a superfície do disco da estela. Talvez as gravuras da estela 5-I representem uma degeneração das linhas de um rosto (20). As estelas discóides abundam no território basco-francês, onde se encontram principalmente nos cemitérios rurais, em volta das igrejas. Na maioria, as estelas bascas aparecem ornadas de desenhos geométricos puramente decorativos, muitas vezes inspirados pelo simbolismo religioso, como a cruz, monograma de Cristo; de estelas, flores estilizadas, suásticas, multiraiadas, etc.; e de figuras geométricas dificilmente compreensíveis... algumas têm esculpidas ferramentas de ofício. (20) Adiante, nas lápides nos 29, 30 e 40, vêem-se destes ornatos de encher, e nos nos 37 e 46 a figura do rosto humano.

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Encontram-se também estelas discóides em outras províncias de Espanha, como por exemplo em Calaceite, em Cretas e muitos povos do Baixo-Aragão, na região de Castellon, de Segóvia, etc. Formam, juntamente com as de Portugal, um grupo comum de estelas discóides ibéricas, que vêm desde as mais antigas, de Clunia (21), até às dos séculos XV e XVI, e talvez mais modernas, de Portugal, Províncias Vascongadas e Navarra (...). Todas estas estelas discóides apresentam um tipo uniforme (...). Aparecem na Síria estelas do mesmo tipo das do século V da nossa era e descobriram-se em Pompeia monumentos parecidos (...). [As estelas discóides] comprovam a sua derivação da tosca representação da figura humana. Bem claros, na parte superior de um certo número delas, os traços de caras, aparecem noutras já estilizados, embora reconhecíveis. De princípio nas estelas mais antigas, a cabeça guarda proporções harmoniosas com o corpo, representado por um quadrilátero. Mas, desde o momento em que o disco que coroa a estela perde a sua significação de cabeça humana e serve de simples campo de ornamentação, vemos constantemente aumentar a sua superfície. Concomitantemente, o corpo da estela diminui e, por fim, degenera num pezinho estreito que, em alguns casos, desaparece por completo debaixo da terra (...). A degeneração de estela discóide em adornos diversos, que, com o andar do tempo, vão perdendo a sua significação primitiva, segue, afinal, o mesmo caminho, percorrido ainda hoje pelo espírito, a qualquer raça que pertença, nas estilizações populares. Para a nossa análise, utilizaremos as estelas procedentes da ampla região da bacia do Douro, publicadas pelos Srs. Fidel Fita, Gomez Moreno, Pereira Lopo e Leite de Vasconcelos [são as de Picote e Lagomar do Museu de Bragança]. Todas estas estelas pertencem ao mesmo grupo e procedem de um período de romanização em que os indígenas haviam adoptado a língua, a escrita e as fórmulas dos dominadores, mas em que se conservava, bem vivo, um fundo peculiar de tradições. Na parte superior da maioria delas, vemos claramente gravadas as estelas discóides com os seus ornatos de suásticas multiraiadas, os quais, como atrás deixamos dito, surgiram sobre as cabeceiras como recheio típico e ingénuo da parte redonda; apenas se perdeu nelas a significação da face humana (...). A estela de Jeda apresenta gravada, sob a suástica, uma linha recta, horizontal, voltada para cima, em ângulo recto, nas extremidades. Não se trata de um símbolo inexplicável, mas do simples estreitamento do pedestal da estela discóide (22) [10]. (21) Estas estelas de Clunia, com caracteres ibéricos, são de alguns séculos anteriores a Cristo. (22) Adiante, nas lápides nos 20, 23, 32, 33 e 34, vemos as suásticas, os quadros e arcos de ferradura.

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Em muitas outras estelas, em lugar desta linha seguida, encontra-se o seu desdobramento em um par de esquadros simétricos, que, inconscientemente repetidos por outros executantes, acaba por tornar-se um ornato independente, destinado a preencher as superfícies desordenadas, que ocasiona a vizinhança de duas figuras, uma circular, outra quadrangular. O Sr. José Leite de Vasconcelos considera estes emblemas angulosos, luas estilizadas. Supomos que, neste caso, não é acertada a significação proposta pelo ilustre arqueólogo. Sobre algumas lápides funerárias da região do Douro (...) notamos que o disco da cabeceira está envolvido por um arco de ferradura, apoiado sobre colunas que se erguem de cada lado da estela. Este ornato, que não tem nada que ver com o arco de ferradura arquitectónico, foi tomado erradamente por vários autores como testemunho irrecusável de que este era usado não já, como se pensava, desde o século XII, mas desde o começo do século VI e ainda no II, provavelmente, na metade SO da Península (...). Este arco de ferradura em questão é um simples adorno que serve para ligar as partes distintas da decoração. Sobre a parte inferior de várias estelas da região do Douro encontramos uns ornatos constituídos por barras gravadas, paralela e verticalmente, em número de duas ou três. Algumas são arredondadas na parte superior, noutras definem-se as curvas do arco da ferradura (...). Uns viram nestas figuras representações de uma ponte, indicação geográfica, outros, as portas por onde se passa para o outro mundo, baseando esta hipótese na existência de portas sobre os monumentos funerários romanos (...) Comparando entre si todas as figuras desta classe, ocorre-nos que representem figuras antropomórficas degeneradas, que nos seus contornos se aproximam muito da forma das próprias estelas discóides. Uma das lápides tumbais de Picote mostra-nos, no mesmo lugar, duas figuras humanas, que, na sua tosca execução, lembram outras, consideradas por arcos de ferradura ou portas, e, entre elas, uma espécie de urna ou cesto grande, que as citadas figuras transportam. A significação desta cena não pode ser mais clara: são as pessoas destinadas a servir o morto, a levar-lhe o alimento necessário à sua vida de além-túmulo. Talvez que, nos outros casos, vejamos, estilizadas, as pessoas que vão acompanhar o finado, como as mulheres, os criados, etc. Como sempre sucede na arte popular, uma representação definitiva, perdendo, a pouco e pouco, a sua significação arcaica, morre em estilização insignificante. Assim, viemos encontrar, portanto, sobre a própria lápide funerária, outro caso de degeneração da ideia primitiva (...). No princípio, as estelas discóides foram representações do morto, cuja somMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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bra, ou duplo, poderia encontrar em tal figuração o seu descanso eterno e necessário. Em alguns pontos da Península, essa tosca representação chegou à estátua; noutros, sofreu todas as fases da estilização natural, perdendo a sua significação primitiva (...). A decoração concêntrica do disco originou, em certos casos, representações secundárias, como a figura do morto, objectos do seu ofício, ou simples letreiros» (23). Achamos possível que os arcos das estelas discóides não sejam de ferradura no sentido arquitectónico, nem representem portas ou pontes, nem a estilização da figura humana, ou figuras antropomórficas degeneradas, como atrás se escreveu. Salta aos olhos a flagrante analogia que estes arcos têm com as sepulturas cavadas nas rochas, tão frequentes no distrito de Bragança e noutros pontos; os romanos usaram destas sepulturas, que, no fundo, estruturalmente, derivam das cistas, vindas já dos últimos fins do neolítico [11]. Ora, se vemos as árulas votivas ornadas por um foculus em miniatura, que, não podendo servir para consumação das vítimas, em razão da sua minúscula capacidade, apenas indicava a relação que a árula tinha com o altar dos sacrifícios; se vemos noutras lápides insculpidas espadas, ferramentas do ofício dos mortos que comemoravam; se vemos na heráldica usado tão frequentemente o símbolo falante para indicar as armas das famílias, como Morais, Oliveiras, etc., etc.; se vemos que esta usança já vem dos hieróglifos egípcios e existiu sempre em todos os povos, como é natural, porque não diremos que estas tais arcaturas constituem um motivo decorativo tirado da própria natureza do monumento que ornamentam, e são apenas um sepulcro em miniatura, que faz lembrar os moimentos das eras passadas? O Doutor Vergílio Correia, no seu estudo Cabeceiras de sepulturas medievais (24), de que adiante apresentamos dois exemplares (nos 44 e 50), diz que devem «atribuir-se aos tempos medievais posteriormente ao século X. O seu uso prolongou-se, depois, até ao século XVII (...). Ao problema da atribuição da época a estas pedras funerárias, deve ligar-se o da cronologia das sepulturas com o feitio do corpo humano, abertas em rocha, sobre as quais ainda nenhum arqueólogo se quis pronunciar definitivamente. (23) As cabeceiras de sepultura e as suas transformações, por Eugeniuz Frankowski, ajudante do Instituto Antropológico da Universidade de Cracóvia, Lisboa, 1918 (separata do n° 25-26 da «Terra Portuguesa»). Manuel Gomez Moreno, na Excursion á través del arco de herradura. «O Arqueólogo Português», vol. 12, p. 251, entende que o arco de ferradura das estelas discóides prova não ser original do estilo arquitectónico árabe, pois aparece muitos anos antes das estelas discóides. (24) FRANKOWSKI, Eugeniuz – As cabeceiras de sepultura e as suas transformações, de colaboração com o Doutor Virgílio Correia.

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Filipe Simões, certamente levado pela semelhança que existe entre essas sepulturas e os sarcófagos fenícios e egípcios, julgou-as pré-romanas. Leite de Vasconcelos, fundando-se em que uma sepultura de Zambulheira (Moncorvo) tinha escrito no fundo VIVI, chega, por deduções filológicas, a considerá-las romano-cristãs (25). Martins Sarmento entende que pertencem ao período post-romano. O autor (Vergílio Correia) entende que são medievais e dá as razões» [12]. Também em muitas destas aparecem gravadas «as cruzes, as rosetas, as suásticas e os signo-saimões – tudo sinais de carácter sagrado e de remota ascendência; muitas outras aparecem-nos decoradas com representações de utensílios e ferramentas indicativas de sexo ou ocupação dos inumados. Assim surgem, no reverso das pedras, as juntas de bois, os arados, as tesouras, os fusos e as rocas». Um cálice românico, indicativo da profissão de padre, a grade, o trinco, aguilhada, escopro, machado, saco de cereal e cesto de semear, a dobadoura, a roca, fuso, martelo do ferrador, bigorna, etc., etc. O círculo, depois degenerado em simples ornato, foi inicialmente sinal simbólico representativo da eternidade, sem princípio nem fim; do sol, fonte de vida, vencedor das trevas, dos poderes infernais e, consequentemente, do mal; do sol, que representa a ressurreição para a vida [13].

SUÁSTICA Também como a suástica, espécie de rosácea, encima muitas lápides funerárias do Museu Regional de Bragança, julgamos a propósito fornecer as seguintes informações: A suástica ou sinal Mahadeo é um círculo com vários raios curvos tirados do centro para circunferência. «A swastica, svastika, suástica, é uma palavra sânscrita cuja etimologia ignoro, como me parece que a ignoram os sábios. Chamam-lhe também a cruz gamada, por ser composta com quatro gamas: algumas vezes, porém, os quatro braços são curvos, sem ângulos. Segundo E. Burnouf (Science des réligions), a swastika era de madeira; no ponto da intercessão da cruz havia uma cavidade, onde entrava a ponta duma outra peça de madeira (arani) apertada de modo a entrar num tão rápido movimento de rotação, que chegava a inflamar-se pela fricção. Daí vinha o fogo sagrado; mas também já li que o Burnouf estava (25) O Arqueólogo Português, vol. 21, p. 370.

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a caçoar com a gente, ou alguém caçoou com ele impingindo-lhe uma patranha [14]. Para o Comte Globet d’Alviela, La migration des symboles, Paris, 1891, a swastika é inegavelmente um símbolo do sol, e à roda do sol. Um símbolo exclusivamente ariano, que se propagou por toda a Europa, desde tempos antiquíssimos (tese que Mortillet foi o primeiro a sustentar, salvo erro, no seu livro Le signe de Ia croix avant le Christianisme). Veio ela da Índia? Dantes, sobre questões desta ordem não havia dúvidas: toda a mitologia e civilização ariana vinha do Oriente; hoje os ventos sopram doutro quadrante; a civilização e mitologia arianas teriam o seu berço na Europa (na Trácia, conforme alguns), daí é que bracejaria para o Oriente e para o Ocidente. Certo é que a swastika já aparece em Tróia, nos objectos de bronze, e em Micenas, e eu fui desencantá-la em Sabroso e na Citânia, como poderá ver-se num artigo publicado na Portugália, 1899, vol. 1, p. 1 e seg. O Cristianismo adoptou-a; no Museu de Guimarães há um carneiro (sepulcral) de pedra que tem uma swastika num dos topos [15]; vi outra numa porta da igreja de Rio Mau (C. de Vila do Conde). Na matriz antiga de Valença aparece como simples ornamentação; nas muralhas do Castelo de Guimarães, como marca de pedreiro. Em suma, foi-se acanalhando de tal sorte que hoje ninguém faz caso dela (26). Pelo teor de Martins Sarmento, falam Rocha Peixoto (27), Aarão de Lacerda (28), que considera a suástica e a cruz, com outros sinais afins, símbolos de um culto heliolátrico espalhado por todo o mundo religioso, e Borges de Figueiredo (29), que diz: «os primeiros homens, ou antes os homens que foram perdendo a noção do Criador, foram adorando os elementos e o sol como fonte da divindade e representaram esta descoberta por uma figura, o símbolo do sol, e por consequência do fogo, foi pois a representação de uma força irradiativa, representação idêntica à do aparelho que produzia a chama (...) encontra-se por toda a parte (...) remonta à mais alta antiguidade». Nestas condições, a suástica é um símbolo religioso, como a cruz cristã, o signo-saimão e outros que protegem os crentes das diversas religiões. Nos indivíduos, assim como em todos os povos e em todos os tempos, existiu sempre a tendência natural para ornamentar os seus artefactos. As

(26) SARMENTO, Francisco Martins, Revista de Guimarães (1928), p. 6, onde transcreve uma carta de Martins Sarmento dirigida a Cândido de Figueiredo, que lhe perguntara a origem da palavra «suástica» para o seu diccionário. (27) Portugália, tomo 1, p. 246 e seg., e na mesma p. 6, o próprio Martins Sarmento. (28) LACERDA, Aarão de – O Fenómeno Religioso e a Simbólica, 1924, p. 246. (29) Revista Arqueológica (1888), tomo 2, p. 63.

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olarias neolíticas lacustres e dolménicas claramente mostram esta verdade, aliás incontestável, sempre realizada através de todas as civilizações, desde as pré-históricas até às mais pujantes. A evolução da arte decorativa está bem fixada pela documentação arqueológica e mostra-nos que todos os povos a iniciaram pelo ornato geométrico antes de se guindarem às culminâncias do génio. Do ponto isolado, em séries rectas, horizontais, perpendiculares, paralelas e oblíquas, passou-se à recta nas mesmas condições, à curva, ao ângulo, ao losango, ao círculo unido, incluso, entrelaçado, às volutas, aos meandros, às gregas que, isoladas, combinadas, deram a infinidade de motivos ornamentológicos que admiramos em todas as civilizações, as quais todas passaram por esta fase. Seus autores foram os precursores dos Fídias, dos Miguéis Ângelos. A arte plástica veio muito mais tarde titubeante, inexpressiva, desproporcionada, hirta, seca, inestética. A transição foi lenta, como é próprio da evolução humana, que não vai de corrida nem aos saltos, constituída por rudimentares esboços rígidos e angulosos. O homem, os animais, as plantas e as flores, seriam os primeiros a despertar a curiosidade do artista plástico. Os frutos de casca, como a noz, tão aproveitados como ornato nos óvulos da arte grega e posteriores, aos olhos do decorador incipiente, reduziam-se afinal, na sua expressão mais simples, a apresentar a semi-esfera que forma o botão da flor fendida em quatro partes, para esta desabrochar ou o fruto cair maduro, de onde a ideia de, por duas linhas cruzadas, rectas ou onduladas, dar o seu esboço. Achada assim a sua figuração típica, viriam mais linhas que dariam pétalas e folhagem, quando dispostas em ogivas ou recortadas angularmente, e depois, pouco a pouco, ir-se-ia marchando para a perfectibilidade com o óbulo cooperativo trazido por cada artista digno de nome. No gráfico da página imediata apresentamos as diversas formas de suástica, a começar pelas mais simples às primitivas [16].

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Figura n° 1 – Figuras nos 2 e 3 – Figura n° 4 – Figura n° 5 – Figura n° 6

Figura n° 7 Figura n° 8

– –

Figura n° 9 Figura n° 10 Figura n° 11

– – –

Figura n° 12

Suástica do fim da idade do bronze. Suásticas primitivas. Suástica das sepulturas romanas e luso-romanas. Suásticas dos fustes nas colunas de altar na igreja de Meixedo (Bragança). Suásticas das almofadas das portas principais da igreja de Baçal (Bragança). Tríscelo da Citânia (Guimarães). Suástica das almofadas das portas laterais da igreja de Montesinho, freguesia de França. Tríscelo de Micenas, concelho de Bragança. Tetráscelo de Micenas. Tríscelo dos fustes nas colunas do altar-mor na igreja de Meixedo (Bragança). Tetráscelo da Citânia (Guimarães).

Ora, sabendo-se que no período neolítico, em que surge a suástica, predomina na pintura, na inscultura e na gravura a estilização de todas as figuras (30), a tendência para simplificar, reduzindo a esquemas a figuração, como o atesta abundantíssima documentação pictoglífica e petroglífica, em que uma cruz representa o tipo humano (31), não significará a suástica o esquema da flor, sabendo-se, de mais a mais, que os ornatos floriformes eram cultivados (32) e que a flores anda ele associado dos tempos primitivos até nossos dias? O tecto da capela-mor da igreja paroquial de Meixedo, concelho de Bragança, é dividido em vinte caixotins, onde estão pintados vários Santos e passos da Paixão de Cristo, pois em cada um dos quatro cantos das molduras que dividem os quadros há, em relevo, sobre uma semi-esfera, cercada de folhagem como o botão de uma rosa, a suástica da figura atrás. No meio das colunas do altar de S. José, na mesma igreja, há uma suástica de quatro raios incisa sobre o botão de uma flor cercada de folhagem. O tecto da igreja paroquial de Montesinho, freguesia de França, concelho de Bragança, é forrado com tábuas, onde estão incisas suásticas no género da que indicámos no respectivo croquis. As almofadas da porta lateral da mesma igreja ostentam suásticas do mesmo género incisas em semi-esferas, cercadas de folhagem, tudo a imitar uma flor a desabrochar. (30) CORREIA, Mendes – Os povos primitivos da Lusitânia, 1924, p. 180; OBERMAIER, H. – El Hombre Fósil, 1925, p. 279, 280, 285, 287, 366 e seg.; CARVALHO, J. – Pré-história Universal, 1924, p. 288, 328 e seg. (31) Os mesmos e lugares citados. Adiante, no artigo Pré-história, apresentaremos muitas insculturas rupestres deste tipo, existentes no distrito de Bragança. (32) Os mesmos e lugares citados.

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As portas da igreja paroquial de Baçal, concelho de Bragança, têm vinte e oito almofadas (eram trinta e duas, mas já desapareceram quatro), e todas elas talhadas em forma piramidal, ostentam no cimo, em volta de uma flor com oito folhas lanceoladas, uma suástica de seis raios. Nas portas laterais há dez almofadas nas mesmas condições mas a suástica apresenta oito raios, tanto uns como outros incisos numa espécie de botão da flor em forma de pinha. No altar das Almas, no de Nossa Senhora na mesma igreja e nas portas da igreja de S. Sebastião, sita no povo, há suásticas idênticas. As do altar de Nossa Senhora estão numa pilastra do retábulo do mesmo, a meio de um ramo, antes voluta com folhagem, mas elevam-se na voluta, sem folha alguma em volta delas.

EXPLICAÇÃO DAS FÓRMULAS D (IIS) M (ANIBUS) E S (IT) T (IBI) T (ERRA) L (EVIS) Por Manes entendia o paganismo as almas, o espírito dos mortos, e como a sua teologia ensinava que todo o racional tinha dois Génios (33), um bom e outro mau, que respectivamente o impeliam ao bem e ao mal, e que esses génios continuavam actuando da mesma forma na família após a morte do respectivo possuidor, oferecia-lhes votos propiciatórios. Em geral, adoravam o Génio sob a forma de serpente e sacrificavam-lhe suínos (34), de onde a razão destes quadrúpedes nas lápides funerárias. Os Génios bons (Lares) e os maus (Larvae) eram abrangidos sob o nome comum de Manes, de onde o nome Diis Manibus, que veneravam igualmente, para que uns os auxiliassem e outros os não prejudicassem, tal qual o almocreve que lançava no peito de S. Miguel dez réis a este santo para que o favorecesse e cinco réis ao diabo para que não o estorvasse. Ao grupo dos Génios pertenciam as divindades chamadas Lares e Penates, que representavam a incarnação do espírito dos antepassados protectores da família, os Lares, e da nação, cidade, vila, aldeia, os Penates. Da mesma forma procedeu o Cristianismo, ensinando que cada indivíduo tem o seu Anjo-da-guarda (Génio individual), cada aldeia o seu orago, padroeiro ou patrono (Genius Loci), cada nação o seu padroeiro (Lar). (33) Génio é O Deus Naturae criador de todas as coisas. NIEUPOORT, G. H. – Rituum qui olim apud romanos obtinuerunt succinta explicatio, 1774, p. 278. (34) Ibidem.

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Cada família tinha o seu oratório (focus), onde prestava culto às divindades protectoras (Génios, Lares, Penates e retratos de seus antepassados) (35). Ainda hoje nas aldeias bragançanas, ao dar graças a Deus depois de cear, se emprega esta fórmula geral: ao anjo da nossa Guarda, ao Santo do nosso nome, ao Santo do dia de hoje, ao patrono desta freguesia, que nos guardaram dos perigos do dia, nos defendam dos da noite e de toda a má companhia (36), e em louvor da Santa mesa onde comemos (37) que Nosso Senhor no-la conserve enquanto a sua vontade for servida. Um Padre-Nosso e uma Ave-Maria. À fórmula geral D (iis) M (anibus), aos deuses Manes, com que começam a maior parte das inscrições mortuárias, corresponde afinal S (it) T (ibi) T (erra) L (evis): «Seja-te a terra leve», equivalente da cristã: «Descansa em paz», «Deus te tenha à sua vista: Senhora dai-lhe o descanso eterno», ou então a litúrgica: Pie Jesu, dona ei requiem sempiternum. Quase todas as lápides adiante mencionadas, existentes no Museu Regional de Bragança foram já publicadas nas obras que em nota a cada uma delas se indica. Os nos 3, 4, 13, 16, 21, 23, 25, 28, 32, 33, 34, 36, 37, 40, 46 e poucos mais não oferecem dúvida na leitura por estarem em letras nitidamente gravadas: os restantes saíram com algumas incorrecções, que agora se corrigem, devido a encontrarem-se em locais inacessíveis, como o n° 26, ou a estarem gastas, nas letras ou estas confusas por falhas na pedra. Ler uma lápide in loco, cheia de pó, terra, barro ou caliça, em más condições de luz e de sítio, que muitas vezes obriga a acrobatismos incómodos, quando não são perigosos, com a preocupação de escassear o tempo, de andar depressa (fa presto, como dizia o célebre artista), por faltar hospedagem na terra, ou não se querer aproveitar a existente, expõe a perigos de inexactidão, que desaparecem ou se atenuam muito, lendo-a num Museu, em boas condições de luz, com vagar e hotel certo, sem receio de ser pesado a ninguém.

(35) Ibidem. RICH – Dictionnaire des Antiquités Romaines, artigos «Lares», «Manes» e «Penates». Ainda hoje se dá o nome de Lar à cozinha e de Lares ao cadeado de ferro que serve nas cozinhas, que afinal são o principal centro de reunião de cada família e conservam o nome da divindade protectora pagã. (36) Até aqui os Génios individuais e os Génios do lugar. (37) A mesa, símbolo de altar (focus) da família. Por isso, muitos consideram grande irreverência, quase sacrilégio, o comer sem estender toalha sobre ela ou com o chapéu na cabeça.

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De onde vem dizer o Mestre (38): «rara será a inscrição romana que não contenha uma dificuldade de leitura ou de interpretação; e que logo à primeira seja bem copiada». Nas duvidosas, embora o aforismo latino nos diga: in dubiis libertas, seguimos a leitura do Doutor Lothar Wickert, professor da Universidade de Berlim, sábio epigrafista, que no Verão de 1931 passou três dias no Museu Regional de Bragança a copiar textos lapidares, pois, sendo culto, especializado no assunto, em plena força visual, aumentada ainda por lâmpada adequada melhor que os nossos sessenta e oito anos, falhos de todos esses predicados, inclusive de olhos, à formiga dispersos na papelada dos arquivos, melhor conta dá do recado, reservando-nos, contudo, a liberdade de, num ou outro ponto, acrescentar explicações que julgamos necessárias. Como as lápides de Aldeia Nova (n° 1), Argozelo (n° 3), Bemposta (n° 8), Palaçoulo (n° 28), Picote (nos 29 e 36), são todas de mármore e apareceram na área da região do Vimioso ou perto, é lícito concluir que vieram dela e que já no tempo romano, séculos I-II da era cristã, foram explorados os seus famosos jazigos de mármore e alabastro por artistas competentes, dada a perfeição dos letreiros e ornatos que possivelmente exportariam suas manufacturas para as vizinhas províncias espanholas de Zamora e Leão, onde abundam lápides de tipo ornamentológico similar.

(38) VASCONCELOS, J. Leite de, O Arqueólogo Português, vol. 21 (1916), p. 166, em nota.

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[17]LÁPIDES DO MUSEU REGIONAL DE BRAGANÇA [17]

N° 1

I

D

M

DM

VCI

O

NON

PATERNO

ΛC

QVT N° 1 – Lápide discóide, funerária dupla, encimada por suástica de seis raios, de mármore, vinda de Aldeia Nova, onde apareceu próximo da capela de S. João, concelho de Miranda do Douro [18]. Já foi publicada por E. Hübner, Ephemeris Epigraphica, vol. 8, p. 129-130. Altura 0,45m, largura 0,46m, grossura 0,5m, corpo das letras 0,03m. Na segunda linha falta a primeira letra, idem, idem na terceira; na quarta faltam algumas finais e o mesmo nas da segunda plana. Dirá D (iis) M (anibus) Lucio Paterno q (ui) vi (xit) t... ou seja: aos deuses Manes e a Lúcio Paterno que viveu... A segunda plana não faz sentido por falta de letras. Lúcio e Paterno são nomes vulgares na epigrafia ibérica, tanto portuguesa como espanhola. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Desdobrando as letras conjuntas temos:

ΛEMILIO-BΛL ΛESO-SIGINI FERO-ΛLΛE-SΛ BNINΛE-COGN ΛTIO DE-CEN

N° 2

N° 2 – Lápide honorífica militar, de granito, vinda da capela de S. João, de Aldeia Nova, concelho de Miranda do Douro, com Λ e E Λ e L, N e I e Λ e N conjuntos. Altura 0,50m, largura 0,70m, grossura 0,19m, corpo das letras 0,06m. Pelo carácter militar, relaciona-se com a de Babe (n° 7). Foi publicada em primeira mão pelo coronel Albino Lopo (39) e depois por Hübner (40). Vasconcelos (41) publica o desenho de uma lápide, romana provavelmente, mas anepígrafa, encontrada nesta povoação de Aldeia Nova, agora no Museu Etnológico Português. Como se vê do desenho, a 2a letra da 4a linha, que é um N, tem a primeira perna mais alta que a outra, devendo pois entender-se que é um N e I conjuntos, de onde a leitura SΛBINIΛNΛE. Esta Ala teve grande importância, pois mereceu ficar arquivada nos autores (42) que assinalam a sua expedição à Bretanha no tempo de Adriano (117-138 de Cristo). No fim da 4a e princípio da 5a linha a palavra COGNΛTIO estará por COGNITIO (nibus), cargo da carreira equestre (43), correspondente ao oficial ou corpo de tropas encarregado de fazer os reconhecimentos na frente do exército, ante o inimigo, sempre desempenhado por homens de

(39) O Nordeste de 23 de Março de 1898 e, pelo mesmo, na Bragança e Benquerença, p. 81. (40) HÜBNER, Emílio – Ephemeris Epigraphica..., vol. 8, p. 128, 9, p. 110. (41) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, 1913, vol. 3, p. 417. (42) CAGNAT, René – Cours d’Epigraphie Latine, 1898, p. 379. (43) Ibidem, p. 123.

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reconhecida valentia, coragem, inteligência, prudência e outras qualidades de relevo (vigore animi et corporis praestantes) (44). Daqui, o valor de um nosso conterrâneo do primeiro século, que mereceu ser glorificado por tão solene monumento. A letra diz: A Emílio Baleso, porta-bandeira da Ala Sabiniana (batedor, guarda-avançado ou oficial encarregado) dos reconhecimentos da centúria. O nome Balaeso aparece adiante na lápide de Donai (n° 18). É seguramente este o documento mais antigo conhecido da competência bélica do soldado bragançano. No termo de Aldeia Nova, concelho de Miranda do Douro, ao sul do povo vêem-se os «vestigios de um castelo que dizem fora dos mouros, aonde na pedra de uma penha se vê esculpida uma mula. No destricto e direitura deste mesmo lugar, indo para o Douro e distante deste um tiro de pedra, se vêm outros vestigios de castelo tambem de mouros, ainda com alguns pedaços de parede e junto d’eles uma ermida dedicada a S. João Bautista» (45). Também no termo desta aldeia foi encontrada uma sepultura com dois fragmentos de telha, que continham serôdio e trigo em grão (46). Atrás ficam descritas as lápides funerárias aparecidas em Aldeia Nova.

CLOVTINA TRITI-AN XXXV

N° 3

N° 3 – Lápide funerária, de mármore branco, encontrada na povoação de Argozelo, concelho de Vimioso, e oferecida ao Museu por Eduardo Vaz de Quina. Altura 0,47m, largura 0,30m, grossura 0,8m, corpo das letras 0,03m. Cloutina Triti (filia) an (norum) XXXV (Aqui jaz Cloutina filha de Trito, de trinta e cinco anos).

(44) NIEUPOORT, G. H. – Rituum qui olim apud romanos obtinuerunt, 1774, p. 378. (45) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Aldeia Nova». PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga, 1865, p. 72. (46) O Arqueólogo Português, vol. 4, p. 154.

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Foi publicada originariamente, com o respectivo desenho, por Albino Lopo (47). «Perto deste povo [de Argozelo, concelho de Vimioso], se acha um alto cabeço com mostras de fortaleza, e dizem fôra castelo dos mouros e em partes tem ainda parede de dose palmos» (48). Estas ruínas são chamadas Poço dos Mouros e os muros têm quase três metros de grossura. Junto à capela de S. Bartolomeu, sita no termo de Argozelo, havia um sardão (quercus ilex), derrubado há anos pelo vendaval, o qual, segundo a crença popular, causava sezões a quem lhe cortasse algum galho. «Há em Argozelo ruínas e vestígios bem visíveis de três grandes fortalezas: o Castro da Terronha, o Castro do Cabeço de S. Bartolomeu e o Castro do Serro Grande. O primeiro é o mais notável... A sudoeste vê-se ainda parte dos alicerces e muros de uma grande muralha, e ao nascente as ruínas de dois grandes torreões de forma piramidal. O terceiro encontra-se no lado oriental do Serro Grande, à esquerda, indo da povoação, no alto da grande ladeira do Rio Maçãs. Lá encontramos vários fragmentos de panelas e bilhas antigas. Há anos, o nosso paroquiano Domingos da Costa, ali encontrou também uma adaga, um machado, um dardo e outros instrumentos em forma de escopro, que pareciam ser de ouro» (49). I.O.M T.I.L ET . P . P EX . VO T. O N° 4 – Ara de granito, vinda de Babe, concelho de Bragança, onde estava no adro da igreja paroquial, por intermédio do reve-

N° 4

(47) Ibidem, vol. 6, p. 97 e 133. As fíbulas neolíticas encontradas no termo de Argozelo acham-se desenhadas em O Arqueólogo Português, vol. 5, p. 336, e vol. 6, p. 97. (48) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Argozelo». O Arqueólogo Português, vol. 6, p. 163. (49) LOPES, José Manuel Miranda – Argozelo. Notícia histórica e corográfica, 1931, p. 31.

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rendo Francisco Manuel Pires. Altura 0,97m, largura na base e capitel 0,32m, corpo das letras 0,05m. A 3a letra da 2a linha e as três últimas da 3a são duvidosas, bem como o ponto que parece divisar-se na 5a. O foculus tem 0,12x0,11m, 2 por lado e 0,07m de profundidade e não apresenta orifício para escoamento dos líquidos (50) [19]. Trata-se do cumprimento de uma promessa feita a Júpiter Óptimo Máximo por T. I. L. e P. P. Foi publicada em primeira mão por Albino Lopo (51) e depois por Hübner (52). É possível que esta ara seja a que demos no tomo I, p. 350, destas Memórias e agora reproduzimos no artigo Babe, segundo a cópia de Borges (53). As diferenças no texto resultariam das dificuldades da leitura, pois o desenho que Borges dá, dimensões e natureza da lápide, concordam com esta que agora damos. Segundo Borges, o texto é: I. O. M/Iv L. CA/ESP.P. EX/VOTO. IM . CΛESDIVI SEVERIPI LI.. DIVI . MΛRCIΛNT . NEP ...DlVI . ANT . PII . PRONEPOTID... ADRIΛNI ΛBNEPOTI . DIVI TRΛIΛNI . PARTHICI. DIVINERV... ΛBNEPOTI . M . ΛVRELIO Λ N... FELICE . LVG . PΛRT . MΛX . B... ...MΛX . CER . MAX . PONTI ...TRI . P . XVII . IMP . III . COS . ...P . P . PROCOS . M . PX... N° 5 – Miliário de granito, pertencente à estrada militar romana [20] de Braga a Astorga, encontrado em Setembro de 1915 no sítio chamado S. Pedro, local de uma antiga capela, no termo de Babe, concelho de Bragança, um quilómetro a sudeste da povoação. Altura 1,95m e pouco menos de circunferência, corpo das letras 0,09m, excepto na última linha as da palavra PROCOS e seguintes, que são maiores. (50) O foculus não caracteriza as aras, VASCONCELOS, J. L. de, O Arqueólogo Português, vol. 11, p. 357 e seg. (51) LOPO, Albino – Bragança e Benquerença, p. 62. (52) HÜBNER, E. – Ephemeris Epigraphica..., Corporis lnscriptionum Latinorum Supplementum, 1903, vol. 11, n° 276. Ver O Arqueólogo Português, vol. 4, p. 443, e BELINO, Albano – Cartas sobre a epigrafia romana, 1898, p. 31. (53) BORGES, José Cardoso – Descrição topográfica da cidade de Bragança, 1721-1724, manucrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, fol. 365.

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Apareceu enterrado num campo quando se andava a lavrar. Na parte oposta à inscrição tem aberta uma sepultura de forma trapezóide, segundo

N° 5

a configuração do corpo humano, e parte circular mais estreita para a cabeça, que ainda continha alguns ossos e se desfizeram em cinza apenas se lhe MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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tocou. Tudo leva a crer que o miliário estava no local primitivo onde o puseram quando o aplicaram à sepultura. Tinha a cabeça do defunto voltada a poente e os pés a nascente. Na base da escavação sepulcral apresenta um sulco a todo o comprimento, terminado em orifício que atravessa o miliário de um lado a outro, para escoamento das fezes do cadáver, e era coberta por uma grande tampa de granito, lavrada, de forma abaulada, que tapava completamente a escavação sepulcral. Da capela nada resta, mas ainda se divisa no terreno a sua silhueta marcada pela maior elevação deixada pelos escombros das paredes e fora dela, coisa de três ou quatro metros, é que apareceu a campa enterrada. Quando se fez a inumação? Certamente que não foi durante o domínio romano, nem logo depois, porque só quando se perdeu de todo a noção dos miliários, o que levaria largos anos, dada a feição tradicionalista desta gente, é que o facto se podia levar a cabo; de resto, as perturbações dos Suevos, Alanos e Vândalos e depois as dos mouros não permitiam luxo de tão faustoso moimento (54). Por outro lado, o cânone XVIII do concílio de Braga, celebrado na era de 598, diz: «Item placuit, ut corpora defunctorum nullo modo in basilica Sanctorum sepeliantur: sed si necesse est, deforis, circa murum basilicae usque adeo non abhorret» não faziam os enterramentos nas igrejas (55), mas sim nos adros a elas contíguos, se bem que já então este costume era algumas vezes alterado em favor das pessoas de distinção e pouco depois se aboliu de todo. Temos, pois, que a inumação se fez depois do século XIII [21]. No Museu há mais miliários aplicados depois a sepulcros, escavando-os para isso, e noutra parte indicámos as muitas sepulturas cavadas em rocha firme que há no distrito de Bragança. Publicámos em primeira mão este miliário em O Arqueólogo Português, 1916, tomo 21, p. 145 e seg., e veio para o Museu por influência do Doutor Raul Manuel Teixeira, Doutor António Augusto Pires Quintela, José Montanha e Tenente Luís dos Santos Ferreira, tanta a cega obstinação de quem o encontrou em ceder um monumento que lhe não pertencia e tanto valor científico tem. O texto epigráfico diz: Ao im(perador) M(arco) Aurélio An(tonino Pio) Feliz Aug(usto) part(ico) máx(imo) B(ritânico) M(áximo) ger(mânico) máx(imo) pontí(fice) do p(oder) tri(bunício) XVII(vezes), imp(erador) III(vezes), cô[n]s(ul) p(ai) da p(átria) procô[n]sul, filho do divino im(perador) Cés(ar) Severo, pi(o) (fe)liz, ne(to) do divi(no) Marco (54) ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja em Portugal, 1910, vol. 1, p. 679. (55) VITERBO, Joaquim de Santa Rosa de – Elucidário das palavras, termos e frases antiquadas da língua portuguesa, artigo «Chegar».

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Ant(onino), bisneto do divi(no) Ant(onino) pio, terceiro neto do divi(no) Adriano, quarto neto do divi(no) Trajano Pártico e do divi(no) Nerva. Daqui a (Braga?) X... mil passos. Trata-se, pois, de um miliário do imperador Sétimo Bassiano, conhecido na história pela alcunha de Caracala e nos textos epigráficos por Marco Aurélio Antonino. Como porém o ano XVII do seu poder tribunício e a sua III saudação imperial tivessem lugar no ano quarto do seu consulado, e todos estes factos coincidiram no ano cristão de 214 resulta que o miliário foi erecto neste ano. Caracala governou desde 198 a 217. Foi um monstro de crueldade: assassinou seu irmão Geta nos próprios braços da mãe; tentou fazer o mesmo ao pai; assassinou seu sogro Plautino; ascende a alguns centos de milhares o número de infelizes que fez matar por capricho, só pelo prazer de ver correr sangue, e corrompeu todos os liames da pública administração, apressando assim a decadência das instituições romanas. Tanto a sepultura deste miliário como as dos outros apresentam ângulos rectos nas escavações. IM E) I V I T R Λ I Λ Λ E) I V I N E XIIX.CO CAESE M . P . XX N° 6 – Miliário cilíndrico, de granito, vindo de Babe, concelho de Bragança, onde estava nas ruínas da capela de S. Pedro. Também abriram nele uma sepultura, destruindo assim algumas letras da parte direita da inscrição. Altura 1,70m, diâmetro 0,45m, corpo das letras 0,095m. É relativamente fácil a reconstituição dos textos miliários; e, assim, possivelmente, este diria: Im(peratori Caesari Trajano Hadriano Augusto) Deivi (56)Traja(ni filio) Deivi Ne(rvae nepoti tribunitia potestate) XIIX co(sul III) Caese M(ilia) P(assum) XX. Trata-se, pois, do imperador Adriano, e como o seu XVIII ano do poder tribunício e III do consulado coincidiram no de 134 da era cristã, deste ano deve datar o miliário. A anomalia de indicar o ano XVIII pela forma XIIX aparece noutro texto deste imperador, como pode ver-se em Capela (57), que mencionava nove deles, pertencentes a outra estrada militar de Braga a Astorga, quatro dos quais assim escrevem o número XVIII. (56) Deivi é a forma antiquada de Divi. (57) CAPELA, Martins – Miliários do Conventus Bracaraugustanus em Portugal, 1895, p. 122 e seg.

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Foi publicado em primeira mão por Albino Lopo (58) e depois por Albano Belino (59). Albino Lopo (60), guiado pelo que escreveu Viterbo (61) a propósito da ara dedicada ao Deus Aerno pelos Zoelas, aparecida em Castro de Avelãs, presume que por aqui deve ter existido uma cidade daquele povo, talvez chamada Zelobriga, de onde, por corrupção, proviria Caelobriga, Celiobriga e Coeliobriga, nomes que os documentos da cúria romana dão a Bragança, se bem que os filólogos se não conformam com este parecer de Viterbo. A palavra Caese da 5a linha do miliário – continua o mesmo Lopo –, não pode indicar César mas sim o nome da localidade de onde distava, e assim, dado o caso da existência de Zeliobriga poderia formar-se Caeliobriga, tendo passado pela forma Caeseobriga. Esta conjectura, enquanto representa um arrojo filológico, está muito em harmonia com os factos conhecidos, acrescenta Albino Lopo. Celióbriga, segundo Argote, era uma cidade que foi cabeça dos povos Celinos e ficava onde hoje se vê Barcelos ou Celorico de Basto. Quanto a dizer-se que Bragança foi a Celióbriga ou Julióbriga dos geógrafos romanos, já no tomo I destas Memórias dissemos que não podia admitir-se; mas isso não obsta a que pelas imediações de Castro de Avelãs existisse uma cidade ou povoação dos Zoelas (62) [22]. N° 6 (58) LOPO, Albino, O Nordeste de 23 de Março de 1898, e depois, pelo mesmo, na Bragança e Benquerença, p. 61, e em O Arqueólogo Português, vol. 4, p. 340. (59) BELINO, Albano – Cartas sobre epigrafia romana. HÜBNER – Ephemeris Epigraphica..., n° 9, p. 416. (60) LOPO, Albino – Bragança e Benquerença, p. 53 e 62. (61) VITERBO – Elucidário, artigo «Benquerença». (62) Ver adiante o artigo Castro de Avelãs.

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A questão é intrincada; no entanto convém notar que as milhas apresentadas por alguns dos miliários posteriores ao segundo século da era cristã, que apresentamos, não podem referir-se a Braga, como sucede com as do primeiro século, de onde a prova de que, entre os dois períodos, tomou incremento outra cidade, que passou a ser ponto de referência para as distâncias. Como se chamaria? Onde estaria situada? D M \LPVRNIO REBVRRINO EQVITIΛ II . P C. S. T. T. L. N° 7 – Lápide funerária, de granito, que estava no adro da igreja de Babe, concelho de Bragança, de onde veio para o Museu por intermédio do reverendo Francisco Manuel Pires, reitor da freguesia. Altura 0,81m, largura 0,39m, grossura 0,9m, corpo das letras 0,03m. Na 2a linha há vestígios de uma letra primeira, à esquerda, e campo para outra, um C provavelmente. Na 4a, adiante de equiti, parece divisar-se um A L e a última tem aspecto de P ou F; no mais, certa. Diis Manibus (Ca)Ipurnio Reburrino equiti Al(a) II p(o nendi vel faciendi) c(uravit) S(it) T(ibi) T(erra) L(evis), ou seja: Aos Deuses Manes. A ala segunda mandou erigir este monumento a Calpúrnio Reburrino cavaleiro. A terra te seja leve. Por baixo da inscrição está graN° 7 vada uma espada (gladius) (63) do tipo ibérico, adoptado pelos romanos desde o tempo de Aníbal (64). O nome Reburrino aparece também nas lápides nos 33 e 46 [23]. (63) RICH – Dictionnaire des Antiquités Romaines, artigo «Gladius». (64) Ibidem, artigo «Ala».

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Calpúrnio Reburrino seria um cavaleiro dos aliados (eques alarivs), que acompanhavam as legiões romanas, em cujos extremos formavam, sendo o centro ocupado pelos cidadãos romanos. Foi publicada originariamente por Albino Lopo (65) e por Hübner (66). Pelo carácter militar, relaciona-se com a de Aldeia Nova (n° 2). O Castro de Babe, também dito Castro da Sapeira, a dois e meio quilómetros a sudoeste da povoação está situado no cume de um outeiro inacessível a nordeste. Tem de área 320x150 metros; cercado por muro de pedra solta e nas partes falhas de defesa natural, por três parapeitos e respectivos fossos, distanciados entre si 54, 150 a 320 metros. Tinha duas portas, uma a Sul e outra a Sueste (67). Além deste Castro, também fica no extremo do seu termo, a raiar com o de Milhão (ver este artigo), a Castragosa e, perto dela, as ruínas da igreja de S. Pedro, onde apareceram as lápides funerárias, depois transportadas para Babe, e os miliários atrás mencionados. No tomo I, p. 353 destas Memórias, publicámos a seguinte lápide funerária, segundo Borges (68), que diz ter aparecido na capela de S. Pedro de Babe: FRONTO / NIS ANOR. XVIII. Com o nome Frontoni há outra lápide funerária em Picote, mencionada adiante no respectivo artigo. MII NXV

N° 8

N° 8 – Lápide funerária de mármore, aparecida nas ruínas do Castelo de Oleiros, termo da Bemposta, concelho do Mogadouro [24], de onde veio para o Museu por intermédio do Coronel Albino Lopo. Altura 0,30m, largura 0,17m, grossura 0,03m, corpo das letras 0,025.

(65) LOPO, Albino – Bragança e Benquerença, p. 61. Depois, pelo mesmo, em O Arqueólogo Português, vol. 3, p. 224, e vol. 20, p. 93. (66) HÜBNER, E. – Ephemeris Epigraphica, n° 9, p. 277. (67) BEÇA, Celestino, Major, O Arqueólogo Português, vol. 20, p. 92. (68) BORGES, J. Cardoso – Descrição topográfica da cidade de Bragança, 1721-1724, manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa.

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Faltam letras levadas por quebradura, percebendo-se que o defunto teria XV anos. Por baixo da legenda está gravado grosseiramente um quadrúpede (suíno?), pelo qual se relaciona com as adiante apontadas sob os números 37, 42 e 45. Foi publicada inicialmente por Albino Lopo (69). Pinho Leal (70) dá notícia de outra lápide, ao que parece, romana, encontrada no mesmo sítio. N° 8-A – Estela discóide, de mármore, encimada por uma suástica de sete raios (falta um no desenho), encontrada no Castelo de Oleiros, termo da Bemposta, concelho do Mogadouro, de onde veio para o Museu por influência do Governador Civil do distrito, Tomás Augusto Fragoso Salgueiro, e dedicação de Francisco Guerra, da Bemposta. Altura 1,22m, largura 0,38m, grossura 0,08m. Teve letras, mas desapareceram. A Bemposta concelho do Mogadouro, «tem um reduto de muralha, chamado Castelo, entre o povo e a igreja matriz, com pouca distancia de uma e outra; consta de três portas. Antigamente havia outro de que ainda se descobrem alguns vestigios, fundado sobre um alto sobranceiro ao Rio Douro, meia legua desta vila fronteiro á praça da vila de Formoselhe, a que chamam Castelo de Oleiros; e é tradição entre os moradores que fôra fabricado pelos mouros» (71). Este Castelo de Oleiros é cercado por uma muralha de dois metros de largura,

N° 8-A

(69) O Arqueólogo Português, vol. 3, p. 73, e reproduzida em VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 442. (70) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Bemposta». (71) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Bemposta». O Arqueólogo Português, vol. 3, p. 220.

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num âmbito de cento e trinta de comprimento por quarenta de largo, e o sítio tão alcantilado que deve ter custado muito trabalho e perigos de vidas para o construir com a solidez que tem. Pelos anos de 1827 encontraram-se aqui, entre outros objectos, uma pequena espada de prata, moedas do mesmo metal e de ouro e uma pedra de mármore branco com arabescos e esculturas, que está na residência paroquial (72). A três quilómetros da vila, numa fraga sobranceira ao Douro e a poucos metros, há umas grutas onde os pastores recolhem os seus rebanhos e podem conter passante de seiscentas cabeças (73). A ribeira de Lamoso, a um quilómetro e meio da vila, precipita-se do cume de um rochedo de trinta e cinco metros de altura, formando uma cascata magnífica e talvez única na Europa, por apresentar o fragueiro, no meio da sua elevação, uma reentrância por onde corre um caminho e passam homens e rebanhos sem perigo de os alcançar a água. Dão à cascata o nome de Faia de Água Alta (74). Em 1319 obteve o concelho de Bemposta carta de sentença sobre a demanda com o prior da Ordem do Hospital, referente às delimitações dos termos entre Bemposta, Urrós e aquela Ordem (75). Das lápides da Bemposta falámos no princípio deste tomo. D M M Λ RCO GR ΛCILIS Λ' N XX S. T. T. L.

N° 9

N° 9 – Estela discóide, de granito, encimada por uma suástica de seis raios, encontrada ao surribar uma cortinha tapada sobre

(72) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Bemposta». (73) Ibidem. (74) ALMEIDA, José Avelino de – Dicionário Abreviado de Corografia de Portugal. O Arqueólogo Português, vol. 20, p. 102. (75) FIGUEIREDO, José Anastácio de – Nova Malta Portuguesa, parte 2a, § 257, p. 369, onde diz que a sentença está no Livro 3 de D. Dinis, fol. 125 v.

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si, nos Vales de S. Francisco, sítio chamado Couto, um quilómetro distante da ponte velha do Sabor e setecentos metros da torre de menagem (Castelo) de Bragança. Altura 0,96m, largura 0,34m, grossura 0,14m, corpo das letras 0,025m. Duvidoso o ponto da 3a linha, e adiante do L final não há ponto. D(iis) M(anibus) Marco Gracilis (filio) an(norum) XX S(it) T(ibi) T(erra) L(evis). Aos Deuses Manes. Marco, filho de Gracil, de vinte anos (aqui está sepultado) a terra te seja leve. Foi publicada originariamente por Albino Lopo (76), e depois, pelo mesmo, em O Arqueólogo Português. Vol. 11, p. 83, acompanhada do respectivo desenho, e por Vasconcelos (77). O nome Gracil aparece noutra lápide de Castro de Avelãs, adiante apontada (n° 12). Ver adiante nas lápides nos 50 e 54. IMP. CAESAR. DIVI F AVG PONT MAX. IMP XV COS. XIII. TRIB. POT. XXI PATER. PATRIAE. PCL (O P e C da última linha duvidosos). N° 10 – Miliário da estrada militar de Braga a Astorga, descoberto por Pinheiro nas ruínas da Torre Velha, junto a Castro de Avelãs, concelho de Bragança [25]. É de granito. Altura 2,10m, diâmetro maior 0,60m, menor 0,47m, corpo das letras 0,055m. Diz: Imp(erator) Caesar(is) Divi(filius) Aug(ustus) Pont(ifex) max(imus) imp(erator) XV cos(ul) XIII Trib(unitia) pot(estate) XXI pater patriae [milia] p(assuum) C L... Ou seja: Imperador Augusto, filho do divino César pontífice máximo, imperador XV vezes, cônsul XIII, do poder tribunício XXI, pai da pátria. Daqui a... cento e cinquenta e tal mil passos. Foi publicado inicialmente na Revista de Guimarães (78) e, depois, por Hübner (79) e Martins Capela (80). (76) Portugália, tomo 2, p. 127. (77) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 418. (78) Revista de Guimarães, volume 5, p. 84. (79) Corpus Inscriptionum Latinarum, n° 6.215, e Ephemeris Epigraphica, n° 8, p. 511. (80) CAPELA, Martins – Miliários do Conventus Bracaraugustanus em Portugal, 1895, p. 84.

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N° 10

J. H. Pinheiro, que em primeira mão publicara a inscrição na Revista de Guimarães, voltou, depois que trouxe o miliário para Bragança e o pôde examinar em melhores condições de luz, a dá-la correcta no seu MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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livro (81), aditando-lhe pontuação e letras, que não vira da primeira vez, bem como a distância na última linha, que diz CLX mil passos, devendo faltar mais dois XX, isto é, cento e oitenta mil passos, que tanta é, diz ele, a distância de Braga a Castro de Avelãs. Supõe Pinheiro que os dois últimos XX que faltam foram destruídos pelo orifício aberto no miliário para dar escoante às fezes cadavéricas, pois calha perfeitamente onde eles deviam estar. Do imperador Augusto apenas há notícia de mais dois miliários ao norte do Douro: um no Castro, freguesia de Rubiães, concelho de Coura: outro em Braga, hoje desaparecido, de onde a importância deste de Castro de Avelãs, agora no Museu Regional de Bragança, que «é de grande valor por antiguidade e raridade, e fica sendo com o de Rubiães único par destes títulos por ora descobertos e restantes ao norte do Douro em Portugal; e outrossim documento da via que de Chaves e portanto de Braga penetrasse por Vale de Telhas, já desde o tempo de Augusto nas terras do actual distrito de Bragança a caminho de Astorga» (82). Deve entender-se que houve engano no lapicida ou, mais provavelmente, em quem lhe redigiu a inscrição, pois o ano XXI do poder tribunício de Augusto não corresponde ao ano XV das suas aclamações imperiais, mas sim ao XIV, de onde resulta que o miliário foi erecto no ano dois da era cristã, pois foi neste ano que Augusto obteve o consulado pela XIII vez (83). ............... ......................... PRONI...... ......V... P...... D......M IOT...... DIVI POS . DIVITRAI O...... II.M M...... ............ ... PA...... O MAXIMO CHR...... ONII......C. MAX...... O... X...... VI IMP...... O...D... VI N° 11

(81) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga, 1895, p. 4, 91 e 103. (82) CAPELA, Martins – Miliários do Conventus Bracaraugustanus em Portugal, 1895, p. 84. (83) CAGNAT – Cours d’Epigraphie Latine, 1898, p. 178.

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N° 11 – Miliário cilíndrico, de granito, descoberto por Pinheiro em 1888 no sítio da Torre Velha, termo de Castro de Avelãs, que explorou por conta da Sociedade Martins Sarmento, de Guimarães. Também foi aplicado a sepulcro, abrindo-lhe para isso uma cavidade no lado oposto à inscrição. Altura, diâmetro e corpo das letras regulam pelo anterior. Foi publicado por Pinheiro (84) e por Borges de Figueiredo (85), que veio comissionado pelo governo examinar as ruínas de Castro de Avelãs, aquando da sua exploração por Pinheiro, tanto o seu espólio vibrou por todo o Portugal [26]. Borges de Figueiredo, devido às más condições de luz em que se encontrava o miliário, apenas leu: ......... POS ...... ... DIVITRA...... que interpretou: (Divi Hadriani ne / pos?) Divi Tra (jani prenepos?) As letras estão tão apagadas que não foi possível acharmos-lhe sentido. O Doutor Wichert lembra que talvez pertença ao imperador Severo Antonino, vulgarmente chamado Caracala. DM PROCVLEIO GRAClLl ΛNNORVMLV STTL

N° 12

N° 12 – Lápide funerária, de mármore branco, vinda de Castro de Avelãs, concelho de Bragança, onde estava no adro da igreja paroquial. Conjuntas as duas primeiras letras da 4a linha.

(84) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga, p. 90. (85) Revista Arqueológica.

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Diz: Aos Deuses Manes e a Proculeio Gracili (falecido com) 55 anos seja-te a terra leve. O Gracili em dativo. Pelos ornatos floráceos, relaciona-se com a do LCIDI, também aparecida em Castro de Avelãs (86) e com as de Cárquere (87). Estes ornatos fazem lembrar o símbolo da legião romana nas suas fracções de manípulos e coortes, pois algo se aproximam da figura apresentada por Rich (88). Florez (89) dá o desenho de outra lápide funerária encontrada em Astorga, que contém o epitáfio de um chefe da Legião VII, Gemina, Piedosa, Feliz, fundadora da cidade de Leão (Espanha). Neste caso, mui duvidoso, é certo, Proculeio era militar categorizado e seria natural de Castro de Avelãs ou aí falecido, talvez quando transitava na via militar romana que nesta povoação ou perto passava, como mostram os miliários atrás publicados. Altura da lápide 1,45m, largura 0,44m, grossura 0,25m, corpo das letras 0,05m. Foi publicada em primeira mão por Pinheiro (90) e depois por Borges de Figueiredo (91), Hübner (92), Arqueólogo Português (93) e J. Leite de Vasconcelos (94). IVMV RIΛ . TVRΛI F. Λ. L V. HS

N° 13

N° 13 – Lápide funerária, de granito, encontrada em Castro de Avelãs, concelho de Bragança, de onde veio para o Museu

(86) Vai adiante apontada no artigo Castro de Avelãs. (87) O Arqueólogo Português, vol. 5, p. 208; ibidem, vol. 28, p. 216 e 220. (88) RICH – Dictionnaire des Antiquités Romaines, artigo «Manipulus». (89) FLOREZ – España Sagrada, 1762, tomo XVI, p. 22. (90) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., p. 76. (91) Revista Arqueológica. (92) HÜBNER – Corpus Inscriptionum Latinarum, n° 5.652; ibidem, Ephemeris Epigraphica, vol. 9, n° 110. (93) O Arqueólogo Português, vol. 3, p. 192. (94) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 340.

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por intermédio do pároco da freguesia. Estava a servir de fito na boca de um forno. Altura 0,72m, largura 0,33m, grossura 0,10m, corpo das letras 0,05m. Iumuria Turai f(ilia) a(nnorum) Lv h(ic) s(epulta). O Doutor J. Leite de Vasconcelos decompõe Iumuria em Ju(lia) ou Ju(nia) Muria, e diz que o nome Muria é bem conhecido, assim como o de Turaius, que aparece na inscrição dos zoelas, adiante transcrita no artigo Castro de Avelãs. Foi publicada inicialmente pelo Coronel Albino Lopo (95), acrescentando em nota Leite de Vasconcelos a interpretação ao nome Jumuria. Gomez Moreno (96) publica uma inscrição aparecida na vizinha província de Zamora, em que se lê o nome Emuria. DM ARAT ORI ΛNL SITTL

N° 14

N° 14 – Lápide funerária, de granito, encontrada em Castro de Avelãs, concelho de Bragança, de onde veio para o Museu. Na 5a linha o S está posto às avessas (8). Altura 0,34m, largura 0,25m, grossura 0,16m, corpo das letras 0,03m. D(iis) M(anibus) Aratori an(norum) L S(it) T(ibi) T(erra) L(evis), ou seja: (monumento dedicado) a Arator (falecido com) cinquenta anos, a terra te seja leve. Foi publicada em primeira mão por Albino Lopo (97). IOVI OCM VCM LCS

C C C

(95) O Arqueólogo Português, vol. 8, p. 254. (96) GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España, 1927, tomo 1, p. 30. (97) O Arqueólogo Português, vol. 8 (1903), p. 254.

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N° 15

N° 15 – Lápide votiva, de granito. Veio de Cimo de Vila da Castanheira, concelho de Chaves, por intermédio do erudito Padre João Manuel de Almeida Morais Pessanha, capelão militar em Bragança. Altura da lápide 0,51m, largura 0,28m, grossura 0,69m, corpo das letras 0,04m. Tem no topo a miniatura de um foculus. Diz: (F...) cumpriu de boa vontade a promessa bem merecida feita a Júpiter, Óptimo, Máximo. Jovi O(ptimo) M(aximo) v(otum) m(erito) a(nimo) s(olvit). Apresenta a particularidade de os pontos serem dados por arcos de círculo, que não é única na epigrafia bragançana, e de faltar o nome do dedicante. Ver a lápide n° 36. Já foi publicada por Hübner na Ephemeris Epigraphica, vol. 9, n° 271.

\CC VS. VI BON S. L. \ VI. N° 16 – Em Maio de 1928 tivemos a ventura de encontrar em Cova de Lua, concelho de Bragança, por ocasião de, em companhia do amigo Padre Manuel José da Ressurreição Palmeiro, pároco de Donai, procedermos a investigações nas ruínas da capela da Senhora da Edra, esta ara votiva, a servir de tresfogueiro na cozinha de João Fontes, que generosamente a cedeu ao Museu Regional de Bragança por intermédio dos devotados regionalistas José Montanha e Doutor Manuel Miranda [27]. É digno dos maiores louvores o gesto nobre de João Fontes, coisa rara em gente do povo e até em muitos pseudo-intelectuais, que deixam permanecer no mais criminoso abandono as antigualhas, mas em lhe falando nelas com destino a serem guardadas em local adequado, as fecham estupidamente a sete chaves, supondo que têm o rei preso pelas pernas. Que tristeza e miséria mental! E não se lembram estes insensatos de que assim MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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privam a humanidade, contra todo o direito, do único valor que as antigualhas têm qual o de concorrerem para o progresso científico da mesma!! Diz a arulazinha (Fla)co cumpriu de boa vontade a promessa feita ao Deus Vibono (FLA) cus Viboni S(olvit) L(ibenter) V(otum) V(otum) [28]. Na primeira linha falta, por quebradura, uma ou duas letras e parte de outra; a segunda está certa; a terceira, adiante do N, apresenta vestígios de um I; na quarta, a 3a letra parece ser um V a que falta uma perna; na quinta, a 2a letra parece ser um I com um ponto ao meio, mas é duvidoso. O nome do Deus Vibono, próprio da região bragançana, por não se conhecer outro documento da sua existência, aproxima-se de Vivoni, nome próprio de homem, memorado numa lápide funerária de Castro de Avelãs, atrás transcrita. Ara de granito. Altura 0,25m, largura 0,16m, grossura 0,10m, corpo das letras 0,04m. Esta lápide já fora publicada menos exactamente por Borges (98) , acompanhada das seguintes informações: «Darey agora noticia de algumas pedras antigas, alem das que vão em os tempos a que pertencião, e de que alcancei melhor conhecimento pelo que N° 16 respeita a esta cidade. No termo desta cidade em o lugar de Cova de Lua, na igreja de Nossa Senhora da Hedra, em cujo edificio se vêm algumas pedras, que pelos frisos (98) BORGES, José Cardoso – Descrição topográfica da cidade de Bragança, notícia 14. Acerca do autor deste manuscrito, ver o que dissemos no tomo VI, p. 107, e tomo VII, p. 51, destas Memórias.

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se conhece serem dos romanos, junto da porta, e da parte de fóra estavão duas, e ha tres annos em hum dia amanheceo derrubada a parede por industria escuzada de acharem algum thezouro, e huma das pedras ficou de tudo quebrada mas ainda lhe pude ler o letreyro, com o subsidio de quem o tinha copiado para o livro do Santuario Marianno, que escreveu o Padre Fr. Agostinho de Sta Maria, tomo 5, fol. 658, e dizia: FLACCVS VIBONIS (99)

L. V. V. I.

(99)

A outra pedra mandey conduzir para esta cidade, e tenho-a em meo poder e a dou copiada, e ambas tinhão o mesmo feitio, e parecerão remates de outras pedras, em que estas se mettião». Dá em seguida o desenho da ara, que por ser semelhante à anterior não reproduzimos, e nela o texto: BANDV E. CORN ELIVS. O CVLAT VS. V. S. L. M. O Santuário Mariano diverge na pontuação e disposição das letras, que dá na forma seguinte: BAND. V. E. CORN ELIUS. O CULAT. V. S. V. S. L. M. (99) Da mesma forma vem transcrita a inscrição no volume e página citados do Santuário Mariano, onde se declara que as notícias referentes à capela de Nossa Senhora da Hedra, da Cova de Lua, e os respectivos textos epigráficos lhe foram mandados pelo Doutor Manuel Camelo de Morais, abade de S. João de Bragança.

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Hübner (100) e Leite de Vasconcelos (101) reproduziram a inscrição da seguinte forma: BANDV E CORN ELIVS O CVLATV SVSL M que, a não ser na pontuação e disposição das letras nas últimas duas linhas, concorda com a lição dada por Cardoso Borges e pelo autor do Santuário Mariano, primeiros que a viram e publicaram. Diz ela: Cornélio Oculato cumpriu de boa vontade a promessa feita à deusa Bandua que bem a merecia. Bandue Cornelius Oculatus V(otum) S(olvit) L(ibens) M(erito) [29]. Bandua parece ser nome céltico, diz Vasconcelos (102) e acrescenta: «No Boletim de la Academia Real de Historia, XXI, 146-147, publica o Rev. Fidel Fita uma inscrição encontrada perto de Orgaz (Toledo) em que se lê: Bandu/e. it. Vic/iesi. ex/voto.Ti/o mac. pos/, que ele interpreta por Bandue It(obrico) Viciesi ex voto Tiomace pos(uit). Como porém o Rev. Fita não tem absoluta confiança no texto, pois diz “si la inscrición está bien copiada”, será melhor esperarmos por um texto definitivo para fazermos obra por ele» (103). Cuevillas e Bousa Brey (104) apontam uma lápide publicada em 1928 (105), onde se lê Bandua Calaico (?), aparecida na «eirexa de Mixós, Verin. Ourense», e outra onde se lê Bandue, aparecida em «Eiras, San Amaro, Ourense». Como não se sabe onde pára a lápide da Bandua, sem resultado procurada por Pinheiro (106) em Cova de Lua, lembramos, dado o seu grande valor, que, como atrás declara Cardoso Borges, este a trouxe para a sua casa em Bragança onde deve estar. Se algum bragançano zeloso da glória da sua (100) Hübner – Corpus..., I, n° 2.498. (101) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. 2, p. 337. (102) Ibidem, p. 66. (103) Ibidem, p. 388. A inscrição já fora dada por HÜBNER – Ephemeris Epigraphica..., vol. 8, n° 179. (104) CUEVILLAS, Florentino L., e BOUZA BREY, Fermin – Os Oestrimnios, os Saefes e a Ofiolatria en Galiza. «Arquivos do Seminario de Estudos Galegos», vol. 2 (1929), p. 95. (105) BOUZA BREY, F., FONTES, M., e OXEA, J. R. F. – A eirexa de Santa Maria de Mixos e as suas aras romanas. «Arquivos do Seminario de Estudos Galegos» (1928). (106) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga, e Revista de Guimarães, vol. 5, p. 86-87.

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terra quiser nobilitá-la com mais este brasão, lembramos o seguinte tópico, que pode servir de guia: «José Cardoso Borges, viúvo, de setenta anos de idade, apareceu morto na cama, em Bragança, freguesia de Santa Maria, a 26 de Janeiro de 1745. Jaz sepultado na igreja de S. Francisco» (107), como tudo consta do seu assento de óbito existente, no arquivo da freguesia de Santa Maria de Bragança. É provável que a casa onde faleceu José Cardoso Borges seja qualquer das dos Figueiredos, na Costa Grande, ou, mais possivelmente, na da Costa Pequena, onde viviam os morgados, seus descendentes, como apontámos no tomo VII, p. 655-656, destas Memórias. Alerta, beneméritos bragançanos! Estai à la mira, quando haja obras nessas casas, pois é possível que a lápide fosse metida para entulho em alguma das suas paredes. E lá estarão também as de Babe, Bragança e Gimonde, que ele diz ter feito conduzir para Bragança, «para as colocar em parte onde sejam de todos vistas», como escreveu e nós mencionamos nos artigos respectivos. Também apareceu em Cova de Lua, «no monte chamado Castro», ou, melhor, Casarelhos, a lápide funerária PROCVLO/SILONIS/AN. DVM., que demos no tomo I, p. 352, destas Memórias, segundo vem na obra de Borges (108), de que dá o desenho, onde se nota por cima da inscrição a simbólica suástica e por baixo três mocas (malleus?), idênticos no formato aos adiante apontados na lápide SILVIAE, de Picote. É evidente que a palavra DVM, última da inscrição, foi mal copiada, pois devia indicar o número de anos do falecido; talvez LVIII. O nome Próculo aparece também na lápide funerária de Castro de Avelãs. O mesmo Borges dá mais a seguinte, também encontrada em Cova de Lua, e que publicámos no tomo I, p. 354, destas Memórias: IMP. CAES. AVG./P. MAX. IVLIOBRI/G. POPVLI DD. É lavrada e encimada por uma suástica, segundo mostra o desenho de Borges. Diz tê-la feito transportar para Bragança. Seria enorme o valor desta lápide, se aparecesse, por documentar o contestável nome de Julióbriga, aplicado a Bragança, pois entendemos que o letreiro ou foi mal lido ou é falsificado. Ainda em Cova de Lua apareceu mais a seguinte lápide, dada por Borges, que igualmente publicámos no tomo I, p. 354, destas Memórias: FLAVIO/BEDVAN/O. AN./LXX. Os nomes Flao e Flávio, já são conhecidos noutros textos da epigrafia bragançana. (107) Tomo VI, p. 678, destas Memórias. Sobre o mesmo, ver ainda nesse tomo p. 113, 121, 136, 137 e 197, e no tomo VII p. 51. (108) BORGES – Descrição topográfica da cidade de Bragança.

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VCI VLLI IIR N° 17 – Lápide de pedra molar (talco), vinda do Alto do Cabeço de S. João, termo de Castrelos, concelho de Bragança. Altura 0,91m, largura 0,40m, grossura 0,10m, corpo das letras 0,08m. Na 1a linha falta a primeira letra, que provavelmente seria um L, e na 2a falta também a primeira letra, que seria um J. As da 3a são duvidosas. Deve ser funerária e erecta a um Lúcio, filho de Júlio. BΛLAESO CΛLPΛLL ...... X I X N° 18 N° 17

N° 18 – Lápide funerária, de granito, encontrada no sítio chamado «O Sagrado», povo de Donai, concelho de Bragança, um quilómetro distante do povo, entre as ruínas da Devesa e do Lombeiro Branco (ver artigo Vila Nova). «O Sagrado» é também conhecido pelo nome de Igreja Velha, por ser aí a matriz primitiva, segundo diz o povo, de que ainda restam leves indícios. No local têm aparecido tijolos, telhas de rebordo, fragmentos de lousa, mós manuárias e outras antigualhas. A poente do Sagrado, cerca de duzentos metros, fica a Fonte do Sino, que ainda hoje se houve tocar na manhã de S. João, segundo diz a lenda. Altura da lápide 0,34m, largura 0,46m, grossura 0,13m, corpo das letras 0,06m. Foi publicada originariamente por Albino Lopo em O Nordeste de 25 de Maio de 1898 e depois em Bragança e Benquerença, p. 48. O nome Balaeso aparece na lápide de Aldeia Nova (n° 2). Adiante falaremos do dólmen de Donai. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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DOCIΛ IIRIIBVR RIΛ N. IV N° 19 – Lápide funerária, de granito, ornada por suástica de seis raios, aparecida numa casa em Donai, concelho de Bragança, e vinda para o Museu por intermédio do Padre Manuel José da Ressureição Palmeiro, pároco daquela freguesia. É muito pequena e, arrumada em algum canto, não foi possível encontrá-la ao organizar este Catálogo [30]. Dois ii valendo por e são frequentes na N° 19 epigrafia romana. O nome Dócio figura no pacto dos Zoelas, adiante transcrito no artigo Castro de Avelãs. O nome Reburro é frequente na epigrafia bragançana. Altura 0,30m, largura 0,22m, grossura 0,08m, corpo das letras 0,03m. Dociae (filiae) Ruburri a(nnorum) IV. Memória levantada a Dócia, filha de Reburro, falecida com quatro anos de idade. Parte das letras da 3 a linha foi levada por quebradura, mas são de fácil reconstituição. Há ainda no Museu uma pedra molar aparecida no Sagrado, termo de Donai, que deve relacionar-se com as cabeceiras de sepulturas n° 53 e outras, adiante mencionadas. Tem em alto-relevo uma cruz cristã. Altura da pedra 0,35m, largura 0,21m. N° 20 MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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IMPMΛR ΛVRELIO CΛROCΛES N° 20 – Miliário da estrada romana, cilíndrico, de granito, encontrado por nós em Gimonde, concelho de Bragança, no fundo de um caborco,

N° 21

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junto ao caminho que, pelo local chamado Marrão, segue para Babe, onde as chuvas provenientes de grande trovoada o puseram a descoberto. O falecido Manuel Fernandes, de Gimonde, é que nos indicou o seu aparecimento e fez com que ele viesse para o Museu. Altura 1,47m, diâmetro 0,39m, corpo das letras 0,12m. Diz: Imp(eratori) Mar(co) Aurelio Caro Caes(ari), ou seja: ao imperador Marco Aurélio Caro César. A inscrição não tem pontos. Pertence ao imperador Caro, dito Marcus Aurelius Carus nos monumentos epigráficos, que governou desde 282 a 283. Foi publicado em primeira mão por Albino Lopo (109) e depois por Hübner (110). DIVIM C EΛVR MVΛ MΛXIMI ΛΛIO N° 21 – Estava no adro da igreja de S. Cláudio, matriz de Gostei e Castanheira, concelho de Bragança, de onde veio para o Museu [31]. Albino Lopo, que foi quem primeiro a publicou (111), dá um gráfico fac-similado da inscrição, que se lê desta forma: D. N. IM. CAE. AVG M. VAL. MAXIMI ANO Realmente esta leitura parece certa e com ela concorda o Doutor Lothar Wickert, da Universidade de Berlim, abstendo-se porém de colocar pontos adiante de algumas palavras e traços nos A A. Além disso, dá conjunto o A E da 2a linha e substitui por R a letra final dessa mesma 2a linha. Mas é também assim que Albino Lopo apresentou o texto no fac-símile. (109) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 5 (1900), p. 136, e depois, pelo mesmo, na Bragança e Benquerença, 1900, p. 81. (110) HÜBNER, E. – Ephemeris Epigraphica..., vol. 9, n° 415. (111) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 6 (1901), p. 148. Saiu depois nas Ephemeris Epigraphica..., vol. 9, n° 417.

