Tomo xi 1 310

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Edição:


BRAGANÇA

MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA

ARQUEOLOGIA E ETNOGRAFIA

POR

FRANCISCO MANUEL ALVES, ABADE DE BAÇAL

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TÍTULO: MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA TOMO XI - ARQUEOLOGIA E ETNOGRAFIA AUTOR: FRANCISCO MANUEL ALVES, ABADE DE BAÇAL COORDENAÇÃO GERAL DA EDIÇÃO: GASPAR MARTINS PEREIRA REVISÃO DESTE VOLUME: TERESA SOEIRO UNIFORMIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA: MARIA SARMENTO DE CASTRO EDIÇÃO: CÂMARA MUNICIPAL DE BRAGANÇA/INSTITUTO PORTUGUÊS DE MUSEUS – MUSEU DO ABADE DE BAÇAL EXECUÇÃO GRÁFICA: RAINHO & NEVES, LDA./SANTA MARIA DA FEIRA ISBN: 972-98569-2-3 DEPÓSITO LEGAL: 152080/00 OBRA CO-FINANCIADA PELO PRONORTE, SUBPROGRAMA C JUNHO DE 2000


i TOMO XI

INTRODUÇÃO Francisco Manuel Alves, a sua despedida em jeito de legado TERESA SOEIRO

Domingos de Pinho Brandão 1 refere em 1965, no centenário do nascimento do Abade de Baçal, a intenção de reeditar os onze volumes das Memórias, tarefa difícil não só pela extensão da obra como pela eventual vantagem de reagrupar os assuntos e sobretudo evitar as repetições e as centenas de remissões que contém. Ao menos indexar devidamente as matérias já seria um bom contributo, um fio orientador para quem quisesse navegar neste imenso mar de informação. O próprio Abade sugeriu, no Prefácio ao XI volume, essa correcção na disposição dos artigos e verbetes, que a falta de plano geral da obra, bem como a sua publicação ao longo de diversos anos, foram dispersando pelos vários tomos 2. Ciente das dificuldades do leitor, fez-lhe acrescentar um índice geral. Esta intenção, nos anos sessenta, não passou disso mesmo, devendo os interessados aguardar até à década de oitenta para ver a obra, então muito valorizada e difícil de adquirir mesmo no comércio livreiro da especialidade, reeditada na íntegra. Da responsabilidade do Museu do Abade de Baçal, esta reedição iniciada em 1975 é reprodução, podemos dizer fiel, da primeira versão publicada, «embora reconhecendo a conveniência e oportunidade de uma revisão crítica» 3, que não houve condições para realizar. O derradeiro volume das Memórias, que agora se apresenta, mais uma vez publicado com a organização do original, é certamente o que mais se ressente da forma como o Abade foi construindo a obra. O plano que norteou a concepção deste extenso trabalho de investigação explicita-o Francisco Manuel Alves no presente tomo e pode resumir-se em duas palavras, publicar tudo o que por qualquer forma dissesse respeito ao distrito de Bragança, fosse qual fosse o campo temático abordado, a cronologia ou o tipo de fonte a utilizar. Embora no plano 1 BRANDÃO, Domingos de Pinho — «O Abade de Baçal, algumas facetas da sua personalidade». Revista de Etnografia. Porto. nº 10 (1965), p. 273-274. 2 BRANCO, Adérito — Abade de Baçal: vida e obra. Mirandela, 1997, p. 68 e seg. 3 SANTOS, Maria Alcina R. C. Afonso dos — «Introdução». In ALVES, Francisco Manuel - Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança. 3ª ed. Bragança, 1983, tomo 1, s. p.

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INTRODUÇÃO

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dê apenas relevo às fontes escritas (documentais e bibliográficas), a prática levou-o a manejar igualmente a informação arqueológica, a análise do património construído ou as recolhas orais. Todo este amontoado de informação, de tão díspares procedências, foi agrupado nos diversos volumes por temáticas anunciadas no complemento de título. Mas esses tomos iam saindo da pena e da tipografia lentamente e o Abade, que parecia nunca parar de acrescentar o seu saber, não resistiu a adicionar a cada um deles tudo o que de novo conseguira alcançar sobre temáticas já anteriormente publicadas, começando assim a avolumar-se as adendas, correcções e suplementos. O presente volume, no término do qual o autor, pela sua avançada idade e degradado estado de saúde teria tido consciência de ser o derradeiro, é paradigmático neste aspecto. Pode dizer-se, apesar de subtitulado como Arqueologia e Etnografia, que estamos fundamentalmente perante uma última colecção de adendas que nos remetem para os mais variados encabeçamentos de todos os outros volumes, singelamente ordenadas por ordem alfabética. Neles deve o leitor interessado procurar as notas de actualização, que muitas vezes aqui evitamos repetir. Francisco Manuel Alves não chegaria a ver este último tomo da sua obra maior em letra de imprensa, mas nem por isso deixou de inserir nele um ou outro raro comentário de esperança em que novo volume se lhe seguisse, com mais dados e esclarecimentos que a doença o vinha impedindo de recolher 1. Estas centelhas de confiança ilustram a vivacidade com que o seu espírito reagia à derrota, contrastando com o tom geral de despedida, cair de pano cenicamente encerrado nas últimas páginas com a transcrição da acta e placa de bronze que no seu octogésimo aniversário os amigos colocaram num ponto alto do distrito, de largos horizontes, para comemorar uma década volvida sobre a sua última excursão arqueológica. No prefácio, seguramente escrito já no final da elaboração do tomo, a despedida é definitiva, de um homem satisfeito com o seu percurso, que perdoa a quem denegrira a obra construída com tanta dedicação, evocando significativa nota quinhentista: Eu desta glória só fico contente, Que a minha terra amei, e a minha gente. E a sua gente foi merecedora desse esforço, festejou-o em vida, honrou-o depois de morto, e continua a rever-se nesta obra que mais uma vez reedita, e no Museu que leva o seu nome.

1 ALVES, Francisco Manuel — Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança. 3ª ed. Bragança, 2000, tomo 11, p. 632

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À MEMÓRIA SAUDOSA DO

P R O F. A B E L S A L A Z A R DOS MELHORES E MAIS GENEROSOS PROTECTORES DO

MUSEU REGIONAL DE BRAGANÇA

HOMENAGEM DO SEU DEVOTADO ADMIRADOR E MUITO DILECTO AMIGO

PADRE FRANCISCO MANUEL ALVES MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


I TOMO XI

PREFÁCIO

SAI agora o volume XI das Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, embora já se devesse considerar como sendo o XII, visto ter-se publicado o XI em 1940 por ocasião das Festas Centenárias da Fundação da Nacionalidade Portuguesa pela Academia Portuguesa da História, mas quem mandava ordenou o seguinte, que se lê no Ao Leitor, a servir de prefácio ao referido volume: «Por deliberação da Comissão Executiva dos Centenários de 1939-1940, do Distrito de Bragança, resolveu-se publicar a matéria constante deste volume e incorporá-lo nas Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, de que seria o tomo XI, mas, apresentado o assunto ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação Nacional, ele mandou inclui-lo entre as obras comemorativas do Duplo Centenário, que a Academia Portuguesa da História tinha em publicação, visto o autor a ele pertencer».

Em virtude desta resolução saiu na colecção Anais, publicada pela referida Academia em 1940, onde constitui o volume III. Se um dia os bragançanos amantes da sua terra resolverem fazer segunda edição destas Memórias, e devem fazê-la, se forem verdadeiramente bragançófilos, e sobre o assunto não aparecer coisa melhor, como o volume VIII saiu pequeno, podem reunir os dois, visto entre eles haver certa correlação de matérias MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


II TOMO XI

Para facilitar essa reedição dou agora neste um índice copioso a fim de poderem reunir notícias, que devem andar ligadas, embora nas Memórias apareçam dispersas, como sucede em todas as obras de investigações estendidas por longos anos. Agora queria dizer aqui da minha justiça a propósito de um caso relacionado com as Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança e, sobre o assunto, escrevi uns vinte fólios de papel almaço de 35 linhas quando foi na altura; mas já agora, no fim da vida, vá lá mais esta obra de Misericórdia — perdoar as injustiças pelo amor de Deus — sem esquecer que Muito vence quem se vence. Muito diz quem não diz tudo, Ao discreto pertence A tempo fazer-se mudo.

como diz D. Luís, Infante, num livro publicado em 1601 e ainda a canção popular: Coração que vences e calas E fazes papel de mudo; Fazes bem meu coração: Quem cala, vence tudo.

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Aos grandes Mecenas

DR. ANTÓNIO AUGUSTO PIRES QUINTELA DR. ANTÓNIO FRANCISCO DE MENESES CORDEIRO JOSÉ ANTÓNIO FURTADO MONTANHA DR. JOSÉ VAZ DE SOUSA PEREIRA PINTO GUEDES BACELAR DR. RAUL MANUEL TEIXEIRA DR. VÍTOR MARIA TEIXEIRA

O. D. C. O AUTOR

PADRE FRANCISCO MANUEL ALVES MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


V TOMO XI

No plano destas Memórias Arqueológico-Históricas estava: 1.° — Publicar integralmente todos os documentos existentes nos arquivos particulares e públicos, que por qualquer forma pudessem interessar ao Distrito de Bragança sobre assuntos de arqueologia, história, etnografia, geografia, heráldica, genealogia, linguística, etimologia, biografia de homens notáveis na virtude, letras, arte, armas, beneficência, bibliografia, geologia, hidrologia, mineralogia, botânica, arte (arquitectura, escultura, pintura, etc.), agricultura, indústria, estatística, demografia, criminologia, vistas panorâmicas, etc. 2.° — Publicar integralmente os códices manuscritos respeitantes ao distrito, e quando fossem demasiadamente volumosos, extractar as partes principais integralmente, pondo-as entre comas, fazendo o máximo possível por ser abundantíssimo em dados cronológicos, visto a cronologia ser o nervo da história e, só por si, resolver inúmeros problemas que, sem ela, ficariam insolúveis, metendo-nos no caos, como sucede com os nobiliários antigos (1). 3.° — Enfim, publicar tudo quanto interesse à região bragançana sob qualquer ponto de vista que seja. Dar um apanhado completo de tudo quanto há publicado em livros impressos respeitante ao distrito de Bragança, transcrevendo literalmente os textos mais interessantes, maxime os de livros

(1) No tomo I, p. 99, 155, 340 e 341; tomo II, p. 3, 95 e 341; tomo VI, p. 51, 107, 113, 147, 177, 193, 197, 229, 237, 277, 280, 358, 363, 369, 415, 536, 544, 562, 589 e 628; tomo VII, p. 51, 91, 192, 264, 343, 352, 532, 627 e 719 a 764; tomo VIII, p. 85 a 109; tomo X, p. 728, demos conta e descrevemos vários códices respeitantes ao distrito de Bragança. Além disso, os volumes III, IV e VIII constam de documentos copiados na íntegra de códices manuscritos que lá se descrevem e, da mesma maneira, mais de um terço do volume V. Neste volume XI, p. 118 e segs., encontram-se também transcritos muitos documentos constantes de códices que lá se citam. E o volume A Restauração de 1640 no distrito de Bragança é baseado quase inteiramente em documentação inédita manuscrita publicada integralmente. Devo advertir que no tomo VII, p. 719 a 764 se dá informação sumária de muitos códices, que convém publicar na íntegra ou em grande parte.

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raros e caros, indicando nomes de autores, título exacto das obras, edições e páginas. 4.° — Apetrechado assim com estes elementos o bragançógrafo precisa de colher notícias respeitantes às diversas cidades, vilas e aldeias do distrito, tendo sempre o cuidado de citar os autores, nas seguintes obras impressas dos corógrafos: J OÃO DE B ARROS — Geografia de Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes. Esta obra foi escrita em 1549, mas só foi publicada em 1919 pela Biblioteca Municipal do Porto. GASPAR BARREIROS, cónego da Sé de Viseu — Geografia da Antiga Lusitânia. 1563. Ficou manuscrita. ANTÓNIO DE SOUSA MACEDO — Flores de Espanha, Excelências de Portugal. 1631. Teve 2.ª edição em 1737. GASPAR ESTAÇO — Várias antiguidades de Portugal. 1625. Teve 2.ª edição em 1754. M IGUEL L EITÃO DE A NDRADE — Miscelânea. 1629. Teve 2.ª edição em 1867. PADRE ANTÓNIO CARVALHO DA COSTA — Corografia Portuguesa. 1706, 3 volumes. PADRE LUÍS CAETANO DE LIMA — Geografia Histórica. 1736. 2 volumes. PADRE LUÍS CARDOSO — Dicionário Geográfico. 1747-1751. 2 volumes, que abrangem até à letra C, inclusive. A. DE OLIVEIRA FREIRE — Descrição Corográfica de Portugal. 1755. PAULO DIAS DE NISA — Portugal Sacro Profano. 3 volumes. Dicionário Geográfico de Portugal ou Colecção de respostas antógrafas dos párocos. Também aparece citada com o título de Memórias Paroquiais, 1755, 43 volumes manuscritos existentes na Torre do Tombo. Na mesma Torre do Tombo há outra colecção idêntica de respostas exigidas em 1862 pelo Ministro da Justiça aos párocos sobre antiguidades das suas freguesias. Tanto uma como outra são muitíssimo interessantes. PADRE JOÃO BAPTISTA DE CASTRO — Mapa de Portugal Antigo e Moderno. 3 volumes. A 2.ª edição é de 1762 e teve 3.ª em 1870. COLUMBANO PINTO RIBEIRO DE CASTRO — Descrição da província de Trás-os-Montes. 1796. Ficou manuscrito, mas saiu na Ilustração Trasmontana, 1908, e foi depois publicado pela Biblioteca Municipal do Porto. M ANUEL DE FIGUEIREDO (F. M. D. F. G. D. C. D. P E. A. — Descrição de Portugal. 1817. JOSÉ M ARIA DE S OUSA MONTEIRO — Dicionário Geográfico das províncias e possessões portuguesas. 1850. PAULO PERESTRELO DA CÂMARA — Dicionário Geográfico do reino de Portugal. 1850. 2 volumes. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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FREI FRANCISCO DOS PRAZERES MARANHÃO (Flaviense) — Dicionário Geográfico abreviado de Portugal. 1852. A 1.ª edição é de 1839. Diverge algo no título e o autor assina Flaviense (F. F. dos P. Fernandes Pereira). PEDRO JOSÉ MARQUES — Dicionário Geográfico abreviado das oito províncias dos reinos de Portugal e Algarves. 1853. JOSÉ AVELINO DE ALMEIDA — Dicionário abreviado de Corografia de Portugal. 1866. 3 volumes. PINHO LEAL e PEDRO AUGUSTO FERREIRA, abade de Miragaia (Porto) — Portugal Antigo e Moderno. 1873-1890. 12 volumes. E. A. DE B ETTENCOURT — Dicionário Corográfico de Portugal. 1874. 1 volume. JOÃO MARIA BAPTISTA — Corografia Moderna do reino de Portugal. 1874-1879. 7 volumes. Dicionário de Geografia Universal, por uma sociedade de homens de ciências, ampliado na parte referente a Portugal por Tito Augusto de Carvalho. 1878-1887. 5 volumes in-fólio. A GOSTINHO R ODRIGUES DE A NDRADE — Dicionário Corográfico do reino de Portugal. 1878. 1 volume. JOAQUIM AUGUSTO DE OLIVEIRA MASCARENHAS e RODRIGO CLEMENTE DE ABREU — Portugal, dicionário histórico, corográfico, heráldico, mitológico, estatístico, biográfico e arqueológico. 1880. 1 volume, único publicado. J OSÉ L EITE DE V ASCONCELOS — Dicionário Corográfico de Portugal. 1884. 1 volume. F. A. DE MATOS — Dicionário Corográfico de Portugal. 1889. 1 vol. JOÃO BAPTISTA DA SILVA LOPES — Dicionário, Postal e Corográfico do reino. 1891-1894. 3 volumes. Portugal, dicionário histórico, corográfico, heráldico, biográfico, bibliográfico, ilustrado. 1904-1915. 7 grossos volumes. F RANCISCO C ARDOSO DE A ZEVEDO — Novo Dicionário Corográfico de Portugal. A 4.ª edição é de 1906. AMÉRICO COSTA — Dicionário Corográfico de Portugal, hidrográfico, orográfico, arqueológico-histórico, biográfico, heráldico e etimológico. Ainda em publicação. [1] MAXIMINIANO LEMOS — Enciclopédia portuguesa ilustrada. Porto, sem data. 11 volumes in-fólio. Portugal Económico. Ainda em publicação. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Ainda em publicação. DR. AMORIM GIRÃO — Geografia de Portugal. Ainda em publicação.

Sobre o assunto há ainda mais alguns corógrafos que não vale a pena citar, por serem de somenos importância para o nosso caso. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Também não deve causar desânimo a consulta deste cento e meio de volumes, porque, infelizmente, dizem muito pouco da região bragançana e, exceptuados dez ou doze, os mais copiam-se miseravelmente uns aos outros, inclusivamente as informações erróneas, a cada passo repetidas, com a indolência do estudante cábula, que copia do tema do vizinho. Em todo o caso é necessário consultá-los, pois sempre fornecem algo aproveitável. Como na região é impossível encontrar todos esses autores, embora haja alguns na Biblioteca do Liceu de Bragança e em mãos particulares, o melhor é ir à Biblioteca Municipal do Porto e copiar textualmente os que não obtiver de outra forma, embora seja indispensável comprar alguns dos mais completos. Eu tenho a maior parte dessas obras e durante dois meses, passados no Porto e na Torre do Tombo em Lisboa, copiei o resto. E agora bragançófilos, aos 82 anos e pico, passados em prol da nossa terra, despeço-me com a nota quinhentista: Eu desta glória só fico contente, Que a minha terra amei, e a minha gente (2).

Padre Francisco Manuel Alves Reitor de Baçal

(2) FERREIRA, António — Aos Bons Engenhos.

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A A BREU, E LIMA (Frei Paio de) — Publicou: Sentença a favor da Comenda de S. Cristóvão, e S. Sebastião de Algoso, e seu ramo de Guide no bispado de Miranda deste Reino de Portugal, que é da Ordem, e Milícia da Sagrada Religião de S. João Batista do Hospital de Jerusalém. Proferida na Mesa das Ordens Militares Portuguesas contra o seu Procurador-Geral. Sendo Grão-Mestre o Eminentíssimo Senhor Fr. Manuel Pinto da Fonseca. E comendador o Balio Fr. Paio de Abreu, e Lima que a dá ao prelo para segurança da justiça da sua Sagrada Religião Hierosomilitana. Lisboa, 1742, fólio de 120 págs. A LMEIDA (Américo de) — Sei apenas que, ao tempo de publicar a tese, vivia em Rossas, concelho de Bragança, entregue à cultura da batata, realizando-a depois em grande escala na Serra de Montesinho. Publicou: A cultura da batata em Trás-os-Montes — Tese apresentada no II Congresso Transmontano. Porto, 1941, 14 págs., 0m,13x0 m,09. A LVES (Francisco Manuel), abade de Baçal. — Tomo VII, pág. 16; tomo VIII, pág. 79, e tomo X, pág. 303. Publicou mais: Vinicultura Duriense (subsídios arqueológicos, etnográficos e bibliográficos). Régua: Imprensa do Douro, 1938. 8.° de 85 págs., com ilustrações de Artur Justino, professor do liceu de Lamego. As Cistas de Provesende e sepulcros luso-romanos. Lisboa, 1938. 8.° de 8 págs. (Separata da Revista de Arqueologia). A Restauração de 1640 no Distrito de Bragança. Lisboa, 1940. Fólio de 352 págs. Este trabalho faz parte da colecção Anais Ciclo da Restauração de Portugal, volume III, publicação da Academia Portuguesa da História. A MADO (Adrião Martins) — Tomo VII, págs. 20 e 611. Publicou mais: O meu apelido e a minha terra. Póvoa de Varzim, sem data, mas entendo que apareceu em 1939. In-16 (?) de 146 págs. e uma de índice inumerada. Como reitor do liceu de Bragança publicou mais: Anuário do Liceu Nacional de Bragança, ano escolar de 1906-1907. Anuário do Liceu Central de Emílio Garcia, ano escolar de 1910-1911. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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AMADO

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ARNUT

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Idem, idem, ano escolar de 1911-1912. Idem, idem, ano escolar de 1912-1913. Idem, idem, ano escolar de 1915-1916. Idem, idem, ano escolar de 1916-1917. Regulamento interno do Liceu Nacional de Bragança. A RNUT (D. Beatriz) — Tomo VII, pág. 615. Publicou mais: O meu sonho de agora — Contos singelos. Lisboa, 1936. 8.° de 151 págs., mais uma de índice e outra de registo, com o retrato da autora. Cantando sempre... (quadras ao sabor popular). Lisboa, 1938. 108 págs. Colaborou, entre outros, nos seguintes volumes: No In-Memoriam de homenagem a João de Deus, escrito por trinta escritoras portuguesas. Nos livros Santo António de Lisboa e João de Deus na inspiração musical (Antologia), do Dr. Alfredo Pinto (Sacavém). Obras que aludem aos seus trabalhos e à sua pessoa: Colecção Patrícia — Poetisas de Hoje (Antologia), 1931. As melhores páginas da literatura feminina, de Albino Forjaz de Sampaio. Portugal visto por mim, da escritora brasileira D. Iveta Ribeiro — 1931-1932. A grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, em seu fascículo XXVIII, de Julho de 1937, também inseriu vários dados biográficos acompanhados da sua fotografia. Distinções: Em Junho de 1932 recebeu o diploma de sócia-correspondente da Associazione di Cultura Litteraria e Scientifica de Genova, que a agraciou com as insígnias da mesma douta Academia (primeira honra até hoje concedida a uma senhora portuguesa). Voz e Trás-os-Montes, de 19-7-932 — 1-8-932. Ainda em Abril de 1937 a referida e importante instituição de cultura a agraciou com o diploma de membro de honra, que foi acompanhado por amabilíssimas cartas do actual e notável presidente, Prof. Marquês Gualtiero de Rafaelle, doutor em ciências sociais e presidente do Instituto Superior Técnico de Canino (Diário de Notícias, de 27-4-937) e do eminente poeta e escritor, Prof. Dr. António Masselle, de Nápoles. O boletim da Associazione di Cultura Litteraria e Scientifica de Génova, referente ao ano de 1932, refere-se à sua eleição de sócia-correspondente e ao estudo crítico que o notável poeta Prof. Marino Merello, antigo presidente do mencionado organismo fez às suas obras. Um trecho desse estudo foi publicado no Diário de Lisboa, de 7-1-932. E o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro e a Prefeitura Municipal de Olinda, Estado do Pará, enviaram, como lembrança, duas MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


AVELANOSO

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artísticas e valiosas medalhas de bronze, comemorativas dos seus centenários (Diário de Notícias de 4-10-938). Nos Jogos Florais Luso-Espanhóis no Estilo do Século XIV, realizados em Lisboa no dia 24 de Maio de 1937, a benefício dos Hospitais da Espanha Nacionalista, ganhou o primeiro prémio da poesia heróico-lírica, com os versos «Portugal-Bendito». Cargos para que tem sido eleita — menciono os seguintes: Primeira secretária da assembleia-geral, membro da Comissão de Arte, presidente da Secção de Paz e da Secção do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e delegada da Comissão de Iniciativa Particular de Protecção aos Cancerosos Pobres do Instituto Português de Oncologia. O tempo que lhe cresce dos seus afazeres oficiais e particulares é consagrado aos pobrezinhos e ao intercâmbio intelectual luso-italiano. Também pelos vários serviços prestados ao Grémio de Trás-os-Montes lhe dedicaram uma linda festa, em que foi descerrado o seu retrato, entre saudações e flores, pelo comandante Gama Ochoa, irmão do nosso ministro em França, festa a que assistiram muitas individualidades do meio literário e artístico. Até à data, foi a primeira fotografia de senhora ali inaugurada. * Nota à-parte — A autora destes modestos apontamentos também é digna, séria, honesta e cumpridora em todas as coisas da sua vida, pois quem disser o contrário levanta calúnias, sem pensar que um dia dará contas a Deus. Ainda sou trasmontana, ou já não sou? Se não sou, porque deixaria de o ser?! Que província então é agora a minha? Na hora em que eu morrer, que Deus Nosso Senhor me dê só um céu para saber a qual pertenço. A VELANOSO (António José Pires) — Tomo VII, pág. 614. Faleceu em Lisboa a 7 de Junho de 1938 e veio sepultar-se em Avelanoso, sua terra natal. O Trás-os-Montes de 1 de Maio de 1942 publicou o seu retrato e referiu-se à homenagem que a Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, antigo Clube Trasmontano, de que Pires Avelanoso foi director, lhe prestou, pondo em foco a brilhante acção deste prestante trasmontano. A VES MIGRATÓRIAS — Os estudos das aves migratórias são muito cultivados no estrangeiro, onde há institutos dedicados a esta especialidade, em razão da «importância que têm para a ciência, turismo e protecção internacional às aves úteis». MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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BARROSO

TOMO XI

Esses institutos usam armadilhas especiais para apanhar as aves sem as molestar, a fim de lhe colocar na pata uma anilha de alumínio, onde se declara o número da ave e o instituto que a anilhou para que o informem da terra onde veio a ser apanhada ou morta. Por minha parte, mandei notícia das seguintes, mortas no distrito de Bragança: 1.° — Mosco (variedade de taralhão), morto em Baçal a 9-8-1934. Fora anilhado em Helgoland (Alemanha) a 10-7-1933. Ver tomo X pág. 39, destas Memórias. 2.ª — Taralhão morto em Baçal a 19-8-1938. Fora anilhado em Estocolmo. Mandei para lá a notícia, mas não obtive resposta. 3.ª — Taralhão morto em França a 7-8-1938. Fora anilhado em Helgoland, mas não tenho agora à mão a data que me mandaram. 4.ª — Taralhão morto em Aveleda a 15-8-1939. Fora anilhado a 25-6-1938 em Bruxelas pelo Musée Royal d’Histoire Naturelle. 5.ª — Taralhão morto nos Vilares da Vilariça. Fora anilhado em Helgoland a 4-9-1940. 6.ª — Tordo morto a 20-12-1941 em Vale-Frechoso. Fora anilhado em Helgoland a 17-10-1939.

B B ARROSO (Dr. António Alexandre Pegado de Sousa) — Engenheiro-agrónomo. Ver Trigo de Abreu (Álvaro). B ISPOS DE B RAGANÇA E M IRANDA — Tomo II págs. 3 e 240; tomo IV, págs. 645 a 677, e tomo X, págs. 314 a 319. D. R UI L OPES DE C ARVALHO ou D. R ODRIGO DE CARVALHO . Ver tomo II, pág. 7. O Dr. Mário Brandão publicou in Alguns documentos respeitantes à Universidade de Coimbra, 1937, pág. 233, uma carta deste bispo, datada de Coimbra a 25 de Abril de 1548, dirigida a el-rei D. João III, relativa ao Colégio de S. Pedro por ele (bispo) fundado. Neste tempo ainda não era bispo de Miranda. D. J ULIÃO DE ALVA — Bispo de Miranda, tomo II, pág. 10, e tomo IV, pág. 646. Frei João de Pedraza, castelhano, que veio para lente da Universidade de Coimbra a convite de el-rei D. João III, distinguiu-se muito pelas obras que publicou. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


BISPOS DE BRAGANÇA E MIRANDA

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Uma destas obras foi a Summa dos Casos de Consciência, que teve várias edições, tanto em Portugal como na Espanha desde 1567, em que apareceu em Coimbra, e é dedicada «al muy ilustre, e Reverendissimo Señor Don Julian de Alva, Obispo de Miranda». Daqui se colhe que D. Julião de Alva só renunciou o bispado de Miranda em 1566, como adverte Leitão Ferreira abaixo citado, guiado pelo «Catálogo impresso dos bispos de Miranda» (3), e não em 1564, como dizemos no tomo II, pág. 12 destas Memórias fiados na carta de D. Francisco Mascarenhas ali citada. Se assim é, também D. António Pinheiro não podia ser bispo de Miranda, como escrevemos a pág. 16 do tomo II. São enormes as lacunas e contradições da cronologia nos escritores antigos, bem como nos modernos. D. ANTÓNIO P INHEIRO — Ver tomo II, pág. 16, e tomo IV, pág. 147. O Dr. António Luís, lente de medicina na Universidade de Coimbra, conhecido pela alcunha de «Grego», pelo fundo conhecimento que tinha desta língua, dedicou a D. António Pinheiro o seguinte livro, que está manuscrito na Torre do Tombo: Libani sophistae declamatio pulcherrima de moroso que duxit oxorem loquarem. É tradução do grego em latim. D. F RANCISCO P EREIRA — Tomo II, pág. 32. O sr. Joaquim Leitão, secretário da Academia das Ciências de Lisboa, publicou em 1940 o livro intitulado Cortes do Reino de Portugal e na página 641 diz existirem no Museu Britânico de Londres, sob a marcação Cod(ice) Add. 20846, os seguintes documentos referentes a este bispo: Lisboa. Ano de 1619. «Preposição que Dom Francisco Pereira, Bispo de Miranda, fez nas cortes que se fizeram nesta cidade (Lisboa) em presença de el-rei Filipe no auto dos juramentos do dito rei e seu filho, em 14 de Julho de 1619», fólio 14. «Resposta do Dr. Nuno da Fonseca à preposição anterior», fólio 17. D. M IGUEL ANTÓNIO BARRETO DE M ENESES, bispo de Bragança — Tomo II, págs. 72 e 501 tomo IV, pág. 665, e tomo X, pág. 315. Monsenhor José Augusto Ferreira publicou em 1940 o Catálogo dos Provedores da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Braga e na página 23 menciona como provedor em 1792-1793 a D. Miguel António Barreto Forjaz de Meneses, bispo resignatário de Miranda. Não lhe conhecíamos o apelido Forjaz; mas, como era fidalgo ou nobre, nada admira mais este apendículo ao nome. (3) F ERREIRA, Francisco Leitão — Notícias Cronológicas da Universidade de Coimbra, edição de 1938, segunda parte, vol. 1, pág. 35.

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BRAGANÇA

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D. J OSÉ LOPES LEITE DE FARIA — Tomo IV, pág. 670; tomo VII, págs. 93, 711 e 817 destas Memórias, onde damos a sua biografia. Morreu a 23 de Agosto de 1927. D. ANTÓNIO B ENTO MARTINS J ÚNIOR — Sucedeu na cátedra episcopal de Bragança a D. José Lopes Leite de Faria. Fez sua entrada solene em Bragança a 11 de Outubro de 1928, onde se conservou até 8 de Setembro de 1932, indo tomar conta da de Braga. Ver tomo VII, pág. 764; tomo VIII, págs. 111 e 135 destas Memórias. D. L UÍS A NTÓNIO DE A LMEIDA — Sucedeu ao anterior e fez a entrada solene em Bragança a 26 de Janeiro de 1833. Ver tomo VIII, págs. 135 e 136, e tomo X, pág. 318 destas Memórias. Faleceu em Braga a 19 de Abril de 1941. A memória deste bondoso prelado fica na diocese de Bragança perpetuada por obras de autêntico mérito, como notamos nos lugares acima indicados. D. A BÍLIO AUGUSTO V AZ DAS NEVES, actual bispo de Bragança — Ver no respectivo lugar a rubrica Vaz das Neves (D. Abílio Augusto).

BRAGANÇA Castelo. A torre de menagem de Bragança, geralmente conhecida pelo nome de castelo, tem junto ao cimo, no lado nascente e no do sul, esculpidas em pedra, um relevo semelhante a duas conchas entre uma haste ou um pau de bandeira, cortado no alto, em forma de cruz, por duas travessas, que segura uma tira ou faixa como pano de bandeira. No tomo I, págs. 310 e 316; tomo II, pág. 308, e tomo IV, pág. 237, procuramos explicar o significado destas gravuras (4). Agora aditamos o seguinte: João da Ribeira, pseudónimo do Padre João Vaz de Amorim, pároco de Bouçoaes, concelho de Valpaços, falando da igreja de Santa Leocádia, concelho de Chaves, diz: «Lá está a linda troneira na parte externa da abside, ostentando os símbolos dos peregrinos da Terra Santa — as conchas. É, sem dúvida, esta uma das coisas que mais se admira neste belo monumento da arte românica» (5). Depois, a 8-6-1937, disse-me em carta, respondendo a outra minha: «O principal é, na verdade, a troneira ou janela. Tem talvez mais de um metro (4) Ver LOPO, Albino — Bragança e Benquerença, p. 87. TEIXEIRA, António — O Castelo de Bragança, 1933, p. 21, onde se encontra o respectivo desenho. (5) RIBEIRA, João da — Pelos Povoados da Serra (Aspectos portugueses), 1935, p. 17.

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BRAGANÇA

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de altura. É em forma de nicho, tendo dos lados dois colunelos geminados, sobre os quais repousa uma arcatura. Entre a arcatura e os colunelos, há uma espécie de tímpano côncavo, e os planos que partem dos colunelos para a friestra propriamente dita são reintrantes e oblíquos. Ao centro, tem a friestra que dá luz para o interior. Na superfície, dentro dos arcos e dos colunelos, estão esculpidas várias estrelas de seis raios e a meio do colunelo da direita duas caras e a meio do da esquerda duas conchas». Tenho presente uma bela fotografia desta janela, que me deu o grande arquitecto Baltasar de Castro, tirada para efeitos arquitectónicos do restauro da igreja de Santa Leocádia, por ele dirigido, por conta da Direcção-Geral dos Monumentos Nacionais, e nela se vêem nitidamente predominar as estrelas de seis raios, mas também se nota uma de oito e outra de quatro. E lá estão bem patentes, no colunelo da direita, duas caras e no da esquerda dois relevos como de conchas ou cabaças. As conchas, aqui, serão mero ornato ou relacionar-se-ão com a escultura semelhante do castelo de Bragança? As estrelas terão alguma ligação com as que aparecem no escudo do município de Bragança? A freguesia de Santa Leocádia, concelho de Chaves, era da Casa de Bragança, que apresentava o pároco e fazia parte da comenda pertencente à mesma Casa (6). Da cabaça, como ornato, falamos no tomo IX, pág. 307, destas Memórias. Hübner (7), falando das estátuas dos guerreiros galaico-lusitanos, aparecidas em Montalegre, numa das quais se divisam, por ornato, duas fitas, «tendo no meio e nas extremidades uma elevação, que se me afigura a forma duma concha. A aplicação das conchas para enfeite de escudo nestas costas banhadas pelo oceano não tem nada de surpreendente. Na murça dos peregrinos de São Tiago, situada um pouco mais para o norte, repete-se o mesmo uso de um outro modo». No tomo I, pág. 309, descrevemos o escudo do apelido Santiago, que, segundo Sanches de Baena (8), é: em campo de prata um pendão, feito de listas de azul e vermelho, com uma haste vermelha, seguro por duas mãos. É isto o que mais se aproxima das insculturas do castelo de Bragança. O bordão de São Tiago, isto é, o bordão dos peregrinos de Santiago, «tem duas ferragens, uma no topo superior em forma de maçaneta, outra a (6) COSTA, António Carvalho da — Corografia Portuguesa, 1706, tomo I, p. 510. (7) HÜBNER — Notícias Arqueológicas de Portugal, 1872, p. 104. (8) SANCHES DE BAENA — Arquivo Heráldico Genealógico.

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BRAGANÇA

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dois terços de altura, do formato de janelo. Se as ferragens são de outra cor, diferente da do verde, o bordão pode ser ferrado, guarnecido ou maçanetado» (9), como usam os Falcões. Por aqui se vê que o bordão de Santiago em nada concorda com os emblemas do castelo de Bragança; ao contrário, aproximam-se-lhe muito as armas de Santiago, ou seja o escudo dos Santiagos. A sugestão santiaguesa vicejava largamente em Bragança e região: a lenda popular diz que quem não vai em vida de peregrinação a Santiago (de Compostela) vai depois de morto, e dá à via láctea o nome de «Caminho de Santiago». Pelas Inquirições de el-rei D. Afonso III sabemos que uma das quatro freguesias então componentes de Bragança se chamava de Santiago (10). D. Afonso, primeiro duque de Bragança, fundou nesta cidade a confraria da nobre cavalaria de São Tiago, com escaramuças, jogos de canas, sortilha e outros exercícios bélicos de grande imponência (11). O voto de Santiago era geral em terras bragançanas (12), em que cada morador era obrigado a pagar certo número de medidas de centeio. No tomo II, pág. 307, tratamos da capela de Santiago, que veio substituir a antiga igreja, sede da freguesia do mesmo nome, por se ter arruinado. Aí, na pág. 309, mencionamos a suposição de esta capela ficar no largo, em frente à igreja de Santa Maria, mas tal não pode admitir-se, em face do texto de Borges, contemporâneo da capela, transcrito por nós na página 310. Descobertas recentes vieram confirmar a afirmação de Borges, mostrando que a capela devia ficar no local onde agora está o pelourinho, vulgarmente chamado Porca da Vila. Quando há poucos anos os sargentos ajeitaram esse largo a jardim, hoje conhecido por «Jardim dos Sargentos», apareceram os alicerces de um edifício e dentro deles e pelos lados de fora encontraram-se muitas ossadas de indivíduos ali sepultados; e, como os enterramentos então se faziam dentro das igrejas, é lícito supor que aqui esteve a igreja primitiva de Santiago e sobre suas ruínas a capela reduzida a menores proporções por perder a sede de freguesia.

(9) MATOS, Armando de — Manual de Heráldica Portuguesa. In «Instituto», 1937, p. 281. (10) Ver tomo III, p. 311, destas Memórias, onde publicamos as referidas Inquirições. (11) Idem, tomo I, p. 316, e tomo II, p. 308. (12) Idem, tomo I, p. 310, tomo III, p. 33 e tomo IV, p. 237.

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BRÁS

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Lepra. Supõe-se que a igreja de S. Lázaro pertenceria a um hospital ou casa de leprosos. «Dos cinco leprosos que havia na comarca de Bragança (em 1821), dois tinham adquirido a doença por ocasião da invasão francesa». Dr. Augusto da Silva Carvalho, História da lepra em Portugal, 1932, pág. 55, que diz tirar esta notícia da Memória sobre os meios de diminuir a elefantíase em Portugal, por Bernardino António Gomes (pai), pág. 52. Telefone. A 29 de Janeiro de 1939 teve lugar em Bragança a inauguração dos serviços telefónicos, segundo diz o jornal Terras de Bragança de 10 de Fevereiro de 1939. Visitas régias. Tomo I, pág. 275. Em 1483 el-rei D. Afonso V, acompanhado da corte, fugindo à peste que grassava intensamente em Lisboa, andou em excursão de terra em terra pelo norte do País e esteve em Lamego, Vila Real e Bragança (13). A 26 de Maio da era de 1368 (ano de C. 1330) estava el-rei D. Afonso IV em Bragança, de onde datou a carta referente às usuras dos judeus, que publicamos em A Restauração de 1640 no Distrito de Bragança, pág. 66. B RÁS (José) — Há deste escritor uma tese de direito canónico, impressa em três planas num pedaço quadrangular de seda roxa, própria para véu de cálix, dedicada a Nossa Senhora do Rosário e dos Remédios. Foi impressa Conimbricæ ex tip. in Regio Artium Collegio Soc. Jesu. Anno 1741. Está no Museu de Bragança e veio de Milhão.

C C ALEJO (Alberto Henrique Machado) — Doutor em direito. Nasceu dia 2 de Setembro de 1901, em Mogadouro. Fez os estudos liceais em Bragança e no Porto e os universitários em Coimbra e Lisboa, concluindo-os em 1927. Enquanto estudante do liceu Emídio Garcia foi redactor principal do jornal Leste Transmontano, tendo 16 e 17 anos de idade.

(13) F ERREIRA , Francisco Leitão — Notícias Cronológicas da Universidade de Coimbra, edição de 1937, primeira parte, p. 354.

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CALEJO

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No liceu Dr. José Falcão, de Coimbra, frequentando apenas o quinto ano, foi eleito em 1919 vice-presidente da Academia, que se reunia no convento de S. Bento. Fizeram parte dessa comissão alguns nomes que hoje ocupam lugares honrosos na magistratura, na medicina e na advocacia. No primeiro ano da Universidade, e portanto no de caloiro, colaborou no jornal A Academia, dirigido pelos quintanistas da mesma Universidade: — Drs. Alberto de Sousa Drumond Borges e Rui Manuel Nogueira Ramos. Em 1926, estando já na Universidade de Lisboa, foi eleito presidente da assembleia geral da Faculdade de Direito. Nesse ano foi também eleito presidente da Junta Universitária Integralista — da Acção Realista. Foi ainda eleito delegado à Federação Académica no ano de 1927. Neste ano (1927), ocupou a presidência da Associação de Direito. Durante esses anos de 1926 e 1927, de actividade académica naqueles cargos, colaborou nos seguintes jornais: a) Ideia Nacional, dirigida pelo Dr. João do Amaral; b) A Voz Nacional, idem pelo Dr. Luís Chaves; c) O Portugal, idem pelo tenente-coronel Pestana de Vasconcelos. Ainda no ano de 1925, como presidente da assembleia geral da Associação Académica, promoveu uma série de Conferências Coloniais na Faculdade de Direito, que foram classificadas pela grande imprensa como movimento patriótico (vide Diário de Notícias de 28 de Novembro de 1925). Foram conferencistas, além de outros, o Dr. Bettencourt Rodrigues (que depois foi Ministro dos Negócios Estrangeiros), Tamagnani Barbosa, Dr. Afonso Lopes Vieira, etc. Em 1927, ano em que se deu a célebre revolução do 13 de Fevereiro, por força da situação que tinha no meio académico e no meio político-doutrinário, foi o organizador, e depois eleito presidente, da comissão constituída pelos presidentes ou delegados de todas as Faculdades e Cursos Superiores da Universidade de Lisboa que «promoveram a primeira e grande manifestação académica das três Universidades do País ao Governo do senhor general Carmona». Esta manifestação terminou nas cortes, onde o Dr. Alberto Calejo fez um discurso que foi reproduzido na íntegra por todos os jornais (vide Diário de Notícias de 18 de Fevereiro de 1927. Foi, assim, o primeiro português que falou das Novas Doutrinas Políticas do «28 de Maio» no Parlamento após a queda do Governo Democrático. Como era natural, esta situação política relacionou-o com os melhores valores políticos, morais e intelectuais daquele tempo. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


CALEJO

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Foi o secretário organizador do bloco que nos primeiros passos do Governo Nacional teve grande influência política em Lisboa e no País e que era constituído pelo Dr. Martinho Nobre de Melo, actualmente embaixador no Rio de Janeiro, comandante Filomeno da Câmara, que, depois de ter sido ministro, foi Alto-Comissário do Governo em Angola, general João de Almeida, general Sinel de Cordes, ao tempo ministro, e, por isso, era apenas simpatizante desse grupo político, Dr. Fidelino de Figueiredo. Para compreender a existência deste grupo político, que chegou a ter domínio político-militar, é preciso dizer que o Governo saído da revolução de «13 de Fevereiro» viveu horas de terrível incerteza, quase dando a impressão de que pedia licença aos vencidos para ocupar o poder. É preciso dizer ainda que nessa época não existia, sob o ponto de vista doutrinário, mais do que o elemento que serviu para demolir o democratismo parlamentar e foi para criar doutrina e dar orientação intelectual construtiva que se constituiu esse grupo político, ao qual também aderiu o Dr. Armindo Monteiro, actualmente na embaixada de Londres, embora nunca tivesse assistido às suas reuniões. Todas as actas, documentos e correspondência particular de todas aquelas ilustres personalidades, alguns desses hoje já históricos, encontram-se em poder do Dr. Alberto Calejo. Depois da sua formatura, regressou à terra natal, onde adoeceu gravemente. Foi esta doença, da qual só passado quase um ano se restabeleceu completamente, que impediu que continuasse a sua carreira política e intelectual iniciada auspiciosamente em Lisboa. Restabelecido, abriu banca de advogado em Macedo de Cavaleiros, advogando também em várias localidades limítrofes. Como advogado, publicou em 1938 um estudo sobre a Tutela, a sua natureza e importância perante a Família e a Sociedade. Tem trabalhos para publicar: Estudos forenses na prática judiciária e O pensamento político contemporâneo após as Ditaduras. Como causídico tem advogado, com absoluto êxito, em causas célebres no distrito de Bragança. É sócio correspondente da Associação dos Arqueólogos e do Instituto Português de Heráldica, por eleições realizadas em 1932. Publicou: Não é válida a prestação de contas por escritura pública celebrada somente entre o emancipado e o seu ex-tutor. Minuta de agravo apresentada no Supremo Tribunal de Justiça, Lisboa, sem indicar ano de impressão, mas sabe-se que foi em 1939. 8.° de 53 págs. O Dr. Calejo fixou residência em Macedo de Cavaleiros, e, entre as causas que tem defendido, destaca-se a de Olímpio Cabral no tribunal de Mirandela, muito elogiada na imprensa. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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CAMELO

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CAMELO (Dr. Alípio Albano) — Natural de Bragança. Faleceu em Lisboa, onde residia, às duas horas e dez minutos da tarde do dia 28 de Agosto de 1938. Ver tomo IV, pág. 78, destas Memórias. CANCIONEIRO BRAGANÇANO (14) Da miséria e da desgraça Não te rias, meu amor: O pobrezinho que passa Pode ser Nosso Senhor. Moleirinho anda p’ro céu, Senhor, não tenho vagar; ’stá o pão na tremoia, E inda ’stá por maquiar. Ó raparigas, ó moças, Olhai lá por onde andais; A honra é c’mo vidro, Se quebrar não solda mais. Rio Tua, rio Tua, Rio de tanto penedo Se não fosse o rio Tua Não tomava amores tão cedo. Sou um triste podador Não te posso assistir: De dia vou para a poda, À noite quero dormir. C ASTRO (João de) — Natural de Linhares, concelho de Carrazeda de Ansiães, onde nasceu a 18 de Janeiro de 1879; filho de Raimundo de Castro e de D. Maria da Paixão Costa. Feitos os estudos primários na sua aldeia, embarcou em 1898 para a nossa colónia de S. Tomé, onde se dedicou à agricultura e letras, regressando definitivamente à terra natal em Julho de 1935. Publicou em S. Tomé um poemeto sobre a política local intitulado A Estupidez: tem pronto a entrar no prelo um trabalho com o título de Horas vagas e tem colaborado largamente em verso: na revista Águia, em A Desafronta, Jornal de S. Tomé, O Trás-os-Montes, O Trabalho, O Modesto, Jornal da Régua e outros. (14) Ver tomo X, p. 347.

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CASTRO

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No cancioneiro popular local andam algumas das suas composições poéticas, tendo levado à cena dramas, com geral aplauso do povo, intitulados: Alma da Pátria, baseado no movimento restaurador de 1640, e Amor de perdição, extraído do romance de Camilo Castelo Branco. CASTRO (Padre José António de) — Agora (1939), consultor eclesiástico do Governo Português em Roma, sócio da Academia Portuguesa da História. Tomo VII, pág. 92. Publicou mais: Portugal em Roma. Lisboa, 1939, dois volumes, 8.° pequeno de 438-422 págs. Sabemos que Monsenhor Castro tem realizado profundos trabalhos de investigação histórica nos arquivos romanos referentes a Portugal, cheios de notícias inéditas de sensação, que brevemente serão publicados e então daremos conta deles, se lá nos chegar a vida. Da acção de Monsenhor Castro em Roma, onde tem sido recebido em audiência particular pelo Papa e nos jantares diplomáticos onde aparece como individualidade de destaque, segundo tem noticiado a imprensa, diremos em ocasião oportuna. CORREIA (Dr. Francisco António) — Tomo VII, págs. 131 e 647, e tomo X, pág. 614. Faleceu em Lisboa, na Trav. do Pinheiro, 9 (à Estrela), a 8 de Fevereiro de 1938. Era casado com D. Antonietas Bastos Correia e deixou uma filha de nome D. Maria Luísa Bastos Correia. C OTA (António Pimentel da) — Natural de Moncorvo, filho de Domingos da Fonseca, foi lente da Universidade de Coimbra em 1672 (15). COURAÇA (Lourenço) — Natural de Moncorvo; foi lente da Universidade de Coimbra em 1556 (16). COUTINHO (Francisco de Moura) — Tomo VII, pág. 141. Da agência do Banco de Portugal em Viseu, foi transferido para a de Braga, onde faleceu a 8 de Novembro de 1941. Quantas informações para estas Memórias Arqueológico-Históricas me prestou este grande amigo! Jamais esquecerei os inúmeros favores que lhe devo.