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Marco miliário cilíndrico, de granito, da via romana. Altura 1,29m, diâmetro 0,28m, corpo das letras 0,09m. Diz: D(omino) N(ostro) Im(peratori) Cae(sari) Aug(usto) M(arco) Val(erio) Maximiano, ou seja: A Marco Valério Maximiano, imperador, César Augusto, senhor nosso. Trata-se do imperador Maximiano, que governou juntamente com Diocleciano desde 285 a 305 depois de Cristo. Foi no tempo destes imperadores que o servilismo romano criou para eles e sucessores o título de Senhor Nosso (dominus noster). Decadência em tudo: mental, moral e social. FLΛVO F

RON ΛN.LXV (No meio do O da 1a linha, bem como no da 2a há um ponto. Entre o F e o R da 2a linha há espaço para outra letra, mas não restam vestígios dela. Os FF apresentam o tipo cursivo de Alburno maior, também dito Dácico, usado no século II de Cristo. Idênticos nas lápides nos 32 e 40.) N° 22 – Lápide funerária, de granito, encontrada no cemitério de Lagomar freguesia de Donai, concelho de Bragança, e vinda para o Museu N° 22 por intermédio do reverendo Augusto Baptista Gonçalves, abade de Gondesende. Dizem que apareceu originariamente nas ruínas da capela de S. Tiago, no termo de Lagomar, juntamente com outras pedras com letras, que foram metidas nas paredes da capela de Lagomar por ocasião da sua reconstrução. Altura 0,50m, largura 0,40m, corpo das letras 0,04m. Uma quebradura levou-lhe parte da suástica. Flavo Fron(tonis filio) an(norum) LXV. Flavo, filho de Frontónio, de sessenta e cinco anos (jaz aqui). Foi publicada originariamente por Pinheiro (112), depois em O Nordeste de 14 de Dezembro de 1896 e mais correctamente em O Arqueólogo Português, vol. VI, p. 95, bem como por Hübner (113). (112) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., p. 100. Ver O Arqueólogo Português, vol. 6, p. 133. (113) Hübner, E. – Corpus..., II, n° 6.293.

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IMP FLΛVIO VΛLLERIO COSTΛNTIO OS Q

VLO

N° 23 – Miliário cilíndrico, de granito grosseiro, que apareceu enterrado no adro da capela de S. João, contígua à povoação de Lamalonga, concelho de Macedo de Cavaleiros, por ocasião de reparações na mesma, de onde veio para o Museu por intermédio de José Montanha. Altura 1,72m, circunferência na parte mais grossa 1,73m, corpo das letras 0,07m. N° 23 A 1a linha está completa; nas outras faltam as letras correspondentes ao espaço em branco. Na 3a são duvidosas as letras; as da 4a claras [32]. O imperador Flávio Valério Constâncio governou desde 292 a 306. Capela (114) menciona dois monumentos epigráficos deste imperador na região bracarense. É enorme a importância deste miliário, como mostraremos adiante ao tratar da estrada romana. Seguimos a leitura do coronel Albino Lopo, que foi quem originariamente a publicou (115), porque as letras estão muito comidas devido à erosão das águas de um caborco que arrasta os dejectos do povo, onde o colocaram a servir de suporte a um cabanal. Junto a este miliário apareceu outro anepígrafo que continua de espeque ao tugúrio. \BLECΛE DOVITRI. ΛΝ Ι (Na 1a linha antes do B há vestígios de outra letra; a letra final da 2a aparenta indícios de F. Falta a metade, inferior das letras da 3a linha, levadas por quebradura).

N° 24

(114) CAPELA, Martins – Miliários do Conventus Bracaraugustanus, 1895, p. 163. (115) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 12, p. 218.

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N° 24 – Lápide funerária, de mármore, encontrada numa adega em Malhadas, concelho de Miranda do Douro, de onde veio para o Museu, oferecida pelo reitor da freguesia, José Augusto Pires. Altura 0,28m, largura 0,28m, corpo das letras 0,03m, grossura 0,5m. Blecae Dovitri F(iliae) a(nnorum) L, ou seja: (memória consagrada), a Bleca, filha de Dovitri (falecida com) 50 anos. O nome Blecaeni aparece no pacto dos Zoelas, adiante mencionado no artigo Castro de Avelãs. O nome Dovitero encontra-se numa lápide funerária da vizinha província de Zamora (116). Este texto epigráfico foi originariamente publicado por Albino Lopo (117). José Leite de Vasconcelos voltou a referir-se a ele (118). DEO ERNO LVCR VALENS EX VOTO N° 25 – Ara votiva, de mármore branco, vinda de Malta, concelho de Macedo de Cavaleiros, onde estava à porta da capela do Senhor de Malta, por intermédio do Tenente Amadeu Humberto de Sá Morais. N° 25

(116) GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España..., tomo 1, p. 34. (117) LOPO, Albino, Portugália, vol. II, p. 289. (118) VASCONCELOS, J. L. de, O Arqueólogo Português, vol. 11, p. 373.

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Altura 0,98m, largura 0,34m, grossura 0,31m, corpo das letras 0,06m. Tem no topo um minúsculo foculus. Na 2a linha falta um A, levado por falha na pedra, devido a irem lá raspar pós miraculosos e aguçar navalhas. Sabe-se, porém, que deve ser A, pelo nome da mesma divindade memorado nas lápides de Castro de Avelãs. Vem a dizer: ao Deus Aerno Lucr(écio) Valente por voto, isto é, em cumprimento de uma promessa. Publicámo-la inicialmente em O Arqueólogo Português, vol. XIII, 1908, p. 184 [33]. BOVIΛ

ΛRRE

EIVCI

NΛE. B

L. ΛNX

ΛL. L.

ΛN

(Na 1a inscrição, adiante do L da 3 linha, parece haver um ponto). a

N° 26 – Lápide funerária dupla, de granito, encimada por suástica de sete raios, com 0,68m de altura por 0,33m, de largura e 0,9m de grossura, corpo das letras 0,02. Veio de Meixedo, concelho de Bragança [34]. Publicámo-la inicialmente em O Arqueólogo Português, vol. XXVII, p. 21, onde saiu menos exactamente devido a estar metida numa parede, como lá notámos. Sai agora correcta. Dirá: [memória erguida a] Bóvia l(liberta de) Lúcio (falecida com) dez an(os). Boviae Luci l(ibertae) N° 26 an(norum) X. E a outra: [memória levantada a] Arrena, l(iberta de) Bal(eso) [de...] an(os). Arrenae Bal(aesi) l(ibertae) an(norum). O nome Arrena encontra-se numa lápide da vizinha província de Zamora (119). Baleso aparece na epigrafia da próxima povoação de Donai e em Aldeia Nova (lápides nos 2 e 18). Bóvio é nome também conhecido na epigrafia bragançana e portuguesa (120). (119) GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España, tomo 1, p. 18. (120) O Arqueólogo Português, vol. 4, p. 155, e vol. 5, p. 79.

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ELANICVS. TA VRINVS. LAE SV VO. L. S. OL N° 27 – Árula votiva de pedra molar (talco), encontrada no sítio da Torre, contíguo à povoação de Ousilhão, concelho de Vinhais, e oferecida ao Museu pelo reitor João Manuel Gil Pereira. Diz o povo que no sítio da Torre, onde apareceu a lápide, havia uma capela, à qual os mouros do Castro, lugar do mesmo termo de Ousilhão, vinham à Missa. Altura 0,28m, largura 0,17m, grossura em média 0,07m, corpo das letras 0,015m. Elanicus Taurinus Laesu Vo(tum) L(ibens) Sol(vit). Elanico Taurino cumpriu de boa vontade a promessa feita ao Deus Leso. O monumento é ornado por uma espécie de Foculus e por um capitel formado por dois traços contínuos. Publicámos inicialmente este texto epigráfico em A N° 27 Voz de 15 de Dezembro de 1930. No termo de Ousilhão há um local chamado Castro, que é dos maiores que tenho visto, diz Pinheiro (121), e com mais vestígios de ruínas. Existem em todo ele cacos de cerâmica romana e de exportação em abundância e restos de colunas de granito. (121) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., p. 105.

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TΛVR INO A/ . L .

TΛVR INΛE A/ . VI

(Os A A não têm traço, a não ser o da 3a linha da 2a plana, que é conjunto com um N, bem como o correspondente da 1a). N° 28 – Estela discóide tríplice, de mármore branco, vinda de Palaçoulo, concelho de Miranda do Douro, para o Museu por intermédio do Dr. Raul Manuel Teixeira. Foi o cónego Manuel JoaN° 28 quim Cardoso, ao tempo pároco de Vila Chã de Braciosa, quem primeiro nos comunicou o seu aparecimento, acompanhado de um desenho do monumento. Altura 0,42m, largura 0,33m, grossura 0,6m, corpo das letras 0,03m. Vem a dizer: (memória levantada a) Taurino (falecido com) cinquenta anos e a Taurina (falecida com) seis anos. Na 3a plana não se divisam letras nem vestígios de que existissem. DM FESTO ΛN VIII

N° 29

DM ΛEST VO ΛN XX

(A 1a inscrição está completa; na 2a faltam algumas letras finais).

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N° 29 – Estela dupla, de mármore branco, vinda de Picote, concelho de Miranda do Douro, para o Museu por intermédio do Doutor Raul Manuel Teixeira. Foi o cónego Manuel Joaquim Cardoso quem primeiro nos comunicou o seu aparecimento, acompanhado de um desenho do monumento. Altura 0,29m, largura 0,20m, grossura 0,5m, corpo das letras 0,02m. O nome Festo aparece também na lápide n° 40. A 1a inscrição diz D(iis) M(anibus) Festo an(norum) VIII. A 2a não faz sentido, por falta de letras. DM

DM

ΛRRIVS

PLΛCIDVS

VXSORI

PΛTRI

ΛIIRΛ

ΛLLIO ΛN LXXX

N° 30 – Lápide funerária dupla, de mármore, encimada por suástica de seis raios, encontrada em Picote, concelho de Miranda do Douro, vinda para o Museu por intermédio do reitor da mesma freguesia, reverendo José António Fernandes de Carvalho. Altura 0,58m, largura 0,30m, grossura 0,4m, corpo das letras 0,02m. Na 4a linha da 1a plana, que provavelmente encerra o nome da mulher de Árrio, faltam letras por delidas: às da 2a plana estão todas completas. Diz: a 1a plana: Aos Deuses Manes. Árrio (levantou esta memória) a sua N° 30 mulher... Diz: a 2a plana: Aos Deuses Manes. Plácido (pôs esta memória) a seu pai Allio (falecido) com oitenta anos. Os nomes Árrio, Plácido e Allio são já conhecidos na epigrafia ibérica. Esta lápide foi inicialmente publicada por Albino Lopo em O Arqueólogo Português, vol. 5, p. 144, e depois por Hübner, Ephemeris Epigraphica, IX-291, com leves falhas agora supridas. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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FRONTONI. RVFI.ΛTIΛNI LIBERTO. V RVFINΛ (Adiante do V da 3a linha há vestígios de outra letra). N° 31 – Lápide funerária, de mármore, encimada por suástica de doze raios, aparecida em Picote, concelho de Miranda do Douro, mandada para o Museu de Bragança pelo reverendo José António Fernandes de Carvalho, reitor de Picote. Tipo discóide. Altura 0,60m, largura 0,32m, grossura 0,4m, corpo das letras 0,02m. Foi publicada inicialmente, acompanhada do respectivo desenho, N° 31 por Albino Lopo e depois sucessivamente por Hübner e Vasconcelos (122). É notável pela singularidade de apresentar como ornato simbólico duas figuras humanas a sustentarem uma urna. Diz: Frontoni Rufi Atiani liberto U(xor?) Rufina. Os F apresentam a singularidade que o desenho mostra, derivada da escritura cursiva. Todos estes nomes são conhecidos na epigrafia ibérica. Attianus aparece numa lápide da vizinha província espanhola de Zamora (123). Front(oni) encontra-se na lápide de Lagomar (n° 23) e Rufi noutra de Picote (n° 32). (122) O Arqueólogo Português, vol. 5, p. 144. HÜBNER – Ephemeris Epigraphica..., vol. 9, n° 202-a. VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 415. (123) GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España, tomo 1, p. 13.

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c

RVFINO RVFIΛN X C. (Por baixo do traço do F da 1a linha há um minúsculo «c» voltado com a abertura para baixo. O F da 1a linha e o da 2a são do tipo cursivo de Alburno, como os das lápides nos 22 e 40, usado no II século de Cristo).

N° 32

N° 32 – Lápide funerária, de mármore, encimada por suástica de seis raios, tipo discóide, encontrada em Picote, concelho de Miranda do Douro, e vinda para o Museu por intermédio do reitor da mesma freguesia, reverendo José António Fernandes de Carvalho. Altura 0,73m, largura 0,26m, grossura 0,6m, corpo das letras 0,03m. Diz: Rufino Rufi (filio) an(norum) XC, ou seja: a Rufino, filho de Rufi (falecido com) noventa anos. Foi publicada inicialmente, com o respectivo desenho, por Albino Lopo (124) e depois sucessivamente por Hübner (125) e Vasconcelos (126). REBVRINO BOUTI ΛN LXX

N° 33 – Lápide funerária, tipo discóide, de mármore, encimada por suástica de doze raios, encontrada em Picote, concelho de Miranda do Douro, e vinda para o Museu por intermédio do reitor da freguesia, reverendo José António Fernandes de Carvalho. Altura 0,80m, largura 0,33m, grossura 0,6m, corpo das letras 0,03m. Diz que está ali sepultado, com setenta anos de idade, Reburino, filho de Bouto. (124) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 5, p. 144. (125) HÜBNER, E. – Ephemeris Epigraphica..., vol. 9, n° 292-c. (126) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 416.

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Os nomes Reburino e Bouto são conhecidos na epigrafia ibérica e mesmo na bragançana (lápides nos 7, 19 e 46) [35]. Foi inicialmente publicada por Albino Lopo (127), com o respectivo desenho e depois sucessivamente por Hübner (128) e Vasconcelos (129). DEOCENAE CΛRETI. F ΛNN XL (O ponto adiante de Careti é duvidoso).

N° 33

N° 34 – Lápide funerária, tipo discóide, de mármore, encimada por suástica de seis raios, vinda de Picote, concelho de Miranda do Douro, por intermédio do benemérito reitor daquela freguesia, reverendo José António Fernandes de Carvalho.

N° 34

(127) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 5, p. 144. (128) HÜBNER, E. – Ephemeris Epigraphica..., vol. 9, n° 2.926. (129) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. III, p. 419.

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Altura 0,63m, largura 0,27m, grossura 0,3m, corpo das letras 0,025m. Foi publicada inicialmente, com o respectivo desenho, por Albino Lopo (130) e depois sucessivamente por Hübner (131) e Vasconcelos (132). Deocenae Careti F(iliae) ann(orum) XL, ou seja: Deocena, filha de Careto, falecida com quarenta anos. D

M

DΛNΛ N E L_ (Faltam letras no princípio da 2 a e 3 a linhas, levadas por quebradura, bem como no final da 3a e todas as da 4a Λ e N conjuntos na 3a. N° 35 – Estela discóide, de mármore branco, inédita, vinda de Picote, concelho de Miranda do Douro, para o Museu por intermédio do Doutor Raul Manuel Teixeira. Foi o cónego Manuel Joaquim Cardoso quem primeiro deu notícia do monumenN° 35 to, remetendo-nos o respectivo gráfico. Altura 0,42m, largura 0,28m, grossura 0,8m, corpo das letras 0,025m, No Museu de Leão (Espanha) vimos uma lápide votiva dedicada ao deus Donnaego, em cujo nome parece incluir-se o (D)ana da nossa inscrição, coisa nada estranhável, dadas as relações entre a nossa região e a de Leão, como se conclui, além da própria natureza da legião que deu o nome à terra, da lápide do nosso vizinho Lúcio Camplo Paterno, natural de Chaves, que publicámos no tomo VIII, p. 119, destas Memórias. (130) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 5, p. 144. (131) HÜBNER, E. – Ephemeris Epigraphica..., vol. 9, n° 292. (132) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 418.

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S I L V I Λ E . ΛN VILΛE.Λ>LX X. (O ponto do último Λ da 2a linha é em forma de arco de círculo como os da lápide n° 15 mas mais pequeno). N° 36 – Estela discóide, de mármore, encimada por suástica de doze raios, vinda de Picote, concelho de Miranda do Douro, por intermédio do Doutor Raul Manuel Teixeira. Altura 1,08m, largura 0,41m, grossura 0,11m, corpo das letras 0,04m. Foi por nós publicada em O Arqueólogo Português, vol. XXVII, p. 22, segundo informações mandadas pelo reverendo Manuel Joaquim Cardoso, ao tempo pároco de Vila Chã de Braciosa e actualmente (Junho de 1933) cónego da Sé de Bragança e professor do Seminário Diocesano. Agora reconstitui-se o texto rigorosamente, que diz: Silviae. Anullae. Λ (nnorum) LXX, ou seja: [monumento dedicado a] Sílvia Anula [falecida com] setenta anos. Também pode entender-se que a Sílvia é filiae libertae vel servae de Anula, mas N° 36 faltam elementos para tal supor. Teremos aqui uma mulher com prenome, caso não raro em textos anteriores ao império e nada estranho, como fenómeno retardatário, pois as letras parecem do I-II séculos? MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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O nome Sílvia e Sílvio aparecem em lápides da freguesia de Duas Igrejas, também do concelho de Miranda do Douro. A nome Ana é já conhecido (133) e o de Anuae aparece na vizinha povoação de Zamora (134). M. Gomez Moreno (135) apresenta o desenho de uma estela discóide muito semelhante à que estamos descrevendo, encontrada em Ciudadeja (Zamora), a qual, segundo a sua descrição, é «redondeada y ostenta la pareja de escuadros, y en torno cinco discos. Casi igual a otras de Picote [concelho de Miranda do Douro] y de León [Espanha]». O mesmo, nas p. 1, 13 e 14, descreve estelas encontradas na província de Zamora ornadas com gravados semelhantes aos que se vêem nesta de Picote e em várias outras do Museu de Bragança, semelhando colunas coroadas por um disco, ou, melhor, sepulturas em miniatura cavadas na rocha e chama-lhes «arquitos de ferradura». Ver p. 21 e 22 deste Catalogo. À aldeia de Picote, concelho de Miranda do Douro, pertencem «trez capelas huma das quaes fica para o nascente distante dous tiros de pedra, pouco mais ou menos, intitulada do Santissimo Cristo dos Carrascos, a qual foi algum dia igreja principal desta paroquia. Ha tradição de que esta capela foi mesquita de mouros, e ainda as paredes desde a parte do nascente até o meio indicam a sua antiguidade... As antiguidades de que ha tradição vulgar são as seguintes: que este lugar foi cidade chamada DeI-Cueto denominada por mouros; ha dentro dele e ainda por fora para a parte do Douro, sepulturas abertas a pico em fragas de cantaria; conservam-se vestigios de huma fortaleza para a parte do nascente em distancia de hua legua apartados do rio Douro cousa de um tiro de mosquete, no sitio a que chamam Cigaduenha, limite desta mesma aldeia, onde ainda se diviza por seus alicerces a muralha com o ambito de seis geiras de arado que levarão nove ou dez alqueires de semeadura, com a porta principal para a parte do Norte [36]. Mostra-se que em circuito ao mesmo muro havia hua calçada de pedras, entre as quaes se seguravam outras que sobresaiam na altura de três palmos em fileiras com distancias de palmo e meio de pedra a pedra, interpoladas de forma que as de hua ficavam na direitura dos veios e intermeios da outra forma, que por ela se não podia caminhar via recta e ainda hoje se conserva parte, da largura de vinte passos com pouca diferença; aqui em pouca distancia, para a parte nascente, existe hua fraga levantada a modo de baluarte, com o nome de Castelo de las Ruecas; nela se achou ha pouco tempo um alfange todo de metal amarelo. Mais abaixo, (133) CAGNAT – Cours d’epigraphie latine, p. 79. (134) GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España, tomo 1, p. 22. (135) Ibidem, p. 50.

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distante desta aldeia pouco mais de um tiro de bala, entre o nascente e o sul, ha outra fraga alta, desta parte tambem de Portugal, na margem do rio Douro com degraus abertos na cantaria da mesma fraga, no cimo da qual ainda se acham sinaes de muro e pedaços de argamassa. Pelo meio desta fraga desce hua concavidade profunda, em cuja boca se acha hua pedra preta diferente das que ha em aquele sitio, que está cobrindo a mesma boca; é inacessivel e na raiz desta fraga, para a parte do Douro, se vê destilar agua, ou licor de cor da ferrugem» (136). «Aqui se teem encontrado ultimamente diversos objectos, entre eIes uma fíbula de cobre ou bronze, cuja origem se atribue á idade do bronze ou principio da idade do ferro» (137). Sobre três pedras meteóricas caídas em Picote em fins de Setembro de 1843, ver Macedo Pinto (138). LABOENA CILVRNI VXORIS TAVI. CANCI N° 37 – Lápide de granito, encimada por suástica de dez raios, que encontrámos em Pinhovelo, concelho de Macedo de Cavaleiros, por informação do falecido Doutor António Júlio Pimentel Martins, em uma propriedade do

N° 37

(136) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico de Portugal. «O Arqueólogo Português», vol. 1, p. 11, e vol. 6, p. 111. (137) PEREIRA, José Manuel Martins – As Terras entre-Sabor-e-Douro, 1908, p. 212. (138) Farol Transmontano, 1845, p. 41 (primeiro jornal que se publicou em Bragança), onde se faz a sua descrição. A maior pesava 1.125 gramas; PINTO, Rui de Serpa – Resenha dos meteoros caídos em Portugal, 1932, p. 3, separata do n° 3 da revista «A Terra».

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Doutor António Maurício de Macedo Sarmento, médico militar, contígua à sua casa de habitação, que generosamente a cedeu ao Museu. Consta que veio da Terronha, sítio do termo de Pinhovelo, onde apareceram, além de outras antigualhas romanas, mais quatro lápides adiante citadas [37]. Está partida em três pedaços: o primeiro que compreende a cabeça, tem: altura 0,35m, largura 0,30m, grossura 0,13m; o segundo, que contém a suástica, tem: 0,37m, largura 0,30m, grossura 0,13m; o terceiro abrange o quadrúpede e tem: altura 0,79m, largura variável (0,30-0,21m), grossura 0,13m, corpo das letras 0,04m. Na 1a linha o L tem, bem claro, um pequeno traço incluso, semelhando uma cedilha ou um ponto em arco de círculo, como os da lápide n° 36; mas os mestres Drs. Leite de Vasconcelos e Wickert, que ambos viram pessoalmente a pedra, não fazem caso do pequeno traço incluso, lendo portanto – Laboena. Este ponto tem aspecto de ser gravado intencionalmente e de não provir de mera incisão acidental; reveste-o o mesmo tom patinado das outras letras, como que a indicar igual ancianidade. É certo que, paleograficamente, as letras, pela sua forma perfeita, bem equilibrada, proporcionada igualdade e equidistância inculcam o período áureo da literatura latina – I-II séculos – em que as mulheres já não tinham prenome, mas tiveram-no no período anterior, e, estando a região bragançana desviada de centros de comunicação, bem podia dar-se o caso do prenome, pois na arquitectura, indústria agrícola e respectivas alfaias, moda indumentária, canções populares, na rotina tradicionalista, etc., temos exemplos bastantes para provar que as modas levam muito tempo em irradiar dos centros para as periferias. Estará na lápide n° 36 outro caso idêntico? Mas isso tanquam nihil; os Mestres dizem Laboena e... causa finita est. Parece enguiço! Esta lápide, tão nítida nas letras e tão fácil de ler, apresenta seus quês, como as mais estropiadas. Na 3a linha, o genitivo VXORIS não faz sentido. Quando em primeira mão a publicámos (139) aventámos a leitura: L(ivia) Aboena Cilurni uxor (h) c (c) s(ita est) Tavi(us) Canci(us) [posuit]. Livia Aboena, mulher de Cilurno, aqui está sepultada. Távio Câncio erigiu-lhe este monumento... (140). É interessante pelo quadrúpede (um suíno?) a que o lapicida soube exprimir expressão de movimento bem nítida e porque representa uma estátua de mulher, a julgar pelo cordão (torques) que lhe ornamenta o pescoço, vinda em apoio da tese dos símbolos antropomorfos esquemáticos das estelas discóides tratada na p. 22, por onde se relaciona com a lápide n° 46. (139) Tomo I, p. 356, destas Memórias e O Arqueólogo Português, vol. 15, p. 2. (140) Em O Arqueólogo Português, vol. 24, p. 240, leram por forma diferente.

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Pela inscultura zoomorfa, liga-se às lápides da Bemposta (n° 8), Sacoias (n° 42) e Santulhão (n° 45). No tomo I, p. 357, destas Memórias publicámos inicialmente duas lápides funerárias, de granito grosseiro, que encontrámos em Pinhovelo, concelho de Macedo de Cavaleiros, por informação do Doutor António Júlio Pimentel Martins, já falecido, no sítio da Terronha, local junto à povoação, assinalado por vestígios de fossos e muros, cerâmica grosseira, vermelha e cinzenta, telha de rebordo, mós manuárias, tipo castrejo, pondus de barro cozido, fragmentos de louça saguntina, moedas romanas de cobre e de prata, uma das quais de Sexto Pompeu. 1a

W I N I... V N Λ... C I L V I../ F . Λ N N1a

2a

N Λ R I A / C L O U T I / I Λ N N / L X1a

A primeira está a servir de padieira à porta de uma loja na casa do Doutor António Maurício de Macedo Sarmento e parece referir-se a um F(ilius vel filia) CILV(rni?) ANN(orum)... [38]. A segunda está agora no Museu Etnológico Português e diz que Naria ou Maria (pedra falhada neste ponto), filha de Clouti, de sessenta anos, ali está sepultada. Na soleira da porta da sacristia da igreja matriz de Pinhovelo há outra lápide e ainda mais outra numa casa particular da mesma povoação (141). DM ΛVNIΛII PRITIN XI (O P da 3a linha, com o círculo que forma a pança aberto, é de forma arcaica. A 6a letra da mesma linha é um L e N conjuntos).

N° 38

N° 38 – Lápide funerária de granito, encimada por suástica de seis

(141) Também as publicámos em O Arqueólogo Português, vol. 15, p. 3.

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raios. Altura 0,55m, largura 0,28m, grossura 0,16m, corpo das letras 0,025m. Veio de Quintela de Lampaças, concelho de Bragança. Diz: Aos deuses manes Aunia [filha de] Prito de onze (a)n(os). Diis manibus Auniae Priti (filiae) (a)n(norum) XI. Dois ii valendo e são frequentes na epigrafia latina. O nome Aunia aparece em epígrafes da vizinha província de Zamora (142). «Tem huma, que se chama a Terronha; e ha tradição neste lugar é ter havido alli huma cidade de Mouros com o mesmo nome, que se denomina a Serra» (143). ΛRA OΛRO NISF. Λ LXX N° 39 – Lápide funerária, de granito, vinda de Rebordãos, concelho de Bragança, onde apareceu no sítio do termo chamado Vale de Pereiró, seiscentos metros a poente da povoação. Junto a esta encontrou-se a parte superior de outra lápide funerária ornamentada por um tridente, firmado no centro de uma meia-lua, que ajusta perfeitamente a esta, e por isso deve considerar-se como sua pertença, e mais outra lápide ilegível, por gasta nas letras. Vai adiante sob o n° 39-A. Altura 0,83m, largura 0,36m, grossura 0,13m, corpo das letras 0,04m. Está quebrada pelas letras da 1a linha, sem prejuízo das três primeiras: da 4a resta um leve vestígio de letra, talvez um S. Indica que ali jaz Ari... O, filho de Aron (falecido com) setenta anos. Foi originariamente publicada por Albino Lopo em O Arqueólogo Português, vol. VI, p. 96 e 133. N° 39

(142) GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España, tomo 1, p. 14, 30 e 31, e Boletim de la Academia de la Historia, tomo 45, p. 157. (143) Memórias Paroquiais de 1758. «O Arqueólogo Português», tomo 6, p. 160.

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N° 39-A – Parte de uma lápide funerária (?), de granito, partida pelo meio das letras da linha final, dando apenas indício de ser um Λ a primeira e um L a última. Altura 0,40m, largura da parte aparelhada 0,25m, grossura da mesma 0,15m [39]. D. .M FLΛO FESTI.F. A/ . X X X . STTL (Na 1 linha, além dos pontos, há um N° 39-A coração (heredae distinguentes), muitas vezes usado em lugar de ponto desde o tempo de Augusto, que aqui, por já haver pontuação, indicará um símbolo carinhoso, o qual não aparece na legenda gráfica por a isso não se prestarem os respectivos caracteres. O A e o N da 4 a linha são conjuntos: os FF do tipo Alburno, já assinalados nas lápides n° 22 e 32). a

N° 40 – Lápide funerária, de granito, encimada por suástica de seis raios, encontrada no lugar do Castro de Sacoias, concelho de Bragança [40], e vinda para o Museu por nosso intermédio. Altura 1,45m, largura 0,40m, grossura 0,18m, corpo das letras 0,05m. Diz a lápide: D(iis) M(anibus) Flao Festi F(ilio) an(norum)XXX s(it) t(ibi) t(erra) l(evis), ou seja: Aos Deuses Manes. Flao, filho de Festo, de trinta anos, aqui jaz, seja-lhe a terra leve.

N° 40

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Foi publicada por Pinheiro (144) e Borges de Figueiredo (145). O nome Festo vê-se também na lápide n° 29, inserta a p. 65. ARRO CLOV \A L T N° 41

N° 41 – Lápide de granito, encontrada no Castro de Sacoias, concelho de Bragança, vinda para o Museu por nosso intermédio. Altura 1,30m, largura 0,30m, grossura 0,17m, corpo das letras 0,06m. Foi publicada por Pinheiro (146), Borges de Figueiredo (147), Hübner (148) e na Revista de Guimarães (149). Figueiredo considerou-a votiva e lê: Arro Clou (tius?) a (nimo) l (ibens). Hübner parece não concordar e diz: Nescio num praestit Arro Cloutai. Neste caso, seria funerária. Dirá: Memória levantada a Arro, filho de Clouto, de cinquenta e tal anos, falecido. O nome Arro deve ser muito raro e Cloutius é de origem céltica (150). Cloutai, genitivo de Cloutaius, ou Clouti, genitivo de Cloutius. ... I X ... V N I S T T. L . N° 42 – Lápide de granito fino, vinda do Castro de Sacoias, conce-

N° 42

(144) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., p. 70. (145) FIGUEIREDO, Borges de, Revista Arqueológica. Ver O Arqueólogo Português, vol. 4, p. 47 e vol. 12, p. 257. (146) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., p. 70. (147) FIGUEIREDO, Borges de, Revista Arqueólogica e Histórica (1887). (148) Hübner, E. – Supplementum, VII. H. L. 903. (149) Revista de Guimarães (1889), p. 92. (150) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, 1905, vol. 2, p. 64 e 331.

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lho de Bragança, que encontrámos no sítio do povo chamado a Cancela, na parede de um lameiro. Letras bem feitas, como dos séculos I-II. Altura 0,44m, largura variável e na maior 0,21m, grossura 0,12m, corpo das letras 0,05m. Na 1a linha vê-se bem nítido um I e menos claro o X. Na 2a, a primeira letra parece a perna de um A, mas não se percebe bem devido a quebradura, que levou as primeiras letras desta carreira e da anterior; as outras são claras e parece que a lápide não tinha mais de três carreiras de letras. Inscrição inédita, gravada em quadrilátero, rebaixado na superfície da pedra. Por baixo do letreiro, em outro quadrilátero, há insculpido em relevo um quadrúpede, de que também a quebradura levou parte do corpo. Parece um suíno, e zoomorficamente relaciona-se com a de Castelo de Oleiros, da Bemposta (n° 8), com a de Pinhovelo (n° 37) e com a de Santulhão (n° 45). BOVIVS TALOGI. F ANN XXXV STTL

N° 43

N° 43 – Lápide funerária, cilíndrica, de granito, vinda do Castro de Sacoias. concelho de Bragança, para Baçal, onde estava metida na parede de uma casa, da qual foi para o Museu por nosso intermédio. Altura 1,40m, diâmetro 0,29m, corpo das letras 0,075m. Foi publicada por Pinheiro (151), Hübner (152) e em O Arqueólogo Português (153). Esta lápide tem uma história algo curiosa, na qual figuro pouco agradavelmente. Estava ela, como foi dito, metida na parede de uma casa particular nesta povoação de Baçal, concelho de Bragança, e sabia-se seguramente que viera de Castro de Sacoias. Indiquei-a a José Pinheiro que veio examiná-la numa tarde de Março de 1889, e, devido à falta de luz e a

(151) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., p. 69. (152) Hübner, E. – Supplementum, ao vol. 9, 104. (153) O Arqueólogo Português, vol. 4, p. 155, e depois corrigida no vol. 5, p. 7.

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estar parte dela metida na parede, com algumas letras tapadas, leu-a imperfeitamente e assim a publicou no Estudo atrás citado, p. 69. A 7 de Dezembro daquele ano fui nomeado pároco de Mairos, concelho de Chaves, e só em 1896, quando fui transferido para Baçal, pude satisfazer o pedido de Pinheiro, já então residente no Porto, que, em vista de Hübner pôr em dúvida a lição do seu Estudo, me pediu uma cópia; mandei-lha juntamente com as inscrições de três lápides que descobrira em Aveleda, Cimo de Vila da Castanheira (154) e Tronco, tudo no concelho de Chaves (155). Hübner pediu um decalque visto a minha lição divergir do texto de Pinheiro; remeti-lho por intermédio deste, tirando para isso a lápide da parede. Não se conformou; solicitou segundo, que igualmente remeti por intermédio de Pinheiro, e este, não querendo reconhecer que fora precipitado na leitura, insultou-me desabridamente em carta que conservo como baptismo de sangue no ingresso dos estudos arqueológicos. Descontou porém muito nesta contrariedade uma carta de Hübner, que pouco antes Pinheiro me comunicara, onde se lia em agradecimento às notícias que lhe fornecera: «Dit s’il vous plait, a ce monsieur, que j’estime hautement son zèle pour l’investigation et la conservation des monuments romains de son pays». E na sua monumental obra (156) lá indica as notícias que lhe forneci, mas isso em nada abona a minha incipiente vocação arqueológica, porque a leitura falha bastante: porém, nemo dat quod non habet. Daqui resultou que Hübner publicou novamente a lápide sob esta forma (157): BOVIVS TALOCIF ANN XXXV STTL Agora, surge o Doutor Lothar Wickert, grande epigrafista, sábio professor da Universidade de Berlim, que no Verão de 1931 estudou durante três (154) Esta é a lápide votiva n° 15, agora no Museu de Bragança. (155) Foram, por meu intermédio, para o Museu Municipal do Porto, visto ser então impossível trazê-las para Bragança, e publicadas por Hübner no Supplementum citado e na Portugália, tomo 2, fascículo 1, p. 124. Sobre o assunto, ver O Arqueólogo Português, vol. 11, p. 357. (156) HÜBNER, E. – Ephemeris Epigraphica Corpus Inscriptionum Latinarum Supplementum, 1903, vol. 11, nos 271, 272, 273, 274, 275 e 279. (157) HÜBNER, E. – Ephemeris Epigraphica..., vol. 9, n° 279.

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ou mais dias, quando eu estagiava no Arquivo de Simancas (Espanha), as lápides do Museu de Bragança, e diz que a 4a letra da primeira linha é um T cortado em forma de cruz (†), devendo portanto ler-se Boutius e não Bovius, como até aqui se tinha lido. Tem ou não tem enguiço a mofineja da pedra? Eis como ele a lê: BOV†VS TALOGI.F ANN XXXV STTL Mais acrescenta que a 5a letra da segunda linha lhe parece ser um G e não um C, como até aqui se tinha escrito. ReaImente, em O Arqueólogo Português (158) dá o Doutor José Leite de Vasconcelos a fotogravura da lápide votiva de Moncorvo, que adiante mencionamos no artigo respectivo, em que T e I conjuntos aparecem na forma de cruz, semelhante à apresentada pelo Doutor Wickert, para indicarem o título OP†MO de Júpiter. Nas mesmas condições aponta Tavares de Proença Júnior (159) uma lápide votiva de Castelo Branco, no nome das divindades AREN†AE (Arentiae) e AREN†O (Arentio). Mais exemplos se podiam citar, pois o facto é corrente em epigrafia. Tambem é verdade que por cima do nome BOVIVS, correspondendo à quarta letra, isto é, ao I, há uma cruz, mas de braços perfeitamente iguais, como a cruz grega, portanto diferente na forma das mencionadas atrás; a haste vertical desta toca, é certo, no minúsculo traço, que parece vestígio do I picado, mas não dá ideia de formar um todo com ele, pois o seu arranjo apresenta-se mais finamente gravado que o das outras letras da inscrição, de factura mais grosseira, larga e funda, das quais também diverge no patinado, o que não devia suceder se formasse com elas um todo e lhe fosse conjunta. Daqui a impressão de cruz e letras serem abertas em épocas diferentes, sendo o lapicida daquela mais perito e servido por mais fino cinzel. É bem visível a martelagem da 4a letra, da qual parece divisar-se um exíguo traço vertical, possível haste de um I, pois em tão pequeno espaço só esta letra ou outra igualmente estreita podia caber. Tenho uma vaga ideia de ouvir dizer em Baçal, quando era rapaz, que a cruz fora aberta para afugentar o mau espírito do mouro a quem a lápide (158) VASCONCELOS, J. L. de, O Arqueólogo Português, vol. 2, p. 169. (159) Idem, vol. 12, p. 177.

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pertencia, a fim de que não fizesse dano aos cristãos donos da casa onde se encontrava. Assim, a lápide era coisa excomungada e de abrenúncio, imprópria de casa católica: cristianizaram-na, porém, abrindo-lhe o símbolo próprio. Seria assim? A operação de lhe picarem a letra em questão, com o fim de a aclarar, haverá setenta anos que se fez, e não se levou a efeito por isso obstar o Padre Francisco Manuel Neves, falecido na Candaira (Bragança) na primeira dezena deste século, que aconselhou a sua conservação intacta, pois podia ainda vir a ter valor. Ainda hoje vivem em Baçal Francisco da Circuncisão Martins e irmãos, netos de Gracinda Lagarelhos, falecida pelos anos de 1880, que eu conheci muito bem, a qual mandou trazer a lápide do Castro de Sacoias, onde apareceu numa sua vinha. Nessa altura é que tentaram o aclaramento das letras. Mais, do alto da segunda perna do V (3a letra), desce um pequeno traço interceptado pela martelagem, que parece indício de uma letra conjunta como V\ , dando então a leitura de Bonvs ou Bounvs. Em conclusão: deverá ler-se Bovius, Boutius ou Bonus? Paleograficamente, fica exposto quanto julgamos adequado, e onomasticamente o caso tem pouca importância, visto estarem já registados os dois nomes, mesmo até na epigrafia bragançana com pequenas diferenças (lápides n° 26 a 33). Na 2a linha, o Talogi, em vez de Taloci, parece não oferecer dúvidas, sabendo-se que o C e o G epigráficos são de fácil confusão.

Gravura da lápide em referência

Para melhor inteligência do leitor, damos aqui a gravura do monumento que fica descrito.

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N° 44 – Cabeceira de sepultura cristã, de pedra molar, encontrada no adro da actual igreja paroquial de Sacoias, mas consta provir de outra igreja existente no Castro, da mesma povoação. Veio para o Museu por nosso intermédio. Altura 0,60m, largura 0,23m, grossura 0,17m. É interessante esta cabeceira de sepultura, porque, além de apresentar emblemas crucíferos dos dois lados mais largos, coisa frequente em muitas outras, tem, nos outros dois lados mais estreitos, emblemas geométricos de forma angular e triangular (160). Adiante (n° 50) damos outra lápide deste tipo cristão e na p. 22 já se tratou do seu significado. Acerca das lápides deste tipo aparecidas em Portugal, ver J. Leite de Vasconcelos (161) e Félix Alves Pereira (162). SEX TO ΛLΛVI N° 44

ΛNNXX

N° 45 – Lápide funerária, discóide, de mármore, encimada por uma suástica de doze raios, de letras tão apagadas que a custo se percebem as que damos, inteiramente baseados na leitura do Doutor Wickert, que supõe ver vestígios de um S no lugar da 4a letra da primeira linha, faltar outra no fim dessa mesma linha e haver vestígios de um T no fim da segunda. Parece tratar-se de um Sexto, filho de Alavo, falecido de vinte anos. Apareceu nas ruínas de S. Mamede, termo de Santulhão, concelho de Vimioso, onde há vestígios de povoado antigo, e veio para o Museu por intermédio do benemérito Eduardo Vaz de Quina, de Argozelo.

(160) Ver O Arqueólogo Português, vol. 23, p. 319, onde publicámos o desenho de todos os ornatos desta cabeceira de sepultura. (161) VASCONCELOS, J. Leite de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 73 e 75; O Arqueólogo Português, vol. 1, p. 280. (162) Idem, vol. 19, p. 334; Revista Arqueológica, vol. 1, p. 131.

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Altura 1,93m, largura 0,42m, grossura 0,12m. Por baixo da legenda há um quadrúpede, pelo qual se relaciona zoomorficamente com as mencionadas nos nos 8, 37 e 42. Foi publicada em primeira mão pelo Coronel Albino Lopo (163), acompanhada do respectivo desenho, e depois pelo Doutor José Leite de Vasconcelos (164). «A um quilómetro de distância, pouco mais ou menos, de Santulhão (Vimioso), existem as ruínas de uma povoação, chamada S. Mamede, que alguns dicionários se limitam a indicar como aldeia extinta entre Paradinha e Matela... Segundo a tradição popular, a povoação de S. Mamede foi abandonada pela grande quantidade de formigas que ali apareceram, que tudo destruíam, chegando até a comer as crianças deitadas nos berços. Tem aparecido grande quantidade de sepulturas, quase à flor da terra, com pequenas pedras dos lados, e uma tampa a cobri-las. Algumas das pedras que cobrem estas sepulturas são de mármore despolido, com alguns arabescos, cruzes e caneluras. Também ali foram encontradas algumas moedas de cobre e prata do feitio de meios-tostões» (165) [41].

N° 45

(163) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 6, p. 97 e 133. (164) VASCONCELOS, J. Leite de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 442. (165) De um artigo do Norte Trasmontano de 3 de Setembro de 1896, transcrito em O Arqueólogo Português, vol. 2, p. 299.

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REBVR RINO REBVR RIAXV N° 46 – Lápide funerária, em pedra molar (talco), vinda das ruínas da Devesa de Vila Nova, concelho de Bragança [42]. Altura 0,84m, largura 0,27m, grossura 0,10m, corpo das letras 0,05m. Contém o epitáfio de um Reburrino, filho de Reburro, falecido com quinze anos. Os nomes Reburrino e Reburro são frequentes na epigrafia ibérica, inclusive na bragançana (nos 7 e 33). A figura humana que encima esta lápide apoia a tese dos símbolos antropomorfos esquemáticos das estelas discóides exposta na página 18, e por este ponto relaciona-se com a lápide n° 37. SΛLΛI PINON N° 47 – Lápide de granito, encontrada em Vila Nova, concelho de N° 46 Bragança, para onde veio das ruínas romanas da Devesa, sítio do termo daquela povoação, agora no Museu de Bragança. O ornato parece ligar-se à meia-lua da lápide n° 48, aparecida no mesmo lugar. No final das duas carreiras de letras devia haver mais, mas não se percebem. O P da 2a linha, com a pança aberta, é do tipo arcaico.

N° 47

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Altura 0,35m, largura 0,22m, grossura 0,08m, corpo das letras 0,035m. Foi publicada em primeira mão por Albino Lopo (166). PINOV I.PROC N° 48 – Lápide de granito, encontrada em Vila Nova, concelho de Bragança, para onde veio das ruínas romanas da Devesa, sítio do termo daquela povoação, agora no Museu de Bragança. Não há dúvidas nas letras. Altura 0,83m, largura 0,27m, corpo das letras 0,03m, grossura 0,14m. É tambem ornada por um semicírculo lunar, com as pontas para baixo. Foi publicada em primeira mão por Albino Lopo (167), acompanhada do respectivo desenho, bem como as outras duas encontradas no mesmo sítio, e depois por J. Leite de Vasconcelos (168). A inscrição está gravada em superfície escavada na pedra, e na parte do rebordo que corresponde ao final da segunda linha parece divisarem-se vestígios das letras IS, que a N° 48 serem certas, completariam o nome I. PROCIS. Será acréscimo posterior, sem ligação com a legenda? Os PP têm a forma de tipo arcaico. BVRRΛL LCCIΛ

N° 49

N° 49 – Estela discóide, vinda das ruínas romanas da Devesa de Vila Nova, concelho de Bragança, para o Museu. É

(166) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 14, p. 51. (167) Ibidem. (168) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 408.

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ornada por uma meia-lua em alto-relevo voltada para cima, com a abertura contornada de três estrelas, cada uma de seis raios. Está partida pelo meio da segunda linha, de modo que estas ficam duvidosas. Nas da primeira linha não há dúvidas. Altura 0,43m, largura 0,32m, grossura 0,09m, corpo das letras 0,04m. A circunstância de esta e mais duas lápides de Vila Nova apresentarem por ornato o semicírculo lunar, bem como outra de Rebordãos (n° 39), junta à do nome Cova de Lua, onde apareceu a ara da deusa Bandua, e à da Fonte da Lua, de que falamos noutra parte, no termo de Conlelas, tudo numa mesma região confinante, esta circunstância – dizíamos – relacionar-se-á com o culto da Lua? Moreno (169) menciona uma lápide funerária romana encontrada em Rosinos, província de Zamora, confinante com o distrito de Bragança, ornada por semicírculo lunar como estas e cercada também por flores ou estrelas. Esta lápide foi originariamente publicada por Albino Lopo (170), que dá também notícia de outra (171) aparecida no mesmo sítio, da qual só resta a parte ornada pela roseta adiante mencionada sob o n° 49-A. N° 49-A – A parte superior de uma estela discóide, de granito, ornada por uma suástica de sete raios. Apareceu nas ruínas da Devesa de Vila Nova, bem como as anteriores. Altura 0,44m, largura 0,39m, grossura 0,15m. No termo de Vila Nova, concelho de Bragança, um quilómetro a sul daquela povoação, e quatro da cidade, nos locais chamados Devesa e Lombeiro Branco (ver artigo Donai), distantes entre si quilómetro e meio, há N° 49-A ruínas de povoados romanos, a julgar pelos objectos neles encontrados, tais como: muros, telhas, tijolos, cerâmica, lousas furadas, mós manuárias, pregos de pedra e de tijolo, moedas de cobre, uma das quais do imperador Tibério. Fica neste sítio a Cova do (169) GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España, 1927, tomo 1, p. 51. (170) O Arqueólogo Português, vol. 13, p. 314. (171) Ibidem, vol. 3, p. 127 e 148.

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Tesouro, assim chamada por nela se terem encontrado muitas moedas de ouro, conforme diz o povo. Segundo a tradição corrente em Vila Nova, essas ruínas eram chamadas antigamente «A quinta da Nogueirinha», e lá vive uma moura encantada, que alguém já viu transformada em cabra dourada. Supõem alguns escritores que a antiga Brigância está situada nestas ruínas (172) e como o S. Jorge, que se venera na capela de S. Sebastião em Bragança, ia todos os anos no dia 23 de Abril, montado em cavalo branco, vestido de general, lança em riste, apajeado por um piquete de cavalaria com a respectiva música de clarins, acompanhado de muito povo e rapazio, em procissão custeada pela Câmara Municipal de Bragança, assistir a uma missa cantada na sua capela de Vila Nova, situada em frente das ruínas atrás descritas, não entrando na capela, porque, se lá entrasse, não podia sair, e sendo guardada no adro pelos moradores de Vila Nova, a fim da evitar que fugisse para as ruínas, pois da mesma forma lá ficaria, entende-se que tal usança representa a cristianização do culto pagão pela capela e por S. Jorge, levado para Bragança após o despovoamento do vicus ou pagus correspondente às actuais ruínas com obrigação, moral pelo menos, de o conduzirem lá anualmente a visitá-las, a passar-lhes revista. O facto de o guardarem para que não fugisse para as ruínas equivale à lenda concernente a vários outros santos e santas, já memorados nestas páginas, os quais, transportados para as igrejas dos povoados, fugiam de noite para as suas capelazinhas dos castros ou de locais assinalados por vestígios de civilizações arcaicas. É natural que nesta cristianização a igreja procurasse no seu calendário um santo de virtudes ou predicados correspondentes ao deus pagão que ia substituir, herdando-lhas mesmo muitas vezes na liturgia e conceito popular. Possivelmente, aqui em Vila Nova o fanum, sacellum ou loca sacra seria dedicado a algum deus mavórtico, e o povo, sem preocupações teológicas de maior, ficou sempre adscrito a um culto guerreiro, sem ligar grande importância ao protagonista, quer ele se chamasse Marte, Apolo, vencedor da serpente Pythoni, Perseu, do monstro que atacava N° 49-B (172) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., p. 59. O Arqueólogo Português, vol. 3, p. 155.

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Andrómeda, Hércules, das suas famosas empresas guerreiras, quer S. Jorge ou o arcanjo S. Miguel, exterminador da serpente infernal. O culto é que valia: o nome era coisa secundária. Também nas mesmas ruínas da Deveza de Vila Nova apareceu a lápide funerária que inserimos na página anterior, sob o n° 49-B, provavelmente de que se não conhecem as letras [43]. N° 50 – Cabeceira de sepultura cristã, em granito, tipo palmatória, encontrada na Quinta do Doutor Albino, sítio de Vale de Álvaro, junto a Bragança [44]. Altura 0,66m, grossura 0,15m. É ornada por uma cruz em cada lado. Para a sua descrição, ver a lápide n° 44. N° 51 – Lápide funerária, de granito, tipo discóide, ornada por uma suástica N° 50 de sete raios, encontrada na cerca do Convento de S. Bento, contígua a Bragança. Altura 0,82m, largura 0,38m, grossura 0,14m. Da primitiva inscrição nada existe; todavia, conhece-se, pela suástica, que deve ter sido funerária; foi-lhe raspada para lhe escreverem o seguinte letreiro: D. João Franco d(e) Oliveira Ar(cebispo) Bispo / abba(dessa) D. C(atari)na / d(as) Chagas an(o) d(e) 1715/ sahio a fonte. Publicámo-la menos rigorosamente no tomo II, p. 57, destas Memórias. D. João Franco de Oliveira, arcebispo da Baía, de onde foi transferido para Miranda, governou esta diocese desde 1715 (173). N° 51 (173) Ver o tomo II, p. 55, destas Memórias, onde damos a sua biografia.

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N° 52 – Lápide de granito, tendo insculpida uma meia-lua e uma estrela de oito raios. Apareceu enterrada no sub-pedâneo do altar da capela dos Figueiredos, na igreja de Santa Maria de Bragança. Ver o tomo I, p. 325, e tomo II, p. 278, destas Memórias. Altura 0,80m, largura 0,63m, grossura 0,08m. N° 53 – Lápide de granito, tendo insculN° 52 pida a cruz de Cristo. Possivelmente serviu de cabeceira de sepultura a algum cavaleiro desta ordem. Apareceu enterrada no supedâneo do altar da capela dos Figueiredos, na igreja de Santa Maria de Bragança. Ver o tomo I p. 325, e tomo II, p. 278, destas Memórias. Altura 0,88m, largura 0,64m, grossura 0,08m. Pertencente à família dos Figueiredos, também há no Museu uma lápide brasonada, que esteve junto às portas da igreja de S. Francisco, em Bragança. Escudo dividido em pala: na da direita, as cinco folhas de figueira, dos Figueiredos; na da esquerda, três arruelas.

N° 53

N° 54 – Lápide de pedra molar, tendo insculpida num lado a cara de uma mulher e no outro, correspondente à grossura, a de um homem. Deve ter servido de marco sepulcral.

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N° 54

Estátua jacente dupla? Altura 0,38m, largura idem, grossura 0,15m. Apareceu ao demolir uma casa pertencente aos Figueiredos, na Rua do Jardim, em Bragança. No Livro do Inventário dos objectos existentes no Museu Municipal de Bragança, fol. 5 v., consta que nele havia «numa pedra trabalhada, de granito grosseiro,

esculpida uma figura de mulher apanhada por umas garras. Indica ter servido suporte tumular e foi encontrada junto da Igreja de Santa Maria, na vila desta cidade. Oferecida ao Museu pelo general António Saldanha. Mede de altura 0,59m e de largura 0,23m». N° 55 – Estátua jacente (?) de mulher, insculpida em granito. Estava em Freixiel, concelho de Vila Flor, no adro da igreja paroquial e veio para o Museu por intermédio de Alexandre Álvares Pereira de Aragão Lobo, de Freixiel. Ver o tomo VI, p. 712, destas Memórias. Altura da pedra 1,04m, largura 0,52m, grossura 0,21m.

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N° 56

N° 56 – Lápide de granito, aparelhada, que certamente completava a inscrição começada noutra desaparecida, pois não apresenta sinais de quebradura; no entanto, faltam-lhe letras do lado esquerdo. Letras muito nitidas e bem feitas, algumas inclusas e conjuntas nas três últimas carreiras. Altura 0,38m, largura 0,60m, grossura 0,26m. Letreiro moderno. Estava em Rabal, concelho de Bragança, na fachada de uma casa de Manuel Baía, agora de José de Morais, de onde veio para o Museu por dádiva deste. Certamente não era este o seu lugar primitivo, pois falta a inicial do letreiro. Na 2a e 6a linhas aparece o Q de tipo arcaico e a letra 13 [45], que lemos por C, é de traços rectos como de E a que faltasse o traço do meio. A 1a linha parece conter uma divisa ou letreiro cavaleiresco; as outras dirão: ...Aqui asiste hum / (cri)ado do emcelenti(ssim) / o senhor conde Coi... / (c)hamado Manoel Baceca / (pe / la orde que deu seu amo. Dizem em Rabal que mandou fazer o letreiro um padre da mesma povoação, residente em Lisboa. N° 57 – Lápide sepulcral, de granito, encontrada em Janeiro de 1933 no sítio do Prado, termo de São Martinho do Peso, concelho do Mogadouro, de onde veio para o Museu por intermédio do Doutor Casimiro Henriques do Morais Machado, que generosamente fez todas as despesas de aquisição e transporte. Junto a ela apareceu outra pedra de granito aparelhada, semelhando fuste de coluna. Diz: † Protheus fecit / Thuresmude uxo / ri sue obiit ipsa / sub die VIIII k(a)l(endarum) ja / nuar(ii) era DCLXXII. Ou seja: Proteu levantou este moimento a Turesmuda, sua mulher, falecida aos 9 das calendas de Janeiro da era de 672. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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MUSEU REGIONAL DE BRAGANÇA

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N° 57

Ora, como o IX dia das calendas de Janeiro corresponde a 24 de Dezembro e o ano 672 da era de César ao ano cristão de 634, resulta que Turesmuda morreu a 24 de Dezembro do ano de 634. É interessantíssima esta lápide como documento de bela arte gráfica, sinal de que as perturbações dos bárbaros se não tinham feito sentir muito aqui; como exemplar de raro valor paleográfico pelo típico feitio das letras que apresenta e ainda porque contém o texto epigráfico mais antigo de carácter cristão encontrado no distrito de Bragança [46].

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ABREIRO

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ABREIRO Na serra de Santa Catarina, termo de Abreiro, concelho de Mirandela, há uma capela dedicada a Santa Catarina, erecta sob ruínas e restos de muralhas de povoação dos mouros (174). Adiante tratamos destas ruínas. Há no termo de Abreiro um local com vestígios de civilização neolítica, chamada Arcã [47], e no povo um cruzeiro elegante, onde está o brasão de armas de Diogo de Mendonça Corte Real, ministro de D. João V [48], que foi quem mandou fazer a ponte de Abreiro sobre o Tua, composta de dois arcos, um dos quais gigantesco [49]. Diz a lenda popular que a ponte, a Arcã e o cruzeiro foram construídos de noite pelo diabo, que prometeu também fazer uma estrada da ponte à povoação, a troco da alma de uma moça que lhe entregaria para mais comodamente passar o rio, a fim de ir buscar água a uma fonte sita na margem esquerda. Segundo as cláusulas do contrato, o diabo daria a ponte concluída numa só noite, antes de cantar o galo. Quando mais afanosa trabalhava uma legião de demónios, carregando, aparelhando e assentando pedras, cantou o galo. Que galo é? – perguntou o rei das trevas infernais. Galo branco – responderam-lhe. Ande o canto – ordenou ele. A breve espaço novo có-cro-có se ouviu. Que galo é? – tornou o mesmo. Galo preto. Pico quedo, vociferou ele. Faltava apenas uma pedra por assentar nas guardas da ponte e assim ficou, pois, por mais vezes que os homens a tenham lá colocado, aparece derrubada pelo diabo no rio na noite seguinte (175). Na Idade Média, antes de ser bem conhecida a técnica construtiva dos grandes arcos, muitos desabavam, de onde a formação da lenda que atribui ao demónio os que via arrojados ou as obras de superior labor. São frequentes lendas idênticas, e é deveras interessante a que atribui também ao diabo a catedral de Colónia, a fim de conseguir a alma do arquitecto. (174) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico..., artigo «Abreiro». COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, 1706, tomo 1, p. 447. Ver adiante o artigo Antas. (175) Lenda igual se refere à Calçada de Alpajares, também conhecida por Calçada Mourisca, e à ponte a ela ligada, no termo de Poiares, concelho de Freixo de Espada à Cinta. A ponte, de um só arco, muito grande e de má serralharia, sem cimento, causa pasmo pela sua duração de tantos séculos. Ver O Arqueólogo Português, tomo 6, p. 41, onde se refere a mesma lenda aplicada a outra ponte.

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ABREIRO

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Realmente o arco da ponte de Abreiro era muito grande (foi derrubado pela grande cheia de 1909) e parecia lançado sobre um abismo (176). O cruzeiro de Abreiro, obra de merecimento a um dos melhores do seu género da região bragançana, obedece ao tipo dos monumentos arquitectónicos chamados edículas. Consta de quatro pilares, ligados no alto por outros tantos arcos de pleno centro, que sustentam um tambor e respectiva cimalha, no qual se apoia uma cúpula, tudo de granito local, amarelento, aparelhado. Toda esta armação, que não terá menos de oito a dez metros de altura, serve de suporte a uma imagem de Cristo e da Virgem, também de granito. O fuste, todo ilustrado por caneluras, alternando com faixas, cai de um plinto, segundo os modelos clássicos. A lenda popular, referente ao construtor, dimana de sustentar-se vai em duzentos anos, a cúpula apenas sobre os quatro pilares, sem se fender ou arrombar com eles. Da Arcã falamos adiante, no artigo Antas (177). A 27 de Agosto da era de 1343 (ano de Cristo 1305) doou el-rei D. Dinis ao grande comendador de Malta D. Frei Garcia Martins e sucessores a igreja de Santo Estêvão de Abreiro e o padroado dela (178). Como por mais de uma vez temos de nos referir ao Dicionário do Padre Cardoso, julgamos conveniente transcrever as referências que lhe faz um grande arqueólogo. Diz ele: por três ocasiões no nosso país a classe paroquial prestou em comum relevantes serviços, informando os poderes superiores sobre o que havia de mais notável nas respectivas freguesias. A primeira foi pouco antes de 1747, e sobre as notícias fornecidas por todos os párocos de Portugal formou o Padre Luís Cardoso, a pedido de quem se executou esta obra meritória, um trabalho que ficou incompleto devido ao terremoto de 1775 [50], escapando só o que já estava impresso. Não desanimou o oratoriano, e em 1758 tinha outra vez em seu poder abundante material, também fornecido pelos párocos, que todavia não chegou a coordenar. Esta colecção conserva-se manuscrita no Arquivo Nacional e dela se aproveitou João Maria Baptista para a execução da sua importante corografia.

(176) Sobre a ponte e o cruzeiro de Abreiro, ver o tomo VI, p. 2, 738 e 739, destas Memórias. (177) Sobre Abreiro, ver BARROS, Henrique de Gama – História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, 1896, tomo 2, p. 122. (178) FIGUEIREDO, José Anastácio de – Nova Malta Portuguesa, parte 2, cap. 242°, p. 351, onde diz que a doação está no Livro 3° de D. Dinis, p. 46.

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ABREIRO | ADEGANHA

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Em 1862 procedeu-se a novo inventário de coisas notáveis: esse trabalho, que se conserva, talvez impropriamente, no Ministério das Obras Públicas, foi também de grande auxílio para aquele autor. A parte propriamente corográfica das respostas aos interrogatórios de 1758 já foi completamente explorada por J. Maria Baptista. A parte antiquária foi também explorada por Emílio Hübner, que publicou as inscrições no Corpus Inscriptionum Latinarum, vol. II, Inscriptiones Hispaniae Latinae. Borges de Figueiredo também de lá tomou alguns apontamentos como se vê na Revista Arqueológica, e da mesma forma se aproveitou O Arqueólogo Português (179). Convém também pôr em relevo os serviços prestados às ciências arqueológicas pelo bispo de Bragança D. José Alves de Mariz com a publicação de notável pastoral sobre Arqueologia, de 15 de Outubro de 1897, que por forma brilhante concorreu para o incremento do Museu de Bragança (180). ADEGANHA No Castelo Velho, sítio do termo de Adeganha, concelho de Moncorvo, «há muita pedra, que parece ruína de fortaleza antiga e dizem ser um castelo de mouros, e mais adiante, no sítio em que hoje se acha a Senhora do Castelo, dizem que houvera antigamente uma grande cidade, da qual ainda se descobrem parte de muros» (181) [51]. A igreja paroquial de Adeganha é românica, de uma só nave, e nas paredes vêem-se pedras embutidas com figuras esculpidas em meio relevo, como na igreja de S. Facundo, de Vinhais. Apresenta medalhões historiados, bestiário, figuras grotescas de homens com orelhas ou focinhos de animais, lobos ou raposas, ao que parece. No lado exterior da parede está gravada a data 1112, que indicará o ano da construção do templo [52]. Entre as suas alfaias destaca-se uma cruz paroquial gótica. No pavimento da igreja, em campa rasa de granito, vê-se a legenda: S.a do L.do Ma.l/da Cos/ta R.or d/esta ig/morreo/no anno de 1660.

(179) VASCONCELOS, José Leite de, O Arqueólogo Português, vol. 2, p. 62. (180) Idem, vol. 4, p. 58, e vol. 5, p. 44. (181) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico..., artigo «Adeganha». Ver Memórias Paroquiais de 1758. «O Arqueólogo Português», tomo 2, p. 64.

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ÁGUAS

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ÁGUAS RESTOS DO CULTO DAS ÁGUAS, RIOS, FONTES, ÁRVORES E FOGO Que estas crenças permaneciam ainda entre nós no século VI da era cristã, mostra-se dos cânones organizados por São Martinho, bispo de Dume, bem como por várias crendices supersticiosas de que a etnografia nos aponta vestígios, ainda hoje existentes no nosso povo (182). É crença geral em todo o distrito de Bragança que a água dos rios e fontes está benta na manhã de São João (24 de Junho) e na de São Pedro (29 de Junho) e que produz efeitos benéficos ou curativos em muitas moléstias e antídotos nas feitiçarias [53]; por isso, além das abluções próprias, os lavradores vão lá banhar seus gados bovino, ovino e caprino. É também costume geral levarem o mesmo armentio a dar volta pelos adros dos santuários ou capelas existentes nos campos e montanhas, fora dos povoados, no dia da festa dos respectivos oragos, incorporando-o mesmo algumas vezes no cortejo processional e carregando à cabeça ou pendente do jugo com sacos, onde vai o cereal que, em cumprimento da promessa, oferecem ao santo festejado. Em geral, nos adros destes santuários há uma ou mais árvores colossais, respeitada religiosamente, ninguém se atrevendo a cortar-lhe pernadas ou a colher-lhe o fruto, sem consentimento do pároco ou mordomos, porque o padroeiro fere com moléstias, geralmente sezões, os violadores sacrílegos. Como adiante nos referimos muitas vezes ao angaranho e respectivos banhos curativos, convém explicar o que isto seja. Angaranho, anqueilhado ou caílho, é uma espécie de raquitismo e enfraquecimento que ataca as crianças de leite e as de idade inferior a cinco anos, incapazes de andar por se não segurarem nas pernas. Os banhos devem obedecer aos seguintes preceitos rituais: uma mulher leva a criança e outra trá-la para casa, devendo, sempre que seja possível, ter o nome de Maria; vão e voltam silenciosas; a criança é mergulhada completamente, sustentando-a uma pelos pés outra pela cabeça, deixando-lhe ao mesmo tempo ir o enxoval pela água abaixo e vestindo-lhe depois outro. De um modo geral, às águas de virtudes medicinais, ou como tais supostas, chamam Fontes Santas e Águas Santas. Em algumas terras bragançanas também se cura o angaranho passando três vezes a criança pela abertura de uma árvore nova, que se rachou ao meio para este fim, tornando-a depois a unir e ligar por forma que solde e não seque, porque, se tal suceder, não se produz a cura. (182) Ver sobre o assunto VASCONCELOS, J. Leite de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 566, onde se faz um largo extracto desses cânones, acompanhado de eruditas notas bibliográficas referentes ao assunto.

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Quando tudo isto resulta inútil e a criança, um pouco mais idosa, continua amarelecente e definhada, é preciso recorrer a uma mulher de virtude, geralmente a que teve dois gémeos de um parto, que a leva à lameira de um alto na encruzilhada de caminhos, colocando-a no centro de um signo-salomão, traçado por regos na lameira, fazendo-lhe ao mesmo tempo rezas especiais. Estas mulheres têm também virtude para pisar as torções e veias que tomam vento, bem como para benzer quebrantos, espinhela caída e outros padecimentos. Os pulos e saltos por cima das fogueiras de arçã, rosmaninho, sal-puro e de outras plantas balsámicas, feitas nas ruas durante a noite de São João, livram de bruxedos, feitiçarias e de outras moléstias, segundo reza a crença popular. Também, segundo a mesma, os atacados de sarna e outros sofrimentos cutâneos saram, indo espojar-se na dita manhã sobre o linho dos linhares. O povo distingue perfeitamente entre águas medicinais cientificamente ditas, de efeitos terapêuticos naturais, e águas das chamadas Fontes Santas e dos angaranhos, anqueilhados ou caílhos, de efeitos curativos sobrenaturais ou como tais supostos. Daquelas, há no distrito de Bragança as seguintes nascentes: Agrobom, concelho de Alfândega da Fé, no sítio de S. Lourenço; Alfaião, concelho de Bragança. Fonte dos Banhos. Água hipo-salina-sulfúrea-férrea (183), muito frequentada pelos reumáticos. Todavia, o Padre Luís Cardoso (184) atribui-lhe também eficácia na cura das «crianças engaranhadas» e para as «feridas». Bem Saúde (fonte). No concelho de Vila Flor, um quilómetro da estrada a macadame desta vila para Moncorvo. Muito eficaz em doenças do estômago, bexiga, fígado, rins, intestinos, reumatismo, gota, diabetes, escrofulismo e linfatismo. Bragança. «Tem boas águas e duas fontes notáveis: a de Afonso Jorge e a do Conde, ambas medicinais para expelir pedra e areias da bexiga». Castro de Avelãs, concelho de Bragança. Fonte de Penso. Goza de grande fama em moléstias cutâneas, já memorada no Tombo dos Bens do Cabido de Miranda feito em 1691, sempre crescente desde então até hoje. Izeda, concelho de Bragança. Fonte das Águas Ferradas. Moimenta, concelho de Vinhais. Água sulfúrea-férrea (185). (183) LOPES, Alfredo Luís – Águas Minero-Medicinais de Portugal, 1892, p. 113. (184) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico..., 1747, artigo «Alfayam». (185) LOPES, Alfredo Luís – Águas Minero-Medicinais..., p. 296.

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Olmos, concelho de Macedo de Cavaleiros. Fonte do Escarledo, muito eficaz em moléstias reumáticas e estomacais. Penso, freguesia de Edral, concelho de Vinhais. A fonte nasce no leito do rio Rabaçal, e as suas águas, de efeitos similares às de Vidago, são muito procuradas para doenças estomacais. Pombal, concelho de Carrazeda de Ansiães. Fonte chamada Caldas de São Lourenço, por brotar perto da capela deste santo. São conhecidas há perto de trezentos anos, pelo menos (186), como eficazes em curas reumáticas (187). É curiosa a explicação que os padres do Tibete (Lamas) dão das águas térmicas. Dizem eles «que o fogo, vendo-se cheio de pecados, pelos muitos males que fazia no mundo... se fora pedir remédio ao Pagode Badrid, o qual lhe disse que ficasse naquele lugar com ele, que assim ficaria purgado de todos aqueles pecados; teve o fogo por grande mercê esta que lhe fazia o Pagode, e assim se ficou a seus pés; e por isso saía aquela fonte de água tão quente» debaixo do Pagode. Este fogo teve primitivamente o poder de converter em ouro tudo quanto tocava, diz a mesma lenda, mas perdeu tal virtude devido à cobiça de um ferreiro que lançou lá grande quantidade de ferro a fim de enriquecer (188). Adiante, ao tratarmos da fonte da Beira Grande, apontamos lenda similar quanto à perda da virtude, mas por outra razão. Santa Cruz, concelho de Vinhais. Águas radioactivas, destinadas a um grande futuro, muito concorridas de doentes. Vale de Nogueiras, concelho de Bragança. Vinhas, concelho de Macedo de Cavaleiros. Idêntica nos efeitos à da Fonte de Escarledo, termo de Olmos, no mesmo concelho. Vimioso. No sítio da Terronha, margem direita do rio Angueira, termo de Vimioso e a quatro quilómetros da vila, brota «uma nascente de águas férreas e outra de águas sulfurosas frias, muito aproveitáveis para tratamento de moléstias de pele» (189). Vinhais. «Afirma-se que a melhor água da província de Trás-os-Montes é a que existe no rossio da vila de Vinhais, em uma fonte admirável. Por mais que se beba dela nunca ofende o estômago e facilita muito a exclusão de areias e pedras» (190), Hoje, esta água está inquinada pelas infiltrações (186) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, tomo 1, p. 437. (187) LOPES, Alfredo Luís – Águas Minero-Medicinais..., p. 348. (188) ANDRADE, António de – O descobrimento do Tibete em 1624, edição de Francisco Maria Esteves Pereira, 1921, p. 53. (189) PEREIRA, José Manuel Martins – As Terras de Entre-Sabor-e-Douro, p. 199. (190) CASTRO, João Baptista de – Mapa de Portugal..., 1762.

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fecais das casas sobranceiras à fonte, sendo, por isso, utilíssimo que a nascente se procurasse no ponto conveniente, acima das recentes construções. Além das fontes de qualidades medicamentosas especiais adiante mencionadas, têm virtude contra o angaranho as seguintes: No concelho de Alfândega da Fé, a Fonte dos Angaranhos, no termo de Agrobom, e a Fonte da Moura, perto da igreja Matriz de Pombal. No concelho de Bragança, a Fonte do Caílho, no termo de Parâmio; a água do rio Pepim, na sua junção com o Sabor; a Fonte dos Angaranhos, no termo de Soutelo da Gamoeda; e a do mesmo nome, perto da Senhora do Viso (Aviso, diz o povo) no termo de Serapicos. No concelho de Carrazeda de Ansiães, a Fonte dos Angaranhos, na Venda Nova, bairro de Parambos. No de Macedo de Cavaleiros, a Fonte dos Angaranhos, no termo de Ferreira; idem, no de Gradíssimo, Grijó de Vale Benfeito, Pinhovelo, e na fonte da Charça, termo de Salselas. No de Mirandela, a Fonte do João Frio, termo de Alvites; a Fonte dos Angaranhos, no termo dos Couços, freguesia das Múrias; idem, na de Vale da Sancha e a Fonte de Vale do Carro, termo de Vila Boa. No concelho do Mogadouro, o Poço de São João, termo de Travanca. No concelho de Vila Flor, a Fonte Carvalha, termo do Nabo. No concelho do Vimioso, a Fonte de Terronha, termo de Uva. Barcel. Nesta povoação, concelho de Mirandela, «ha uma fonte, á qual vão levar os meninos quando estão doentes, e dentro do espaço de oito dias, ou melhorão, e cobram saude, ou morrem; do que ha repetidas experiencias nestes moradores» (191). Beira Grande. No termo desta povoação, concelho de Carrazeda de Ansiães, havia uma Fonte Santa muito concorrida de enfermos, para remédio de seus padecimentos, mas secou-se porque curaram nela as mataduras de um burro; nunca mais deitou água, diz o nosso informador. O Padre António Carvalho da Costa (192) menciona tambem esta Fonte Santa como eficaz para a cura dos meninos que nela lavam. Bruçó. «Dizem que a água da fonte do Calvário Velho [termo de Bruçó, concelho do Mogadouro], cura as sezões» (193). (191) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico..., 1751, artigo «Barcel». (192) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, 1706, tomo 1, p. 436. (193) PEREIRA, José Manuel Martins – As Terras de Entre-Sabor-e-Douro, 1908, p. 91.

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Carrapatas. No termo de Carrapatas, concelho de Macedo de Cavaleiros, «uzam os moradores da agua uma fonte chamada Fonte Santa: em alguns tempos lança uns olhos de azeite, que se manifestam sobre a agua: tem virtude para curar a fleuma salgada e os meninos leprosos, e os que padecem o achaque de aranganho» (194). Esta fonte nasce no sítio chamado Serrinha. Carrazedo. As fontes de Carrazedo, concelho de Bragança, «principalmente do campo, são tão frias, que caindo-lhe algum bicho, ou animal pequeno, acaba logo a vida; entre estas, as mais celebres nesta qualidade são as do Corisco e Escudeiro: no inverno são muito quentes e temperadas» (195). Casares. No povo dos Casares, concelho de Vinhais, há uma fonte de água tão fria, que metendo-lhe dentro um quarto de carneiro o come todo sem lhe deixar mais que os ossos e não faz mal aos moradores que dela bebem (196). Há outra idêntica no lugar da Freixeda, concelho de Miranda do Douro (197), mas Carvalho da Costa (198) diz que esta Freixeda da fonte fria é no concelho de Mirandela. Na Freixeda, freguesia de Salsas, concelho de Bragança, há outra fonte de qualidades frígidas idênticas, segundo dizem. Cércio. No povo de Cércio, concelho de Miranda do Douro, há uma fonte muito bem feita, em arco de cantaria, eficaz na cura da dor de pedra (199). Chacim. No termo de Chacim, concelho de Macedo de Cavaleiros, há uma fonte em uma fraga, junto ao rio Azibo, que crescendo o rio se inunda a fonte, com tal singularidade, que vão subindo as águas da fonte pela fraga acima, fugindo das do rio; tem virtude para sarar os meninos de fogo ou tolhimentos: é mais frequentada nos dias de São João, São Lourenço e São Pedro: a cor das suas águas é clara, o cheiro de enxofre, e os seus limos semelhantes às claras dos ovos» (200). Coelhoso. A uns cem metros da capela de Santo António, no termo da povoação de Coelhoso, concelho de Bragança, fica a fonte do Milagre, (194) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico..., 1751, tomo 2, artigo «Carrapatas». (195) Ibidem, artigo «Carrazedo». (196) CASTRO, João Baptista de – Mapa de Portugal..., 1762, parte 1a, artigo «Fontes». (197) Ibidem. (198) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, 1706, p. 452. (199) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico..., 1751, artigo «Cercio». (200) Ibidem, artigo «Chacim».

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onde ainda hoje os lavradores no dia da festa do santo, depois de darem volta à capela com seus bois e outros gados, os vão aspergir com água da Fonte. Coleja. Há no termo desta povoação, concelho de Carrazeda de Ansiães, uma Fonte Santa, onde vão lavar as crianças raquíticas no dia 24 de Agosto (festa de São Bartolomeu), porque as cura, robustecendo-as e desenvolvendo-as. Felgares. «Em a quinta dos Felgares, termo da villa de Freixiel, que he vesinha a este concelho, está huma cappella da invocaçam de Sam Gens, e junto della huma cerdeira e dando esta seo fruito maduro nos principios de Junho, dois ramos della, que cahem sobre a mesma cappella, fiquam sem produzirem naquelle tempo devido seo fruito; e criando depois flores e cereijas as tem maduras no dia do mesmo Sam Gens, a 25 de Agosto. E toda a pessoa que as come antes do dia do Santo lhe dam no mesmo instante fortes maleitas, ainda que nunca as tivesse, e toda aquella que as come depois de sua festividade, ainda que de muitos annos as padeça, he logo livre dellas, por cuja rezam já ninguem lhas come antes daquelle dia, e nelle toda a pessoa as procura haver asi para remedio das ditas maleitas, que he achaque que muito reina nesta terra» (201). Em Baçal, concelho de Bragança, há, junto à capela de São Sebastião, um grande sardão (quercus ilex), e dizem que dão maleitas a quem lhe cortar qualquer galho. A mesma crendice corre em Argozelo a respeito de outro que há junto à capela de São Bartolomeu, a que aludimos na p. 34. Freixeda. Ver Casares. Lagoaça, concelho de Freixo de Espada à Cinta; Fonte Santa, muito concorrida de doentes e afamada em curas [54]. Macedo do Peso. O Cabeço do Chocalho, termo de Macedo do Peso, é tão abundante de águas que, exploradas, fariam andar dois moinhos, mas não as pesquisam por temerem que a corrente leve a povoação. Nas Palas da Tinha, também termo de Macedo do Peso, há uns buracos que no Inverno deitam fumo como se dentro houvesse fogo [55]. (201) Memórias de Ansiães, por João Pinto de Morais, reitor de São João Baptista, extramuros de Ansiães, e António de Sousa Pinto (natural de Marzagão, que também assinava António de Sousa Pinto de Magalhães), 1721, manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, § 35.

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Marmelos. A povoação de Marmelos, concelho de Mirandela, tem dez fontes, e uma delas medicinal para diversas enfermidades (202). Mazouco. Na povoação de Mazouco, concelho de Freixo de Espada à Cinta, há junto à igreja paroquial uma nascente chamada Fonte do Xido [56], que «costuma começar a lançar suas aguas no mez de Março, e se o anno hade ser fertil de pão, lança muito pouca e se hade ser esteril, lança mais agua no tempo do estio, que nos mezes antecedentes» (203). Misquel. No termo de Misquel, concelho de Carrazeda de Ansiães, há uma nascente chamada «a fonte Bieita, dizem, tem virtude para os achaques dos meninos que nela lavam» (204). Da mesma fonte diz o Padre António da Cunha e Almeida: «pouco abaixo da povoação ha uma fonte de agua milagrosa: diz a tradição que passando ali o arcebispo D. Frei Bartolomeu dos Martyres pela estrada proxima, fora lá beber dessa agua e que achando-a excelente a abençoara; e por isso é tida por curativa de males especialmente de crianças rachiticas, a que o vulgo chama o mau-olhado, que sendo mergulhadas tres vezes naquela fonte ficam curadas» (205). É já antiga esta crença, porque as Memórias de Ansiães escritas em 1721 (206), dizem a tal respeito: «no limite do lugar de Misquel, junto da ribeira que lhe passa ao sul pouco distante do lugar, está huma fonte, cuja agoa tem particular virtude para muitos achaques, especialmente de pessoas novas, por cujo respeito ha para ella huma geral concorrencia de gente de muitas partes a qoal se chama Fonte Bieita, palavra antiga da bençam que a vulgar tradiçam tem, lhe fora lançada pelo Illustríssimo e dig.mo Senhor Frei Bartolomeu dos Martyres, Arcebispo Primaz de Braga, a cuja bençam se atribue sua grande virtude». Mós. No termo de Mós, concelho de Moncorvo, há uma fonte «que chamam do Gogo, e medicinal e em dia de S. João Baptista levão os meninos a lavar-se nela, dando-lhe certo banho, e suores e assegura a experiencia que ou logo logrão melhoria em seus achaques, ou brevemente morrem; e

(202) CASTRO, João Baptista de – Mapa de Portugal Antigo e Moderno, 1762, artigo «Fontes». (203) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, 1706, tomo 1, p. 431. (204) Ibidem, p. 428. (205) Relação nominal de todas as freguesias do Concelho de Carrazeda de Ansiães, 1887, p. 16. (206) Manuscrito da Torre do Tombo, § 45.

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ÁGUAS

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tambem nela se lavam pessoas maiores com bom sucesso em suas enfermidades; e é de notar que, lançando esta fonte no discurso do ano moderada agua, pela meia noite da vespera do dia de S. João começa a lançar em grande quantidade e assim continua todo o anno» (207). Paradela. No termo de Paradela, concelho de Mogadouro, fica a Fonte Santa, eficaz em moléstias cutâneas. Quebradas. No termo da quinta das Quebradas, concelho do Mogadouro, fica a Fonte Santa, nascente de água morna, de virtudes curativas nas moléstias de olhos [57]. Sabor. O rio Pepim nasce em Espanha, na vertente este da serra de Montesinho, divide ao meio a povoação de Aveleda, banha o termo de Baçal e entra no Sabor no sítio chamado Trambe-las-Águas (Entre ambas as águas), termo de Oleirinhos, freguesia de Meixedo. No ponto da junção, a água tem virtude contra o angaranho e lá vão banhar as crianças. São Salvador. Em São Salvador, concelho de Mirandela, há a Fonte do Bispo, por ser aberta, segundo diz a lenda, com uma bengala por D. António da Veiga Cabral e Câmara, bispo de Bragança, falecido naquela povoação em 1819. As virtudes curativas da fonte, extraordinariamente procurada pelos doentes de várias moléstias, resultam da bênção especial que o bispo (santo no conceito popular, não só no local, mas mais ou menos geral na diocese e fora dela) lhe lançou. Ainda hoje, nas grandes estiagens, nas grandes chuvadas, nas crises agrícolas, o povo de São Salvador recorre à intercessão do Santo Bispo, como ele lhe chama, e lhe atribui a bênção dos frutos nas colheitas prósperas. Urros. No termo de Urros, concelho de Moncorvo, junto à capela de Santo Apolinário, «ha um grande cipreste e um belo chafariz, alimentado por optima agua potavel, e diz a lenda que o cipreste nasceu de uma gota de agua que o santo ali vasara de uma cabacinha, que tinha enchido quando passou o Douro, e a agua do chafariz a fez rebentar neste sitio; e muita gente lhe chama fonte santa e faz uzo desta agua no tratamento de algumas moléstias; mas não consiste aqui só a maravilha, porque estando tres

(207) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, 1706, tomo 1, p. 477.

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ÁGUAS | AGROBOM | AGUIEIRAS | ALFAIÃO

TOMO IX

quilometros distante do Douro, dizem que se comunica com elle, de sorte que a agua da fonte está clara quando o Douro corre limpo, e se faz turva quando o rio tambem assim vai» (208). Vale dos Lobos. No termo desta povoação, concelho de Mirandela, há uma fonte chamada Água Santa.

AGROBOM No sítio das Ferrarias, termo de Agrobom, concelho de Alfândega da Fé, «dizem que houvera nele antigamente fabrica de ferro» (209). Perto do povo de Agrobom «se vê um casarão arruinado, que dizem foi edifício dos mouros» (210). AGUIEIRAS A ermida de Nossa Senhora do Castelo, termo das Aguieiras, concelho de Mirandela, «fica sobre o rio Rabaçal: está cercada de uma muralha, de que aparecem umas escaças ruinas e é tradição ser dos mouros» (211). A propósito das esculturas rupestres das Aguieiras, ver o artigo Pré-história. ALFAIÃO No termo de Alfaião há «duas fontes, a que chamam as fontes dos banhos, com singularidade particular nas suas aguas; porque a da que fica junto ao caminho se tem experimentado, que as crianças engaranhadas, banhando-se nela, sarão do achaque. A que fica mais visinha ás pedras do monte tem a singular propriedade de curar as feridas, lavando-se com ela por alguns dias, por cuja causa são frequentadas de muita gente» (212).

(208) PEREIRA, José Manuel Martins – As Terras de Entre-Sabor-e-Douro, 1908, p. 85. COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, 1706, tomo 1, p. 428. (209) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Agrobom». (210) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, 1706, tomo 1, p. 461. (211) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Aguieiras». (212) Sobre os banhos de Alfaião, ver: LOPES, Alfredo Luís – Águas Minero-Medicinais de Portugal, 1892, p. 113. PINTO, A. F. Macedo – Anais do Conselho de Saúde Pública do Reino, tomo 3, p. 130. MONTEIRO, Severiano, e BARATA, João Augusto – Catálogo Descritivo da Secção de Minas da Exposição Nacional de Indústrias Fabris, 1888, p. 384.

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ALFAIÃO | ALFÂNDEGA DA FÉ

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«No alto da Veiga [termo de Alfaião], onde chamão Val de Castro se mostra que em tempos antigos houve castelo e ainda pela parte do poente tem um fosso e contrafosso, abertos em pedra e algumas vezes tem-se achado ferros de extravagantes feitios; e na mais alta sumidade se mostra haver castelo e tem para a parte do sul como estacada de pedras de louza feita ao antigo» (213). No vale dito Veiga pelo povo, que fica ao sopé de Castro, está a capela da Senhora da Veiga, mais outra cristianização das ruínas pagãs, muito concorrida de romeiros na sua festividade de 15 de Agosto, na qual se vê um ex-voto pintado em tabuleta de madeira, oferecido por um lavrador que, vendo os bois precipitados no alto fragueiro, recorreu à Senhora e foi ouvido, vendo-se, por isso, arado e bois suspensos miraculosamente no ar. Falando de Alfaião, diz Pinheiro (214): «Há quase junto à povoação um Castro, cuja flecha está ainda perfeita e seguindo para as termas há um monte em que havia um alinhamento. As lajes foram transportadas pelo dono de uma vinha, na ocasião em que andava fazendo uma casa no dorso do monte, umas para fazer vedações e outras para construção da casa. Pinho Leal [in Portugal Antigo e Moderno] cita o alinhamento, que diz ser segundo o stylo antigo». Parece-nos que este alinhamento não tem relação com os monumentos conhecidos por este nome em arqueologia. A notícia, a nosso ver, foi tirada do Dicionário de Cardoso, atrás citado, e deve referir-se às pedras espetadas de ponta na plataforma dos Castros; como hoje ainda vemos nos de Penhas Juntas, Picote e outros.

ALFÂNDEGA DA FÉ «Também há tradição que desta vila e seu termo saíram vinte e cinco homens de esporas douradas a expugnar um mouro potentado [58], que tinha seu domicílio em um monte que está à vista da vila de Chacim, fazendo-se no dito sítio insolente com os muros que o cercavam e o contramuro do Rio Azibro (sic), e Escabrosa, que era a entrada do lugar donde vivia, e desta fortaleza pedia por feudo às vilas circunvizinhas umas tantas donzelas, ao qual os moradores desta vila e seu concelho responderam com armas, e unidos com os de Castro Vicente pelejaram com tal valentia que, matando o mouro e seus sequazes, desassombraram os lugares vizinhos, ficando todos em tranquilidade e sossego, e esta dizem ser a causa

(213) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Alfayam». (214) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada romana de Braga a Astorga, 1895, p. 55.

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ALFÂNDEGA DA FÉ

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desta vila se acrescentar o título da Fé, chamando-se dantes a Vila de Alfândega, sem outro algum sobrenome. No lugar em que o mouro habitava se erigiu uma ermida com o título de Nossa Senhora de Balsemão (215). Ver adiante o artigo Espadanedo. Alguns escritores põem em dúvida o tributo das donzelas pago pelos cristãos aos mouros; no entanto parece que existiu. O Chronicon Cerratense (216), escrito no meado do século XIII, refere-se-lhe nestes termos: «Era DCCCCLXXII. Rex Ramirus commisit praelium cum Sara cenis, Divo Jacobo visibiliter adjuvante: et excussit grave jugum à cervicibus Christianorum: nam usque ad illum diem dabant eis C. Virgines deludendas». Diz-se que este tributo das cem donzelas fora prometido pelo rei Mauregato, que morreu em 788, a Abderrahman, rei mouro de Córdova, em paga do auxílio que lhe prestou contra seu próprio sobrinho D. Alonso, que o despojou do trono (217). Nem o caso é de grande estranheza para quem conhece os costumes medievais, de que Viterbo (218) nos dá um pequeno vislumbre. E que tal costume houve mesmo no distrito de Bragança, bem como mostra o toponímico Osa [59], que adiante apontamos, bem como o foral de Santa Cruz da Vilariça e outros que publicámos nos tomos III e IV destas Memórias. No distrito de Bragança, como vemos pelos respectivos forais que publicámos nos tomos que ficam citados, pagava osas em Ansiães a viúva que passava a segundas núpcias; o marido que expulsava a mulher, repartindo com ela a fazenda e depois a tornava a receber; porém, não lhe dando nada, ficava escuso, embora a voltasse a receber. Em Freixo de Espada à Cinta, a viúva que passava a segundas núpcias dentro do ano do falecimento do marido; e em Freixiel, a viúva que casava dava um maravedi para valugas, ou uma libra de cera se fosse pobre. Também se pagavam osas em Rebordãos e Santa Cruz da Vilariça. Ainda a propósito do tributo das donzelas, lemos no Privilegium quod dicitur votorum de el rei D. Ramiro I, datado do ano de 884, o seguinte: Fuerunt igitur in antiquis temporibus (circa destructionem Hispaniae á Sarracenis factam Rege Roderico dominante) quidam, nostri antecessores pigri, negligentes, desides, et inertes Christianorum Principes,

(215) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Alfândega da Fé». O padre António Carvalho da Costa na Corografia Portuguesa, 1706, p. 456, alude à mesma lenda. (216) FLOREZ – España Sagrada, tomo 2, p. 112, onde vem publicado na íntegra. (217) O padre Juan de Mariana, Historia General de España, edição de Valencia de 1787, tomo 3, p. 68, dá como certa esta pensão, mas na p. 427, vem um largo Ensaio Cronológico, em que se analisam os costumes medievais similares com larga erudição e termina por negar tal tributo. (218) VITERBO – Elucidário, artigo «Osas».

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ALFÂNDEGA DA FÉ | ALGOSINHO

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quorum utique vita nulli fidelium extat imitanda. Hi (quod relatione non est dignum ne Sarracenorum infestationibus inquietarentur, constituerunt eis nefandos redditus de se annuatim persolvendos, centum videlicet puellas excellentissimae pulchritudinis (219).

ALGOSINHO «Diz-se por tradição ser este lugar [de Algosinho, concelho do Mogadouro] antigamente numeroso e haver tido sessenta cavaleiros de espora dourada. Por baixo deste lugar se vê, e ainda fora da terra, em cinquenta palmos de altura um castelo demolido, e dizem ser fabricado pelos mouros, e pelos vestígios se manifesta fora bem fortalecido» (220). A povoação de Algosinho, catorze quilómetros a nascente do Mogadouro e oito da estação ferroviária deste nome, assenta na encosta da ribeira de Algosinho, coisa de seiscentos metros acima do Castelo do Mau Vizinho, também chamado Castelo dos Mouros, ou simplesmente Castelo, que é um pequeno recinto de vinte metros de diâmetro, pouco mais ou menos, cercado por muros de mais de metro de grossura, por um fosso e por uma faixa de dez metros de largura cravada de pedras de mais de metro de altura com a ponta aguçada para cima, à laia de estrepes, a fim de dificultar os ataques da cavalaria e infantaria. Do Castelo resta apenas um cômoro, que deixa supor a sua localização, dos muros e estrepes, pequenas ruínas, pois as pedras têm sido levadas à formiga para tapagem de propriedades particulares. Nem cerâmica, nem moedas, nem qualquer elemento de referência cronológica vimos indicativo da época em que o Castelo foi utilizado. Dada a sua pequena área, é possível que servisse apenas de refúgio provisório, nos momentos críticos, aos moradores de um povoado, também extinto, sito um pouco acima, entre o Castelo e Algosinho, onde aparecem restos de casas, de telhas de rebordo e de louça grosseira, bem como moedas romanas, e provavelmente daqui foram as duas lápides romanas adiante apontadas. Contíguos ao recinto do Castelo ficam enormes rochedos graníticos agrupados, semelhando torres de uma fortaleza natural, debruçada sobre a ribeira de Algosinho em declive inacessível. Outra civilização mais antiga

(219) FLOREZ – España Sagrada, tomo 19, p. 330, onde o documento vem transcrito integralmente. (220) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Algosinho».

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ALGOSINHO

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deixou aqui traços da sua passagem na Pedra Balouçada, de granito com 1,35m x 0,74m, que oscila quando impulsionada, e nas insculturas rupestres que tem incisas bem como noutras fragas do grupo, desta forma:

a que o povo chama ferraduras, a Fraga das Ferraduras à que as ostenta. Do primeiro tipo vimos quatro insculturas na Pedra Balouçada; do outro, duas apenas, uma de cada, em fragas distintas [61]. A esta civilização pertenceria o bezerro de granito, de quase um metro de comprimento e meio de largura, encontrado em 1876 nestes sítios, bem como a fíbula de metal amarelo do tipo das de Picote, segundo noticia Pereira (221). Ao sopé do Castelo, junto à ribeira, no sítio da Penastoca, há, cavada na rocha, uma gruta ou caverna, de que se não sabe o comprimento, e outra a meio da encosta.

Igreja de Algosinho

(221) PEREIRA, José Manuel Martins – As Terras de Entre-Sabor-e-Douro, p. 117. O bezerro foi destruído.

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ALGOSINHO

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Galerias para extracção de minérios? Habitações do homem pré-histórico? A lenda fala num grande tesouro aqui encontrado por um espanhol. A igreja paroquial de Algosinho é de granito lavrado, assente à fiada na orientação nascente-poente, segundo o tipo clássico. Tem de comprimento 25,95m e de largura 8,95m. Foi já adulterada por reconstrução posterior, mas a fachada, rosácea, porta respectiva e o arco cruzeiro são do traço primitivo. A porta principal na fachada é de ogiva de lancetas, sem molduras nas arquivoltas; à mesma singeleza e tipo arquitectónico obedece outra porta no lado norte da igreja, agora tapada, e a correspondente no lado sul, ainda utilizada, bem como o arco cruzeiro, por cima do qual há pinturas a fresco ainda apreciáveis. Na fachada, por cima da porta, há uma rosácea Hexalfa entupida de argamassa externamente, deixando ver na parte interna um interessante hexalfa, aqui reproduzido. É deveras interessante este símbolo religioso pré-histórico, associado ao culto cristão e que de alguma forma auxilia a interpretação que demos (222) a propósito da tão discutida estrela de seis pontas no personagem indevidamente chamado Judeu dos Painéis de São Vicente, de Lisboa, atribuídos a Estêvão Gonçalves [62]. Outra particularidade apresenta ainda o monu-

Fachada da igreja de Algosinho

(222) A Voz, de 1 de Janeiro de 1933. O hexalfa, vulgarmente chamado sino-saimão goza de grandes créditos mágicos; foi adoptado como símbolo pelos Templários e aparece nas suas igrejas em Tomar, Alcobaça e Loulé. Algosinho pertenceu aos Templários.

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ALGOSINHO

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mento, e é que da porta principal para o interior do templo se desce uma escada formada por doze degraus de granito aparelhado, dando ao todo um aspecto de cripta de muita raridade e única no distrito de Bragança. No corpo da igreja, que é de uma só nave, há agora dois arcos de volta redonda, devidos certamente à reconstrução, se bem que os plintos, de onde arrancam, devem ser primitivos, a julgar pelos quadrifólios que os ornamentam. A pia baptismal, apesar de lisa e despida de ornatos, tem traço de românica. O campanário é tipicamente românico, e, a julgar por ele, pelos arcos ogivais, rosácea e modilhões, pode entender-se que o edifício é românico de transição, ou seja do século XIII. Tanto do lado norte como do sul, a cornija é sustentada por trinta e um modilhões historiados, rudes e grotescos alguns, satíricos, obscenos, animalescos e artísticos outros. Caras de homens, mulheres, cães, porcos, falus e nádegas traduzem no jogo fisionómico o naturalismo sarcástico da arte medieva, a que o lapicida juntou o idílio ou ironia de duas figuras num modilhão a beijarem-se. Entre as muitas siglas, que internamente (223) marcam as pedras, tomámos nota das seguintes, copiadas pelo nosso dedicado companheiro Dr. Casimiro Henriques de Morais Machado, do Mogadouro:

Na parede do adro da igreja de Algosinho, à mão esquerda da porta de entrada, há uma lápide de mármore branco, evidentemente romana e funerária (figura 1), de que desapareceu por quebradura a inscrição, ficando apenas a parte inferior com os ornatos da gravura que publicamos na página seguinte. Na mesma parede e lado está, em pedra de granito, a lápide da figura 3, que deve ter pertencido à cabeceira de sepultura cristã. A lápide da figura 2 é de mármore branco e está na mesma parede à mão direita da porta ou, melhor, cancelo de entrada. É ornada por uma suástica de doze raios, e, por baixo, em superfície rebaixada, há vestígios de uma inscrição, já ilegível por gasta. É funerária e romana. Cada uma destas

(223) É para notar a circunstância das pedras terem a sigla para o lado de dentro da igreja, mas na do Azinhoso e na Vila dos Sinos, suas contemporâneas e vizinhas, sucede o mesmo.

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ALGOSINHO

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lápides regula por um metro de altura, menos de meio de largura e um quarto de espessura. É de urgente necessidade que a igreja de Algosinho seja tomada à conta dos Monumentos Nacionais e se lhe façam as necessárias reparações, pois jaz ao abandono; chove nela como na rua; o telhado ameaça próximo desabamento, com perigo de sepultar nas ruínas seus fregueses, absolutamente falhos de meios para a reparar, e a veneranda antiguidade que representa, a escola de educacão artística e cívica que exemplifica, bem merecem olhos de ver para jóia de tanto valor [63].

Fig. 1

Fig. 2

Fig. 3

A sua ancianidade anda na lenda popular, tomada como termo de comparação para indicar vetustez, pois afirma: é tão velho como a igreja de Algosinho, que ninguém sabe os anos que tem (224). A mesma lenda revela a sua importância, dizendo que os da Bemposta (oito quilómetros distante) vinham antigamente aqui à Missa e que os presbíteros, ordenados de novo dentro de uma grande área, eram obrigados a vir celebrar a primeira Missa à igreja de Algosinho. Deve ainda pesar muito no caso a circunstância de Algosinho ser o centro de três civilizações: romana, românica e neolítica, bem documentadas, sendo portanto justo que se ponham olhos de ver nas ruínas do segundo, obstando o maior descalabro, mesmo porque é quase certo que, com o motivo das obras, surgirão novos achados, que iluminem os outros, ou resolvam alguns dos problemas em que a pré-história labora.

(224) O mesmo prolóquio aplicam à Vila dos Sinos.

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ALGOSO | ALIMONDE

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ALGOSO A vila de Algoso, concelho de Vimioso, esteve antigamente no sítio chamado Penenciada, cabeço perto da actual povoação, de onde se mudou «por ser o sítio desabrido e falto de águas, ficando só naquele uma igreja de N. S. da Assunção, chamada vulgarmente do Castelo... Junto a esta igreja está um castelo forte, fundado sobre um grande despenhadeiro, que estendendo pela ladeira abaixo, por espaço de meio quarto de légua, não dá passagem até às margens do Rio Angueira. É obra dos mouros» (225) [64]. Segundo a lenda, o senhor do castelo de Algoso, quando se dispunha a cometer mais uma das suas arbitrariedades infames – a violação de uma donzela arrebatada ao noivo, foi surpreendido por el rei D Pedro, o Justiceiro, que lhe aplicou uma daquelas ferozes sanções memoradas com espanto na história (226). A 13 de Fevereiro da era de 1329 (ano de Cristo 1291) fez el rei D. Dinis, em Coimbra, composição com o grande comendador da Ordem do Hospital, D. Fernão Peres, chamado o Mossejo, acerca da comenda de Algoso e outras terras próximas (227). Numa fraga distante cento e cinquenta passos da ponte de Algoso, caminho para a povoação de Vale Certo, concelho de Mogadouro, há a inscrição junta, que ninguém é capaz de ler, segundo diz o povo, cuja cópia devemos ao Padre Manuel Maria Borges, pároco de Algoso, que provavelmente se refere à construção da ponte em 1727 e uma recomposição em 1737.

ALIMONDE «Defronte [de Alimonde, concelho de Bragança], no fundo de uma serra, cara ao poente se vêem, distância de meio quarto de légua,

(225) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Algoso». Hoje (1933), a lenda diz que o despovoamento foi por causa das formigas devorarem tudo. No local aparecem ossos e telhas de rebordo. (226) SILVA, Luís Augusto Rebelo da – Contos e Lendas, 2a edição, 1908, vol. 1, p. 110. (227) FIGUEIREDO, José Anastácio de – Nova Malta Portuguesa, parte 2a, §§ 213 e 214, onde diz que a concordata se encontra na Gaveta XII, Maço 1, n° 15, copiada da leitura nova, no Livro 2° de Direitos Reais, fol. 161.

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ALIMONDE | ALVAREDOS | ANSIÃES

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onde chamam a Terronha, vestígios, que parecem ser de algum castelo antigo, com outro a modo de atalaia, distante um largo tiro de mosquete; porém não há notícia de quem o habitasse; dizem comumente ser obra dos mouros» (228).

ALVAREDOS O monte da Picota, termo dos Alvaredos, concelho de Vinhais, «afirma a tradição ser habitação dos mouros e se vêem vestígios de paredes arruinadas e uma célebre gruta feita ao picão na rocha viva, de tal capacidade, que recolhera dentro em si um regimento de infantaria» (229). Ver o artigo Cavernas.

ANSIÃES Ansiães, vila despovoada, sede primitiva do actual concelho de Carrazeda de Ansiães. Ver artigo Marzagão. Da vila de Ansiães restam as muralhas de granito aparelhado, ainda relativamente bem conservadas, com suas torres e duas igrejas profanadas. Uma delas é uma maravilha de arte românica, que, para vergonha da intelectualidade artística portuguesa, jaz no maior abandono. Conta abundantíssima literatura (230) [65]. A meio do recinto fortificado de Ansiães há vestígios de uma cisterna ou poço que comunicava por baixo de terra e do Rio Douro com as ruínas de Freixo de Numão, treze ou mais quilómetros distantes, segundo diz a lenda popular. Abundam nas ruínas as lendas idênticas a esta, aplicadas a outros locais. Em virtude da carta de el-rei D. Dinis, de 5 de Novembro da era de 1348 (ano de Cristo 1310), dirigida a «Juliam Periz meu pobrador d’Anciaães», procedeu-se a um inquérito de testemunhas para determinar as confron-

(228) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Alimonde». (229) Ibidem, artigo «Alvaredos». (230) Memórias de Ansiães, 1721, manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa. ARGOTE, Jerónimo Contador de – Memórias para a História Eclesiástica do Arcebispado primaz de Braga, 1732-1747, tomo 2, p. XVII, XX e XXII; tomos 3, p. 322, e 4, p. 332, 503 e 505. CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico. MONTEIRO, Manuel – São Pedro de Rates. VITORINO, Pedro – O portal românico de Ansiães, 1925. O Arqueólogo Português, vol. 12, p. 265, onde levantamos inicialmente o grito em prol do monumento e muitos outros. FERREIRA, Cândida Florinda – Carrazeda de Ansiães – Notas monográficas, 1932; e tomo IV, destas Memórias, p. 216, onde se trata da sua reconstrução em 1442.

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ANSIÃES

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tações dos termos das vilas de Ansiães, Vila Flor e Vilarinho da Castanheira. O comendador de Poiares e Freixiel, Gonçalo Pereira, representava esta comenda (231). IGREJA DE SÃO SALVADOR DE ANSIÃES Em 1907, chamando a atenção para esta jóia arquitectónica, escrevemos (232): «E já que falei em Ansiães, seja-me lícito levantar aqui um brado contra o desleixo... que ali impera. Não falo da incúria ou ignorância dos corógrafos, ainda os mais recentes, que nos dão aquela antiga vila do distrito de Bragança como povoada, sendo que há mais de um século que ali não vive ninguém, mas da criminosa indiferença de quem, devendo olhar para estas coisas, deixa aniquilar, pela selvajaria do nosso povo, aquela veneranda relíquia, que noutra nação que tivesse verdadeiras noções estéticas, culto pela arte, há muito teria sido declarada monumento nacional (233). Ali desfazem o tempo e o homem, ainda mais destruidor, um templo que devia ser uma beleza arquitectónica. As suas paredes cobertas de inscrições em tipo monacal ou alemão, algumas das quais nos dá Cardoso (234), mas mal copiadas, e siglas dos canteiros, estão ainda em pé, graças à solidez da construção e bom aparelho de granito, grande cantaria, assentada à fiada, apesar de haver muitos anos que o telhado as desguarneceu por completo». Ninguém fez caso deste rebate desolador, que muitas vezes temos repetido em conversas, cartas, artigos de jornais e revistas, e o imponente monumento continua vandalizado, dinamitado, mais e mais de ano para ano pelos sonhadores de tesouros! Só da nossa lembrança já lhe destruíram a sineira, a sacristia e parte do arco cruzeiro [66]. É toda de granito aparelhado, e siglado, assente à fiada e tem de comprimento 16,70m x 4,95m de largura, orientada no sentido nascente-poente. Modilhões ornamentados sob a cornija; duas janelas a norte e outras duas a sul, estreitas, geminadas, revestidas de colunelos; e uma porta estreita para cada um destes lados, de arco redondo, ornada por colunas adossadas e por tímpano quadrifoliado, a modo da Cruz de Cristo ou dos Templários, dá luz e acesso para o interior. (231) FIGUEIREDO, José Anastácio de – Nova Malta Portuguesa, parte 2a, § 255, p. 366, onde se diz achar-se o processo testemunhal na Gaveta 15, Maço 22, n° 10. (232) O Arqueólogo Português, vol. 12, p. 265. (233) Já foi incluído na lista dos Monumentos Nacionais, mas nada se fez para lhe obstar a ruína. (234) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Ansiães».

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ANSIÃES

Igreja de São Salvador de Ansiães (detalhe do portal)

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ANSIÃES

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Nos capitéis e impostas predominam ornatos geométricos, dados por semi-círculos enlaçados e em série, ou noutras combinações. Ornamentam a arquivolta do arco cruzeiro, também de volta redonda, folhas de alga, em série, entremeadas de pequenos círculos. A porta principal a poente, em semi-círculo, é uma maravilha pelo seu tímpano historiado em razão dos elementos decorativos, que um crítico de arte crê «no género único entre nós» (235). O mesmo afirma outra autoridade no assunto, que considera este portado de Ansiães «indudablemente uno de los monumentos más sobresalientes de Portugal» (236). Consta que quatro arquivoltas assentes sobre outras tantas colunas, já desaparecidas, profusa e variadamente decoradas: na primeira, algas em série; na segunda, bestiário e carrancas burlescas; na terceira, carrancas em atitudes diversas; na quarta, variadíssima iconografia simbólica cristã, em que se vê uma figura a esganar outra, a empunhar a cruz contra o peito, a segurar um livro, uma espada e outros objectos, um animal a devorar outro, lembrando textos, personagens evangélicos, vícios e virtudes postas em relevo pelo lapicida. Capitéis ricamente ornados e nas impostas para o interior do templo o leão simbólico. O tímpano, verdadeira raridade, senão única, como fica dito, é envolvido por uma grinalda de algas; ostenta no meio o Padre Eterno sob arco ogival, ladeado pelo Filho e pelo Espírito Santo em forma de pomba, tendo aos pés o diabo na figuração do dragão alado e Cristo na de peixe [67]. Contígua às muralhas, mas da parte de fora, lado norte, fica a Igreja de São João, igualmente românica, siglada, de tipo menos rico, destelhada e arruinada, que regula pela capacidade da anterior. Modilhões lisos; janelas estreitas, sem porta principal e duas laterais em ogiva ornada por caneluras na arquivolta uma, e outra por um torçal. Arco cruzeiro em ogiva. No adro, ou perto dele, há três sepulturas trapezóides cavadas na rocha de forma a o cadáver olhar para nascente. Há a propósito da igreja de São Salvador uma lenda interessante, porque, além de explicar a sua origem, dá também a etimologia dos onomásticos Cabeça Boa e Cabeça de Mouro. Diz ela: «Nam ha documento por que conste sua fundação, e só huma vulgar tradiçam de que fora feita no lamentavel tempo em que os mouros dominavão esta terra por um christão em competência de hum mouro que ao mesmo tempo fazia uma mesquita no sitio da Portela termo da villa de Moncorvo no fundo das Fragas dos Estevais, que convertida em templo de

(235) VITORINO, Pedro – O portal românico de Ansiães, 1925, p. 7. (236) RICHERT, Gertrud – Investigación y Progresso, 1931, p. 23.

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ANSIÃES | ANGUEIRA

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christãos, e hoje da invocaçam de Sam Mamede (237) e ainda que ao presente se ache em parte arruinada, comtudo mostra a admiravel forma da sua fundação. He da mesma tradiçam que estes dois oficiaes christão e mouro nesta sua competencia contratarão aquele que milhor fizesse a sua obra e mataria o outro, e que acabando primeiro o christam a sua, e hindo ver a do mouro e reconhecendo levar a sua vantagem, o convidara para logo ver esta sua e vindo a isso caminho direito, descansando a huma fonte no cimo do lugar de Cabeça de Mouro termo da dita villa da Torre de Moncorvo junto da igreja della dilatando-se algum tempo a conversar dissera que se naquella ocasiam morria, nam aviam de prejudicar nem fazer mal com seo veneno (ainda que mordessem) as muitas bichas [víboras] que na muita distancia de terra, que dali se ve, havia, e que se tem e teve em toda ella por certo pela conhecida experiencia havida das muitas que tem mordido muitas pessoas sem prejuizo nem damno. E que havendo de beber na dita fonte, o christão dolosamente persuadira o mouro a que o fizesse primeiro e que fazendo-o e abaixando-se para isso, lhe cortara a cabeça com um treçado, de cujo sucesso ficara áquella fonte com o nome de Fonte de Cabeça de Mouro, e que povoando-se depois o lugar, que ali ha, se chamara pela mesma rezam Cabeça de Mouro. E povoando-se outro logo a elle vezinho do mesmo termo da Torre de Moncorvo se chamara (como chama) Cabeça Boa para rezam do dito sucesso, o prodigio de as bichas daquellas terras não prejudicarem havendo muitas» (238) [69]. ANGUEIRA «A capela de S. Miguel, sita a um quilometro da povoação de Angueira, concelho do Vimioso... é muito antiga, e foi a primeira igreja que houve nesta comenda de Angueira, aonde iam á Missa todos os anexos da reitoria, suposto que distavam espaço de trez leguas deste lugar, que são Palaçoulo, Prado Gatão e Aguas Vivas... e a fundação desta capela foi de um grande general, que na expulsão dos mouros venceu trez grandes batalhas... Acha-se sepultado este grande general, cujo nome proprio ignoramos, á porta desta ermida em sepulcro de pedra lavrada... Nos limites deste lugar houve antigamente dois castelos, obra dos mouros, de que ainda permanecem os alicerces, um onde chamam o Castro do Gago, e outro no Castro

(237) Ver o artigo Moncorvo, onde falámos dela. (238) Memórias de Ansiães, 1721, manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, §§ 32 e 33. Ver o artigo Cabeça de Mouro.

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ANGUEIRA | ANTA | AVELEDA

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da Cocoia, já totalmente arruinados... Neste mesmo distrito se conserva uma cruz a que chamam a Cruz Branca, onde se deu uma grande batalha contra os mouros e foi a primeira que deu o general, de que acima falamos; outra cruz se vê no distrito do lugar de Aguas Vivas e outra em Ifanes, e em todas ficou vitorioso, e depois se retirou para a ermida de S. Miguel a fazer vida eremitica, onde acabou e jaz sepultado» (239). Adiante, nos artigos Aveleda e Castrelos, falámos de outras igrejas, às quais o povo diz irem ouvir Missa povoados distantes. Também diz o povo que os de Rebordelo iam à Missa a Edral, apesar de ser grande a distância e bravíssimo o caminho. «No sítio da Cucolha, ao pé de Angueira, concelho do Vimioso, há um cabeço em que tem aparecido, por ocasião das escavações agrárias, vários objectos arqueológicos, de bronze e de barro, moedas e pedras aparelhadas (cantaria). Também aí apareceu uma estela sepulcral de lousa, de 2,33m de altura, 0,35m de largura e 0,085m de espessura, em que se lê a seguinte inscrição (letras de 0,05m de altura): AMITATI M O G II T I AN XXX que interpretamos assim: Amita, Ti(berii) Mogiti(filia), an(norum) XXX; ou em vernáculo: Amita, filha de Tibério Mogício (= Mogeclo ou Mogito) de 30 anos de idade, está aqui sepultada» (240).

ANTA A propósito de Antas, ver o artigo Pré-história.

AVELEDA No extremo norte do termo de Aveleda, concelho de Bragança, na raia a confrontar com o termo de Portelo e o de Calabor (Espanha) perto do Rio

(239) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747, artigo «Angueira». (240) VASCONCELOS, José Leite de – O Arqueólogo Português, vol. 15, p. 322, onde dá a razão da leitura que faz da lápide, agora existente no Museu Etnológico Português, em Lisboa.

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AVELEDA | ATENOR | AVIDAGOS

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Pepim, que divide ao meio a povoação de Aveleda e desagua no Sabor em Tramblas Augas, há numa pequena eminência uns poços cavados na rocha, que terão dois ou três metros de profundidade e algo menos de diâmetro, chamados Silos pelo povo, e ao sítio Buracos dos Silos, que, provavelmente, serviram para guardar cereais, como ensina Viterbo no artigo Silo. Também alguns silos, aplicados depois a depósitos cerealíferos, foram originariamente sepulcros pré-históricos. É possível que com os de Aveleda tal sucedesse, mas nada podemos dizer porque os não estudámos (241). Para os visitar é mais cómodo ir de Bragança ao Portelo pela estrada a macadame, pois ficam perto desta povoação, enquanto que da de Aveleda distam cinco quilómetros de mau caminho. Quilómetro e meio a sul da povoação de Aveleda há um sítio chamado Babão e também Igreja Velha, por lá se verem vestígios de um templo, ao qual, segundo diz o povo, eram obrigadas a ir ouvir Missa as povoações de sete léguas em circuito. Há lendas idênticas aplicadas a ruínas de outras capelas como dizemos nos artigos Angueira e Castrelos.

ATENOR Há no termo de Atenor, concelho de Miranda de Douro, um castro, a que o povo dá o nome de Castroluço ou Castro Luço, onde tem aparecido várias antiqualhas, como cadeados de cozinha (lares), outros ferros e um pequeno forno de tijolo [71].

AVIDAGOS No termo dos Avidagos, concelho de Mirandela, apareceu em 1825, ao plantarem uma vinha, uma sepultura romana. «Tinha nove palmos de comprimento, e quase quatro de largura, à semelhança de uma arca: dois abraçadores de ferro com pregos seguravam a união dos tijolos em cada um dos quatro ângulos, e três grandes tijolos, tão bem ligados com ferros, formavam a tampa, que sobressaía com seu bordo pendente em volta da sepultura, tão bem à semelhança da tapadura da arca. Dentro estava a urna das cinzas, à semelhança de um alguidar» (242).

(241) Sobre os Silos, ver O Arqueólogo Português, vol. 26, p. 171. (242) FONTOURA, Manuel de Queiroga Carneiro, reitor de Lamas de Orelhão, em O Arqueólogo Português, tomo 7, p. 11.

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AZINHOSO

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AZINHOSO A vila de Azinhoso, concelho do Mogadouro, e a ele ligado por estrada a macadame, dista seis quilómetros da sede concelhia. Dos privilégios que lhe concedeu D. João I falámos noutra parte (243). A igreja paroquial, de uma só nave, é um belíssimo exemplar de arte românica, orientada no sentido nascente-poente, e para este lado a porta principal na fachada em ogiva pouco pronunciada de arquivoltas singelas sem ornatos. Na esquina sul, à altura de um homem, há gravada numa

ERA

pedra, em caracteres góticos a palavra (era), mas não foi possível encontrarmos os números correspondentes [72]. Tem mais duas portas: uma no lado norte e outra a sul. A do norte, em ogiva de lanceta, consta de três arquivoltas, sendo apenas a mais exterior ornada por besantes em série. A do lado sul consta tambem de três arquivoltas em ogiva de lanceta, sendo a mais exterior ornada por quadrifólios em alto-relevo, que, recurvados, alteiam a corola em forma de pirâmide quadrangular, de belíssimo efeito estético. As arcaturas não se apoiam em colunas mas sim nas impostas dos pés direitos, formados por aduelas, as quais, à laia de capitéis, ostentam singelos ornatos incisos. Todo o edifício é formado por cantaria Igreja de Azinhoso (lado Norte)

(243) Tomo IV, p. 251, 255, 347 e 627 destas Memórias. VITERBO – Elucidário, artigo «Azinhoso», onde têm ido beber todos os nossos historiógrafos.

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AZINHOSO

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aparelhada, assente à fiada. A cornija, ornada por besantes, assenta em cento e vinte e um modilhões (se bem os contou o nosso velho amigo e companheiro nesta excursão reverendo Júlio Augusto Afonso, pároco de Remondes) historiados, em que o bestiário, o grotesco, a ironia e o naturalismo picaresco se dão as mãos num conjunto de crítica e de etnografia artística deveras interessante. A meio das paredes laterais e da fachada, sobressaem cachorros, dois ou três metros distantes uns dos outros, indicativos do alpendre que outrora devia ter envolvido a igreja. A pouco mais da altura de um homem, numa esquina do lado nascente da igreja, existe gravados em pedra de mármore branco uns traços já muito apagados em que me parece ver: siglas, uma ave a depenicar sobre uma cabeça humana e um quadrúpede. As igrejas românicas de Adeganha e S. Fagundo, de Vinhais, têm também nas paredes exteriores baixos-relevos simbólicos. A pia baptismal, com ornatos no bojo, tem aspecto românico. O púlpito, todo de granito, ostenta belo trabalho de talha nos balaústres e revestimentos da escada. Em volta do patamar lê-se a seguinte inscrição: FACT. SVM PT. POP. 1799 AD INST RCT. TELLO que dirá: Fui feito sem auxílio do povo em 1799 a instâncias do reitor Telo. Fact(us) sum p(rae) t(er) pop(uli) 1799 ad inst(antiam) r(e)ct(oris) Tello. Como Azinhoso pertencia a uma comenda e o senhor desta recebia os dízimos e fabricava a capela-mor, assim

Igreja de Azinhoso (lado Sul)

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AZINHOSO | BAÇAL

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como o povo o corpo da igreja, à qual tocava o púlpito, é de crer que as instâncias do reitor fossem ante o comendador ou ante os bispos de Miranda, que apresentavam in solidum o reitor e percebiam alguns frutos. Na parte interna da igreja, lado sul, existe metido na parede em arco ogival de lanceta um sepulcro e em volta dele, em caracteres góticos, tipo monacal alemão, a seguinte legenda: Aqui jaz Luiz Eanes de Madureira vigairo geral do Senhor D. Fernando arcebispo de Braga [73] que aparece incompleta em muitos corógrafos (244). Na parede do sarcófago há pinturas a fresco. Ao lado norte deste venerando monumento ajuntaram a cataplasma da capela da Misericórdia e ao sul a da Casa da Arrecadação, apeando para isso o primitivo alpendre. Crime não menos bárbaro foi derreterem recentemente uma artística imagem de prata, dádiva, segundo dizem, da infanta D. Maria, filha de el rei D. Manuel I (!!!) e substituírem a cobertura por telha francesa. É necessário que todos estes enxertos desapareçam e surja o alpendre. Ainda se conserva junto à igreja o Curral do Bispo, de que fala Viterbo (245). Do pelourinho de Azinhoso e das siglas dos canteiros existentes no exterior e interior da sua igreja falámos adiante, nos respectivos artigos.

BAÇAL O sítio do termo de Baçal, concelho de Bragança, chamado Castro, fica no extremo norte do mesmo, um quilómetro do povoado, a despenhar-se para o Rio Pepim, que lhe corre aos pés a duzentos metros de profundidade, talhada quase a prumo. Apresenta a configuração de um rectângulo de cinquenta metros por trinta de lado, orientados estes pelos quatro pontos cardeais, salientando-se ainda bem visível sobre o terreno literalmente coberto de espesso mato de carvalho e sardão, os escombros do lado poente. Apesar das inúmeras visitas que lhe temos feito, nunca à sua superfície encontrámos, nem consta que aparecesse, qualquer fragmento de cerâmica, nem moedas, nem outros objectos arcaicos que pudessem elucidar-nos sobre as múltiplas interrogações que, em espírito, dirigimos ao passado destas ruínas. A linha visual deste Castro joga com o de Rabal, que algo apresenta da civilização luso-romana, e com o de Sacoias, foco intenso dessa civilização. (244) Vem publicada nas Memórias Paroquiais, 1758, em O Arqueólogo Português, vol. 2, p. 260. (245) VITERBO – Elucidário, artigo «Azinhoso».

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BAÇAL | BELVER

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Cem metros abaixo fica a Fonte do Castro, de boa água, que rega uma pequena horta, na qual, segundo a lenda, está uma moura encantada, por alguém já vista nas manhãs de São João a pentear-se com pentes de ouro ou pressentida nas mesmas manhãs, antes do sol nado, a tecer em tear de ouro. Perto do Castro fica um local chamado Facho; dois quilómetros a sul da povoação há um monte denominado Urzedo e no alto dele uma fortificação antiga chamada Atalaia [74]. Tem forma quadrangular, constituída por dois fossos de lados côncavos, com talvez quarenta metros de comprimento o mais exterior. No meio do recinto formado pelos fossos há uma eminência de entulho de terra, provavelmente resto do pequeno castelo, cujas paredes segundo diz a tradição local, foram levadas por algumas famílias de Baçal para tapagem de lameiros. Encontrámos nele vestígios de argamassa incorporada a tijolo miúdo. Deve ter pertencido à defesa exterior de Bragança, pois dele se divisa a cidade perfeitamente, bem como largos horizontes de muitos quilómetros de extensão até para além da fronteira espanhola. Pertenceria ao tipo das esculcas ou esculqueiras. Liga visualmente com a Torre de Rabal (246).

BELVER No adro da igreja paroquial de Belver, concelho de Carrazeda de Ansiães, mesmo arrumada ao templo, há uma pedra que serviu de base de cruzeiro ou de pia de água benta; tem em relevo uma figura já muito gasta e apagada, que parece um sátiro. O povo chama-lhe a Pedra da Morte ou a Morte. Pareceu-nos divisar-lhe pés de cabra e chifres na cabeça. Sobre a padieira da porta lateral da igreja paroquial da Lavandeira, concelho de Carrazeda de Ansiães, vê-se uma cabecita de anjo com asas, ladeada por duas figuras, num plano inferior, com a mão levantada à altura da cabeça, empunhando qualquer coisa de forma recurvada, que parece tocar as orelhas. Na povoação dizem que a cabecita alada é a Lavandeira, a figura, o símbolo da povoação, e todos assim a interpretam. Figuras neste género temos visto mais em esculturas e pinturas no distrito de Bragança.

(246) Ver O Arqueólogo Português, vol. 4, p. 76, onde vem uma planta da fortificação, dada pelo coronel Albino Lopo.

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BELVER | BOUSENDE

TOMO IX

Segundo a crença pagã, quando nascia uma criatura, nascia logo um génio que a protegia, e representavam esse génio por um menino com asas, a sair da base da cabeça. Para os lugares, para as povoações, havia o genius loci, cristianizado pela Igreja Católica com um santo que lhe deu como padroeiro, assim como cristianizou o génio protector do indivíduo com um anjo-da-guarda, próprio de cada pessoa, logo desde o instante do seu nascimento (247). Teremos na Lavandeira a reviviscência pagã do genius da povoação, o protector deus Lar? No Mogo de Ansiães, pátio da casa do notável agrónomo e homem de ciências João Inácio de Meneses Pimentel, já falecido, representado por seus filhos Rui Duarte de Meneses Pimentel e Gastão Pimentel, ambos casados em Mirandela, há a servir de coluna para sustentar o corrimão da escada uma pedra de granito que, se tem qualquer inscultura, deve estar muito apagada, pois lha não divisámos por ser noite quando a vimos. Diz o povo que esta pedra é o Mogo, isto é, representa ou simboliza a povoação do Mogo. Teremos aqui a tradição dum deus Lar romano, que protegia as habitações, moradores, família e bens? Será apenas o seu altar? (248) «Certas figuras antigas que existem em algumas terras são consideradas como símbolos epónimos destas terras, ex. em Guimarães, Braga, Lamego» (249).

BOUSENDE Pedra Baloiçante – A nordeste de Bousende, concelho de Macedo de Cavaleiros, coisa de um quilómetro do povo, no cume de um cabeço, coroado por uma longa fiada de fragueiros graníticos, chamados da Pena Mourisca, que marcam a divisória entre termos de Bousende e Soutelo Mourisco, que fica a Fraga do Berço, também dita Sino dos Mouros e ainda Embanadouro. Para chegar ao Embanadouro sobe-se por uma escada de degraus graníticos, entre dois blocos da mesma natureza, cobertos por outro em forma de túnel, que vão terminar numa espécie de plataforma ou patamar de escada, na qual há uma cavidade, onde assenta, apoiada em dois pontos, a pedra baloiçante, que terá de comprimento um metro e de espessura menos de meio. Oscila a um pequeno impulso, inclinando-se para um e outro lado, mas colocando-se um homem em cima dela e calcando alternadamente ora com o pé direito ora com o esquerdo, produz tão

(247) RICH, Anthony – Dictionnaire des Antiquités Romaines et Grecques, artigos «Génios» e «Lares». HORÁCIO – Epístola, II, 2, 187. E neste volume os artigos Castro, Feiticeiras e Festas dos rapazes. (248) Ibidem, artigo «Lares». (249) VASCONCELOS, José Leite de, O Arqueólogo Português, tomo 6, p. 32.

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BOUSENDE | BRAGANÇA

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grande som que dizem ouvir-se em Ferreira, povoação distante dez quilómetros, de onde vem, segundo a lenda, que essa pedra oscilante foi um sino primitivo dos cristãos que, não podendo utilizar os de metal, se serviam dele para chamar os fiéis a oração, sem despertar a perseguição dos mouros. Da inscultura rupestre, que fica neste mesmo fragueiro do Berço e da anta, sita um pouco mais acima noutro fragueiro, falaremos nos artigos respectivos. «A serra que entra nesta freguesia [de Bousende] chama-se Penha Mourisca, que tem uma légua de comprido, e outra de largo, habitação antiga dos Mouros, na qual se acham os vestígios de moradias deles, feitas de pedra e cal; junto da mais alta penha acha-se um letreiro com letras mouriscas, que não se podem ler; nesta serra se tem achado variedade de instrumentos, como: martelos, argolas e outras coisas que mostram ter sido povoação antiga» (250) [75]. BRAGANÇA No cimo da rua chamada Costa Grande, em Bragança, à mão direita de quem sobe, há uma casa com a porta em arco, vendo-se em duas aduelas desta os restos de uma inscrição de letra gótica. Falta parte do letreiro, que devia estar na aduela do meio, restando apenas o gravado nas duas das extremidades, que por isso não fazem sentido, podendo ler-se apenas: na da direita Gar/cia/M e na da esquerda E dz/do/XIII. Deve notar-se que o E, d e m têm a forma da letra uncial usada no século IV e novamente nos séculos, XIV, XV e XVI, e que o X do algarismo romano é aplicado, valendo portanto quarenta (251). Sobre o tipo da forca de Bragança e de Freixo de Espada à Cinta ver os desenhos do Livro das Fortalezas, de Duarte de Armas, existente na Torre do Tombo, manuscrito do século XVI (252). Sobre a Torre de Menagem de Bragança, vulgarmente chamada Castelo, ver os tomos I e II destas Memórias. Sobre se Bragança foi a Brigantium e a Julióbriga dos geógrafos romanos, ver adiante o artigo Castro de Avelãs e o tomo I, p. 1 e seg., destas Memórias. Ver adiante o artigo Pinela, onde se aponta a residência do representante real antes de Bragança ser povoada. Ver tomo I, p. 15 e seg., onde

(250) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747. «O Arqueólogo Português», tomo 3, p. 222. (251) O Arqueólogo Português, tomo 2, p. 288, onde se encontra uma fotogravura do letreiro; MILLARES CANO, Agustin – Paleografia Española, tomo 1, p. 26 e 231. (252) Em O Arqueólogo Português, vol. 25, p. 30-31, vêm transcritos os desenhos das forcas de Bragança e de Freixo de Espada à Cinta.

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BRAGANÇA

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se mostra que Bragança não é a Coeliobriga dos geógrafos nem a Britónia. No mesmo tomo, p. 21 a 44, se mostra a que povos pertenceu o território bragançano. No tomo I, p. 353, destas Memórias, publicámos a seguinte lápide funerária mencionada por J. Cardoso Borges (253), que diz ter aparecido nas vizinhanças de Bragança, para onde a fez conduzir: BVAN/AEBVTI/LIB./AN.LXXV/CABURE/NE MATRI/D. C. Estão conjuntos o N e o E de Caburene. Buan(us) Aebuti lib(bertus) an(norum) LXXV Caburene matri d(onandum) c(uravit). Diz: Buano, liberto de Aebuto, cuidou em erigir esta memória a Caburena, sua mãe. Pelo desenho que Borges dá da lápide, vê-se que estava elegantemente lavrada e encimada pelo símbolo suástico [76]. Num palacete sito na rua da Alfândega, em Bragança, e não da Amargura, como por equívoco escrevemos no tomo VI, p. 45, destas Memórias, pertencente por compra a D. Gaudência Miranda (254), apareceu a inscrição que demos no tomo I, p. 93, deste trabalho, constante de letras conjuntas, inclusas e muito breves, que, desdobradas, dizem: Esta casa he de Antonio/da Ponte Gallego de/Figueiroa commendador/de Santa Maria, filho de Domingos da Ponte Ga/llego general de ar... Na mesma casa, também ao reconstruir-se pelos anos de 1906 apareceu mais a seguinte inscrição em lápide de granito: SIT NOMEN DOMINI BENEDICTVM que, traduzida, diz: Seja bendito o nome do Senhor. Parece que esta lápide serviu originariamente de limiar a uma porta. Na vila de Carrazeda de Ansiães vimos também no limiar de uma porta, gravada numa pedra de granito, inscrição idêntica a esta de Bragança.

(253) BORGES, J. Cardoso – Descrição topográfica da cidade de Bragança. (254) Ver tomo VI, p. 45 e 745, destas Memórias, e tomo VII, p. 200 e 201, onde, em nota, se apontam os elementos biográficos referentes ao general Domingos da Ponte Galego.

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BRAGANÇA

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Na parede do lado sul da igreja da Misericórdia de Bragança há numa lápide de granito o seguinte letreiro, publicado pelo coronel Albino Lopo (255): 1539. A° N R. 1316 D. IHE . IS que não faz sentido, provavelmente por os canteiros se meterem a aclarar-lhe as letras quando a descobriram pelos anos de 1903, mas que talvez se refira à construção da igreja em 1316 e reconstrução em 1539; nada porém sabemos a tal respeito. No alto de Fontercada, termo de Carragosa, concelho de Bragança, encontrou Pinheiro (256) umas lápides de granito aparelhadas, de, em média, 1,46m de altura, 0,55m de largura e 0,25m de espessura, com o seguinte letreiro: CA BAR com igual disposição e formato de letra em todas elas, que tomou por miliários da estrada militar romana de Braga a Astorga, significando as letras a fórmula geral que se encontra na maior parte deles, e vem a dizer: A BRACARA... isto é: daqui a Braga... (há tantos mil passos). Depois apareceram lápides idênticas e com idênticas inscrições em Meixedo, São Pedro de Serracenos, Samil, Santa Comba e Sendas, do concelho de Bragança; Ervedosa, Vilarinho de Agrochão, Lamalonga e Travanca, concelho de Macedo de Cavaleiros, e noutros sítios. O corpo das letras regula por 0,15m e o formato é o mesmo em todos, de onde se conclui que foram gravadas na mesma época e talvez pelo mesmo artista, embora numa ou duas apareçam o C e o A da primeira linha ligados, bem como o A e o R da segunda, e na de Lamalonga haja só a palavra BARCA escrita a seguir numa só linha. Entenderam alguns que estas pedras eram marcos divisórios dos termos das povoações e que o letreiro dizia Cavar, porque uma vez por ano, cada povo, em acto de concelho, vai alfar (257), isto é, cavar em volta das marras do termo,

(255) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 7, p. 15. (256) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar de Braga a Astorga, p. 115. (257) Convém notar a palavra alfar, empregada pelo povo na significação de cavar nas marras do termo. Como estes ficam no sítio onde principia o termo de cada aldeia, de alfa, primeira letra do alfabeto grego, tão usada nos monogramas iniciais dos documentos medievos, deve trazer a proveniência por analogia.

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para significar o seu direito da posse, verificar se foram mudados e torná-los bem visíveis, cortando pela cava os arbustos e ervas que tenham crescido [77]. Disseram outros que eram monumentos levantados à lua por uma tribo de árabes que invadiu a Península Ibérica e a adorava sob o nome de Cabar (258). Lopo (259), guiado pela lápide de Lamalonga, onde aparece apenas a palavra Barca, sem mais nada, escrita numa só linha, entende que eram marcos divisórios dos termos das povoações e que as letras em todos eles dizem Barca, mas como não cabia a palavra numa só linha, se escreveu da forma referida, «o que nos é explicado nas p. 541-542 do artigo de Alberto Sampaio, intitulado As Vilas do Norte de Portugal, publicado no vol. 4 da Revista de Portugal, de Eça de Queirós, de 1892, em que se lê: – que esses marcos [dos romanos] se mantiveram e existiam ainda no período astur-leonês, não pode haver a menor dúvida, visto serem mencionados vulgarmente nos Diplomata. Um exemplo bastará. «Afonso 3° (866-910) doará ao bispo Sabaricus o mosteiro de Dume, como seu território, per suos terminos antiquos. No tempo do filho Ordonho 2°, foi necessário, por qualquer motivo, identificar a demarcação antiga (D. 17). Fez-se uma congregatio magna; o bispo apresentou o seu documento, nomearam-se peritos – qui solent antiquitum comprovare. – E estes acharam repetidas vezes petras fictas, qui ab antico pro termino fuerunt constitutas – archa petrinea ab antiquis constructa – congesta petrinea – agirem; e outros marcos, como: ad barca qui sedet sculpta in scripta, ubi dicet terminum – terra tumeda qui fuit manu facta. São efectivamente sinais de demarcação romana as archas, congesta petrinea, petra sculpta ou scripta, petras fictas e terra tumeda. Portanto, os de que tratamos, se não são de origem romana, foram todavia feitos à imitação dos empregados por este povo para limitar os seus termos» (260). Parece-nos que da leitura do documento apenas resultam, como marcos expressamente feitos para dividir terrenos, as petras fictas; o mais eram acidentes naturais do terreno, aproveitados para referências demarcantes ou artificiais, mas construídos para fim diverso, como archa petrinea e terra tumeda, prováveis antas pré-históricas». Do próprio texto se vê que barca não é marco exclusivo, para assim se generalizar a todos este nome, mas sim mero acidente local, aproveitado pelos demarcantes por o terreno confrontar com uma fraga onde havia esculpida uma barca e letras, coisa que tão frequentes vezes se encontra nas insculturas rupestres.

(258) DUPUY – Origem dos cultos. (259) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 5, p. 184, e vol. 6, p. 17. (260) Portugaliae Monumenta Historica, Diplomata et Chartae, documento 17.

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Os Autos próprios do Tombo do terreno e bens do concelho e Vila de Ervedosa, feito em 1826, dizem: «e caminhando da Escouza pelo lado sul em direitura ao nascente athé á fraga da Talha por onde parte com o termo de Argana e desta pela parte de cima da Quinta até ao Cabeço das Alagoas, em cujo cabeço se acha hum marco de cantaria com lettras que dizem Bragança viradas para o lugar de Villarinho, cujo marco divide o termo desta villa de Villarinho e Argana». Custa a compreender que Lopo, conhecendo este texto, pois o transcreve no lugar atrás citado, acrescentando seguidamente: «visitei este marco [das Alagoas] e vi que a sua inscrição era como a dos marcos de que estamos tratando e no mesmo tipo de letra», optasse pela leitura Barca em vez de Bragança, como apontam os Autos próprios do Tombo. Demais, se a palavra Barca não cabia numa só linha, não era mais natural passar a sílaba final para a linha debaixo, onde não havia outra, como sempre se costuma fazer, e não colocá-la em cima, contra todo o uso, a não ser que mingue espaço? Pelo tipo de letra e até das próprias pedras se vê que são relativamente modernas e entendemos que dizem: CA(sa de) BAR(gança) Consta dos documentos que a Casa de Bragança tinha propriedades que manteve até à proclamação da República (1910) e ainda depois, em várias povoações do concelho de Bragança, principalmente nas imediações, onde apareceram as lápides em questão, de onde se conclui que estas seriam os marcos divisórios assinalados com letreiro próprio para evitar confusão, nem se compreende de outra forma a igualdade do tipo de letra e das pedras. A grafia de Bargança por Bragança foi corrente nos séculos XVI e XVII, como consta de vários documentos que apresentamos no tomo VIII destas Memórias, colhidos no Arquivo de Simancas e em outras fontes [78]. Rodrigo Mendes da Silva, que escreveu a sua obra Poblacion General de España em 1645, diz que Bragança tem seiscentos vizinhos, duas paróquias, casa da Misericórdia e um bom hospital e por armas, em escudo branco, um castelo (261). No tomo VIII destas Memórias, p. 41, apresentámos o escudo mais antigo conhecido de Bragança. É para notar a grande divergência de escudos que apresenta esta cidade, como pode ver-se. A cidade de Bragança, diz Caetano de Lima (262), é murada de alvenaria, com dezasseis torres em roda, e tem dentro um bom castelo guarne-

(261) Portugaliae Monumenta..., fol. 155 v. (262) SILVA, Luís Caetano da – Geografia Histórica, 1736, tomo 2, p. 71. Sobre Bragança e Castro de Avelãs, ver Monarquia Lusitana, parte 5, livro 16, cap. 45.

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cido de várias torres de cantaria e dois redentes. É rodeada ao mesmo tempo de uma falsa braga, diante da qual, pela parte da cidade se acham atados cinco baluartes pequenos e sem fosso, por serem fabricados sobre rocha viva. No monte que chamam do Carrascal, eminente ao corpo da cidade e igual em altura ao plano da cidadela, está situado o Forte de S. João de Deus, que é um quadrado prolongado, mas de pouca defensa. Tem excelentes fábricas de veludos, damascos, pinhoelas, gorgorões e outros géneros de sedas. Armas: uma torre ou castelo, dentro de um escudo branco (263) [79]. Hoje (1933), a cidadela de Bragança, vulgarmente chamada Vila, conserva apenas sete torres do lado noroeste, a que foram repostas as ameias por iniciativa do ilustre comandante e escritor coronel António José Teixeira, retiradas nas Guerras da Aclamação para melhor jogo da artilharia, sendo uma a chamada Torre da Princesa, uma redonda, duas quadrangulares, duas pentagonais e a do Relógio, que originariamente foi quadrangular mas para escorar, ao altearem-na para nela colocarem o relógio da Câmara, agregaram-lhe em três dos lados um esporão de secção semi-circular. Do lado sul, como a defesa natural, devido ao abrupto do terreno, era mais fácil, há apenas a torre ameada do Poço do Rei e mais duas torrezicas, também com ameias. Do lado nascente, há uma torrezica ameada e restos de outro forte, que devia flanquear as desaparecidas Portas do Sol. Do lado norte, estariam as quatro torres que faltam, segundo Caetano de Lima, mas desapareceram ao construir-se os quartéis do regimento no princípio do século XIX, por ordem do general Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda. O recinto intramuros da cidadela tem de nascente a poente duzentos metros e cento noventa e cinco de norte a sul. Bragança é dividida em duas partes, no conceito do povo: uma chamada Vila e outra Cidade. A Vila, compreende o recinto intramuros da cidadela, cujas fortificações ficam referidas. É natural que, logo após a concessão do foral à cidade em 1187 por D. Sancho I (264), se tratasse da sua defensão, sempre exigida por aqueles títulos.