(15) F ERREIRA , Francisco Leitão — Alfabeto dos Lentes da Universidade de Coimbra, 1937, p. 156. (16) Idem, idem, p. 123.

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CRENDICES

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CRENDICES [2] Adivinhações, preservativos, encantamentos, escritos, placas, prognósticos, cura de moléstias por feitiçarias, destruição de frutos por trovoadas e magia. Origem pagã destas crendices N.° 1

— Origenes (185+254) condena quantos dão crédito aos «augures, às artes adivinhatórias, aos preservativos, às placas escritas, aos encantamentos», bem como quantos nas moléstias recorrem aos «encantamentos, aos encantadores; quantos se servem de ligaduras e preservativos, ou empregam malefícios escrevendo certas palavras em papel, chumbo ou estanho, pondo-as sobre a parte doente do corpo, pois todas estas práticas vieram da idolatria pagã (17). Ver n. os 4, 57 e 58 e artigos: Escritos, Ligaduras, Superstições — sua origem pagã.

N.° 2

— Da mesma forma condena Origenes «quantos tiram prognósticos dos espirros, chamamento, encontro e canto das aves» (18). Ver n. os 15, 66 e 68.

N.° 3

— Thiers menciona a superstição dos que apanham a terra que está debaixo do pé direito a primeira vez que ouvem cantar o cuco e a espalham em casa para afugentar as pulgas, e a dos que colocam na rua, à porta da casa, uma ferramenta quando se lhe perde alguma cria, julgando que voltará mais depressa a casa e os lobos lhe não farão mal (19). Esta crendice é corrente em Aveleda, concelho de Bragança, e ganadeiro há que, ad cautelam, tem sempre à porta da rua uma ou duas ferramentas.

N.° 4

— Estes costumes pagãos continuaram vigorando, pois o capítulo XXIX do IV Concílio de Toledo, celebrado na era de 671 (ano de Cristo 633), ao qual assistiram também os bispos galegos, incluindo o de Braga, por ser nacional, manda depor e encerrar perpetuamente em mosteiro os presbíteros e clérigos de ordens menores que consultarem mágicos, adivinhos (haruspices), vaticinadores (hariolus), agoureiros (augures vel sortilegos) (20).

(17) (18) (19) (20)

O RÍGENES — Tract., 3, in Job. Ver n.° 5. Ibidem. T HIERS, João Baptista — Traité des Superstitions, 1777, tomo I, p. 239 e 328. FUENTE, Vicente de la — Historia Eclesiastica de España, 1855, tomo I, p. 362.

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CRENDICES

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N.° 5

— Disposições idênticas, e quase pelas mesmas palavras, encontram-se no «Código Visigótico», compilação da lei civil ao tempo, também conhecido pelos nomes de Foro Jusgo, Liber Judicum, Lex Gothorum e Fori Judicum. A lei de Cindasvinto (641-648) comina graves penas e até castigos corporais, bem como confisco de bens, aos que consultam mágicos, agoureiros e vaticinadores; aos feiticeiros, que por magia destroem os frutos e searas com granizos e tempestades; aos invocadores dos demónios para perturbar as criaturas, dirigindo-lhes sacrifícios nocturnos e ritos sacrílegos, causando danos nos animais, árvores e frutos. Entre os castigos corporais figuram: açoutes, decalvação (decalvati) e a venda como escravos, com obrigação de assistir ao castigo certo número de vizinhos para escarmenta (21).

N.° 6

— As nossas Ordenações do Reino aplicavam pena de morte à pessoa «que, de lugar sagrado, ou não sagrado, tomar pedra ara, ou corporaes, ou parte de cada uma destas cousas, ou qualquer outra cousa sagrada para fazer com ela alguma feitiçaria» (22).

N.° 7

— «I — E assi mesmo, qualquer pessoa que em circulo ou fora dele, ou em encruzilhada invocar espiritos diabolicos, ou der a alguma pessoa a comer ou beber qualquer cousa para querer bem, ou mal a outrem, ou outrem a êle morra por isso morte natural».

N.° 8

— «II — O outro si, não seja algüa pessoa ousada, que para advinhar lance sortes, nem varas para achar tesouro, nem veja em agua, cristal, espelho, espada, ou em outra qualquer cousa luzente, nem em espados de carneiro, nem faça para advinhar figuras, ou imagens algumas de metal, nem de qualquer outra cousa, nem trabalhe de advinhar em cabeça de homem morto, ou de qualquer alimaria, nem traga comsigo dente, nem baraço de enforcado, nem membro de homem morto, nem faça com cada uma das ditas cousas, nem com outra (posto que aqui não seja nomeada) especie alguma de feitiçaria, ou para advinhar, ou para

(21) Fori Judicum, titulus de Meleficis. In Portugaliæ Monumenta Historica, Leges et Cousuetudines, 1856, p. 67. (22) Ver n. os 117 e 118, onde se menciona o uso da água-benta e dos fragmentos do Círio Pascal para fins supersticiosos. Estas duas superstições são muito usadas em terras bragançanas.

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CRENDICES

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fazer dano a alguma pessoa, ou fazenda, nem para ligar homem nem mulher para não poderem haver ajuntamento carnal» (23). Ver n. os 8, 142 e 150. «E qualquer que as ditas cousas, ou cada uma delas fizer, seja publicamente açoutado com baraço, e pregão pela vila, ou lugar onde tal crime acontecer, e mais seja degredado para sempre para o Brazil, e pagará três mil reis para quem o acusar». N.° 9 —

«III — E porque entre a gente rustica se usão muitas abusões, assi como passarem doentes por silvão, ou machieiro, ou lameira virgem, e assi uzam benzer com espada, que matou homem, ou que passasse Douro e Minho três vezes, cortam solas em figueira baforeira, outros cortam cobro em lumiar de porta (24), outros tem cabeças de saudadores encastoadas em ouro, ou em prata, ou em outras cousas; outros apregoam os demoninhados, outros levam as imagens dos Santos junto da agua e ali fingem que os querem lançar em ela e tomam fiadores, que se até certo tempo o dito Santo lhes não der agua, ou outra cousa que pedem, lançarão a dita imagem na agua, outros revolvem penedos e os lanção na agua para saberem parte de algum furto, outros tem mandraguras em suas casas com tenção que por elas haverão graças com senhores, ou ganho em cousas que tratarem, outros passão agua por cabeça de cão, para conseguir algum proveito» (25). Os delinquentes destas culpas são condenados a açoutes públicos com baração e pregão no lugar onde praticaram o crime.

(23) THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 164, 190 e seguintes menciona a crendice dos que pretendem adivinhar o futuro, ou ver cenas da vida de pessoas ausentes em machado, anel, crivo, unha ou em outras quaisquer superfícies lisas e brilhantes, e o modo como operam os exploradores da estultícia humana por estes processos da tal suposta visão. Na página 133 trata dos feitiços contra o ajuntamento carnal tão correntes que o Manojito traz um esconjuro especial contra estes malefícios. A Bíblia, livro dos Reis I, cap. 38, v. 11 e seg., menciona uma pitonisa que evoca a figura de Samuel. (24) Cobro, no sentido de tala de madeira, que aqui tem não o encontro nos dicionários. Vieira e Bluteau dão-lhe o significado de cobrar, recuperar, e ainda o de cobra, serpente. Viterbo, no Elucidário, diz que indica certo foro de carne de porco. Ver tomo IX, p. 359, e tomo X, p. 109, destas Memórias. Em Baçal dizem que se não deve queimar lenha de figueira porque morrem as galinhas. (25) Ordenações do Reino, livro V, título III. Ver tomo IX, p. 378, destas Memórias, onde publicamos esta parte das Ordenações, voltando agora a repeti-la por o julgarmos indispensável ao assunto. Ver também no fim da mesma transcrição a nota referente às leis dos reis anteriores tocantes às feitiçarias.

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«Estas mesmas penas haverá qualquer pessoa que disser alguma cousa do que está para vir, dando a intender que lhe foi revelado por Deos, ou por algum Santo, ou em visão, ou sonhos, ou por qualquer outra maneira» (26)» De mais longe vinha a crendice. Eis como Moisés a proíbe aos israelitas: «Não haja em ti quem passe seu filho pelo fogo, consulte advinhos, esquadrinhe sonhos e augurios, pratique a arte de maleficios e encantamentos, nem recorra aos pitões nem evoque os mortos para saber a verdade» (27). Ver n.os 49, 56, 57 e 58. Sobre este ponto são rica fonte de notícias as Constituições dos bispados. Eis o que se lê nas do Porto: N.° 10 — «Item somos informado que ainda em nosso bispado ha outra maneira de abusos... Mandamos que nenhüa pessoa coma nem beba nas igrejas, nem nos adros dellas, nem sobre as covas (sepulturas) em dia algum». «Item condenamos outras superstições, como sejam: as mulheres não fiarem em certos dias, e certas horas; e rezar com a boca no cham, e com outros geitos e modos; e os mareantes nam sayrem para o Mar o dia em que cahio o dia dos Inocentes, e os lavradores não tomarem bois em algüs dias sinalados» (28). «Defendemos e mandamos, que nenhüa pessoa use de especie algüa de feitiçaria, nem invoquem os demonios tacita, ou expressamente, nem usem de encantamentos, circulos, sortes ou advinhações, ou agouros, nem de outros semelhantes crimes... E fazendo o contrario, poemos em cada hum dos ditos feiticeiros sentença de excumunham mayor... e depois de absoltos da excumunham, seram encoroçoados, e postos em hüa escada á porta da nossa Sé, ou da igreja onde forem freguezes, em hum ou mays domingos, todo o tempo da missa, em lugar que possam ser vistos de todos». «Outro sy defendemos, que nenhüa pessoa benza de enfermidades, a outra qualquer pessoa, nem benza gado, cães, bichos,

(26) Ordenações do Reino, livro V, título III. (27) Deuteronómio, 18, 10-12. (28) Constituições do Bispado do Porto, 1585, fólios 80 a 82. Ibidem, nas de 1687 e 1735.

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nem outra qualquer, nem amentem, nem encomendem com superstições o gado perdido» (29). A propósito dos mantimentos comidos sobre as sepulturas, encontramos na lição VI da Breviário no dia 22 de Fevereiro, festa da Cadeira de S. Pedro de Antióquia, esta preciosa informação, tirada do Sermão 15 de Sanctis, de Santo Agostinho. Diz ele: que no seu tempo (354-430) ainda vigorava o costume pagão de colocarem mantimentos e vinho sobre os sepulcros, como se as almas dos defuntos viessem comê-los. Miror, cur opud quosdam infidelis hodie tam perniciasus error increverint, ut super tumulos defunctorum cibos et vina conferant, quasi ogressae de corporibus aminae carnales cibus requiradt. As de Lamego escrevem: N.° 11 — «Mandamos, sob pena de excomunhão ipso facto incorrenda, que nenhüa pessoa invoque, ou venere o Demonio, nem com elle faça pacto expresso ou tacito, nem use, nem ensine qualquer especie de Feitiçaria, para querer bem, ou mal, ligar ou desligar, não conceber, ou mover, ou para outras quaesquer cousas semelhantes, ou dissemelhantes... e quando qualquer pessoa para os ditos effeitos usar de pedra de ara, corporaes, e outras cousas sagradas, ou bentas, do altar, ou culto divino. E na mesma excomunhão encorrerá tôda a pessoa, que usar de arte magica, de sortes ou judiciaria, levantando figuras, pelos movimentos do sol, lua, ou estrelas, ou por outras cousas, para pronosticar as acções humanas, ou a morte, ou usar de encantamentos, ou advinhações de cousas futuras, ou descobrir furtos, ou outras cousas secretas, por meio de superstição e feitiçaria» (30). Os delinquentes, depois de absolvidos na excomunhão, eram postos no adro, de onde assistiam à missa de coraça na cabeça. Trata seguidamente dos que «curão com benções, com pannos dobrados em certo modo de cruzes, ou com certo numero de Pater nostres, ou Ave Marias, e com palavras, e algüas

(29) Constituições do Bispado do Porto, 1585, fólio 130-131. Pelo mesmo teor falam as do Algarve, 1674 e 1759, p. 522; Braga, 1697, p. 287 e 606 a 611; Lamego, adiante transcritas; Guarda, 1621, p. 482; Miranda do Douro, 1565, p. 126; Portalegre, 1632, e Viseu, 1617. Ver tomo IX, p. 339, destas Memórias. (30) Constituições do Bispado de Lamego, 1683, p. 403.

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da Sagrada Escritura, como se as ditas cousas e palavras tivessem de sy virtude de curar». Menciona depois: os que no dia de «São João Bautista colhem hervas e levam agua da fonte para casa, ou se lavam nella a gente e os animaes antes do sol nascer, metendo na cabeça á gente de pouco saber, que redunda em honra, e louvor do Santo; e que depois de nascer o sol, ou em outro dia, colhidas as hervas em nome e honra delle não terão igual virtude; os que dizem certas orações, crendo por certo, que no dia, em que as disserem, lhes sucederá tudo bem; os que mandar dizer missas com certo numero de candêas (velas) e que não haja de ter mais nem menos, ou que hade ser dita por clerigo, que se chame João, ou de outro certo nome; os que trazem nominas (escritos), nomes, orações ou palavras escritas, ao pescoço, crendo que por sua virtude nonca será ferido na guerra, ou nas brigas, ou que não morrerá em fogo, nem afogado, ou de morte subita e que tudo lhe sucederá prosperamente». Aponta seguidamente as «observações vaãs», como as Constituições chamam ao «cantar de tal ave, ou uivar dos lobos, ou bramir dos leões, ou outros animaes; tomar por mau agouro saindo de casa, se encontrar, ou lhe passar por diante certo animal, ou outra cousa semelhante; ou se guardar de hum dia mais que de outro, para sair de casa, ou entrar nella, ou fazer jornada; ou entrando em casa, ou saindo, faz misterio, de ser primeiro com hum dos pés, mais que com outro» (31). N.° 12 — Afinal, estas crendices, como se vê pelos n.os 1, 4, 9, 15, 49, 57 e 58, vêm já do paganismo, servindo apenas as citações que fazemos para documentar a sua vigência através dos séculos. O Cânone VI do concílio de Elvira, celebrado em 302, que, de modo especial nos toca por pertencer à Península Ibérica, condena quem matar alguém por meio de feitiços (32) . Esta disposição passou para os Cânones Penitenciais (33). O Cânone VIII do Concílio de Braga, celebrado em 598, anatematiza os que crêem que as tempestades, trovões, relâmpagos e estiolamento das plantas pela seca e falta de chuvas são obras do

(31) Constituições do Bispado de Lamego, 1683, p. 405. (32) F UENTE , Vicente de la — Historia Eclesiastica de España, 1855, tomo I, p. 310, onde vêm transcritos os Cânones do Concílio. (33) Ibidem, p. 331, e tomo II, p. 533.

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diabo (34). O mesmo Concílio no Cânone IX anatematiza os que pretendem adivinhar o futuro das criaturas pela inspecção das estrelas. O Cânone XIV do mesmo Concílio anatematiza os que não comem carne de animais, não por espírito de penitência, mas por julgarem a carne imunda, como dizem os priscilianos. O hereziarca Prisciliano era galego, e por aqui ficou muita da sua doutrina. O Cânone XVI do mesmo Concílio condena os que na Semana Santa, segundo a seita prisciliana não jejuam e dizem que, em vez de função solene, se deve celebrar missa de defuntos. O IV Concílio de Toledo, celebrado na era de 671 (ano de Cristo 693), renovou a mesma condenação (35). N.° 13 — Thiers (36) indica a crendice que recomenda não comer carne nem ovos em certos dias de festa solene, como são os de Páscoa e Natal (ver n.° 122), a fim de ser preservado de febres durante o ano, e nas páginas 262 e 267 menciona a dos que jejuam a pão e água em dia de Páscoa, aconselhando também comer um galo na sexta-feira Santa em memória do que cantou como aviso da negação de S. Pedro com o mesmo fim, que devem filiar-se na doutrina priscilianista (37). À mesma doutrina deve ligar-se o costume reprovado pelo capítulo XI do IV Concílio de Toledo, que foi nacional para todas as Espanhas, no qual se proíbe o costume de cantar aleluia nos ofícios divinos da Quaresma, por ser tempo de tristeza e penitência e não de alegria (38). Em Baçal e noutras terras bragançanas dizem que os pássaros no dia da Assunção do Senhor só levam de comer uma vez aos filhos no ninho, guardando assim a abstenção do trabalho neste dia Santo, o maior de todos.

(34) No tomo IV destas Memórias, p. 368, apresentamos casos desta lenda. (35) FUENTE — Historia Eclesiastica de España, tomo I, p. 354. (36) T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 324. (37) Ibidem, p. 262. (38) F UENTE — Historia Eclesiastica de España, tomo I, p. 355. Os priscilianos praticavam o jejum nos domingos; consideravam o matrimónio como coisa proibida e crime matar animais para os comer. Ibidem, p. 161. Entre os priscilianos e os maniqueus havia muitas analogias doutrinárias.

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Agouros, presságios, sua origem proveniente dos Egípcios N.° 14 — São Basílio (329+379) condena quantos tomam por mau agouro: ouvir espirrar uma pessoa quando se passa na rua e, da mesma forma, encontrar um gato, um homem virolho ou manco da perna direita, ou vendo a cabeça de um cão (39). Em terras bragançanas tem grande préstimo o gato preto contra os ares maus, que dão nele e não na pessoa que junto está. O mesmo se diz da galinha preta. N.° 15 — São João Crisóstomo (347+407) menciona entre os agouros o encontro de manhã, ao sair de casa, do cego de um olho, de um coxo, de uma donzela, pois tudo lhe correrá mal nesse dia; ao contrário, será feliz se o encontro for de uma cortesã que, por isso, é saudada com satisfação e mostras de alegria (40). Ver n.° 14. «Quanto aos bons ou maus presságios — diz o mesmo Santo —, aos acontecimentos, aos espirros, ao crepitar do lume, aos incidentes sucedidos ao calçar-se, à observância dos dias para fazer certas obras, tudo isto vem da desgraçada invenção dos egípcios. O mesmo se diz dos que atribuem fecundidade e riqueza ao encontro de um ninho de ave com a mãe e, pelo contrário, desgraça ao encontro de um pedaço de ferro, de um prego, de um óbulo» (41).

Caçadores N.° 16 — Algumas destas superstições ainda hoje vigoram em terras bragançanas, principalmente entre caçadores, gente mui crendeira, já dos tempos pré-históricos. Na ida para a caça, evitam as velhas alcunhadas de feiticeiras. Se passam à sua porta esfregam as armas inter cruras; fazem conjuros nas encruzilhadas dos caminhos, e, na ida para o monte, têm como propícias as conversas galhofeiras, matizadas de palavras obscenas. Também é crença geral entre artistas, que soltar uma palavra avermelhada de desespero, quando a obra a realizar não acaba de

(39) BASÍLIO , Santo, in cap. II. Isaías. (40) JOÃO C RISÓSTOMO, Santo — Humil., XXI, ad pop. Antioch. (41) Ibidem. Sobre São Mateus, ver n.° 1.

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sair bem, dá óptimo resultado para se efectivar. Descarregam assim a tensão nervosa e, paulatinamente é que se fazem as coisas: «devagar que tenho pressa», diz o rifão. N.° 17 — Azpilcueta aponta a superstição dos caçadores portugueses, que mandavam rezar uma missa e ler nela o Evangelho chamado «de São João dos caçadores para que el aguila no les mate los açores y halcones» (42). N.° 18 — Thiers (43) menciona a dos que crêem que as raspas das árvores feridas pelo raio, tiradas com a cota de um machado na sexta-feira Santa ou no dia de São João e metidas juntamente com a pólvora e chumbo nas armas dos caçadores, são infalíveis para matar a caça; e a de trazer consigo uma folha de feto, como fazem muitos caçadores, cavaleiros e postilhões para evitar que se desferre o cavalo da retaguarda quando vão de jornada (44).

Pedras de raio N.° 19 — Em Baçal e noutras terras bragançanas chamam Pedras de raio aos machados pré-históricos e consideram-nos como sendo o próprio raio, que se enterra no solo sete braças, erguendo-se por virtude própria, cada ano uma braça, de maneira que, no fim de sete anos, chega à superfície da terra, regressando depois às nuvens, se alguém o não apanha, como muitas vezes sucede, pois são preventivos eficacíssimos para livrar de raios. Virgílio aponta como mau agouro quando o carvalho é ferido pelo raio perto de nós, e também se ouvirmos cantar a gralha num azinheiro à nossa esquerda. Saepe malum hoc nobis, si mens non laeva fuisset De coelo tactos memini praedicere quercus; Saepe sinistra cava praedixit ab ilice cornix (45).

(42) Dr. Martin de Azpilcueta, célebre lente da Universidade de Coimbra, Commento en romance a manera de repeticion latina y scholastica de juristas, 1545, edição do Dr. Joaquim de Carvalho em 1938. (43) THIERS — Traité des..., tomo I, p. 262. (44) Ibidem, p. 335. (45) VIRGÍLIO — Bucólica I. Ver n.° 19.

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As gralhas são aves um pouco menores que os melros, mas têm a plumagem cinzenta com manchas verdes-azuladas. Neste meu Baçal e noutras terras também chamam «gralhas pretas» a umas aves negras como os corvos, porém um pouco mais pequenas, que vêm aqui hibernar, sendo, portanto, migratórias (46). E ao corvo, quando passa grasnando sobre as povoações, é que atribuem enguiço de alguém morrer nelas. O mesmo dizem do piar da coruja (ver n.° 74). O mesmo dizem na Beira (47). Cícero também dá como mau-agouro o grasnar da gralha à esquerda e o crocitar do corvo à direita (48). O lugar onde cai o raio chamava-se bidental, por se fazer nele o sacrifício de uma coelha de dois dentes, passando depois a considerar-se como sagrado e enterrando ali os restos da madeira ou pedra estilhaçadas pelo raio (49). La Fontaine também diz: ...... O corvo espalha Presságios a Agoureiros Do mal futuro avisos grasna a gralha (50). ...... Um corvo Inda agora anunciava Desastre a uma ave nossa (51). O mesmo tradutor, anotando a fábula O ratinho e a coruja (52), chama triste à habitação do mocho, «porque adivinha mortes, como o cuco adivinha cornudagens». N.° 20 — Santo Ambrósio (344+397) censura os que dirigem saudações amigáveis à lua quando entra em eclipse para a consolar do perigo em que está de perder a existência (53). Ver n. os 21, 22, 23, 26, 44, 47 e 54.

(46) Ver tomo X, p. 39, destas Memórias. (47) G AMA, C. Manuel Fonseca da — Terras do Alto Paiva, 1940, p. 293. (48) C ÍCERO — De Divinatione, liv. I, caps. VII, X, XI, XVIII e XXXIX. (49) N IEUPORT — Usos e Costumes dos Romanos, tradução de Bernardo Branco, 1865, p. 217. (50) Fábula O pavão que se queixa a Juno, tradução de Francisco Manuel do Nascimento, 1815, tomo I, p. 64. (51) Ibidem, tomo II, p. 149, na fábula de Os dois pombos. (52) Ibidem, p. 277. (53) AMBRÓSIO, Santo — Serm. 4, ad Papul.