(263) Nos tomos II, p. 452 a 471, e VII, p. 466, 498 e 792, destas Memórias, tratamos largamente da indústria sericícola no distrito de Bragança. Rocha Peixoto, na Terra Portuguesa, 1887, p. 54 e 57, também se refere desenvolvidamente à produção do casulo da seda pelos anos de 1860 e seguintes nos concelhos de Mirandela, Moncorvo, Vimioso e outras terras do nosso distrito. (264) Ver tomo III, p. 107, destas Memórias, onde o publicámos integralmente. A propósito das fortificações de Bragança e das obras que se lhe fizeram posteriormente, ver tomo I, p. 257 e 267, e tomo III, p. 153, 154 e 161.

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As Inquirições de D. Afonso III, tiradas em 1258, ao tratarem da paróquia de Santa Maria de Bragança (265), dizem que o concelho de Bragança leva a terça dos dízimos da igreja para construção das muralhas (pro ad faciendum murum). O mesmo dizem ao tratar da paróquia de Santa Maria de Grijó (266) e da de S. João de Transbaceiro, cujos moradores davam de cada fogo, vizinho cabeça de casal, oito dinheiros para o mesmo fim (267). Estes muros estavam certamente concluídos no tempo de el rei D. Dinis, de quem o concelho implorou auxílios para reparos, por estarem «derribados e mal parados» (268) e circuitavam a cidadela, como se mostra nos privilégios que D. Pedro I concedeu em 1364 aos vizinhos «que moram dentro na cerca» (269) e dos que D. Fernando lhe renovou em 1377 (270), bem como D. João I em 1433 (271). Da carta de privilégios concedida a Bragança em 1413 por el rei D. João I, mostra-se que a população tinha crescido (272) a ponto de não caber intramuros da cidadela e vir residir para o arrabalde em tal quantidade que já faziam feira, com prejuízo daqueles. Até há pouco supunha-se, devido ao documento que publicámos no tomo II, p. 256, destas Memórias, que os restos de muralhas envolventes da cidade de Bragança datavam da Guerra da Aclamação (1640-1668), como esse documento diz, mas em 1931 descobrimos no Arquivo de Simancas outro documento de onde se colhe a existência anterior de outra cintura de muralhas defensivas da população escapada da cidadela e estendida pelas margens do Fervença (273). Este documento encerra uma queixa de João da Veiga, governador de Puebla de Sanábria, que veio tomar posse de Bragança por conta de Filipe II de Castela e I de Portugal, ao qual participa, em 1581, que os bragançanos «han desecho e demulido huma trincheira que estaua hecha de piedra y terra madera com sus troneras desde San Francisquo y asta la cruz de la piedra de piniedo» (274).

(265) Ver tomo III, p. 365 destas Memórias, onde as publicámos. (266) Ibidem, p. 342. (267) Ibidem, p. 409. (268) Ibidem, p. 153. (269) Ibidem, p. 139. (270) Ibidem, p. 136. (271) Ibidem, p. 152. (272) Ibidem, p. 182, onde a publicámos. (273) Ver tomo VIII, p. 4 e 24, destas Memórias, onde os publicámos. (274) Ibidem, p. 24, em nota.

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A Cruz de Pedra de Piniedo (Piniedo, equivalente de penedo, da rocha ou pedra onde estava fixa) deve ser a Cruz de Pedra mencionada no documento de 1595 (275). Esta trincheira, que partindo do convento de S. Francisco, onde ligaria à muralha da cidadela, vinha pouco mais ou menos pelas actuais ruas de S. Francisco, da Alfândega e de Trás antigamente Rua da Corredoura (276), até à actual Praça da Sé, onde ficava a Cruz de Pedra, hoje representada pelo belo cruzeiro barroco, que a meio dela se ergue, do qual adiante falamos. Aqui faria ângulo em direcção ao Rio Fervença pela Praça das Eiras, antigamente chamadas Eiras do Arcebispo (277), até dar no Postigo das Eiras, também dito Calejo ou Travessa do Saco e ainda Rua dos Batocos, no princípio da qual resta um pedaço de muralha de mais de doze metros de comprimento por quatro ou cinco de altura. Contornando esta Rua dos Batocos e no cruzamento com a Rua dos Quartéis, há um pedaço de muralha, bem como no cimo da Rua das Moreirinhas. Aqui inflectia, seguindo a crista militar do terreno, pelos quintais das casas desta rua, onde ainda há restos de muralha, aproveitada em parte na vedação da cerca do antigo hospital militar, depois utilizado para Liceu e agora para Escola Industrial. Marchava seguidamente pela rua do Pontão, na qual ainda se divisam restos de muros, a passar junto à cadeia, lado sul, e, subindo pelos quintais das casas da Costa Grande (lado sul), onde abundam claros vestígios de muralha, ia ligar à cidadela pela altura da Torre do Relógio ou da Câmara.

(275) Tomo III, p. 230 e 234, destas Memórias, onde o publicámos. Ver também o tomo II, p. 326, texto e nota. Pinhedo usa-se em mirandês a par de Penedo e Penedro. VASCONCELOS, José Leite de – Filologia Mirandesa, tomo 1, p. 278. (276) Tomo I, p. 338, texto e nota, e tomo III, p. 309, destas Memórias. Esta rua (Corredoura) aparece nos documentos de 1755 (tomo I, p. 337, destas Memórias) com o nome de Rua da Carreira, e nas Inquirições de D. Afonso III, pelos anos de 1258, com o de Corredoiro (tomo III, p. 309, destas Memórias). Qual deles seria o verdadeiro? Carreira, segundo diz Viterbo no seu Elucidário, artigo «Carreira», era um foro de recovagem pago ao senhor da terra. O significado de Corredoura deduz-se claramente do seguinte texto das Ordenações do Reino, livro I, título 68, § 41: «E toda a pessoa, que tiver campo ou pardieiro a par do muro da vila, pode-se acostar a ele, e fazer casa sobre ele. Porém fica obrigado, se vier guerra ou cerco, de a derrubar, e dar por dia corredoura, e servencia». Será este o significado do nome da rua, que, visto formar-se um todo, quase em linha recta, com a da Alfândega e a de S. Francisco, que ligaria às fortificações da cidadela, podendo assim caber-lhe o título de Corredoura? Já existiriam então os muros e a trincheira apontada adiante nos documentos de Simancas? O nome de Corredoura aparece em muitas terras que apontamos no respectivo artigo da Toponímia. (277) Tomo I, p. 338 e 342, destas Memórias. Desde o tricentenário do Épico mudaramlhe o nome para Praça de Camões.

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É certo que faltam elementos para afirmar que esta muralha, a contar da rua dos Batocos até à cidadela, pertença ao sistema defensivo de Bragança indicado pelos documentos de 1581, encontrados em Siman-cas, mas é natural que assim fosse, porque a trincheira neles mencionada não podia ficar na Praça da Sé; tinha de circular na cidade e ligar à cidadela. Além disso, sabe-se que o Antigo Seminário Diocesano, hoje Liceu, a igreja da Sé e mais casas exteriores a esta linha defensiva são posteriores a 1581 (278), e nem ela podia identificar-se com a linha a seguir mencionada, por atravessar, em grande extensão, trajectória diversa. Provavelmente estas fortificações datam das guerras com Castela, do tempo de D. João I e D. Afonso V, devendo estar concluídas antes de 1499, ano em que as pazes se celebraram após a batalha de Toro. Como depois se seguiu larga paz entre as duas nações e Bragança cresceu populativamente, resultou inútil a trincheira acima mencionada e desfizeram-na para construir novas casas de habitação. Em 1640 rebentou a Guerra da Aclamação, que durou vinte e oito anos, e Bragança, que rompera a couraça afonsina, expandindo-se pelas ruas Nova, Picadouro, Santo António, Oleiros, Tumbeirinho e adjacentes, teve de se defender, construindo a sua terceira linha de fortificações, à qual alude um documento de 1687 (279), em que as freiras de Santa Clara de Bragança pedem um donativo régio para acudir às obras do convento, «por se lhe tomar um dormitorio e muita parte da cerca para as muralhas e trincheiras no tempo da guerra com Castella» (280). Ainda se mostram bastantes traços destas muralhas, e nós as vimos, relativamente conservadas, quando estudante em Bragança (1880-1889), mas convento e muro, em parte, foram destruídos em 1885 para construção da Praça-Mercado (281). Surgiam em frente da Rua da Estacada (assim chamada da fortificação por este tipo, que, prolongando-se até ao convento de São Francisco, se ligava à cidadela da Vila); marchavam entre a casa que agora (XII-1933) serve de Paço Episcopal e a antiga Escola de Habilitação ao Magistério Primário, arrancando de um ponto pouco acima do tanque de cantaria que está logo à saída da cidade, na estrada a macadame

(278) Tomo III, p. 229 e 237, destas Memórias. (279) Tomo II, p. 256, destas Memórias, onde o publicámos. Ver tomo I, p. 337 e seg., idem, onde tratamos da topografia de Bragança. (280) Tomo I, p. 256. O convento de Santa Clara começou a fazer-se em 1569 e só pelos anos de 1586 estava concluído (tomo II, p. 254, destas Memórias). (281) Ver tomo II, p. 258, destas Memórias.

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de Bragança a Gimonde (282), em direcção ao novo Hospital. Coisa de três metros a poente da casa decentemente construída acima da dita Escola, faziam saliência quadrangular, a fim de se adaptarem à crista militar do terreno e de o fogo defender os panos do muro. Demandavam seguidamente a parede sul do cemitério de Bragança, onde faziam nova saliência quadrangular. Toda esta parede sul do cemitério assenta sobre a antiga muralha, e, aproveitando-se dela numa extensão de mais de trinta metros por cinco ou seis de altura, se construiu, pelos anos de 1883, uma casa na Rua do Picadouro (283), onde mora Manuel Alves Velho vulgarmente conhecido pela alcunha de Galinho. Interrompem-se aqui os vestígios da muralha, que, possivelmente, envolvendo as ruas do Picadouro, Nova, Oleiros e Tumbeirinho, passava na de Fora de Portas, cujo nome se liga às fortificações militares, cruzando-a no ponto onde agora construíram o Lactário sobre as ruínas de uma casa aplicada antes a corpo de uma guarda permanente de sentinela, fornecida pela guarnição militar de Bragança. Seguidamente ia dar na Rua dos Batocos, onde se ligava à linha afonsina de muralhas atrás indicada. No tomo VI, p. 374, desta obra clamámos contra a estupidez significada pela mudança dos nomes das ruas, sem mais critério do que o prurido doentio de ir na onda de uma ideia ou nome que nada fez em prol da terra. Há evidentemente nomes de ruas que pouco dizem e se podem mudar sem inconveniência de maior; mas, nesse caso, substituam-se-lhes nomes de factos característicos locais ou de beneméritos da terra. Há em Bragança uma jóia arquitectónica relacionada com a de Castro de Avelãs – é a ábside e absidíolos da igreja de S. Vicente em Bragança, evidentemente a mais antiga da cidade. Esta igreja foi cabeça de freguesia durante a primeira dinastia, como se mostra das Inquirições dos reis D. Afonso III e D. Dinis publicadas nos tomos III e IV destas Memórias, mas da primitiva apenas restam os três corpos atrás indicados, mascarados por uma camada de argamassa e cal. É possível que debaixo da argamassa surjam as arcaturas fenestradas como em Castro de Avelãs ou pelo menos as janelas românicas bem visíveis pelo lado interno atrás do altar-mor, apesar de entaipadas.

(282) Ibidem, p. 259, onde falámos deste tanque e do respectivo letreiro. (283) Viterbo, no Elucidário, artigo «Favaceiro», diz que ainda se usa esta palavra «em terra de Miranda e Bragança. Assim chamam ao que se obriga a conduzir ali o peixe desde os portos do mar, a que em outras partes dizem Picadeiro». Daqui se mostra que o nome de Picadeiro em Bragança pode ter origem diversa relacionada com a instrução militar dos corpos de cavalaria.

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Que uma alma piedosa se amercie e mande picar a cal, a fim de que a jóia de tanto valor apareça em toda a sua pujança e de verificar se os absidíolos merecem realmente esta classificação ou são apenas lóbulos de uma construção em trifólio, como alguns dizem, coisa muito rara. Atrás da tribuna do altar-mor ainda se vêem pedaços de parede feitos de tijolos entremeados de grossas camadas de argamassa; pinturas ramiformes de folhagem e ramagem redondeada a tinta vermelha e outras mais interessantes ainda constituídas por trapézios opostos e figurações lineares. É para notar a circunstância de os esporões ou contrafortes, que escoram o monumento pelo lado externo, não acompanharem a parede até ao cimo, dando assim a impressão de uma modificação no traçado primitivo, que seria destinado a levar abóbada, da qual se prescindiria depois. Do artesoado mudéjar que cobre a capela-mor da igreja de S. Bento em Bragança, temos exemplos na capela do hospital da Cruz de Toro, na igreja de Santa Maria del Rio, de Castroverde, e na de Santo Estêvão, de Vila Maior de Campos (284). Pelo estilo românico, mas tudo em granito lavrado, assente à fiada, liga-se a Castro de Avelãs a Domus Municipalis de Bragança [80]. Esta interessante jóia, única na Península Ibérica no seu todo completo de monumento civil, jazia ao abandono, destelhada, profanada por três janelas de balcão rasgadas nas primitivas arcaturas; por uma porta aberta no lado sul, acompanhada do respectivo escadório; por outra janela rompida ao nível do terreno do lado nascente, para tirarem a água da cisterna, que abrange todo o rés-do-chão e pela rectaguarda de uma capela, que lhe encostaram do lado norte. Graças à boa vontade do «Grupo dos Amigos do Museu e Obras de Arte», sempre auxiliada pela dedicação do antigo estadista e distinto magistrado Dr. Artur Lopes Cardoso e à energia da Comissão de Defesa, constituída pelo Dr. Raul Manuel Teixeira, Dr. António Augusto Pires Quintela, José Montanha, capitão Tomás Fragoso (ao tempo governador civil do distrito de Bragança) e, para encher número, como presidente, também pelo autor destas linhas, encontrou alfim eco o grito que soltámos há vinte e dois anos (285) e a 23 de Outubro de 1932 inaugurou-se solenemente a Domus Municipalis restaurada pelo distinto arquitecto Baltasar de Castro [81]. Assistiram ao acto, além do arquitecto restaurador, o Dr. Alfredo de Magalhães, que, quando ministro da Instrução, autorizou a primeira verba necessária para as obras; Rogério de Azevedo, arquitecto; Gomes da Silva,

(284) GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España, texto e gravura. (285) Ver tomo I, p. 290, destas Memórias.

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engenheiro, director dos Monumentos Nacionais; Dr. Pedro Vitorino e Dr. Abel Salazar, críticos de Arte; repórteres do Jornal de Notícias e Século, que vieram expressamente do Porto abrilhantar a festa; Dr. João Carlos de Noronha, ao tempo governador civil do distrito de Bragança; autoridades civis e militares, corpo docente liceal, pessoas marcantes da cidade e imenso povo, pronunciando um brilhante discurso sobre restauro das obras de Arte o Dr. Alfredo de Magalhães. Na parede da sala do monumento fixou-se um medalhão em bronze modelado pelo distinto mestre portuense Sousa Caldas, com o retrato do Dr. Alfredo de Magalhães e uma placa com um letreiro referente à valiosa cooperação do Dr. Antunes Guimarães, capitão Tomás Fragoso, arquitecto Baltasar de Castro e engenheiro Gomes da Silva (286).

Domus Municipalis de Bragança

O monumento é de forma pentagonal e os seus lados têm internamente 13,85m, – 7,95m, – 11,71m – 3,15m – 6,57m. A altura das paredes acima do solo, não contando a profundidade da cisterna, regula por 4,48m.

(286) A imprensa jornalística portuguesa referiu-se largamente ao jubiloso acontecimento, e de modo especial o Jornal de Notícias, de 25 de Outubro de 1932; Século e Trás-os-Montes, de 31 do mesmo mês e ano.

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BRAGANÇA

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Todo o rés-do-chão é ocupado por uma cisterna que recolhe as águas pluviais do telhado, conduzidas por algerozes disfarçados na espessura das paredes. Serve-lhe de cobertura uma abóbada de granito, notável por ser em arco de canhão no intradorso e adintelada no extradorso perfeitamente horizontal, a servir de sobrado à única sala que ocupa todo o edifício; frisante prova de que os arquitectos românicos conheciam amplamente a técnica artística e de que o famoso arco da Batalha, sob o ponto de vista de abatido, tem em Bragança um percursor alguns séculos mais antigo. Em volta de toda a sala há assentos de granito saídos das paredes. A cornija assenta sobre cinquenta e três modilhões internos e sessenta e quatro externos historiados e trinta e oito arcaturas fenestradas, dispostas numa só fila contínua pelos cinco lados do monumento, fornecem luz para o interior, todas ornadas por molduras lisas, corredias, menos sete do lado nascente, que apresentam internamente uma arquivolta de ornatos estreliformes. As siglas dos canteiros em grande quantidade e variedade de tipos, muito nítidas na cisterna, vão desaparecendo no exterior comidas pelo tempo. Sobre a época da sua construção, ver tomo I, p. 291 e 342, n° 41, destas Memórias. Paralela à Domus Municipalis corre a igreja de Santa Maria, notável pela fachada, estilo D. João V, ornada de colunas salomónicas em granito, gavinhando-lhe nos extradorsos videiras carregadas de uvas e aves depenicando-as, e fronteira a Torre de Menagem, vulgarmente chamada Castelo, elegante monumento gótico, construído durante os reinados de D. João I, D. Duarte e D. Afonso V (287), de que já fizemos descrição arquitectónica nos lugares citados abaixo, em nota [82]. Neste interessante monumento destacam-se, pela sua elegância, as suas ameias, janelas em ogiva de lanceta, seteiras, canhoneiras, bombardeiras e na base as siglas dos canteiros. A meio do lado sul ostenta o escudo de Avis e, pouco acima deste, uma janela ogival radiante, dividida por pinázio e ornada por trifólios e quadrifólios. Tem trinta e três metros de altura por dezassete de lado. É, no género, um dos mais elegantes monumentos de Portugal. O mesmo «Grupo dos Amigos do Museu» e Comissão atrás referida, que interveio eficazmente no restauro da Domus Municipalis, ouviu o outro grito que soltámos a propósito da reposição, na Praça da Sé, do belo cruzeiro barroco, que andava aos tombos no cemitério (288), de onde o fez remover e restaurar, colocando-o na referida Praça em 1931.

(287) Ver tomo I, p. 257, e tomo III, p. 153, 154 e 161, destas Memórias. (288) Ver tomo II, p. 326, em nota, e tomo IV, p. 676, destas Memórias.

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138 TOMO IX

Torre de Menagem de Bragança (lado Sul)

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139 TOMO IX

Torre de Menagem de Bragança (lado Sudoeste)

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BRUÇÓ | CABEÇA BOA | CABEÇA DE MOURO

TOMO IX

BRUÇÓ O termo de Bruçó, concelho do Mogadouro, é abundante de águas, «todas boas e sadias, entre ellas a que nasce onde chamão o Calvario Velho, ao sul do povo, tem virtude contra as maleitas, como testemunha a experiencia dos moradores... No sitio do Vale do Castelo se achão vestigios de fortificação, não se sabe de que tempo, ainda que afirma o vulgo ser dos mouros» (289). Há poucos anos, ao surribarem um prado para plantar vinha, foi encontrada uma espada comida já pela ferrugem, que se partiu em três pedaços, e também muitas ossadas humanas, que se desfaziam ao serem extraídas da terra, e pertenciam, segundo a tradição do povo, aos mortos de uma grande batalha que ali se deu (290).

CABEÇA BOA No sítio chamado Castelo [83], limite de Cabeça Boa, concelho de Moncorvo, há muros de granito, e no seu recinto houve antigamente dois castelos, segundo diz a tradição e os vestígios mostram, mas hoje apenas há restos de muros, caliça, tijolos, escumalha de ferro, etc., e indícios de uma cisterna. Diz a lenda que nestes castelos se entrincheiravam os mouros em luta contra os cristãos da extinta vila de Santa Cruz da Vilariça. Nestes sítios, assim como nos termos das aldeias da Lousa, Castedo e Vilarinho da Castanheira tem aparecido moedas romanas (291). Dos bustos com a figura de suíno e das sepulturas abertas na rocha, existentes no termo de Cabeça Boa, falaremos nos respectivos artigos.

CABEÇA DE MOURO «Diz-se que um mouro á instancia de um christão encantara as viboras deste sitio [Cabeça de Mouro, concelho de Moncorvo], para que não tivessem veneno e que o christão junto da fonte do lugar lhe cortara a cabeça, para que não as desencantasse; deste facto dizem tomara este lugar o nome

(289) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1751, tomo 2, artigo «Bruçó». O Arqueólogo Português, vol. 2, p. 282. (290) PEREIRA, José Manuel Martins – As Terras de Entre-Sabor-e-Douro, 1908, p. 91. (291) TAVARES, José Augusto, Abade, O Arqueólogo Português, vol. 1, 1895, p. 127.

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CABEÇA DE MOURO

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de Cabeça de Mouro. Isto afirma a tradição: a verdade é que nem as viboras, nem os escorpiões deste destrito fazem mal, como provão continuas experiencias» (292). As Memórias Paroquiais de 1758 contam a mesma lenda das víboras e escorpiões, que nunca morderam ninguém, apesar de haver por ali muitos, e acrescentam que o mouro encantava os répteis para que o cristão bebesse na fonte (293). No pináculo de um cabeço no termo dos Estevais concelho de Moncorvo, há uma «capella de Sam Gregorio a que a Camara da villa [de Moncorvo] no dia do Santo vae a festejar com huma missa de que levam propinas concedidas por Provisão dos Senhores Reis antecessores e ha tradição antiga com experiencia infalivel que todos aqueles arredores que da capela se avistão não fazem os bichos venenosos mal nem tem raiva, e tanto o mostra a experiencia que logo nos lugares circumvizinhos que estam encobertos da dita capella, fazem mal os bichos venenosos» (294). «Tem este lugar no alto delle ao pé da Igreja huma fonte com hum grande nascente de agua que nunca secou, donde os moradores se servem e regam suas ortas no verão, chamam-lhe a fonte Cabeça de Mouro e dizem que por urigem de seu nome e tradição que no tempo dos Arabes, quando dominavam estas terras que achando-se um mouro e hum christão ao pé desta fonte convidandosse hü ao outro a beber nelle duvidara o christão fazello por haver muntas viboras nestes contornos e temer que o mordessem ou que estivesse a agoa invenenada dellas; o mouro lho facilitou dizendo tinha encantado todos os bichos venenosos em todas as terras deste sitio (que he levantado e iminente) lhe estavão á vista, e seja verdade ou não esta tradição, a esperiencia o tem mostrado que havendo neste sitio e seu contorno imensidade de viboras, não ha noticia que offendessem a pessoa alguma» (295).

(292) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1751, tomo 2, artigo «Cabeça de Mouro». PEREIRA, José Manuel Martins – As Terras de Entre-Sabor-e-Douro, p. 48, refere a mesma lenda. (293) O Arqueólogo Português, vol. 2, p. 316. (294) CARVALHO, António Veloso de – Memórias da Torre de Moncorvo, mandadas fazer pela Câmara da dita vila, 1721, manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa, codice A-6-8, n° 222, p. 128. Ver adiante o artigo Moncorvo. (295) Memórias Paroquiais de 1758, em «O Arqueólogo Português», vol. 2, p. 317. A propósito desta lenda, diz o citado arqueólogo: «É uma tradição em que se revela a união entre os lendários mouros e serpentes (mouros encantados). Cabeça deve ser considerado no sentido de cabeço, como, por exemplo, Matacães (no de Mata de Cães). Confirma Dicionário Geográfico, 2°, 324».

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CAÇARELHOS | CALVELHE | CARAVELA

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CAÇARELHOS Na povoação de Caçarelhos, concelho do Vimioso, há uma capela dedicada a São Bartolomeu, que tem na fachada o seguinte letreiro: MEMORARE NOVISSIMA TUA E... IN ETERNVM NON PECCABIS ESTA CAPELA A MANDOV FAZER O ABB. JERONIMO DE MORAES CASTRO COM A AJVDA DOS DEVOTOS DO APOSTOLO S. BARTOLOMEV ANNO DE 1776 A propósito de Caçarelhos, ver o artigo Castros. CALVELHE Passam pelo termo de Calvelhe, concelho de Bragança, duas ribeiras, dois quilómetros cada uma distantes da povoação: a Ribeira das Olgas e a de Viados. Na de Viados, sítio chamado Sanguinho, «se acham vestigios de uma fortaleza, na qual se tem achado alguns instromentos de ferro, sem alguma semelhança dos que uzamos hoje: nas margens da outra ribeira ha tambem vestigios de outra fortaleza» (296). «Houve no termo de Calvelhe tres castelos de mouros de que ha vestigios: um para a parte do poente, que se chama Urreta Fermosa: e dous para a parte do nascente, um que se chama Castelo Sanguinho e outro no fim da Urreta Avelheira» (297). O Castelo Sanguinho fica a nascente de Calvelhe, e, para este lado bem como a sul, tem defesa natural constituída e artificial nos outros pontos, por um muro e fosso. A área é de duzentos e oitenta metros em circuito. Apresenta vestígios de poço ou cisterna. CARAVELA No termo de Caravela, concelho de Bragança, «para a parte do poente, nas visinhanças de uma pequena ribeira, se acham vestígios de uma fortaleza, (296) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1751, tomo 2, artigo «Calvelhe». (297) Memórias Paroquiais de 1758. «O Arqueólogo Português», vol. 2, p. 318, vol. 3, p. 282.

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CARAVELA | CARÇÃO | CARÇÃOZINHO

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que segundo a tradição é do tempo dos mouros» (298). É o chamado Castro de Caravela, que fica no termo desta povoação, de onde dista um quilómetro para o lado do poente, bem como dos povos de Babe e Vila Meão, a ligar visualmente com os castros de Sacoias, Baçal, Rabal e vários outros. É de forma elíptica, tendo coisa de duzentos metros de comprimento no eixo maior e metade no menor e cercado por todos os lados, a não ser pelo norte, onde a defesa natural o dispensava, por forte parapeito ainda de quatro metros de altura em alguns pontos, apesar de a cultura cerealífera a que anda entregue e as chuvas terem desfeito muito nele. É possível que este parapeito seja o resto da muralha, por em volta dele haver enorme quantidade de pedregulhos e mesmo por todo o recinto. Nem cerâmica, nem quaisquer indícios elucidativos da época em que foi habitado; provavelmente é pré-romano e, pela área, dos maiores destes sítios. A defesa natural pelo lado norte é imponente, pelo declive abrupto do terreno. Diz a lenda que neste Castro há um grande tesouro, constituído por um tear de ouro enterrado no ponto onde bate primeiro o sol na manhã de São João, mas como o cabeço onde está o Castro é banhado todo ao mesmo tempo, seria preciso revolver tudo e ninguém se atreve a tanto. É curiosa esta variante das dificuldades apresentadas pela lenda das duas panelas, uma de prata e outra de ouro, aplicadas a outros locais. CARÇÃO No meio do povo de Carção, concelho do Vimioso, numa grande lápide de granito cravada no solo, junto a uma fonte, está uma inscrição referente a Francisco Mendes, condenado à morte em 1651 e enforcado na Vila de Outeiro, por ter assassinado Gaspar Gonçalves, juiz de Carção. Mais acrescenta que naquele sítio estavam as casas de habitação do assassino, as quais foram mandadas arrasar e salgar pela barbaridade do crime, acrescido da circunstância de ter despedaçado «com hua fouce roçadoura hua imagem de Christo». Como já publicámos esta inscrição no tomo VII, p. 305, destas Memórias, para lá remetemos o leitor. CARÇÃOZINHO No termo de Carçãozinho, freguesia de Serapicos, concelho de Bragança no sítio chamado Fonte da Cruz, há vestígios de ruínas antigas, e coisa de (298) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1751, tomo 2, artigo «Caravela». O Arqueólogo Português, tomo 3, p. 282.

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CARÇÃOZINHO | CAROCEDO

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cem metros distante fica a capela de São Julião. Entre as ruínas e a capela apareceram dezassete sepulturas arcaicas, regulando por 2,23m x 0,78m feitas de lajes postas de cutelo e tapadas por outras. Dantes havia ossadas, mas tudo foi destruído pelos trabalhadores que as encontraram (299). CAROCEDO No ponto mais alto (853 metros) do cabeço de Carocedo, concelho de Bragança, há uma capelinha dedicada a Nossa Senhora da Assunção, formando-lhe no adro enormes fraguedos de seixo branco. Na fenda de um dos rochedos nasceu um carrasco (sardão lhe chamam por estes sítios), que já é bastante corpulento, apesar de se não ver terra que o alimente, tido em grande conta pelo povo, por lhe atribuir a virtude de fazer sofrer maleitas aos que lhe colherem folhas ou cortarem a rama (300). Noutro fragueiro logo a sul da capela há gravados alguns sinais, a que chamam Berço da Senhora, por ter nele aparecido a imagem venerada na ermida; Pegada da Senhora, por semelhar a planta e dedos de um grande pé [86], e Cova do Milagre, por se extraírem dela, por meio de raspagem, uns pós eficacíssimos na cura das maleitas. É evidente que se trata de insculturas pré-históricas (301). Ainda se divisam perto os restos de antigas fortificações, constantes de fossos e muralhas de pedra solta; no recinto delas têm aparecido telha de rebordo, pesos de pedra e de barro, pias e pedras trabalhadas de cantaria, tijolos, cacos de louça, mós manuárias, troços de colunas de granito fino e moedas dos imperadores romanos. Também, segundo diz a lenda, lá foi encontrada a cabeça de um bezerrinho de ouro. É de presumir que esta estação fosse importante, dada a grande quantidade de cantaria nela encontrada, visto ter de vir de longe. É evidente que a civilização romana ou luso-romana, documentada pelo espólio mencionado, sucedeu aqui a outra pré-histórica, constatada pelos sinais da pegada referida e por fragmentos de cobre ou bronze, machados de pedra e sartas, espécie de contas grandes de pedra molar branca, encontradas no mesmo local. A nascente, coisa de dois quilómetros do alto de Carocedo, há os restos de uma pequena fortificação, provável obra exterior da defesa de Bragança,

(299) BEÇA, Celestino, em O Arqueólogo Português, vol. 9, p. 35. (300) Em Baçal, concelho de Bragança, há um grande sardão (carrasco) junto da capela de São Sebastião, contígua ao povo e adscrevem-lhe crendice idêntica. (301) Em O Arqueólogo Português, vol. 7, p. 72, vem publicado o desenho do fragueiro com as esculturas rupestres.

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CAROCEDO

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que deve ligar com a Atalaia, de Baçal, com o Cabeço da Torre, de Rabal, e com outras que haveria em volta da cidade. Proximamente à mesma distância, mas para sudoeste, fica o local chamado Cidadela, que parece ter sido um grande Castro [87]. Segundo diz a lenda, a Senhora da Assunção apareceu no Berço do fragueiro, como fica dito, e os de Faílde levaram-na para a sua igreja, mas ela fugia de noite para o local da aparição, apesar de a fecharem num caixão, e tantas vezes a levarem e tantas fugiu que, por último, desistiram da empresa e fizeram-lhe a capelinha para morada, visto não querer outra. Em Sacoias, concelho de Bragança, corre a mesma lenda referente a Nossa Senhora da Assunção, quando a mudaram do alto do Castro, onde tinha capela, para a igreja da povoação. Idêntica lenda se conta a propósito de Santa Ana, venerada em Ervedosa, concelho de Vinhais. Santa Maria, de Bragança, também apareceu num sardão (tomo II, p. 284, destas Memórias), e idêntica aparição se atribui ao Senhor de Cabeça Boa. «Há tradição que [a imagem da Senhora da Assunção, padroeira da freguesia de Carocedo, concelho de Bragança] apareceu fora do povo, para a parte do poente, em uma gruta, feita em uma pedra, que terá tres palmos de comprido e tres de largo» (302). As Memórias Paroquiais, falando de Carocedo, dizem: «O seu orago é uma imagem de N. S. da Assunção, muito milagrosa, que apareceu no concavo de uma fraga que fica arrumada ao adro da Igreja para a parte do poente, de cujo concavo se tiram poses com picos com que saram muitos infermos e cobram saude, e outros a cobram lambendo os poses no mesmo concavo. É tradição ser habitação de mouros o sítio onde está a igreja, que é muito fragoso e se chamava a Vila do Caroço, e achando-se na cidade de Bragança o duque D. João no tempo em que a Senhora apareceu, tendo noticia deste milagre, a foi visitar e madrugando muito cedo para se livrar da calma, chegando á Senhora, por vir molestado disse para a duqueza estas palavras: isto é caro cedo e dahi lhe ficou o nome» (303). Coisa de dois quilómetros a nascente da capela de Nossa Senhora da Assunção de Carocedo fica o Terronho, pequeno âmbito circuitado por um fosso e muro [88]. Distante quilómetro e meio de Terronho fica a Fraga do Cavaleiro, que parece uma alta torre de dez metros de altura com a base envolvida por uma muralha de pedra solta.

(302) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1751, tomo 2, artigo «Carocedo». (303) Memórias Paroquiais, 1758. «O Arqueólogo Português», vol. 3, p. 152.

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CAROCEDO | CARRAZEDO | CARVALHO DE EGAS | CARVIÇAIS

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A norte de Carocedo, na confluência da linha de água que vem do termo desta povoação e de Faílde com a ribeira de Penacal, fica a Fraga da Moura, que tem uma caverna onde cabe um rebanho de gado, isto na margem esquerda do Penacal e na margem direita, logo em frente, há restos de fossos e muralhas de pedra solta. CARRAZEDO Há no termo de Carrazedo, concelho de Bragança, «três castelos arruinados, chamados Castro Carrazedo, do qual dizem tomara o nome do lugar; Serra e Castelo das Medorras. No da Serra se acham pedaços de telhões de barro vermelho, de grossura de dois dedos» (304). CARVALHO DE EGAS No termo de Carvalho de Egas, concelho de Vila Flor, há um sítio chamado «Mil Almas e outro as Covas e por tradição ouvia dizer aos velhos que a causa de chamarem Mil Almas e Covas fora porque no tal sitio fora a ultima batalha que os christãos tiveram com os mouros quando os extinguiram destas terras, aonde dizem que os mataram e os enterraram... E suposto que lhe chamem Carvalho d’Egas e não Barreiros, é porque naquele tempo que se mudaram e edificaram este povo havia um sitio aonde está a capela da S. do Rozario havia um grande Carvalho e estando a sombra dele Egas Moniz Coelho ahi o prenderam no tempo que governava el-rei D. Pedro cru... No limite deste povo está um grande penedo sobre uma lage de mármore ao qual chamam Penedo Macho e é muito celebre assim no feitio como no nome e grandeza e dele se descobre e vêem muitas terras. E este tal penedo ha menos de vinte annos um homem de Villa Flor por nome José da Cunha intentou abri-lo a fogo e com efeito lhe tirou um pequeno pedaço com o motivo de que dentro do tal penedo havia um grande aver de ouro, porém brevemente se enfadou da despeza» (305). CARVIÇAIS Em Carviçais, concelho de Moncorvo, as «cousas dignas de memoria nesta povoação (são): o fabricar-se ferro bravo e por outro nome çatico (sic)

(304) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, artigo «Carrazedo». O Arqueólogo Português, vol. 3, p. 283. (305) Memórias Paroquiais, 1758. «O Arqueólogo Português», vol. 3, p. 152.

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CARVIÇAIS

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sem para isso ser necessario aos fabricadores comprar a pedra de que se faz por se achar no Cabeço da Alva, nem cepa para o carvão, e ha duas fabricas dele» (306). Dizem que a povoação de Carviçais foi primitivamente no sítio chamado São Cristóvão, onde há ruínas e vestígios de fossos. A Cigadonha, sítio do termo de Carviçais, fica três quilómetros a norte da povoação, no cume de um cabeço. Ainda conserva restos de muros de granito aparelhado de três metros e meio de espessura, ligado, de quando em quando, aos fragueiros naturais que ali abundam, limitando um recinto de oitenta e cinco metros no diâmetro maior por setenta e um no menor. Ligado ao recinto principal por um pequeno muro, há outro de quase vinte metros de diâmetro, também muralhado, à maneira de ante-castro. Um troço de muro a NE defende ainda o Castro, como a obra exterior. O espólio deu: escórias de ferro, pedaços de cerâmica, mós manuárias e um cossoiro de barro ornamentado. São raros os castros deste tipo, isto é, com ante-castro. Dois quilómetros distante da Cigadonha, na margem direita de um ribeiro, há umas insculturas rupestres (307). I. O. M C S. C. P Λ PR S. S O M O Dr. José Leite de Vasconcelos leu: J(ovi) O(pitmo) M(aximo) C(onservatiri) S(acrum) C(aius) Pa Pr(o) S(alute) S(olvit) M(erito). Está hoje no Museu Etnológico de Lisboa e apareceu a três quilómetros de Carviçais, concelho de Moncorvo, na direcção de Martim Tirado, junto à Ribeira, a entestar com a foz do Vilela, num outeiro que fica entre o ribeiro da Trapa e o de Canamor, sítio já assinalado pelo aparecimento de mós manuárias, restos de tégulas, moedas, sepulturas abertas na rocha, afectando a figura do corpo humano, encaminhadas na direcção do oriente. São catorze sepulturas divididas em cinco grupos. Numa delas há um orifício em baixo, aos pés, provavelmente para escoar as matérias. A esta chama o povo Pia Baptismal, dizendo ter existido neste sítio uma povoação antiga, cujos habitantes se baptizavam nesta pia [92].

(306) Ibidem, p. 153. (307) SANTOS JÚNIOR, J. R. – As ruínas castrejas da Cigadonha (Carviçais), 1929, onde se estudam a Cigadonha e as esculturas.

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CARVIÇAIS | CASTELO, CASTELÃO, CASTELEJÃO, CASTELEJO, CASTELINHO . . .

TOMO IX

No concelho de Moncorvo há sepulturas análogas noutros sítios, por exemplo: em Carviçais, no Caminho das Sepulturas, entre esta aldeia e a de Mós; em Castrelos; em Urros; na Junqueira e em Vila Velha (308). SABINAE AN. XXXV. Lápide de granito, de 0,5m x 0,28m. Foi encontrada próximo da caseta do Loureiro, termo de Carviçais. No alto, há uma figura tosca de rosto humano (309) [93]. RVFVS MOSI AN. LXXV. S T. T. L. Lápide de granito, de 0,3m x 25m. Apareceu em São Cristóvão, termo de Carviçais, onde existiu uma povoação romana (310). No termo de Carviçais «há um sítio chamado Cigadonha, e aí um alto chamado Castelo dos Mouros – com paredão em volta será castro? Ao pé do Castelo, em baixo, há uma fraga – com um gato pintado. – O povo interpreta geralmente por figuras de animais, de partes do corpo humano, e de objectos caseiros, as escavações naturais ou artificiais (insculturas) que se notam em certos rochedos» (311). No artigo Pré-história diremos das insculturas rupestres de Carviçais [94].

CASTELO, CASTELÃO, CASTELEJÃO, CASTELEJO, CASTELINHO, CASTELAR E TORRE Como estes nomes têm íntima relação com os castros [95], segundo dizemos adiante (312), damos a lista de nomes de sítios do termo das povoações do concelho de Bragança onde tais toponímicos existem, os quais seguem. (308) TAVARES, José Augusto, em O Arqueólogo Português, vol. 7, p. 156, e vol. 25, p. 130. (309) Ibidem, vol. 25, p. 129. (310) Ibidem. (311) VASCONCELOS, J. Leite de, em O Arqueólogo Português, vol. 22, p. 164. (312) Artigo Castros.

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CASTELO, CASTELÃO, CASTELEJÃO, CASTELEJO, CASTELINHO . . .

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No termo de Alfândega da Fé (313): Agrobom (há ruínas antigas). Gouveia (dizem que há uma moura encantada). Parada. – No sítio chamado Marruça, também dito Castelo da Marruça, há restos de fortificações, muros, fossos, etc., que dizem ser dos mouros [96]. Faz parte, ou, melhor, está incorporado nestes muros um rochedo, no qual, há anos, uns operários encontraram um longo buraco que inadvertidamente entupiram. Perto, fica a Fraga do Crato, metida em espesso carrascal, interessante por apresentar a forma de capela e por o povo lhe ligar a lenda de tesouros encantados. No Castelo da Marruça aproveitaram os rochedos naturais para defesa, completando a parte onde faltava por muros. É quase inacessível, a não ser por um lado, no qual reforçaram o sistema defensivo por outro muro um pouco afastado do recinto e por uma larga faixa de pedras de mais de metro, enterradas com a ponta aguçada para cima, como vemos em Algosinho e noutros pontos. Dizem que numa fraga destas fortificações há um gato insculpido, mas o nosso informador, Dr. Casimiro Henriques de Morais Machado, não conseguiu vê-lo (314). Junto aos muros, há restos de pequenas casas circulares de pedra solta. Sendim da Ribeira (Castelo Branco). Vilarelhos (Castelo da Ana Russa, que foi habitação dos mouros). Tudo no concelho de Alfândega da Fé. Alimonde, Calvelhe (nome de uma rua no povo), Carrazedo (Castelinho), há ruínas, pedregulhos, onde ressoa muito, como se houvesse cavernas debaixo deles. Ainda no termo da mesma povoação há outro sítio chamado Castelo. Formil, Fontes Barrosas (Torre Velha, há também Torre Velha no termo de Castro de Avelãs), Labiados (Castelãos), Outeiro (há ainda muralhas e restos de torres de fortalezas medievais, destruídas em 1762 pelos espanhóis), Paradinha (Castelo Sanguinho, onde têm aparecido cerâmica romana e ossos, e também se diz que há ali uma moura encantada), Pombares (há Casteleira e Castelo), Refoios (Fraga do), Samil (Castrilhão) e Terroso. Pinela, há no termo desta povoação um cabeço que apresenta restos de fortificações, compostos de muros, fossos, etc. Chamam-lhe Castelo de Alvelina, Arvelina, Avelina, Alfenim e ainda Castelo de Pinela, por estar no termo desta povoação, no local a confrontar com o termo de Paçó de Sortes. Encerra grandes tesouros guardados por uma moura encantada. Segundo a lenda, um padre do sul do distrito de Bragança esconjurava as trovoadas para o Castelo de Pinela, por supor que seria terreno bravio e (313) Quando, em seguida ao nome da povoação, se não indica entre parêntesis alguma das variantes da palavra início do artigo, entende-se que o sítio mencionado tem o nome dessa palavra. (314) VILARES, João Baptista – Monografia do concelho de Alfândega da Fé, 1927, p. 211.

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CASTELO, CASTELÃO, CASTELEJÃO, CASTELEJO, CASTELINHO . . .

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inculto; mas sabendo um dia pelos seus ceifeiros que era cultivado, exclamou: «Ai de mim, que estou perdido! Quanto prejuízo terei causado!», e não mais as conjurou para essa terra. O povo tem má fé com as trovoadas vindas do Vale da Moura, sítio perto do Castelo de Alvelina, porque – diz ele – são pavorosas em granizo e pedra destruidora das searas. Deste Castelo partia uma galeria subterrânea, por onde os mouros iam levar os cavalos a beber a um regato distante. Também lhe aplicam a lenda do tributo das donzelas, igual ao mencionado nos artigos Alfândega da Fé, Chacim, Espadanedo e Rebordãos. A lenda refere ainda o caso de um padre residente em Paçó de Sortes, na Rua das Quintas, chamado a altas horas da noite para confessar uma mulher. Desde que saiu de casa viu-se envolvido e ameaçado de morte por uns desconhecidos, que o levaram à Igreja Velha, situada fora do povo, agora destruída e convertida em cemitério, onde estava a mulher. Soube então que os desconhecidos eram irmãos dela e que a matariam após a confissão por se ter deixado seduzir e pretender casar contra vontade deles. Demorou a confissão quanto pode, até ver se vinha o dia; mas a certa altura intimaram-lhe: «Ou você acaba, ou matámo-lo também». Ainda recomendou à penitente que se deitasse de bruços na sepultura, que já lhe tinham aberta, mas de nada serviu, porque, apenas lançadas sobre ela algumas pazadas de terra, picaram tudo a punhaladas (315). É provável que o nome Alfenim não seja popular, mas sim de origem erudita, popularizado por algum latinista conhecedor da obra de Nieupoort (316) , muito vulgarizada no século XVIII, que diz, falando dos castros que deram origem a várias povoações, e, entre outras, in nostra vicina pago multis urbibus illustriori Alphen, ubi Alpheni quondam castra fuisse dicuntur. No tomo III, p. 315, destas Memórias encontram-se as demarcações do terreno pertencente ao Castelo de Alveliã, Alvélia ou Alvília, onde residia o procurador e representante do rei, antes de Bragança ser povoada, no princípio da monarquia portuguesa. Como este assunto tem enorme importância geográfica, damos à margem os nomes dessas confrontações, seguidas da identificação actual que julgamos corresponder-lhe. São eles: Pelela. Será a povoação de Pinela? Ervedeira. Sítio do termo de Parada de Infanções, a confrontar com o de Pinela. (315) Igual lenda se aplica às igrejas paroquiais do Castanheiro do Norte, concelho de Carrazeda de Ansiães, e São João da Castanheira, concelho de Chaves, de que demos conta no opúsculo Chaves – Apontamentos arqueológicos. (316) NIEUPOORT, G. H. – Rituum qui olim apud romanos obtinuerunt, l773, p. 395.

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Maira. No termo de Pinela há um sítio chamado Vale de Naira e outro dito Amária. Moura. Há ainda hoje no termo de Pinela um sítio chamado Vale da Moura. Poço do Seixo. Sítio dos termos de Parada de Infanções e Paredes, ambos confinantes com o de Pinela. Alvaredo. Moredo. Nome da povoação confinante. Fonte de Lama de Rabalbo. Sítio dos termos de Parada de Infanções e Paredes; ambas confinantes com o de Pinela. Fonte de Forcados ou de Tio Saco. Cabeço de Lobeteos (de Lobos, Lobesnos?). Sítio do termo de Parada de Infanções. Prado de Suzano. No termo confinante da povoação de Parada de Infanções há um sítio chamado Prado de Sezães. Santa Comba. Povoacão confinante. Fonte de Suzã da Malhada. No termo confinante da povoação de Santa Comba há um sítio chamado Malhada. Pedra Furada. Palaciolo. Nome da povoação confinante de Paçó de Sortes. Fontinha, Fontela Cerzeira Lamar. No termo da povoação confinante de Paçó de Sortes há um sítio chamado Fontinha. Cavage. Lagoa de Sub-Alva. No termo da povoação confinante de Paçó de Sortes há um sítio chamado Lagoa e no da de Pinela outro dito Quinta de Vilalba ou Vilalha. Boticas. Facilmente se compreende que os não identificados mudaram de nome, coisa frequente, devido a diversas razões, bem constatadas pelos que se dedicam a estes estudos. Entendemos pois que a Alveliã das Inquirições ficava na área do Castelo de Pinela, assaz fértil para manter um rico proprietário, e não em Castro de Avelãs, como alguém escreve em O Arqueólogo Português, vol. 2, p. 286, sem mais fundamento do que uma fraca analogia de nome. Tudo no concelho de Bragança. Codeçais (lenda da moura encantada): Luzelos (Castelar); Pereiros (lenda da moura encantada e de ter vivido aqui mourama); Pombal (Castelejo e Castelo dos Mouros, lenda da moura encantada); Seixo de Ansiães. Tudo no concelho de Carrazeda de Ansiães. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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CASTELO, CASTELÃO, CASTELEJÃO, CASTELEJO, CASTELINHO . . .

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Freixo de Espada à Cinta. Castelo Terronho [97] e Castelares (lenda de uma panela de ouro e outra de prata, que matariam meio mundo se chegassem a descobrir-se de onde ninguém se aventurou à procura do tesouro); Mazouco (Castelo do Pinho). Tudo no concelho de Freixo de Espada à Cinta. Arcas (Castrilhão. É um grande fragueiro, com uma gruta inacessível a meio da sua altura, onde têm aparecido vários objectos de ouro, diz o nosso informador, tais como asas de braseira – manilhas? xorcas? Também lá vive uma moura encantada a tecer em tear de ouro); Bagueixe (nome de uma rua do povo); Castelãos (Tra lo); Ferreira (Castelares); Lagoa (Fraga do Castelo, onde aparecem restos de cerâmica e de fortificações; lenda dos tesouros encantados); Limãos (Fraga do Castelo; há pedregulhos, cerâmica, mouras encantadas e muita riqueza, pois foi onde se recolheram os mouros, segundo reza a lenda, depois de expulsos de Balsemão); Peredo (Castelajo; lenda da moura); Podence (nome de uma rua do povo); Vilarinho de Agrochão (Crastilhão; lenda da moura encantada); Vilarinho do Monte, Chacim (freguesia); Talhinhas (freguesia); Vinhas (freguesia, Castelhão). Tudo no concelho de Macedo de Cavaleiros. Malhadas (Tra lha Torre, Trás da Torre); Palaçoulo (Urreta Castelo); Picote (Castelo de las Ruecas. Foi aqui achado um alfange de metal amarelo e uma fíbula de cobre ou bronze) [98]. Tudo no concelho de Miranda do Douro [99]. Aguieiras (há restos de muros e fossos, e diz a lenda que viveram ali os mouros). Também há Castelijão. É um grande fragueiro, sobre o qual assenta a capela de Nossa Senhora dos Montes. Um homem do povo sonhou haver lá um tesouro, e, quando o procurava, apareceu-lhe o diabo, que prometeu dar-lho em troca da alma. No dia seguinte levou um galego que se comprometeu a dar a sua em troca de alguns cobres mas quando surgiu o diabo em figura horrenda assustou-se e clamou: «Valga-me Dios». Imediatamente desapareceu o diabo, bem como o tesouro, já posto à vista, e os homens «saíram a nove» (diz o nosso informador), isto é, fugiram a pés de cavalo; Caravelas, freguesia de Vale de Asnes (Castelinho); Mascarenhas (nome de uma rua do povo); Milhais (vestígios de muros). Mirandela (Castelo Velho; há restos de muros, pias cavadas nas fragas, lenda da moura encantada e tem aparecido cerâmica e mós manuárias); Regodeiro; Suçães; Vale de Gouvinhas; Vale de Juncal (Castilhão; é um grande fragueiro, de onde se vê, dada a ausência de ruínas, que nem sempre Castilhão, Castrilhão, como em Soutelo da Gamoeda, significa Castelo, mas sim rochedo alcantilado); Vale da Sancha (Fraga do Castelo; há vestígios de ruínas e da MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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estrada mourisca, diz o nosso informador); Vale de Madeiro (Castelo Velho). Tudo no concelho de Mirandela [100]. Algosinho (Castelo dos Mouros); Azinhoso (lenda da moura encantada. Pelos anos de 1900, quando arrancavam pedra, apareceram os alicerces quadrados de pequenas casas de habitação dos mouros, mas estragaram tudo e nada resta); Bemposta (rua do povo, lenda da moura encantada e várias antigualhas); Bruçó (Castelo dos Mouros); Castanheira; Figueira; Figueirinha (há ruínas); Meirinhos (Castelo Reginal); Penas Róias (é o castelo da antiga fortaleza medieval, ainda regularmente conservado, mas as muralhas estão em ruínas); Peredo da Bemposta; Quebradas (lenda da moura encantada, restos de muros que foi habitação de mouros, diz o povo); Sampaio (no planalto do Cabeço da Satanaza há milhares de carros de pedra solta, aos montões, que parece ter sido destinada a construções. Na vertente deste Cabeço fica o Castelo, que ainda apresenta vestígios de muralhas e de um fosso. Os moradores de Viduedo foram lá cavar há anos em cata de tesouros, que não apareceram, nem nunca aparecem); São Martinho do Peso; Urrós (Castelo de Oleiros). Ainda restam muros largos, cerâmica abundante, de onde vem o nome de Castelo de Oleiros. Consta que ao fundo do cabeço onde está o castelo havia uma calçada no Rio Douro, que no Verão dava passagem à cavalaria para o lado de Espanha e seguia até à povoação de Picote, no concelho de Miranda do Douro (317). Ainda no mesmo termo de Urrós fica o sítio chamado Picão de Bouça de Aires, a que chamam também Castelo de Bouça de Aires, formado por uns rochedos graníticos, muito altos, onde têm aparecido alicerces de casas e onde há uma escada cavada na rocha de quatro ou cinco degraus. Um dos rochedos apresenta cavidades ligadas umas a outras por sulcos, que, cheios de água pluvial durante o inverno, servem de fonte para muito tempo. Foram abertas pelos mouros, diz o povo. O Castelo de Bouça de Aires apresenta ainda restos de muros nas partes em que a defesa natural fraquejava e são constante preocupação dos sonhadores de tesouros, que frequentemente lá vão esquadrinhar, apesar de nada terem encontrado, mesmo quando sonham com o tesouro três noites a eito, auspício infalível no seu entender e no de toda a crendice bragançana. Numa das escavações apareceram umas contas pretas, assaz volumosas, indício de já estar perto o encanto, mas rugiram logo estampidos terríficos e tudo fugiu aterrado (318). (317) Ver o artigo S. Julião, onde se aponta o toponímico Porto Calçado. (318) No artigo Arte rupestre, ao tratar de Labiados, apontamos lendas relacionadas com esta.

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A lenda verseja: Entre o Castelo de Bouça de Aires E o sítio de Correchá Há um bezerro de ouro Quem o achar seu será. Mas só aparecerá na ponta da relha de um arado a lavrar; porém até hoje ainda nada surgiu... Continuando com o toponímico Castelo, temos mais: em Vale Certo (Castelo, onde há ruínas); Valverde (rua da povoação e sítio do termo (Cabeço do), lenda da moura encantada); Vilarinho dos Galegos. Tudo no concelho do Mogadouro [101]. Adeganha (Castelo Velho, fica no sítio chamado São Martinho, onde ainda há vestígios de uma capela dedicada ao santo, e dizem que foi a primitiva povoação. Lenda da moura a estender a barrela ao sol. Em frente do dito local de São Martinho, do outro lado da Ribeira de São Martinho, que provavelmente tomou o nome do santo, aparecem telhas de rebordo, tijolos, cerâmica e mós manuárias. Dois quilómetros a norte da povoação de Adeganha há outro sítio chamado Castelo, e quatro a sul, mas ainda no seu termo, fica o Castelo da Senhora do Castelo, onde se conservam restos de muros, e perto da capela de São João, sita neste local, há um poço entulhado, que dizem tinha esculpidos numa pedra o sol e a lua e servia para abastecimento de água (319). Diz a lenda que neste cabeço de S. João apareceu a Senhora, e desde então ficou todo ele coberto de açucenas sempre floridas, ao contrário das outras existentes nas imediações, que murcham; Cabeça de Mouro; Felgueiras (Castelos); Felgar (Castelo de Selhade); Junqueira (o Castelo deste nome fica a um quilómetro do povo, no sítio chamado Cevadeiras. Há restos de fortes muralhas; ainda se vêem degraus de portas e nichos ou pias (sepulturas) cavadas na rocha, como as abaixo indicadas no Castelo da Portela); Mós (o abade José Augusto Tavares, num artigo de jornal apresentou como denominando-se castelo os sítios do termo de Mós chamados Terronho (Castelo), Murada (Castelo da) Lazais (Castelo de) e Cigadonha (Castelo da), em todos os quais aparecem antigualhas. Póvoa, freguesia dos Estevais (Castelinho); Portela (o Castelo de Portela, concelho de Moncorvo, fica nas margens do Sabor. Há restos de muros, e diz a lenda que deste castelo seguia um caminho subterrâneo para a ribeira da Vilariça, utilizado pelos mouros para levarem os cavalos a beber. Mais

(319) Ver no artigo Pré-história as partes correspondentes a Anta e sepulturas cavadas na rocha.

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acrescenta que neste Castelo da Portela assentava a antiga Vila Rica, que legou o nome ao vale da Vilariça, a qual se despovoou por causa das formigas devorarem todos os mantimentos e frutos, sem mesmo poupar as crianças no berço); Silveira (Castelo da Silveira). Há restos de muros. A quinhentos metros do Castelo da Silveira, caminho dos Estevais, na garganta de um fragueiro, lado direito, vêem-se duas cobras gravadas na rocha e poucos metros adiante, no sítio das Pias, há noutra rocha esculpidas pias ou nichos (sepulturas), a que o povo dá o nome de alqueire e meio-alqueire. Dizem que junto ao Castelo da Silveira havia uma capela, da qual ainda há muitas pedras ao lado da estrada, em frente às casas da Portela. Perto do fragueiro das Pias fica a Fraga Amarela, que serve de relógio ao povo, por ser meio-dia quando o sol a lava. Diz a lenda que neste fragueiro das Pias viu um caçador, na manhã de São João, alva toalha cheia de figos, que o cão começou a comer. O caçador aproximou-se e meteu alguns no bolso, ouvindo ao mesmo tempo uma voz que dizia: «Leva mais, leva mais». Olhou e não viu ninguém; mas retirando-se, quando mais tarde meteu a mão ao bolso viu que os figos se tinham convertido em ouro. Diz outra lenda que na Vilariça há uma pedra que servia de grade aos lavradores nos serviços agrícolas, por ser muito jeitosa. Um dia, que a ribeira ia muito grande, a pedra falou a um lavrador e disse-lhe: «Parte de mim o que quiseres e mete-me ao bolso e deita-me à água». Ele assim fez e imediatamente a pedra se transformou numa linda donzela moura sobre uma grade que, água abaixo, ia cantando: Adeus Vale da Vilariça, Adeus Fraga Amarela; Quanto ouro, quanta prata Não me ficam dentro dela. Tudo no concelho de Moncorvo [102]. Freixiel (Castelinho e Castelo. Lenda da moura encantada. Foi povoação dos mouros, diz o povo. Há restos de muros e fossos, e dizem que também há uma campa); Vilas Boas (Castelo velho; há restos de muros); Vale Frechoso; Vilas Boas (Castelo Velho; há restos de muros); Macedinho, freguesia da Trindade (Castelo; há resto de fortes muros). Tudo no concelho de Vila Flor. Casares (Castelo); Cabeça da Igreja (lenda da moura encantada, restos de muralhas e de fossos); Frades (Castelejão; há ruínas e grandes buracos; foi habitação de mouros); Maceira; Moás; Mofreita; Montouto (freguesia, Castelos); Nozedo de Cima; Paçó de Vinhais; Paços (dizem que «há uma inscrição pelo cimo da touça do Maneta»); Santalha (freguesia); Sobreiro de MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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CASTELO, CASTELÃO, CASTELEJÃO, CASTELEJO . . . | CASTELÃOS | CASTELO BRANCO

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Baixo (Castelo do Monte da Forca); Seixas (Castelo Seixão: há ruínas); Vilar Seco da Lomba. Tudo no concelho de Vinhais [103]. Algoso (Castelo dos Mouros. Além deste, há outro sítio chamado Castelo, antigo castelo medieval da Vila de Algoso, já em ruínas): Campo de Víboras (Castelo Velho, fica no sítio chamado Vila Velha que foi habitação dos mouros. Perto deste sítio fica outro chamado Forno do Giraldo, assim chamado um homem de nome Giraldo, aí refugiado à perseguição da justiça (320). Há também no termo do Campo de Víboras um local chamado Castelo Novo, derivado de um marco geodésico aí colocado na triangulação feita pelos anos de 1885, perto de outro grande da primitiva triangulação. O marco novo foi logo derrubado por gente do povo, a qual, chamada judicialmente para averiguações, respondeu unanimemente aos inquiridores, dando-se ares de ingénuos sonsos: «Ah Senhor, ninguém o pinchou: foi o Castelo grande que comeu o pequeno». São notáveis os de Campo de Víboras pela ironia pícara das suas respostas, decalcadas sobre um burlesco cómico de aspecto simplório e pela visão risível das coisas, que os leva logo à primeira vista a crismarem os estranhos com alcunhas facetas, caracterizando-os pelo grotesco; Uva (Castelouço). Tudo no concelho de Vimioso [104].

CASTELÃOS No termo de Castelãos, concelho de Macedo de Cavaleiros, há, além de outras capelas, uma dedicada a «S. Bernardino, no sitio que chamam o Castelo, por se dizer fôra habitação dos mouros. No alto da Serra de Monte Mel ha vestigios de uma fortaleza de mouros e nella havia uma imagem de S. Marcos, que se achava muito maltratada e por varios prodigios que Deus obrou por sua intercessão, concorreu o povo levando limitadas esmolas ao Santo, com as quaes lhe erigiram uma ermida, na qual se diz Missa» (321).

CASTELO BRANCO Castelo Branco, concelho de Mogadouro. «He lugar que antigamente foi villa de cuja memoria se conservão suas ruinas em a eminencia de hü Outeiro em que se mostra sobranceiro juntamente as liquidas agoas da ribeira (320) Ver os toponímicos Malato e Escrita, termo de Murços. (321) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1751, tomo 2, artigo «Castelãos».

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CASTELO BRANCO | CASTRELOS

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da Freixeda... Consiste a serra de seus principaes braços, o qual hü delles tem por nome o Casal Copado de aprazivel arvoredo, outro chamado Cova de Manoyo a etymologia lhe proveo de hum esforçado e valeroso Foragido (e ainda existem vestigios de sua habitaçam) o qual se chamava Manoyo, e o monte em esse tempo ser mais encuberto e com este exercicio dando varios rodeos ao monte sempre por estradas e caminhos emcubertos fechados de arvoredos, que só a quem frequentava seus retiros podiam ser manifestos, e desta sorte andavam os moradores circumvizinhos em grande maneira sobre saltados» (322). CASTRELOS A poucos passos da povoação de Castrelos, concelho de Bragança, há a capela de São João, divisando-se ainda claramente os andares defensivos de uma fortificação no género dos castros, se bem que os naturais lhe não dão este nome. A oriente do povo há uns penedos, ao que parece dispostos intencionalmente com intuitos defensivos, e por entre eles aparecem ainda restos de tijolo e argamassa. Viria desta espécie de castelo o nome ao povo? Diz a lenda que ali viveu e está sepultado um general romano (323). Argote (324) traz a seguinte inscrição aparecida em Castrelos: SEMPRON. TVDIT NVMORVM. IX. M. que Moreri (325) diz ter aparecido com muitas moedas de ouro em 1591, quando se abriram os alicerces para uma capela e que pertencia ao pretor Caio Semprónio. Da inscrição não se pode concluir tal, mas sim que ali estão nove mil moedas de Sempronio Tudit [ano?] [105]. O infeliz que primeiro encontrou esta lápide, no século XVI, segundo diz um autor coevo, foi preso por se supor que achara também o dinheiro e não o querer dar à fazenda real, nem descobrir o destino que lhe dera, e morreu na prisão em consequência dos maus tratos que lhe aplicaram (326).

(322) Memórias Paroquiais, 1758. «O Arqueólogo Português», tomo 3, p. 193. (323) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga, 1895, p. 111. (324) A RGOTE, Jerónimo Contador de – Memórias para a história Eclesiástica do Arcebispado de Braga, tomo 6, p. 174. (325) MORERI – El Gran Dicionario. LOPO, Coronel Albino, O Arqueólogo Português, vol. 13, p. 248. Santuário Mariano, 1716, tomo 5, p. 554. (326) Ver tomo I, p. 4 e 5, destas Memórias.

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CASTRELOS | CASTRO (VINHAIS)

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No termo de Castrelos há um sítio chamado Souto de São João, onde há vestígios de uma igreja ou capela dedicada a este santo, à qual, segundo diz o povo, tinha obrigação de ir uma pessoa de cada família, num circuito de uma légua, assistir à missa. Ver, a propósito, os artigos Angueira e Aveleda.

CASTRO (VINHAIS) Perto de Sobreiró de Baixo, concelho de Vinhais, e a dois quilómetros e meio para poente desta vila, há uma povoação chamada Castro, que, segundo diz a tradição, foi a antiga cidade de Lagoa, e ainda há um sítio do termo com este nome e outro denominado Cerca dos Mouros. Diz o povo que um homem do Porto sonhou com um tesouro na Cerca dos Mouros e que, procedendo a escavações, achou um Jogo dos Paus completo de ouro – bolas e os respectivos nove fitos, tentos ou paus – e outro de Lisboa, também em resultado do sonho, veio escavar e encontrou um vitelo do mesmo metal. A lenda do Jogo dos Paus de ouro encontra-se vinculada a muitos castros e locais de civilizações extintas. Falando desta povoação do Castro, diz Cardoso (327): «está situada no monte Circa, junto do qual houve uma grande lagoa, que hoje se acha com poucas aguas. Neste monte ha muitos vestigios de fortaleza, ou grande povoação, pelos muitos vales e alicerces que ainda se divisam». Estas ruínas ficam duzentos metros acima da povoação do Castro; apresentam ainda restos de muro, com dois metros de espessura e dois fossos, estes só na parte mais fraca da praça, tendo o primeiro cinquenta metros de extensão e o mais exterior noventa. No recinto há vestígios de uma cisterna, que recebia as águas vindas das lameiras de Vale Pereiro por encanamento, e na parte exterior das muralhas, mas contígua a elas, de uma torre circular de catorze metros de diâmetro, que defendia a entrada da fortaleza. Como se nota em muitos dos nossos castros, também neste aproveitaram os fragueiros para incorporar nas muralhas defensivas, ligando apenas rochedo a rochedo por panos de muro. O recinto intramuros é de 119 x 85 metros; apresenta ainda vestígios de ruas estreitas, de casas com 6 x 4 metros de área e um de espessura; as paredes são feitas de pedra e barro. No espólio aparecem cacos de cerâmica, telha de rebordo, mós manuárias, fragmentos de canos, de barro, escumalha de ferro, tijolo, etc.

(327) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1751, tomo 2, artigo «Castro».

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CASTRO (VINHAIS) | CASTRO DE AVELÃS

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Perto ficava a capela de Santa Bárbara, que, estando em ruínas, foi pelos anos de 1820 transferida para a povoação do Castro, onde se colocou a padroeira (328). CASTRO DE AVELÃS Com referência à província de Trás-os-Montes – diz Hübner – as principais fontes de onde constam as suas inscrições são as notícias minuciosas enviadas a Argote por Tomé de Távora e Abreu (329), onde, no fólio 86, vem a relação das inscrições de Chaves, organizada por João Carneiro de Morais e Castro de Fontoura, de que Argote muito se aproveitou. Não se têm aproveitado – continua o mesmo Hübner – as inscrições de Trás-os-Montes, citadas por António Coelho Gasco no Antiquário Discurso, dedicado ao arcebispo de Braga D. Rodrigo da Cunha, que Hübner encontrou na Biblioteca de Coimbra (330). Em parte nenhuma – diz o mesmo – pude descobrir as Memórias de Bragança por José Cardoso Borges, sargento-mor de Bragança, manuscrito que no fim do século passado existia na Biblioteca de José Freire de Montearroio Mascarenhas, onde Cornide o consultou (331). Falando seguidamente do mosteiro de Castro de Avelãs, que por equívoco situa perto de Chaves, em vez de perto de Bragança, diz: que em Castro de Avelãs «parece ter tido o principal assento (civitas oppidum, vicus ou pagus) aquela Gens Zoellarum, que iniciou o célebre contrato de patronato mútuo, cujo instrumento se conserva ainda no Museu de Berlim, celebrado primeiro em Gerunda no ano de 27 depois de Cristo, e renovado depois em Asturica no ano 152». A inscrição referente ao contrato diz: M. Licinio Crasso / L. Calpurnio Pisone cos. / IIII kl. maias / gentilitas Desoncorum ex gente Zoelarum / et gentilitas Tridiavorum ex gente idem/ zoelarum hospitium vetustum antiquom/renovaverunt eique omnes alis alium in fi/dem clientelam que suam suorum que liberorum posterorumque receperunt. Egerunt Arausa Blecaeni et Turaius Clouti. Dacius Elaesi / Magilo

(328) BEÇA, Celestino, O Arqueólogo Português, vol. 20 (1915), p. 83 e seg. (329) O original existe na Biblioteca Nacional de Lisboa, A-4, 32. (330) X 601, fols. 100 a 120. (331) Encontrámo-las nós e explorámo-las, arqueologicamente, como se vê nos tomos I, p. 349, e VI e VII destas Memórias. Temos até delas uma cópia completa tirada do códice original existente na Biblioteca Nacional de Lisboa, não com o título citado por Hübner, mas com o de Descrição Topográfica da Cidade de Bragança, que é o que realmente tem.

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CASTRO DE AVELÃS

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Clouti Bodecius. Burrali Elaesus Clutami / per Alienum Pentili. Magistratum Zoelarum / Actum Curunda / Glabrione et Homullo cos V. idus iulias / idem gentilitas Desoncorum et gentilitas / Tridiavorum in eandem clientelam eadem / foedera receperunt ex gente Avolgigorum / Sempronium Perpetuum Orniacum. Et ex Visaligorum Antonium Arquium et ex gente. Gabruagenigorum Flavium Frontonem. Zoelas. / Egerunt / L. Domitius Silo et / L. Flavius, Severus / Asturicae [106]. «Também no Castro de Avelãs – continua Hübner – se encontram duas inscrições impressas em Viterbo (332); nas Memórias da Literatura Portuguesa (333) e talvez mais exactamente num artigo de Sampaio no Jornal Enciclopédico de 1790 (334). A primeira é: DEO AERNO ORDO ZOELAR EX VOTO Viterbo diz Averno (335), unicamente para dar aqui entrada, sem fundamento nenhum, ao clássico Averno. Houve quem lesse Aeternus. A segunda inscrição mostra, porém, que nada se deve alterar no nome do deus: DEO A (e) R NOM ACIDI Insiro unicamente um E que podia estar ligado ao A. O final parece também não estar exactamente copiado (336).

(332) VITERBO – Elucidário, artigo «Benquerença». (333) Tomo V, 1793, p. 258. (334) SAMPAIO, Jornal Enciclopédico, p. 196. Este Sampaio é Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, de quem tratamos no tomo VII, p. 476, autor do artigo mencionado no Jornal Enciclopédico, e o mesmo autor do escrito apontado no tomo 5, p. 258, das Memórias da Literatura Portuguesa. (335) Na segunda edição do Elucidário, feita em 1865, já vem publicada como Hübner a apresenta, tendo a mais apenas a pontuação. (336) HÜBNER, Emílio – Notícias Arqueológicas de Portugal, 1861, p. 87.

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CASTRO DE AVELÃS

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Não deixa de ter graça a pontinha de má vontade clerical com que Hübner alfineta Viterbo (Frei Joaquim de Santa Rosa de) por ler Averno em vez Aerno, poupando o nome de Sampaio, apesar de ler Aeterno. O erudito investigador e conscencioso frade, incapaz de falsificar o texto epigráfico, aventou a hipótese de querer dizer Averno, visto Aerno ser uma novidade desconhecida, arriscando a intercalação de um V ( V ) pontuado ligado ao A, sinal evidente que não se encontrava na lápide, e o remoque do protestante esfusia logo! Sampaio lê Eterno (Aeternus) e poupa-se (337)! Da mesma forma leu o médico Pires da Silva, que citamos na nota abaixo. Pinheiro (338) publicou a primeira inscrição guiado por Sampaio, que a viu e copiou do original, devendo supor-se mais exacta a sua lição, como observa Hübner, da seguinte forma: DEO AERNO ORDO ZOELARVM EX VOTO (337) Que nós saibamos, têm publicado esta inscrição de Castro de Avelãs ou feito referência a ela, além dos já citados, mais os seguintes: LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigos «Castro de Avelãs» e «Zela» (sobre os Zoelas, ver FLOREZ – España Sagrada, tomo 16, p. 17). VASCONCELOS, José Leite de – Religiões da Lusitânia, vol. 2, p. 338, e CAGNAT – Dicionário..., artigo «Ordo». O Panorama (1857), p. 57 (é neste onde se aponta inicialmente que a lápide do Averno, mencionada em segundo lugar, foi «removida há anos para um túmulo do cemitério de Bragança»). Corpus Inscrip Lat. 2, p. 363, e supl., p. 901-910. PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga, 1895, p. 78 e seg. LOPO, Albino dos Santos Pereira – Bragança e Benquerença, 1900, p. 44 e 56. O Arqueólogo Português, vol. 2 e 3, p. 182, e em vários outros sítios. Revista Arqueológica e Histórica (1887). PIRES, Cristóvão – História do Exército Português, vol. 1, p. 369 e 390. Revista de Guimarães, vol. 5, p. 71, vol. 6, p. 53 e seg., vol. 18, p. 53. ASSUNÇÃO, Lino da – História dos Frades, p. 81 a 94. Monarquia Lusitana, parte 5, liv. 16, cap. 45 e 46, e no «Apêndice à Escritura 19». Ilustração Trasmontana (1909), p. 149. VASCONCELOS, Joaquim de – Indústria de Cerâmica, p. 15. PEIXOTO, Rocha – A Terra Portuguesa, 1897, p. 70-71. Almanaque Luso-Brasileiro, para 1856, p. 218. CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1747-1751. Revista Lusitana, vol. 1, p. 227 e 352. ALMEIDA, José Avelino de – Dicionário abreviado de corografia de Portugal. Comunicações da Comissão de Trabalhos Geográficos de Portugal, tomo 2, p. 54. FITA, Fidel – Legio VII Gemina, tomo 1. SILVA, António Pires da, médico, natural de Bragança – Cronografia medicinal das Caldas de Alafões, 1696. Foi este o primeiro que deu notícia da lápide e também a supôs dedicada ao deus Aeternus. DELGADO, Nery – Reconhecimento científico de Santo Adrião, onde se diz que a origem de Castro de Avelãs, apesar dos seus elementos luso-romanos, talvez possa reportar-se aos tempos pré-históricos, «parecendo ser a época do bronze aquela a que, com melhor fundamento, deve atribuir-se esta construção». PIRES, Manuel António, cónego da Sé de Bragança – Opúsculo de considerações Históricas sobra a edificação da Catedral de Bragança, 1883. (338) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga, 1895, p. 78.

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que vem a dizer: o (município, gente, comunidade, corporação, classe) dos Zoelas ao deus Aerno em cumprimento de uma promessa. Deu igualmente o texto da segunda (339), agora no Museu de Guimarães [107], onde Vasconcelos (340) a copiou assim: DEO. NO.

ΛER M

... Λ C I D I

É possível que a cidade, vila ou povo dos Zoelas ficasse em Castro de Avelãs, a julgar pela inscrição e por Plínio (341), que diz pertencer ao distrito dos Astures, pois aos astures-augustanus tocava a região bragançana, na qual Castro de Avelãs está incluído, como mostrámos no tomo I, p. 36, destas Memórias. É imenso o valor geográfico e hagiológico desta ara, por demonstrar notícias interessantíssimas, que não constam de outra fonte. Falando do seu destino, diz Pinheiro no lugar citado: «Soube, depois de minuciosas indagações, que a ara da Ordo Zoelarum fôra extorquida á paroquia de Castro de Avelãs pelos irmãos Assis em 1846, quando um deles era administrador do concelho de Bragança, e que dela mandaram fazer uma urna para colocar sobre um mausoléo da família, que existe no cemiterio de Bragança, e que hoje pertence á familia de José Castro Ledesma, filho de um dos irmãos Assis» [108]. J. Leite de Vasconcelos (342), concordando no facto, diverge algo nas circunstâncias, pois afirma: «Foi um tal Assis, vereador da Câmara Municipal de Bragança, quem (creio que por 1850 e tantos) cometeu o vandalismo de mandar picar as letras da inscrição e transformar a lápide em remate de mausoléu: vide Sarmento, Revista Lusitânia, I, p. 228, e Borges de Figueiredo, Revista Arqueológica e Histórica, I, p. 91». A segunda lápide, isto é, a do... L C I D I, apresenta a particularidade curiosa de ser ornada por três ramos semelhantes aos que estão na funerária do Proculeio Gracili, também de Castro de Avelãs, que demos atrás.

(339) Ibidem, p. 80 e 93. (340) VASCONCELOS, José Leite de – Religiões da Lusitânia, 1906, voI. II, p. 339, onde dá o letreiro acompanhado do desenho da ara. (341) PLÍNIO, o Velho – Naturalis Historiae, III, 28. (342) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. 1, p. 339, em nota.

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CASTRO DE AVELÃS

163 TOMO IX

O padre Fidel Fita publicou (343) a seguinte lápide, aparecida em Cerezo, província de Cáceres (Espanha):

D. Λ E SEVEI R V S. E V. S. L

que interpretou: D(eo) L e(rno) Seveirus e(x) v(oto) s(olvit) l(ibens), dizendo que o deus Aerno corresponde a Marte e que em Castro de Avelãs há mais duas consagradas à mesma divindade. O Dr. J. Leite de Vasconcelos (344) observou-lhe: «Os cultos dos deuses da Lusitânia, quando estes não eram tópicos, tinham geralmente áreas circunscritas; é pois pouco provável que o Aernus se estendesse de Castro de Avelãs e Macedo de Cavaleiros (Malta) a Cerezo, que fica muito longe daquelas povoações, para o sul do Douro e da Serra da Gata». Cuevillas e Bouza Brey, falando do deus Aerno de Castro de Avelãs, acrescentam: «N-unha ara inedita de Liboreiro, Peninsula do Morrazo, lê-se na primeira liña Aer, o que fai sospeitar si se tratará de unha nova adicazon a Aerno» (345). Baseado na lápide de Zoelas, é que Vasconcelos (346) lembra que a tribo deste povo estaria pelas imediações de Bragança e que o aro de Moncorvo pertencia à dos Seurri (347) [109]. Esta e as mais lápides votivas de carácter regional bragançano, que apontamos, mostram que os Calaicos (galegos, nossos antepassados) não eram ateus, como afirma Estrabão (348). De resto, é certo que do texto estraboniano se pode entender, sem violência, que os calaicos não tinham deuses nem ídolos (349).

(343) FITA, Fidel, Boletin de la Real Academia de la Historia, L IX, 408. (344) O Arqueólogo Português, vol. 18, p. 95. (345) CUEVILIAS, Florentino L., e BOUZA BREY, Fermin, Arquivos do Seminário de Estudos Galegos, II (1929), p. 95. (346) VASCONCELOS, J. L. de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 34. (347) Ibidem, vol. 2, p. 370, e vol. 3, p. 412. (348) ESTRABÃO – Geografia, liv. 3, cap. 4, § 16. (349) VASCONCELOS, J. Leite de – Religiões..., vol. 3, p. 69.

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SFΛXXX LE

MILIV

HISPΛNVS VXOR Lápide de granito aparecida na igreja paroquial de Castro de Avelãs, concelho de Bragança [110]. Foi publicada por Albino Lopo (350). O Dr. José Leite de Vasconcelos tratou dela (351) e interpreta: «...S(genitivo) F(ilia) vel(filiae), Λ(nnorum) XXX Aemiliu[s] Hispanus uxor[i]. Falta o nome da falecida». ...... O CILI F. A. A NXXV Lápide funerária de granito, ornada por uma suástica de seis raios, descoberta por J. Henriques Pinheiro nas ruínas da Torre Velha, que explorou, junto a Castro de Avelãs, concelho de Bragança [111]. Foi publicada por Pinheiro (352) e depois na Revista Arqueológica por Borges de Figueiredo. BLOEN AE VIRO NI ANN LX Lápide funerária de granito, encontrada na Torre Velha, sítio do termo, junto a Castro de Avelãs, concelho de Bragança, por José Henriques Pinheiro [112]. O AE da 2a linha e o NI da 3a são conjuntos. Letra do século II, diz Hübner. Bloenae Vironi ann(orum) LX. Bloena (filha?) de Virono de seis anos (aqui jaz).

(350) LOPO, Albino, Portugália, tomo 2, fascículo 1, p. 127. (351) VASCONCELOS, J. Leite de, O Arqueólogo Português, vol. 11, p. 359. (352) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., p. 89.

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O nome Vironi aproxima-se do do Deus Viboni, mencionado na arca da Cova de Lua, publicada na p. 51. Foi publicada por Pinheiro (353), seu descobridor nas ruínas da Torre Velha, que explorou por conta da Sociedade Martins Sarmento de Guimarães, e depois na Revista de Guimarães (354), e nas Revista Arqueológica (355), no Corpus (356) e nas Religiões da Lusitânia, acompanhada do respectivo desenho (357). Em 1927, ao reconstruir-se parte do corpo da igreja paroquial de Castro de Avelãs, que abatera, apareceu metida na grossura da parede a seguinte lápide, ainda guardada, por menos razoável compreensão do valor destes monumentos, na sacristia da mesma igreja, em vez de vir para o Museu de Bragança[113]. Diz ela: ACCΛE METELI.I SERVΛE ΛNXXV ESΛSHR ODITΛS A inscrição é encimada por uma suástica de vários raios. Na 1a linha não há dúvida: na 2a, o ponto é incerto e pode bem ser a perna de outro L (a última letra é mais alta que as anteriores): na 3a, a segunda letra pode, menos provavelmente, ser um I; a seguinte está certa, bem como a 6a. Na 5a, a segunda e quarta letras apresentam forma muito parecida ao algarismo 6. É também de notar que estas duas carreiras de letras são de tipo mais miúdo que as das linhas anteriores e de forma diversa, inculcando não serem abertas pelo mesmo lapicida. Dirão essas letras: Aca Serva, filha de Metelo, de vinte e cinco anos ESΛ S(epulcrum) H(ic) Roditus. Roditus estará por reditus, e Esa por Edessa, cidade da Ásia? Teríamos então que Aca, sepultada ou com sepultura em Esa, foi trasladada para aqui. A leitura das duas últimas linhas é muito duvidosa, mas as letras estão claras e não oferecem objecção. Com o nome de Atyiae, que muito se aproxima de ACCΛE, há uma lápide no Museu de Leão (Espanha).

(353) Ibidem. (354) Revista de Guimarães, vol. 8, p. 65. (355) Revista Arqueológica (1887). (356) Corpus inscriptionum latinarum, II-5653. (357) VASCONCELOS, J. Leite de – Religiões da Lusitânia, vol. 3, p. 416.

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A 2a e 4a letras na quinta linha e a final da sexta devem ser do tipo dos SS do alfabeto cursivo de Pompeia, II século de Cristo (358). É, pois, esta lápide a primeira do distrito de Bragança que dá letras deste tipo. São conhecidos textos epigráficos exarados em sepulcros honoríficos, cujo defunto foi enterrado noutra parte (359). Os nomes Servae, Serviae e Servii aparecem em textos epigráficos tanto ibéricos como estrangeiros. Numa casa em Castro de Avelãs apareceu mais uma lápide onde apenas se pode ler: ...ECI CORNEI que J. Henriques Pinheiro publicou no seu livro, p. 84, bem como Borges de Figueiredo no n° 6 da Revista de Arqueologia, o qual completou a leitura da 1a linha, propondo o nome de [M Λ] E C I O. O Cabeço de Castro de Avelãs fica a três quilómetros a Oeste de Bragança, sobranceiro à povoação, sita em baixo na vertente poente do Cabeço «É uma extensa fortaleza, cuja muralha, formada de pedra solta e defendida por um largo fosso, segue proximamente a crista militar, sendo nas partes mais acessíveis reforçada por outras ordens de muralhas em andares. No seu interior parece divisarem-se restos de habitações circulares, e na parte voltada a norte há indícios que dão a suspeitar a existência de uma ampla cisterna...... Se se chegar a confirmar que no Monte do Castro houve povoação, como parece, ela é anterior ao domínio romano, pois pelos vestígios que se divisam nada faz crer que este povo se estacionasse ali» (360). O Padre Fidel Fita (361) supõe que uma fracção da Legião VII Gemina esteve em Castro de Avelãs. O Castro dista da povoação de Castro de Avelãs coisa de um quilómetro e tem de área 230 x 220 metros. É defendido do lado Oeste por dois fossos, distanciados entre si dez metros, e do lado este por um, na extensão de dez. No recinto fortificado vêem-se «pedaços de formigão (opus signinum), de mós manuárias, de potes, de tigelas e restos de vasilhas de barro, pequenas; junto havia também lousas, como de sepulturas, e informaram-me que a

(358) CAGNAT – Cours d’Epigraphie Latine, 1898, p. 7-8. O Arqueólogo Português, vol. 11, p. 372, onde se aponta outra inscrição com SS idênticos. (359) Ibidem, p. 257, em nota. (360) LOPO, Albino, O Arqueólogo Português, vol. 2, p. 280. PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., p. 81. (361) FITA, Fidel – Legio VIl Gemina, tomo 1.

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cada passo apareciam na terra ossos humanos. No mesmo local descobriu-se uma moeda de Constantino, uma clavis Laconica e outros ferros» (362). O Cabeço de Castro de Avelãs onde aparecem estas ruínas é chamado Torre Velha pelo povo e contíguo ficam as terras de São Sebastião, assim ditas da capela que ali houve dedicada a este santo [115]. Além dos objectos já mencionados, também José Henriques Pinheiro (363) encontrou na Torre Velha «uma fíbula semelhante à que o Sr. Martins Sarmento encontrou em Sabroso, e que tem o n° 97 na obra do Sr. Cartailhac – Ages Prehistoriques de l’Espagne et du Portugal». E mais encontrou o resto de outra fíbula, ambas de bronze. Os achados de Pinheiro (364) em Castro de Avelãs despertaram grande interesse, fazendo correr que aí fosse a sede do antigo Brigantium, de onde resultou ser encarregado pelo Governo, Borges de Figueiredo, redactor da Revista Arqueológica, de os vir examinar. A propósito, disse no relatório ao ministro: «que no outeiro de Castro de Avelãs [Torre Velha e Terras de São Sebastião] assentasse o Brigantium FIavium ou mesmo o Brigantium, de que falam Plínio e Ptolomeu, é de todo o ponto insustentável. Que porém tenha havido por aquelas proximidades um oppidum Brigantium ou Brigantia não é hipótese que deva repelir-se. Por esses sítios demorou uma população romana ou romanizada, que é conhecida na história pelo nome de Zoelas». Por se relacionar com o caso e porque mostra quão fáceis são os enganos ainda nos mestres, transcrevemos uma apreciação de Pinheiro pelo arqueólogo Francisco Martins Sarmento, de Guimarães. Diz ela: «Vive em Bragança um seu ilustre colega, Henriques Pinheiro, que também anda às voltas com a via romana que passava por aqueles sítios. Encontrou numas escavações, feitas à custa da Sociedade Martins Sarmento, dois miliários em Castro de Avelãs e lá estão hoje em Bragança; mas o amigo Pinheiro é mau epigrafista e pior modelador, porque, por mais que suou para tirar os decalques das inscrições, não fez nada. Mandou-me uma cópia delas, mas uma delas quase impossível, que eu mandei ao Hübner e que este publicou no Suplemento» (365). O engraçado é que na carta anterior (366), datada de 27 de Setembro do mesmo ano, ou seja um mês antes, Sarmento reconhece não ter dado pela

(362) VASCONCELOS, J. Leite de, O Arqueólogo Português, vol. 22, p. 45. PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga. (363) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da Estrada militar romana de Braga a Astorga. (364) Ibidem. (365) Revista de Guimarães (1931), p. 228, em carta de 15 de Novembro de 1893 de Francisco Martins Sarmento ao Padre Martins Capela. (366) Ibidem, p. 227.

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conta de uma inscrição posta de «pernas para o ar», como ele pitorescamente diz, e que leu equivocadamente. Pinheiro, com o seu estudo, prestou enorme serviço as ciências arqueológicas e de modo especial à Sociedade Martins Sarmento, a cujo presidente devia merecer melhores referências; na leitura do miliário, extremamente apagado nas letras, ainda ninguém se lhe avantajou. É que nem sempre é possível reconstituir as legendas apagadas. Há ainda de notável em Castro de Avelãs a ábside e absidíolos da antiga igreja românica na variante dita mudéjar ou mourisca, tudo de tijolo, obra do século XII, exemplar quiçá único em Portugal e raro mesmo no estrangeiro. A ábside serve agora de capela-mor a igreja paroquial; o absidíolo do Evangelho da sacristia e o da Epístola, de que só resta o arco, está descoberto, exposto ao tempo, para documentação do nosso desleixo, senão incompetência. O românico é ainda relativamente frequente no distrito de Bragança, como mostramos adiante no artigo Românico. Mas o que singulariza Castro de Avelãs, o que lhe dá destaque primacial, relevo inconfundível é o emprego do tijolo como material construtivo. Ábside e absidíolos, tudo em semi-círculo sobre si, são completamente revestidas de tijolo, dando apenas lugar à silharia para revestir os vãos; de modo que os tijolos, justapondo-se a tijolos, apenas entremeados por camadas de argamassa, iguais em espessura a dos mesmos tijolos, formam o edifício. Dois andares de arcaturas fenestradas, altas, estreitas, simulando janelas cegas, de volta redonda algumas e outras de arco apontado, sobrepondo-se um a outro, formam a decoração tanto externa como interna, bem como nesta, ao longo da capela-mor, uma faixa em dentes de serra. A estes motivos ornamentológicos juntou o artista outro, recorrendo à disposição do tijolo em fiadas salientes e reentrantes de maior ou menor grossura nos pés direitos que sustentam as abóbadas, de onde hauriu brilhantes efeitos do claro-escuro, além da disposição alternada para a direita e para a esquerda (opus spicatum) dos tijolos. Para evitar ainda a monotonia das superfícies lisas, tanto no exterior como no interior, decorou-as com fiadas de tijolos unidos apenas por uma das extremidades, afastando os opostos em ângulo, de modo a apresentarem funda reentrância em zig-zague. É incalculável o surpreendente efeito artístico que o génio soube tirar de tão simples alteração dos materiais. Abóbadas de nicho feitas de tijolo, sustentadas por arcos salientes ou nervuras, cruzados em diagonal também de tijolo, coroam os absidíolos. Quem olha de fora vê, sobrelevando ao corpo da igreja, o grande arco mestre de ponto subido, encerrando arcos menores, ligeiras abobadilhas, que deixam supor a ogiva prestes a despontar. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Ao fundo da igreja actual, mas separada dela, fica a torre dos sinos, quadrangular e já desmoronada. É de crer que a primitiva, a coeva do templo românico, também aí ficasse igualmente separada, como se nota em algumas da época; no entanto, a que existe apresenta sinais de reconstrução na parte superior, e formando pórtico, ergue-se sobre dois arcos de granito em ogiva de lanceta, com siglas dos canteiros nas aduelas. A meio da parede interna do recinto ou pórtico, há uma lápide de granito com inscrição românica, já em parte ilegível por estar gasta pelo tempo. Eis as siglas que lá vimos:

A 1a achámo-la repetida seis vezes; a 2a e 5a só uma e a 3a e 4a duas. É de notar que a sacristia (absidíolo do Evangelho) está dividida em dois corpos por um arco em ogiva e que a ponte de Ariães, alguns metros abaixo, ostenta dois arcos do mesmo tipo, associados a um de volta redonda, talvez românico. Cardoso (367) diz que a igreja primitiva, a que serviu de templo aos beneditinos, se diminuiu depois da retirada destes, a fim de a ajustar à capacidade do povo, e que ainda se conserva uma das duas torres que ela tinha, feita de cantaria, de cinquenta varas de altura. Contígua ao adro da igreja fica a casa da residência paroquial, que apresenta exteriormente no lado sul um pequeno arco românico de tijolo e ainda vestígios de outros incorporados nas paredes. Como nada tem de arquitectónica e é bem pronunciada a sua construção recente, apesar dos muitos tijolos incorporados nas paredes, entendemos que se fez à custa da derrocada igreja e do famoso convento beneditino, que lhe ficava contíguo, em alguma dependência ou parte deste, que ocuparia a cortinha pegada corrente ao longo do adro da igreja, lado sul, onde têm aparecido muitos escombros de tijolo e restos de construções, servindo-lhe de acesso o arco românico acima apontado. O monumento de Castro de Avelãs relaciona-se tipologicamente com outros de factura mudéjar ou mourisca existentes na vizinha província de Zamora (Espanha), como são: São Lourenço, São Salvador, em Toro, Santa Maria, a antiga, em Villalpando, conforme se evidencia das gravuras e texto

(367) CARDOSO – Dicionário Geográfico, 1751, artigo «Castro de Avelãs». É também grande a bibIiografia referente à igreja românica de Castro de Avelãs; além do mais já citado, lembramos: MONTEIRO, Manuel – São Pedro de Rates. ASSUNÇÃO, Lino da – História de Frades e Freiras, p. 81 e 94, e artigo deste publicado inicialmente no Norte Trasmontano, transcrito depois em O Arqueólogo Português, tomo 3, p. 182, e VITORINO, Pedro – A ábside de Castro de Avelãs, 1928.

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da obra de Manuel Gomez Moreno (368), e obedece ao tipo construtivo da escola borgonhesa, trazido pelos frades cistercienses, caracterizado pelo arco apontado ou de ogiva lanceolada, suplantando aqui os alvenéis ou, melhor, tijoleiros mouriscos, os artistas canteiros. Que a pintura, a escultura e a metalurgia bragançanas sofreram influência espanhola por intermédio das províncias de Zamora, Valladolid e Leão é incontestável e já o dissemos nos tomos IV e VII destas Memórias. Nem tal influência acarreta desprimor, porque a arte não tem pátria, não brota espontânea de um cérebro, nem os nossos monumentos são cópias servis ou plágios dos castelhanos ou franceses, mas antes modificações sobre uma base comum de harmonia com as condições mesológicas e mentais da região. Também na igreja paroquial de Castro de Avelãs há um caixão funerário de granito, onde dizem estar sepultado o conde Arias Anes, de quem derivou o nome Ariães (Castro de) à povoação. Na tampa abaulada, que cobre o caixão, há a todo o comprimento, numa só linha, este letreiro:

que diz: era de mil trezentos e... Deve ter sido lavrado em vida do defunto a sepultar nele, deixando para essa altura a indicação do ano, como muitas vezes se usava, coisa que aqui nunca se realizou, por descuido dos herdeiros ou interessados no assunto. As letras e são de tipo uncial; as outras romano (369). Numa das faces do sarcófago estão gravados dois escudos idênticos com os respectivos emblemas (370) heráldicos, mas tão gastos do tempo que se não percebem, parecendo, contudo, aproximarem-se das armas dos Chacins. Este túmulo assentava sobre o dorso de dois leões, um dos quais está agora

(368) GOMEZ MORENO – Zamora – Catalogo monumental de España, 1927. (369) Também é grande a bibliografia referente a este letreiro, pois abrange quase toda a referida atrás acerca da inscrição do deus Aerno, convindo ainda aditar: O Arqueólogo Português, tomo 3, p. 182, tomo 22, p. 44, p. 119. (370) Encontra-se uma gravura destes escudos no Panorama (1857), p. 60. Constam de uma banda em campo semeado de arminhos. Os Chacins, fidalgos ligados aos Bargançãos, como vemos no Livro de Linhagens, tinham três bandas em campo de arminhos; ora, só de uma em campo de arminho não conhecemos nenhum escudo, de onde a conjectura de se tratar de algum ramo dessa família, que, em vez de brica, adoptou o sistema de uma só banda, embora contra as leis da heráldica, tantas vezes aliás transgredida.

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a servir de contrapeso ao fito que sustenta o cancelo na porta de entrada para o adro da igreja. Da lenda corrente ainda hoje diz ter sido o conde de Ariães metido vivo no sarcófago juntamente com cobras e outros répteis, para estes o devorarem em castigo de ter matado a própria mãe, têm tratado vários autores (371). Cervantes (372) diz «que metieron al rey D. Rodrigo vivo en una tumba llena de sapos, culebras y lagartos, y que de alli á dos dias dijo el rey desde dentro de la tumba con voz doliente y baja: Ya me comen, ya me comen por do mas pecado havia». É de notar que Cervantes, fiado na sua grande memória e erudição, aqui, como na maior parte das citações que faz de textos alheios, os estropia e apresenta inexactamente, pois de outra forma se enconÁbside da igreja de Castro de Avelãs, pelo exterior tram os versos acima no Romancero de Amberes de 1555, onde vem copiada a romança da penitência de el-rei D. Rodrigo. O génio está sempre muito acima da minúcia, filha da tacanhez mental irritante, que apenas secundariamente influi na ideia geral visada. As grandes concepções não se prendem com detalhes, embora os não desprezem como factores científicos, quando o assunto os exige, pois das «minúcias é que às vezes depende tudo em trabalhos literários» (373). No tomo VI, p. 35, destas Memórias, falámos de D. Fernão Mendes, fidalgo braganção, que, além de muitas outras selvagerias, matou a própria

(371) VASCONCELOS, J. Leite de – O Doutor Storck e a literatura portuguesa, 1910, p. 131. RODRIGUES, Daniel José, A Ilustração Trasmontana (1909), p. 150 e seg. CHAVES, Luís – Trás-os-Montes, 1931, p. 45. (372) CERVANTES – D. Quixote, tomo 2, cap. 33. (373) ALMEIDA, Fortunato de, O Arqueólogo Português, vol. 24, p. 3.

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mãe por lhe ralhar com a amante. Filiar-se-á neste a lenda, com adjacências sobrepostas? D. Diogo Pinheiro, natural de Barcelos, jurisconsulto, bispo, administrador perpétuo do mosteiro de Castro de Avelãs, mandou fazer a porta principal deste convento e nele colocar o brasão das suas armas, que eram: seis lobos, quatro chaves e um pinheiro com um leão junto (374).

CASTRO VICENTE A situação antiga da vila de Castro Vicente, concelho do Mogadouro, «foi aonde hoje chamam a Vila Velha, distante desta duzentos passos para o meio-dia: pelas ruinas se mostra ser povoação mui consideravel. Conserva-se ainda aqui uma ermida chamada do Santo Cristo da Fraga, que dizem ser a paróquia [116]; não muito longe fica uma penha inacessível e de altura tal, que perturba a vista a quem quer olhar para baixo dela: chamam-lhe a Fraga da Vila Velha» (375). «Ha nesta freguezia a capela do Senhor da Fraga, a qual é de muita devoção e antiquissima, não se sabe com certeza a sua origem, mas só sim se diz por tradição que do tempo em que foram os mouros expulsos daquele sitio na mesma mesquita mandaram colocar este Senhor. Ainda no mesmo sitio há uma muralha que existe desde aqueles tempos de pedra e cal, que tem de largura trinta e dois palmos, que ainda ao picão se desfaz com dificuldade. Nas margens do rio Sabor, que dista desta vila uma legua para a parte do sul, no termo da quinta do Souto, que é do concelho do Mogadouro, foram descobertos uns mineraes em outro tempo, que seria pelos anos de 1726-27 donde se trata do seu descobrimento por espaço de três anos; tirando deles cobre e prata, estanho e antimonio e por se dizer que o sujeito que administrava as ditas minas o fazia sem licença de S. M. ou com ela falsa, desapareceu sem se saber parte certa para onde se retirara, deixando muitos dos trastes e ferramentas que para esse efeito usava» (376).

CASTROS Castro é um recinto fortificado, situado no cume de um cabeço táctico de fácil defesa contra os invasores, em razão das suas íngremes encostas, (374) GONÇALVES, Alberto, Revista de Guimarães (1930), p. 36. (375) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1751, tomo 2, artigo «Castro Vicente». O Arqueólogo Português, vol. 3, p. 284. (376) Memórias Paroquiais, 1758. «O Arqueólogo Português», vol. 3, p. 240.

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CASTROS

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que serviu de habitação aos povos primitivos [117]. Nem sempre o cabeço está isolado, mas sim ligado a outros. Mais raras vezes, porém, o castro aparece nas encostas dominando um vale a cavaleiro de um promontório, que corre entre dois caborcos ou linhas de água, nos quais se apoia com mínimo dispêndio de obras defensivas, depois de talhar recinto suficiente na cumeada do promontório, guarnecendo-o por um fosso, muro ou parapeito, acrescido ainda, em alguns casos, por uma espécie de estrepes de pedras de mais de metro, espetadas no terreno com a ponta aguçada para cima, formando labirinto [118]. Castro, Crasto, Castelo, Cividade, Cerca, Crastelo, Crestim, Castelinho, Citânia, Cidadelhe (377), Coroa (378) e Cidadela (379), equivalem-se no sentido de indicar monte fortificado. Alguns ajuntam a estes os nomes: Crestelos, Castilejo, Cristelos, Crestins e, pela nossa parte, acrescentamos os de Cazarelhos, Casinha, Casicas e Terronha, pois os temos encontrado sempre aplicados toponimicamente a sítios fortificados pelo teor dos castros, bem como os de Feira dos Mouros, Toural dos Mouros, nomes ainda hoje dados pelo povo aos castros de Formil, Ousilhão, Paradinha Nova e Ciradelha do Vinhais. Pelo geral, os castros estão situados perto de correntes de água e formam círculo entre si ou em volta de uma comarca (380); a sua localização obedece a «um plano estratégico de defesa mútua, o que tivemos ocasião de confirmar por observação própria nas proximidades da cidade de Bragança. Estão combinados com pontos altos, de onde se faziam sinais para se entenderem de fortaleza para fortaleza, ou mesmo de arraial para arraial, e disto ficou entre nós vestígio perpétuo nos nomes de vigia, atalaia, almenara e outros, com que até hoje se conhecem alguns pontos dominantes conjugados com o sistema de fortificação» (381). Aos castros andam ligadas lendas de mouras encantadas, de tesouros escondidos pelos mouros, de superstições, como uma fonte santa de águas miraculosas, uma árvore de virtudes sobrenaturais, um rochedo do qual se raspam pós eficazes na cura de certas moléstias, circuitando-os processionalmente muitas vezes os doentes ou deitando-se sobre eles para obterem a cura. É frequente encontrar-se nas Constituições das nossas dioceses e Pastorais dos bispos, nos cânones dos concílios medievais,

(377) VASCONCELOS, J. Leite de, O Arqueólogo Português, vol. 1. (378) PEREIRA, Felix Alves, O Arqueólogo Português, vol. 12, p. 138. (379) SARMENTO, Martins – Carta XIX. «O Arqueólogo Português». (380) MURGUIA, Manuel – História da Galicia, vol. 1, p. 524, onde confirma isto, com as opiniões do historiador Martinez Padin e do académico Padre Sobreira. (381) AIRES, Cristóvão – História do Exército Português, vol. 1, p. 380 e seg. CARBALLO, J. – Pre-história Universal, 1924, p. 185.

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principalmente de Braga e Toledo, que para a nossa região têm interesse especial, determinações tendentes a abolir as superstições referentes às fontes e árvores de carácter sagrado (382). O cristianismo, impotente para extirpar tais lendas no povo, ferozmente intransigente em assuntos tradicionalistas, canalizou habilmente a crendice, levantando capelas, igrejas e templos nas ruínas ou perto dos castros, dos locais assinalados por vestígios de civilizações extintas; cristianizou-as, substituindo por um santo do seu calendário o velho deus pagão, que certamente, no implícito conceito popular, lhe transmitiu algumas das suas virtudes profilácticas, e, com mudança apenas de nome, continua a reinar, pelo menos nos arruídos festivais inerentes ao programa das festas cultuais e romarias. É esta a razão das capelas nos montes e dos povoados e das procissões que em muitas aldeias se fazem ainda hoje a sítios do termo, bem como são estes santuários o índice orientador nas pesquisas arqueológicas. Mas não foi só neste particular que o catolicismo teve de adaptar-se, transigir, copiar mesmo fórmulas, indumentária e técnica linguística. Entre as diversas formas de culto, os romanos tinham o adoratio que consistia em levar a mão à boca (ad os ou ad ora) e beijá-la (383). E ainda hoje muita gente do nosso povo, depois de fazer o sinal da cruz nos templos e fora deles, beija a própria mão ou a unha do dedo polegar. O sacerdote que superintendia sobre todos os outros, punindo-os quando transgrediam, dando a verdadeira explicação dos mistérios, com exactidão infalível e sem ninguém lhe poder tomar responsabilidades, chamava-se Pontífice. Nas atribuições era semelhante aos papas actuais, também chamados Pontífices (384). Das Vestais, que faziam voto de virgindade por trinta anos, e dos Galos, sacerdotes da Deusa Cibele, que se castravam para poder exercer as suas funções, é que viria originariamente o nosso celibato eclesiástico (385).

(382) Ver tomo II, destas Memórias, ao tratar da bibliografia dos bispos da diocese, e cânone 22 do 1° Concílio de Braga. No distrito de Bragança o povo aplica a algumas lagoas, e nomeadamente ao vizinho lago de São Martinho da Castanheda, em terra de Senabria (Espanha), a lenda de ser uma povoação que se afundou em castigo de seus moradores não terem a caridade de dar uma esmola a Nossa Senhora, que, de porta em porta andou pedindo ali, acrescentando que ainda hoie, na manhã de S. João se ouvem repicar os sinos da respectiva igreja. Vestígios do culto das águas; tradição das habitações palustres. (383) MARRECOS , Manuel Martiniano – Noções elementares de antiguidades romanas, p. 15. (384) Ibidem, p. 18. (385) Ibidem, p. 24.

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O vaso em que ofereciam os perfumes nas funções religiosas, chamava-se Turibulum, de onde o turíbulo na liturgia cristã (386). A água benta e hissope têm similar na água lustral pagã lançada sobre os crentes, para os purificar, com o Aspergillium, que era um hissope feito de sedas de cavalo (387). As lâmpadas das nossas igrejas ante o altar do Santíssimo Sacramento, ardendo permanentemente, derivam tradicionalmente do fogo sagrado mantido pelas Vestais, com severos castigos se o deixassem apagar. Dividiam o dia em períodos de três horas: prima, tertia, sexta e nona, e esta mesma divisão é mantida na liturgia cristã quanto à recitação do ofício divino na reza dos padres pelo Breviário, bem como a denominação de feria, que aos romanos servia para designar as suas festas. As nossas Ladainhas e Clamores lembram as Lustrationes e as Ambarvais que os pagãos faziam pelos campos, a fim de pedir aos deuses a sua fertilidade e bênção dos frutos. Também faziam Lustrationes para desagravar os deuses quando se tinha cometido algum sacrilégio, tal-qualmente como no cristianismo se fazem preces públicas em desagravo à Divindade por roubos nos templos e outros sacrilégios. Da toga e da túnica derivou a capa talar e a batina eclesiástica. A Alva, vestimenta sagrada eclesiástica, deriva o nome da toga alva, nome com que os romanos designavam uma das espécies de togas. O luxo requintado levou alguns romanos decaídos da pureza dos primitivos costumes a usarem duas e três túnicas sobrepostas umas às outras, e ainda hoje vemos a reminiscência nos paramentos eclesiásticos do clero quando celebra missa, que veste a alva sobre a batina, adicionando-lhe ainda os bispos a tunicela, que afinal, no fundo inicial, são três túnicas. A stola, vestimenta eclesiástica das funções litúrgicas, embora no nome corresponda a um vestuário das matronas romanas, difere da usada pelo clero; o modo porém de a cruzar sobre o peito e de a apertar com os cíngulos, que também derivam do uso romano, traduz amplamente a sua fonte de origem. A vestimenta litúrgica chamada Capa de asperges é a abolla dos romanos, assim como o Amito deriva do Amictus, de que ainda conserva o nome. É curioso notar que algumas vestimentas introduzidas em Roma desde que a pureza dos costumes decaiu, e por isso, julgadas imorais pela mesma

(386) Ibidem, p. 27. (387) Ibidem, p. 28.

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razão com que hoje a igreja condena os decotados e outras modas, foram por esta santificadas e adoptadas na sua indumentária litúrgica. Estão neste caso a Mitra, a túnica tallaris, vigente ainda na nossa batina, alva e mais indumentária talar; a Dalmática (Dalmaticatus), adoptada pelo diácono e sub-diácono (388). Os nossos castros não significam arraial, acampamento das tropas romanas, nem indicam que esses soldados aí tivessem estacionado. Os seus arraiais eram construídos segundo regras fixas (389), e nenhum é conhecido em Portugal. Derivam o seu nome de Castrum, que no singular significa secundariamente castelo, fortaleza (390), de onde castelo, diminutivo de Castro. A propósito dos Castros romanos julgamos conveniente transcrever o seguinte de Nieupoort, que, além do mais, nos interessa pelo toponímico Alphen, vigente entre nós no Castro de Pinela. Diz ele: A base da disciplina militar foram os Castros, e sem eles nem uma noite passavam os exércitos romanos e nenhuma batalha, embora insignificante davam sem ter castro preparado. Os castros dos romanos foram sempre uniformes e quadrados. Dividiam-se em estivos e invernais. Os estivos eram para uma noite, e tinham o nome de Mansões, ou para muitos, chamavamse Stativos ou castros propriamente ditos. Os invernais eram preparados com todos os requisitos indispensáveis tanto militares como higiénicos, hospitais e fornecimentos comestíveis, e deram origem a muitas povoações, cidades e vilas, que ainda hoje subsistem com nome e consideração. «Ac ejusmodi Castra pluribus urbibus hodie extantibus originem dedere; ut Veteribus, quae hodie Santem dicuntur, Coloniae Ubiorum, Passavio, aliisque; et in nostra vicinia pago multis urbibus illustriori Alphen, ubi Alpheni quondam castra fuisse dicuntur (391). Com que fim se construíram os Castros? Foi para refúgio dos cristãos, perseguidos pelos mouros, dizem uns (392); para resistência dos nossos contra os romanos, dizem outros (393). Eram santuários célticos, onde os druidas adoravam os seus deuses, plantavam e colhiam o carvalho sagrado,

(388) Para melhor inteligência do assunto, ver em RICH – Dictionnaire..., os artigos referentes a indumentária, cujos nomes próprios se apontam. Ver também BARREIROS, Manuel – Elementos de Arqueologia, 1917, p. 287, e neste tomo os artigos Belver, Feiticeiras e Festa dos rapazes. (389) Podem ver-se em RICH – Dictionnaire de Antiquités Romaines, artigo «Castro». (390) Ibidem, artigo «Castrum». Castrum antiqui dicebant oppidum loco altissimo situm, como diz Santo Isidoro em Origines, vol. 15, p. 2 e 13. (391) NIEUPOORT, G. H. – Rituum qui olim apud romanos obtienuerunt succinta explicatio, 1773, onde traz o gráfico de um castro, segundo a descrição de Lipsio. (392) SANDOVAL, Prudencio de – Antiguidades de la ciudad y iglesia catedral de Tuy. (393) FERRER, Castela – História de S. Tiago.

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lembram alguns, e não falta quem os aponte como destinados a vigia e defesa das vias públicas (394). Além das funções de templos, atalaias e fortalezas contra as legiões romanas, Murguia (395) atribui-lhe, possivelmente também, as de guardar as sementeiras, as residências dos chefes e os lugares de refúgio nos dias de perigo. Para confirmar a opinião de serem lugares sagrados com divindade própria, cita a inscrição ENDO CASTRORVM, aparecida no Gerês junto à via militar romana, que interpreta: Ao deus dos Castros, pois, segundo ele, endo significa Deus (396). Argote (397) dá a mesma inscrição, mas diz ignorar o significado de endo e aproxima-o do bem conhecido deus regional Endovelico. Hübner diz que não há tal inscrição, sendo portanto falsa ou mal lida, e o Dr. J. L. de Vasconcelos (398) lembra que em vez de ENDO estaria GENIO, génio dos Castros, isto é, divindade protectora dos Castros. É possível que os Castros, pelo decorrer dos tempos, tivessem sido adaptados a tudo isso, mas a sua origem data de tempos anteriores a mouros, cristãos, romanos e celtas, como se prova pelo mobiliário neles encontrado, que ascende aos tempos neolíticos, se bem que os povos subsequentes continuassem a habitar neles. Há Castros não só na Península Ibérica, mas também nos outros países, e entre nós não foram construídos pelos indígenas contra os romanos, antes estes mandaram destruir muitos para tirar aos belicosos hispanos as facilidades de revolta. Por outro lado, solidificada a paz octaviana, os próprios castrenses os abandonariam espontaneamente por inúteis, devido aos trabalhos que a vida em tão inóspitas paragens acarretava, visto cessar a necessidade de salvaguardar os haveres e pessoas de seus moradores. É possível que alguns Castros continuassem a ser habitados até ao presente, como mostram entre nós os nomes das povoações de Castro, concelho de Vinhais, Castro de Avelãs, concelho de Bragança, e Castro Roupal, concelho de Macedo de Cavaleiros, mas são excepções muito raras, e nem sempre o Castro ficava no local da actual povoação, mas sim na eminência próxima, como mostram as respectivas ruínas. O toponímico Castro indica quase sempre um local de valor arqueológico, pelos vestígios das civilizações passadas que encerra; há todavia

(394) PADIN, Martinez – História de la Galicia. SARALEGUIN Y MEDINA, Leandro – Estudios sobre la epuca celtica en Galicia. (395) MURGUIA, Manuel – Historia de Galicia, vol. 1, p. 524. (396) Ibidem, p. 566. (397) ARGOTE, Jerónimo Contador de – De Antiquitatibus, Conventus Bracaraugustani, p. 348. (398) VASCONCELOS, J. Leite de – Religiões da Lusitânia, 1905, vol. 2, p. 124.

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povoações onde dão este nome genericamente a cabeços e fragueiros mais ou menos talhados em forma cónica, de altura notável, semelhando um castelo. O mesmo sucede com Castelar, Castrilhão e talvez Castrelos. Assim, no termo de Montesinho, freguesia de França, concelho de Bragança, há dezoito sítios com o nome de Castro: Castro da Raposa, das Gralhas, do Felgueirão, do Tameiro, da Lameira das Onzelhas, do Castrelejo, do Ribeiro de Prado Bedual, etc. Castrilhão, na mesma Serra de Montesinho mas já no termo de Soutelo da Gamoeda, sem contudo nenhum deles apresentar documentação arqueológica. Ver a palavra «Cerca» no artigo Toponímia. OS CASTROS SOB O PONTO DE VISTA MILITAR Cristóvão Aires, a quem seguimos quase textualmente (399), guiando-se pelo arqueólogo espanhol Villa Amil, que tão competentemente estudou os castros galegos, e por Martins Sarmento (400), divide os castros, sob o ponto de vista militar, nos seguintes tipos: I – Castro com uma só muralha ou parapeito e sem fosso. II – Castro com um só fosso e um só parapeito ou muralha. Geralmente estas obras não circuitam o castro, encontrando-se apenas nos sítios onde a defensão natural pelos rochedos ou escarpado do monte deixa fácil acesso ao inimigo. Também pode estar o fosso só de um lado e do outro uma rampa ligada ao caminho do castro. III – Castro com dois fossos ou com duas muralhas ou parapeitos. Um dos fossos abre uma espécie de rampa, como a mencionada no número anterior. Também estas obras faltam geralmente nas partes onde a defesa natural oferece garantias de segurança. IV – Castro com três fossos ou três muralhas ou parapeitos. Têm geralmente duas praças: a menor, no extremo do fosso maior e do caminho, espécie de berma, em que o fosso se converte ao terminar o istmo ou banqueta por onde o Castro se une à ladeira e separada apenas da praça grande por uma escarpa ou talude exterior do parapeito desta. Outro fosso corre ao lado do primeiro, igualmente prolongado com outra espécie de berma sobre a ladeira e o terceiro fosso, ainda todos os três correndo paralelamente e em linha recta, por esse lado, por detrás da praça pequena. Alguns castros deste tipo apresentam ainda dois fossos e três parapeitos do lado onde a defensão natural é mais fraca.

(399) AIRES, Cristóvão – História do Exército Português, vol. 1, p. 379 e seg. (400) Revista de Guimarães (1884), tomo 1.

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V – Castro com quatro fossos, separados por terraplenos ou parapeitos, que cercam ou não todo o recinto castrense, conforme as condições fracas ou fortes da defesa natural. VI – Nem fossos, nem parapeitos, mas sim grossos muros, ligando os fragueiros do castro em circuito. VII – Dois parapeitos muito altos (alguns de cinco metros), distanciados um do outro muitos metros (duzentos alguns), fortificado ainda o interior por largo fosso; de distância em distância, ficou terreno por escavar para dar passagem aos transeuntes. OS CASTROS SOB O PONTO DE VISTA ARQUEOLÓGICO O Dr. José Leite de Vasconcelos (401) divide os castros em dois grupos: Pré-romanos e Luso-romanos, sub-dividindo aqueles em neolíticos, mistos e proto-históricos. I – Neolíticos, são aqueles onde aparecem somente objectos de pedra polida, de osso, de barro grosseiro e nenhum de metal. II – Mistos, os que apresentam o espólio anterior juntamente com objectos de cobre ou de bronze; de osso e de marfim; contas de ribeirite; cerâmica lisa ou ornamentada, faltando mobiliário de ferro e esculturas. Este período pertence, em parte, à pré-história e em parte à proto-história. III – Proto-históricos, aqueles onde faltam quase por completo as alfaias neolíticas, os pesos de barro e os instrumentos de osso; abundando, pelo contrário, os de cobre ou de bronze, o ferro (mas nada de origem romana) e as esculturas de pedra. Neste período, que, a bem dizer corre até à vinda dos romanos, três séculos antes de Cristo, é que começam de aparecer as notícias históricas. IV – Luso-romanos, os que a par do mobiliário indígena do castro anterior, apresentam moedas, inscrições, cerâmica, etc., de origem romana. É claro, acrescenta o mesmo arqueólogo, que hão-de aparecer castros que estabeleçam transição de um dos tipos indicados para outros; isto é, que ao lado, por exemplo, da influência romana contenham objectos característicos dos castros do I e II tipos. Os Castros, diz Carballo (402), floresceram no período do cobre e do bronze e chegaram ao ponto culminante no do ferro, como fortificações. No recinto dos castros nota-se quase sempre um ponto mais elevado, formado por terra e pedregulhos, a indicar a acrópole, cidadela ou torre

(401) VASCONCELOS, J. Leite de, O Arqueólogo Português, vol. 1. (402) CARBALLO, J. – Pre-historia universal..., 1924, p. 187.

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principal e também vestígios de casas circulares e algumas vezes oblongas ou quadriláteras. No estrangeiro há estudos muito completos sobre os Castros: em Portugal apenas restritas notícias monográficas; e, no entanto, «um mapa que desse notícia dos castros que existem seria curiosíssimo» (403). O grande arqueólogo Francisco Martins Sarmento pensou em realizar este trabalho, pelo menos na parte referente à sua região – Minho e Douro –, mas desanimou ante a magnitude da empresa. Cristóvão Aires frisou, em mais de uma página da sua obra (404), a necessidade de estudar os Castros, pela luz que podem lançar sobre «um passado remoto, a que nos ligam bastantes tradições», e porque esse estudo, «não só sob o ponto de vista militar, mas das tradições e lendas que se lhes ligam, seria altamente interessante...», bem como «um mapa com a indicação» deles e das fortificações de povoados extintos. LISTA DOS CASTROS DO DISTRITO DE BRAGANÇA [119] Castro, Castragosa, Crasto, Castrelos, Castrelinhos e Castrilhão Nos termos de Saldonha; Vale Pereiro (Crastro). Tudo no concelho de Alfândega da Fé (405). Alfaião (Vale de Castro), há ruínas de fortificações, fossos e lenda da moura encantada; Babe (Vale de), há também Castragosa no termo da mesma povoação de Babe, a raiar com o de Milhão; Baçal, há restos de um recinto quadrangular, fortificado, com torre no lado poente e lenda da moura encantada a tecer em tear de ouro, que se ouve na manhã de São João; Cabeça Boa (Alto de); Calvelhe, há dois locais com o nome de Castro: num, vêem-se restos de muros e fossos e, na rocha viva, os guiceiros, onde giravam as portas de acesso à fortaleza, a qual era defendida na esplanada por pedras espetadas na terra com a ponta aguçada para cima, como na Cidadela de Paredes, em Algosinho, Penhas Juntas e Picote. No outro há também vestígios de fortificações, mas menos perceptíveis. Caravela; Carocedo (há três: Castro de Cova de Lobos, Castro de Vale Grande e Castro de Vale de Pinelo); Carragosa (Torre de), é comum aos povos de Donai, Carragosa e Meixedo; Carrazedo (Crasto); Castrelos

(403) MURGUIA, Manuel – História de Galicia, tomo 1, p. 524. (404) AIRES, Cristóvão – História do Exército Português, vol. 1, p. 380 e seg. (405) Quando, em seguida ao nome da povoação, se indica entre parêntesis alguma das variantes da palavra inicial do artigo, entende-se que o sítio mencionado tem o nome dessa palavra.

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(Ramalhal de Castro Salgueiro); Castro de Avelãs (Torre do Castro); Coelhoso (Castro Mau e Castrilhão, dois sítios); Espinhosela (Castro da Costa); Formil (Fragas de) também lhe chamam Feira dos Mouros; Gimonde, no termo da povoação há também Castelares: Gondesende, é comum a esta povoação e a de Oleiros. Há também Castromil no termo de Gondesende; Macedo do Mato; Maçãs; Outeiro (Castro Mouro); Zeive; Parada de Infanções (Castro Mau), é comum a esta povoação e à de Coelhoso; Paradinha Nova; Petisqueira (Chastro, quererá dizer Castro?); Pinela; Portela; Quintanilha (Vale de); Rabal, há também no termo deste povo um sítio chamado Castrelos; Rio Frio de Outeiro (rua do Castro, na povoação); Rio de Onor; Sacoias: São Julião (fica perto da raia de Espanha e ainda se lhe conhecem muros em volta); Soutelo da Gamoeda (Torre do), há também Castrilhão; Vila Boa de Carçãozinho (Crasto), lenda da moura encantada, fornos dos mouros, ferradura gravada numa fraga; Vilar, freguesia de Milhão e Zoio. Tudo no concelho de Bragança. Carrazeda de Ansiães (Crasto), lenda da moura encantada. Bagueixe (Cruzes de) freguesia; Castro Roupal, povoação; Limãos (Veiga de); Salselas (Crasto); Sobreda (Lameiros de Crasto); Vale de Prados (Vale de). Tudo no concelho de Macedo de Cavaleiros. Atenor (Castroluço); Caçarelhos (Castrilhouço); Fonte de Aldeia (Castralheiras); Ifanes (Castrilhouço); Paradela (Castrilhouço); São Martinho de Angueira (Castro do Gago e também outro chamado Castro da Cocoia). Além destes dois, ao sítio onde assenta a capela de Nossa Senhora, um quilómetro do povo, chamam-lhe também Castro. Foi habitação dos mouros, diz a lenda, e há restos de fortificações. Diz o povo que no Castro de Cocoia apareceu um martelo de ouro e bolas do mesmo metal, com que os mouros jogavam os paus bem como cinzas e cornos de veado; Vale de Águia (Castrilhouço); Vila Chã de Braciosa (Castralheira). Há mais no termo do mesmo povo um sítio chamado Castelo da Rosa. Tudo no concelho de Miranda do Douro. Abreiro, Ferradoza. No termo de Mascarenhas há um sítio chamado Cidade, onde se vêem restos de casas circulares e quadrangulares e de muros defensivos. No recinto e imediações têm aparecido moedas romanas, cerâmica, pondus de barro cozido, trituradores e fíbulas de bronze, tipo circular (FORTES, José – Fíbulas e fivelas, 1904, p. 5). Bruçó (Vale de), lenda da moura e dos tesouros; Brunhosinho lenda da moura encantada: Remondes; São Tiago (Vale de Castro, ruínas de um castelo e vestígios de um poço, a que chamam Poço dos Mouros, lenda da moura encantada em guarda de um tesouro, constituido por um capote de ouro, que dizem que pertenceu a D. Félix, mas não explicam quem seja este MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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personagem. Era D. Félix e não passam daqui); Tó (Castro), fica ao sul um quilómetro do povo: Vale Certo; Vila de Ala (Vale de). Tudo no concelho do Mogadouro. Açoreira (Volta da Crasta), ruínas de povoação, no concelho de Moncorvo. Vilas Boas, no concelho de Vila Flor. Carção, Uva (dista dois quilómetros do povo), Vimioso (dista três quilómetros da vila; lenda da moura, telha de rebordo). Tudo no concelho de Vimioso. No Portugal Antigo e Moderno, artigo «Vimioso», diz-se que no termo da vila há três castros: um no fundo do Vale de São Miguel, ainda com muros bem conservados, outro na margem esquerda da ribeira de Angueira no sítio chamado Terronha, e outro na Batoqueira, margem esquerda do rio Maçãs. Neste «existem dois grandes rochedos: um denominado Fraga do Muro tem dentro abertas a pico três grandes salas, para as quais se entra a custo por um buraco também aberto a pico no bojo da dita Fraga, a bastante altura do solo. O outro, chamado Forno da Batoqueira, tem dentro uma grande sala para a qual se entra por um grande orifício ao rés-do-chão, tudo aberto igualmente a pico». Diz o povo que foram esconderijos dos cristãos no tempo dos mouros. Agrochão (Castrilhão); Alvaredos (Castrelinhos): Brito, freguesia de Penhas Juntas (Crasto Mau); Cabeça de Igreja (Castrelhão); Castro (povoação); Dine; Edrosa (Crasto); Espinhoso; Frades (Castelejão); Moás (Eira do), há mais outro sítio chamado Castrico; Melhe (Castilhão e Casteloso, dois sítios); Moimenta (Castelares, Castilhão, Castro e Cigadonha, quatro sítios); Montouto (freguesia, Castrilhão); Ousilhão (Crasto, dista dois quilómetros do povo, restos de muros, fossos, parapeitos, lenda da moura a tecer, ouve-se perfeitamente na manhã de São João, diz o nosso informador. Perto deste sítio fica o da Torre, onde havia uma capela, hoje em ruínas, à qual os mouros vinham ouvir missa); Paçó de Vinhais: Penhas Juntas; Pinheiro Novo (Castrilhão); Pinheiro Velho; Quintela de Vinhais (Crasto), há ruínas de fortificações, pedregulhos, etc.; Quiraz (Castrilhão); Revelhe; Rio de Fornos (Castrilhão e Rigueiro do Castro, dois sítios; neste último fica o Poço dos Mouros onde eles levavam os cavalos a beber); Santa Cruz (Castro e Vale de Castro); Sobreiró de Baixo; Soeira (Castro da Ponte); Seixas; Santalha (freguesia); Vale de Janeiro (freguesia); Vila Verde (Castrilhão e Crasto), dois sítios; Vilar de Ossos (Crasto); Vilarinho das Touças; Vinhais (Cerca do Castro também chamado Ciradelha ou Cigadonha) [120]; Zido, há ruínas, cerâmica, telhas, e pedregulhos. Tudo no concelho de Vinhais. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


CAVERNAS | CELAS | CHACIM

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CAVERNAS Ver o artigo Pré-história, adiante publicado.

CELAS No sítio da Torre, termo de Celas, concelho de Vinhais, apareceram pelos anos de 1903, ao arrancar pedra, muitos alicerces de pequenas casas circulares feitas de tijolo. CHACIM Referente a Chacim, encontra-se nas Memórias Paroquiais o seguinte: «a esta devoção se oferece pellos casados em ação de graças á milagrosa Senhora de tempo antiquissimo por nos livrar daquelle barbaro tributo das Donzellas, naquella fortaleza aonde se ainda hoje veem vestigios de seos enexpugnaveis muros cuia tradição se conserva nos moradores suposto se não acha por escripto... Havia nesta villa hua torre fabricada de pedra e cal ao fundo da mesma villa e hoje entrada do Campo da Feira que já descrevemos, porem, hoie de tudo desfeita não se descobre hoie nada de sua antiguidade... e he constante fama que se acharão nos seus assentos da dita Torre quando de tudo se desfizerão instrumentos bellicos como arcos e flechas, e o que descreve esta informação asim o ouvio dizer a seus mayores e antessessores e ser constante fama o referido... a pedra da cantaria lavrada que faz cabeça ao Pelourinho desta villa que se acha na praça e no meyo della se acha esculpida com as armas reais para a parte do Sul, e para a do Norte, as do Donatario e Fidalgo de Villa Flor e para o nascente hua figura de homem de meyo rellevo ou corpo como de asento ou escancha pernas com as mãos juntas ao peito pegando em hüa chave e da parte do Ocidente hum meyo corpo como de mulher mas por incuria dos antigos que cuidarão pouco em muitas partes de deixar gravadas á posteridade as coisas condignas de memoria nem nos livros e arquivos da Camara desta villa se descobre nada da ethemollogia ou noticia da significação de semelhantes figuras expostas no mayor publico desta terra... ao nascente e junto desta villa com pouca distancia por sima da Capella de N. Senhora do Desterro se descobrirão veias de pedra muito pezadas que examinadas por um mineiro com ordens regias dizia ser prata ligada com chumbo e se fechou por outras ordens superiores» (406).

(406) Memórias Paroquiais. «O Arqueólogo Português», vol. 3, p. 199.

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CHACIM | CISTAS | CONLELAS

TOMO IX

Indo de Chacim para Malta, encontra-se à beira do caminho a marra divisória dos termos das duas povoações, que tem esculpida em alto-relevo a cruz da Ordem de Malta do lado da povoação deste nome, e do lado de Chacim a mesma cruz, mas em baixo-relevo. A três quilómetros de Chacim, concelho de Macedo de Cavaleiros, «em um alto agreste chamado monte do Carrascal, existia de muitos anos uma ermida dedicada a Nossa Senhora de Balsemão, que é tradição ter sido mesquita de mouros. Junto a esta capela, um frade de nação polaca chamado Casimiro de S. José Wizinsk fundou em 1750 um convento de frades marianos... É tradição que no lugar onde hoje está o convento existir no século IX ou X o castelo de um rei mouro, o qual, entre outras opressões que fazia aos seus vassalos, era uma possuir todas as noivas no primeiro dia do seu casamento. Um habitante da vila de Alfândega da Fé não esteve por tal, proclamou a revolta e nos campos de Chacim tornados em chacina e daí o nome por corru(p)ção mataram o mouro e sua gente. Em memória de a Senhora, que fôra vista com um vaso na mão e daí Malsemão, sarando os cristãos feridos, se lhe levantou uma ermida que depois se foi ampliando e é hoje a Igreja de Balsemão, levantada no mesmo local onde fora o castelo do mouro» (407). Próximo do cabeço de Balsemão há outro alto chamado Escreledo, onde brotam umas águas sulfúreas, muito procuradas dos doentes, pelos seus efeitos medicinais. ...«e esta devoção se oferece pelos casados em ação de graças á milagrosa Senhora de tempo antiquissimo por nos livrar daquele barbaro tributo das donzelas naquela fortaleza, aonde se ainda hoje veem os vestigios de seus inexpugnaveis muros, cuja tradição se conserva nos mesmos moradores, suposto se não acha por escrito. Havia nesta vila uma torre fabricada de pedra e cal ao fundo da mesma vila e hoje entrada do campo da feira, porem hoje de tudo desfeita» (408). CISTAS A propósito de Cistas, ver o artigo Pré-história.

CONLELAS Ver o artigo Cova da Lua.

(407) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Chacim». Do tributo das donzelas, dizemos nos artigos Alfândega da Fé, Espadanedo, Pinela e Rebordãos. (408) Memórias Paroquiais. «O Arqueólogo Português», vol. 3, p. 199.

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CONSTANTIM | CORUJAS

185 TOMO IX

CONSTANTIM No termo de Constantim, aliás no termo da Póvoa, concelho de Miranda do Douro, fica o Santuário de Nossa Senhora da Luz e «é tradição constante entre o povo daqueles lugares que o templo foi mesquita de mouros, sendo depois purificado e transformado em igreja cristã» (409). Liga-se, em parte, a Constantim o seguinte episódio trágico sucedido em Zamora (Espanha) no ano de 1185, que de algum modo, se relaciona com outro nosso, dado na freguesia dos Picadeiros, junto ao Vimioso (410), de onde resultou o despovoamento da localidade pela barbaridade da pena infligida a seus moradores. O caso de Zamora, memorado na história por «Motim da Truta» é o seguinte: o criado de um fidalgo zamorano pretendeu tirar a um plebeu uma truta comprada no mercado, durante as horas em que os nobres gozavam do privilégio das transacções. O povo, indignado por tão odiosa preferência, e saturado por tantas outras, em nada justificáveis, protestou, mas nada conseguiu; o comprador foi preso e os fidalgos reuniram-se na Igreja de Santa Maria, a Nova, segundo costumavam, para acordar no modo de castigar as audácias da grei, que ousava levantar olhos contra as prerrogativas dos super-homens divinais. A indignação popular fechou-lhes as portas, mal os viu juntos; lançou fogo à igreja, onde todos arderam, e, carregando seus haveres, abandonou a cidade, num total de sete mil almas, em direcção a Portugal, vindo a acampar a Constantim, concelho de Miranda do Douro. Daqui comunicaram ao rei, então D. Fernando, o sucedido, lembrando que se ficariam a povoar Portugal se não lhes perdoasse e os não garantisse contra as prepotências da nobreza. Começava então a desenvolver-se a ideia municipalista, na qual os reis se apoiavam contra a aristrocacia; por isso foram atendidos, impondo-lhes apenas a obrigação de reedificarem a igreja e de obterem absolvição do Papa. Aceitaram e regressaram a Zamora (411). CORUJAS No termo de Corujas, concelho de Macedo de Cavaleiros, para a parte norte do povo, «está um monte chamado Caunha; no mais alto dele se vêem vestígios de uma fortaleza, que por tradição consta que fora habitação dos mouros» (412).

(409) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, vol. 10, p. 142, artigo «Senhora da Luz». (410) Tomo VI, p. 555, destas Memórias, onde o descrevemos. (411) CALVO MADRONO, Ismael – Descrição da província de Zamora, 1914, p. 150. (412) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1751, tomo 3, artigo «Corujas».

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186

COVA DE LUA

TOMO IX

COVA DE LUA Há no termo de Conlelas, concelho de Bragança, «uma fonte chamada de Luís, ou Fonte da Lua, por seguir em tudo o curso deste planeta; principia a sua corrente na lua nova, e vai continuando nos aumentos até à enchente: no minguante desta vai diminuindo até tornar a mudar a lua: está no sítio dos Compras, para o nascente» (413). Lenda igual aplica o povo à Fonte da Meia-Lua, no termo de Alimonde, confinante com a de Conlelas. A Fonte da Lua, segundo nos informaram em 1930, «fica no sítio chamado Ó Luís, na ribeira de Penas, ao fundo de Miadélo». É interessante constatar que perto deste local fica a povoação de Cova de Lua, onde existem as ruínas de uma capela chamada pelo povo da Senhora da Edra, e nelas, ou no local contíguo chamado Casarelhos, apareceu a lápide votiva dedicada à deusa Bandua e outra por nós encontrada dedicada ao deus Viboni (414) [121]. Como a Lua é o mesmo que Diana, segundo diz a fábula, grande caçadora, de humor frio e húmido, com grande inclinação para as coisas aquosas, como referem escritores antigos (415), bem estarão os nomes dos locais indicados, porque, além dos bosques que têm nas encostas, ao sopé dos Casarelhos, corre uma longa fila de lameiros de alguns quilómetros de comprimento regados abundantemente, devendo correr-lhe subterrânea a galeria de grande regueiro, pois, pelos anos de 1860, afundou-se um pedaço de terreno, formando um poço de vinte ou mais metros de diâmetro, que só há poucos anos os donos do prédio acabaram de entulhar com centenas e centenas de carros de mato e pedregulhos. A terra do poço, quando este se formou, foi arrastada pela corrente subterrânea para o rio Baceiro, que corre no extremo da veiga dos lameiros, alguns quilómetros distante, como se calculou, porque lhe turbou as águas durante alguns dias, segundo diz o povo. O poço tinha sempre água (416). No termo de Donai há um sítio chamado Fonte Luz; no de Izeda outro dito Luna; no de Samil, uma nascente chamada Fontinha da Alunada; terá relação com Fonte da Lua? Fonte Alunada? Tudo no concelho de Bragança. No termo de Bornes há um sítio chamado Urreta da Luz, ao qual o povo adscreve lenda de mouras encantadas. No termo das Múrias há um sítio chamado Fonte do Luar e junto a ela uma panela de ouro e outra de peste, que, a abrir-se, mataria meio mundo,

(413) CARDOSO, Luís – Dicionário Geográfico, 1751, tomo 2, artigo «Conlelas». O Portugal Antigo e Moderno e outros tiraram daqui a notícia. (414) Ver p. 51. (415) Pode ver-se em VITÓRIA, Baltazar de – Teatro dos Dioses, 2a parte, p. 310. (416) Sobre estes fenómenos sísmicos, ver CORREIA, Mendes – Os povos primitivos da Lusitânia, 1924, p. 13.

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COVA DE LUA

187 TOMO IX

de onde ninguém se aventurar a recolher o tesouro pelo receio de engano na escolha das panelas. Corresponderão estes toponímicos a locais onde se prestava culto à lua, como sucedia na serra de Sintra, segundo refere o Dr. José Leite de Vasconcelos (417)? Um quilómetro a sul de Cova de Lua e meio da estrada a macadame que de Bragança segue para o Parâmio, na crista de um promontório desgarrado da cumeada próxima, que entre dois caborcos se dirige para a veiga de lameiros, atrás mencionada, assenta o local chamado Casarelhos pelo povo. É de forma elipsóide, adaptada, como é de uso nos castros, à topografia do terreno, com 63 x 54 metros nos eixos. Alto parapeito envolve o recinto, defendido ainda a norte e sul por largo e fundo fosso, dispensável nos outros dois lados, em razão do talude declivar rapidamente para o córrego. A sul, o parapeito e adjacências avulta mais o cômoro dos escombros, talvez restos da torre e acrópole. O fosso norte talvez ligasse à porta do recinto, pondo-a em comunicação com uma fonte existente no sopé, perto da qual ainda se vê na rocha o quício de uma porta. Poucos metros acima dos Casarelhos, fica a capela da Senhora da Edra, já em ruínas, conservando apenas de pé a fachada com a porta principal em ogiva lanceolada e restos de paredes. Pelo que fica dito, mostra-se que Casarelhos, a julgar pelas ruínas aqui existentes e pelas de outros locais, com o mesmo nome, adiante mencionados, corresponde arqueologicamente a castro, assim como Terronha, conforme mostraremos nos respectivos artigos (418). Provavelmente deriva de casarelhos, casarelha, diminuitivo deprimente de pequena casa, em alusão às que havia nos castros, todas de pequena capacidade, pedra solta, sem oferecerem arte nem comodidade. É possível que desta circunstância venha o nome da povoação de Caçarelhos, concelho de Miranda do Douro, junto da qual há ruínas arcaicas, apesar de ser hoje povoado importante. No recinto dos Casarelhos, fossos, berma e talude abundam fragmentos cerâmicos, dos quais encontrámos as seguintes variedades: Dois pedaços de ímbrices, argila vermelha, pasta homogénea. Um fragmento de barro saguntino [122], sem ornato. Fragmento de vaso de argila vermelha, pasta homogénea.

(417) VASCONCELOS, J. Leite de – Religiões da Lusitânia, vol. 2, p. 217. (418) No tomo III, p. 87, destas Memórias publicamos um documento de 1435, que dá a esta povoação o nome de Castro de Cova de Lua, provavelmente derivado das ruínas dos Casarelhos. Ver p. 51, lápide n° 16.

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188

COVA DE LUA

TOMO IX

Fragmento de tijolo, idem, idem. Outro de pasta grosseira, com grãos de seixo branco. Idem, idem, de vaso. Idem, idem, bocal de vaso grande. Fragmentos de outro vaso de argila cinzenta clara, com areias de seixo branco e muita mica. Muitíssimos fragmentos de lousa xistosa. Em todos estes vasos é evidente a roda do oleiro. Também abundam fragmentos de mós manuárias (419). No arco de volta da porta principal da igreja de Cova de Lua há a seguinte data em algarismos arábicos: 1145 que não pode ser, porque nessa data ainda se não usavam tais algarismos, mas sim os romanos, só substituídos por aqueles pelos ano de 1240, como aponta Viterbo (420) e outros. A mesma razão evidencia de apócrifa a data existente na verga de uma porta interna numa casa de Bragança, perto da porta da muralha, em frente do Jardim do Regimento, onde se lê: ANO 1108 Mesmo graficamente se nota que os dois últimos algarismos, mais mal feitos, não foram traçados pelo artista dos dois primeiros. Temos ideia de ver numa pedra da igreja paroquial de São Fins da Castanheira (vulgarmente dita igreja de São João) outra data de mil e tal, também anacrónica por estar em algarismos árabes, sabendo-se que a igreja é românica. Noutra pedra dos fitos da mesma porta da igreja de Cova de Lua há o seguinte:

Dirá Jesus?

(419) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar de Braga a Astorga, p. 113, refere-se já a estas ruínas. (420) Viterbo – Elucidário, artigo «Algarismo», onde mostra que os algarismos árabes só apareceram na Península Ibérica em 1240, vulgarizando-se no século seguinte.

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COVA DE LUA | DINE | DÓLMEN

189 TOMO IX

E noutra, abaixo desta, há:

Indicará o ano de 1700?

DINE A povoação de Dine, concelho de Vinhais, assenta no planalto de um outeiro de forma arredondada, a que chamam Castro. Nada lá encontramos justificativo do nome. Possivelmente aqui, como na vizinha de Santa Cruz, o toponímico veio da forma cónica do outeiro. Todavia, deste ponto vê-se distintamente caras a poente, a Costa da Pia, também chamada Carcaveilha (421), com restos de fortificações ainda bem patentes no alto parapeito e fosso que a defendia pelo nascente. Diz a lenda que: No cabeço da Carcaveilha Há um manto de ouro de Nossa Senhora, Que só pode ser descoberto Com ponta de reilha ou pata de oveilha. A propósito do toponímico Escrita, do termo de Dine, ver o artigo Paçó [123]. DÓLMEN A propósito de dólmen, ver o artigo Pré-história.

(421) CarcaveiIha virá de carcova, porta falsa ou caminho encoberto, como aponta Viterbo no Elucidário, artigo «Carcova». Com o nome de Carcaveilha, há uma rua em Mairos, concelho de Chaves, onde residimos durante alguns anos quando paroquiamos essa freguesia desde 1889 a 1896.