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N.° 21 — Thiers (54) aponta as seguintes superstições tocantes à lua: Escolher a lua nascente quando se muda de casa, na persuasão de aumentar seus bens. N.° 22 — Crer que a madeira cortada na última sexta-feira de Setembro, depois de vinte e cinco dias da mesma lua, não é atacada pelo caruncho e que os recipientes feitos com ela evitam a corrupção de quanto neles se guarde. N.° 23 — Olhar para a lua crescente na persuasão de curar os cravos das mãos. A crendice no corte da madeira em Setembro vigora ainda aqui em Baçal e noutras terras bragançanas. Estrabão diz que os nossos antigos trasmontanos dançavam toda a noite em frente de suas casas nos plenilúnios (55). Em Moncorvo rezam à lua nova (56) . Em terras bragançanas dizem que não se devem plantar figueiras na lua nova, pois tardam tantos anos em dar fruto quantos os dias que tem a lua. No nosso cancioneiro e adágios há muitas referências à lua, tomada como divindade ou guia: Eu estou à tua porta Notando versos à lua; Tu deitada na cama, Eu suspirando na rua. Hei-de-me ir assentar Ao circo que leva a lua; Ó pai que tendes três filhas Ficai com duas e dai-me uma. O sol prometeu à lua Uma fita de mil cores; Quando o sol promete prendas, Que fará quem tem amores!

(54) T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 258, 269 e 327. (55) Ver tomo IX, p. 240, destas Memórias, e p. 322, onde transcrevemos o texto. (56) VASCONCELOS , J. Leite de — Ensaios Etnográficos, 1906, vol. III, p. 130, e vol. II, p. 71.

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Ó lua vai-te deitar Ó quarto da minha amada, Dá-lhe um abraço por mim Se ela estiver acordada. Ó lua, luar Deixa os meninos Crescer e medrar. Cícero (57) menciona a crendice que tem como mau presságio o eclipse da lua e a alegria despertada pelo seu reaparecimento. Seguidamente indica como mau presságio o eclipse do lua, o tremor de terra e a morte de um cidadão romano fulminado pelo raio em dia sereno. E no livro II, cap. XLIII aponta a lua como presidindo ao nascimento das pessoas, de onde vem tirarem-se prognósticos da sua conjunção com outros planetas. Ver n.os 11 e 12. N.° 24 — Santo Agostinho (354-430) menciona os seguintes agouros: mau presságio quando estremece um membro do corpo; o encontro de uma pedra, cão ou criança por dois amigos que vão de passeio, conversando. Para conjurar este perigo é necessário marchar sobre a pedra, espancar o cão ou o rapaz. Mais: caminhar sobre a soleira da sua porta, quando se passa diante da casa de habitação; meter-se na cama quando se espirra ao calçar os sapatos; voltar para casa, quando se esbarra no caminho contra algum obstáculo; desconfiar antecipadamente do mal que está para vir. Tomar como mau agoiro quando os ratos roem os nossos vestidos (58). Ver n.° 65. Cícero (59) menciona este mau presságio dos ratos. N.° 25 — Thiers (60) aponta a superstição dos que crêem que, quando se mata um cão ou um gato, virá desgraça sobre quem os mata ou sobre pessoa da sua família. Ver n.os 9, 14, 24, 25, 82 e 106. Em Baçal e terras de Bragança ainda existe a crendice de que se não deve deixar passar ninguém por entre duas pessoas que vão conversando, porque quem passa leva a boa sorte dos dois.

(57) (58) (59) (60)

C ÍCERO — De Divinatione, liv. I, caps. XI e XVIII. A GOSTINHO , Santo — L. de Doctr. Christ., c. 20. Ver n. os 62, 63, 64 e 65. C ÍCERO — De Divinatione, liv. II, cap. XXVII. T HIERS — Traité des superstitions, I, p. 126.

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Também é estranhável matar cão ou gato sem causa, resto talvez de mau presságio, mas já não lhe ligam ideia fatídica.

Ainda os agoiros, dias nefastos ao trabalho, árvores rachadas para efeitos curativos, lua, seus efeitos — Festa dos rapazes — Folguedos do São João — Procissões às fontes e encruzilhadas dos caminhos — Gargantilhas ao pescoço — Origem pagã destas crendices N.° 26 — Santo Elói, bispo de Noyan (588-659), diz que muitos guardavam as sextas-feiras, principalmente as do mês de Maio, por julgarem nefasto o trabalho nesses dias; que rachavam árvores ainda em pé para passarem seus gados pela abertura ou por valas abertas na terra; que as mulheres punham ao pescoço âmbar, invocando ao mesmo tempo Minerva e outros deuses, quando queriam fiar, tingir ou fazer outros serviços; que dirigiam palavras animadoras à lua por ocasião dos eclipses; que tinham por infrutíferos os serviços realizados na lua nova, não devendo, portanto, trabalhar-se nesse tempo; que consideravam o sol e a lua como deuses por excelência; que acreditavam no Destino, na Fortuna e na Astrologia Judiciária, tirando prognósticos do dia do nascimento das pessoas para julgar de toda a sua vida (61). N.° 27 — O Concílio de Anvers, celebrado em 1610, condena por supersticiosos quantos observam o nascimento das criaturas a fim de, pelo planeta dominante ao tempo, prognosticarem o futuro dessas pessoas, e os que mostravam as pessoas ausentes por meio de espelhos, águas, espada, espádua de carneiro e outras matérias reluzentes. Ver n.° 8. N.° 28 — Thiers menciona as seguintes superstições relacionadas com as antecedentes: não fazer barrela durante as Têmporas e Ladainhas, nem nos dias que se cantam trevas, Natal, Reis, oitava do Corpo de Deus, nem nas sextas-feiras, para evitar desgraças. N.° 29 — Não cortar as unhas, nem semear, plantar, lavrar, viajar, cortar madeiras, mexer no trigo dos celeiros nas sextas-feiras e ainda em outros dias. (Ver n.° 44).

(61) E LÓI , Santo — Serm. ad omnem pleb. et in vit, livro 2, cap. 15.

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N.° 30 — Não entrar em casa no regresso de viagens em sextas-feiras, porque é chamariz de infortúnio. N.° 31 — Não tomar banho nas quartas e sextas-feiras. N.° 32 — Crer que o pano feito de fio não obrado em sexta-feira depois do meio-dia, é capaz de ressuscitar as crianças nascidas mortas, embrulhando-as nele. N.° 33 — Dar uma dentada na casca da aveleira, carvalho ou sabugueiro antes do sol nascer, ou rachá-la e passar pela fenda o doente, tornando depois a unir, a fim de curar de maleitas e outras doenças. N.° 34 — Crer que há dias felizes e dias desgraçados para certas obras, como são: as quintas-feiras, dias de São João Baptista, São Paulo, São Marcial, Santos Inocentes, trasladação de São Martinho. N.° 35 — Não tomar banho durante a canícula nem nos dias de Santa Ana, São Tiago Maior e Santa Madalena, por serem dias nefastos, nem construir nem mandar os filhos à escola nesses dias. N.° 36 — Não fiar em dia de São Saturnino (29 de Novembro) para livrar os ovinos do mal do pescoço torcido. N.° 37 — Não trabalhar, coser, fiar em certos dias da semana, como são: quintas-feiras e sábados depois do meio-dia, com receio de fazer sofrer o Filho de Deus, provocando ao mesmo tempo lágrimas a Sua Mãe, ou de atrair alguma desgraça (Santo Agostinho, Serm. 215 de Temp., fala nesta superstição). N.° 38 — Não fazer camisas nas sextas-feiras, porque atraem piolhos, nem pentear-se nesses dias, pela mesma razão. N.° 39 — Olhar ao dia fasto ou nefasto para empreender jornada e ainda ao primeiro dia do ano, supondo que será feliz ou desgraçado todo o ano, conforme indicar o primeiro dia (62). N.° 40 — Não sair de casa na véspera de uma viagem, com receio de provocar alguma infelicidade.

(62) Ver tomo IX, p. 286, destas Memórias.

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N.° 41 — Crer que quando se abre uma sepultura em domingo, para enterrar algum morto, falecerão várias pessoas na povoação durante essa semana (63). N.° 42 — Em Baçal e terras bragançanas dizem que não se deve subir às árvores nos dias do Corpo de Deus, São João e São Pedro, por serem atreitos a cair-se delas abaixo. N.° 43 — Ainda consideram como dia aziago a terça e sexta-feira (64) . À terça e à sexta-feira, não cases a filha nem urdas a teia — Trabalham sem nenhuma preocupação, mas não baptizam os filhos nem realizam os casamentos nesses dias (65). N.° 44 — Na lua nova não cortam as unhas, porque nascem espigões, e muitos não estercam nem sementam as terras, porque os estrumes se corrompem e o fruto cresce muito em palha, mas não dá grão. Ver n.° 29. Dizem também em Baçal que se vai a fortuna das casas que queimam as varas onde penduram os chouriços; que derramam os ninhos das andorinhas; que deixam entrar na cozinha um morcego, e que as amêndoas dadas nos casamentos se devem comer atrás da porta do palheiro que tenha teias-de-aranha, tanto melhor quantas mais tiver. O mesmo Santo Elói recomendava a seus diocesanos: N.° 45 — Não observeis os costumes pagãos. N.° 46 — Não presteis crédito aos gravadores de preservativos nem aos adivinhos, feiticeiros e encantadores, nem os vades consultar nas moléstias. N.° 47 — Não observeis os augures, nem os espirros nem o canto das aves quando vades de jornada, nem o dia que é para regressardes a casa, nem olheis à lua nem ao dia para começar qualquer obra. N.° 48 — «Não pratiqueis os festejos ridículos dos pagãos nas kalendas de Janeiro, seja com uma vitela ou com um FAN. (Não sei o que esta palavra francesa significa, ainda mesmo que se leia SAN, pois a

(63) T HIERS — Traité des..., p. 257 a 266 e 333. (64) Ver tomo I, p. 47, destas Memórias. (65) Ibidem, tomo II, p. 151.

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primeira letra também pode ser S), fazendo comezainas de noite, dando presentes e beberetes supérfluos». Ver Festas dos rapazes. N.° 49 — «Não façais fogueiras, nem vos senteis cantando em volta delas, nem observeis as práticas dos solstícios, nem danceis dia da festa de São João ou de outro Santo, porque tudo isto é pagão e obra do demónio». N.° 50 — «Não guardeis a sexta-feira, a menos que não seja dia santificado, quer seja no mês de Maio, quer noutro qualquer». N.° 51 — «Não leveis archotes aos templos dos ídolos, às pedras, às fontes, às árvores, às encruzilhadas dos caminhos, nem façais votos a alguma destas cousas». N.° 52 — «Não pendureis ligaduras ao pescoço das mulheres nem das bestas» (66). N.° 53 — «Não façais expiações, nem encantamentos com ervas, nem passeis vossas crias por árvores rachadas ou por fossos cavados na terra». N.° 54 — «Ninguém tenha receio de reabrir obras na lua nova» (67). Ver n.os 20, 21, 22, 26, 44 e 47. N.° 55 — Thiers aponta as seguintes superstições mais ou menos ligadas com estas: N.° 56 — Fazer passar seus animais — bois, cavalos e carneiros — sobre fogueiras de certas ervas e plantas, passeando-os em volta delas, a fim de os livrar de malefícios. N.° 57 — Com o mesmo fim passar pelas fogueiras as crianças recém-nascidas, como já faziam os egípcios e os amorrhens. N.° 58 — Colocar nos campos um tição tirado do lume na primeira dominga da Quaresma na suposição de aumentar as colheitas; acender fogueiras e fazer saltar as crianças no primeiro dia de Março pelos campos, a fim de os tornar férteis. O mesmo se diz (66) Do texto se deduz que estas ligaduras, além de outros amuletos adiante indicados, são palavras mágicas escritas em papel, chumbo ou estanho, ou pedaços de madeiras ou coisas diferentes unidas. (67) OVEN , Santo — Vida de São Elói, liv. 2, cap. 15. In THIERS — Traité des..., p. 39.

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dos fachos e brandões levados aos campos certos domingos do ano, como já faziam os romanos nas festas de Ceres (68). N.° 59 — Em Rabal, concelho de Bragança, ainda na noite, véspera de São João, se fazem grandes fogueiras com o arbusto chamado sal-puro, passando por cima delas moços e moças com grandes algazarras. O costume de defumar (passar por cima de fogueiras onde se queimam ervas cheirosas) galinhas, porcos e outros animais doentes, é corrente em terras bragançanas. Também defumam as lojas dos animais, e com solas velhas, cornos e coisas semelhantes, que produzem cheiro nauseabundo, fazem fumaças para afugentar as doninhas, que atacam os galináceos e ainda contra os feitiços. N.° 60 — O VI Concílio de Paris (829) condena quantos tiram presságios e quantos crêem que, por encantos, malefícios e artes diabólicas, se podem produzir tempestades e granizos, que destruam os frutos, predizer o futuro, tirar os frutos das árvores ou dos campos e dá-los a outros, bem como mandar sobre eles animais, ratazanas, que os destruam ou lobos que devorem os rebanhos (69). N.° 61 — Thiers menciona a superstição dos que acreditam que se podem provocar chuvas, tempestades e trovões para causar dano ao próximo, por uma vara ou vassoura mergulhada na água e palavras mágicas (70). N.° 62 — São maus presságios: estremecer um membro do corpo (71). Ver n.° 24. N.° 63 — O encontro, por dois amigos que vão de passeio, de um rapaz, um cão ou uma pedra. Ver n.° 24; N.° 64 — Espirrar ao calçar dos sapatos; entristecer-se com o dano. Ver n.° 24; N.° 65 — Entristecer-se com o dano causado pelos ratos que roeram os sapatos. Ver n.° 24; N.° 66 — Ouvir o canto de certas aves. Ver n.os 2, 15 e 66;

(68) (69) (70) (71) a 184.

THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 150, 151, 263 e 265. Ibidem, p. 15. Ibidem, p. 135. Este e os seguintes presságios encontram-se em THIERS — Traité des..., vol. I, p. 133

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N.° 67 — Encontrar de manhã, ao levantar-se, um banco pinchado, ou quando alguém cospe no lume; N.° 68 — Encontrar de manhã, ao sair de casa, um padre, frade, donzela, lebre, serpente, lagarto, corvo, cabrito montês ou javali; pelo contrário, será bom presságio se o encontro for com um lobo, cigarra, cobra, sapo ou mulher mundana; N.° 69 — Arramar-se o sol sobre a mesa ou sobre as nossas calças; N.° 70 — Voar uma boa-noite sobre nós; N.° 71 — Soltar-se o sangue do nariz esquerdo; N.° 72 — Encontrar antes de jantar uma mulher prenhada; N.° 73 — Calçar primeiro o sapato do pé direito; N.° 74 — Encontrar no caminho, à esquerda, certo número de pegas ou de outras aves; N.° 75 — Lançar cinza, em lugar de areia, sobre a escrita; N.° 76 — Navalhas em cruz; crer que uma navalha oferecida a um amigo quebra a amizade entre os dois; N.° 77 — Marchar sobre fetos; N.° 78 — Convidar para madrinha de uma criança uma mulher prenhada, pois pouca vida terá uma das crianças; N.° 79 — Amortalhar um defunto sobre a mesa do quarto onde morreu, devendo, por isso, amortalhar-se sobre o pavimento do sobrado ou sobre a terra ou sobre um banco; do contrário, morrerá outra pessoa da casa dentro de um ano [esta crendice ainda vigora em Bragança. Ver tomo V, pág. LXXXVI, destas Memórias, e deve vir dos romanos, cujos ritos fúnebres mandavam colocar o cadáver no chão para o embrulhar] (72). Cantar a galinha antes do galo (em terras de Bragança consideram como mau presságio). (72) MARRECOS, Manuel Martiniano — Antiguidades Romanas, 1864, p. 131.

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N.° 80 — Cantar a galinha como galo; e, para afastar o mal, recomendam matar a galinha e comê-la. O mesmo dizem em Baçal e na província da Beira (73). N.° 81 — Falar a mulher mais alto ou antes do marido. N.° 82 — Crer que são bons ou maus presságios quando um cão negro entra em casa estranha; N.° 83 — Cair uma cobra pela chaminé; N.° 84 — Espirrar de manhã, ao meio-dia ou à tarde raras ou muitas vezes; N.° 85 — Dar uma novidade triste num banquete; N.° 86 — Marchar sobre as pegadas de outra pessoa; N.° 87 — Ouvir o trovão à esquerda ou á direita (ver o artigo Trovão); N.° 88 — Dar o primeiro passo ao sair ou ao entrar em casa com o pé direito ou esquerdo (74). N.° 89 — São Bernardino de Sena (1375+1441) indica estas: N.° 90 — Colocar à porta da rua a cremalheira (lares, cadeado da cozinha) para afugentar as trovoadas; N.° 91 — Pôr sobre o mastro do navio uma espada desembainhada para serenar a tempestade; N.° 92 — Dançar dia e noite na igreja durante as festas da Assunção (15 de Agosto) e São Bartolomeu (24 do mesmo mês) para evitar ou ser curado da paralisia. N.° 93 — Não comer cabeças de animais, a fim de evitar dores de cabeça. Ver n. os 8, 107 e 119. N.° 94 — Tocar com os dentes os de um enforcado ou morto, ou meter um ferro entre os dentes, quando tocam os sinos em sexta-feira Santa, para curar a dor de dentes;

(73) G AMA, Fonseca da — As Terras do Alto Paiva, 1940, p. 293. (74) Esta e as anteriores encontram-se em THIERS — Traité des..., vol. I, p. 133 a 184.

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N.° 95 — Trazer nos dedos um anel feito no tempo que se lê na igreja a Paixão de Cristo, a fim de curar de gota epiléptica; N.° 96 — Tomar duas canas ou duas nozes de avelã e, unindo-as, trazê-las penduradas no pescoço, para se livrar de quebrar pernas, braços ou outros membros do corpo; N.° 97 — Lançar sobre as crianças atacadas de bichas, água com chumbo derretido ou linho fiado por uma virgem para as curar, ou então chispas de fogo resultantes dos pontapés dados nas pedras dos muros; N.° 98 — Destelhar o tecto da casa onde está algum doente a quem se deseja a morte, ou se deseja que morra, para lhe abreviar os sofrimentos; N.° 99 — Levantar os enfermos da cama sob pretexto de tirar alguma pluma de ave que lá esteja e lhe impede de morrer; N.° 100— Enxotar as moscas da casa onde está uma parturiente, a fim de evitar que a criança seja do sexo feminino; N.° 101 — Passar as crianças pelas raízes dos carvalhos para as curar de certas moléstias; curar a doença dos rins, lançando o doente de bruços e passando-lhe sobre eles três vezes uma mulher que teve dois filhos de um parto, empunhando duas rocas na mão, pronunciando ao mesmo tempo certas orações aplicáveis ao caso. O mesmo se pratica quanto ao aberto de veias ou nervos, que saíram do seu lugar ou tomaram vento, como o povo diz, devido a excessos de trabalho; N.° 102— Curar as sezões, dando a comer aos doentes folhas de certas árvores ou maçãs, sobre as quais os encantadores escreveram determinadas palavras (75). Ver n.os 5 e 8. Thiers menciona as seguintes crendices que têm relação com as de São Bernardino: N.° 103 — Colocar a cremalheira à porta da rua para ter bom tempo; Acreditar que se pode secar o leite às vacas por meio de certas ervas queimadas na lareira;

(75) BERNARDINO

DE

SENA, Santo — Serm. L, in Quadreg, art.° 7, cap. I, tomo I.

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N.° 104 — Roubar uma couve na horta vizinha e secá-la na cremalheira, a fim de curar certas febres (sezões). Outros dizem que basta apenas roubar qualquer coisa ao vizinho sem precisar de a secar; N.° 105— Secar um ovo ao lume, metê-lo depois na fornalheira para curar as febres; N.° 106 — Passar os gatos e os pintainhos em volta do cadeado da cozinha para não perderem o tino da casa; N.° 107— Atar à cabeça a corda que serviu para enforcar uma pessoa ou as ligas de uma mulher para não sentir as dores de cabeça. Ver N. os 88, 93 e 119. Não sei se as ligas femeáceas tiram as dores de cabeça; mas Camilo Castelo Branco fala, em qualquer parte dos seus romances, nas que lhe causaram as ligas das meias de certas mulheres; todavia, casos haverá em que talvez produzam o efeito revulsivo da corda da forca. N.° 108— Esfregar os dentes aos de um morto e, melhor ainda, aos de uma pessoa assassinada ou morta violentamente, para curar dores de dentes. N.° 109 — Espetar um prego numa parede para curar a dor de dentes; N.° 110 — Pedir três esmolas em honra de São Lourenço para curar dores de dentes. N.° 111— Crendo que dizendo o Padre-Nosso ao invés, isto é, começando do fim para trás, se cura a dor de dentes; N.° 112 — Matar um galo na presença do doente, para que morra ou sare mais depressa; N.° 113 — Crer que o doente não pode morrer se estiver sobre um colchão de penas de perdiz, sendo, portanto, necessário tirar-lhas para lhe abreviar os sofrimentos (76). N.° 114— Em Aveleda, concelho de Bragança, e noutras terras bragançanas ainda vigora o costume de afastar as trovoadas, pondo o cadeado da cozinha ou a pá do forno à porta da rua.

(76) T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 134, 327, 328, 334, 337, 339 e 540, e tomo II, p. 19.

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N.° 115 — Noutras aldeias tocam, por alto, os sinos da igreja para o mesmo efeito, porém diz o povo que nem todos os sinos têm tal virtude, por este motivo: aqui, na área baçalense, tocam apenas os de Sacoias e Varge e nunca os de Baçal e Vale-de-Lamas, que, falhos de tal predicado, atrairiam em vez de repelir os trovões, caso os tangessem. N.° 116 — Os mesmos acreditam que para curar os bichos nascidos nas feridas dos porcos, basta colocar uma fronça (frança) de amoreira no cadeado da cozinha, pois os vermes irão caindo secos e mortos à medida que o ramo for secando. No artigo Maleitas falaremos acerca dos efeitos curativos do roubo em homenagem aos Santos. O cardeal Cusa, delegado do papa Nicolau V (1447+1455), inumera as seguintes: N.° 117— Dar a beber água-benta aos doentes, quer pessoas, quer animais, para os curar; N.° 118 — Usar de pedaços do círio-pascal e de água da pia baptismal para fins supersticiosos; N.° 119— Não comer cabeças de animais em honra de Santa Apolónia ou de São Brás para evitar dores de cabeça e de garganta (ver n.os 8, 93 e 107); N.° 120— Servir-se de cera-benta e de ramo-bento para fazer cruzes que livram de certos males; N.° 121 — Banhar-se na véspera de Natal e de quarta-feira de Cinza para evitar certas febres e dores de dentes; N.° 122 — Não comer carne dia de Natal, a fim de evitar certas febres; N.° 123— Rezar a São Nicolau para obter riquezas; N.° 124— Ir de peregrinação a São Valentim, pedindo esmola para curar a epilepsia (outros, para o mesmo fim, pesam-se a trigo ou a centeio. Thiers, Superstitions, tomo I, pág. 328); N.° 125 — Pesar os meninos de peito com centeio ou cera; N.° 126 — Colocar nos campos uma cruz para desviar as tempestades; MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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N.° 127 — Fazer ofertas de pedras a Santo Estêvão e de flechas a São Sebastião; N.° 128 — Usar da agulha que atravessou a mortalha de um defunto, ou de um pedaço de madeira da forca ou de diversas qualidades de madeira reunidas, para despertar amor, ódio ou cura de certas moléstias; N.° 129 — Usar da hóstia não consagrada para cura da icterícia; N.° 130 — Servir-se de urina ou de pintainhos para cura de diversas moléstias (77). Ver n. os 137 e 139, e tomo lX, pág. 240, destas Memórias, onde transcrevemos um texto de Estrabão alusivo ao uso da urina pelos nossos lusitanos, onde, por engano, escrevemos crinas em vez de urinas. Thiers (78) menciona as seguintes, relacionadas com as antecedentes: N.° 131— Mulheres que dão aos homens comidas preparadas com certas imundícies, a fim de os perturbar, para conseguir deles amor, ódio ou quanto queiram; N.° 132— Empregar o malefício do ódio para tirar o do amor, consagrando com fórmulas mágicas um pombo negro e dando-o a comer às duas pessoas em partes iguais; N.° 133— Mulheres que, para se fazer amar de seus maridos, cortam as cabeleiras, oferecendo-as depois três vezes no altar com uma vela acesa, colocando-as seguidamente sobre suas cabeças; N.° 134 — Trazer consigo o marido um pedaço de corno de cervo para que a mulher o estime sempre; N.° 135 — A mesma coisa pode servir aos bois e aos cavalos para os livrar de todas as moléstias; N.° 136 — Trazer consigo o marido o coração de uma codorniz e a mulher o de um codorniz, para viverem sempre em paz.

(77) T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 30. (78) Ibidem, p. 132, 137, 150, 151, 152 e 332.

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N.° 137 — Acreditar que por meio do feitiço chamado cheviller (de cavilha) se pode impedir alguém de urinar, causando-lhe assim morte horrorosa. N.° 138 — Em Baçal ainda se usa a frase: «Aperta as cavilhas, rapaz!», aplicada aos raparigos que urinam na cama, e também aos padecentes de incontinência de urina. N.° 139— Crer que, lavando as mãos de manhã com urina, se evitam os malefícios ou o efeito deles. Por este motivo, o juiz Pascácio mandou lavar com urina Santa Luzia, segundo refere Surius na sua vida, porque a supunha feiticeira, e por este meio ela não podia evitar os sofrimentos do martírio (79). Ver N.os 130 e 140. N.° 140 — Thiers (80) traz a fórmula mágica (oração, como diz o povo) para livrar do efeito de maus tratos, espancamentos, torturas e até de sentirem as dores os supliciados quando são flagelados, enforcados, etc., de maneira que quem diz esta oração fica insensível a todos os maus tratos que lhe apliquem, embora o despedacem e façam em bifes para chouriços ou carne de adoba em vinho e alhos. Não damos a oração apresentada por Thiers porque é longa e em latim, mas no tomo IX, pág. 331, destas Memórias já apontamos outra corrente em terras bragançanas, sob o título Para nos livrar de uma pessoa que nos queira ofender, que produz o mesmo efeito. N.° 141 — O primeiro Concílio provincial de Milão (1565) manda que os bispos castiguem severamente e excomunguem os mágicos e feiticeiros, que se persuadem e prometem aos outros, que podem, por meio de ligaduras, nós, lâminas inscritas e palavras mágicas, causar moléstias ou curá-las; N.° 142— Produzir ou afastar tempestades; dominar na terra ou no mar. Outrossim manda-lhes que exterminem quantos pretendem adivinhar o futuro por meio do ar, água, terra, fogo ou coisas inanimadas, pela inspecção das unhas, lineamentos do corpo, pela sorte, sonhos e mortos. Ver n.os 5, 60, 61, 91 e 126. (79) Laurent Surius, falecido em 1578, escreveu, além de outras obras, as Vies des Saints, 1618, sete volumes (há na Biblioteca do Paço de Bragança, agora adjunta ao Museu, e lá vem o caso da lavagem com urina na vida de Santa Luzia). (80) T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 365.

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N.° 143— Item: quantos se inculcam aptos para descobrir roubos e tesouros escondidos. Ver n.° 9. N.° 144— Quantos vendem anéis para usos mágicos. N.° 145 — Quantos pretendem adivinhar o futuro por figuras, pelo aspecto do sol, lua e estrelas. N.° 146 — Quantos, para começar viagens, escolhem o dia, o tempo, o momento, o canto e o voo das aves, o encontro de homem ou animais para tirar prognósticos do bom ou mau sucesso (81). Ver n. os 1, 9, 26 e 47. N.° 147 — O bispo de Cahors (82) condenou em 1638 os recorrentes aos feiticeiros para obter cura de moléstias em suas pessoas e animais; para achar coisas perdidas; para se preservarem de ferimentos e perigos. N.° 148— Thiers (83) indica as seguintes crendices relacionadas, de algum modo, com as antecedentes: N.° 149— Tentar a cura das pessoas ou animais por meio de orações (84). (Condenação destas orações, tomo II, pág. 15, destas Memórias); N.° 150 — Causar a morte de pessoas, servindo-se de ossos dos mortos, recitando ao mesmo tempo fórmulas mágicas, ou causar-lhe longas moléstias, que as vão definhando até que morrem; ver n.° 8. Em Baçal dizem que se não deve trazer luto pelos mortos muito tempo, senão esse luto traz outro.

Tentâmen interpretativo das superstições [3] Outra fácies da mentalidade popular, mal avaliada pela crítica etnográfica, é a das crendices e superstições de que tanto escarnecem os

(81) Ibidem, p. 39. (82) Ibidem, p. 61. (83) Ibidem, p. 68. (84) Ibidem, p. 135. Ver tomo IX, p. 328, e tomo X, p. 651, destas Memórias, onde indicamos várias fórmulas. No tomo IX, p. 375, transcrevemos textos de Virgílio, Horácio e Tácito, que descrevem feitiçarias ainda hoje usadas.

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pseudo-cientistas, atribuindo-as à rudeza do povo. E, no entanto, mesmo a priori se vê que nessas crendices deve haver incógnita apreciável. Na verdade, como admitir tal rudeza no povo que tem cantares desta sublimidade? Chamaste-me tua vida Eu tua alma quero ser: A vida acaba com a morte, A alma não pode morrer. Que filósofo, embora se chamasse Sócrates, Platão, Aristóteles ou São Tomás, pode dizer mais e melhor em tão poucas palavras, geniais pela profundeza do conceito e pelo aticismo da forma literária?! Que lírico erudito atingiu a finura deste sentimento e a simplicidade desta expressão?! E então a ingénua ternura deste: Relógio de Mesão Frio Peço-te por caridade: Que dês as onze mais cedo E a meia-noite mais tarde. Se das ciências filosófico-teológicas vamos às astronómicas, encontramos verdades cheias de surpreendente espírito de observação como estas: «Dia de Natal já o dia tem mais o salto de um pardal». O pardal continua aos salticos, que não vão além de palmo; o tempo avança e o povo fixa mais outro miliário no ciclo da sua marcha, dizendo: «Dia de Santa Doroteia (8 de Fevereiro) já o dia tem mais hora e meia». O tempo não pára e, com ele, os salticos do pardal giram também, e o povo crava mais outra marra divisória, afirmando: «Março, iguarço: o dia c’oa noite e o pão com o charguaço». E assim andando se escoa o ano, e a ciência dos sábios não rejeita a popular, antes concorda com ela, se é que não foi ela que os inspirou, excedendo-a, contudo, no pitoresco e no laconismo, assaz característico desta quadra: Não há luar como o de Janeiro Nem amor como o primeiro. Mas lá vem o de Agosto Que lhe dá de rosto. Cansam-se os astrónomos a rebuscar no latim e no grego radicais, terminações, prefixos e sufixos para nos transmitirem suas descobertas explanadas em largos tratados, azabumbando-nos o espírito com equinócios, solestícios, zodíacos, eclítica, etc., e o povo diz o mesmo em duas MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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palavras: «Dia de Natal, já o dia tem mais o salto de um pardal». Que agudeza de observação! Que lapidar fórmula literária! Nas ciências matemáticas, o povo sabe aspergir, na aridez dos números, o fino espírito de seu encantador bucolismo, reduzindo os problemas a lendas, que nem por isso deixam de ser matematicamente exactas, bastando lembrar, como confirmação, a das «Pombas da Joaninha». — De onde vindes, cem pombas? — perguntou o gavião a um bando delas. — Cem pombas não — volveu uma delas —; mas nós, outras tantas como nós, mais a quarta parte de nós e tu, gavião, cem pombas são. Na história natural entra com o mesmo desembaraço, e ousa até propor problemas aos cientistas, dizendo-lhes: Ó senhor estudante Que estuda filosofia: Diga-me: qual é a ave Que filhos ó peito cria? Na secura do direito comunitário, a mesma graça e precisão de loquela. Assim: A pedra que está no rio Mandei-a eu assentar. Não é minha, nem é tua: É de quem nela lavar. No direito de fogo-morto, constata a sua vigência com poéticas lendas cheias de espírito (85) , como a daquele conde estabelecido na Serra de Montesinho, de onde foi expulso pelos povos comarcãos, por lhe faltarem as varilhas (estrado de madeira onde sarandam as peneiras no acto de peneirar a farinha). No amor da Pátria, apresenta conceitos desta força: Ares da minha terra Vinde por mim e levai-me; Que os ares da terra alheia Não fazem senão matar-me. Ainda na história natural, o mesmo espírito de observação. «A rata deu os seus olhos ao sapo em troca do rabo», diz uma lenda popular. Que a rata tem olhos pequeníssimos, microscópicos, quase imperceptíveis, e que o sapo nasce com rabo, perdendo-o depois, sabe-o qualquer zoólogo; mas o que não sabe é explicar tão poeticamente a anomalia dos (85) Ver tomo X, p. 649, destas Memórias.

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olhos bonitos do feíssimo sapo, o desaparecimento do rabo deste e os olhos microscópicos da rata, que são como rebentos tardegos de olhos, aliando a tudo isto o fino espírito de observação do povo: o pitoresco da sua linguagem cheia de poéticos encantos bucólicos. Veja-se, por exemplo, o modo de significar a grandeza de uma festa religiosa. O dia da Assunção do Senhor é o maior dia Santo de guarda que há; os pássaros apenas nesse dia vão uma vez ao ninho levar de comer ao filhos, a fim de evitar o trabalho. Da troca acima, entre a rata e o sapo, procederá o ditado: trocar os olhos pelo rabo. Nas ciências morais, censurando os vícios — soberba, orgulho, presunção, desvanecimento da própria excelência, da formosura, da inteligência — a mesma agudeza em frases lapidarmente conceituosas como estas: Menina da copa alta, Não ponha o chapéu à banda; Ainda que seu pai é rico A roda também desanda. Ou então:

Aquela menina cuida Que não há outra no mundo: Não há poço tão alto Que se lhe não veja o fundo.

E ainda:

Não há rio sem ponte Nem monte sem arvoredo; Nem feia sem sua graça, Nem bonita sem seu erro.

Pois:

Tenho na minha janela Junquinhos verdes, meu bem; Todos temos nossos erros: Quem menos pensa mais tem. Raparigas, tende juízo, Moças não vos finteis: Palavras leva-as o vento, Cartas d’amor são papéis. Moças, não faleis das moças, São moças como vós; Hoje falais vós delas, Manhã falam elas de vós.

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E que diremos da riqueza léxica do povo, da facilidade com que cria palavras novas, que, afinal, os gramáticos e os filólogos têm de aceitar, pois é o povo que os leva após-de-si e não eles ao povo. Para confirmação disto, basta citar o topónimo fonte, frequentíssimo para designar sítios do termo das aldeias. Eis algumas das variedades que temos encontrado: Fonte,

Fontan,

Fontaéla,

Fontanha,

Fontanela,

Fontanina,

Fontanho,

Fontela,

Fontanica.

Fontelo.

Fontelinha, Fontelha, Fontelória, Fontelório, Fontim, Fontinha.

Por este teor, quantos mais exemplos se poderiam apresentar, recorrendo à toponímia, precioso filão, que me parece ainda inexplorado, a bem dizer. Os eruditos esfalfam-se a criar palavras extraídas dos temas latinos e gregos; o povo, porém, governa-se, e bem, com a prata da casa, portuguesa de lei, como fazem as línguas ricas. Se se trata de conselhos económicos, o povo sentencia: «O bem passar em todo o tempo, traz magro testamento». Se de excessos, mesmo devocionários que sejam lembra: «Festas e romarias, não pode ser todos os dias». E ainda: «Boa romaria faz, quem sua casa mantém em paz». Se de higiene aponta: «Se queres enfermar, ceia e vai-te deitar». Até para firmar a supremacia dos sentimentos do coração, tão característicos do nosso portuguesismo de meridionais, o povo sabe asseverar: Estudante, deixa o estudo Vem p’ro pé de mim; Vale mais uma hora d’amores Que dez anos de latim. Mas isso são cantigas — poderão dizer-me — pois Cantigas são meninices, São falas que leva o vento; Quem de cantigas faz caso É falto de entendimento. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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São cantigas, é verdade, mas há cantigas de cantigas, e delas é que diz o cantar: Quem nas cantigas repara, Não é tolo, e faz mui bem: Em cantigas vou dizendo Aquilo que me convém. Ora, se o povo teve mentalidade para descobrir tão profundos ensinamentos filosóficos, teológicos e astronómicos; se o povo cria as línguas e não os gramáticos nem os filólogos; se o povo engendrou as lendas aproveitadas pelos literatos para dar a suas obras os mais belos episódios; se o povo teve espírito observador para focar os sentimentos do coração humano, expondo-os à pública consideração em formas tão concisas, tão líricas, raramente atingidas pela poesia culta e nunca excedidas, como pode admitir-se que o povo decaia assim de tão alta esfera mental para a grosseira torpitude das crendices supersticiosas? Não, não pode ser. É que as fórmulas dessas crendices são simbólicas; são alegorias empregadas acintosamente pela antiguidade para transmitir aos vindouros as verdades que a sua experiência observadora ia descobrindo, encostando-as ao maravilhoso religioso, porque sempre assim se fez. Pois não nos diz a História que as excelentes leis feitas por Sesóstris, rei do Egipto, lhe foram inspiradas por Mercúrio, segundo ele afirmava (86); que Djemschio, rei persa, instituiu os magos encarregados de ensinarem a lei que lhe fora revelada (87); que Zoroastro, legislador persa, se dizia enviado por Deus (Ormuzd) para trazer à terra a lei escrita (88); que Minus, rei de Creta, dava as suas leis como inspiradas por Júpiter (89); que Licurgo, legislador de Esparta, dava as suas como reveladas pelo deus de Delfos (90), que Solon atribuía a inspiração das suas ao Oráculo de Delfos (91), e Numa Pompílio, rei de Roma, à ninfa Egéria. Da mesma maneira procedeu Confúcio, legislador chinês (92). Pois não nos diz a mesma História que todos os legisladores antigos atribuíam revelação divina a suas disposições para lhes dar força ante o povo e melhor as observarem (93)? (86) C ANTU , p. 192. (87) Ibidem, (88) Ibidem, (89) Ibidem, (90) Ibidem, (91) Ibidem, (92) Ibidem, (93) Ibidem,

César — História Universal, tradução de Bernardes Branco, 1876, tomo I, p. 312. p. 313. p. 334. p. 335. p. 343. tomo II, p. 214. tomo I, p. 334.

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Não vemos pela História que todas as nações modernas atribuem sua fundação ao milagre, ao maravilhoso religioso? Não vemos que sempre assim se fez, repetimos, e faz ainda hoje, criando mística propícia às novas ideologias, pois sem ela nunca vingam? Diz Cícero (94) que os arúspices tinham a sua doutrina (superstição para nós) como revelada por um homem ou Deus, que apareceu a um lavrador no rego da terra aberto pelo arado. Muito povo, atraído pelo prodígio, acorreu ao sítio; o recém-aparecido falou largamente, e suas palavras, reduzidas a escrito, aduzindo-lhe outras pelo tempo adiante, conservadas na tradição, formam essa doutrina. Cláudio Basto (95) aponta-as como filhas do ritmo. Escreve ele: «Dá-se um facto? Relacionado ele com várias circunstâncias, ou com uma circunstância apenas, mais saliente, se a coincidência de esse facto com tal ou tais circunstâncias se repete, brota a superstição». As superstições são a doutrina religiosa pagã, quer dizer: as superstições estão para o paganismo como o resumo da Doutrina Cristã ensinada nos livrinhos, vulgarmente chamados Cartilhas, do Padre Manuel Velho, do abade de Salamonde e de outros; como os Catecismos mandados adoptar pelos bispos para ensino da doutrina as crianças e ao povo estão para o cristianismo; encerram os dogmas e mistérios da religião pagã como o Padre-Nosso, Credo, Mandamentos da Lei de Deus e os Sacramentos abrangem os da religião cristã. O nome Superstições encerra ideia desprezível e foi-lhe posto pelos escritores cristãos para indicar a falsidade dessa doutrina, mas os crentes chamavam-lhe Divinatione, a julgar pelo título que Cícero, o famoso orador romano ainda hoje admirado, deu ao livro — espécie de Cartilha à maneira das nossas — em que trata dela como teólogo, pois era sacerdote categorizado e chefe dos arúspices, espécie de bispo dos nossos tempos. Divinatione significa propriamente ciência do futuro ou ciência de interpretar a revelação dos mistérios divinos feita aos homens por Deus, como pode ver-se em qualquer dicionário de latim, nomeadamente no Calepino. O nome paganismo é outra inovação achincalhadora para indicar que só a gente estúpida e parva das aldeias (pagus, de onde pagani, moradores das aldeias, e paganismo às suas crenças) acreditavam em tal religião. O paganismo produziu duas das maiores civilizações celebradas na História: a grega e a romana, para não falar na egípcia e assíria; produziu génios na literatura, eloquência, filosofia, arquitectura, escultura e pintura, (94) C ÍCERO — De Divinatione, livro II, n.° XXIII. (95) BASTO, Cláudio — Silva Etnográfica, 1939, p. 63.

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que ainda não foram excedidos, nem sequer igualados, servindo ainda hoje seus monumentos de inspiração a quem quer fazer coisa de jeito. Produziu o império romano, o maior de quantos tem havido, servido por um corpo de leis onde têm ido beber os códigos mundiais. Mas os romanos não foram superiores a tantas prosperidades. A riqueza amoleceu os costumes, o vício, o gozo material da vida, o cepticismo e o epicurismo invadiram tudo, atacando principalmente a doutrina religiosa, fonte geradora da grandeza imperial romana. Os intelectuais e os citadinos seus ouvintes deixaram-se corromper pelo mesmo vírus e os sacerdotes seguiram-nos em vez de os orientar, de maneira que a religião foi-se extinguindo pouco a pouco nas cidades e centros de influência social, ficando só nas aldeias. Por isso, disse Horácio: «Romano: a tua veneração aos deuses deu-te o império do mundo; agora despreza-los; caem em ruínas seus santuários e imagens enegrecidas pelo pó do abandono; por isso, em castigo de tua corrupção e sacrilégios, eles abandonam-te e permitem que os bárbaros invadam o império e derrotem nossos exércitos» (96). Deve notar-se que Cícero, no seu livro De Divinatione, principalmente de onde consta a maior parte das superstições adiante indicadas, parece sustentar a sua veracidade como dogmas religiosos, e de modo especial nos n.os XVIII a XX do livro I; porém, no livro II combate-as sem dó nem piedade; escarnece delas; tem-nas como acreditadas apenas por velhas tontas. E ele, que era sacerdote dessa religião (arúspice), e até chefe (bispo, como hoje diríamos), repete o célebre dito de Catão: «mirari se aiebat, quod non rideret aruspex, aruspicem, adspiceret». Seria de admirar que, encontrando-se dois arúspices, não se risse um do outro em razão da intrujice religiosa que exploravam e não têm duas palavras para a refutar! Mais adiante, no n.° LVIII, falando da filosofia, principalmente da filosofia baseada na teologia pagã deduzida de suas crenças, afirma: «Nescio quomodo nihil tam absurde dici potest, quod non dicatur ab aliquo philosophorum». Não há absurdo que não tenha sido dito por algum filósofo. E, no entanto, Cícero reconhece, em várias passagens desta obra, que a civilização romana e a grandeza do povo romano eram filhas da respectiva crença religiosa; mas, céptico, não hesita em a combater, zombando dela. Da mesma forma pensavam os outros intelectuais, tornando-se moda a indiferença religiosa. Os sacerdotes piedosos — que ainda os havia, como se colhe da obra citada de Cícero e da intitulada De natura deorum — perderam a noção das

(96) HORÁCIO — Odes, livro III, Ode VI.

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proporções, quiseram reintegrar tudo, multiplicando as preces, os exercícios espirituais, os paracismos na formação e vocação sacerdotal, as exibições espectaculosas nas festas e triunfos procissionais dos imperadores e generais vencedores, tornando-se desta maneira, em vez de sol da terra, que tudo salubriza, quando empregado com prudente moderação, tudo esteriliza quando é de mais. Ai de vós! — já dizia Cristo aos sacerdotes hebreus — que tudo estragais com as vossas longas orações (97). Os sacerdotes arranjistas, que foram para o cargo por modo de vida, para comer à tripa-forra, pensavam apenas no estômago e no modo de explorar a crença dos fiéis por meio das tais longas orações, a fim de mais facilmente lhe beber o sangue, como diz Cristo no lugar acima citado. Por isso o colossal império romano caiu, como caíram egípcios e assírios e hão-de cair todas as nacionalidades, desde que esqueçam o dinamismo da mística e das tradições falsas ou verdadeiras que lhe serviram de elemento coordenador. * Algumas superstições estão hoje reduzidas a provérbios, a uma frase ou locução proverbial. Ver artigos Frieiras e Galinhas a chocar e n.° 137. Outras, nunca foram superstições; entraram nesta categoria por tentarem conjecturar o futuro por meios naturais, como as da chuva e «lua nova trovejada, trinta dias é molhada», «lua com circo, água no bico», etc. De acordo com o supradito, apresentamos as seguintes explicações de algumas das chamadas crendices supersticiosas, por nos parecer inédito este modo de as ver.

Árvores, aves e outros animais As crendices ligadas a certas árvores e animais mencionadas neste estudo devem ligar-se a protegê-los, velando pela sua conservação, como temos dito em várias partes destas Memórias (98). Na Viticultura Duriense, 1938, mencionamos os forais que protegiam a videira e outras árvores, e em A Restauração de 1640 no distrito de Bragança, págs. 90 e 103, falamos da protecção dispensada às matas.

(97) São Mateus, 23-14. (98) Ver tomo II, p. 152, 155, 156, 165 e 284; tomo V, p. 183, e tomo IX, p. 34, 96, 101, 103, 144, 276 e 427. Sobre o assunto, ver também Francisco Mimoso Flores, engenheiro silvicultor, A Protecção da Natureza, 1939, p. 4, 80, 82, 83 e 88, onde se citam documentos do século XVI.

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No tomo IX destas Memórias, págs. 315, 345 e 552, indicamos vários animais ligados a crendices para efeito de os proteger. Ao referido propósito obedece a recomendação de não divulgar na cozinha os ninhos das aves que se encontram, do contrário vão lá as formigas e comem os ovos ou os passarinhos. Ver n.° 44. BARRELA — A mulher embaraçada que não lava logo a roupa da barrela terá parto difícil. Esta superstição lembra às mulheres nestas condições a necessidade do exercício, por ser muito útiI para facilitar os partos. De resto, a conjectura do parto doloroso é natural, pois se não lava logo é porque anda adoentada e não pode, sendo lógico concluir-se que também lhe faltarão as forças parturientes. Ver o artigo Partos laboriosos. BICHOS NAS FERIDAS DOS PORCOS — A crendice de pendurar um ramo de amoreira no cadeado da cozinha para curar os bichos nascidos nas feridas dos porcos (ver n.° 116), se não obedece ao propósito das Superstições confirmativas (ver este artigo), destina-se a glorificar as benemerências da amoreira, criadora do sirgo, fonte de grandes lucros, porque os bichos nas feridas dos porcos não progridem, morrendo dentro de um ou dois dias, sem alastrar a ferida, como sucede nos outros animais. DEJECTAR NOS CAMINHOS — A quem esvazie os intestinos nos caminhos nascem furúnculos no ânus. Ver artigo Natal. É bem clara a intenção de higiene e decência visada nesta superstição. Descobertas científicas Muitas das chamadas superstições populares, como fica dito no princípio deste estudo, encerram verdades conquistadas pela experiência dos séculos, que a posteridade nos vem transmitindo em fórmulas breves e sintéticas de sentido alegórico ou simbólico envoltas pelo sobrenaturalismo, como é próprio da antiguidade clássica e de seus mestres, que ensinavam em parábolas. Estas experiências têm conduzido a grandes descobertas científicas de interesse máximo para o progresso e bem-estar social. Entre as superstições mencionadas por Thiers (99), encontra-se a dos que crêem que os trigos não sairão negros, isto é, não serão atacados pelos fungos, murrão podre e outros danos, misturando nas sementes cal cozida (99) T HIERS, João Baptista — Traité des superstitions, tomo I, p. 262, e tomo III, p. 59.