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DUAS IGREJAS

TOMO IX

DUAS IGREJAS CANNIO SILVANO ANLANNI VSRVFINVS PATRI Esta lápide apareceu na povoação de Duas Igrejas, concelho de Miranda do Douro, e foi publicada na Revista Arqueológica, 1887. As letras NI da 3a linha estão ligadas. C(aio) Annio Silvano An(norum) L Annius Rufinus Patri, ou seja: Ânio Rufino erigiu esta memória a Caio Ânio Silvano, seu pai, falecido de cinquenta anos [124]. SILVIO SILVANO ANN XXV SILVIVS CALVVS FRATRI Apareceu também na mesma povoação de Duas Igrejas e foi publicada na citada Revista, onde a traduziram assim: Sílvio Calvo levantou este monumento à memória de seu irmão Sílvio Silvano de vinte e cinco anos. SILVANO APILICIF ...... Apareceu igualmente em Duas Igrejas e foi publicada na referida Revista Arqueológica, cuja tradução deu assim: À memória de Silvano, filho de Apílico... (falta o resto da inscrição) [125], SILVIAE CALVI NAE AT XXVIII ETC SILVIO AINI SILVIVS CALVINVS FILIÆ ETNEPOTI (O AE e NE da última linha são conjuntos). Como as anteriores, apareceu também em Duas Igrejas, sendo reproduzida na já citada Revista, onde leram: Sílvio Calvino elevou este Monumento à memória de sua filha Sílvia Calvina, falecida de vinte e oito anos, e de seu neto Caio Sílvio, de um ano. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


DUAS IGREJAS | ESPADANEDO | ESTRADAS

191 TOMO IX

O Dr. José Leite de Vasconcelos (422) dá o desenho de uma lápide funerária, tipo das estelas discóides de Picote, encontrada em Duas Igrejas, ornada no alto por uma rosácea, na qual diz ler-se: VALERIO / ... ONIS / [ann] XXV, e lembra que o nome da segunda linha será [Tur]onis.

ESPADANEDO No sítio chamado Vila dos Mouros, termo de Espadanedo, concelho de Macedo de Cavaleiros, situado no cume de um outeiro, onde ainda se divisam restos de fortificações, fossos e pedregulhos de muros derrubados, vivia um mouro poderoso, que exigia anualmente dos povos cristãos vizinhos um certo número de donzelas para seu harém. Um dia, resolvidos a acabar com tão vexatório tributo, revoltaram-se ao grito de – espada nele, espada nele – mata-o, passa-o à espada, de onde, segundo a etimologia popular, veio à povoação o nome de Espadanedo. O nome Espadanedo deve provir da planta espadana, espadanal, espadanas, tão frequente no nosso toponímico, mais o sufixo edo, para indicar a abundância, ou seja lugar de muitas espadanas. Segundo a mesma lenda, o mouro tinha um caminho subterrâneo para levar os cavalos a beber ao ribeiro que longe corre no fundo do outeiro. Esta lenda é aplicada a muitos outros locais do nosso distrito. A lenda ou tradição do tributo das donzelas encontra-se entre nós aplicada a Alfândega da Fé, Castro Vicente, Chacim, Rebordãos e também em Espanha, onde o nome de Simancas (Valladolid), segundo a etimologia popular, deriva de Sete Mancas, ou seja sete moças que cortaram as mãos para não irem para o harém do régulo mouro. Em alusão à lenda, vê-se o escudo da vila de Simancas orlado por sete mãos.

ESTRADAS ESTRADA MILITAR ROMANA DE BRAGA A ASTORGA PELO DISTRITO DE B RAGANÇA [126] Tocada a extrema meta da sua expansão conquistadora, quase o mundo conhecido, o povo romano entrou, com Augusto, no período áureo da sua preponderância mental, que teve o máximo verbo na Eneida, no grandioso edifício legislativo, cujos princípios ainda subsistem nas nossas legislações

(422) VASCONCELOS, J. Leite de – Religiões da Lusitânia, 1913, vol. 3, p. 417.

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192

ESTRADAS

TOMO IX

modernas, no Panteão e no CoIiseu, figurações assombrosas postas em destaque de primeira plana por outros produtos de grandiosidade empolgante, bastando no entanto estes três últimos para definir o povo Iatae regae e para desvendar o segredo do seu poderio na sua criteriosa orientação moral e cívica. Olhou então mais para o requinte da comodidade, do luxo, do gozo, e para fomentar as relações comerciais e poder rapidamente comprimir qualquer revolta emancipadora das províncias, sulcou o império de estradas militares (havia outras chamadas públicas e vicinais) que ligavam Roma às capitais das províncias e conventos jurídicos, construídas sob aquele tipo de solidez secular, que caracteriza as obras do povo romano. Este serviço recebeu impulso máximo no tempo de Augusto e quase concluiu no de Constantino. Em regra, quatro camadas especiais formavam a caixa dessas estradas: a inferior, a não ser nos terrenos pantanosos, que então se firmava em estacaria, recebia calcetamento como o das ruas das nossas cidades, ligado por aquele seu tão famoso cimento; justapunha-se-lhe outra de pedregulho e tijolo britado, tudo embebido fortemente em argamassa e calcado a maço; por cima de outra argamassa grosseira e finalmente a summa crusta formada de pequenas pedras duras ligadas por argamassa. Pontes, viadutos, túneis, muros, trincheiras, aterros, alguns de vinte e oito quilómetros, aplanavam os obstáculos naturais, facilitando a marcha das vias, que iam de 2,36 a 12 metros de largura, evitando assim subidas e descidas bruscas. De milha em milha erguiam-se cilindros de granito lavrados, ditos miliários, de dois metros pouco mais ou menos de altura por meio de diâmetro, com letreiros indicativos das distâncias e do nome do imperador que mandou fazer ou reconstruir a estrada. Alternando com eles, havia os apeadeiros de dois ou três degraus de pedra, para utilidade dos que montavam ou apeavam. Um serviço especial habilmente combinado, servido por correios a pé, a cavalo e em carros, segundo a importância do movimento, com postos, estações e mudanças de cavalos, permitia transitar com incrível rapidez (duzentos quilómetros e ainda trezentos por vinte e quatro horas), de um a outro extremo do império, os despachos, decretos e novas leis, os jornais do tempo – Acta diurna – e as notícias de interesse. Vinte cavalos nas mudas (mutationes) e quarenta nas estações (stationes) facilitavam o serviço. É de ver que mudas e estações constituíram o núcleo de povoados mais ou menos importantes, cidades mesmo, e outro tanto se deu com as albergarias (mantiones), instituição oficial para agasalho nocturno dos viandantes, que, de quando em quando, encontravam também tabernas (cauponae) de iniciativa privada. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


ESTRADAS

193 TOMO IX

As mansões ou estações das estradas militares romanas constam do Itinerário de Antonino (423), conforme a «óptima edição de Parthey et Pinder, Berlim, 1848». A parte respectiva ao distrito de Bragança, que nos interessa, segundo Hübner (424) a transcreve, é da seguinte forma: Iter a Bracara Asturicam ................................................. Salacia ............................................................................... Praesidio ........................................................................... Caladuno .......................................................................... Ad Aquas .......................................................................... Pinetum (Pineto), 29 ...................................................... Reboretum, 33 ................................................................. Compleutica (Completica), 19, 25, 26, 29, 34 .............. Veniatia (Ueniacia, Uemaci) .......................................... Petavonium ...................................................................... Argentiolum ..................................................................... Asturica (Asturiga, Astudica, Astirica) ..........................

mpm mpm mpm mpm mpm mpm mpm mpm mpm mpm mpm mpm

CCXLVII (sic) XX XXVI XVI XVIII XX XXXVI XXVIIII XXV XXVIII XV XIIII

Como para a edição de Parthey et Pinder se consultaram vinte códices diversos, indicamos entre parêntesis as variantes gráficas das estações, e por algarismos árabes as variantes das distâncias, segundo alguns desses códices. Em português temos: De Braga a Astorga há 247.000 passos de estrada, assim distribuídos: A Salacia ................................................................ A Presidio .............................................................. A Caladuno ........................................................... Ad Aquas ............................................................... A Pineto ................................................................ A Roboreto ...........................................................

20.000 passos 26.000 passos 16.000 passos 18.000 passos 20.000 passos 36.000 passos

29.600 metros 53.280 metros

(423) A parte do Itinerário de Antonino respeitante a Portugal encontra-se nas seguintes obras: ARGOTE, Jerónimo Contador de – Memórias para a história do Arcebispado de Braga, tomo 2, p. 593. HÜBNER, Emílio – Notícias arqueológicas de Portugal, p. 55. LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Itinerário». BAPTISTA, João Maria – Corografia moderna do Reino de Portugal, vol. 5, p. 615. Revista Arqueológica, vol. 2 (1888). AIRES, Cristóvão – História do Exército Português, vol. 2. PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga, p. 117. Este e Argote só trazem a parte do Itinerário tocante aos objectivos dos seus estudos. (424) HÜBNER, Emílio – Notícias Arqueológicas de Portugal, p. 95-98.

MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


194

ESTRADAS

TOMO IX

A Compleutica ...................................................... A Veniacia ............................................................. A Petavonio .......................................................... A Argentiola .......................................................... A Astorga ..............................................................

29.000 passos 25.000 passos 28.000 passos 15.000 passos 14.000 passos

Total ........................

247.000 passos

42.920 metros 37.000 metros

Cada 1.000 passos formavam uma milha, que regulava por 1.480 metros e o passo por 1,49m; todavia, alguns autores dão à milha a equivalência de 1.650, 1.600, 1.543, 1.481 e 1.478,50 metros. O estádio era a oitava parte da milha. Da chancelaria de Braga para a de Astorga partiam cinco estradas, segundo aponta o Itinerário de Antonino, a mais meridional das quais era a mencionada atrás e passava pelo distrito de Bragança nas proximidades das povoações de Vale de Telhas, Lamalonga, Castro de Avelãs, Gimonde e Babe, em direcção a San Vitero (Espanha), como o demonstram os miliários adiante apontados. A discordância dos códices quanto à distância em milhas entre as estações de Pinetum, Roboretum e Compleutica, que certamente caíam no distrito de Bragança, pode resultar de engano nos copistas que as trasladaram, mas é mais provável que venha de alterações no traçado da estrada em reconstruções subsequentes, pois o miliário de Soeira e o de Vinhais, se existiu, inculcam trajectória diferente da marcada pelos de Lamalonga, como facilmente se conclui olhando para um mapa ou atendendo à topografia do terreno, porque, além do torcícolo Lamalonga-Vinhais-Soeira, tinham de fazer mais duas pontes sobre o Tuela, pouco distanciadas uma da outra, a fim de transitar para estas últimas povoações, ao passo que, seguindo de Lamalonga, evitavam não só as duas pontes, mas também os desfiladeiros do Tuela, além de encurtarem a distâncias. E a mesma vantagem tinham quanto às pontes, se de Vale de Tenhas marchassem logo para Vinhais, como provavelmente fizeram no traçado definitivo da estrada. De resto, como se vê de Plutarco (425), os romanos adoptaram, a princípio, o trajecto recto sem olhar a subidas, para garantirem a rápida marcha das legiões e a segurança das conquistas; depois, senhores da região e aumentando o tráfico com as províncias, modificaram as trajectórias, evitando as ladeiras e os grandes desnivelamentos. Quando em 1932 deu entrada no Museu, graças à intervenção do fervente regionalista José Montanha, o miliário de Lamalonga, dissemos no (425) PLUTARCO – Vida de Caio Gracho.

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ESTRADAS

195 TOMO IX

Comércio do Porto, aludindo ao problema geográfico que vinha resolver: «A questão está no seguinte ponto: sabe-se que a estação da estrada romana chamada Pinetum, do Itinerário de Antonino, corresponde a Vale de Telhas, concelho de Mirandela, e desta à segunda, dita Roboretum, sita pelas imediações de Rebordãos e Castro de Avelãs, aponta o Itinerário trinta e seis mil passos (nove léguas quilométricas, plus minus), mas outra variante dá só vinte e oito mil passos (sete léguas quilométricas). De onde procede esta diferença? Mais: à estação de Roboretum seguiam-se no Itinerário a de Compleutica, distante vinte e oito mil passos, e a de Veniatia, distante desta vinte e cinco mil passos, e pela concordância do nome, entendiam muitos que Veniatia seria em Vinhais, mas não pode ser, pois de Pinetum (Vale de Telhas) a Veniatia aponta o Itinerário a distância de oitenta e nove mil passos, ou sejam vinte e duas léguas quilométricas, números redondos, e, na verdade, nem um terço desta distância há. Mais: a estrada ia por Vinhais, a julgar de um miliário indicado por Grutero, hoje desaparecido, e passava em Soeira, como se prova por outro miliário que está de pé ao fundo da povoação, descoberto pelo falecido major Celestino Beça. Como congraçar estas divergências, notando-se que o troço Vale de Telhas-Vinhais-Castro de Avelãs tinha de ser diferente do de Vale de Telhas-Lamalonga-Castro de Avelãs? A solução destas incógnitas geográficas aparece com o miliário de Lamalonga, que é do século III, enquanto que os outros são do I. Neste intervalo de duzentos anos, ou porque a estrada se arruinou, coisa vulgar hoje e então como mostram diversos miliários, que aludem a reconstruções, ou porque na trajectória Vale de Telhas-Vinhais-Soeira perdeu a importância alguma cidade adquirindo-a outra na de Vale de Telhas-Lamalonga-Castro de Avelãs, se não foi por ficar mais fácil e menos distante a via, construiu-se um ramal ou variante, que poupava os oito mil passos de diferença no Itinerário». O Padre Sarmento (426) diz que a estrada passava, não por Bragança e Puebla de Sanábria, mas sim pelas terras del Bollo. Florez (427) também colocou em Chaves a estação Ad Aquas do Itinerário. O engenheiro Henrique Gadea, diz Aureliano Guerra y Orbe, atrás citado, demonstrou que a estação de Veniatia foi em o despovoado de la Peña del Castillo, termo de Boya, província de Zamora, pouco antes do passo da Sierra de la Culebra por El Portillo de San Pedro.

(426) AIRES, Cristóvão – História do Exército Português, vol. 2, p. 195. (427) FLOREZ – España Sagrada, tomo 4, p. 317.

MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


Lubian (Espanha)

Em Espanha

Em Espanha

Compleutica

Veniata

Petavonium

Argentiolum

Robledo (Espanha)

Pinheiro Velho

Veceana de Sanábria (Espanha)

Gondesende (Portugal)

Robledo (Espanha)

Vale de Telhas

Chaves

(430)

Sibelo

Todos concordam ser Astorga.

Roboretum

Asturica

Vale de Telhas

Pinetum

(429)

(428)

Chaves

Cornide

Argote

Ad Aquas

Estações

Em Espanha

Em Espanha

Vinhais

Gebelim

Roboredo junto a Moncorvo

Pinhel na Lusitânia

Fonte Arcada na Lusitânia

Reichardt e Uckert (431)

Andriñuela

Polybueno

Varzana

Compluto

Robledo (Espanha)

Pinheiro ou Viana

Chaves

(431)

Cortes

Andriñuela

Poybueno

Villa Vieja (Espanha)

Bragança

Mirandela

Trindade

(431)

Lapie

Em Espanha

Em Espanha

Rebordãos

Ansiães

(431)

Bime (Espanha)

Castrelo (Espanha)

Vale de Telhas

Pentes

Chaves

(432)

Bellarmann Saavedra

Despovoado entre Villamontan e Tabuyelo

Despovoado da Sansuena entre Villageriz e Rossinos

Despovoado de Peña del Castillo (Zamora)

Ao Oriente de Bragança

Robledo (Espanha)

Pinheiro Velho

Chaves

Guerra y Orbe (433)

Em Espanha

Puebla de Sanábria

Vinhais

Sacoias

Rebordãos

Vale de Telhas

Chaves

(434)

Pinheiro

Puebla de Sanábria

Em Espanha

Rebordãos

Charles

Quintana del Marco (Espanha)

Manbuey (Espanha)

Vinhas (Espanha)

Gimonde

No castro de Soutelo, perto de Vinhais

No Cabeço junto a Vale de Telhas

(435)

Beça

Castro de Ciudadeja, perto de Fuente Encalada, na província de Zamora

Para os lados de Cabañas de Aliste

S. Martinho (Espanha) em frente de Quintanilha (Portugal)

(436)

Moreno

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LOCALIZAÇÃO DAS ESTAÇÕES DO «ITINERÁRIO» DE ANTONINO (PARTE RESPECTIVA) QUE TOCAM COM O DISTRITO DE BRAGANÇA, SEGUNDO DIVERSOS AUTORES

TOMO IX ESTRADAS

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(436) GOMEZ MORENO, M. – Zamora – Catalogo monumental de España, 1927, tomo 1, p. 9, 23, 56 e 58. Sobre a trajectória da estrada romana no distrito de Bragança pelo coronel Albino Lopo, ver O Arqueólogo Português, vol. 12, p. 164.

(435) BEÇA, Celestino, Gazeta de Bragança, de 11 e 18 de Fevereiro de 1900, e também no Notícias de Bragança, de 24 de Outubro de 1914 e 18 de Fevereiro de 1915.

(434) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., p. 50, 52, 104, 112, 118 e 122.

(433) GUERRA Y ORBE, Aureliano Fernandes, Revista Arqueológica, vol. 2.

(432) LOPES, Pedro Rodrigues – Episcologio Asturicense, 1906, tomo 1, p. 203, onde vem transcrita a localização das estações, conforme Eduardo Saavedra apresenta em 1862 no discurso que fez a propósito das obras públicas dos romanos, ao tomar posse da sua plaza de número da Real Academia de la Historia de Madrid.

(431) AIRES, Cristóvão – História do Exército Português, vol. 2, documento A, p. 476.

(430) SIBELO, Barros – Antiguidades de Galicia, 1875.

(429) SAAVEDRA, José Cornide y – Estado de Portugal em el año de 1800. Esta obra só veio a publicar-se em Madrid em 1893-1897, três volumes.

(428) ARGOTE, Jerónimo Contador de – Memórias para a História Eclesiástica do Arcebispado de Braga, tomo 1, p. 359, 369, 407 e 412, e tomo, II, p. 592.

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Convém notar que Guerra y Orbe (437) entende que as dez cidades mencionadas na inscrição da ponte de Chaves erigiram o padrão por haverem concorrido, imperando Vespasiano, para a construção de uma estrada entre os Lucenses e os Vetones, desde o Padron (Iria Flavia), por Caldas de Reis (Aquae Celenae), Cusança, Carballino, Orense (Aobriga), São Pedro, junto a Nozedo da Peña (Limica), Verín, Chaves (Aquae Flaviae) e daqui à margem do Douro, entre a desembocadura do Sabor e o Tuela. Seja o que for, esta estrada não vem ao nosso caso. É provável que os romanos tivessem um sistema viário como o nosso, ligando povoados importantes (438); aqui tratamos simplesmente da estrada militar mencionada no Itinerário de Antonino, única que deixou documentos da sua existência. Esta estrada foi construída no tempo do Imperador César Augusto e reconstruída no de Vespasiano com algumas alterações no traçado, que algumas vezes cruza, corre paralelo ou se justapõe ao primitivo. Deve notar-se que os miliários do traçado primitivo indicam as distâncias com referência a Braga e os das reconstruções posteriores a Chaves, sem dúvida porque neste entretempo se nobreceu grandemente. A divergência que se nota no mapa atrás, referente à localização das estações da via militar romana, provém dos seus autores se guiarem por trabalhos de gabinete, sem atender aos de campo, únicos documentativos, pois, o ajustamento das milhas e ruínas mais ou menos romanizadas nada prova, quando lhe faltem os miliários, recebem porém valor, se estão na trajectória destes e coincidem com as distâncias marcadas no Itinerário. Nos artigos Castros, Castelos e Toponímia, vemos que os castros, castelos, cigadonhas e locais marcados por vestígios romanos são tantos no distrito de Bragança, quase como as actuais povoações. Nas mesmas condições está o nome da estação, a não ser que se trate de povoado notável, conhecido por outros elementos de localização. De maneira que, desde Argote (1732-1738), que escreveu sobre informações colhidas no terreno, nenhum trabalho a valer apareceu sobre o particular da região bragançana, servindo apenas os que a ela se referem mais de confusão que de guia. Deve, porém, notar-se que as informações a Argote só lhe chegaram até Vale de Telhas (Pinetum); dali por diante deva-

(437) GUERRA Y ORBE, Aureliano Fernandes – Las dez ciudades bracarenses nombradas en la inscripcion de Chaves. «Revista Arqueológica» (1888), vol. 2. (438) Roma cobriu Espanha de uma rede de estradas, mais densa em Andaluzia e Galiza, por serem mais ricas, e menos em Catalunha e Valência, pela fácil comunicação do mar. Estas estradas coincidem quase sempre com as abertas hoje. Assim se expressa MURGUIA, Manuel – Historia de Galicia, 1856, vol. 2, p. 395, em nota.

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neia como os outros, e nenhum crédito merecem, porque nenhuma prova séria aduzem. Foi José Henriques Pinheiro, professor do Liceu de Bragança, quem reatou o fio deixado por Argote, que devia levar à solução do interessante problema, que tantas mentalidades tem ocupado, com a descoberta em 1888 dos dois miliários, um dos quais do tempo de Augusto, nas ruínas junto a Castro de Avelãs (439). São os que damos nas p. 45 e 47, sob os nos 10 e 11. Em 1898 encontrava o coronel Albino Lopo, em Babe, o miliário de Adriano (440). É o que damos na p. 39, fig. n° 6. Em 1899 descobrimos nós o miliário do imperador Caro em Gimonde (441), p. 56, fig. n° 20. Em 1900 acha o mesmo o miliário de Maximiano em Gostei (pág. 57, fig. n° 21) e o major Celestino Beça os de Soeira e o de San Vitero (Espanha). Vão descritos adiante. Em 1907 aparecem os dois miliários de Lamalonga, um deles de Constantino Cloro (pág. 60, fig. n° 23), que graças à dedicação dos beneméritos Domingos Lopes da Silva, abade da freguesia, general António Augusto de Miranda e Diogo Pinto da Silva, foram religiosamente guardados no alpendre da capelazinha de São João, contígua ao povo. Estes miliários têm imensa importância, porque documentam a razão da variedade de distâncias que aparece nos códices do Itinerário, mostrando que houve alteração no traçado primitivo da via, e, no entanto, por estúpido abuso, retiraram-nos do alpendre e puseram-nos a servir de suporte a um cabanal no meio do povo, corroendo-lhe as letras as águas impregnadas dos dejectos esterquilínios. Não haverá mão caridosa que, compreendendo o alto valor destes dois monumentos, se compadeça deles, fazendo-os recolher ao Museu Regional, conseguindo assim exterminar o clamor de incompetência que contra nós todos estão soltando?! (442). Em 1915 descobrimos nós em Babe, por indicação do bom amigo e primo reverendo Francisco Manuel Pires, reitor da mesma freguesia, o miliário de Caracala (442). Vai descrita na p. 36, fig. n° 5. São estes, no momento presente, resenhados por ordem cronológica do seu aparecimento, os factores concernentes à solução do problema geográ-

(439) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga. (440) O Arqueólogo Português, vol. 4, p. 342. (441) Ibidem, vol. 5, p. 136. (442) Alfim, por intermédio do benemérito regionalista José Montanha, veio em fins de 1932, para o Museu o miliário de Constâncio Cloro; o outro, como não tinha letreiro, continua de suporte ao cabanal. Ver p. 60, figura n° 23, deste tomo, onde o publicámos e descrevemos aquele. Ver também O Arqueólogo Português, vol. 12, p. 163. (443) Ibidem, vol. 21, p. 146.

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fico da via militar romana por terras bragançanas. E, na verdade, tendo presentes os miliários de Vale de Telhas e os mais apontados, é forçoso reconhecer que o caso está resolvido, sem dúvida no espaço compreendido entre aquela estação e San Vitero (Espanha), que devia abranger as estações de Pinetum, Roboretum, Compleutica e Veniatia, pois eles permitem marcar no terreno, quase passo a passo, a trajectória da estrada. A aproximação dos nomes Vinhais e Rebordãos com a Veniatia e Roboretum do Itinerário, certamente entrou por muito no prurido de se abalançarem ao problema; mas, por este teor e mais seguramente, como mostram os documentos, Vinhas, a confinar com San Vitero (Espanha) não se aproxima menos, além de ficar mais em harmonia com as distâncias apontadas no Itinerário, e o onomástico Roboredo é frequente no distrito de Bragança, como se vê adiante, no artigo Toponímia. Que consciência podia ter Sibelo do seu traçado, se vai colocar Roboretum no Robledo (Espanha) e depois volta atrás, em vez de seguir para diante, situando Compleutica em Gondesende (Portugal)?! Guerra y Orbe não é mais feliz com os seus argumentos etimológicos, pois, a fim de justificar o traçado da estrada entre os Lucenses e os Vetones, diz que o nome da nossa Vila de Ansiães significa: vila velha, antiga, de onde a razão de a ligar pela estrada; mas o bom é que no foral dado a esta vila por el-rei D. Fernando Magno (444), se escreve Ansilanes, o que indica que não é de velho que provém, mas sim da contracção de dois nomes próprios Ansila Anes ou do genitivo Ansilanis para indicar propriedade (fundus) do tal primeiro morador que legou o nome à terra. Também alguns escritores (445) dão como romanas a ponte de Ariães, a velha sobre o Sabor (chamada Ponte das Carvas), a velha de Gimonde, a de Vale de Telhas, a da Pedra sobre o Tuela, no termo de D. Chama, e a do Arquinho, logo adiante da precedente [127]. A ponte de Ariães é toda de alvenaria ligada por argamassa, incluindo as aduelas dos arcos. Consta de três olhais em ogiva de lanceta, os dois primeiros para o lado da povoação de Castro de Avelãs, e de volta redonda o terceiro. Cortamares em ângulo agudo a montante e de secção circular a jusante reforçam os pegões. O tabuleiro de trânsito é levantado no meio em ângulo, a fim de facilitar o despejo das águas para a extremidade da ponte. Na base dos arcos vêem-se ainda os agulheiros destinados a segurar as cambotas, ou seja uns buracos como os que os pedreiros deixam nas paredes para formar as estradas. Ora, tais agulheiros são característicos das

(444) Ver tomo IV, p. 403, destas Memórias, onde o publicamos integralmente. (445) O Arqueólogo Português, vol. 12, p. 164. Sobre pontes no distrito de Bragança, ver o tomo VII, p. 776, destas Memórias.

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pontes medievais, e, a nosso ver, medieval deve ser considerada a ponte e não romana. A ogiva dominou na arquitectura desde o século XIII ao XV, embora apareça em monumentos anteriores de alguns séculos; no entanto, dista muito dos romanos, para lhe adscrevermos a ponte de Ariães. Por outro lado, sabe-se que as almofadas rusticadas caracterizaram as pontes romanas, bem como os vincos do forfex, espécie de guindaste para levantar as pedras, segurando-as por esses vincos ou pequenos buracos redondos e afunilados uns, de secção triangular outros; mas em Ariães nem almofadas nem vincos. A Ponte Velha sobre o Sabor, perto de Bragança, também conhecida por ponte das Carvas (446), toda de alvenaria argamassada, é formada sobre três arcos em ogiva de lanceta; guardas mais baixas do que as da antecedente, se bem que o aspecto geral da ponte inculca notável solidez – ancas fortes e robustas – agora mais aumentada pela hera que a reveste quase toda e pende em vistosos festões e grinaldas de verdura sobre a corrente. Tabuleiro de trânsito horizontal; agulheiros na base dos arcos no olhal do centro – os dos outros dois desapareceram por subsequente reconstrução bem evidente. Nem almofadas, nem vincos do forfex; portanto medieval como a antecedente. A Ponte Velha de Gimonde sobre os rios Igrejas e Contense, também dito Malara, já unidos e formando um só, é igualmente de alvenaria e argamassa. Consta de seis olhais com arcos de volta redonda; não tem agulheiros e o tabuleiro de trânsito levanta ligeiramente no centro da ponte, mas não em ângulo tão pronunciado como na de Castro de Avelãs. As guardas, mais altas do que na das Carvas, têm, de espaço a espaço, metidas na grossura da parede, grandes pedras postas de pé, à laia de pilares ou balaústres. Nem almofadas rusticadas, nem marcas de forfex. Do lado de Gimonde, no pano da ponte, mas distante dos olhais, tem óculo em arco, destinado a dar passagem à água do açude, presa, como aqui se diz, hoje arruinada, porém ainda cognoscível, que fica pouco acima e vinha a ser utilizada para o moinho a jusante da ponte nova, na estrada a macadame que, para o mesmo fim, apresenta um pequeno arco. Ainda que toda a gente em Gimonde não indicasse, como indica, o fim destes arcos ou óculos – passagem da água para o moinho – a sua distância dos outros e da corrente do rio mostra que logo se deixaram com esse destino. À vista do exposto, perguntamos: é romana, é medieval esta ponte? Não encontramos sinais característicos que nos elucidem. Ao seu todo parece faltar-lhe o

(446) Em algumas aldeias do distrito de Bragança dão os nomes de Carva e Carvas às montueiras de carvalhos, quando de pequena altura; carvalheiras, como noutras partes dizem, entremeadas de pascigueiros e terrenos de pastagem permanente.

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conspecto de vetustez, a patine dos séculos, que imprime no espírito a nota cronológica. Deu-nos a impressão de ser moderna. Cem metros pouco mais ou menos abaixo desta ponte, entra nos dois rios – Igrejas e Contense – já unidos, o Rio Frio, dominado junto à foz por outra ponte, agora em ruínas, mas ainda visíveis os encontros que vão entestar com a ponte nova na estrada a macadame, a qual tornou dispensável a reconstrução daquela; não assim antes, visto ser uma o complemento da outra. Como é crível que os romanos, tão hábeis arquitectos, exímios autores utilitaristas, podendo com uma só ponte dominar os três rios, segundo agora o da estrada nova a macadame mostra, não vissem isso e fossem dispensar em duas mais do que gastariam numa, que assim, pela feição monumental de obra limpa e completa a que se prestava, tanto devia sorrir ao seu espírito de grandeza? Não ver isso, quando diante dos olhos no pegão da segunda ponte, quase podia ficar, como agora na da estrada a macadame, o da ponte única! Achamos que não devemos fazer essa injustiça aos seus arquitectos. Nem se argumente com o facto, de que há exemplos, de quererem subjugar mais facilmente os três rios, procurando a sua divisão, porque, desconhecidos nas corografias, vadeáveis a pé enxuto de verão, só juntos e por favor mereceram tal nome, além do que a Ponte Nova lá está mostrando a inanidade de tal argumento. A nosso ver, foi uma questão de economia rural a determinante das duas pontes. A povoação de Gimonde não podia valorizar a parte mais importante e fértil do seu termo – as encostas vinhateiras do Rio Igrejas, nem as pingues leiras de Malara – acrescendo ainda como robora a utilidade dos pequenos povoados de Labiados e Guadramil. Tudo isto inculca época construtiva bonançosa, já infiltrada por assuntos de fomento agrário, sempre os últimos na mente dos dirigentes. É de ver que os romanos não estariam a prender-se com essas coisas numa estrada militar; quando muito, lá ficaria isso para as vicinais (viae vicinales) ou para as agrárias (viae agrariae). Demais, o pequeno arco deixado no pano da ponte, para dar passagem à água do moinho, mostra que este é mais antigo ou pelo menos coevo daquela; ora, os moinhos de água (hydroletes) só se generalizaram em Roma no século IV da nossa era (447), quando as vias militares já estavam concluídas, além de que esta nossa começou no tempo de Augusto, como mostram os miliários.

(447) CAGNAT – Lexique des Antiquités Romaines, artigo «Mola». RICH – Dictionaire..., artigo «Hydroletes».

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A Ponte da Pedra sobre o Tuela, logo adiante da Torre de Dona Chama, consta de seis arcos de volta redonda, com os vincos do forfex bem nítidos, mas apresentam a singularidade de serem cavados em forma de cunha, secção quadrangular, que vai adelgaçando para o interior da aduela. Robusta em si e nos cortamares. Numa e noutra extremidades, abriram-lhe dois grandes viadutos quadrangulares, paralelos, para escoamento das águas nas grandes enchentes. É romana, se bem que com reconstruções (448) [128]. Logo adiante da Ponte da Pedra, um quilómetro pouco mais ou menos, fica a do Arquinho, sobre um riacho que, pouco abaixo, entra no Tuela. É de um só arco; agulheiros das cambotas bem patentes; tabuleiro de trânsito levantado em ângulo no meio da ponte, a fim de correrem as águas pluviais para uma e outra extremidades. Deve ser medieval. Tanto esta como a anterior foram utilizadas para passagem da estrada a macadame da Torre de D. Chama para a Bouça. Ponte da Ranca, dois quilómetros a sul de Vinhais, sobre o Tuela. É toda de alvenaria ligada por argamassa; cinco olhais em arco de volta redonda; agulheiros para segurança das cambotas. Não é romana, como muitos têm dito, mas sim medieval (449). Parece fora de dúvida que Vale de Telhas corresponde ao Pinetum do Itinerário; tem a seu favor os miliários, a coincidência das distâncias, as ruínas romanas importantes, existentes nas imediações do povo, e as lápides votivas e funerárias lá encontradas. O próprio nome – Vale de Telhas – provirá de vale de telhas ou abundante em telhas, que faz lembrar a cacaria resultante das ruínas. O nome de Pinetum, pinheiro, permanecerá ainda numa região assim denominada, que certamente havia nesses sítios, como se colige dos nomes das povoações comarcãs, Fornos de Pinhal e Fornos de Ledra? Que Roboretum seja em Rebordãos ou imediações, bem pode ser: favorece esta conjectura a coincidência das distâncias, quarenta e oito quilómetros e meio, se seguirmos a variante; a intensa vida romana, inculcada pelas suas ruínas, e ainda o nome Rebordãos, possível equivalente do Roboretum do Itinerário. Compleutica é que tem de ir para as margens do rio Maçãs, quer do lado português, nas ruínas que indicamos no termo de São Julião, quer um pouco mais abaixo, nas do de Quintanilha, ou do lado espanhol, como conjectura Moreno (450).

(448) Ver tomo VII, p. 775, destas Memórias. (449) Ver tomo II, p. 281, tomo IV, p. 350, e tomo VII, p. 775, destas Memórias. (450) GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España, 1927, tomo 1, p. 9.

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Também poderia ficar um pouco atrás, na Castragosa, termo de Babe, onde as ruínas romanas são importantíssimas, como indicamos no artigo respectivo. A distância concorda, com diferença de sete quilómetros, que desaparecem se atendermos às voltas que a estrada tinha de dar. Confirmando, temos a tabuleta automobilista na estrada a macadame na ponte internacional de Quintanilha, que marca dali a Chaves cento e cinquenta e um quilómetros. O Itinerário dá mais onze entre Chaves e Compleutica, que nada são, se olharmos à infinidade de rios, ribeiros, caborcos, córregos profundos, ladeiras infindáveis e montanhas existentes entre os dois pontos. Das outras estações não curamos, porque já pertencem a Espanha; lembramos apenas, conforme propôs o major Celestino Beça, que Vinhas (Espanha) fica logo adiante, na trajectória para San Vitero e que pode muito bem corresponder à Veniatia do Itinerário. Quanto, porém, acabamos de dizer referente à localização das estações da via militar romana não passa de conjectura, com certos visos de probabilidade, visto trabalharmos sobre miliários, que os autores atrás mencionados desconheciam, excepto o major Celestino Beça e o coronel Albino Lopo (451). Pinheiro (452) conheceu apenas os miliários encontrados em Castro de Avelãs, e, para ajustar a Veniatia do Itinerário a Vinhais, dada a semelhança de nomes, trouxe a estrada aos zigue-zagues de Rebordãos para Babe, de onde, por Sacoias, Castro de Avelãs e Vinhais, regressa a Gondesende, para a introduzir nos desfiladeiros da Puebla de Sanábria, tocando-se quase em alguns pontos, sem provas que justifiquem tais reviravoltas. Damos a seguir, por ordem topográfica, os miliários da estrada militar romana justificativos da sua trajectória no distrito de Bragança, a começar em Vale de Telhas por Vinhais, Soeira, Castro de Avelãs (uma variante); Lamalonga, Gostei (outra variante); Gimonde, Babe e San Vitero, já em Espanha. Borges (453) dá a lição de um miliário que está «em o lugar de Vale Telhas, termo da Villa de Mirandella», segundo uma cópia que lhe mandaram, e que reproduzimos no alto da página imediata. Argote (454) diz que o cipo está no sítio «chamado Pontão dos Possacos, perto da Ponte de Valdetelhas» e dá a seguinte lição, segundo uma cópia

(451) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana de Braga a Astorga, 1896. (452) O Arqueólogo Português, vol. 12, p. 165, onde apresenta um traçado da estrada. (453) BORGES, José Cardoso – Descrição topográfica da Cidade de Bragança, 1721-1724, manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa. (454) ARGOTE, Jerónimo Contador de – Memórias para a História Eclesiástica do Arcebispado de Braga, tomo 2, p. 608, e tomo 6, p. 137 e 142.

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que lhe mandou Tomé de Távora e Abreu, seu correspondente para as notícias de Chaves: IMP. CAES CIUL VERUS MAXUMINUS PE AUG GERMXCAGMXSARMX PONMXTRPUINPUIIPPCOS PCOSFICIVIVERUS MAXUMUS ILISSIMUS CAES GERMX. DAC MX SARMXPRINCEPS IUVENTUTIS FBNIMI GAES G. IULI VERI MAXUMINI. PEAUG VIAS. E. PONTES IF TEMPORIS VETUSTATE GONLBSOS RESTITUERE CURARUNT. CUR. Q DECIO LEG AUGG P. P. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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A lição de Borges, embora defeituosa, é mais exacta e sobretudo interessantíssima, por indicar no fundo a distância do ponto onde estava o miliário, aquele de onde a estrada partia – MXV (quinze mil passos). Vem a dizer: O Imperador Caio Júlio Vero Maxumino, Pio, Feliz, Augusto, Germânico máximo, Dácico máximo, Sarmático máximo, Pontífice máximo, do poder tribunício cinco vezes, imperador sete vezes, cônsul, procônsul e Caio Júlio Vero Maxumo, Nobilíssimo César, Germano Máximo, Dácico Máximo, Sarmático Máximo, Príncipe da Juventude Romana, filho do Nobilíssimo César Caio Júlio Vero Maxumino, Pio, Felix, Augusto, cuidaram de reconstruir as estradas e pontes arruinadas pelo tempo. Cuidou das obras Quinto Dácio, legado dos imperadores, propretor. Quinze mil passos. Alguns têm como falsificado este miliário; todavia, Argote (455) vindica a sua autenticidade e menciona a reconstrução desta via no tempo dos imperadores Tibério, Cláudio, Trajano e Maximino, constante do cipo acima transcrito, realizada no ano de 238 (456). Diz Argote: «Por baixo da Ponte de Valdetelhas, termo de Chaves, estão numa vinha tres Padroens, e só em hum delles a seguinte inscripção: M. NUΛA. NUM ERINO. CAE.

NOB AUQ

Quer dizer: Esta memoria se dedicou a Marco Numa Numeriano, nobre Cezar Augusto. Este Numeriano foi nomeado Augusto no anno 283, e morto no seguinte» (457). Pinheiro (458), que andou em pesquisas em Vale de Telhas, escreve: «Seguindo dos Possacos para Vale deTelhas, e tendo caminhado uns duzentos metros, encontra-se um miliário enterrado na areia; tem apenas três ou quatro decímetros fora da terra: está próximo do rio. Dizem que este miliário não está no seu sítio primitivo: esteve um pouco mais acima.

(455) ARGOTE, Jerónimo Contador de – Memórias..., tomo 2, p. 603 e 629, e tomo 6, p. 137 e seg. (456) Ibidem, tomo 2, p. 601-609. CAPELA, Martins – Miliários do Conventus Bracaraugustanus..., 1895, p. 106, 107 e 169, onde aponta um miliário existente em Braga, referente à reconstrução das estradas feita por Quinto Decio da nossa de Vale de Telhas, 173, 174, 178. (457) ARGOTE, Jerónimo Contador de – Memórias..., tomo 2, p. 636. (458) PINHEIRO, José Henriques – Estudo da estrada militar romana..., 1895, p. 47.

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Existem mais dois, e estes estão na povoação de Vale de Telhas, isto é, entre a ribeira do Rabaçal e Tuela; um junto à Fonte e outro no alto da povoação. A fonte é em arco romano, e parece ser romana pelo seu todo. Na esquina posterior da fonte existe um miliário que serve de resguardo à esquina da fonte a fim de que o contínuo roçar dos carros a não arruinem. Observam-se nele algumas letras; mas não formam sentido: vêem-se apenas três linhas incompletas. No final da segunda lê-se bem IR. NINO. Um pouco adiante de Vale de Telhas, e seguindo para o Tuela, existe um padrão cravado numa rocha de granito e acunhado com pedras de xisto. Tem de circunferência 1,83m, e de altura a contar do solo 1,92m. Tem a frente voltada para o caminho e lê-se nele somente: NST. E AVO Deste ponto devia seguir a estrada, passando o Tuela, para Mascarenhas» (459). Capela menciona mais a seguinte inscrição existente junto à Fonte de Vale de Telhas, num muro, perto do caminho, em «pedra de pequenas dimensões», cuja cópia lhe foi enviada pelo cónego Cardoso, professor do seminário de Guimarães, pois ele não a viu «na infeliz visita a estes lugares há dois anos»: I M P . C.... C. V A L . M.... SIMIANO. P F. AVG

(460)

No tomo I, p. 356, destas Memórias publicámos a inscrição referente a um miliário apontado por Borges (461), que a copiou de um papel antigo que

(459) Ibidem. (460) CAPELA, Martins – Miliários do Conventus Bracaraugustanus em Portugal, 1895, p. 179 e 212. (461) BORGES, José Cardoso – Descrição topográfica da Cidade de Bragança. Ver ARGOTE, Jerónimo Contador de – Memórias..., tomo 2, p. 628, sobre as dúvidas que se põem à autenticidade de uma inscrição muito semelhante a esta mencionada por Grutero.

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lhe deram de Vinhais, mas não lhe foi possível encontrar o cipo, apesar de o diligenciar. Diz ela: CONLAPSOS RESTITVERVNT ... Q D E C I O L E G . A V G . P R . P R C V ...... V I A A V G . M . P. C. Trata-se de um miliário da via romana, concernente à reparação da estrada que devia ter passado em Vinhais ou perto, pois Grutero refere-se a um miliário encontrado em Vinhais. Coisa de duzentos metros a poente de Soeira, concelho de Vinhais, encontrou o major Celestino Beça, nas ruínas de uma capela dedicada a São Sebastião, num sítio chamado Vilar, um miliário romano, que fez pôr de pé e lá se conserva, segundo verificámos há poucos anos. É cilíndrico, de granito e regula por 1,75m de altura por 0,50m de diâmetro. Como em muitos outros monumentos, também abriram nele uma cavidade para sepultura, com orifício a meio dela para escoamento das fezes, o que muito prejudicou a legenda, da qual apenas, a custo, se percebe: TRIB.

POT.

XXI

Como só houve nove imperadores que exerceram vinte e um ou mais anos o poder tribunício, ou sejam: Augusto, Tibério, Adriano, Antonino (o Pio), Marco Aurélio, Diocleciano, Maximiano e Constantino (o Grande), a algum deles deve ter pertencido o miliário. Se atendermos a que antes das palavras Trib. Pot. XXI poucas mais cabiam, talvez possamos concluir que seja de Augusto ou do seu século, em que a sobriedade dos títulos imperiais deixava logo muito em cima nestes monumentos as palavras em questão, ao contrário da época decadente onde a fiada dos avoengos e os epítetos – germânico, pórtico, dácio, tudo máximo – os relegavam mais para baixo. Perto do local onde apareceu o miliário abundava telha de rebordo, mós manuárias, cerâmica, etc. Diz a tradição que a capela de São Sebastião foi mudada para Soeira e colocada no bairro chamado Cimo de Vila. Ver as lápides nos 10 e 11, p. 45 e 46, respeitantes aos miliários de Castro de Avelãs, e a n° 23, p. 60, tocante ao miliário de Lamalonga. TI. CLAVDIO CAESARI AVG GERMA NICO. IMP. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Lápide de granito, que apareceu debaixo do altar-mor da igreja de São Cláudio, junto a Castro de Avelãs, freguesia de Gostei e Castanheira, concelho de Bragança, em 1882, e foi metida na parede da dita igreja, na parte que fica entre o coro e o púlpito, onde se conserva. Dizem os que a viram, antes de metida na parede, que tem a forma quadrangular. Altura 0,89m, largura 0,68m, corpo das letras 0,07m. Foi descoberta por José Henriques Pinheiro, que a publicou (462). Hübner também a publicou (463), com pequena divergência na pontuação e omitindo o I da Palavra TI, declarando que duvidava que os nomes estivessem em dativo, ao que Pinheiro respondeu que não havia fundamento para tal, pois as letras eram claras. Foi igualmente publicada por Albino Lopo (464). O povo dizia que esta lápide era o túmulo de São Cláudio, por ver nela este nome, e que o Santo fora degolado pelos mouros um pouco adiante da igreja, no local onde está uma cruz, caminho de Formil, sendo por isso colocada no altar e agora posta mais em evidência na parede da igreja. Ver a lápide n° 21, p. 58, referente a outro texto epigráfico de Gostei; e as lápides n° 5, p. 35, e n° 20, p. 56, respeitantes aos miliários de Gimonde e Babe. Em 19 de Novembro de 1918 fomos, em companhia do Padre Manuel José da Ressurreição Palmeiro, examinar o miliário de San Vitero (Espanha), de que tínhamos conhecimento pelos apontamentos do major Celestino Beça, por nós publicados, depois do seu falecimento, no Notícias de Bragança, desde 21 de Maio de 1914 a 4 de Março de 1915, de onde se transcreveram para O Arqueólogo Português, vol. XX, p. 74, por pertencer ao prolongamento da estrada militar romana que do distrito de Bragança segue para Espanha. O miliário, «marron grande», como lá dizem, é um grande cilindro de granito, que está ao pé da igreja paroquial de San Vitero. Tem de altura 2,18m, de diâmetro 0,63m, corpo das letras 0,08m. Não é todo cilíndrico, pois na base apresenta forma quadrangular numa extensão de 0,70m. Faltam letras, por quebradura, no lado esquerdo. As que pudemos ler podem ver-se no alto da página seguinte.

(462) PINHEIRO, José Henriques, Revista Lusitana (1889), vol. 6, p. 535, e depois no seu livro Estudo da estrada militar romana..., 1895, p. 4, 98 e 102. (463) HÜBNER, E. – Ephemeris Epigraphica..., 9, 6217. (464) LOBO, Albino, O Arqueólogo Português (1901), vol. 6, p. 146.

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Dá indícios de terem retocado ou aclarado as letras, de onde a sétima da 4a linha apresentar o feitio de um B maiúsculo, sem contudo chegar a fechar o óculo da parte superior. Será um G de tipo quadrado? Manuel Gomez Moreno (465) transcreve este miliário e apresenta a letra em questão sob a forma de um b minúsculo; no entanto, no cipo tem a que indicamos, ou seja B. Também as letras MI da 3a linha são duvidosas e parecem três traços verticais em forma de III. Fazendo parte da parede do adro da mesma igreja, está um quadrúpede, tipo da Porca da Vila, de Bragança, a que lá chamam becerro, que tem de comprimento 1,30m. Na casa de um vizinho de San Vitero, chamado Miguel Hidalgo, vimos uma lápide funerária, tipo das estelas discóides, ornada pela suástica no cimo e por vários emblemas no fundo, como as de Picote, do Museu Regional de Bragança. Diz a legenda inscrita em quadrilátero rebaixado no granito:

Na parte direita faltam, por quebradura, algumas letras. Tem de altura 0,50m, de largura 0,30m, corpo das letras 0,04m (466). Disseram-nos que várias outras lápides tinham aparecido por estes sítios.

(465) GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España, 1927, tomo 1, p. 57. (466) Ibidem, p. 11, onde vem publicada a respectiva gravura. Neste mesmo tomo há publicadas e desenhadas mais estelas discóides do tipo das de Picote no Museu Regional de Bragança, e do mesmo tipo vimos outras no Museu de Leão (Espanha).

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CALÇADA DE ALPAJARES [129] A Calçada de Alpajares, no concelho de Freixo de Espada à Cinta, é constituída por seixos rolados do rio, gogos, como o povo lhe chama, assentes sobre o terreno. O povo chama-lhe Calçada dos Mouros, segundo o seu costume de atribuir a estes todos os monumentos de carácter arcaico, e ainda Calçada do Diabo, tal o assombro que causa o seu traçado sobre um verdadeiro abismo. Ainda hoje é aproveitada na passagem de Freixo de Espada à Cinta para as Beiras. Começa no termo de Poiares, segue até à foz da ribeira de Mosteiro, no Douro, a pequena distância de Barca de Alva. A ponte sobre esta ribeira faz parte da mesma calçada e constava de um só arco, igualmente formado de xisto, sem aparelho, nem cimento algum, de onde o assombro por ser muito alta, estreita, de grande abertura no arco e carecer de gigantes e cortamares a amparar os pegões e a formação de lenda idêntica à descrita nos artigos Abreiro e Feiticeiras, que atribui ao diabo a obra da ponte a pedido de um almocreve em troca da alma. O arco da ponte foi levado há muitos anos por uma enchente e não mais se reconstruiu; a ponte subsiste. Está traçada em zigue-zagues sobre a medonha garganta da ribeira de Mosteiro, num despenhadeiro de centos de metros de altura, interessante como panorama aterrador (467).

ESTRADA CHAMADA «O MOURISCO», DE LA REINA, DAS DOMNAS OU DUEÑAS [130] A mais antiga notícia desta estrada no distrito de Bragança consta dos apontamentos fornecidos pelos párocos ao Padre Luís Cardoso para o seu Dicionário Geográfico (1747), que falando de Malhadas, dizem: «... da parte do Norte para o Occidente entra neste termo aquela nomeada estrada chamada o Mourisco, que dizem os naturais se pode transitar por ela sem se entrar em povoação alguma da côrte dos CatoIicos Reys para a do Nosso Fidelissimo Monarca, que dista deste lugar oitenta léguas» (468). Cristóvão Aires (469) chama-lhe calçada das Malhadas e diz a

(467) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Zêzere», p. 2-169. Este artigo é do abade de Miragaia, Pedro Augusto Ferreira, continuador do Portugal Antigo e Moderno, que depois, na Tentativa Etimológica-toponímica, 1907, tomo 1, p. 507, voltou a referir-se a esta estrada de Alpajares. (468) O Arqueólogo Português, vol. 1, p. 11. (469) AIRES, Cristóvão – História do Exército Português, 1898, vol. 2, p. 156 e 171.

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propósito dela, baseado em informações dadas por «pessoa competente, que nos trabalhos das obras públicas no distrito de Bragança as pode conhecer»; consta de três camadas: a primeira stratumen, formada de pedras de diversos tamanhos, a granel; a segunda ruderatio, formada de pedra muito miúda, britada; e a terceira, a summa crusta, composta de cubos de pedra, regulares e resistentes, colocados com arte. À primeira vista, continua o mesmo autor, se poderá supor que a calçada das Malhadas e a de Alpajares (Freixo de Espada à Cinta) são a mesma estrada; mas evidentemente são duas distintas, sendo a de Alpajares, por assim dizer, um ramal da primeira. Até na construção diferem, sendo naturalmente diferentes as épocas em que foram abertas. É tradição entre os Trasmontanos que a estrada das Malhadas vem de Madrid, mas o provável é que venha de Astorga, seguindo daí para Madrid. «Entra no território português nas terras de Miranda, entre Cicouro e Constantim, no sítio chamado Cruz da Canima, nas proximidades do Cabeço da Luz, segue pelo sítio da Châna em direcção ao serro de São Martinho de Angueira, próximo de Nossa Senhora do Nazo; continua pela Lagoa Grande, entre as freguesias de Malhadas e Genísio e dali aos campos de Duas Igrejas, à direita da quinta da Taça (Fonte da Taça), e aqui se cruza com o caminho que vai de Vilar Seco a Miranda, ponto onde a observei; continua depois em direcção ao cruzeiro da povoação de Fonte da Aldeia, entre Prado Gatão e aquele povoado e segue finalmente para o Pocinho, estação no caminho de ferro do Douro, a dez quilómetros de Moncorvo, atravessando terrenos dos termos das freguesias de Sendim (Miranda), sítio de Vale de Bodega, Brunhosinho (concelho do Mogadouro), Sanhoane, Variz, Tó, Vila de Ala, Vilar de Rei, Vale de Porco, Serra de Gajope, Bruçó, Lagoaça (concelho de Freixo), Fornos, Carviçais (concelho de Moncorvo), até ao Pocinho, de onde segue, segundo consta, para a província da Beira...; durante o trajecto não passa por nenhuma povoação actual, mas sempre a certa distância delas, que varia entre quinhentos a dois mil metros» (470).

(470) Ibidem, p. 230. Referem-se a esta estrada do Mourisco ou das Dueñas os escritores: PIMENTEL, Júlio Máximo de Oliveira – O Douro Ilustrado, 1876; PEREIRA, José Manuel Martins – As Terras Entre-Sabor-e-Douro, 1908, p. 236; BEÇA, Celestino, em O Arqueólogo Português, tomo 20, p. 95 (é onde mais pormenorizadamente se trata do assunto). GOMEZ MORENO, Manuel – Zamora – Catalogo monumental de España, 1927, tomo 1, p. 56, que diz: «le llaman Morisco, y tambien la Vereda refiriendo se cuentos acerca de su origen, basados en la extrañeza de no pasar por casi ningún pueblo hasta meterse en Portugal, lo que hacia fuese transitado por los contrabandistas. Mencion saya parece hallarse en un deslinde inédito de Palaciolo, en tierra de Miranda (Palazuelo, de las Cuevas?), hecho por Alfonso, rey de Portugal, en 1172, pues dice: deinde quomodo vadit recta via ad carril morisco et per ipsun moriscum sicut vadit ad lacunam de fenales».

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213 TOMO IX

A conjectura de uma estrada romana pelo sul do distrito de Bragança carece de bases, dada a falta de miliários e outros documentos que a garantam, e a estrada do Mourisco não pode ser obra dos mouros, porque estes não tiveram tempo de construir estradas na província trasmontana. ESTRADAS ANTERIORES AO SISTEMA MACADAME [131] Destruído o império romano, as suas estradas, apesar de solidamente construídas, foram-se arruinando pouco a pouco, até se perderem de muitas, por completo, as directrizes com o desaparecimento dos miliários que mais ou menos as indicavam. No nosso distrito, e certamente em muitos outros, foram as instituições municipais, que representam um passo gigantesco na evolução do progresso social, quem mais eficazmente cooperou na restauração das estradas, factor indispensável daquele. Muitas povoações obtinham privilégios, que as escusavam de pagar «fintas, talhas, montes, fontes, pontes, caminhos e calçadas», como, por exemplo, entre nós, Rio de Onor, Guadramil e Petisqueira em 23 de Abril de 1627 (471). Por carta régia de 8 de Agosto de 1691 ordenou-se ao Juiz de Fora da cidade de Bragança que não cumprisse a ordem do provedor da comarca de Bragança para contribuir com 180$000 réis de finta para as pontes da vila de Ansiães, porquanto os moradores do Estado da Casa de Bragança não estão obrigados a isso sem ordem da Junta de Estado dessa Casa, à qual somente toca o governo das suas terras (472). Os moradores de Soeira, Castrelos, Fresulfe, Dine, Moimenta, Mofreita e outros lugares circunvizinhos pretendiam ficar isentos de pagar para reparos e construções das pontes da cidade de Bragança e termo, sob pretexto de que tinham «a corregerem e repayrarem cynquo pontes que entre elles abya... de pedra e quall e quanto e madeira», e por isso não deviam concorrer como a Câmara pretendia para a de «Balboom que estava antre o termo da dita cidade e o termo da vylla de Miranda que ora a dita cidade mandava fazer». Mas por carta régia de 5 de Junho de 1492 foram obrigados a concorrer para a dita obra. Às obras desta ponte refere-se o documento n° 43, que publicámos no tomo III, p. 79 destas Memórias. Em Provisão de 6 Abril de 1637 mandou el-rei que pelo concelho de Bragança se derramasse uma finta para a obra da ponte de Vale de Telhas,

(471) Tomo III, p. 282, destas Memórias, onde o documento vem publicado na integra. (472) Livro do Registo da Câmara de Bragança, fol. 85.

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sem embargo das doações em contrário do Estado ou Casa de Bragança, nas quais dispensava por esta vez (473). Por alvará régio de 5 de Setembro de 1514 foram os habitantes de Tourém e Rendim, concelho de Montalegre, escusos de pagarem para a ponte de Mirandela em razão daqueles serem obrigados a dar anualmente ao alcaide do Castelo da Piconha, perto das mesmas povoações, oitenta e tantos alqueires de pão e estes 10$000 réis em dinheiro (474). Aos 30 de Setembro de 1692, perante o Juiz de Fora de Bragança, justificaram os moradores de Vale de Nogueira serem reguengueiros da Casa de Bragança, o que lhes valeu ficarem isentos de pagarem dez tostões de finta para a ponte do Carregal (475). Em Provisão do Príncipe Regente D. João, de 7 de Janeiro de 1815, foi concedido à Câmara de Bragança lançar de contribuição um real em cada arrátel de carne e quartilho de vinho atabernado, que se vendesse na cidade, durante dois anos, para com este produto ocorrer às despesas da construção da ponte do Loreto no rio Fervença, destruída pela trovoada de 24 de Agosto de 1804 (476). Por outra Provisão do mesmo Príncipe de 26 de Novembro de 1816, a pedido da Câmara de Bragança, foi este imposto prorrogado por mais dois anos, pois, rendendo no primeiro ano 1.640$000 réis e no segundo 1.460$000 réis, e sendo a obra da ponte arrematada por 6.360$000 réis, não chegava para cobrir as despesas (477). Ainda por outra Provisão de 25 de Janeiro de 1819 foi o mesmo imposto prorrogado por mais dois anos (478). Depois, em Provisão de 30 de Agosto de 1820, o mesmo D. João, rei de Portugal, a pedido da Câmara de Bragança, prorrogou por mais dois anos o imposto de um real lançado sobre o vinho e carne, mas agora aplicado para construir de novo uma calçada capaz, que se encaminhasse da dita ponte para a cidade e praça principal dela e também para alargar e reformar um chafariz antigo que havia perto dessa ponte, caminhando para a cidade ao correr da estrada, e recolher nele duas pequenas nascentes que lhe ficavam superiores (479). É o actual tanque do Loreto.

(473) Livro 2° do Registo da Câmara de Bragança, fol. 920. (474) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Piconha». (475) Livro do Registo da Câmara de Bragança, fol. 103. (476) Ibidem, fol. 36. Sobre os efeitos desta pavorosa trovoada, ver tomo VII, p. 754, destas Memórias. (477) Livro do Registo da Câmara de Bragança, fol. 85. (478) Ibidem, fol. 133 v. (479) Ibidem, fol. 206.

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215 TOMO IX

Esta ponte do Loreto era chamada antigamente Ponte de Quintela, como se vê de uma autorização do duque de Bragança, feita em 1454; depois passou a denominar-se ponte das Ferrarias, como o indica outra autorização datada de 24 de Outubro de 1587 passada pelo duque D. Teodósio (480). Na sessão da Câmara de Bragança de 27 de Agosto de 1556 discutiu-se a questão da ponte do Jorge sobre o Fervença, na cidade. Vê-se que a construção dessa ponte havia mais de seis meses que fora arrematada pelo arquitecto das obras do Colégio dos Jesuítas (que serviu de Seminário e agora de Liceu), Pedro della Faia, construindo-lhe a Câmara «o caminho por homde cheguasse hos achegos para fazer a dita pomte», mas como este depois adoecesse e não pudesse encarregar-se do trabalho da ponte, foi nessa sessão resolvido fazer-se nova arrematação. Esta obra devia seguir brevemente, pois, conquanto o arquitecto pedisse espera de dois meses para se restabelecer, a Câmara, atenta a indispensável necessidade da ponte para serventia da cidade, não conveio nisso (481). Por isso, supomos que esta ponte se faria em 1557. Também pela sessão da mesma Câmara de 15 de Junho de 1556 se vê que a construção da ponte de Parada sobre o Sabor foi resolvida nessa sessão (482). Sobre as pontes no distrito de Bragança, além do que dizemos agora e no princípio deste artigo, ver os tomos IV, p. 350, e VII, p. 775, destas Memórias [132]. Já vimos o cuidado que ao nosso município mereceu sempre a viação pública; vejamos agora as estradas que no nosso distrito eram consideradas oficiais. O Roteiro Terrestre de Portugal fala-nos no decreto de 1688 para que os corregedores das comarcas fizessem tirar, com individuação, o cálculo das medidas e distâncias que havia de umas terras a outras da sua alçada, e estes trabalhos paravam na Livraria do Convento Agostiniano de Nossa Senhora da Graça de Lisboa (483). O Manual do Viajante diz que, depois desta época, só el-rei D. João V tomou interesse pela necessidade de fazer medir as distâncias de uns povos a outros. Depois, em 1843, é que se determinou fazer e concertar os caminhos mais necessários ao país (484).

(480) LOPO, Albino – Bragança e Benquerença, p. 12. (481) Acta da sessão da Câmara de Bragança. (482) Ibidem. (483) CASTRO, João Baptista de – Roteiro Terrestre de Portugal. Lisboa, 1844. (484) Manual do Viajante, em que, por jornadas, se conhecem não só as distâncias que há de Lisboa para as principais terras do reino, mas também as que se fazem de umas para outras províncias, etc., por G. A. de S. C. Lisboa, 1845.

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ESTRADAS

TOMO IX

Eis o mapa das distâncias de umas terras a outras no distrito de Bragança e conseguintemente as suas estradas oficiais e reais, segundo o Roteiro Terrestre e o Manual do Viajante: Roteiro de Moncorvo para Bragança

De Moncorvo para Miranda Léguas

À Portela, estalagem perto da Ponte do Sabor ........................... Junqueira ........................................ Santa Comba ................................. Trindade, perto da Ribeira da Vilariça ........................................ Bornes de Montemel ..................... Vale Benfeito ................................. Grijó ............................................... Vale de Prados Grande ................. Quintela ......................................... Fernande ........................................ Sortes .............................................. Bragança .........................................

1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 2

Total ...................... 14 Por este caminho há onze ribeiros, que se passam sem perigo. De Moncorvo para Freixo de Espada à Cinta A Mós ............................................. A Freixo de Espada à Cinta ..........

2 3

Total ......................

5

Léguas

A Carviçais ..................................... Mogadouro .................................... Vila de Ala ..................................... Sendim ........................................... Miranda do Douro ........................

2 4 2 3 2

Total ...................... 13

De Moncorvo para Chaves Léguas

À Portela, perto do Sabor ............. Vila Flor ......................................... Meireles .......................................... Frechas ........................................... Mirandela ....................................... Eixos ............................................... Rio Torto ....................................... Valpaços ......................................... Ervões ............................................. São Lourenço ................................. Chaves ............................................

1 2 1 2 1 1 1 1 1 2 1

Total ...................... 14

Sumário das distâncias que há de Moncorvo às terras da sua correição 5 9 4 4 5 7 7 5 4 5 8 9 9

Léguas

De MONCORVO a:

De MONCORVO a:

Léguas

Abreiro .................................... Água Revês .............................. Alfândega da Fé ...................... Ansiães .................................... Castro Vicente (o Manual dá 6) .................................... Chacim .................................... Cortiços ................................... Frechas .................................... Freixiel ..................................... Freixo de Espada à Cinta ....... Gebelim ................................... Lamas de Orelhão .................. Lamas de Podence ..................

Linhares ................................... Mirandela ................................ Monforte de Rio Livre ........... Nozelos .................................... Mós .......................................... Pinhovelo ................................ Torre de Dona Chama ........... Vale de Asnes .......................... Vilas Boas ................................ Vila Flor .................................. Vilarinho da Castanheira ....... Sampaio ................................... Sesulfe ...................................... Vide .........................................

5 6 12 19 2 8 9 6 4 3 3 3 8 4

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ESTRADAS

217 TOMO IX

Sumário das distâncias que há das vilas desta comarca de umas a outras Léguas

Léguas

Abreiro a Lamas ............................ 2 Alfândega a Mirandela .................. 5 Alfândega a Castro Vicente .......... 2 Ansiães a Freixo ............................. 10 Chacim a Sampaio ........................ 4 Chacim a Mós (o Roteiro dá-lhe 3) .......................................... 8 Cortiços a Vilarinho ...................... 7 Freixiel a Abreiro ........................... 1 Cortiços a Sesulfe .......................... 1

Frechas a Vila Flor ........................ 2 Frechas a Vilas Boas ...................... 2 Lamas a Mós .................................. 9 Mirandela a Dona Chama ............ 3 Monforte a Castro Vicente ........... 13 Vila Flor a Monforte ..................... 10 Vilarinho a Ansiães ....................... 2 Nozelos a Freixiel .......................... 7 Nozelos às Arcas ............................ 8 Sampaio a Vilas Boas .................... 1

Sumário das distâncias que há de Miranda às terras da sua correição 4 7 5 5 7 7 8 7 2

De Bragança para Chaves

Léguas

De MIRANDA a:

De MIRANDA a:

Léguas

Algoso ...................................... Azinhoso ................................. Bemposta ................................ Frieira (o Manual dá 6) ......... Mogadouro ............................. Penas Róias (o Manual dá 6) .................................... Rebordainhos (o Manual dá 9) .................................... Sanceriz ................................... Sarracina (?) ............................

Vale de Paçó ........................... Vilar Seco de Lomba .............. Vimioso ................................... Vinhais .................................... Cabanelas ................................ Deilão ...................................... Ervedosa .................................. Olmos ...................................... Quintanilha ............................. Talhas e Talhinhas .................. Zeive ........................................

De Bragança para Miranda Léguas

A Grandais ..................................... Castrelos ......................................... Vila Verde ...................................... Vinhais ........................................... Sobreiró .......................................... Valpaços ......................................... Vale de Armeiro ............................ Vilartão .......................................... Lebução .......................................... Monforte ........................................ Faiões .............................................. Chaves ............................................

12 17 3 13 14 8 12 10 5 6 12

Léguas

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

A Vila do Outeiro .......................... Vimioso .......................................... Miranda ..........................................

3 3 3

Total ......................

9

A Rio Frio ...................................... Paradinha ....................................... Quinta de Vale de Pena (o Manual dá 2) .................................... São Joanico .................................... Malhadas ........................................ Miranda ..........................................

1 2 2 1

Total ...................... 12

Total ......................

9

Por outro caminho: 2 1

MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


218

ESTRADAS | ESTRADAS A MACADAME

TOMO IX

A légua de que usa o Roteiro Terrestre tem três mil passos geométricos e cada passo geométrico seis palmos e um terço de craveira. Segundo o autor da Tábua Curiosa (485), vinte e um dias tardavam as cartas em ir e voltar de Lisboa a Moncorvo e trinta em ir e voltar de Lisboa a Bragança, Chaves e Miranda. Por aqueles tempos, só se faziam em Lisboa duas expedições por semana: às terças-feiras para o Alentejo, Algarve, França, Espanha e Itália; e aos sábados para a Beira, Minho e Trás-os-Montes, e isto continuou assim pouco mais ou menos, até à introdução dos caminhos de ferro (486). No entanto, pelos anos de 1846 já o correio ia e vinha de Lisboa a Bragança em doze dias (487).

ESTRADAS A MACADAME [133] ESTRADA REAL DA RÉGUA POR VILA REAL, MURÇA E MIRANDELA A BRAGANÇA O decreto que mandava construir esta estrada é do ano de 1850, mas a sua execução no distrito de Bragança só começou em 14 de Janeiro de 1854, dia em que se inauguraram os trabalhos (488), devido à persistente tenacidade dos deputados José e João Pessanha. Na sessão da Câmara dos Deputados de 10 de Julho de 1854 dizia este último: que quando no ano findo se discutira o orçamento das obras públicas, propusera que dos doze contos de réis votados para a estrada da Régua a Bragança, parte dessa verba fosse aplicada à construção da estrada a começar de Bragança para Vila Real; que efectivamente já se andava trabalhando nela, mas que, visto achar-se este ano designada a quantia de sessenta contos de réis para a mesma estrada, chamava a atenção do ministro a fim de que dessa soma se despendessem ao menos vinte contos na continuação da estrada do distrito de Bragança (489). Não devemos também neste ponto regatear os louvores que merece o deputado por Moncorvo, Ferreira Pontes. Na sessão da Câmara dos Deputados de 17 de Março de 1852, discutia-se um requerimento sobre a construção de várias estradas; Pontes, indignado por ver que o governo, curando das outras, nem sequer falava na da Régua a Bragança, sustentou

(485) GARRIDO, João António – Tábua Curiosa, 4a edição, 1747, p. 165. (486) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Viana do Castelo». (487) CHAGAS, Pinheiro – História de Portugal – Popular e ilustrada, continuada por Barbosa Colen, vol. 11, p. 342. (488) Diário do Governo, de 21 de Julho de 1854, de 25 de Março de 1857 e de 18 de Setembro de 1874. (489) Ibidem, de 11 de Julho de 1854.

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com tal energia a sua necessidade, chegando a falar mesmo nessa sessão duas vezes, que conseguiu fazer apensar, em aditamento ao requerimento, a obrigação do governo mandar proceder com urgência aos estudos preliminares das estradas do distrito de Bragança (490). Nesta campanha em prol da nossa estrada foi deveras notável a energia despendida pelo deputado João Pessanha. Na sessão de 8 de Julho de 1853 dissera ele: que a comissão de obras públicas aplicara doze contos de réis para a estrada da Régua a Bragança por Vila Real, mas que isso era uma irrisão verdadeira, porquanto aquela quantia havia de ser gasta fora do distrito de Bragança e a grande distância dele; por isso, propunha que dos doze contos destinados para essa estrada, seis fossem aplicados a uma dentro do distrito bragançano. Esta proposta foi rejeitada e, por isso, ele, na sessão do dia 19 seguinte, defendendo-a, vibrante de indignação, frisou bem o descuramento a que era votado pelo governo o distrito de Bragança, ponderando a injustiça para com ele cometida, que era o mais desprezado de todos, o mais mal servido de caminhos, o mais isolado de comunicações, e que, quando todos os outros distritos iam ter estradas, o nosso era assim votado ao ostracismo. Falou por duas vezes, foi eloquente, e, conquando a sua proposta fosse rejeitada, seguiu-se mais tarde o seu parecer (491). Na sessão de 21 de Junho de 1860 renovou o requerimento já apresentado na de 14 de Maio último, perguntando pelo número de quilómetros construídos na estrada da Régua a Bragança (492). No entanto, apesar de tanto esforço, as coisas pouco avançavam. Na sessão da Câmara dos Deputados de 24 de Março de 1863 dizia o eleito por Bragança, Garcia de Lima: o distrito de Bragança tem sido abandonado por todos os governos, sem excepção de nenhum; é perfeitamente uma colónia do nosso país, é composto de habitantes dignos de toda a atenção, pela sua moralidade, pela sua docilidade e pelo respeito que tem às leis e à autoridade; é um distrito rico no seu solo, abundantíssimo em suas produções e não tem sido atendido em benefício algum. Em 1854 principiou-se a estrada de Vila Real para Bragança, e até hoje há somente meia légua de caminho construído. Aproveitando a ocasião, chama a atenção do ministro dos Estrangeiros para o estado em que se acham os negócios da comissão mista sobre a divisão e demarcação da raia, onde são frequentes os conflitos entre as povoações portuguesas da raia e as

(490) Diário do Governo, de 18 de Março de 1852. (491) Sessões da Câmara dos Deputados de 8 e 19 de Julho de 1853, in Diário do Governo. (492) Sessões desses dias, in Diário do Governo, e 12 e 13 de Fevereiro de 1863 e 4 de Março de 1857.