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entre as festas da Anunciação e Natividade da Virgem (respectivamente 25 de Março e 8 de Setembro). Outros dizem que a cinza do tição do Natal, colhida no regresso da Missa do Galo, produz o mesmo efeito (100). Daqui resultaram, naturalmente, as caldas e sulfatagens cúpricas, acrescidas modernamente pelos poderosos adubos químicos, baseados nos fosfatos e nitratos. De resto, a cal e a cinza gozam desde há muito de valiosa cotação como adubos agrícolas. A circunstância de esta ser do tição do Natal e aquela cozida entre as duas festas marianas, nada vale para o caso; é apenas a panaceia julgada indispensável para fixar o ensinamento na mente popular; o sobrenatural a operar à maneira de veículo do café, chá ou caldo, escolhido pelo médico para suavizar ao doente a náusea ou agrura do medicamento. Thiers (101) menciona a superstição dos que curam as cólicas esfregando os doentes com meadas fiadas e cozidas em certos dias de virtudes especiais. Os meus vizinhos de Baçal, quando têm alguma rês bovina inchada por indigestão ou meteorismo, vão com ela dar nove voltas em redor da capela de São Sebastião, esfregando-lhe depois a barriga com terra levantada pelas ratas no adro da capela ou com pau zimbro cortado com certas cerimónias. É claro: aqui a terapêutica está no exercício dado ao animal e nas massagens aconselhadas pela ciência, mas precisando do veículo supersticioso para se manter no povo. No conceito do nosso povo, a mulher que teve dois filhos de um parto goza de grande consideração, sendo, por isso, chamada «Mulher de virtude» (ver este artigo), pela muita que tem para curar dores dos rins, inflamações, entorses, espinhela caída e vários outros padecimentos (ver o artigo Fomento agrícola). Já São Bernardino de Sena (1375-1441) menciona esta superstição, de que a ciência tanto mofa, devido ao caso da espinhela caída, que, embora não corresponda a uma realidade anatómica, nem por isso deixa de ser uma realidade mórbida. A terapêutica destas mulheres reduz-se a pisar com seus pés as partes doridas, movendo-os segundo fórmulas tradicionais, de maneira que, em última análise, tudo se reduz ao grande préstimo das massagens aconselhadas pela ciência médica. Além disso, na consideração pela «Mulher de virtude» influirá também o caso invulgar dos gémeos, que é meio caminho andado para o maravilhoso (ver tomo IX, pág. 370, destas Memórias) e a cooperação na força nacional, pois, segundo disse o grande general Petain, a França foi vencida na Guerra Mundial porque as mães francesas deram poucos filhos. (100) No tomo IX, p. 285, destas Memórias, dissemos do valor desta cinza do Natal, segundo corre em Aveleda, concelho de Bragança. (101) THIERS — Traité des..., tomo I, p. 327. Ver o artigo São João (Fogueiras do).

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O mesmo Santo refere a crendice dos que aconselham danças dia e noite nas festas da Assunção e São Bartolomeu (24 de Agosto) para evitar a paralisia (102). O efeito está na ginástica da dança; o mais serve apenas de veículo. Na verdade, em Trás-os-Montes não conheço esta superstição; mas há os saltos por cima das fogueiras do São João e as danças em volta delas para evitar malefícios ou conseguir preservativos e cura de muitas doenças. De resto, o modo de operar varia; o essencial é o exercício. Noutras terras vão de peregrinação a um santuário pedindo esmola para curar a epilepsia (ver n.° 124). O célebre lente da Universidade de Coimbra, Martin de Azpilcueta Navarro diz que no seu tempo (1545) os doentes de Coimbra iam rezar a certa cruz nove manhãs seguidas, antes de nascer o sol, para obter a cura (103). Bem está a reza, mas a circunstância de ser em nove manhãs e antes de nascer o sol, é abusão. Thiers menciona a crendice dos que curam as febres indo de manhã cedo a uma igreja dedicada a São Pedro sem se lavar, nem comer, nem beber, nem orar a Deus antes de chegar à igreja (104). Ao mesmo critério do exercício obedece a recomendação de cortar uma palha com uma enxó para curar as mãos e dedos inchados pelo reumatismo e a de andar na igreja de um lado para outro a fim de curar a pleurisia, que muitas vezes aparece juntamente com o reumatismo, e a de cortar certa erva no dia de São João e dar voltas com ela em redor das fogueiras para curar nefrites e dores de rins. Outros, para curar sezões, mandam atar-se o doente a uma árvore com uma corda, de manhã, em jejum, permanecendo assim durante algum tempo, deixando depois ficar a corda até apodrecer, e mordendo a casca da árvore ao ir-se embora ou comendo algumas folhas dela (ver n.° 102). Está-se a ver o caminho que levou à descoberta da quina, substituída, antes de ser conhecida, pelo casco de ervas e plantas amargas das nossas terras, como são a genciana e outras, que a nossa bronca estrangeirite lançou no olvido. Curar certas febres com um pano de linho que nunca fosse à barrela, embrulhando nele sal, teias de aranha, cebola e outras drogas, metendo-o depois no sovaco do baço ao começar o ataque de febre, deixando-o lá permanecer duas horas e arremessando-o depois para trás das costas (105).

(102) T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 329. (103) A ZPILCUETA NAVARRO , Martin de — Comento en romance a manera de repeticion latina y scholastica de juristas, 1545. In «Notícias Cronológicas da Universidade de Coimbra», 1939, p. 654. (104) T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 334. (105) Ibidem, p. 321.

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Meter na boca dos animais um ramo de espinheiro para os curar de certas febres (106). Assistir o doente no mesmo domingo à bênção da água-benta em três igrejas diferentes para curar maleitas e outras febres (107). Como facilmente se conclui, trata-se do exercício, muito útil em certas doenças. Outros, também para curar maleitas, mandam procurar a erva chamada boillon blanc, rezando o Rosário sem saudar nem falar a ninguém, arrancando-a com a raiz e lançando-a ao vento (108). Trata-se ainda do exercício. Outros picam um ovo com uma agulha, mergulhando-a seguidamente na urina de um doente de sezões e dando-o a comer a um homem, se o doente é fêmea, ou a uma mulher, se é macho, o doente sara logo (109). Outros para curar as maleitas mandam amassar um bolo com urina do doente, colhida no maior acesso da febre, e dá-lo depois a comer a uma pessoa, isto por três vezes, colhendo a urina durante três ataques. O doente fica são e quem come o bolo é que leva as maleitas (110). A ideia de que algumas enfermidades podem transmitir-se a outras pessoas, ficando o padecente livre delas, é corrente em terras bragançanas. Haverá aqui o gérmen da cultura do vírus atenuada, que depois se aplica como remédio preventivo, e da microbiologia contagiosa das moléstias? Em Aveleda, concelho de Bragança, vi uma mulher levar à toca de um lagarto um pouco de queijo, pois, segundo ela dizia, apenas o réptil o comesse ficava ele com as sezões e ela sarada. Esta operação devia repetir-se durante nove dias. Aqui, além do exercício, operaria também a sugestão. Noutras terras, mandam beber três vezes igual quantidade de água de três fontes diferentes, misturada num jarro novo, que nunca servisse, arramando em seguida a que sobrou, durante o ataque, para curar as sezões (111). Também se curam, dizem outros, embrulhando num pano de lã um cravo da cruz e enrolando-o em volta do pescoço, e ainda bebendo vinho onde se mergulhou a espada que degolou um homem, ou atando num pano os aparos de suas unhas, prendendo-os depois ao pescoço de uma enguia viva, lançando-a seguidamente à água (112). (106) Ibidem, p. 338. (107) Ibidem, p. 334 (108) Ibidem, p. 332. (109) Ibidem, p. 336. (110) Ibidem, p. 337. (111) Ibidem, p. 339. (112) Ibidem.

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Outros crêem que as maleitas se curam saindo da igreja em seguida à elevação do cálix e indo ao cemitério buscar ossos de defuntos e trazê-los depois pendurados ao pescoço (113). Todos estes remédios olham à terapêutica do exercício e da sugestão ou reacção, se bem que os da urina podem relacionar-se com os do amoníaco nela existente, em grande quantidade. Em terras bragançanas é corrente a crença na eficácia medicinal da urina (ver n.° 130) para curar entorses e outras doenças, mas deve ser de criatura virgem, e, para evitar equívocos, aplicam a dos meninos de mama ou de menos de seis anos de idade. Os romanos aplicavam muito a urina para lavar os vestidos e tirar-lhe as manchas gordurosas (114). Economia rural Não se devem assar as castanhas antes de nascer o trigo, porque, assando-as, não nasce, dizem os lavradores de Baçal. A sementeira do trigo, diz o povo, é na semana de São Francisco (10 de Outubro) e vai até ao São Simão (28 de Outubro). «Em chegando o São Simão tira os bois do trigo, mas do centeio não», diz o adágio. Ora as castanhas vêm por meados de Outubro, e, como no princípio as assadas não cascam bem por falta de cura e estarem tenras, é desgoverno assá-las, sendo preferível comê-las cozidas. Quando a dona de casa vende uma galinha, deve empregar parte do dinheiro na compra de dois utensílios culinários, sendo um de barro e outro de ferro, por exemplo: um prato, malga ou jarro e um garfo, senão vai-se a fortuna. Não se devem comprar cortiços de abelhas, mas somente trocá-los uns por outros, porque os comprados não vão por diante ou não dão resultado. A razão será esta: o verdadeiro colmeeiro só vende os enxames tardegos, isto é, os que saem em Junho; e, como passou a época das flores, poucos vingam: morrem à fome no inverno. Lá diz o rifão, referindo-se aos enxames: «os de Abril não os deixeis ir; os de Maio arrecadai-os; e os de São João (Junho) quer se vão, quer não). E ainda outro ditado: «colmeias e ovelhas, nem comprá-las nem vendê-las: se se te derem, farás por elas». E ainda outro: «ano de abelhas, ano de ovelhas; um ano de cria e dois de morrinha». No artigo Mortos apontamos a superstição que diz morrerem as colmeias se não guardam luto pelo dono, devendo cobrir-se com pano preto. Muitas coisas morrem com o dono, e entre outras, as colmeias. (113) Ibidem, tomo III, p. 19. (114) RICH — Dict. des Antiquités Romaines et Grecques, artigo Fullo.

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Na verdade assim é. Tenho visto grandes colmeias acabarem dentro de poucos anos após o falecimento do dono, por lhe faltar a sua vigilância de todos os dias, ou quase, pois as formigas, ratos, sapos, lagartos, texugos, pica-paus, patachins, andorinhas, gardunhas, tinha e fome dão cabo de um cortiço em poucos dias, não lhe acudindo logo. Se o olho do dono engorda o cavalo, segundo ensina o rifão, aqui é de máxima eficácia, e só os cem olhos do dono, como diz a fábula de Fedro, enxergam estas necessidades, pequenas, sem dúvida, mas urgentes, inadiáveis; por isso, o dizer-se que morrem se não guardarem luto pelo dono, é metafórico e mostra que quem as reveste de tecidos de luto não as esquece, nem a vigilância indispensável à sua conservação e aumento. Fazer fritos com ovos, água e farinha enquanto se celebra a missa na festa de Nossa Senhora da Purificação a fim de não faltar dinheiro todo o ano (115). Obedecerá esta sugestão ao sistema prisciliano, adiante indicado, ou visará poupança em lambiscos e guloseimas, visto que — como informa o ditado — «o bem passar em todo o tempo, não traz bom testamento»? Não queimar lenha de figueira, porque morrem as galinhas (116), nem de choupo enquanto os chouriços estão ao fumo, porque se corrompem, diz-se em terras bragançanas. O fumo da lenha verde de choupo pode azedar os chouriços. Quanto à de figueira, virá a crendice do seu fraco poder calorífico, segundo o dizer das canções: Pensais que sois mais que os outros, Que só em vós se encerra a virtude? Sois como o pau da figueira: Muita cinza e pouco lume. Pensais que sois mais que os outros, Que só em vós se encerra o saber? Sois como o pau da figueira, Que se queima sem arder. É possível que a crendice venha da praxe litúrgica dos Josides, filhos de Joso, que em seus sacrifícios não queimavam espargos, canas, rastolho e outros combustíveis pobres (117). Confirmando, diz o rifão:

(115) T HIERS — Taité des superstitions, tomo I, p. 327. (116) Ver n.° 12. (117) Ver o termo Joso no Dicionário da Fábula, de Chompré.

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Lume de giesta, Lume de festa; Acabou-se a giesta, Foi-se a festa. Não brincar com o lume para não mijar na cama. Esta crendice, apontada muitas vezes pelos pais às crianças, acautela incêndios e perigo de elas se queimarem. Não te chegues à fonte, porque nela está a velha que papa os meninos. Esta crendice, fundada em parte na das ninfas e divindades aquáticas, tende a desviá-las de morrerem afogadas. Ver tomo X, pág. 261, destas Memórias. A quem varre a casa de noite e lança o cisco para a rua, vai-se-lhe a fortuna. O mesmo sucede à pessoa a quem varrem junto de seus pés, dizem nas terras bragançanas. Está certo: no cisco lançado à rua de noite podem ir coisas valiosas, que de dia se veriam facilmente, e o pó sempre prejudica os vestidos e pode contaminar microbiologicamente. Quem bebe com candeia na mão, bebe o próprio juízo, isto é, perde o juízo, dizem os bragançanos. Assim se acautela a possibilidade de manchar os fatos ou entornar o azeite da candeia. Espirros (118) Mau prognóstico, e nem admira; por espirros começam as constipações, início das mais graves doenças; por isso se aconselha, no n.° 24, a cama, que é lugar quente, onde elas se podem curar. A saudação Dominus tecum, aplicada antigamente e ainda hoje aos espirrantes, inculcando está o perigo de partirem para a eternidade, desejando-lhes, portanto, que Deus seja com eles. Diz-se que esta saudação teve origem numa epidemia que antigamente devastou a Europa, da qual o espirro era o primeiro sintoma. Fomento agrícola e dignificação agrária Aspergir as couves e outros legumes das hortas com água, em dia de S. João (24 de Junho), antes de nascer o sol, a fim de as livrar da lagarta, pulgão e animais nocivos (119). Produz o mesmo efeito nos trigos aspergindo com água-benta em dia de Páscoa e do Pentecostes (120).

(118) Ver n.os 5, 14, 15, 24, 47, 64 e 84. (119) T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 263. (120) Ibidem, p. 262.

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Está-se a ver o benefício das regas, não só pelo pé mas também pela folhagem no tempo dos calores estivais, e a vantagem de combater o pulgão, ainda hoje recomendada pela ciência. Sacudir com uma vassoura certo dia do ano as plantas dos jardins, a fim de não serem destruídas pelas formigas, pulgão, piolhos e outros insectos (121). A ciência agrícola ainda hoje recomenda este processo insecticida, aplicado, não em certo dia, mas quando se vejam os invasores. É que pouco a pouco se foram ampliando os conhecimentos; Roma e Pavia não se fizeram num dia. Thiers (122) menciona a superstição que proíbe queimar-se o jugo dos bois depois de quebrado, porque o boi esteve presente ao nascimento de Cristo, e ainda a de levantar o estômago e a espinhela caída por meio da relha do arado aplicada sobre a parte doente (123). Estas duas crendices mostram a dignificação das alfaias agrícolas. Nem vale rir da do estômago e da espinhela caída; são modos de falar, imprecisos anatomicamente mas reais e bem reais quanto aos sofrimentos. Fazer sair os vitelos da loja, quando os vendem, de cu para trás, a fim de suas mães não terem tanta pena (124). Aqui é bem patente o amor dos animais. Impedir uma pessoa de dormir, pondo-lhe debaixo do travesseiro um ovo de andorinha (125). Se o mocho é o símbolo clássico da vigilância calma nocturna, porque não será a andorinha o da vigilância diurna viva, álacre, incessante exigida pela agricultura? Crer que uma aiveca tirada do arado e enterrada no limiar da porta, a fim de o gado passar por cima dela, cura a epizootia da baceira ou carbúnculo (126). Quando o cavalo se desferra, apear-se e voltar os estribos ao invés, a fim de evitar que o casco se gaste (127). Aqui, o conselho revestirá a forma de alegoria irónica, como o dos meus vizinhos de Baçal quando o jugo encerta os bois na cabeça, pois recomendam que se queime jugo e carnais, deitando os pós nas feridas do boi, ou seja que se suspenda o trabalho ao animal até curar, devendo entender-se, no caso do cavalo, o regresso a casa, a fim de o ferrar, se não quer que os cascos se lhe gastem. (121) (122) (123) (124) (125) (126) (127)

Ibidem, Ibidem, Ibidem. Ibidem, Ibidem, Ibidem, Ibidem,

tomo I, p. 333. p. 235. p. 331. p. 237. p. 136. p. 325. p. 327.

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Lançar sobre um espinheiro o leite que se coalha depressa, para lhe retardar esta alteração (128). Pendurar ao pescoço de um cavalo uma pedra furada, a fim de relinchar menos; o mesmo ao rabo dos burros para efeito de zurrarem menos (129). Em Baçal e noutras terras bragançanas prendem nos cornos, pendente sobre a testa dos bois bravos de génio, uma pedra de três ou quatro quilos, e, quando querem fugir, a pedra bate-lhes na testa, de onde o assustarem-se e ficarem sossegados.

Frieiras Crendices reduzidas a ditados ou locuções proverbiais. Como se diz no artigo Meses ao tratar do de Maio, as frieiras evitam-se untando as mãos com gordura e lançando sobre elas o pó da tampa da arca do pão (130). Maio é o fim do ano agrícola, e, como para o fim tudo se acaba, os lavradores chamam-lhe o «Mês da fome»; por isso, na sua, lembra a crendice que quem no mês de Maio tiver com que untar as mãos e pão na arca, se não está livre de frieiras, está, pelo menos, garantido contra a fome. Esta crendice está hoje reduzida à locução: para curar frieiras não há como o mês de Maio. É que em Maio os frios desaparecem e com eles as frieiras. Nas mesmas condições se encontra a que diz: voltou-se o feitiço contra o feiticeiro. Ver o artigo Mono onde tratamos dela. Em RabaI, concelho de Bragança, aconselham, para curar as frieiras, lavar as mãos em água quente onde se cozeram nabos ou grelos dia de Natal. Produz o mesmo efeito se for nos cozidos dia de São Vicente (22 de Janeiro) ou dia de São Sebastião (20 de Janeiro). O efeito está na água quente o resto é o veículo maravilhoso.

Galinhas a chocar Crer que as galinhas lançadas a chocar dia de entrudo por um borracho tiram todos os ovos, isto é, não fica nenhum gorgo, saindo, portanto, filhos de todos. (128) Ibidem, tomo I, p. 332. (129) Ibidem, p. 334. (130) Ibidem, p. 325.

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Algo entrará aqui da protecção divinal dispensada ao bêbado, consignada no rifão — ao menino e ao borracho põe-lhe Deus a mão por baixo? Mas, como pela altura do entrudo é o tempo do choco, deve entender-se que, mesmo sem grandes cuidados, vingam as galinhas, embora lançadas ao Dios te saque buena. Por este teor tem o povo outros conceitos. Assim, em Março, tempo de findarem ou estarem já feitas as podas das vinhas, diz-se: «roça qu’é Março» — porque «podar em Março é ser madraço». Em Junho, tempo de estarem já as cavas terminadas, dizem: «pelo São João, arranhadela de cão». Ora, se o rifão indica: «Fevereiro namoradeiro», não admira que no entrudo se trate de chocos a barulho, sem grandes preocupações cuidadosas, visto as duas épocas coincidirem muitas vezes ou andarem sempre perto uma da outra. E em Abril já será tarde, porquanto o anexim reza: «na semana das Ladainhas não lances as tuas galinhas». Resultará esta prevenção de a balbúrdia das Ladainhas absorver os cuidados a dispensar às chocas? Linho em curtimenta Ver o artigo Meses, ao tratar de Setembro.

Hidroterapia e banhos O politeísmo prestou culto às águas, dando-as como habitadas pelas ninfas, nereides, naides e outras divindades. Na epigrafia encontram-se várias lápides votivas às fontes e rios. No tomo IX, pág. 96, destas Memórias tratamos dos vestígios deste culto ainda vigentes na região bragançana. A sabedoria popular aproveitou habilmente estas crendices, para, à sombra delas, transmitir aos vindouros, em forma alegórica, conhecimentos úteis, adquiridos pela experiência dos séculos. Assim, Thiers menciona, tocantes ao presente caso, as seguintes superstições: banhar os rebanhos na véspera de São João e os rapazes na Sexta-feira Santa, a fim de os preservar da tinha e sarna; lavar os pés, banhar-se no mar dia da Ascensão e dia de São João, para se livrar de certas moléstias; banhar-se na véspera de Natal e quarta-feira de Cinza, para evitar febres e dores de dentes. A água como medicamento, quer bebida, quer em abluções, afusões, banhos, duches e envoltórios, gozou de grande renome desde a mais remota antiguidade, sintetizada em Hipocrates até nossos dias, dispensando, portanto, mais comentários. Em terras bragançanas ainda hoje se continua banhando os rebanhos dia de São João, antes de nascer o sol, porque a água está benta nesse dia, para MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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os livrar de moléstias; ainda os rapazes vão banhar-se dia de Cinza e ainda vão lavar às fontes do angaranho, anqueilhado ou caílho (como largamente indicamos no tomo IX, págs. 96, 324 e 552 destas Memórias), com ritos e formulários especiais, as crianças raquíticas, enfezadas, lânguidas, definhadas entre a vida e a morte. Banhos, banhos! Os banhos são bons, mas bueno es Dios, pero mata los hombres, e ainda — los baños quitan anos, dizem dois rifões espanhóis, e outros dois portugueses acrescentam: quem com água se cura pouco dura; mulheres de trinta p’ra riba, não deixeis molhar a barriga. É que os banhos amolecem a fibra e até do bem se deve usar com moderação. Ver n.os 31, 35 e 121, onde se proíbem banhos em certos dias, a não tratar-se da pegada característica de algum hidrófobo colaborador do adagiário, pois o «sórdido galego» do Épico (Lusíadas, IV-10) não significa tanto como parece, no dizer do Grande Mestre, Dr. Afrânio Peixoto (Viagens na minha terra, pág. 127). Higiene Thiers menciona as seguintes superstições, todas mais ou menos correntes em terras bragançanas, como fica dito: Enterrar os animais — bois, vacas, cavalos, cabras, carneiros e porcos — na laje onde morrem, para evitar a morte dos outros. Alguns acrescentam que devem ser enterrados com as patas para o ar (131). Trata-se de um preceito higiénico, hoje muito recomendado pela zootecnia, de que se não faria caso se não fosse imposto pelo sobrenatural supersticioso. E não é tão disparatado como parece, porque antigamente também os defuntos foram sepultados nas igrejas durante muitos séculos. As patas para o ar são outro acessório à profundidade da cova, aliás imposta naturalmente para evitar maus cheiros. Os lençóis que serviram a um morto devem lavar-se em barrela especial, para evitar a morte de quem deles se servir sem os sujeitar a esta operação (132). É bem claro o fim higiénico desta crendice, que, por isso, dispensa comentários. Mudar de nome e de habitação para curar de certas moléstias, ou tratando-se de carneiros e cabras mudá-los de uma povoação para outra (133). Aqui temos preconizada a mudança de ares aconselhada aos doentes pela medicina actual e pelo rifão: quem se muda Deus ajuda.

(131) Ibidem, tomo I, p. 328 e 336. (132) Ibidem, p. 339. (133) Ibidem, p. 150 e 327.

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Humanismo e caridade Thiers menciona as seguintes superstições: não deixar só um cadáver, nem coser, fiar ou realizar outro trabalho junto dele, para não suceder alguma desgraça à família; tirar um punhado de massa do primeiro pão que se mete no forno, fazer sobre ele o sinal da cruz, cozê-lo em seguida no forno com os outros pães e, depois de cozido, dá-lo ao primeiro pobre que aparecer em «nome de Deus e de São Alouri» para curar as crianças raquíticas; curar um animal manco fazendo-lhe levantar o pé todas as manhãs durante nove dias, dando à pessoa que ajudar a este serviço dois soldos; amassar o pão chamado de São Lobo deixando-o de forma triangular em honra da Santíssima Trindade e fazendo-lhe cinco buracos em memória das Cinco Chagas de Nosso Senhor, dando-o depois ao primeiro pobre que aparecer por amor de São Lobo, para livrar os rebanhos dos lobos (134). Relacionar-se-ão com estes bolos de forma triangular os moletes de trigo de três cabeças, portanto forma triangular, fabricados em Bragança até há poucos anos? Santo Elói (588+659) diz que muita gente guardava as sextas-feiras, principalmente as do mês de Maio, por julgar nefastos esses dias, segundo a crença pagã e improfícuos os trabalhos realizados nelas. Recomenda a seus diocesanos que não observem esta abusão por ser de origem pagã nem guardem as sextas-feiras, excepto sendo santificado (135). A privação de trabalhos nas sextas-feiras deve relacionar-se com a necessidade de um dia semanal para descanso ou de imposições de ordem económica social, que, como hoje está sucedendo, ampliam as horas de trabalho para aumentar a produção, ou as restringem a fim de evitar o desemprego. Temos aqui o embrião dos nossos domingos. Além disso, os dias em Maio são imensos, vindo, portanto, muito a propósito algo de folga. Lá diz o refrém: Maio três vezes caldo, Pão a cada via; Cear com sol E à cama de dia.

(134) T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 268, 331, 334 e 338. Ver tomo II, p. 96 e seguintes destas Memórias. E para o respeito pelo cadáver dos falecidos ver artigo Mortos. (135) Ver n.° 26.

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Fazer espadas das ferraduras dos cavalos com os quais se matou alguma pessoa, a fim de os cavalos serem mais mansos e ágeis na carreira (136). Filiar-se-á esta crendice no facto evidente de tais espadas serem menos cortantes e, portanto, menos mortíferas? Assoprar três vezes, durante nove dias, todas as manhãs na boca das crianças com cancros (aftas?) para as curar, dizendo certa oração (137). Se a vista do dono engorda o cavalo, mais cuidados deve inspirar a criança à pessoa amiga que lhe vê a doença a cada passo. Abrir e fechar a arca do pão três vezes cada manhã durante nove dias, fazendo vento quando se abre e fecha, expondo a ele as pessoas com verrugas ou impigens na cara, para as curar, ou fazer a mesma coisa dizendo três vezes o Padre Nosso, diminuindo um cada vez que se abre a arca (138). Esta da arca do pão, lembra a diligência no cuidado de não faltar o pão nela. A forneira não deve contar o pão logo que o tira do forno, porque se vai a fortuna, dizem aqui em Baçal, e alegam como motivo a obrigação de não contar para si o bolo que deve dar ao pobre e ainda o da cantiga: Neste moinho entrei, Um saco de pão furtei; Em o tendo o tornarei, Que a fome não tem lei. Também os mesmos dizem que a forneira não deve encertar o pão com navalha logo que o tira do forno, porque, se o fizer, dói-lhe a cabeça. O fundo desta superstição virá do ferro ser considerado um metal impuro nos tempos pré-históricos (139) , acrescido do aspecto encardido tomado pelo pão talhado em quente com navalha, sendo preferível esboucelá-lo? Impressionismo, sugestão, reacção Impressionismo, sugestões e reacções têm papel de largo destaque na terapêutica científica, por isso se aproveitou destes factores a sabedoria de nossos maiores, para nos transmitir os ensinamentos de sua experiência secular. Levar-nos-ia muito longe a resenha de todos eles, e, por isso, limitamo-nos a dar alguns, a fim de ajuizar do seu valor. (136) THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 333. (137) Ibidem, p. 336. (138) Ibidem, p. 335. (139) Ver tomo X, p. 99, destas Memórias.

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Thiers (140) menciona os seguintes: não querer que os pastores peguem nas candeias de iluminação, a fim de evitar as negruras do fumo, e, conseguintemente, o nascimento das rezes pretas. Na Bíblia, Genesis, XXX-34 a 43, encontramos caso similar; Passear a bandeira dos mortos em volta da igreja para que morram muitas pessoas na povoação (141). Em terras bragançanas muitas vezes não se tocam os sinos a dobrado, isto é, não se dão sinais de mortos, para evitar sustos a doentes. Passar entre a cruz e a bandeira na procissão dos domingos a fim de evitar certas febres todo o ano (142); Evitar notícias desagradáveis, tristes, nos banquetes, reuniões, etc., sinal de mau agouro; Impedir a mulher prenhada de ver o padre a revestir-se, principalmente quando aperta os cíngulos sobre a alva, se não a criança trará a embimia (cordão umbilical) enroscado ao pescoço, o que é sinal de desgraça (143). (Aqui em Baçal dizem que morrerá enforcado. A ciência embriológica confirma a doutrina de se reflectirem no feto as impressões dos genitores); Facilitar os partos difíceis, atravessando a casa da parturiente com uma pedrada ou flecha que tenha morto três animais diferentes — um homem, um javali e um urso — de golpes diversos, ou, melhor, passando o tecto da casa com o machado ou espada de um soldado arrancada do corpo de um homem antes de cair por terra. Neste caso e nos seguintes deve intervir a reacção, operando como revulsivo; Curar a dor de dentes com o dente de um morto; melhor se tiver sido assassinado, enforcado ou morto violentamente; Beber à noite água na fonte pela caveira de um morto violentamente ou queimado para curar da epilepsia; outros, para o mesmo fim, penduram no braço o cravo de um crucifixo; Comer a carne de um animal morto pela seta que matou um homem a fim de curar a epilepsia; Comer a primeira PASQUERETTE que se encontra ou esfregar-se com a primeira bosta que se vê para curar de certas febres. Não sei o significado de pasquerette, mas calculo será coisa repugnante; Curar a dor de cabeça enroscando em volta dela a corda que serviu para enforcar um homem, ou ligar a cabeça com as fitas de uma mulher (ver n.° 107); Achar por acaso uma arraiela (rã verde), pendurá-la ao pescoço de um febricitante; se a rã morre, breve cura o doente, se tarda em morrer, longa será a moléstia e pode causar a morte; (140) (141) (142) (143)

THIERS — Traité des..., tomo I, p. 237. Ibidem, p. 184. Ibidem, p. 333. Ibidem, p. 185.

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Espetar agulhas na mortalha de um defunto, trazer consigo o dente ou o olho direito de um lobo, depois de seco, para não ter medo. Para o mesmo fim montar sobre um urso, obrigando-o a fazer certos exercícios; Beber vinho onde se mergulhou a espada que degolou um homem ou atar num pano os aparos de suas unhas cortadas, pendurando-as depois ao pescoço para curar de maleitas; Curar o reumatismo gotoso por meio de três pancadas com martelo de moinho dadas por um moleiro de três raças perto do dente. Os moleiros usam de martelos de ferro aguçados em bico para picar as pedras, mas, a meu ver, o seu martelo típico, característico, provavelmente aqui indicado, será uma grande panca de madeira com que dão golpes na sapata da agulha para fazer baixar um pouco a pedra de moer. Crer que as Rosas de Jericó, quando metidas na água pela parturiente e se abrem, indicam parto feliz, ou, pelo contrário, se ficam fechadas (144). As Rosas de Jericó nada influem no parto: têm apenas a particularidade de se abrir e reverdecer, embora secas e cortadas há muitos anos, quando metidas na água, mas a sugestão pode influir vantajosamente no parto. Fazer pílulas da pele da testa de um enforcado e comê-las para sarar dos mordos de cão danado (145). Matar um galo na presença do doente para que morra ou sare mais depressa (ver n.° 112). O «benzer com espada que matou homem», indicado nas nossas Ordenações do Reino (ver n.° 12), filia-se nas curas operadas pela reacção ou pelo impressionismo. Na verdade, só quem não tiver alma deixará de sentir vibrações capazes de pela reacção natural, operando como revulsivo, produzirem as curas indicadas neste artigo do Impressionismo. Confirmando o supradito referente à acção revulsiva operada pelas convulsões morais, acima apontadas, sem mesmo lembrar o caso histórico de Átis, filho de Cresus, rei da Lídia, mudo de nascença, que vendo seu pai prestes a ser assassinado, sofreu tal choque que falou para o avisar, referirei apenas uma anedota passada na minha aldeia: Viviam junto da igreja, mui pobremente, um marido e mulher. Obrigado pela fome, foi o marido uma noite escura roubar um cordeiro à cancelada ali perto. Entretanto, a mulher, lembrando-se de meia dúzia de nozes esquecidas no fundo da arca, foi comê-las para o adro da igreja enquanto o marido não regressava. Nesta altura veio o mordomo avivar a lâmpada do Santíssimo e, sentindo os golpes da mulher a escachar as nozes, fugiu (144) Ibidem, tomo I, p. 185 e 331. (145) Ibidem, p. 339.

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aterrado, julgando serem os defuntos a romper os caixões sepulcrais para empreenderem giratórias funerárias, segundo rezavam antigas lendas. Ao referir o acontecido à família foi chacoteado por um irmão tolheito. — Sim, sim volveu-lhe ele —, tu bem falas, porque não podes andar e sabes que não te mandam lá; mas se fosses, veríamos como não te aguentavas. — Leva-me às costas — tornou-lhe o paralítico — e verás se fujo sem saber o que é, meu banabóia. O outro assim fez, levou o tolheito às costas e, ao entrar no adro, a mulher, que já acabara as nozes, supondo que era o marido com o recheio, veio ante-pé dar-lhe uma pancadinha no ombro, perguntando ao mesmo tempo: — Está gordinho? está gordinho? À céus! que tal ouvistes! O homem deitou a fugir que nem um gamo, e tão violentamente que o tolheito caiu estatelado; todavia o pavor foi de tal ordem, que os nervos se lhe desentorpeceram e, quando o são chegou a casa, já o paralítico lá estava! Não sei se o caso é verdadeiro, mas garanto a veracidade da anedota. Vou, porém, referir outro de que fui testemunha: Desde 1896 a 1910 paroquiei a freguesia de Aveleda, então anexada à de Baçal, e um dia fui chamado para confessar a paralítica Leonarda Caravelas, falecida anos depois, a 11 de Fevereiro de 1901, que só saía de casa para a cozinha ou para o sol, quando a tiravam em braços. Encontrei-a estirada na lareira, encolhida como uma gata borralheira, semelhando um farrapo de gente. Sentei-me ao pé dela e fui-lhe perguntando pelas origens da doença. Disse-me que estava assim entrevada havia muitos anos, mas que, na ocasião, estava aterrada porque o diabo lhe gritava constantemente aos ouvidos: «Hás-de ser minha, hás-de ser minha! rus-truz-truz! rus-truz-truz! Hás-de ir comigo para o inferno em corpo e alma! rus-truz-truz! rus-truz-truz!». Fiz por lhe dissipar tão pavorosa obcecação, e pareceu-me, pelo estribilho do rus-truz-truz, que se tratava de impressionismo devido à Festa dos Rapazes [4], celebrada por estas aldeias dia de Santo Estêvão (26 de Dezembro) ou dia de Reis (6 de Janeiro), com larga comezaina e respectiva vinhaça, acompanhada de algazarra pelas ruas do povoado ao som da gaita-de-foles, tamboril, ferrinhos e o mais que faça batuque, dando saltos enormes encostados a paus de ferrão, vestidos de arlequinescos fatos felpudos e máscaras horrendas na cara, soltando ao mesmo tempo os tais hi-gu-gu, grito horripilante, já mencionado por Sílio Itálico, e o rus-truz-truz da pagodeira báquica (146). (146) Ver tomo IX, p. 289, destas Memórias, onde a descrevi.

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Quando a mulherzinha ia nesta altura do diabo a arrebanhá-la em corpo e alma, a rapaziada acabou de se reunir à sua porta e rompeu a marcha, soltando os diques à barulheira infernal, e aquele farrapo de gente ergueu-se de um pulo a clamar: ai, que aí vem ele! acuda-me! — e, desaustinada, lívida, agitadíssima, começou aos pulos pela casa adiante à busca de uma porta para fugir ou de um esconderijo para se meter. Abençoada reacção de pavor! A Cega de Aveleda — assim era conhecida por também ser cega — desde esse dia por diante ficou a andar escorreitamente até que morreu passados anos. Ainda, felizmente, vive em Bragança o sr. João da Cruz e sua esposa, ao tempo professor em Aveleda, que podem dar testemunho do caso, e ainda em Aveleda vive um sobrinho da cega.

Raquitismo No artigo Preceitos humanitários e caridosos mencionamos a cura do raquitismo pelo pão dado ao pobre. Thiers (147) indica a de levar as crianças ao altar das Onze Mil Virgens a lançar azeite na lâmpada do Santíssimo Sacramento. Se a lâmpada dá logo luz mais clara, é sinal de cura rápida; se não dá, morre breve. No tomo IX, pág. 96, destas Memórias indicamos o processo dos banhos com ritos especiais usado em terras bragançanas muito recomendado pela ciência como meio de robustecer os organismos fracos.

Sistemas filosófico-teológicos esparsos nas superstições Tanto a teologia ortodoxa como a herética, aproveitaram as crendices populares ou, melhor, ajeitaram-nas para radicar nos espíritos suas doutrinas, dando-Ihe assim foros de sobrenatural miraculoso. Do priscilianismo [5], heresia muito espalhada na nossa Península Ibérica por Prisciliano, galego de origem, de que ainda hoje restam vestígios em palavras vagas e até nas concepções sociológicas e morais de muita gente, sem mesmo dar pela conta, devem ser as seguintes superstições mencionadas por Thiers: Jejuar a pão e água dia de Páscoa; não comer carne dia de Natal nem ovos dia de Páscoa; comer um galo na sexta-feira Santa em memória do que cantou como aviso da negação de São Pedro, a fim de evitar certas moléstias (ver n.° 13). (147) THIERS — Traité des..., tomo I, p. 332.

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Segundo Prisciliano, o homem não é livre; suas acções são determinadas pelo temperamento, meio, condições de vida, circunstâncias, etc. Os animais têm alma e direito à vida como o homem; portanto é um crime matá-los e comê-los. Cristo não nasceu, nem morreu, nem ressuscitou, foi tudo uma aparência; portanto, nada de festas de Natal e Páscoa, antes jejuns e penitências nesses dias, bem como nos domingos, porque o homem é essencialmente mau, como obra do diabo, que é, e precisa vida mortificada se quer salvar-se. A uma mulher de Carção ouvi eu dizer que dia de Páscoa não se deviam comer ovos, pois só à rainha Ester fora permitido comê-los nesse dia. A estas crendices de feição prisciliana contrapõem-se outras ortodoxas, todavia não menos supersticiosas, correntes em Bragança e distrito. Não se devem comer nabos dia de Santo Estêvão (26 de Dezembro), porque, além das pedras com que o lapidaram, também lhe arremessaram nabos; dia de entrudo, dia de Ramos e dia de Páscoa, não se deve comer caldo, porque mordem os mosquitos todo o ano a quem o comer, e nascem pústulas malignas chamadas carbúnculo; demais, dia de Páscoa, não se podem comer couves em memória do Senhor, a quem fustigaram com elas na cara, quando seguia para o Calvário (148). A superstição das couves já Thiers a mencionou em 1777 (Traité des Superstitions, tomo I, pág. 259), com pequena variante, pois diz: «não comer couves dia de Santo Estêvão, porque ele se escondeu nas couves para evitar o martírio». Fosse como fosse, o espírito da abusão é o mesmo. Dia de Santo Estêvão celebravam-se as festas cristãs dos Ágapes; dia de Ramos e dia de Páscoa são datas solenes do cristianismo, obrigadas a gordos repastos, alheios a magrezas de nabos, couves e caldo, que, por bom que seja, sempre é metade água. Nem obsta o ditado: «cada coisa no seu tempo e o nabo no Advento», porque sempre é coisa magra. Fechar os olhos durante o Sanctus de três missas para ser curado de unheiros (149). Escrever o Sanctus da missa numa tira de pergaminho virgem e trazê-lo consigo para ser feliz na pesca (150). Lançar-se por terra durante o Sanctus da missa para recuperar o apetite (151).

(148) Ver tomo X, p. 634 e 646, destas Memórias. Na Beira dizem que se não deve comer caldo de couves dia de Ramos para evitar os ataques da lagarta às hortas. Ver GAMA , Manuel Fonseca da — As Terras do Alto Paiva, 1940, p. 297. (149) T HIERS — Traité des superstitions, tomo III, p. 7. (150) Ibidem. (151) Ibidem.

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Pôr fetos em cruz durante o Sanctus da missa, colocando-os depois sobre o altar, no fim da missa, a fim de achar as coisas perdidas (152). Ficar assentado na missa durante a elevação da Hóstia e pôr-se de joelhos durante a do Cálix para ganhar no jogo (153). Dar tiros na igreja ou no cemitério durante o missa de Santa Bárbara e de outros Santos (154). Parece que em todas estas coisas, tendentes a distrair os fiéis, a introduzir novidades e, conseguintemente, confusão, há vestígios de priscilianismo, e não menores nas seguintes, quando não partem do chefe supremo da Igreja. É falso culto e vã observância crer que tem mais mérito ver o Corpo de Deus, quando se levanta a Hóstia e o Cálix do que não o ver (155). É falso culto e vã observância acrescentar na missa mais genuflexões (156). Ratos É mau agouro quando os ratos roem nossos vestidos ou calçado (ver n.os 24 e 65). Como vemos, esta superstição é muito antiga. Encontra-se referida por Santo Agostinho, com grande voga entre a plebe romana ignara, porém a culta ria-se dela. Segundo refere o mesmo Santo (157), Catão respondeu a quem o consultava sobre o caso: «Em os ratos roerem os sapatos nenhum milagre vejo; o contrário seria se os sapatos roessem os ratos». Cícero (158) mete a ridículo a mesma crendice; todavia, convém notar que nela quis a sabedoria dos antepassados ensinar-nos a conhecer, por modo fácil, a situação económica das pessoas, coisa de grande vantagem na vida social, procurando ao mesmo tempo despertar em nós o espírito de observação, inclusive de coisas mínimas, que às vezes trazem resultados grandes, expondo esses conhecimentos na forma clássica da linguagem sibilina, aliás própria dos sábios antigos, para nos levar à cultura do raciocínio. As roupas dos romanos e povos antigos geralmente eram de lã, linho ou seda: ora, os ratos não comem estas coisas nem os cabedais curtidos, a não ser obrigados pela fome, quando não achem pão ou carnes para (152) Ibidem, tomo III, p. 19. (153) Ibidem, p. 11. (154) Ibidem, p. 21. Em terras bragançanas os mineiros fazem a festa de Santa Bárbara mandando-lhe cantar a missa e, durante ela, botam muitas bombas e tiros. (155) Ibidem, p. 18. (156) Ibidem, p. 27. (157) Livro II, de Doctrina Christiana, c. 20. (158) CÍCERO — De Divinatione, livro II, n.° XXVII.

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trincar, de onde a miséria dessa casa. Em terras bragançanas corre este conceito atribuído ao maior proprietário de cada região: «Diz F... que mais quer encontrar a melhor junta de bois, que tem, morta na loja, do que um rato morto à fome na sua casa».

São João As ervas colhidas dia de S. João antes de nascer o sol têm virtude especial para cura de moléstias. Ver o artigo São João. A ervanária teve muita voga científica antigamente e ainda a conserva hoje no povo; ora, é sabido que as plantas atingem o ponto culminante de eficiência medicinal quando chegam à maturação completa, e, como na maioria delas, esta se realiza pelo São João (Junho), daí vem endossarem ao Santo mais este apêndice do maravilhoso, a fim de o perpetuarem na mente do povo. Índice remissivo das crendices A BORTO, práticas anticoncepcionistas. Ver n.° 11. A GOUROS, PRESSÁGIOS , PROGNÓSTICOS , ENCANTAMENTOS . Ver n. os 1, 2, 14, 15, 24, 26, 46, 47, 62, 68 a 88, e tomo IX, pág. 315 e tomo X, pág. 634, destas Memórias. A GRÁRIA (Questão). A questão agrária, característica dos povos na decadência, surgiu sempre, com o cortejo de ideologias, mudança de instituições, revoltas sangrentas, nas nações que perderam a mística do amor da pátria, nervo da sua fundação e grandeza, substituindo-o pelo egoísmo materialista, sem outros ideais que os do arranjismo e interesse próprio. Os legisladores, que surgiram na fundação das nacionalidades, deram à propriedade, sólido esteio do amor pátrio, carácter divino, incrustando-a na ideia religiosa; os sociólogos da decadência, viram, apenas, nela a força, a violência, a injustiça, o roubo, e os perdidos agarram-se a estas concepções na ânsia de continuar as dissipações da sua vida desregrada, viciosa, e o proletário, o agrário sem terra, ou pouca, foi na rede, julgando que assim resolvia o problema da sua miséria. Na etnografia encontramos o reflexo destas concepções. Ver o artigo Maleitas, onde se procura adquirir a protecção dos santos pela oferta de roubos. É certo que se trata de pequenos furtos toleráveis, em caso de necessidade, pelos teólogos, mas é muito diferente o caso tratando-se de santos. Á GUA- BENTA . Ver n.° 117. Á GUA DA PIA BAPTISMAL. Ver n.° 118. Á GUAS. Ver n.° 51 e tomo IX, pág. 323, destas Memórias. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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AGULHA . Ver n.° 128 e artigo Filtro amoroso. AMOREIRA. Ver n.° 106. ANEL . Ver n.os 95 e 144. ANGARANHO , A NQUEILHADO . Ver artigo Raquitismo e tomo IX, pág. 96, destas Memórias. ANUNCIAÇÃO (Nossa Senhora da) — Crer que as árvores enxertadas dia de Nossa Senhora da Anunciação (25 de Março) pegam melhor (159). Em Baçal e noutras terras bragançanas dizem que a melhor enxertia é dia de São João (24 de Junho). Da Anunciação dizem: pela Senhora da Ribeira poda verdadeira. Esta Senhora da Ribeira é a da Anunciação, celebrada no seu Santuário em Quintanilha, concelho de Bragança, a 25 de Março, assim chamada por ficar nas margens do rio Maçãs. ARANHA . Ver n.° 44. A RCHOTES aos templos, fragueiros, fontes, árvores, encruzilhadas dos caminhos. Ver n.° 51 e artigo Fogueiras. ARRESPONSADEIRA é uma mulher ladina e intrujona que vive explorando os papalvos, aos quais soube impor-se como «Mulher de Virtude» na recitação do «Responso de Santo António» (ver tomo lX, pág. 331, destas Memórias, onde o publicamos), eficacíssimo para achar coisas perdidas, guardar animais e pessoas de perigos de feras, roubos, maus tratos, etc. Ver n.° 10. ÁRVORES . Morder a casca de certas árvores ou comer as suas folhas para obter cura de doenças. Ver n.os 33 e 51 e o artigo Maleitas. ÁRVORES RACHADAS. Ver n.os 9, 26, 33, 53 e 101. ASCENSÃO. Ver n.° 13. ASSUNÇÃO . Ver n.° 92. AVES (canto das). Ver n.os 2, 15, 47, 66 e 68. AZINHEIRA , espécie de carvalho. Ver n.° 19. BANCO PINCHADO. Ver n.° 67. BANHOS . Ver n. os 31, 35 e 121 e artigo São João. BARRELA . Ver n.° 28 e artigo Partos laboriosos. BENÇÃO . Ver artigo Riquezas. BICHAS NAS CRIANÇAS . Ver n.os 9 e 97. BICHOS NOS ANIMAIS — Esconder debaixo de uma faia preta o pêlo de um homem ou de uma besta ferida, antes do sol nascer, durante certo número de dias, a fim de fazer morrer ou cair os bichos nascidos nas feridas dos animais. Produz o mesmo efeito pendurando ao pescoço do animal três ou nove pedaços de madeira de árvores diferentes (160). Em Baçal, para curar os

(159) T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 268. (160) Ibidem, p. 328 e 330.