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espanholas, não tendo ainda decorridos dois anos que houvera ferimentos e mortes entre dois povos da raia do concelho de Vinhais, de que ficaram ódios inveterados. Clama também pela necessidade de criar escolas no distrito (493). Vamos agora entrar numa questão, célebre no seu tempo, pela discussão que motivou. Na sessão da Câmara dos Deputados de 30 de Novembro de 1865 o deputado Júlio do Carvalhal Sousa Teles, que já fora Governador Civil em Bragança em 1856, apresentou a seguinte moção assinada igualmente por outros colegas: «Renovamos a iniciativa do projecto de lei n° 140 da Comissão de Obras Públicas, na sessão de 1864, que tem por fim declarar estrada real directa a do Cais do Pinhão a Mirandela, por Alijó e Abreiro, bifurcando-se em Mirandela para Bragança e Vinhais (494)». Esta proposta fora apresentada pela primeira vez pelo Teles na sessão de 28 de Fevereiro de 1862 (495). Na sessão de 9 de Abril de 1866 o deputado bragançano Paulo de Sousa, depois de haver refutado um artigo anónimo, publicado no Jornal do Porto, que acusava os deputados do distrito de Bragança de terem feito pouco a respeito da nossa viação, disse, combatendo a proposta Teles: que o primeiro estudo dessa estrada se fizera em 1859 pelo norte das serras da Garraia e Santa Comba, mas sendo o traçado nele baseado pouco exequível, procedeu-se a novo pelo sul das mesmas serras e, julgando-se este mais conveniente, foi aprovado em portaria de 31 de Dezembro de 1863. Depois a Câmara de Valpaços submeteu à aprovação do governo um traçado por ela mandado fazer entre Murça e Mirandela pela primitiva directriz, que devia desprezar-se por não tocar em povoação alguma notável, quando o do sul aproveitaria, além de outras, a Lamas de Orelhão, Franco e Paços e era muito mais fácil (496). Na sessão do dia 21 do mesmo mês e ano, Teles voltou ao assunto pretendendo refutar Paulo de Sousa. Parece que o motivo da sua teimosia, em sustentar um traçado de estrada que tanto prejudicava a região sul do distrito de Bragança e tão custoso devia ser, residia principalmente em querer a estrada dirigida pela sua terra natal, sacrificando a esta comodidade os interesses de parte de um distrito que o sofrera e agasalhara como Governador Civil. Na sessão de 2 de Maio de 1866, o deputado por Mirandela, Carolino Pessanha, falou contra o projecto do Teles. A ironia cortante, o sarcasmo

(493) Diário do Governo de 27 de Março de 1863. (494) Diário de Lisboa de 2 de Dezembro de 1865. (495) Vide sessão desse dia, in Diário de Lisboa. (496) Diário de Lisboa de 11 de Abril de 1866.

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tundente e mesmo o epigrama acerado, caem em ferventes catadupas sobre o projecto e seu campeão. No do dia 9, volveu a entrar na liça o deputado pelo Mogadouro, Paulo de Sousa, que produziu um brilhante discurso, couraçado de cerrada argumentação técnica, pulverizando o projecto Teles. Secundaram o seu parecer os deputados Fernando Caldeira e Carolino Pessanha, pois que o Teles instara novamente pela pretensão na sessão do dia 5. Esta célebre questão continuou na tela da discussão nas sessões de 19 e 25 de Maio de 1866 (497). Na sessão da Câmara dos Deputados de 14 de Junho de 1866 foram apresentadas representações das Câmaras Municipais de Chaves, Moncorvo, Mirandela, Miranda do Douro, Mogadouro e Macedo de Cavaleiros contra o projecto Teles. Na sessão do dia 9 de Maio de 1867, o deputado pelo círculo de Bragança, Albino Garcia de Lima, interpelou o governo por se não activarem os trabalhos de construção da estrada de Vila Real a Bragança por Mirandela. Ao mesmo tempo propôs a abertura de uma estrada internacional entre Bragança e Espanha por Puebla de Sanábria (498). Na sessão do dia seguinte fez idêntica interpelação o deputado bragançano Falcão da Fonseca, pedindo ao mesmo tempo ao ministro que mandasse começar a construção da estrada de Mirandela à foz do Sabor por Vila Flor, logo que estejam aprovados os estudos dela, já há tempos entregues no ministério das Obras Públicas. Chama também a atenção do ministro para a estrada de Bragança a Chaves por Vinhais e a de Mirandela a Vinhais, decretadas pela lei de 15 de Julho de 1862 (499). O deputado Garcia de Lima já na sessão de 1 de Março de 1865 interpelou o ministro das Obras Públicas «sobre o estado da viação pública no distrito de Bragança – qual a causa que tem obstado a pôr-se em arrematação o lanço da estrada do Vimieiro a Podence, cujo projecto constava estar já definitivamente aprovado – qual a razão porque se não tinha mandado proceder aos estudos do lanço da estrada de Mirandela ao ponto onde há-de ligar-se aquele distrito com o de Vila Real – quais as causas porque se não tem mandado proceder aos estudos da estrada que liga a capital do distrito de Bragança ao reino vizinho pela Puebla de Sanábria» (500). A estrada de Vila Real a Bragança deve ter chegado a esta cidade e entrado em circulação pelos anos de 1876.

(497) Vejam-se os extractos dessas sessões no Diário de Lisboa correspondente aquelas datas. (498) Vide sessões desse dia in Diário do Governo. (499) Ibidem. (500) Diário de Lisboa de 3 de Março de 1865.

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ESTRADA DE MIRANDA DO DOURO AO POCINHO, POR M OGADOURO E MONCORVO Na sessão da Câmara dos Deputados de 29 de Janeiro de 1861, foi apresentada a seguinte proposta: «Considerando que a estrada de Miranda ao Pocinho por Mogadouro e Moncorvo já foi considerada estrada real de 2a classe pelo decreto de 22 de Julho de 1850; Considerando que ela há-de ser uma possante auxiliar para o desenvolvimento da riqueza da grande porção de terrenos que se encerram entre a corrente do Douro e a do Sabor; Considerando que a estrada de Miranda ao Pocinho é a única que se acha decretada naquela vasta zona de terreno; Requeremos que se recomende ao governo que não perca de vista a estrada de Miranda ao Pocinho, para proceder à sua construção tão logo como seja compatível com as forças do tesouro público». Esta proposta é assinada pelos deputados José Luís Alves Feijó, mais tarde bispo de Bragança, Júlio do Carvalhal de Sousa Teles, José Marcelino de Sá Vargas e Francisco Diogo de Sá (501). Na sessão de 24 de Janeiro de 1866, o deputado Paulo de Sousa requereu propugnando pela construção da estrada que deve ligar Miranda do Douro com a Foz do Sabor [134], por Mogadouro e Moncorvo, considerada de 1a classe por decreto de 15 de Julho de 1862. Nesta ocasião, pugnou também pela necessidade de se continuarem as mais estradas do nosso distrito. O deputado Carolino Pessanha associou-se a esta proposta, como se vê pela sessão do dia 26 (502). Em portaria de 22 de Outubro de 1866 mandou-se proceder imediatamente aos estudos de várias estradas, para serem construídas o mais breve possível. E entre essas são, no distrito de Bragança: a de Mirandela, Vila Flor, Moncorvo, Miranda do Douro, Mogadouro e Moncorvo (503). CHAVES POR MIRANDELA A VILA REAL A 31 de Março de 1868 foi aprovado o parecer do Conselho de Obras Públicas de 28 de Março de 1866, relativo ao lanço de estrada de Chaves por Mirandela a Vila Flor, compreendido entre Mirandela e a Azenha das Latadas, no comprimento de seis mil metros; e ordena que se construa, para o (501) Diário do Governo de 30 de Janeiro de 1861. (502) Diário de Lisboa de 26 de Janeiro de 1866. (503) Ibidem de 22 de Outubro seguinte.

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que está votada a verba de 21.141$000 réis (504). Esta estrada tem o n° 38 e começou a 1 de Maio de 1868 (505). CHAVES A MIRANDA DO DOURO POR BRAGANÇA Vimos já como por lei de 15 de Julho de 1862, fora decretada a construção da estrada de Chaves a Miranda do Douro por Vinhais e Bragança, se bem que na sessão de 17 de Agosto de 1861 propusera o deputado António Joaquim Ferreira Pontes e outros que fosse riscada da tabela n° 3 – que continha as estradas aprovadas para serem construídas – a estrada de Bragança a Miranda, por ser de pequena importância, e que para a tabela n° 3 entrasse em seu lugar a estrada que vem de Freixo de Espada à Cinta e entroncar na estrada que vai de Miranda para Moncorvo (506). Em portaria de 26 de Outubro de 1874 foi aprovado o projecto, datado de 31 de Janeiro desse ano, relativo ao lanço da estrada real n° 37 de Chaves a Miranda do Douro, situado entre Bragança e Gimonde, e bem assim o projecto datado de 17 de Julho desse ano, relativo à ponte sobre o rio Sabor nesse lanço (507). A portaria de 13 de Novembro de 1874 aprovou o projecto de lei, datado de 30 de Abril do mesmo ano, relativo ao lanço da estrada real n° 39 de Vila Real a Freixo de Espada à Cinta, situado entre o rio Sabor e a Torre de Moncorvo (508). Esta estrada começou a 1 de Maio de 1868 (509) e seguia por Sabrosa, Favaios, Alijó, São Mamede de Riba Tua e Carrazeda de Ansiães, onde devia entroncar com a de Vila Flor, vinda de Chaves por Mirandela. PEREDO AO MOGADOURO Por decreto de 27 de Março de 1877 autorizou o governo a deliberação da Junta Geral do distrito de Bragança, tomada na sessão de 21 de Fevereiro último, para contrair um empréstimo de 20.000$000 réis aplicado exclusivamente à construção do ramal da estrada distrital n° 24 de Peredo a Mogadouro (510). Este ramal do Mogadouro vinha entroncar em Peredo na projectada estrada por aí dirigida ao Porto das Cabanas, na foz do Sabor [135]. Já na (504) Diário do Governo de 1 de Abril de 1868. (505) Diário de Lisboa de 8 de Abril de 1872. (506) Vide sessão desse dia in Diário do Governo. (507) Diário do Governo de 26 de Dezembro de 1874. (508) Ibidem de 28 de Dezembro de 1874. (509) Ibidem de 18 de Setembro do mesmo ano. (510) Diário do Governo n° 73 de 1877.

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sessão da Câmara de 10 de Abril de 1860 o deputado por Bragança, José Marcelino de Sá Vargas, mandou para a mesa uma representação da Câmara de Bragança, pedindo que fosse convertido em lei o projecto apresentado na sessão de 27 de Fevereiro pelo deputado por Valpaços, Júlio do Carvalhal Sousa Teles, e por ele Vargas também assinado, tendente a ser declarada estrada real de segunda classe a que deve abrir-se entre o Porto das Cabanas na foz do Sabor e Quintela de Lampaças, onde entronca com a estrada real de Bragança por Mirandela ao Porto. Na mesma sessão, o deputado Sousa Teles apresentou representações das Câmaras de Miranda e Mogadouro fazendo igual pedido (511).

CAMINHOS-DE-FERRO DE FOZ TUA A BRAGANÇA Desde longa data se pensou em dotar o nosso distrito com viação acelerada. Na sessão da Câmara dos Deputados de 9 de Março de 1861, os membros dela – Júlio do Carvalhal Sousa Teles, António Alves Martins, José Luís Alves Feijó (mais tarde bispo de Bragança) e João Pedro Almeida Pessanha, apresentaram uma proposta de lei, dizendo: «Considerando que Mirandella é um grande foco de produção agrícola, onde convergem vinhos talvez os mais finos de mesa que se colhem em Traz-os-Montes, como são nas Arcas e povoações visinhas, pelas immediações de Santavalha e nos concelhos de Villa Flôr, Mirandella e Anciães; por isso, para dar facil escoante a esse vinho, propunham que se fizesse um lanço de caminho de ferro pela margem direita do Tua, desde Mirandella á villa de Abreiro e d’aqui uma estrada a macadame por Alijó e Favaios para o caes do Pinhão, continuando depois o transporte das mercadorias pelo rio Douro, visto que a ideia de tornar navegavel o rio Tua, outr’ora julgado essencial para fomentar a riqueza transmontana, era inexequivel em razão das graves difficuldades e grandes despezas que a sua realização demandava, como os estudos feitos nesse sentido já há muito tempo haviam demonstrado» (512). Tal proposta, de um alcance económico, por assim dizer, nulo, pelo que toca a viação acelerada, e que apenas apresentamos a título de curiosidade histórica, não teve seguimento. Em 7 de Fevereiro de 1879 o ministro das Obras Públicas, Lourenço António de Carvalho, propôs a construção de vários caminhos-de-ferro,

(511) Vide sessões desse dia em Diário do Governo. (512) Veja-se o Diário do Governo do dia seguinte.

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sendo em Trás-os-Montes o de Foz Tua a Bragança, por Mirandela e Macedo de Cavaleiros, na extensão aproximada de cento e vinte e cinco quilómetros, considerado como linha de primeira ordem. Neste projecto vinham mais duas linhas de segunda ordem: uma de Mirandela a Vinhais pela Torre de Dona Chama e outra também de Mirandela a Miranda do Douro pelo Pocinho, minas de Moncorvo e Mogadouro (513). Este projecto também não teve efeito. Na sessão legislativa de 1880, João António Pires Vilar, deputado pelo círculo de Bragança, pugnou pelo nosso caminho-de-ferro, combatendo o prolongamento do do Douro pela Barca de Alva e aduzindo as razões de preferência daquele prolongamento pelo vale do Tua e Bragança à fronteira de Espanha; Tomás Ribeiro e Mariano de Carvalho, então deputados, secundaram essas pretensões (514), mas o escândalo da Salamancada consumou-se, e também em Bragança, a gente do partido contrário, obcecada por uma desgraçada estreiteza de vistas, contrariou este melhoramento, receando a preponderância do partido que o obtivesse. Eterna vergonha! A Câmara de Bragança chegou mesmo a representar ao governo contra a passagem da via-férrea por esta cidade, aduzindo não sabemos que razões fúteis de defesa nacional... Esta resolução foi tomada em sessão de 28 de Junho de 1882, como se vê no Diário do Governo de 6 de Julho seguinte: as Câmaras de Freixo de Espada à Cinta, Alfândega da Fé e Vimioso representaram também ao governo no sentido da de Bragança. A 24 de Dezembro de 1883 é celebrado o contrato provisório para a construção do caminho-de-ferro de Foz Tua a Mirandela, que depois foi aprovado por carta de lei de 26 de Maio de 1884, e o definitivo a 30 de Junho do mesmo ano, sendo concessionário o Conde da Foz, que trespassou os seus direitos no ano seguinte à Companhia Nacional de Caminhos-de-Ferro (515). Inauguraram-se os trabalhos a 16 de Outubro de 1884, dando a linha pronta para a circulação a 29 de Setembro de 1887, com a extensão de cinquenta e quatro quilómetros, nos quais há de obras de arte seis túneis, no comprimento total de quinhentos e vinte e dois metros, dois viadutos de ferro e quatro pontes, tendo de extensão total os seis tabuleiros duzentos e vinte metros, e as seguintes estações: Foz Tua (na linha do Douro, em que entronca), Tralhariz, Amieiro, São Lourenço, Brunheda, Abreiro, Vilarinho (513) Diário do Governo n° 31 de 1879. (514) O Nordeste de 11 de Setembro de 1901. (515) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Vilarinho das Azenhas»; PAÇÔVIEIRA, Conde de – Caminhos-de-Ferro Portugueses, p. 211.

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das Azenhas (foi depois mudada para junto da ponte de S. Pedro de Vale de Conde), Cachão, Frechas e Mirandela (516). Na legislatura de 1887 a 1889 os esforços do mesmo deputado Pires Vilar continuaram, como se vê do discurso pronunciado na sessão de 12 de Junho de 1889 (517). Em 1888 foi apresentado ao parlamento pelo conselheiro Emídio Navarro, então ministro das Obras Públicas, o projecto de lei de 1 de Junho desse ano, para a construção do caminho-de-ferro de Bragança. Era a rede dos caminhos-de-ferro ao norte do Mondego verdadeiro novelo, como então pitorescamente se dizia, e por isso emaranhou-se tudo e não foi possível sacar de tais malhas o nosso. Este projecto não chegou a ser convertido em lei (518). A largueza de vistas do largo plano ferroviário de Navarro, que hoje se reconhece obedecer a um luminoso rasgo de talento, não foi infelizmente compreendido na ocasião. Pela recomposição ministerial de 1889, entrou na pasta das Obras Públicas o conselheiro Eduardo José Coelho e novo projecto do caminho-de-ferro de Bragança é apresentado. Era o desdobramento do anterior, numa série de propostas de lei que abrangiam todas as linhas tributárias ao norte do Mondego, de modo a serem votadas e discutidas separadamente. Não foi aprovado. Sobrevindo depois o Ultimatum inglês de Lord Salisbury em Janeiro de 1890, que nos trouxe graves dificuldades financeiras, fugiu para longe a doce miragem do nosso caminho-de-ferro, pois que a proposta apresentada a 22 de Julho de 1890 pelo deputado da oposição Eduardo José Coelho sobre a prolongação do caminho-de-ferro de Mirandela a Bragança em tal conjuntura e situação não teve sequência (519). Na sessão de 29 de Fevereiro de 1896 demonstrou Abílio Augusto de Madureira Beça, deputado por Bragança, a necessidade urgente de construir-se o prolongamento do caminho-de-ferro de Mirandela a Bragança, com tal evidência de razões que a opinião pública do país se interessou no caso, devido à propaganda jornalística que dele vinha fazendo desde 1889 em O Brigantino e na Gazeta de Bragança, dos quais foi director (520). Ainda

(516) Ibidem. (517) Gazeta de Bragança de 15 de Março de 1896 e O Nordeste de 17 de Março do mesmo ano. (518) PAÇÔ-VIEIRA, Conde de – Caminhos-de-Ferro Portugueses, p. 211, e Diário do Governo de 2 de Junho de 1888. (519) Diário do Governo de 23 de Julho de 1890. (520) Ver o Século de 7 de Maio de 1902, onde se mostra que Abílio Beça iniciou a propaganda em 1884; O Nordeste de 11 de Setembro de 1901; o Distrito de Bragança de 21 de Março

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na mesma sessão, apresentou uma proposta no mesmo sentido, sem resultado, pois o ministro declarou peremptoriamente que «a situação da fazenda pública não permitia a construção do caminho de ferro». Entretanto, Abílio Beça não esmorece na propaganda escrita e verbal; procura adeptos por toda a parte entre os homens de valor que podem auxiliá-lo; mete-se, insinua-se, teima, importuna, calcula, combina, aplana, reclama, impõe-se numa persistência de fanático regionalista, e mais e mais consegue criar atmosfera propícia. Em 1898 vota-se nas câmaras o projecto do ministro Elvino de Brito, que estabelece um fundo especial para construção das vias férreas subsidiárias das do Estado, e pela carta de lei de 14 de Julho de 1899 é autorizada a construção da nossa por troços sucessivos, a cargo da Companhia Nacional em exploração por conta do Estado (521). O conselho de ministros de 4 de Junho de 1901 resolve abrir concurso para construção do nosso caminho-de-ferro, que só pôde realizar-se a 14 de Fevereiro do ano seguinte, devido a formalidades legais, que tiveram de efectuar-se (522). Neste concurso apareceu a única proposta de João Lopes da Cruz, «conseguida pelo estrénuo propugnador da construção da linha, o falecido engenheiro José Madureira Beça» (523), irmão e poderoso auxiliar de Abílio Beça. Surgem complicações suscitadas por Leon Cohen, procurador da firma Zagury; novas formalidades legais e novo concurso a 15 de Abril de 1902, que adjudica a linha ao mesmo João Lopes da Cruz, com a garantia de quatro e meio por cento em relação ao custo quilométrico de 25.990$000 réis, sendo por carta de lei de 24 de Outubro desse ano aprovado definitivamente o contrato (524). Entretanto, os chicaneiros políticos – os adversários políticos de Abílio Beça, que os teve grandes e de cotação mental e social, principalmente no distrito – aproveitam estas demoras para intrigar, espalhando na imprensa que tudo estava gorado. Ao constarem tais notícias, a indignação em Bragança foi enorme; o comércio fecha as portas em sinal de protesto, e no

e 16 de Maio de 1884; O Brigantino de 25 de Dezembro de 1889; Gazeta de Bragança de 8, 15 e 29 de Março, 26 de Abril e 24 de Maio de 1896, onde se apontam e transcrevem os artigos de propaganda que iam saindo no Primeiro de Janeiro, Correio da Manhã, Novidades, Diário Popular, Correio Nacional, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e outras folhas de influência na opinião pública. (521) PAÇÔ-VIEIRA, Conde de – Caminhos-de-Ferro Portugueses, p. 213. (522) Ibidem, p. 214 e 215. (523) Ibidem, p. 215. (524) Ibidem, p. 217. O teor do contrato pode ver-se no Diário do Governo de 14 de Novembro de 1901 e 12 de Junho de 1902.

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dia seguinte, 24 de Abril de 1902, reune-se um comício no Teatro Camões, presidido pelo Dr. José Marcelino de Sá Vargas, a que concorreu tudo, sem distinção de partidos. (Era bem tempo de se unirem para o bem comum os que tanto se tinham abocanhado, na faina mesquinha de se contrariarem, supondo-se desprestigiados pelos melhoramentos conseguidos pelos adversários, e de se convencerem que os benefícios feitos a Bragança não danificavam as outras terras do distrito). Falaram no comício, além do presidente, os Doutores António Augusto Gonçalves Braga, Ernesto Faria, Abel Aníbal de Azevedo e Francisco do Patrocínio Felgueiras; mandaram-se telegramas de protesto, pediu-se a intervenção do rei, rainha, ministros e outros que podiam interferir no caso. A Câmara Municipal, reunida em sessão extraordinária, representou ao governo no mesmo sentido e Abílio Beça, então Governador Civil de Bragança, partiu para Lisboa resolvido a trazer o caminho-de-ferro ou a sua demissão do cargo. Veio a aprovação do contrato provisório daquele, feita na sessão na Câmara dos Deputados de 28 de Abril e na dos Pares de 2 de Maio de 1902. Era relator do projecto José de Madureira Beça, deputado por Bragança. A notícia da aprovação causou na cidade delirante entusiasmo: os bragançanos felicitavam-se, abraçando-se mutuamente; os edifícios públicos foram iluminados; os vivas aos cooperadores do vital melhoramento retumbavam por toda a parte, sendo ao mesmo tempo seus nomes aclamados freneticamente pela multidão. A ovação com que Bragança recebeu no dia 12 de Maio o seu Governador Civil, Abílio Beça, foi indescritível; revestiu proporções de triunfo romano. É conveniente não esquecer, fazendo justiça a todos, que também na sessão de 24 de Abril de 1902, Alberto Charula, deputado pelo círculo de Bragança, quando mais tristes corriam as coisas atinentes à nossa via férrea, pronunciou em sua defesa um discurso «brilhantemente tratado» (525). Ainda depois de conseguida a aprovação da nossa linha férrea, ela ficaria por construir se o génio empreendedor de João Lopes da Cruz, estimulado constantemente por José Beça, que lhe aplanava as dificuldades maiores, não a ampara. A propósito diz Paçô-Vieira: «Foram enormes as dificuldades encontradas pelo concessionário João Lopes da Cruz, para angariar capital, apesar das diligências suas e do engenheiro José de Madureira Beça, feitas em Portugal e no estrangeiro... A linha de Mirandela a Bragança não teria encontrado concorrentes, se não fossem as porfiadas diligências do malogrado engenheiro José de Madureira Beça, que de corpo e alma se votou à tarefa de dotar a sua província com o melhoramento mais impor-

(525) Distrito de Bragança de 2 de Maio de 1902.

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tante a que podia aspirar... A linha de Mirandela a Bragança encontrou concorrentes mercê da devoção cívica e da fé inabalável dos promotores deste melhoramento» (526). Estas dificuldades deram em resultado ser prorrogado o início do prazo para a construção, que era de três meses, por mais outros três, por despacho de 7 de Janeiro de 1903, e novamente por mais seis em 20 de Março seguinte, a fim de João Lopes da Cruz encontrar recursos financeiros. A 30 de Junho de 1903 foi o arrematante autorizado a trespassar a concessão para a Companhia Nacional de Caminhos-de-Ferro, o que teve lugar a 23 de Setembro seguinte, por termo público, ficando ele com a empreitada geral e «fez a acertada escolha do conceituado engenheiro Manuel Francisco da Costa Serrão para dirigir os trabalhos» (527). A 20 de Julho de 1903 fez-se com grande solenidade a inauguração dos trabalhos em Bragança, com assistência do bispo diocesano D. José Alves de Mariz, que benzeu a primeira pedra, Governador Civil Abílio Beça, que alfim recobrava alento, vendo o bom êxito das suas canseiras de tantos anos, corporação capitular, corpos administrativos e judiciais, guarnição militar e imenso povo da cidade e circunvizinhanças (528). A 1 de Dezembro de 1906 estava pronta a estrada e foi às doze horas e meia desse dia que chegou a Bragança o primeiro comboio inaugural, recebido com delirante entusiasmo (529). Cinquenta anos e alguns dias levou a chegar o comboio de Lisboa a Bragança, pois foi a 28 de Outubro de 1856 que naquela cidade se ouviu pela primeira vez o silvo da locomotiva. As estações da via férrea são: Bragança, Mosca, Rebordãos, Sortes, Roças, Salsas, Sendas, Azibo, Macedo de Cavaleiros, Grijó de Vale Benfeito, Cortiços, Romeu, Avantos (apeadeiro), Carvalhais e Mirandela [136]. Os triunfos empolgantes não resultam de passos cautelosos, regulamentados a prudência, mas sim da audácia genial dos Aníbais, fulgurante como o raio. Fazem sempre vítimas, como todas as conquistas do progresso humano. A via férrea bragançana vitimou, aniquilou financeiramente o concessionário João Lopes da Cruz, bem como Serrão, engenheiro-director dos trabalhos, que o quis amparar (530), e, para mais avultar a memória grandiosa

(526) PAÇÔ-VIEIRA, Conde de – Caminhos-de-Ferro..., p. 217, 192 e 419. (527) Ibidem, p. 219. (528) Gazeta de Bragança de 26 de Julho de 1903. Ver tomo VII, p. 618, destas Memórias, onde publicámos a respectiva acta com os nomes que a assinaram. (529) O Nordeste de 29 de Novembro e 6 de Dezembro de 1906. (530) GALVÃO, João Alexandre Lopes – Elogio histórico do engenheiro Francisco Manuel da Costa Serrão. «Revista da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses» (1929), p. 202 e seg.

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de Abílio Beça, como os heróis da lenda grega, deu-lhe morte trágica, esmagando-o a 27 de Abril de 1910 na estação de Salsas (531)! Bragança reconheceu alfim quanto devia a tão prestante varão e, em gesto nobre, resgatando a guerra que lhe moveu, o erro de não unir fileiras nessa energia superior, ergueu-lhe, por subscrição pública, um busto em bronze na avenida em frente da estação do caminho-de-ferro de Bragança inaugurado solenemente a 1 de Dezembro de 1929 (532). Muitíssimas vezes se disse na imprensa que os homens do sul do distrito de Bragança – Dr. Álvaro de Mendonça Machado de Araújo, Dr. Eduardo José Coelho, ministro de Estado, e Dr. Teixeira de Sousa, ministro e presidente de ministros – todos ex-governadores civis do mesmo distrito, onde hauriram a influência política que os prestigiou, levados por mesquinhas concepções de fomento económico local se desinteressaram ou mesmo contrariaram o nosso caminho-de-ferro, e, para confirmação, lembram casos similares, vindos já de outras eras, sucedidos com outros seus conterrâneos. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: todavia, convém lembrar que Teixeira de Sousa combateu energicamente a linha do Pocinho a Miranda do Douro, porque queria construída «a da Régua a Chaves, pela qual ele se interessava muito, para assegurar a Vidago comunicações fáceis». «A província não pode com três caminhos-de-ferro!», era o pitoresco aforismo com que justificava a sua oposição, que o Conde de Paçô-Vieira logrou vencer com tacto e perseverança» (533).

DO POCINHO E MIRANDA Os notáveis jazigos ferríferos de Reboredo, junto a Moncorvo, certamente explorados no dia não muito distante em que se exauram os de Bilbau na Galiza; as famosas pedreiras de mármore e alabastro de Santo Adrião, perto do Vimioso, além de outras minas no planalto entre o Douro e Sabor, junto à importância agrícola da região, impunham a construção da via férrea entre o Pocinho e Miranda [137], a qual, como vimos, já em 1888 entrava no plano de Emídio Navarro e fora estudada, atentas as circunstâncias acima mencionadas, para via larga, pelo engenheiro Luciano Simões de Carvalho (534).

(531) Ver tomo VI, p. 727, e tomo VII, p. 41 e 616, destas Memórias. (532) Ver o que a tal respeito dissemos no tomo VII, p. 616, destas Memórias. (533) SOUSA, Engenheiro Fernando de, A Voz de 18 de Maio de 1927. Esta afirmação tem valor especial, por ser feita por quem nas nossas vias férreas desempenha cargo de grande destaque. (534) PAÇÔ-VIEIRA, Conde de – Caminhos-de-Ferro..., p. 122 e 124.

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Pela proposta de lei do ministro das Obras Públicas, Conde de Paçô-Vieira, de 24 de Abril de 1903, para a construção das linhas complementares, e lei de 1 de Julho do mesmo ano, pôde proceder-se ao estudo desta linha. A comissão técnica de 1898 também propôs que esta linha fosse de via larga, mas a Comissão Superior de Guerra não concordou com o estabelecimento de novas ligações de via larga com a rede espanhola, e por isso o Conselho de Obras Públicas resolveu que o troço do Pocinho a Carviçais fosse de via larga, para evitar a baldeação dos minérios do Reboredo, e desde Carviçais a Miranda de via reduzida. Esta resolução serviu de base ao decreto da classificação de 15 de Fevereiro de 1900. Mas posteriormente, por se julgar que a baldeação do minério era trabalho relativamente pouco dispendioso e facilmente se faria na estação do Pocinho, adoptou-se a via reduzida para toda a linha. Por decreto de 21 de Fevereiro de 1901 foi posta a concurso a construção da ponte do Pocinho, que seria paga com o produto das passagens durante dez anos e uma anuidade complementar durante o mesmo período. Não teve concorrentes. Por decreto de 5 de Dezembro de 1901 abriu-se novo concurso sob outras bases, que se realizou em 30 de Maio de 1902. Apareceu uma proposta, mas foi julgada inaceitável, e em portaria de 1 de Dezembro de 1902 determinou-se que a Companhia dos Caminhos de Ferro contratasse com a Empresa Industrial Portuguesa a construção da ponte. Em portaria de 9 de Março de 1903 o ministro das Obras Públicas, Conde de Paçô-Vieira, mandou elaborar o projecto da linha do Pocinho a Miranda para via reduzida, cuja área é de cerca de cento e vinte quilómetros, e por carta de lei de 1 de Julho do mesmo ano foi autorizada a sua construção por conta do Estado, em lanços sucessivos. Em 15 de Novembro de 1903 realizou-se a inauguração solene dos trabalhos para a construção da ponte do Pocinho, da qual o projecto definitivo só foi aprovado em 8 de Outubro de 1904. Sobre a construção desta ponte houve grandes divergências, que podem ver-se no livro que temos seguido (535), optando uns porque se deixasse com resistência bastante para via larga, caso algum dia esta tivesse de se construir por razão do transporte dos minérios de Reboredo, e outros que não era necessária tal despesa, porquanto o minério, sendo de todas as cargas a de mais fácil baldeação e de mais a mais descendente, como aí era, facilmente se baldearia na estação do Pocinho, ficando os vagões daquele num plano mais elevado, de modo que, pelo só impulso da gravidade se despejassem nos da linha do Douro.

(535) Ibidem, p. 123 e seg.

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A ponte concluiu-se em 1909, sendo inaugurada em Julho desse ano. O seu custo foi de 223.000$000 réis. Em portaria de 20 de Junho de 1904 mandou-se proceder à construção do primeiro lanço da linha compreendido entre a estação do Pocinho e Moncorvo, na extensão de doze mil duzentos e quarenta metros, orçado em 166.322$000 réis, sem contar o material circulante, o que dá 13.600$000 réis no lanço mais difícil (536), devendo importar este primeiro lanço e a ponte em 400.000$000 réis (537). A linha assim construída por troços vai levar imenso tempo, e por isso muito tarde ouvirá Miranda o silvo da locomotiva. Faltou-lhe a dedicação fanática de um homem como Abílio Beça, para acelerar a sua conclusão, conquanto alguns fizessem nesse sentido (538), bem como Lopes Navarro e Alberto Charula, juntos aos muitos de António Joaquim Ferreira Margarido, representantes de alguns círculos do distrito de Bragança em várias legislaturas, não esquecendo os de Augusto Lima e ainda os do malogrado engenheiro José de Madureira Beça, que, socorrendo-se da imprensa, advogou primeiro do que ninguém em O Brigantino, em uma série de notáveis artigos, a urgência dessa construção (539). O livro intitulado A propaganda sobre o Caminho-de-Ferro do Pocinho a Miranda do Douro, Porto, 1902, 8° de 130 p., representa um muito louvável esforço pecuniário de Augusto Lima e do intelectual Dr. Carlos Alves, no sentido do título indicado. É a coordenação de vários artigos de propaganda, que o segundo espalhou em diversos jornais do país, o que muito concorreu para inclinar a opinião pública no sentido daquele melhoramento. O lanço do Pocinho, Moncorvo e Carviçais (trinta e quatro quilómetros) foi aberto à circulação em 17 de Novembro de 1911. Custou cerca de 362.000$000 réis. O lanço de Carviçais a Bruçó foi aprovado em 29 de Fevereiro de 1908 e o projecto do lanço seguinte de Bruçó a Brunhosinho em 31 de Dezembro de 1910 (540). A linha ainda hoje (Agosto de 1933) só chega ao Mogadouro, mas continuam os trabalhos, já muito adiantados, em direcção a Miranda do Douro.

(536) Ibidem, p. 142. Sobre o caminho-de-ferro do Pocinho a Miranda, ver: O Nordeste de 2 de Julho de 1902 e seg.; Gazeta de Bragança de 3, 10 e 19 de Março de 1901, 23 de Fevereiro, 8 de Junho e 12 de Outubro de 1902, 19 de Abril, 19 de Julho, 9 e 16 de Agosto, 15, 22 e 29 de Novembro de 1903. (537) PAÇÔ-VIEIRA, Conde de – Caminhos-de-Ferro..., p. 410. (538) Gazeta de Bragança de 20 de Dezembro de 1903. (539) Ibidem. Veja-se O Brigantino de 18 de Abril de 1889 e seguintes, onde vêm os brilhantes artigos de José Beça. (540) A Época de 26 de Abril de 1923.

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VIAÇÃO AÉREA Como a aeronáutica será a viação do futuro, é justo dizermos que foi às seis horas e dez minutos do dia 31 de Julho de 1922 que pela primeira vez voou sobre Bragança um aeroplano. Breguet era o nome desse aeroplano, tripulado pelo capitão-aviador Sarmento de Beires, tenente Carlos Piçarra e sargento-ajudante Gouveia. Viera de Lisboa, com autorização do governo, para abrilhantar as festas de Santa Bárbara, celebradas em Macedo de Cavaleiros nos três dias anteriores – era este um dos números do programa em ordem à atracção de forasteiros, que a comissão das festas conseguiu obter. Para recolher ao campo de aviação da Amadora, em Lisboa, saiu de Macedo de Cavaleiros às cinco horas e trinta minutos do dia 3 de Agosto de 1922 e chegou a Lisboa às oito e vinte desse dia. De Macedo de Cavaleiros a Lisboa em três horas menos dez minutos!!! Já fica dito que pelos anos de 1846 tardava o correio em ir e vir de Lisboa a Bragança doze dias, o que envolvia já certo progresso, porque anos antes demorava trinta dias. Com a vinda do comboio em 1906 chegou a fazer-se esse percurso de ida e volta em três dias. Com a vulgarização dos automóveis, ainda se fez em menos, e agora em três horas menos dez minutos!!! O que reservará o futuro aos que viverem?! A aeronáutica, pondo de parte as tentativas da antiguidade, que chegaram até nós nas sínteses lendárias da fábula concretizada em Ícaro e outros, começou a 9 de Agosto de 1709 com o invento do célebre padre português nascido no Brasil, Bartolomeu Lourenço de Gusmão, entrou no verdadeiro caminho da sua aplicação consciente em 1898 com as experiências de Santos Dumont, também brasileiro, e tornou-se prática na Grande Guerra (1914-1918). O primeiro automóvel que apareceu em Bragança foi o do tenente-coronel de infantaria Alberto José Vergueiro, natural de Gebelim (541), pelos anos de 1904, que casou nesta cidade e morreu em Lisboa a 5 de Julho de 1908, deixando o seu nome vincado ao notável aperfeiçoamento que introduziu na arma do exército Mauser-Vergueiro. O primeiro bragançano que na cidade andou de bicicleta foi o capelão-militar e senador Padre António Augusto Teixeira, natural de Lebução, mas criado e residente nesta cidade, pelos anos de 1886. A primeira carta de Bragança para Lisboa por via aérea foi levada pelo tenente Sérgio da Silva em 31 de Agosto de 1925, que juntamente com o seu camarada aviador Cunha e Almeida vieram em avião, de Lisboa a Bragança,

(541) Ver tomo VI, p. 412, e tomo VII, p. 590, destas Memórias.

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abrilhantar as festas da Senhora das Graças. Era uma carta particular do enviado especial da Época (Dr. Manuel Múrias), que, como colaborador desse jornal, o informava acerca das festas. A primeira carta que de Bragança transitou pelo distrito em aeronave foi mandada pelo Dr. Raul Manuel Teixeira para Vinhais ao senhor Manuel Teixeira, tio do capelão Padre António Augusto Teixeira, pelos mesmos aviadores a 6 de Setembro de 1926, que segunda vez voltaram a honrar as festas da Senhora das Graças. NÚMERO DE QUILÓMETROS DE ESTRADAS A MACADAME NO DISTRITO DE B RAGANÇA EM 1933 Locais de Passagens

Bragança a Vinhais (Estrada n° 4 – 1a) .................................................. Bragança a Vinhais a Rebordelo (Idem, idem) ..................................... Bragança a Vinhais a Landelo ................................................................ Bragança a Izeda (Estrada n° 23 – 2a) .................................................... Bragança a Fronteira por Rabal, França e Portelo (Estrada n° 5 – 1a) Bragança a Puebla de Sanábria ............................................................... Bragança ao Parâmio por Vila Nova, Carragosa, Cova da Lua e Vilarinho ............................................................................................... Bragança a Vimioso (Estrada n° 4 – 1a) ................................................ Bragança a Alfaião ................................................................................... Bragança a Torre de Dona Chama (Estrada n° 10 – 2a) ...................... Bragança a Torre de Dona Chama à Bouça .......................................... Bragança a Torre de Dona Chama a Mirandela (Estrada n° 16 – 2a) . Bragança a Ramal desta estrada em Vila Nova das Patas para CabaBragança a nelas ................................................................................... Bragança a (Estrada n° 5 – 1a) a Macedo de Cavaleiros (Estrada n° 26 Bragança a – 2a) .................................................................................... Bragança a Macedo (Estrada n° 26 – 2a) a Alfândega da Fé (Estrada Bragança a n° 22 – 2a) .......................................................................... Bragança a Mogadouro a Miranda (Estrada n° 26 – 2a) passando Bragança a por Variz, Brunhosinho, Sandim, Fonte Aldeia, Duas Bragança a Igrejas e Cércio ................................................................. Bragança a Mogadouro a Azinhoso .......................................................

Quilómetros

832,017 823,077 815,042 840,000 820,479 (542) 835,047 817,521 (543) 830,068 885,000 851,054 (544) 811,021 (545) 823,016 889,058 841,096 843,037

850,010 885,080

(542) Andava na construção final de 1860. (543) Iniciou-se a sua construção em 1880. (544) A parte entre a Portela do Zoio e a Edrosa andava em construção, em 1896. (545) Andava em construção em 1896.

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Locais de Passagens

Quilómetros a

Bragança a Alfândega da Fé (Estrada n° 22 – 2 ) a Moncorvo (EsBragança a trada n° 9 – 1a) .................................................................. Bragança a Mirandela (Estrada n° 16 – 2a) ........................................... Bragança a Mirandela ao Franco (Estrada n° 5 – 1a) ........................... Bragança a Desta, na devida altura, a Suçães ........................................ Bragança a Desta, na devida altura a Avidagos ..................................... Bragança a Desta, na devida altura a Vilarinho .................................... Bragança a Mirandela a Vila Flor (Estrada n° 16 – 2a) ........................ Bragança a Desta de Mirandela a Vila Flor, na devida altura, a Vale Bragança a de Telhas ........................................................................... Bragança a De Vila Flor à Junqueira, onde encontra na de Alfândega Bragança a da Fé (Estrada n° 9 – 1a) .................................................. Bragança a Da Junqueira a Moncorvo .................................................. Bragança a Moncorvo ao Pocinho (Estrada n° 9 – 1a) ......................... Bragança a De Vila Flor a Carrazeda de Ansiães .................................. Bragança a De Carrazeda de Ansiães à estação do Tua na via férrea .. Bragança à Ponte Internacional de Quintanilha (pela Estrada nacional n° 4 – 1a) ......................................................................................... Bragança a Alcañices (Espanha) ............................................................. Bragança a De Alcañices a Zamora ........................................................ Bragança a Vila Real (Estrada nacional n° 3 – 1a) ................................ Bragança a Chaves ................................................................................... Bragança a Porto ..................................................................................... Bragança a Coimbra ................................................................................ Bragança a Lisboa ....................................................................................

834,065 866,558 819,082 880,342 884,084 814,036 825,029 889,056 811,046 815,060 810,090 820,000 820,000 831,026 853,026 860,000 156,000 (546) 890,000 254,000 381,000 601,000

O Diário do Governo de 18 de Setembro de 1874 traz a relação das despesas feitas com a construção das estradas, e para o distrito de Bragança aponta as seguintes: De Vila Real a Bragança, começada em 14-1-1854 .............................. Ponte de Alvites, começada em 29-2-1864 ........................................... Ponte de Carvalhais, começada em 16-4-1864 ..................................... Ponte de Mirandela ................................................................................. Ponte de Rebordãos, começada em 11-5-1857 .....................................

333.271$524 4.131$180 17.226$115 827$280 1.937$150

(546) Nesta e nas quatro seguintes, a distância é colhida na tabuleta que está na Ponte Internacional de Quintanilha. O Portugal Antigo e Moderno, vol. 11, p. 1000, artigo «Vila Real», dá as distâncias com algumas diferenças, mas devem ser menos exactas em face das fontes oficiais por nós seguidas.

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CAMINHOS-DE-FERRO | ETNOGRAFIA

TOMO IX

Esta despesa ainda não é a definitiva, como se vê pelo Diário do Governo de 9 de Dezembro de 1875. O mesmo Diário de 22 de Novembro de 1882, 12 de Setembro de 1883 e 12 de Março de 1901 traz a lista das estradas construídas nos diversos distritos do país até cada um desses anos. Número de quilómetros de via férrea no mesmo distrito, com as distâncias à capital: Quilómetros

De Lisboa ao Porto ................................................................................. Do Porto à do Tua ................................................................................... Da estação do Tua a Mirandela .............................................................. Da estação do Tua à Barca de Alva ........................................................ Da estação do Tua ao Pocinho ............................................................... Do Pocinho a Moncorvo ........................................................................ De Moncorvo ao Mogadouro ................................................................ De Mirandela a Bragança ....................................................................... De Macedo a Bragança ...........................................................................

337 140 54 60 32 13 61 80 51

ETNOGRAFIA Ver os artigos Feiticeiras, Funerais, Mouras encantadas, Forais e Freio das mulheres. Não podemos demorar-nos a dar uma definição de etnografia, etnologia e folclore, visto os mestres hesitarem ainda (547). Basta saber-se que é um importantíssimo ramo subsidiário da História e abrange o estudo das lendas, contos, tradições, provérbios, apodos, canções, danças, festas, folguedos e usanças, peculiares a uma região, povo ou melhor grupo étnico. «Com o estudo das nossas tradições pelos forais, romanceiros e nobiliários – diz Teófilo Braga – raiou-nos uma luz nova: o que parecia rudeza, o documento de um estado social extinto, ou de uma raça; o que parecia imagem sem sentido, era um símbolo foraleiro do período hispano-germânico, conservado nos costumes pela persistência do elemento moçárabe; o que se afigurava um erro gramatical, era um arcaísmo de linguagem; o que parecia um fragmento obliterado, era um episódio abreviado de uma gesta carlíngia ou de uma novela asturiana. Assim compreendemos as tradições populares» (548). O que chamamos superstições, ninharias no conceito dos analfabetos letrados, são uma mina de ensinamentos que devemos ao povo, grande

(547) CHAVES, Luís – Portugal Além, 1932, p. 13. (548) BRAGA, Teófilo – História da Literatura Portuguesa, p. 366.

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ETNOGRAFIA

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mestre na criação da língua e da literatura. São os farrapos de uma teologia historiada em rico tapete, que se submergiu, conservando-nos apenas o povo os fachos culminantes dessa Atlântide. CARÁCTER E COSTUMES DOS NOSSOS ANTEPASSADOS Tucídides diz que eram os espanhóis incontestavelmente os mais belicosos dos bárbaros. Deodoro Sículo considera como superior tanto a cavalaria como a infantaria espanhola, assim na força para os combates como na tolerância para os incómodos da guerra. Justino memora como intrépidos os ânimos espanhóis na morte e nos perigos militares. Sílio Itálico, referindo-se especialmente aos galegos, diz que tinham indigno de homens quanto não era manejo de armas de combate. Estrabão chama aos galegos – bellacissimi et subjugati difficilimi – belicosos em extremo e difíceis de vencer. Tito Lívio tem-nos por gente fera e belicosa. E noutra parte afirma que são os mais aptos de quantos tem o mundo para reparar as ruínas da guerra, tanto pela oportunidade dos sítios quanto pelo génio e engenho dos naturais. Dionísio Afro chama magnânimos aos espanhóis; Tíbulo, atrevidos; Lúcio Floro, guerreiros, nobres em armas e varões fortes e mestres de Aníbal na profissão militar. Célio Rodigínio diz que é próprio dos espanhóis desprezar a vida quando lhe falta o uso das armas. Guichardino afirma que as experiências do seu tempo mostravam que o valor espanhol, principalmente o da infantaria, correspondia exactamente à antiga fama da gente e que ninguém excedia em competência para sítios de praças fortes. Filipe Cluverio constata que, não em um ou outro século, mas sempre e em todos os tempos, foi Espanha fecundíssima na produção de espíritos marciais. Julgamos desnecessário advertir que estes elogios, por se referirem a Espanha romana, tanto tocam ao que hoje chamamos Portugal como Espanha e que quanto havia do Douro para cima pertencia à província de Galiza. De quanto o clima de Galiza é propício para a concepção diz Diego Torres falando das mulheres: Cinco e seis rapaces suelen echar de una ventegrada, siendo la que pare menos por esteril repudiada. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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ETNOGRAFIA

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Sílio Itálico, poeta andaluz, que viveu em Roma, no seu poema De bello punico, descreve magistralmente a perícia dos metalurgistas galegos, que ofereceram ao grande Aníbal um escudo, obra prima pelos baixos-relevos de decoração histórica que representava, uma espada e uma lança. É para notar que o encargo da fabricação deste presente aos galegos fora por incumbência de toda a Espanha cartaginesa, que assim os reconheceu por superiores nesta especialidade. Já assim se explica o enorme amontuado de escórias de ferro fundido que em tanta abundância se encontram pelas montanhas do distrito de Bragança. E no livro III da mesma obra acrescenta o seguinte, que damos na bela tradução de Manuel Murguia na sua História de Galicia: Galicia ia en frutos la em metales rica, la muy sabedora de las divinanzas agueros auspicios y sacras usanzas, granados mancebos á lá guerra aplica. En las jubiladas su A-LA-LÁH repiten (549), com trobas estrañas y en lengua materna com danza animada y á compás alterna; de cetra sonora los golpes compiten. Agiles ya baten con eI pie la tierra, ya los aires hienden armonicas voces, ya pulsan gailardos al par que feroces los gratos arneses en paz como en guerra. Los que a tribus muelles trabajos prolijos á estos naturales juegos y placeres le son, su descanso gustosos deberes le son passatiempos dulces regocijos. Las hembras rollizas campestres tareas arrostram penosas, la siembra el arado: la casada muere sen haberle dado un dia de huelgo las nupciales teas. Los hombres reputam el valor empaña o que es de disidiá señal y pereza otra arte cualquier que no se endereza al sangriento Marte y á la hostil campaña.

(549) Ululantem é a palavra de Sílio ltálico, que Murguia verteu em A-la-láh.

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ETNOGRAFIA

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Ainda hoje a aldeã bragançana lavra e moureja nos mais pesados trabalhos agrícolas, e, vinda a noite, na monda dos trigos, debulha dos cereais, vindima e outros serviços, dança incansável ao som do pandeiro, das castanholas, da gaita de fole ou mesmo só do canto. Estrabão, no livro III, cap. 22°, diz: Gallecos omnino esse atheos, hic est, sine Deo proditur, isto é: não têm ídolos. Mais acrescenta: que todos os montanheses que habitam o norte da Espanha – galegos, astures, cântabros até aos vascões e o pirenéu – vivem da mesma maneira, com idênticos costumes. E assim, diz ele, estes povos alimentam-se em dois períodos do ano com bolota, secando-a, moendo-a e fazendo pão da farinha. Fazem bebida de cevada, pois têm pouco vinho (550), e esse pouco, logo que se prepara, consomem-no imediatamente em convites com os parentes. Usam de manteiga em lugar de azeite. Comem sentados, dispostos, para esse fim, em assentos nas paredes. (Os romanos comiam deitados). A idade e a dignidade têm os primeiros lugares. Enquanto se serve a bebida, bailam ao som da gaita e da flauta. Vestem todos de preto, com saios que lhe servem também de cama, lançando-os sobre enxergões de ervas. Têm vasos de cera como os celtas e as mulheres usam de roupas floridas ou de cor de rosa. Em lugar de moeda, trocam as coisas umas por outras ou usam lâminas de prata não cunhadas, que cortam de barras em bruto. Os condenados à morte são precipitados das rochas e os parricidas são cobertos de pedras fora dos seus termos e rios (551). Casam à maneira dos gregos (552). Põem, como os egípcios, os doentes fora das casas, para tomar conselho com os transeuntes que hajam padecido idêntica moléstia. Até ao tempo de Bruto usavam barcas de couro: agora têm algumas de troncos de árvores. A rusticidade e fereza de seus costumes provém não só das guerras, mas também de viverem apartados da outra gente.

(550) O imperador Domiciano, segundo diz Suetónio, vendo a abundância de vinho e a falta de cereais, mandou que na Itália ninguém plantasse vinhas e que metade das plantadas nas províncias – Espanha, Gália e outras – se arrancassem. O imperador Probo aboliu esta lei. (551) Do costume de lançar pedras sobre os cadáveres, conjectura Frei Bernardo de Brito, Monarquia Lusitana, tomo 1, livro 2°, cap. 31°, que talvez teriam princípio os montes chamados fiéis de Deus, levantados nos lugares ermos. Ver Elucidário de Viterbo, artigo «Fiéis de Deus». (552) Ver em Cantu, Horácio ou Fortunato.

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Lavam-se com crinas que deixam apodrecer nas cisternas, os homens e mulheres limpam com elas os dentes. Adoram um deus desconhecido nos plenilúnios, dançando em frente das casas toda a noite. As mulheres lavram os campos, e quando dão à luz os filhos fazem deitar os maridos e elas os servem. De uma erva semelhante ao apio (que parece ser o napelo ou o mata-lobos) extraem um veneno activíssimo que mata sem dor, e têm-no sempre a mão para o usar em qualquer adversidade. (Floro diz que o veneno é extraído da árvore chamada teixo). Acaso seria extraído de uma e outra. Parecem-se aos celtas, aos da Trácia e da Sicília (553). Parte destes costumes ainda hoje subsistem. As bolotas, tanto do carvalho e azinheiro como do castanheiro, entram por muito na alimentação. Adiante diremos das folganças por ocasião do vinho novo. A manteiga de porco, chamada pingue, e a de vaca, primam ainda sobre o azeite. A indumentária preta e os vestidos garridos nas mulheres continuam em plena florescência. Nos lugares ermos, onde alguém foi assasinado, em breve as pedras que os transeuntes lá lançam cobrem a cruz que a piedade lá ergueu. A mulher continua arando e cultivando os campos como há mil anos, e se não curam os maridos no parto bem o podiam fazer, pois de algumas eu sei que, mal acabam de dar à luz, continuam na faina doméstica, como se nada fosse. Quanto aos bailes e danças, bastarão estes dois documentos, o segundo dos quais pertence ao Museu Regional de Bragança: «Em 1622 os jesuítas celebraram pomposamente, em diversas cidades do continente e das Ilhas, a canonização de S. Francisco Xavier. Em Bragança, na praça, junto à igreja, houve um desafio muito festejado entre a folia de Vila Real e de Bragança, sobre qual tinha melhores vozes e pandeiros, tambor mais destro e melhores peças de dança e música. Os juízes do certamen dividiram as opiniões, dando o prémio a Bragança na destreza e arte do tambor e a Vila Real pelas vozes e pandeiro. Em outras cidades efectuaram-se lutas idênticas» (554). «Ex.mo Sr. Dizem Venancio Lopez, e Manoel Rodrigues e toda a mocidade do lugar de Avelleda; que naquela freguesia he costume celebrar-se a festa do Santissimo Sacramento, no Domingo da Santissima Trindade, e querendo os suplicantes que seja celebrada com toda a pompa e decencia

(553) Estrabão. In FLOREZ – Espanha Sagrada, tomo 24, p. 144. Memórias da Literatura Portuguesa, tomo 1, p. 24. Estrabão, cap. III. (554) VITERBO, Sousa, O Instituto (1918), p. 591.

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possivel como o tem feito mais annos, e não tendo a mordomia liquido para as despezas em razão de quererem que haja sermão e porcição e na porcição dança; pertendem de V. Ex.cia licença para trabalharem trez ou coatro dias santos para as ditas despezas; por isso pedem a V. Ex.cia Ex.mo Sr. Vigário Capitular e Governador do Bispado se digne conceder-lhe a licença para todo o expressado» (555). No verso do mesmo documento vem o despacho favorável do Vigário Capitular, datado de Bragança a 20 de Abril de 1839. Mostra também este documento que a Dança dos palitos, hoje peculiar à região de Miranda do Douro, era antigamente uma dança sacra, que fazia parte do culto e se usava em terras de Bragança, como temos ouvido a pessoas velhas. Durante a feitura do vinho novo, os homens percorrem de noite as ruas do povoado cantando e tocando ao som da gaita, tambor, ferrinhos e guitarras; pincham nos carros que encontram, trancam as ruas com quantos paus e traves encontram e principalmente as fontes, como para indicar que a água se não deve beber (556). Ao mesmo tempo, as mulheres reúnem-se em volta da fogueira que acendem na rua e fiam o linho, e por isso se dizem fiadeiros estes actos, em que estão constantemente cantando, rindo, folgando e a espaços tocando pandeiro e bailando [138]. A 11 de Novembro, dia de São Martinho, cristianização do Baco pagão, festejam em Soeira o santo, que é seu orago. Terminada a função religiosa e o jantar, organiza-se o cortejo báquico, composto de mulheres e homens, que andam à guisa de procissão de adega em adega, de taberna em taberna, onde cada um é obrigado a beber seu copo, isto dia e noite até que vão caindo uns aqui, outros acolá, e o que mais resistir sem tombar é proclamado «Juiz», honra que beberrões famosos vêm de longe disputar com o afã com que outros trabalham pela conquista de títulos heráldicos, diplomas académicos, cívicos, filantrópicos e mavórticos. [Honras] que eles desprezam, nós amamos Nem direi quais de nós nos enganamos. como se diz no Caramurú. – Muito bebes! – dizíamos nós há anos a um quidam.

(555) Mais de uma pessoa que presenciou esta dança nos disse ser a dos Pauliteiros. (556) Em O Homem que ri, de Vítor Hugo, vol. 3°, cap. 4°, p. 12, fala-se em divertimentos idênticos.

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– Bebo – confirmou ele – e tenciono ir a Soeira disputar o juizado, mas ainda me não julgo suficientemente treinado, apesar de já botar uma remeia (seis litros) de um só trago e quatro por dia. Em Paradela de Monforte de Rio Livre, hoje concelho de Chaves, vimos, nos anos em que paroquiámos a freguesia de Mairos (1889-1896), um devoto que no dia de São Martinho jungia ao carro os bois carregados de dezenas de campainhas, coleiras vistosas e outros ornatos e, sob um dossel de festões de hera e vide com colgaduras de cabaças, borrachas, pichéis e outros vasicalhos vináceos, assentado em pipas, percorria, com outros companheiros, seis povoações vizinhas à cata de sócios para a eleição de juiz da borracheira. Era triunfalmente galhofeira a entrada do carro, assim engrinaldado, nas povoações e delirantes os risos aplausivos do povo e os vivas ao juiz dos comparsas do veículo. Em Castrelos, concelho de Bragança, não há Festa dos rapazes, como as adiante mencionadas, mas no entrudo sobem os moços a um cabeço a casar os indivíduos da povoação, dizendo dichotes em verso e causticando ligações amorosas menos morais (557). Também na mesma povoação e na próxima de Portela, na última noite do ano, os homens entram pelas casas adentro dos vizinhos, arrombando portas e janelas, se for preciso, para dar três nalgadas com a mão ou chinela nas nalgas das mulheres, mesmo que estejam deitadas na cama, a fim de andarem espertas durante o ano, dizem eles. «A gente que habita a província de Trás-os-Montes é, pela maior parte, robusta e corpulenta, as pessoas nobres são dotadas de grande primor e brio, muito valentes e honradas; aptas para a guerra e têm grande exercício de ginete e brida, em que fazem sumptuosas festas. São muito devotas da igreja e veneram com devoção a seus ministros, conservam as amizades e com os estranhos são atenciosos. As mulheres nobres têm grande recolhimento; as outras ajudam a cultivar as terras a seus maridos e às vezes mais trabalham elas que eles; enfim, diz o abade João Salgado de Araújo que não se sabe desta província vício algum nativo dela. Servem de epítome das suas grandezas estas oitavas: Es Tras los Montes la porcion segunda De heroicas pobliciones adornada, Donde Miranda episcopal se funda Sobre peñascos bien encastillada. Del rei Brigo Bragança hija segunda De la Inez bela, como desdichada. Talamo, en llano delicioso brilla De esclarecidos duques alta silla. (557) Adiante, no artigo Casamento, voltamos ao assunto.

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Entre otras vilas sale floresciente La Torre de Moncorvo; la apacible Vila Flor: Mirandela con gran puente; Belica Chaves. Vila Real plausible, Freixo de Espadacinta muy valiente, Alfandega da Fé apacible Mascareñas en frutos deliciosa Fertil Chacin, y en su trato generosa» (558). Os trasmontanos, diz Castro, «são corpulentos, robustos e mui aptos para a guerra, porque são valentes e cobiçosos de honra» (559). O trasmontano, diz Deusdado, é «robusto e inteligente, habita num clima seco e rigoroso, com paisagem vasta, florestas de carvalhos e castanheiros gigantes, com largos horizontes. É agricultor» (560). «Os moradores de Trás-os-Montes são notáveis pela sua proverbial boa-fé, simplicidade de costumes, afêrro a seus antigos usos e modo de pensar. São no geral fisicamente bem apessoados, e como tais os melhores soldados de cavalaria do exército. A extrema riqueza vinhateira, de seda, gados, linho e frutos em que abunda a sua província os compensa da sua frigidez» (561). «Sendo eu mesmo da província de Trás-os-Montes, diz Sá, não posso dar uma ideia exacta dela, porque no tempo em que com as luzes da observação podia examiná-la habitei fora dela. Há falta de correspondentes exactos; nem mesmo dos lavradores se pode tirar uma perfeita descrição, porque a sua ignorância e servidão lhes faz crer que semelhantes averiguações ou são para lhes impor novos tributos ou para de algum modo os vexar. E querendo saber isto dos rendeiros, a sua avareza o impede, porque supõem que isto é para lhes fazer oposição nas comendas e rendas que trazem. Os trasmontanos têm vivacidade natural, são robustos e exercitam-se na caça. O seu génio particular não é o das letras. De todas as províncias de Portugal é a que tem menos gente na Universidade, mas isto é devido à pobreza de seus habitantes, que não podem suportar os gastos necessários para o caminho das letras. Os mesmos nobres não inclinam seus filhos para os estudos, mas naturalmente os inclinam para as armas [139]. «A gente trasmontana é muito supersticiosa, apegados com excesso as opiniões de seus maiores, abusadíssimos, indóceis, muito pertinazes em

(558) CASTRO, João Baptista de – Mapa de Portugal antigo e moderno, 2a edição, 1762, tomo 1, parte 1, cap. 5. (559) CASTRO, João Baptista de – Roteiro Terrestre de Portugal, 4a edição, 1809, p. 156. (560) DEUSDADO, Manuel Ferreira – Corografia de Portugal Ilustrada, p. 15. (561) CÂMARA, Paulo Perestrelo – Dicionário Geográfico, 2° vol., p. 175.

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deixar as preocupações com que têm vivido, ainda que aliás estas os tenham miseravelmente deteriorado. São muito fáceis à persuasão de coisas sobrenaturais. Crêem prodígios, encantos, feitiçarias, etc. Isto é tão universal, que apenas há terra onde não creiam, há mouras encantadas, tesouros escondidos, que só por magia podem tirar-se, e infinitas outras fábulas assim. O modo de vestir nas cidades e vilas consideráveis é polido e vestem à moda da corte; porém usam muito do capote; é este o maior luxo e tem-se aumentado há poucos anos. Muita gente em Bragança se lembra de serem caríssimas as fivelas e espadins de prata, e os vestidos eram principalmente de baeta preta. As casas são muito pobres, de todo o reino são os morgados de menos rendimento. Em Bragança não há uma casa que faça de seus rendimentos quatro mil cruzados. E os que têm de fundo cinquenta mil cruzados, que são muito poucos, se reputam homens muito ricos; daqui se segue a causa de se tratarem ainda os homens nobres com muito pequena equipagem, sem librés, sem cavalos. Pode dizer-se que os militares são os que entretêm o maior luxo da província. As mulheres escondem-se muito dos homens, principalmente em Bragança; não falam senão às pessoas muito chegadas em parentesco, de sorte que entre casas amicíssimas as senhoras não se comunicam com os homens. Não aparecem nas janelas. Escondem-se muito atrás de rótulas apertadíssimas, que abrem para olhar muito pouco e com muita cautela, e se os homens, vendo-as, não se retiram, são reputadas desonestas. A gente do campo é muito impolida e ignorante, a maior parte não sabe ler; são muito pobres; não colhem algum pão para si, não obstante trabalharem todo o ano. Nalgumas aldeias não trazem sapatos, nem botas, usam de uma pele a que chamam abarcas. Isto muito principalmente se observa junto à raia de Castela, como em Montesinho, Cova de Lua, Petisqueira, Guadramil, etc., onde os lavradores são muito pobres, estúpidos e ignorantes. De noite não se alumiam com azeite, e quando necessitam de luz usam de paus secos. Para as mulheres fazerem de noite serão, fazem uma finta para o azeite e se juntam só numa casa a que dão o nome de fiadeiro. Indústria, excepto a do fabrico da seda, que é considerável, não há outra de natureza alguma, não obstante haver comodidades para isso e muita abundância de matérias e muita necessidade que há das mesmas manufacturas. Os lavradores são extremamente ociosos: no tempo que lhes resta de trabalhar a terra não se ocupam mais que em viver no descanso: não sabem ofícios, nem os pretendem aprender. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Havendo bastantes lãs na província, não há uma só fábrica de panos: vendem-na para fora, servindo-se depois dos mesmos panos, dando aos outros o ganho que eles podiam lucrar se fossem industriais. As cidades e vilas experimentam faltas notáveis de carvão e lenha. Não há uma fábrica de louça vidrada, não obstante haver excelentes argilas e barros, que podiam facilitá-la. Não fazem mais que quartos e panelas, comprando aos castelhanos o resto da louça, deteriorando-se a si e ao reino na extracção do dinheiro para fora, e o mesmo dos vidros, que também compram aos castelhanos, advertindo que em muitas partes, em que há abundância de lenha, se podiam construir excelentes fábricas de vidros como em alguns vales de Barroso, Terra de Lomba, etc. A província é militar; a tropa gasta muito ferro; contudo não há uma só fábrica dele, havendo minas consideráveis e riquíssimas, que a natureza pôs em montes abundantíssimos de lenha, como no monte de Montesinho e em outras partes, em que muitos sinais e escórias mostram o grande trabalho que os antigos tiveram neles. Deste descuido tem a província tudo a perder, porque de Espanha vem o ferro para a tropa, pregos e panelas. Havendo abundância de cascas de carvalho e sobro, não há uma só fábrica de atanados, advertindo que há muitos couros; mas todos os que se gastam e os bezerros vêm de fora da província. Sucede muitas vezes no Verão não levarem os rios bastante água para moerem as azenhas; falta o pão, de sorte que se reparte por justiça; contudo não há um só moinho de vento. Numa palavra: faltam as artes de primeira necessidade; os homens são contumazes em se desabusarem e ainda aquelas coisas que são facílimas e de muito interesse não as querem seguir, por não se apartarem do costume de seus maiores. As artes que usam estão numa suma imperfeição por falta de instrumentos e métodos. Observo na Ribeira da Nau os dois homens serrarem o pau mais grosso do Brasil. Em Trás-os-Montes, choupos, pinhos e outras madeiras deste género ocupam quatro homens, por não serem boas as serras. A terra é muito natural para a produção de batatas, delas se sustenta muita gente e o alqueire se vende ordinariamente a 60 e 80 réis e o mesmo as castanhas. Em todo o Barroso e Miranda e terra de Bragança não colhem feijão, nem fava, comem muito pão seco e em sopas. Há muitos que comem oito e dez arráteis de pão por dia» (562) [140].

(562) SÁ, José António de – Memória Académica da província de Trás-os-Montes, manuscrito in 4°, sem paginação, constante de trinta e quatro capítulos e um mapa das principais produções do concelho de Chaves. O autor morreu em Lisboa em 1819. Dele falámos largamente nos tomos VI e VII, destas Memórias. O exemplar que vimos deste manuscrito estava em Bragança em poder do Dr. Joaquim Guilherme Cardoso de Sá, neto do autor.

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APODOS POPULARES É bem sabida a importância dos dictérios e cancioneiro popular como elementos de estudo etnográfico. Pelo geral, a gente do povo, que se limita ao cultivo da terra na área restrita da sua aldeia, convivendo apenas com as circunvizinhas, poucos apodos conhece além dos destas e apresenta-os a esmo, sem preocupações de rima, em quadras, embora estas nada mais contenham do que os apodos correntes nas diversas povoações. No entanto, a forma em quadras encontra-se com relativa frequência na boca de capadores, amolachins, peneireiros, rozaireiros, tendeiros, ceifeiros, alfaiates, sapateiros, latoeiros, peliqueiros, pedreiros e outros por este teor, que andam de terra em terra exercendo a sua actividade industrial. Sempre que nos foi possível, aproveitamos a versão desta gente, pois, como fica dito, é a mesma do povo posta em quadras [141]. Concelho de Alfândega da Fé Carapuças em Agrobom, No Castelo cagados, Em Alfândega da Fé marmelos E em Valverde pelados. Laregos de Santa Justa, Nos Cerejais malapeiros. Percevejos na Ferradosa E em Gebelim carvoeiros. Calças largas na Gouveia (563) Barrocos em Felgueiras, Doutores em Parada E na Eucísia feiticeiras. Lagartos no Pombal Em Picões piconheiros, Amarelos em Sendim da Ribeira E nos Colmeais torgueiros. Gabarristas do Sardão, Na Saldonha batateiros (564), Ceguetas em Sendim da Serra E na Cabreira caceteiros. (563) Irritam-se com este apodo. (564) Outra variante diz: descansadinhos.

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Cardadores de Sambade (565), Em Covelas soqueiros Mimosinhos em Vale Pereiro E em Vila Nova zaragateiros. Borrachos em Vilar Chão (566), Em Soeima padeiros, Caras altas em Vilarelhos, Nos Vilares da Vilariça ceboleiros. Aldrabões na Legoínha E nos Vales Soreiros. Concelho de Bragança Fidalgos de Carragosa, Malhadores de Montesinho (567) Carvoeiros de Soutelo (568) E cavadores de Vilarinho (569). Cucos de Terroso, Orelhudos de Espinhosela (570); Carunheiros de Oleiros, Caga-tascas de Portela. Cerejeiros de Donai, Os de Vila Nova salseiros; Cevados de Carrazedo, Em Nogueira ceboleiros E no Zoio carvoeiros. Caborcados de Labiados (571), Esperta-bois de Vale de Lamas, Os de França são coelheiros; Fonte Seca os de Sacoias E os de Varge carvoeiros. (565) Outra variante diz: batateiro. (566) Outra variante diz: bêbados. (567) Freguesia de França. Outra variante diz: cheira a raposa. (568) É Soutelo da Gamoeda. (569) Vilarinho de Cova da Lua. (570) Outra variante diz: valentões. (571) Outra variante diz: toca-le as funfas.

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Cadelos de Meixedo, Assoalhados de Baçal (572); Carvoeiros de Aveleda (573) E passa-pontes de Rabal. Louvados de Gostei, Vassoureiros de São Pedro; Telheiros do Castro, Caroços de Carocedo E mundaneiras de Viduedo (574). Subiotes são de Sortes, Burra-queda na Sarzeda; Capadeiras em Rebordãos (575), E tranca-portas de Izeda. São burra branca em Castanheira (576) Laregos os de Paçó; Bugalhudos em Santa Comba, Cevados os de Grijó E os de Vila Boa (577) bilhó. Laregos em Alimonde, E também em Freixedelo; Carvoeiros de Serapicos, Ervoeiras (578) de Portelo. Burros brancos de Faílde, Pucareiros de Pinela; Escaravelhos de Calvelhe, Resmungões de Caravela.

(572) Outra variante diz: escalda pobres, e ainda capa caldos. (573) Outra variante diz: pica burros, e ainda gorretas. (574) O apodo emprega outra palavra equivalente, mas mais dura. (575) Outra variante diz: Rebordões, atavões. (576) Outra variante diz: Águas frias em Nogueira Boa avó em Castanheira. (577) É Vila Boa de Carçãosinho. (578) A palavra é outra mais brava.

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Chedes de Coelhoso, Cucos da Paradinha (579); Arraiocos de Paredes Pica-peixes de Quintanilha (580). Desateta bezerros de Outeiro (581) Gorretas de Milhão; Calouros de Babe (582), Lagartos de Alfaião. Moscardos de Palácios, Estoura-jugos de São Julião (583): Arraiolos da Refega, Quebra-cornais de Deilão (584). Os medeiros são de Samil, Os mudos de São Pedro; As raparigas de Faílde E os rapazes de Carocedo (585). Pinela, cai-le a panela, Paredes, bem o vedes: Parada não dá nada (586), Rebordãos, atavãos, Pica-bois de Viduedo, Boa gente a de Moredo. A fome gerou-se em Sendas. Foi baptizar a Paçó; Morrer a Paredes E enterrar a Grijó. (579) Outra variante diz: atavões. (580) Outra variante diz: calças pretas. (581) Outra variante diz: regateiras de Outeiro. (582) Outra variante diz: bazófas ou mazófias. (583) Outra variante diz: carvoeiros. (584) Outra variante diz: carvoeiros, e ainda burrancos. (585) Outra variante diz: Bons medeiros tem Samil, Boas medas São Pedro E boas moças Carocedo. (586) Outra variante diz: Em Parada te veja eu minha filha, mas não sem merenda.

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Concelho de Carrazeda de Ansiães Leirões do Seixo, Na Carrazeda, chanatos; Besteiros de bestas E na Lavandeira lagartos (587). No Amedo, fidalgos de três pedras, No Arnal, pateiros; Ratos na Beira Grande E na Ribalonga chaleiros. Pandeiretas em Linhares. Em Vilarinho pimpões; Na Coleja ortigas E no Pinhal ortigões (588). Esfola-vacas em Selores, Na Fonte Longa batateiros, Em Zedes cassapos (589) E cucos nos Pereiros. Em Campelo afinados, Na Carrapatosa tresloucados e no Pombal rodados. Freixo Mulher vária em Fornos e Carviçais, Em Tó cavouqueiros (590); Albardeiros em Mazouco, Felgar e Larinho cantareiros. Os de Freixo são peneireiros, Os de Poiares queijeiros (591); E bem se sabe que os de Urros São sempre casmurros (592). (587) Outra variante diz: bioqueiros. (588) Outra variante diz: sapos. (589) Cassapo, diminutivo de sapo [142]. (590) Demandistas e casqueiros, dizem outras variantes; e ainda: as meninas são de Tó. (591) Outra variante diz: caloteiros. (592) Burros, diz outra variante.

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Freixo e Moncorvo Peneireiros de Freixo, Catoilos de Poiares; Periqueiros de Mourão E em Ligares... aos pares. Morcegos na Adeganha Em Fornos batateiros; Judeus na Lagoaça E na Açoreira pepineiros. Lagartos de Cardanha, Em Cabeça Boa chulanos; Lapouços de Carviçais E no Castedo castelhanos. Pardais nos Estevais, No Peredo pedranos; Pançudos na Junqueira E em Cabeça de Mouro chulanos. Ranzeiros na Horta, No Felgar pucareiros; Labregos na Lousa E em Felgueiras carvoeiros. Pratas os de Maçores, No Larinho ceboleiros; Cucos são os de Mós (593) E os de Moncorvo latoeiros. Peito largo os de Urros, No Souto moleiros; Catralvos de Vide E na Fonte Fria batateiros. Macedo Sacolas em Cedães, Nos Cortiços Caneleiros: Repolhos em Mirandela E em Carrapatas arranheiros. (593) Outra variante diz: barrigas negras.

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Zorros em Bornes Em Vale de Lobos fraguiceiros; Perautas no Lombo E no Quadraçal sobreiros. Gagos nos Olmos, Cebolas em Chacim: As cabras são de Malta E os chibos de Gebelim. Ladeiras da Burga, Bons bois em Macedo; Trabalhadores de Vale de Prados, Sedosos de Pinhovelo. Espingardeiros de Morais, Laregos de Talhinhas; Azeiteiros de Lagoa E queijeiros de Vinhas. A fome nasceu em Sendas, Foi baptizada em Vila Franca: O pai era de Macedo E a mãe de Travanca. Daqui foi para Carrapatas, Assistiu em Grijó; Achou-se doente em Paredes E foi morrer a Paçó.

Outra variante diz: Foi casar a Faílde, Assistir a Paçó; Achou-se doente em Carrapatas E foi morrer a Grijó. Não havia cura no Vilar, Deu um grande tombo; Passou pelos Olmos E foram enterrá-la ao Lombo. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Concelho de Mirandela Paniegos da Bouça (594) Em Vale das Fontes torgueiros; Lavradores nas Aguieiras E em Carvalhais pucareiros. Cucos em São Pedro Velho Na Fradizela fouceiros; Ciganos em Vale de Salgueiro E em Valbom figaxeiros. Engomadinhos de Miradezes. Em Paradela escaravelhos: Canraxos em Cabanelas E em Vila Boa coelheiros. Bêbados de Barcel (595) Em São Silvestre bodegueiros: Retraídos de Valverde, Na Bronceda costiceiros. Ricalhões de São Pedro de Vale de Conde Em Golfeiras taberneiros; Fidalgos na Fonte da Urze, Nos Paços torgueiros, Em Mirandela narros-latoeiros. Estorninhos de Marmelos Na Póvoa peixeirinhos; Maleitosos de Pai Torto E nos Eivados leiteirinhos. Escrivães de Suçães, Os de Abreiro são grilinhos: Escudeiros nas Lamas E em Milhais mochinhos. Estoura-jugos da Palorca No Rego de Vide sumagreiros; Elgue-perna da Sobreira E no Cobro azeiteiros. (594) Outra variante diz: laregos. (595) Outra variante diz: peixeiros.

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Rompe-meleiros do Carvalhal, No Navalho caloteiros; Beija-cus dos Porrais no Franco soqueiros (596). Gaiteiros do Regodeiro, Em Pereira telheiros: Boubelos de Alvites (597) E nos Avidagos costaneiros. Nos Avantos são aranhões, Barbas em Chelas, Cucos nas Pousadas E escaravelhos em Paradela. Os de Frechas são peixeiros, No Navalho pelados; Borrachos na Freixeda E beldroegas em Vale de Prados. Malucos em São Salvador. Em Vale de Juncal doutores: Borrachos em Contins E na Longra matadores. Concelho do Mogadouro Vindo da Senhora do Nazo Com a minha gaita e bordão, A ponteira estava dizendo Que eram e ainda são: Travanca, burra branca, Três botões ó calcanhar; Cerram portas e postigos Quando vão p’ra jantar (598). Os de Gregos são mondegos, Também sabem mondregar Os de Granja são granjeiros Também sabem granjear. (596) Outra variante diz: matadores. (597) Outra variante diz: lagartos. (598) Outra variante diz: (ver primeira nota da p. 255):

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255 TOMO IX

Burriqueiros de Atenor, Tecelões de Prado Gatão; Carreteiros de Fonte Aldeia Jogadores de Carção. Uva, Mora e Fonte Ladrão, Três povos eram e três povos são: juntos os três não fazem um bom. Os malteses são das Quintas. Os de Valverde cigarristas; Os zanzombam de Castelo Branco, E os dos Estevais fadistas. Remondes pernas de engonzes, Brunhoso azeiteiros; Terolelos de Soutelo (599) E os de Paradela ceboleiros (600). Gabarristas de Penas Róias, Nabos da Castanheira: Pisoeiros do Peso E labregos da Figueira.

Travanca, burra branca, Três botões ó calcanhar; Cerram portas e postigos Para não dar de jantar. Outra diz: Travanca, burra branca, Três botões ó calcanhar; Coitadinhos dos de Gregos Que lhos vão a desatar: Cerram portas e postigos Quando vão para jantar. Conta-se que quando comem colocam o mantimento dentro de uma gaveta. Se durante a refeição alguém bate à porta, ao mesmo tempo que dizem «Entre, quem é», fecham a gaveta e ficam muito frescos para nada oferecerem. (599) Outra variante diz: homens fortes. (600) Outra variante diz: gorras.

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TOMO IX

Caixeiros de São Pelaio, Gaiteiricos de Viduedo; Borrachões de Vila de Ala, E cinteiros de Macedo. Serranos de São Tiago, Descalços de Vila dos Sinos; Pitos de Paçó E delindós de São Martinho. Carneireiros de Sanhoane, Valentões de Azinhoso; Pucareiros da Bemposta. Tigelinhas de Lamoso E chascos de Avelanoso. Basófias de Vale da Madre (601) Diabos da Castanheira; Sardiotes de Variz, Malucos da Figueira (602). Aguazileiros de Zava, Bolhaqueiros de Brunhosinho; Nabinheiros da Vilariça, Judeus de Vilarinho. Os pimentões são de Urrós, Os de Meirinhos chicheiros (603); Vermelhinhos de Sendim E os de Vale de Porco soqueiros (604). Concelho de Vila Flor Doutores os de Benlhevai (605), Os de Vila Flor são sopeiros, Caturras na Trindade E em Róios ceboleiros. (601) Outra variante diz: perna gorda, e também bolhaqueiros, jogadores de bolhacas. (602) Tamborileiros, diz outra variante. (603) Capadores, idem, idem. (604) Papudos, idem, idem. (605) Outra variante diz: torgueiros.

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257 TOMO IX

Fura-pipas os de Vale Frechoso (606), Os de Macedinho são ratos, Ovelhas em Assares E no Nabo estripa-gatos. Baetas os de Sampaio, Os de Valbom são piteiros Pelões os de Freixiel E em Santa Comba coimeiros (607). Mata-burros os de Carvalho d’Ega (608), Os do Seixo são manhosos, Carneiros os de Lodões E os de Candoso são raposos. Foiceiros de Samões, Os da Ribeirinha enguias (609). Taligueiros em Vilas Boas, E os de Mourão tripas vazias. Cagarolas os de Meireles. Os do Arco são bicheiros, Bogas os de Vilarinho E os de Vale Torno batateiros. Concelhos de Vimioso e Miranda (610) Os alhos são da Matela, As panelas de Avinhó: Os cucos da Paradinha E os bubélos (611) de Paçó. Surradores de Argozelo (612), Curtidores de Carção; (606) Outra variante diz: carvoeiros. (607) Outra variante diz: ceboleiros. (608) Outra variante diz: chicheiros. (609) Outra variante diz: lagartos. (610) Albino J. de Morais Ferreira no seu Dialecto Mirandês, 1898, p. 40, deu muitos apodos dos concelhos de Miranda e Mogadouro. (611) Poupa. (612) Outra variante diz: peliqueiros.

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TOMO IX

Tendeiros do Campo Bugalhudos de Santulhão (613). Bailarotes de Vale de Frades, Surradores de Carção; Quem quiser a boa gente Vá por ela a Santulhão. Carvoeiros de Vale de Pena, Batoteiros de Carção; Quem quiser a drouderia (614) Ao lugar de Santulhão. Os alhos de Matela, As porretas da Junqueira; Os grilos de São Martinho E os nabiceiros da Teixeira. Todas as de Malhadas, Fumadores de Algoso; Rabequeiros de Cércio, E ladrões do Vimioso. Caçarelhos já foi vila, Miranda nobre cidade; Vimioso ladroeira Como toda a gente sabe. São Martinho das tigelas. Constantim dos pucarinhos; Cicouro das moças guapas E também dos valentinhos. Chocalheiros de Picote (615), Afoga-santos de Palaçoulo (616); Mata-Cristos da Póvoa (617), Espadachins do Mogadouro. (613) Outra variante diz: os bons homens de Santulhão. (614) A palavra é outra menos arcaica. (615) Cucos e tamborileiros dizem outras variantes. (616) Caramónicos diz outra variante. Ver nos «Apodos irritantes». (617) Ver nos «Apodos irritantes».

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259 TOMO IX

Concelho de Vinhais Pela-cães de São Jomil, Fraguiceiros de Ferreiros; Esfola-gatos do Vilar, Os de Edral são merendeiros. Justiceiros do Brito, Na Cisterna onzeneiros: Porcos piscos de Amanso E os de Vilarinho mamoteiros. Quebra-nozes de Sendim, No Pinheiro coelheiros: Bailarotes da Gestosa E os de Paços furagateiros. Estoura-jugos de Tresmonte, Os de Seixas malfeitores; Serra-cancelas de Vilar Seco. Os de Quiraz lavradores. Estripa-vogas de Cernande, Judeus de Rebordelo (618); Saias altas de Frades E balfurinheiros de Nuzedo sub Castelo. Incha-botos das Carvalhas, Na Moimenta sardinheiros; Landedo, nem gato nem pelo, Os de Montouto carvoeiros. Perna linda de Cerdedo, Nos Casares justiceiros: Vilarinho não é nada, E matadores na Quadra. Morcegos de Paço (619), Os de Vila Verde madronheiros; Tagarantes de Prada (620), Os de Soeira são rabeiros. (618) Outra variante diz: farturas. (619) Cucos, diz outra variante. (620) Calouros, idem, idem.

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TOMO IX

Carrasqueiros de Fresulfe, Os de Santa Cruz raposos: Torgueiros da Travanca E os de Edroso mocosos. Figacheiros de Nunes, Os de Vila Boa gougueiros (621); Passatempo os de Romariz E os de Vale de Fontes torgueiros. APODOS IRRITANTES E EPIGRAMÁTICOS Nesta lista omitimos alguns de carácter cornígero, coprológico e mundaneiro, por serem demasiado livres e principalmente porque são filhos da maledicência e não têm curso geral popular. Em várias terras de Portugal encontram-se também apodos irritantes. Assim, em Assequins [Águeda], vila do Douro [Litoral], não se pode perguntar pelos ossos de Pilatos; nem em Aguiar, concelho de Viana do Alentejo, quantas horas são; nem em Aguiar da Beira falar na Cabricanca ou no Escurrupicha, e muito menos em Alcobaça, vila da Estremadura, perguntar pela argola da carroagem da rainha (622). Em Sarzedas, perto de Coimbra, não se pode perguntar se já vieram os órgãos; nem em Mortágua, também nas proximidades de Coimbra, se já veio o juiz de fora. Também em Valongo não se pode perguntar pela cadeira do padre Veríssimo (creio que era este o nome; se foi outro, ignoro-o). Aboá, concelho de Vinhais. Aboá, pouca terra e essa má; mas tomaramo-la nós cá, dizem os das Caroceiras. Agrobom. Os desta localidade, no concelho de Alfândega da Fé, são apodados de Carapuças, porque dizem haver-lhe deixado a morte a sua quando morreu e vibram insultando quando tal se lhe recorda. Arcas. Onde são as vinhas que tão bom vinho dão? Arcas e Nozelos, Vilarinho de Agrochão. Todas estas povoações ficam no concelho de Macedo de Cavaleiros. Aveleda, concelho de Bragança. De Aveleda nem bom vento, nem bom casamento. O mesmo se diz da Açoreira, concelho de Moncorvo, e de Prada e Lomba, concelho de Vinhais. Este ditado tem similares já nos tempos primitivos. De Nazaré não vem coisa boa, diziam os judeus, segundo escreve a Biblia (623) a propósito de Cristo. (621) Bilhós, diz outra variante. (622) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigos «Assequins», «Aguiar da Beira» e «Alcobaça». (623) São João, 1-46.

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261 TOMO IX

De Castela, nem bom vento, nem bom casamento. De Burgos não vem coisa boa. De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento. De l’Auvergne ne vient ni bon vin, ni bon vent, ni bon argent, ni bonnes gens. D’Angleterre, ne vient ni bon vent ni bonne guerre (624). Os de Arcos de Valdevez dizem: nunca de Braga veio bom tempo nem de Coura bom casamento (625). Baçal, concelho de Bragança. Para em Baçal ser ano de pão, não deve correr o Caborco antes do São Romão. O dia de São Romão é a 9 de Agosto, mas em Baçal festejam-no a 18 de Novembro. O Caborco é uma linha de água que entra na povoação a nascente e só tem curso quando chove; ora, como Baçal é muito plano, chovendo muito antes do São Romão não se fazem bem as sementeiras, por se encharcarem as terras devido ao seu pequeno declive, de onde o ditado. Campo de Víboras. Os motivos de admiração para o campozino (habitante do Campo de Víboras, concelho do Vimioso), são quatro a saber: 1° – Andarem os peixes na água e não se afogarem. 2° – Andarem as aves no ar e não caírem. 3° – Terem as mulheres a barriga rota e não lhe caírem as tripas. 4° – Apertar o ânus sem colchete. Outros dizem que estas são as quatro verdades do campozino. Carção, concelho de Vimioso. Bem-aventurados são os que não têm contas com os de Argozelo e Carção. Como em Carção e quase em todas as povoações do distrito de Bragança as pessoas são conhecidas mais pela nomeada ou alcunha imposta pela má-língua popular do que pelo nome de baptismo, diz-se que no dia da festa do orago o juiz do povo, ao dar as insígnias para os cargos a desempenhar na procissão, os chamou na igreja em voz alta pela seguinte forma: – Cinco-Réis e Tripas, Pêlos e Cardas: Venham cá para cima para pegarem as santas baralhas do Pálio. – Cinco-Réis não está cá, disse a mulher deste. – Então venha Pixangas na sua vaga, tornou o juiz. – Pixangas não vai, declarou a mulher; só o tendes para as faltas. Carçãozinho. Nesta povoação do concelho de Bragança não se pode tocar o sino sem risco de maus-tratos. Facto idêntico se dá em Fonte Ladrão. Carrazeda de Ansiães, esfola gatos e mata cães. Castro Vicente. Antiga vila, hoje incorporada no concelho de Alfândega da Fé. Castro Vicente: ruim vila e pior gente. (624) O Arqueólogo Português, vol. 11, p. 345. (625) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Zézere». PEIXOTO, Rocha, Ilustração Trasmontana (1908), p. 75.

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TOMO IX

Cércio. Dos de Cércio diz-se que o cura anunciou os dias santos desta forma: segunda e terça dois dias são; quarta e quinta jejuarão; sexta e sábado comerão carne; no domingo venham cedo que há-de ser a missa tarde, andará a igreja em volta dos santos, cada morto levará quatro homens. E na quinta-feira ide ao Cabeço do Seixo, se virdes os de Vale de Mira a lavrar é dia santo de guarda, se não é deifemado. Lá no fundo do povo, há no cimo de um negrilho uma porca com onze gorriões, todos são machos, só o verrão é fêmea; ide arrecudue-os. Chelas. Os de Chelas são apodados de barbas, e maltratam a quem lhes diz: dá cá as barbas. Corre que a origem veio de uma mulher do povo que dava barbas aos homens que as não tinham, sendo por isso muito venerada, presenteada e procurada pelos homens de Chelas. Ervideiro. A gente do Ervideiro, concelho de Mirandela, trata mal aos que lhe gritam: à gateira, à gateira. Especiosa. Os desta povoação repontam ao apodo desfolhados, que lhe aplicam, o qual proveio, segundo dizem, do seguinte: como não têm rio, uma vez que foram moer ao rio Angueira, maravilhados de verem girar a pedra ao redor sem ninguém a impelir, todos a beijaram, convencidos de que era milagre de Deus para ocorrer às suas necessidades moageiras. No regresso, olhando uns para os outros e vendo os lábios a escorrer sangue, fizeram preces à «Senhora Russa que a todos escaramuça». Eucísia. As mulheres da Eucísia, concelho de Alfândega da Fé, irritam-se e maltratam quem, passando no povo, falar em trovisco ou levar um ramo desta planta. Segundo a lenda, o corregedor da comarca ou um cónego bracarense, visitador da diocese por ordem do Arcebispo, chegando à Eucísia, fiou-se demasiado no saboroso vinho local e apanhou tal carraspana, que, deitando-se na cama, apareceu na estrebaria junto do cavalo. Para justificar o sucesso, atribuiu-o às feiticeiras, mandando por isso buscar ramos daquela planta para as afugentar, no que, segundo a crença popular, é eficaz. Daqui o dizer-se que as mulheres da Eucísia são feiticeiras, e como o trovisco é o antídoto delas, passaram a ver nos portadores da planta uma alusão vilipendiosa, de onde vem o apodo. Fonte Ladrão. Nesta povoação do concelho de Miranda do Douro não se pode tocar a sineta da capela sem correr perigo de maus-tratos. Formil, concelho de Bragança. Mau ano, que bom ano, quatro no escano, mas sendo de Formil, mil. É assim como temos ouvido; mas na povoação e freguesia (Gostei) dizem: «Mau ano, que bom ano, quatro no escano, e sendo de Formil, cinco». O caber mais um, é devido a serem muito unidos, dizem eles; mas parece que a primeira lição é a legítima e alude à pequena estatura dos moradores. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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263 TOMO IX

Genísio. Os habitantes desta povoação, no concelho de Miranda do Douro, são apopados de Grupeludos e vibram insultando quem lho aplica. Segundo a lenda, viram a poupa, e, reunidos todos à voz do regedor ou homem do acórdão, foram em reverência à Virgem da Crupeluda, assim chamaram à ave, estendendo lençóis e teias de linho para que se dignasse pousar e vir para a igreja da povoação; porém, a ave afastou-se e, voando para alto negrilho, cantou: bu, bu, bu, que os genisienses traduziram aflitos: À Virgem da Crupeluda, não somos dignos de vós! Chamai-nos burros, burros, burros, e nós que le somos [143]. Izeda, concelho de Bragança. É que sois mais que os de Izeda. Diz-se de indivíduos que, aproveitando qualquer circunstância, se juntam a outros e, de gorra ou de borla, entram nas casas do próximo a fim de ir comendo. Guadramil. Troçam deste povo, atribuindo-lhe as seguintes anedotas, pronunciadas na linguagem guadramilês [144]: Pretos, brancos e barrigones. Dizem os da povoação vizinha de Deilão que, quando lá vão à festa, os recebem por este teor: Mirai, sentade-vos. Queredes dou pan? Cochilo no lo tenemos; o calagouço ’stá na roça; o pudon ’stá na pôda e smordelar no lo smordeleis, porque parece mal. Se vos queredes quedar, ide-vos; daqui ao Santo inda chegades cum sol; do Santo à Lagonota (626) o salto duna pulga e da Lagonota a Deilão um domine laire. Dizem que tinham só um par de sapatos, comprados à custa do povo [145], para calçar aquele que era mandado a terra estranha em serviço da povoação; no mais ou andavam descalços ou de abarcas, de onde o dizer um ao esmurrar numa topada o dedo do pé: antes aí, do que no sapato do povo, pois tinha de o consertar à sua custa, e o dedo lá iria curando com o tempo. Certo dia, mandaram um a Bragança levar o dinheiro das contribuições, então ainda reunido pelas povoações, e no caminho encontrou um meirinho em diligência para aqueles sítios e disse-lhe: – Aposto que já dibades pelo dinheiro da décima. – É verdade, volveu-lhe aquele. – Pois bem; o dinheiro aqui lo traigo; eis de me lo levar para Bregança, mas tendes de me passar una cherigata (recibo). – Sabes ler? – perguntou-lhe o meirinho. – Não. – Melhor – volveu aquele. Aqui está a cherigata. Os de Guadramil pagam bem, Mas não sabem a quem: Quem deve a João e paga a Andrés Bom será que pague outra vez. (626) Santo e Lagonota são sítios do termo entre Guadramil e Deilão.

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TOMO IX

Linhares, concelho de Carrazeda de Ansiães. De Linhares, se não levas nome tu o trarás. Os de Campo de Víboras, concelho do Vimioso, têm a mesma tendência para pôr nomeadas. Lomba, extinto concelho, hoje incorporado no de Vinhais. De Lomba, nem bom vento, nem bom casamento, dizem os de Vinhais, ao que eles contestam: de terra de Vinhais, se ruins burros, piores atafais. Ver os artigos Aveleda e Miranda do Douro. Malhadas. Nesta povoação do concelho de Miranda do Douro não se pode dizer: todas, todicas, sem correr perigo de maus tratos. No tomo IV, p. 642, destas Memórias explicamos a origem do apodo, que se completa: todas as de Malhadas, umas paridas, outras prinhadas, e ainda de forma mais irritante [146]. Marzagão, concelho de Carrazeda de Ansiães. De Marzagão nem boa moça nem bom cão. Mazouco. Os moradores deste povo são apodados de cortesias. Dizem que num lauto jantar deixaram apenas por cortesia uma azeitona no fundo de um prato, se bem que reciprocamente a ofereceram uns aos outros, todos a recusando. Porém, um mais solerte apagou a luz à sucapa, julgando assim apanhá-la sem ninguém saber; mas quando meteu as mãos no prato encontrou lá as de todos os comensais. Daqui o apodo. Meixedo. Nesta povoação do concelho de Bragança não se pode assobiar como a chamar por um cão, porque espancam, apredrejam e maltratam quem o faz. É que são classificados de cadelos no apodo popular. Miranda do Douro, nove meses de Inverno e três de inferno. Se fores a Miranda, vê a Sé e anda. Miranda, mira e anda; leva o pão na manga e o vinho na borracha, que lá não se acha. Mira bem Miranda, não passes p’ra outra banda. No antigo concelho de Lomba, agora incorporado no de Vinhais, diz-se: se fores a Lomba, leva pão, que o vinho lá to dão. E no de Monforte de Rio Livre, hoje incorporado no de Chaves, dizem: se fores a Monforte, leva merenda e capote. Também dizem em Lomba que as mulas andam sete anos com a pata no ar para dar o coice que há-de matar o dono. Em terras mirandesas, ampliando a locução proverbial – o que for sonará – dizem: Meu pai tem um perrico, Que dizem lo sfolhará; De la çamara quiere fazer um pandeiro... Lo que for ele sonará. Como em terras de Miranda se colhe muito centeio, dizem dos minhotos: os do Minho calçam de pau e vestem de linho; comem pão de passarinho, bebem vinho de enforcado. Quando bebem estão chorando (porque é verde) e quando comem estão rindo (porque esgrainça a broa). MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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265 TOMO IX

Vive na lenda popular em terra de Miranda e noutras a memória de um Raposo de Malhadas, célebre para esperteza saloia, bons ditos sob aparência ingénua e valimento que tinha na alta sociedade, sem excluir pessoas reais. A lenda atribui-lhe muitas anedotas, e entre outras, esta: Estando no palácio disse ao monarca: – A’ Senhor Rei, há três dias que estou aqui e inda num vi a Senhora Reina, tenia gana de la ver; mostraeme-la. – Aguarda, Raposo, que a vou mandar apresentar. Apareceu a rainha acompanhada de suas damas, e o rei disse-lhe: – Olha, ali vem naquele grupo. O Raposo, informando-se, disse: – Que guapa ié la tagalhada! Dius la beniza, qual ié de las cinco que venem en manada? – É a do meio. – Dius la abençoe, que ben guapa ié. Ié como lá Senhora le Nazo de la mia tierra. Doutra vez, o rei pediu-lhe umas vacas da fina raça mirandesa, e, em troca, Raposo pediu-lhe o «valhico de trás de la casa» sua em Malhadas. O rei concedeu-lhe se fosse capaz de o tapar numa noite. O vale em questão, de alguns quilómetros de área, agora usufruído pelo Posto Zootécnico de Malhadas e por esta povoação, certamente era tapado pelo Raposo numa só noite com traves e madeiras que tinha preparadas, mas uma comadre deulhe pela conta, avisou o povo e este impediu a tentativa. Conta-se do mesmo Raposo que, havendo grande estiagem, foi a Miranda ter com o Senhor da Misericórdia e lhe disse: «Divino Senhor, não vos acordais de l’alqueire de serodio que vos dei l’anho passado?! Não vêdes que está tudo a secar?! Olhai que venho tão enfadado, que nem a gorra vos tiro, e se não mandais chover contae que de mia casa num lhevais grano». Diz-se que, passados instantes, choveu torrencialmente. Mirandela, mira-a bem e foge dela. Mirandela, mira além e guarte dela. Quem Mirandela mirou nela se ficou. Ver tomo VII, p. 72, destas Memórias. Sífilis de Mirandela ou mata ou pela. Mofreita. De outro género são as anedotas referentes a Mofreita. Parte das que passamos a referir são inéditas e parte variantes de outras apontadas pelo Padre Firmino Martins (627): Para ceifar o centeio usavam um banquinho como o dos calceteiros, maço e formão e, assim apetrechados, sentavam-se ao pé da palha, aplicavam-lhe o formão e sobre este a pancada com o maço. Tombada a palha, colocavam-na na gabela, passando em seguida a outra e assim sucessivamente. (627) MARTINS, Firmino A. – Folclore do concelho de Vinhais, 1928, p. 287.

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TOMO IX

Imaginem o tempo que isto levaria. Passou por ali um segador, vindo de Sanábria (Espanha), mostrou-lhe como a sua foice segava mais numa hora do que eles num mês e, convencidos, compraram-lha pelo povo, para uso de todos. Tudo correu admiravelmente até que um se cortou e desatou a gritar contra a Bicha da palha (assim lhe chamavam), acusando-a de estar danada, pois o mordera. Tocaram a rebate e todos juntos foram contra a Bicha da palha e queimaram-na, lançando fogo à faceira. Depois que o fogo consumiu tudo, foram certificar-se da morte da Bicha e lá a viram num rego, sem cabo, chamuscada, coberta de cinza; todavia, para maior segurança, deram-lhe com uma pedra, de onde resultou ricochear e cair na cabeça a um, abrindo-lhe sangue. Tudo desatou a fugir em altos berros e não mais agricultaram aquela parte do termo. Para compensar esse desfalque, sementaram sal, e como não nascia tornaram a culpa aos saltões que o comiam e apenaram guardadores à volta do povo para os matar. Andando neste serviço, saltou um gafanhoto à testa de um guarda, que imediatamente, sem pestanejar, fez imperceptivelmente sinal ao companheiro, que esborrachou com formidável cacheirada o saltão e o suporte do mesmo. Falhos assim de uma e outra cultura, resolveram dedicar-se à hortense, construindo para isso um grande tanque de cantaria lavrada, e só quando o terminaram é que exclamaram: «E agora a água?!» Esqueceram-se que não tinham água. Deliberaram então construir um grande açude no rio Tuela, e para evitar mais desastres foram consultar os vizinhos de Parâmio, onde ouviram alegoricamente que as presas se faziam com presuntos e salpicões, por serem estes os mantimentos que os artífices consomem. Voltaram satisfeitos, e, carregando para o local quanto presunto e salpicões tinham e puderam comprar, lá foram represando a água até que a animalidade carnívora devorou tudo. Escanzelados, mortos de fome, sem atinar nos meios a lançar à vida para se manter, um mais inteligente viu a imagem da lua reflectida no rio e supondo que era um queijo propôs, para a sua captação, que se agarrasse um à trave do pontão, outro aos pés deste e assim formando cordão até chegarem ao queijo. «Genial lembrança!», aplaudiram todos e começou a formar-se a bicha até que o do pontão, já fatigado, disse para os outros: «Segurai-vos, que quero cuspir nas mãos para me segurar melhor». «Pronto!», confirmaram eles. O do pontão soltou as mãos, mas tudo foi de roldão ao rio e, cheios de pasmo, não se lembraram do queijo. Saídos da água a muito custo, puseram-se a enxugar corpos e vestimentas ao clarão da lua, até que no dia seguinte, alto sol, resolveram ir para casa, mas não o puderam fazer, porque tinham juntado os pés durante a secagem e não sabiam quais os próprios de cada um. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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267 TOMO IX

Valeu-lhe um carçonista que por ali passou, a quem pediram socorro, que principiou a contar os pés, aplicando primeiro aos pares e depois aos nomes bem puxadas cacetadas, que obrigavam o dorido a dizer: «Ai!». «Está bem, dizia o carçonista, retira para lá; esse é teu». E assim deu a cada um os pés que lhe pertenciam. Também uma das causas que muito concorreu para os desgostar da cultura cerealífera foi a morte do burro que arava a terra e carregava o pão. A meio do alto fragueiro pendente sobre o rio viram um dia fresco tufo de erva brotando da fresta da penedia, e resolveram regalar com ela o jumento, descendo-o seguro pelo pescoço, com uma corda amarrada solidamente em cima. É claro que o animal, assim suspenso pelo pescoço, não comeu a erva e quando o tiraram para cima estava morto por estrangulamento. Outra causa foi a falta de velhas para apresar o moinho. Um pedreiro, que por ali passara, construíra-lhes um moinho por alto preço, para os livrar do processo que usavam tão expedito como o da ceifa do pão; mas desde que não tiveram mais que moer, não souberam pará-lo. Em vão deslocaram, esfrangalhados pela andadeira, dedos, mãos e braços, tentando pará-la; em vão lhe deram mil facadas, que a pedra ricochetou embotando-lhe as navalhas ou cortando-lhe os dedos; em vão foram lá de cruz alçada e padre à frente; em vão este, vendo que não obedecia à água benta nem aos exorcismos, chegou lá a cabeça para ver se obedecia à sua coroa sagrada, pois logo foi esmiolada pelo diabólico rodízio! Nestes aflitivos transes, sem forças no céu nem na terra que lhe valessem, é que uma velha, espreitando pelo buraco da canelha, caiu por ela abaixo e, entrapando no fundo, parou o moinho, por impedir a água de incidir sobre o rodízio. «Achamos, achamos!» exclamaram todos, mais satisfeitos que o siracusano. E na verdade estava achado o remédio, mas era custoso e triste, e por último as velhas acabaram, de onde o voltarem-se para a sementeira do sal e para a cultura leguminosa. Entretanto preparava-se outro excídio não menos pavoroso. Os ratos, acossados pela fome, invadiam as casas, atacavam os habitantes, roendo-lhes as orelhas e os pés quando dormiam. Valeu-lhes um pobre que por ali passou e lhes vendeu um gato que trazia de prevenção para se livrar das ratazanas nos palheiros onde dormia, mas esqueceram-se de lhe preguntar o que comia, e, indo no seu encalço, gritaram-lhe de longe: – O que é que come o gato? – Come do que come a gente – volveu-lhe o pobre, apressando o passo, não fossem tirar-lhe a exorbitante quantia que lhe apanhara pelo bichano. Lançaram as mãos à cabeça aflitos, porque entenderam que o gato comia a gente, e assim o disseram ao povo, que resolveu matar o animal, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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mas, como não se deixava apanhar, lançaram fogo à povoação a fim de o queimarem. Ficaram satisfeitos por se verem assim livres deste novo flagelo, embora por tão alto preço, mas quando passados dias viram o bichano vivo e muito listo ao sol em cima dos escombros do casario, a lavar a cara com as paticas, pasmaram, supondo-o a afiar os colmilhos para os devorar, largaram tudo, deitaram a fugir e foram morar para outro sítio, vendo-se ainda hoje, na encosta próxima, as ruínas do primitivo povoado. É enorme a lista das lhonas e pachouchadas [147] que se atribuem aos charros da Mofreita, todas pelo teor das antecedentes, de onde fazermos ponto, pois já basta para se julgar das demais. Mas isto são lendas idênticas a outras respeitantes a diversos povos desde a mais remota antiguidade, como vemos pelos gregos a propósito dos beócios. Os moradores da Mofreita são tão inteligentes como os mais portugueses. Na Mofreita tem havido pessoas notáveis e de valor, como apontamos nos tomos VI e VII destas Memórias. Na Beócia era a mesma coisa. Acoimavam os seus habitantes de parvos, e no entanto Hesíodo, Píndaro, Plutarco e outros dos maiores homens que teve a Grécia eram beócios. Mogadouro. Homem do Mogadouro Boi que já foi touro, Vaca de Vale da Madre E mulher de Variz, Em poucas terras diz. Mogo. Os habitantes desta povoação, no concelho de Carrazeda de Ansiães, vibram e maltratam quando se lhes faz um gesto com a mão fechada, levantando-a até à altura dos ombros. Moimenta, concelho de Vinhais. Bem-aventurados são os que não têm contas com os da Moimenta, Pinheiro, Rebordelo e Lebução. (As três primeiras povoações são no concelho de Vinhais e a última no de Chaves.) Ver o artigo Carção. Moredo. Nesta povoação do concelho de Bragança não se pode gritar: água, que arde a fonte de Moredo. Diz-se que esta aversão proveio de dois brejeiros trepados num negrilho junto a cada uma das duas fontes que tem o povoado. Assim, um gritava junto da fonte de baixo: «água, que arde a fonte», e o povo corria lá todo; mas quando já ia perto, o outro gritava: «água, que arde a fonte», e o povo corria à de cima. E assim andou o povo toda a noite em correrias de uma fonte para outra, sem atremar em qual era. Nunes, concelho de Vinhais, terra de figos. «De onde és, rapaz?» «Sou de Nunes». «Por Jesus Cristo veja se leva alguma codeazinha queimada no MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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bolso para me dar». Isto no tempo de Inverno; mas no Verão: «De onde és, rapaz?» «Sou de Nunes». «No tempo dos figos não há amigos; se quere jogar uma luta de arrebenta carvalho, a faca vai no burro» [148]. Palaçoulo. Neste povo do concelho de Miranda do Douro, não se pode dizer: ainda refunfunhegas, sem perigo de maus tratos. Segundo a lenda, deitaram São Miguel a uma poça ou lagoa do meio do povo para o obrigarem a curar uma epizootia que grassava no gado bovino, e como estava cheio de pó e caruncho, que explodia com a água, alguém disse: ainda refunfunhegas, caramonico del diabro? De onde o apodo. Como a terra de Miranda é muito seca e tem falta de águas, várias povoações têm destas lagoas, formadas por grandes depósitos de águas pluviais inverniças, para os animais beberem no estio. No artigo Feiticeiras explicámos a razão de castigarem e ameaçarem os santos para os obrigar a ouvir as súplicas que lhes dirigem. Para irritar os de Palaçoulo, basta simplesmente dizer-lhes que nas procissões fazem vénia à lagoa e até quando passam em frente dela. A lenda de lavarem os santos ou lançarem-nos à água com formalismos mais ou menos picarescos, restos deturpados de velhas liturgias desaparecidas, voga em diversos povos bragançanos. A 27 de Março iam os romanos solenemente lavar ao rio Almon a estátua da mãe dos deuses e faziam uma festa para comemorar esta cerimónia. Festa e lavagem idênticas faziam a 1 de Abril as matronas romanas à estátua de Juno (628). Em Rio de Onor, concelho de Bragança, diz-se que na véspera da festa de S. João, padroeiro da freguesia, o deitavam ao rio na represa a meio da povoação. O santo ia seguindo arrastado pela corrente, e, por chuçadas que lhe davam, os riodenorenses empurravam-no de um para outro lado, pois tocava fazer a festa ao lado para onde ficasse parado o santo. Depois quando o santo cai do açude para baixo, era acolhido pelas raparigas mais guapas do povo, que o estavam esperando de alvas toalhas de linho na mão e carinhosamente o lavavam e enxugavam, indo seguidamente colocá-lo no altar à igreja. Em Babe, concelho de Bragança, também se diz que foram cortar um carvalho ao monte para fazer um santo, e como estava em sítio ingreme, começou a rolar pela encosta abaixo, ao que um observou: txalingra, txalingra, cundanau, que santo has-de ser, ans qu’el diabro berre. Em Carviçais, concelho de Moncorvo, nas procissões a implorar chuva durante as grandes estiagens, ao passar junto de uma fonte no povo, lavam o santo com vinho, que depois é bebido pelos circunstantes. (628) MORERI – El Gran Dicionario, artigo «Fiestas».

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Em Ligares, concelho de Freixo de Espada à Cinta, quando querem chuva vão à ribeira de Mós e deitam ao regato São Tiago no meio de festas (629). Palancar. Dos desta povoação, no concelho de Miranda do Douro, diz-se: és tão esperto como os de Palancar, que venderam as vinhas para comprar um lagar. Parada, concelho de Alfândega da Fé. São doutores ou homens do código. Localizam nesta povoação a lenda de um estudante que foi formar-se e, vendo que facilmente obtinha a carta, disse ao reitor da Universidade se lhe vendia também uma carta, de formatura para o criado. «Sim senhor», respondeu ele. Satisfeitíssimo por ter também um criado bacharel, para o caso ser completo pediu ao reitor uma carta de formatura para o cavalo. «Não pode ser, volveu aquele, só havia duas para burros e foram as que ontem vendi a você». Cervantes, no D. Quixote, escarnece das formaturas em algumas universidades, das quais se dizia, segundo Cristoval Soarez de Figueiroa: accipiamnus pecuniam et mittamus asinum in patriam suam. Paradela, concelho de Miranda do Douro. Quando se colhe pão em Paradela mal vai por outra terra, e se em Vale de Frades mal vai por outros lugares. Picote. Os moradores deste povo, no concelho de Miranda do Douro, dão sorte com o apodo de Cucos. Diz a lenda que, se num ano não aparecessem cucos no seu termo na primavera e codornizes noutras, iam ao rei pedir-lhe que de futuro mandasse para Picote todos os cucos, encarregando-se eles de fazer a distribuição. Póvoa. Os moradores desta povoação, no concelho de Miranda do Douro, são apodados de Mata-Cristos e maltratam quem lho aplica. Segundo a lenda, o juiz da igreja deste povo encomendou um crucifixo e quando o escultor lho apresentou na atitude de morto recusou-o, alegando que vivo e bem vivo é que o queriam, porque matar, matavam-no eles. Tanto bastou. Quem quiser saber o que é mau caminho, vá de Soutelo para Montesinho. Quem quiser saber o que as léguas são, vá de Izeda a Santulhão. Quem quiser saber a verdade, vá de Bornes à Trindade. Légua por légua de Vale de Prados a Quintela. Quintela de Vinhais. A gente deste povo é de um preciosismo afectado nos modos, traje e fala adocicada no s com inflexão de c, no b com prenúncia de v sibilante, que destoa dos outros povos. Presume de amaneirada; peliquitreques, como diz o povo, e por isso, a frecha no apodo: «De onde é, menina?» «Çou de Quintela. Então não me conhece pelo xiar da xinela?!», pronunciado em tom de afectado citadinismo, impróprio da (629) VASCONCELOS, J. L. de – Ensaios Etnográficos, 1903, vol. 2, p. 48.

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energia máscula trasmontana e da individualidade regional, sempre falida nos que se metem a copiar outros. Quiraz. Quem se guia pelo sol ou pela gente de Quiraz ruim ceia faz. Romeu. Os moradores desta povoação, no concelho de Mirandela, irritam-se por lhe tocarem os sinos. São Salvador, concelho de Mirandela. Os moradores desta povoação irritam-se perguntando-lhe se a cadela já pariu. Como a fonte do povo tem muito pouca água no Verão, chegando mesmo a secar, para inculcarem esta falta dizem que uma cadela foi parir à fonte. Daqui o ofensivo da alusão. Soeira.

Boa raba de Soeira Bom trigo de Paçó, Bom vinho dos Alvaredos, E boa castanha de Sobreiró.

Todas estas povoações ficam no concelho de Vinhais. Soeima, bêbados. Diz-se que havia em Soeima um miguelista que ainda esperava pela vinda de D. Miguel. «Que quere você pedir-lhe?», perguntavam-lhe. «Certamente deve dar-lhe um grande prémio visto ser-lhe tão dedicado». «Quero pedir-lhe apenas o privilégio de ter uma taberna em Soeima, e se o conseguir hei-de vir a ser um dos homens mais ricos destas terras». Dos habitantes desta povoação diz-se: «De onde, és rapaz?». «Sou de Soeima, onde se colhe a pêra, a maçã e a castanha rebordã. Quere jogar uma luta, seu filho da p...?» Assim respondem no tempo da fruta, no Inverno dizem como os de Nunes. Ver esta palavra. Travanca, concelho de Vinhais. De Travanca não sai vaca sem manha, nem mulher sem fama. Vaca de Travanca e mulher de Quintela (de Vinhais) não pintam em qualquer terra. Vale Benfeito, concelho de Macedo de Cavaleiros. Pancada de Vale Benfeito ou mata ou deixa tolheito. Vale de Lobos. Os moradores desta povoação, no concelho de Mirandela, irritam-se e maltratam gritando-lhes: Ó cô, ó cô, que equivale a dizer: ó lobo, ó lobo. Vale de Telhas, concelho de Mirandela. Boi de Santa Maria de Emes e mulher de Vale de Telhas, não os leves para casa que torces as orelhas. Ver Quintela e Variz. Variz, concelho do Mogadouro. Vaca de Ifanes e mulher de Variz em poucas partes diz. Vilar Chão. Os moradores desta povoação, no concelho de Alfândega da Fé, irritam-se por lhe atribuir que na ocasião de uma trovoada disseram: vamos levar São Félix ó Cabeço p’ra que não caia o graêço (Graêço por graniço.) MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Vilar Seco de Miranda. Não se pode falar em escrinhos, porque insultam ou espancam quem tal palavra disser. É que são chamados escrinheiros no apodo popular, e parece que com eles tentaram fazer uma torre para escalar o céu, segundo diz a lenda. Vinhais. Deus nos livre da justiça de Vinhais; ou então, como praga: em poder da justiça de Vinhais te vejas. A lenda popular conta duas anedotas referidas pelo Padre Firmino Martins (630), tendentes a mostrar a divulgação do apodo. Um almocreve de Vinhais, pernoitando em sertaneja aldeola, centenas de quilómetros distante da sua terra, ouviu à noite o patrão, ao dar graças a Deus, depois de cear, implorar a misericórdia Divina, oferecendo-lhe um Padre-Nosso para que os livrasse da justiça de Vinhais. Noutra terra viu duas mulheres a ralhar no lavadouro e fugir uma, aterrada, apenas a outra lhe lançou a praga: em poder da justiça de Vinhais te vejas. CANÇONETAS GEOGRÁFICAS Adeus lugar da Adeganha Rodeado de arvoredos, Do fundo até ao cimo És um bando de morcegos. Minha mãe me está chamando Das Laginhas da Adeganha Valha-me Deus, que mulher, Pensa que o vento me apanha. Adeus povo de Agrobom (631), O teu adro tem areia: Onde eu vim parar, A esta linda aldeia. Adeus, adeus, lugar de Baçal, Planura assolhada, cortada do vento; Quanto mais quero esquecer-te, Menos me sais do pensamento. Adeus, adeus, lugar de Barcel, ’Stás ó sol, dá-te o vento, Por mais que de ti me queira esquecer Não me sais do pensamento. (630) MARTINS, Firmino A. – Folclore do concelho de Vinhais, p. 286. (631) Concelho de Alfândega da Fé.

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Adeus, adeus, ó Bragança, Ai, Jesus, quem me lá dera; A culpa tive-a eu Estava lá, não me viera. A mesma canção aplicam a Barcel, concelho de Mirandela, e Areias, concelho de Carrazeda de Ansiães, pondo o nome destes povos no respectivo lugar do primeiro verso. Nunca me lembrou Bragança, Nem que tal Bragança havia; Agora nunca me esquece, Nem de noite, nem de dia. Não há vinho como o de Bragança, Quem o bebe logo dança; A uns faz-lhe errar as portas, A outros andar co’as pernas tortas. Ó vinho, licor famoso, Criado nas verdes latas: A uns quebras o nariz A outros fazes andar de gatas. Campelo é minha terra (632), Mal dela não direi; Foi onde eu nasci Não sei onde acabarei. As raparigas de... (633) São poucas e rebaixotas Andam trás dos rapazes Como os porcos das abelotas. Ó Senhora do Castelo [149], Que estais ao cimo do Vale (634); Bem podeis vós, Senhora, Dar saúde a quem tem mal. Ó Senhora do Castelo, Rodeada de açucenas, (632) Campelo é no concelho de Carrazeda de Ansiães. (633) Concelho de Bragança. (634) Vale da Vilariça.

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Bem podeis vós, Senhora, Aliviar minhas penas. Nossa Senhora do Castelo, Vizinha de São João; Já lá vai Ribeira acima (635) Visitar a d’Assunção. A Senhora d’Assunção Vestidinha de amarelo; Já lá vem Ribeira abaixo Visitar a do Castelo. Adeus, adeus, ó Cernadela (636), Quem te correra aos tiros: Com uma pistola de prata Carregadinha de suspiros. Adeus, adeus, ó Contins (637), És um pocinho de bogas; Quem as quiser apanhar Há-de levar redes novas. Vós chamais-me mira, mira, Eu não sou de Mirandela; Sou do concelho da Torre, A Ervideira é minha terra. Em Quintela de Lampaças, concelho de Bragança, canta-se: Vós chamais-me mira, mira, Eu não sou de Mirandela; Sou de terra de Bragança, O meu lugar é Quintela. Noutras partes dizem: Chamais-me mira, mira, Eu não sou de Mirandela: Sou da Ribeirinha, Freguesia de Fradizela (638). (635) Ribeira da Vilariça. (636) Concelho de Macedo de Cavaleiros. (637) Idem de Mirandela. (638) Idem.

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E ainda: Chamais-me mira, mira, Eu não sou de Mirandela; Sou da quinta do Sardão (639), Moro ao pé da capela. Adeus lugar da Eucísia, Rodeado de oliveiras, Do fundo até ao Cimo És um bando de feiticeiras. Às meninas de Felgueiras (640), Logo lhe caem os dentes; De beber água fria E comer bilhós quentes. Em terra de Bragança cantam, a propósito da região da Serra, também chamada de Além-da-Água, por ficar a poente do Sabor, na parte que abrange as povoações de Carragosa, Soutelo, Espinhosela, Gondesende, etc.: Meninas da Serra Porque vos caem os dentes? Bebeis água fria Por cima das castanhas quentes. Ó que lindos arredores Tem o lugar de Figueira (641)! São Cristóvão nas fragas, Santa Luzia na Eira, Nossa Senhora na Praça, Ó que linda companheira! Raparigas de... (642) Sois poucas e bailadeiras: Andais todas apalpadas Com’ós figos das figueiras. Adeus, adeus, ó lugar de Frechas (643), No fundo tens uma capela, (639) Sardão, Xardão, como lá pronunciam, concelho de Alfândega da Fé. (640) Concelho de Moncorvo. (641) Idem do Mogadouro. (642) Idem de Mirandela. (643) Idem.

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Onde passa a mocidade Caminho p’rá Fontela (644). Adeus, adeus, ó Freixeda (645). Três pontos de admiração: O carrasco e a igreja, A pedrinha do pontão. O carrasco era um enorme sardão, como não havia outro tão grande por aquelas redondezas e igualava o da capela do Santo Cristo, em Cabeça Boa, concelho de Bragança. Estava ao pé da capela, foi derrubado em 31 de Janeiro de 1930 por um vendaval e rendeu a sua lenha para queimar 600$00 escudos, coisa de admirar, pois a povoação não é escassa de matos. A igreja é notável, porque está às avessas, isto é, não tem a porta principal voltada a poente, como é de praxe litúrgica. A pedrinha do pontão é admirável, porque, sendo de piçarra, tem cinco metros, pouco mais ou menos, de comprimento e dois palmos de grossura e cobre um pontão que há no povo. Adeus, adeus, ó Freixeda (646) Adeus, ó pedra redonda, Onde se sentam as moças Para ver passar a ronda. Adeus lugar da Gouveia (647) Estás no alto, dá-te o vento: Tens rapazes como cravos, Raparigas que atormentam. Perfeitamente idênticas se cantam referentes ao Nabo e Samões, concelho de Vila Flor, e Beira Grande, concelho de Carrazeda de Ansiães, pondo o nome destas povoações no respectivo lugar. Nas Múrias, concelho de Mirandela, dizem com pequena variante: Adeus ó lugar das Múrias Rodeado de oliveiras; Tens rapazes como cravos Raparigas como roseiras. (644) Nome de uma fonte da povoação. (645) Concelho de Mirandela. (646) Idem. (647) Concelho de Alfândega da Fé.

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Gradíssimo (648) é tão pequeno Que nem se move; Tem um pedra no meio Que até o cobre. P’ra cá do Marão Mandam os que cá estão: Mas em Macedo não: Mandam os de Carção. Boa terra é Macedo, Tem duas pedras de assento: Uma de namorar E outra de passar o tempo. Também a vimos aplicar a Eivados, concelho de Mirandela. Adeus ó lugar de Matela (649), Cá estou para Bragança; Onde desejo voltar um dia, Lá tenho minha esperança. Adeus, adeus, ó Mirandela, És bonita, tens que dar: Raparigas ao convento, Rapazes a namorar. Mirandela, Mirandela, Mira-a bem e foge dela; Quem Mirandela mirou Em Mirandela se ficou. Dizem que a ponte de Mirandela Tem dezassete olhais, Ainda lhos contei ontem à noite, São dezasseis, nada mais. Outros cantam: A ponte de Mirandela Tem vinte e cinco olhais; (648) Concelho de Macedo de Cavaleiros. (649) Idem do Vimioso.

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Contei-os ontem à noite São dezoito, nada mais. Nossa Senhora do Amparo, Senhora de Mirandela; Hei-de pôr no teu altar Velas de cera amarela. No dia que eu casar, Senhora de Mirandela, Hei-de pôr no teu altar Velas de cera amarela. Meu coração anda a lanço Na praça de Mirandela Já não há quem lance nele, Lança tu, minha donzela. Esta aplicam-na a Vila Flor e a outras terras, cujos nomes mencionam em lugar do de Mirandela. Adeus, adeus, ó lugar das Múrias, Ó longe pareces uma vila, Tens um cravo na entrada E uma rosa na saída. Adeus ó lugar das Múrias, Ó lado tens um ribeiro; Ó que jardim tão belo, Falta-te um jardineiro. Adeus ó lugar das Múrias, Quem te pôs o nome errou: Estou tão afeitinho Já de cá me não vou. Adeus, ó lugar do Nabo, Ó cimo tens um Lodão; No meio está uma rosa, Prenda do meu coração. Adeus, adeus, ó Navalho (650), Semeado davas pão; (650) Concelho de Mirandela.

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Já me deste alegria, Agora dás-me paixão. Paradela, Paradela (651), Não há terra como ela Andam a engordar as vacas Para outros comerem a vitela. Rapazes de Pau d’Afreixo (652) Sois poucos e valentes: Tendes muita força, Levantais a pia dos porcos nos dentes. Penas Róias já foi vila, Mogadouro foi aldeia; Saldanha praça de armas Onde o meu amor passeia. Das cidades é o Porto, Das vilas, Vila Real; Das aldeias, Santa Comba, Das quintas o Carrascal. O lugar de Prado Gatão (653), Está rodeado de fincões; Do cimo até ao fundo Tudo são moços figurões. Romariz não vale nada, Vila Boa um vintém; Ousilhão vale um cruzado, Pelas lindas moças que tem. As raparigas de... (654), Bom sapato, boa meia; Por baixo do cós da saia Piolho de arrate e meia. (651) Freguesia do Pombal, concelho de Carrazeda de Ansiães. (652) Quinta pertencente à freguesia das Aguieiras, concelho de Mirandela. (653) Concelho do Vimioso. (654) Idem de Bragança.

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Adeus povo da Saldanha (655) Rodeado de amoreiras; Do cimo até ao fundo Tudo são raparigas solteiras. Em Sendim da Ribeira, concelho de Alfândega da Fé, dizem: Adeus, ó Sendim, terra amada, Rodeada de olivais; No meio tens a pracinha, Na serra os pinheirais. Em Valverde, do mesmo concelho, cantam: Adeus, adeus, ó Valverde Rodeada de olivais; No meio tens uma portela, Ó cimo os pinheirais. Ver os referentes a Adeganha, Prado Gatão e Sobreiró. Hei-de rodear Samões Com trinta varas de fita; À porta do meu amor Hei-de pôr a mais bonita. Rapaziada de Samões Abençoada sejais; Vós sois que dais nome Onde quer que chegais. Adeus ó lugar de Sampaio (656) No meio tens um chorão; Assim choram as penas Dentro do meu coração. Santa Comba deu um tombo (657), Vilarelhos abaixou: A Gouveia leva o ramo Porque sempre o levou. (655) Concelho do Mogadouro. (656) É Sampaio, no concelho do Mogadouro. (657) Refere-se a Santa Comba da Vilariça. As outras povoações mencionadas na quadra ficam ali perto, no concelho de Alfândega da Fé.

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Nos Avidagos, concelho de Mirandela, cantam: Avidagos deu um tombo; Ó Palorca tem-te lá; Milhais é um brinquinho, Sempre o foi e será. No concelho de Vinhais canta-se: Vila Boa é um tombo, Romariz o tem-te lá; Ousilhão um brinquinho, Sempre o foi e será. No Castelo, concelho de Vila Flor, dizem: Castelo deu um tombo, Moreirinha rebaixou; Santo António leva o ramo, Porque sempre o levou. Três coisas há em São Pedro (658) Que bem se podem estimar: É a fonte e o negrilho E o chafariz de lavar. Adeus, ó lugar do Seixo (659) Lugar onde eu fui criado; Tens dado para a vida militar Muito triste soldado. Ó Seixo, terra de poetas, Tu vives na solidão; És uma cinta de fragas, Terra do meu coração. Rua da Moreirinha, Mal lajeada, mal segura; Quando passo por ela Não há pedra que não bula. (658) De Vale de Conde, concelho de Mirandela. (659) Concelho de Carrazeda de Ansiães.

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Adeus lugar da Ponte, Onde a água faz remanso; Se eu morrer sem te lograr Nem no céu tenho descanso. Na rua de Santo António Está uma verde nabiça; Que a regam os meus olhos Cada vez que vou à Missa. Adeus rua do Castelo, Ao fundo tens um chorão; Lá tenho o meu amor, Ninguém diga que não. Adeus ó cimo do povo, Onde logo nasce o sol; Adeus ó Fonte Lameira Onde canta o rouxinol. Adeus, adeus, lugar de Sendim (660), Como tu ainda há mais; No meio tens uma fonte, Na serra tens pinheirais. Ó Sobreda, ó Sobreda (661), Arrasada sejas tu De beijos e abraços, Não te quero mal nenhu. Idêntica aplicam a Pinhal do Norte, concelho de Carrazeda de Ansiães: Ó Sobreda, ó Sobreda, Não és vila nem cidade: És uma pequena aldeia Muito da minha vontade. Em Grijó de Vale Benfeito, concelho de Macedo de CavaIeiros, cantam: Adeus, adeus ó Grijó, Nem és vila nem cidade: És uma aldeia pequena Onde goza a mocidade. (660) Concelho de Alfândega da Fé. (661) Idem de Macedo de Cavaleiros.

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Pelo mesmo teor se aplicam às povoações do Nabo, Samões e Vilas Boas, concelho de Vila Flor, e Coleja, concelho de Carrazeda de Ansiães. Adeus ó Sobreiro (662) Rodeado de parreiras; Do fundo até ao cimo Há trinta e cinco feiticeiras. Ver Eucísia e Adeganha. Suçães é vale de rosas, Bem se lhe pode chamar: As rosas p’ra botica A Suçães se vão buscar. Nos Eivados, também concelho de Mirandela, cantam: Adeus, adeus, ó Eivados, Bem se lhe pode chamar; As rosas p’ra botica Vão-se aos Eivados buscar. Adeus quinta da Tarrincha, Não tens cá nada que preste, Senão a água do tanque E a sombra do cipreste. Adeus, adeus, ó Travanca (663) As costas te vou voltando; A saída é agora, A entrada não sei quando. Vou daqui para Vale Benfeito Não vejo senão formigas; Entro ali em Grijó E vejo lindas raparigas. .................................................... Vale de Prados (664) é nomeado, Tem um cruzeiro no meio: (662) Concelho de Vinhais. (663) Idem. (664) Concelho de Macedo de Cavaleiros.

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As moças por não terem tetas Metem farrapos no seio. Vila Flor é boa terra, Dá de beber a quem passa: Tem a fonte no caminho E o Santo Cristo na Praça: Idêntica cantam em Freixiel, concelho de Vila Flor, mudando apenas o quarto verso por este: «E o pelourinho na Praça». Em Moncorvo dizem: Linda terra é Moncorvo, Dá de beber a quem passa; Para quem não tem dinheiro Há o chafariz na Praça [150]. Aplicam a mesma canção a Assares e Nabo, concelho de Vila Flor. Hei-de ir casar ó Vilar (665), Que é terra de muito pão: Sobem-se os galos às medas, Chegam com o rabo ao chão. De Poiares, concelho de Freixo de Espada à Cinta, cantam: Adeus povo de Poiares, Terra de muito pão; Sobem os galos às medas Batem c’o rabo no chão. De Vilar, concelho de Macedo de Cavaleiros, canta-se: O Vilar é terra rica E colhe muito pão; Sobem os galos às medas E chegam c’o rabo ao chão. Adeus, adeus ó Vilar (666) Estás livre da justiça; Ficas ó fundo da Serra E ó cimo da Vilariça. (665) Concelho de Alfândega da Fé. (666) Idem.

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Em algumas terras bragançanas dão o nome de «Justiça» às torrentes dos regatos e rios que, inchados pelas chuvas, arrebatam quanto encontram sem lei nem Roque, às cegas, como costuma fazer a justiça. Adeus, adeus ó Vilarinho, E os homens que estão ao pé; Viva a Senhora da Assunção (667) E mais a Senhora da Fé. Adeus ó vila de Vinhais, Quem te pôs o nome errou; És o jardim da flores, Já de cá me não vou. Sabemos que também a aplicam à povoação do Nabo, concelho de Vila Flor, e a outras. FESTAS RELIGIOSAS E FESTEJOS POPULARES [151] DE CARÁCTER ETNOGRÁFICO Os festejos religiosos envolvidos por elementos folclóricos são: Natal e Reis, desde 13 de Dezembro a 20 de Janeiro; entrudo, quarta-feira de Cinza; quarta-feira da terceira semana de Quaresma; Semana Santa e Páscoa da Ressurreição; dia primeiro de Abril; dia primeiro de Maio; São João, desde 13 a 29 de Junho; 2 e 11 de Novembro. Em algumas terras bragançanas, como adiante veremos, começam as festas do Natal no dia 13 de Dezembro, com bailados, gaiteiro e tamboril, tudo acompanhado de constantes libações vináceas. Na noite da Consoada (24 de Dezembro) esfusia o entusiasmo por toda a parte; ceia abundantíssima e lareira bem fornida de lume, de que se guarda o melhor tição para acender pelo ano adiante, quando surjam trovoadas pois tem virtude de as afugentar e evitar que façam dano aos frutos. Produz o mesmo efeito; segundo dizem em Aveleda, a pá do forno colocada à porta da rua e também o deitar sal no lume. Vai-se depois à Missa do Galo e beija-se o Deus-Menino (ao som da gaita-de-fole e respectiva letra), que está no Presépio cercado de muitas figurinhas de barro e madeira (668), representando Nossa Senhora, São José, anjos, pastores e respectivos rebanhos, Reis Magos e equipagem, além da clássica vaca e mula. (667) É o Santuário de Vilas Boas, concelho de Vila Flor. (668) Estas figurinhas lembram as festas Sigillarias dos romanos, celebradas a 20 de Dezembro, de que falamos adiante, em que figuravam ídolos pelo mesmo teor.

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A letra diz: Beijai o Menino, Beijai-o agora, Beijai o Menino De Nossa Senhora. Filhos de homens ricos Em berços dourados, Só vós meu Menino Em palhinhas deitado. No rio Jordão Maria lavava José estendia O Menino chorava C’o frio que fazia. No regresso da Missa apedrejam-se as maçairas aneiras (que só produzem fruto ano sim, ano não), pois é eficaz para frutificarem todos os anos (669); observa-se a corrente do vento que predominará todo o ano do quadrante de onde então vier. No dia seguinte festeja-se Santo Estêvão, com ritos adiante memorados, e observam-se os primeiros doze dias de Janeiro, índices meteorológicos do modo como correrão agricolamente os meses do ano, cada um significado no mês que lhe corresponde, ou seja: dia 1, a Janeiro; dia 2, a Fevereiro, e assim até o dia 12, que corresponde a Dezembro. Também alguns atendem muito ao primeiro dia do ano, que lhe correrá bem ou mal, segundo esse dia for ou não venturoso. Crença idêntica tinham os romanos relativa ao 1° de Janeiro, em que celebravam as festas de Jano (670). Entretanto, tem-se iniciado o cantar dos Reis: os vizinhos e amigos uns a outros acompanhados de grandes picheladas de vinho e do competente chouriço assado, todas as noites até 20 de Janeiro; os padrinhos dão o Rei, também chamado Janeira ou Consoada (chouriço de lombo de porco) aos

(669) Segundo a lenda, as maçãiras e outras plantas tornam-se aneiras se uma mulher comeu o primeiro fruto que deram e por isso deve sempre ser comido por um homem ou inutilizado. Em França, concelho de Bragança, colocam na rua por onde passa a procissão no dia da festa de Corpus Christi molhos de ferrã colhida nas terras do pão, de que depois fazem vencelhos, que enroscam às árvores para evitar que o pulgão as ataque. (670) NIEUPOORT – Rituum..., p. 268. VASCONCELOS, José Leite de – Religiões da Lusitânia, tomo 3, p. 596, em nota.

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afilhados, os remediados mandam presentes comestíveis aos pobres, os amos dão aos criados a Consoada e tratam-nos com mais carinho. Estas usanças devem ter derivado das festas Saturnais (Saturnalia), celebradas pelos romanos durante cinco ou sete dias, começados a 17 de Dezembro, em honra de Saturno, com grandes brincadeiras e mostras de alegria, dando férias em todos os serviços públicos, mandando-se presentes, convivendo fraternalmente ricos e pobres, servindo à mesa os amos aos criados e escravos, dando em tudo sinais de igualdade entre os homens, em memória da idade áurea simbolizada por Saturno (671). À folgança das Saturnais agregou-se a das Juvenais, festa celebrada pela gente moça no dia 24 de Dezembro com lauto bródio e patuscada, além de que no dia 21 do mesmo mês também se sacrificava a Vénus, cujos cultos muito tiveram sempre de brincalhões (672). Estas costumeiras atingiram o apogeu na Idade Média na Festa dos loucos. Era celebrada por clérigos de ordens menores, diáconos e sacerdotes durante doze dias, ou seja desde o dia de Natal a dia de Reis. Também lhe chamavam Festa das Calendas, por ser celebrada principalmente no dia 1 de Janeiro, e ainda Festa dos Subdiáconos. Elegiam um bispo ou um papa, a que chamavam bispo ou papa dos loucos, entravam mascarados e vestidos grotescamente e com trajes de mulheres nas igrejas, dançando, cantando obscenamente e comendo sobre o altar ao lado do sacerdote que celebrava, jogando sobre ele e incensando-o com fumo de couros queimados no turíbulo, garrafas de vinho e pratos de carne. Tinha quatro danças principais: a dos diáconos, dia de Natal; a dos presbíteros, dia de Santo Estêvão (26 de Dezembro), cantando na Missa a Prosa do Asno; a dos clérigos de ordens menores, dia de São João Evangelista (27 de Dezembro), cantando na Missa a Prosa ou hino do boi, e a dos subdiáconos no dia 1 de Janeiro. Vestiam-se alguns pontificalmente e lançavam bênçãos como bispos; outros de reis e duques e ainda de comediantes a representar farsas. Em Algoso, concelho do Vimioso, ainda se estilam personagens por este teor, como dizemos adiante. Moreri, a quem vamos seguindo, assim como ele seguiu o Glossário de Du Cange, filia este costume na festa pagã celebrada a 1 de Janeiro, em que se vestiam com peles de cervos, cervas e outros animais, a fim de os imitar e mais livremente se entregarem à orgia. Santo Agostinho no sermão 251 de tempore refere-se a este costume e manda castigar penitenciariamente quantos o praticarem.

(671) NIEUPOORT – Rituum..., p. 273. MORERI – El Gran Dicionario, artigo «Saturnales». (672) MORERI – El Gran Dicionario, artigo «Fiestas».

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Muitos concílios legislaram contra a Festa dos loucos, inclusive os de Toledo, que, como nacionais, respeitavam também a Portugal, conseguindo ao fim extirpar a usança, mas não no povo, onde ainda vigora, como se vê deste estudo, e mesmo em algumas igrejas ainda se praticava no século XV (673). São Paciano, bispo de Barcelona, segundo diz São Jerónimo, escreveu um discurso intitulado EI Ciervo, contra as festas do 1° de Janeiro, que se perdeu. «São Isidoro refere as desordens praticadas no dia 1 de Janeiro, em que os gentios e alguns cristãos, para mais abertamente se entregarem à orgia, se disfarçavam em figuras monstruosas em traje de feras. As figuras mais vulgarizadas eram: cervo, cabra, carneiro, sendo mais aplaudido aquele que mais ao vivo representava a espécie e menos semelhança tinha de racional, como afirma o autor do sermão das Calendas de Janeiro... Esta festa era conhecida pelo nome de Cervulum facere e Cervulum facientes. Disfarçados naquelas peles de feras, abarrotados de mantimentos como brutos, praticavam toda a sorte de impurezas e abominações. Os concílios (674) não cessavam de inserir cânones tendentes a reprimir os abusos: Non licet Kalendis Januarii vetula, aut Cervolo facere, vel strenas diabolicas observare, como dispõe o concílio Antisidiorense» (675). Fortunato de Almeida (676) cita um documento de 1385, tendente a acabar em Portugal com as «práticas supersticiosas e gentílicas», no qual se proibia «que se cantassem janeiras ou maias, ou que se fizesse alguma coisa semelhante em qualquer mês do ano». A propósito transcreve, em nota, o comentário de João Pedro Ribeiro a esta disposição «que prescreveu as janeiras e maias, como supersticiosas e restos do gentilismo, que não teve efeito, pois que na cidade do Porto, no presente ano de 1835, ouvi ainda festejar as janeiras e no 1° de Maio enramar as janelas com a flor de giesta amarela, que chamam mesmo maias, e nas aldeias não se faltou ao costume imemorial de as pôr nas cortes dos gados, nos linhares e nos nabais», etc. Os festejos populares do Natal e Janeiro, adiante descritos, relacionam-se com as bacanais (Bachanalia), celebradas em honra de Baco em Janeiro, 17 de Março e 23 de Outubro. Neles devem andar ritos esparsos da festa dos Sálios, sacerdotes de Marte, celebrada a 1 de Março, que, dançando e can-

(673) VITERBO – Elucidário, artigo «Bispo dos Fatuos». (674) São muitíssimos os concílios e cânones referentes a estes divertimentos. Podem vêr-se citados em Moreri, lugar referido, artigo «Fiestas, bispo dos loucos». (675) FLOREZ – España Sagrada, 1775, tomo 29, p. 86. (676) ALMEIDA, Fortunato de – História da Igreja em Portugal, 1910, tomo 1, p. 307. Sobre as «Janeiras», ver BLUTEAU – Vocabulário, artigo «Janeiras». MELO, Francisco Manuel de – Epanáforas, 1676, p. 125. VASCONCELOS, J. Leite de – Religiões..., tomo 3, p. 571, em nota.

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