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bichos nascidos nas feridas dos porcos recomendam pendurar na cremalheira da cozinha um ramo de amoreira, pois à medida que este vai secando assim vão morrendo os bichos. Ver n.° 116. B OA - NOITE. Ver n.° 70. B OI E CAVALO MANCOS — Curar a manqueira dos bovinos e cavalos cortando na lameira tanto torrão quanto ocupa a pata da cria manca e pondo-o a secar na parede ou tapagem do prado (161). C ABEÇA DE ENFORCADO, dores de cabeça. Ver n.os 8, 9, 93, 107 e 119. C ABELEIRAS oferecidas aos santos. Ver n.° 133. C ABRAS E CARNEIROS DOENTES — Crer que curarão, mudando-os de uma povoação para outra (162). C ABRITO MONTÊS . Ver n.° 68. C AÇADORES . Ver n.os 16, 17 e 18. C ADEADO DA COZINHA. Ver o artigo Cremalheira. C ALOS . Ver o artigo Cravos. C ANDEIA OU LUZ NA MÃO. Ver o artigo Economia rural. C ANÍCULA . Cícero (163) fala nos observadores da estrela canícula, pois, se aparecia obscura e nebulosa, indicava ano de malignas e doenças; se clara e brilhante, ano saudável. Em terras bragançanas não chamam canícula à estrela Sírio, mas sim ao saburralho, espécie de nevoeiro pouco denso e esbranquiçado, que aparece nas manhãs de Junho, para logo se converter em calor abrasador, e, então, dizem que o verão será atreito a malignas. C ÃO . Ver n.os 9, 14, 24, 25 e 82. C ARNEIROS . Ver artigo Cabras. C ARVALHO . Ver n.° 101. C AVALO ENCRAVADO . Curá-lo, tirando-lhe o cravo e enterrando-o depois numa bosta e pisando em cima dela. Também se cura de outras moléstias prendendo o cavalo durante três horas ao galho de uma árvore que nunca desse fruto (164). C ERA - BENTA. Ver n.° 118. C HAMINÉ , LARES , CADEADO DA COZINHA , CREMALHEIRA , LAREIRA E PÁ DO FORNO (ver Cremalheira). Crer que a nigela das searas se secará tomando cinco ramos dela e secando-os na chaminé, porquanto, à medida que estes se forem torrando, outro tanto sucederá à nigela dos trigos e centeios (165).

(161) (162) (163) (164) (165)

Ibidem, p. 335 e 336. Ibidem, p. 327. CÍCERO — De Divinatione, livro II, n.° LVII. T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 337 e 338. Ibidem, p. 251.

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Secar na chaminé a película de um ovo para que as galinhas não ponham fora de casa (166). Colocar uma cruz sobre a chaminé a fim de evitar que os frangos desamem, isto é, abandonem a casa. Outros, para o mesmo fim, dão volta com os frangos ao redor do cadeado da cozinha (167). Secar à lareira nove pedaços de madeiras diferentes ou certas ervas a fim de que a febre e outras moléstias diminuam à medida que se forem secando (168). Levantar ao alto os tições do lume para que se vão embora os indesejáveis e não os levantar quando se quer que fiquem (169). Colocar à porta da rua o cadeado da cozinha para afugentar a tempestade e ter bom tempo (170). Esta é corrente em Aveleda e noutras terras bragançanas (171). C HUVA — Crer que chovendo ou fazendo bom tempo, em certos dias, como dia de São Vicente (22 de Janeiro), dia da Conversão de São Paulo (25 de Janeiro), dia de São Gervásio e Protásio (19 de Junho), dia de S. Urbano (25 de Maio) e dia de São Medardo, etc., choverá ou fará bom tempo vinte, trinta, quarenta dias a seguir e haverá nesse ano mortalidade, guerra, abundância ou falta de vinho, frutas, trigo, cerejas e pêras. Daqui estes quatro versos supersticiosos tocantes ao dia da Conversão de São Paulo, exarados no Tratado das Divinationes de Pencer, págs. 41 e 42: Clara dies Pauli boni tempora denotat anni; Si fuerint nebolæ pereunt animalia quæque; Si fuerint venti, designant prælia genti; Si nix, si pluvia, designant tempora cara. Martim de Arles, no seu Tratado Des Superstitions, aponta estes: Vincentifesto si sol radiat, memor esto, Para tuas cuppas, quia multas colligis uvas. Clara die Pauli multa regetes notat anni; Si fuerint nebulæ ant venti, erunt prælia genti. São deste autor as seguintes observações: Telles Rogations, telles fannaisons. Tel S. Medard, tel Août. Tel S. Urbain, telles vendanges. Autant (166) (167) (168) (169) (170) (171)

Ibidem, p. 334. Ibidem, p. 238 e 239. Ibidem, p. 328. Ibidem, p. 239. Ibidem, p. 340. Ver tomo lX, p. 369, destas Memórias.

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d’orages en éte, que de jours nebuleux en Mars. Autant de brouillards après Paques, et au mois d’Août que de risée au mois de Mars (172). Muitas destas crendices ainda vigoram em terras bragançanas, isto é, no distrito de Bragança. Ainda crêem: que o vento dominará todo o ano do quadrante de onde vier na noite de Natal no regresso da Missa-do-Galo (173); que os primeiros dias de Janeiro correspondem por ordem seguida a cada um dos meses do ano, e como correr este dia assim correrá o mês que lhe pertence, ou seja: 1 de Janeiro a esse mês de Janeiro, dia 2 a Fevereiro, dia 3 a Março e Maio até dia 12 correspondente a Dezembro (174); que chovendo dia de São Marcos (25 de Abril) não vão por diante os figos nem as nozes. Diz-se que os de Nunes, concelho de Vinhais, festejam São Marcos dando-lhe uma vitela; se a ganha, fazendo com que não chova nesse dia, ou comendo-a, à conta das rendas do santo, se não impede a chuva daninha aos muitos figos que colhem. Parece que antigamente as coisas assim se passavam, e é ainda mui frequente por todo o distrito de Bragança ouvir-se dizer: o santo perdeu a vitela; os de Nunes ganharam a vitela ao santo, quando chove dia de São Marcos. Em contrapartida, frechando nuestros ermanos, dizem que um padre espanhol ao voltar-se para o povo na missa, quando do Orate Fratres, repetira, vendo chover: ai fleigreses cagai nos conchos, por se irem as nozes. Thiers (175) menciona a superstição dos que crêem que quando se diz o Evangelho de São Marcos, no domingo à missa cantada, choverá toda a semana. Esta crendice concorda com a trasmontana acima mencionada, quanto ao santo que a motiva, embora seja diferente no conceito. C IGARRA. Ver n.° 68. C INZA, na escrita em lugar de areia. Ver n.° 75. C ÍRCULO de virtudes mágicas. Ver n.os 7 e 10. Este círculo é muito usado na magia (176). Thiers (177) menciona a crendice de passar os rebanhos sobre círculo para os curar. C ÍRIO PASCAL. Ver n.° 118. C OBRA . Ver artigo Serpente. C ODORNIZ . Ver n.° 136. C ÓLICAS . Passar ou esfregar com uma meada os atacados de cólica ou disenteria (178). C OMEZAINAS NAS IGREJAS E ADROS. Ver n.° 10. (172) (173) (174) (175) (176) (177) (178)

T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 267. Tomo IX, p. 286, destas Memórias. Idem, ibidem. T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 263. Ver tomo IX, p. 63 e 97, destas Memórias. T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 335. Ibidem, p. 327.

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C ORDÕES E GARGANTILHAS AO PESCOÇO . — Os cordões, gargantilhas, broches, torques, chorcas e outros ornatos postos ao pescoço deveram começar como preservativos de malefícios, bruxedos e feitiçarias contra os maus espíritos que obstavam ao bom êxito das obras, como se colhe do n.° 26, onde se diz que as mulheres punham âmbar ao pescoço quando fiavam, tingiam, peneiravam, etc.; portanto, principiaram com fins de magia e seriam comuns a mulheres e homens; depois estes, reconhecendo a ineficácia do amuleto, abandonaram-no; porém as mulheres aferram-se a ele cada vez mais, sob pretexto estético, continuando assim na idade da pedra lascada, donde já vem a magia. C ORPO- DE -DEUS . Ver n. os 28 e 42. C ORTESÃ. Ver n.os 19 e 68. C ORUJA. Ver n.° 19. C ORVO. Ver n. os 19 e 68. C OISAS PERDIDAS. Ver artigos Arresponsadeiras e Varinha de condão. C RAVOS NAS MÃOS , CALOS NOS PÉS — Esfregar os cravos a uma giesta, prendendo depois as vergônteas da giesta ao chão o mais baixo possível. À maneira que a giesta se for secando, assim se secam os cravos. Serve igualmente para os calos. Também se curam tomando tantas ervilhas quantos os cravos, verrugas ou calos a curar, atando-as num pano e deixando-as no caminho. Aquele que as leva terá as verrugas e o padecente fica livre delas. Da mesma forma se curam, partindo uma maçã ao meio ou um pedaço de carne de boi e aplicando cada um desses bocados ao calo ou verruga; tornar depois a uni-los e atirar com eles. À medida que forem apodrecendo, secam-se os cravos. Produzem o mesmo efeito as folhas de figueira, o coração do pombo e as areias de sal (179). Ver n.° 23. C REMALHEIRA, cadeado da cozinha, lares. Ver n.os 90, 103, 104, 105, 106 e 114. C REPITAR DO LUME . Ver n.° 15 e artigo Prognósticos. C RIVO OU JUEIRA, para adivinhar. Ver os n.os 142 e 143 e os mais citados nesses. C UCO. Ver n.os 3 e 19, artigo Prognósticos e tomo V, pág. XXVI, destas Memórias. C USPIR NO LUME. Ver n.° 67. DENTADA na casca da aveleira, carvalho ou salgueiro para curar maleitas. Ver n.° 33. DENTES (dor de). Ver n.os 94, 108, 109, 110, 111 e 121. D IABRILHOS . — São bichinhos pretos muito irrequietos, que realizam grandes trabalhos em favor de quem os possui, adquirindo-lhe honras, sabedoria, riquezas enormes, tudo quanto queira enfim, sob condição de (179) Ibidem, p. 326.

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dar a alma ao diabo se os não vender com ganho antes de morrer. Ver tomo X, pág. 779 (em nota), destas Memórias. D ISENTERIA. Ver artigo Cólicas. DIAS: D IA PRIMEIRO DO ANO — Ser o primeiro a ir à fonte ou ao poço no dia primeiro do ano e oferecer-lhe um ramo e uma maçã, porque, assim honrada, a água se torna melhor e mais saudável (180). Ver n.° 39. É bem conhecido o adágio: Si aquam hauris puteum corona, derivado do costume pagão de consagrar flores às fontes, deificando-as. D IA DE REIS (6 de Janeiro) — Crer que, escrevendo na noite de dia de Reis os nomes dos três reis — Gaspar, Belchior e Baltasar — na testa, e vendo-se em seguida num espelho, se verá a mesma fisionomia que se terá à hora da morte (181). D IA DE C INZA — Ver o artigo Quarta-Feira de Cinza. D IA DE R AMOS — Juntar terra com ramo-bento dia de Ramos, durante o Sanctus da missa, pondo-a depois de infusão num copo de água durante três quartos de hora, nem mais nem menos, e bebê-la depois, para curar cólicas e mal do estômago (182). D IA DO CORPO -DE -D EUS — Crer que a chuva durante a oitava do Corpo-de-Deus mata as lagartas das árvores frutíferas e que os rebanhos tosquiados nesta oitava morrem durante o ano (183). D ONZELA — Ver n. os 15, 68 e 97. E NCANTAMENTOS — Os encantamentos indicados no n.° 1 são palavras em verso, prosa ou prosa rimada, pronunciadas pelos encantadores, também chamados «ensalmadores», em forma de oração, com que tentam produzir efeitos maravilhosos, sobrenaturais, tais como: curas de moléstias, extinção de incêndios, afastamento de trovoadas, atracção destas sobre frutos que querem destruir, soldamento de ossos, pernas e braços quebrados, desastres por quedas de carros, cavalos, etc. Esta crendice é antiga, pois já Plínio, liv. 28, c. 2, fala em curas e casos destes atribuídas a certos versos de Homero, Teofrasto, Catão, Varrão e até a certos textos da prosa de Júlio César. Azpilcueta Navarro, célebre lente da Universidade de Coimbra, fala nos nomes dos demónios e nas palavras inotas (apontamos muitas no artigo (180) (181) (182) (183)

Ibidem, Ibidem, Ibidem, Ibidem,

p. 260. p. 364. tomo III, p. 7 tomo I, p. 265.

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Escritos), com que ensalmadores de feridas e os esconjuradores de nuvens curavam doentes ou mudavam o tempo; nas orações de força curativa especial, quando penduradas ao pescoço dos doentes «con cuerda hilada por muger virgen, y en cierto tiempo dei dia, y no otro», e nas orações escritas para serem ingeridas pelos doentes dissolvidas em vinho ou na comida, a fim de curarem (184). E NCRUZILHADAS — Às encruzilhadas dos caminhos, mencionadas nos n.os 7, 16 e 51, andam ligadas muitas crendices. Ver tomo IX, págs. 314, 356, 358, 359, 360, 362, 372, 377, 380, 439, 558 e 598, destas Memórias, a fala da Genebra Pereira e o artigo Feiticeiras nesse tomo e no seguinte. ENFORCADO. Ver n. os 8 e 207 e tomo IX, pág. 380. E NTRUDO — Aspergir as capoeiras dia de entrudo ou na véspera com caldo de chouriço para evitar que as raposas venham comer as galinhas. Lançar caldo nos poços dia de entrudo para fazer calar as rãs que neles coaxam (185). Enterrar o entrudo, isto é, um mono fingindo de entrudo, para ter mais facilidade em jejuar (186). Lançar as galinhas a chocar dia de entrudo por um borracho, na persuasão de que os ovos serão todos beneficiados e darão óptimo resultado (187). Não fiar dia de entrudo por crer que os ratos comerão todo o fiado durante o ano (188). Em terras bragançanas dizem: «Não se deve fiar dia de entrudo porque se fiam as barbas ao entrudo». Ver tomo IX, pág. 300, destas Memórias. EPILEPSIA. Ver n. os 95 e 124. E SCRITOS , PRESERVATIVOS , PLACAS ESCRITAS EM PAPEL , CHUMBO , etc. Ver n. os 1, 11, 46, 141 e tomo IX, pág. 371, destas Memórias, onde mostramos que os escritos podem produzir efeito, não por si próprios, mas pela sugestão. Em terras bragançanas os Escritos só produzem efeito quando escritos e benzidos por um padre ou quando, pelo menos, este os benze, dizendo sobre eles três missas, pois há escritos impressos que vêm de Espanha, e para estes basta a bênção. Todavia, Thiers diz que algumas mulheres, para evitar que seus maridos morram na guerra, naufraguem ou pereçam de morte violenta, escrevem certas palavras sagradas num bilhete, cosendo-o depois no fato do

(184) (185) (186) (187) (188)

AZPILCUETA N AVARRO, Martin de — Commento en romance... T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 236 e 334. Ibidem, p. 237. Ibidem, p. 258. Ibidem, p. 258.

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marido (189), e no tomo II, pág. 71, fala de escritos feitos pelos padres, que, colocando-os entre os corporais, dizem três missas sobre eles O bispo de Cahors em 1638 condenou os padres que «donnent des brevets, ceintures, billets oú il y a des herbes, paroles, caractéres ou autres choses reprouvées par les saints decretes... desconjuros para curar moléstias» (190). Os Escritos pertencem à classe dos «preservativos» e das palavras escritas «em papel, chumbo ou estanho», de que falam Origenes (n.° 1) e Santo Elói (n.° 46). Como nos Escritos passados pelos padres há palavras latinas, que reproduzimos no tomo IX, pág. 372, destas Memórias, correspondentes, embora sob cor cristianizada, às palavras mágicas a que aludem Origenes e Santo Elói, damos para amostra a lista de outras usadas pela magia contra diversos sofrimentos, segundo as menciona Thiers (191): D ABIT , HABET , H EBET. Contra a epilepsia. D ABI † HABI † HABER † H EBR †. Contra a epilepsia. Gaspar, Melchior, Baltasar (os três Reis Magos). La Velere, rare, quod explicare nequeunt omnes linguas inventium. B UD, Contra o escorpião e sua mordedura. H AX , PAX , MAX . Contra os cães danados e mordeduras. A VANIZAPTA. Contra a febre e febres pestilenciais. O N † C ORISCLON † M ATATRON , C ALADAFON , C OROBAN O ZCASO , U RIEL , Y OSIEL , M ICHAEL , A ZARIEL , R APHAEL , D ANIEL , Y A , U BA , A DONAY , S ABAOTH , HELOIM , etc. B ER, FER , CAREAU, R EDUDAT, M ONARCHUS. TAUTHOS † AORTOO † NOXIO † BAY , G LOY † APERIT. Para se fazer amar de toda a gente. † I BEL † LARES † CHABEL † RABEL . Para impedir as armas de fogo de ferir. † A BA † ALUY † ABAFROY † AGERA † PROCHA . Para ganhar ao jogo. I ZIONE KIRLONI , E SSEZA KUDER FEZE. Para curar das mordeduras de cão danado. H AX PAX M AXDEU A DIMAX. Para o mesmo efeito. C UZO OUZUZE SANUM R EDIRE R EPUTA S ANUM EMANUEL PARACLETUS . Para curar das mordeduras das cobras. Verbum facies cum respicies ASCHAM sit BARASEIN serpe patericos velios ABZA tu factum. V ERINIEL , J URIMIEL , R UDUEL , J ACIEL , V IANUEL . Para andar tanto numa hora como se andasse um dia inteiro. (189) Ibidem, p. 152. (190) Ibidem, p. 61. (191) Ibidem, p. 353, 373, 499 e 427.

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M ICHAEL O. G ABRIEL L O. RAPHAEL O. P. G. E. B. A. X. X. C. P. P. P. P. Para estancar o sangue. A DAM, HAVA H. CHUTZ , L ILITH. Contra danos diabólicos. A VIGARZITOR D ANATA, DARIES, D AA D ARIES, ASTARIES . Para tornar ao seu lugar os ossos deslocados. SISTA , PISTA , RISTA , X ISTA. Para curar o mal de... A BRAC, AMON JRIONI , HIRIONI. Para curar o mal de... A NASAGES, ANASAGES, A NASAGES. Para curar a dor de dentes. G ALBES , G ALDES , G IBEL, G OT . Para o mesmo efeito. A DAM. Para que os escorpiões nao façam mal às pombas do pombal. †. †. F. A. P. H. R. G. (A. P. H. Q.). Para abrir uma fechadura. C A . ROI. Para curar as sezões. B ERSER, CAREAU, R EDUCAT. Para curar a hidrofobia. A A A A A A A A A A A

B B B B B B B B B B

R R R R R R R R R

A A A A A A A A

C C C C C C C

A A A A A A

D D D D D

A B R A A B R A B A

JAO S ABAOTH. Para pescar peixes. B ORIS, BORUS . Para estancar o sangue do nariz. O CH, O CH. Para expulsar as pulgas e não ser mordido por elas. Consumatum est. Para estancar o sangue do nariz, escrevendo esta palavra na testa do padecente com o seu próprio sangue. E SCRÓFULAS . — Curam-se, e também as doenças de garganta, tocando-as com as mãos de pessoa falecida de avançada idade. Ver artigo Pessoas de virtude natural curativa (192). ESPADA QUE MATOU ALGUÉM. — Ver n.° 9. À virtude da bênção com espada que matou homem, liga-se a da pedrada, flecha, machado e espada, nas mesmas condições de morticínio, indicadas por Thiers, Superstitions, tomo I, pág. 339. E SPINHELA E ESTÔMAGO CAÍDO. — Ver artigo Mulher de virtude.

(192) Ibidem, tomo I, p. 339.

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E SPÍRITOS . — Ver o artigo Prognósticos. E SPIRROS. — Ver n. os 2, 14, 15, 24, 47, 64 e 84. E SQUERDO, DIREITO . — No n.° 19 vimos como Virgílio considera maus presságios os sinais do lado esquerdo, mas Horácio, Odes, liv. III, Ode 27, e Suetónio, Vida de Cláudio, e Vitélio, dizem que são infelizes os da direita e felizes os da esquerda; porém, no mesmo n.° 19 se vê como Cícero, autoridade no assunto, dá por sinistros os da gralha à esquerda e os do corvo à direita. E STRELAS . — Ver artigo Canícula. F ASTO, NEFASTO. — Ver n. os 26, 34, 35, 39, 43 e 47. F AVA . — «Legume célebre pelas cerimónias supersticiosas em que dele se usava» (193). Pitágoras recomendava a seus discípulos que não comessem favas, porque, diz Cícero (194), «este alimento flatulento é contrário à tranquilidade de espírito e à procura da verdade por sobrecarregar o estômago». Era tal a aversão que Pitágoras sentia pelas favas, que, segundo Moreri (195), tendo seguido o partido de Agrigento contra Siracusa, e, sendo vencido aquele, ao estar para se render, avistando um campo de favas, foi primeiro destruí-las e depois entregou-se. Virá de alguma das precedentes circunstâncias a expressão muito corrente em terras bragançanas: vai à fava — que parece ter equivalentes: vai pentear macacos; vai abaixo de Braga; vai àquela que não corre; vai p’ro diabo que te leve; vai p’ra puta que te pariu e, ainda, rua — que geralmente se entende por: sai daqui, põe-te lá fora, no olho da rua, no meio da rua — mas que na língua dos mouros, de onde possivelmente nos veio esta apóstrofe, significa coisa tão brava, que nem eu me atrevo a dizê-la, apesar de abundar tanto neste particular? É uma das tais juras que não são para crer, segundo diziam os teólogos a el-rei D. Fernando, na frase de Fernão Lopes. F EITICEIRAS E REMÉDIOS CONTRA OS SEUS MALEFÍCIOS. — Thiers diz que há três espécies de feiticeiras: 1.a, tem poder de causar malefícios, mas não de os tirar; 2. a, tem poder de os tirar, mas não de os causar; 3.a, tem poder de os causar e tirar (196). Ver n. os 1, 8, 46, 141, 146, e artigo Mono; tomo IX, pág. 361, e tomo X, pág. 645, destas Memórias. No tomo IX, pág. 262, falamos do apodo irritante das mulheres de Eucísia, concelho de Alfândega da Fé, em face do trovisco.

(193) (194) (195) (196)

C HOMPRÉ — Dicionário da Fábula, artigo Fava. CÍCERO — De Divinatione, livro I, n.° XXX, e livro II, n.° LVIII. MORERI — El Gran Dicionario. THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 162.

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Segundo Thiers (197), a profilaxia crendeira recorre às seguintes charlatanices para se livrar de feitiços: cuspir no sapato do pé direito antes de o calçar; cuspir três vezes nos cabelos arrancados da cabeça quando se penteiam, antes de os lançar à terra; servir-se da saliva para os usos de que fala Plínio (198); pregar nas portas a cabeça ou a pele do pescoço de um lobo. Já Plínio fala neste talismã. Diz ele: Veneficiis rostrua lopi resistere inveteratum aiunt, ob id que villarum portis praefigunt. Hoc idem proestare et pellis e cervice solida existimatur: quippe tanta vis est animalis, ut vestigia ejus calcata equis afferant torporem (199). Fumaças de enxofre. Tibulo, aludindo brejeiramente a estas fumigações, diz: Ille ego cum tristi morbo deffessa jaceres, Te dicor votis eripuisse meis. Ipseque ter circum lustravi sulphure puro, Carmine cum magico prœcinuisset anus (200). O lobo tem ainda as seguintes virtudes mágicas: é bom presságio o seu encontro (201); o olho direito trazido no bolso livra do medo (202); o dente do lobo pendurado ao pescoço do cavalo torna-o incansável na carreira (203); os primeiros sapatos da criança feitos de pele de lobo livram-na de malefícios (204). Thiers (205) menciona a seguinte superstição corrente em França para impedir os danos dos lobos nos rebanhos: amassar o pão chamado de «São Lobo», deixando-o de forma triangular em honra da Santíssima Trindade, e fazendo-lhe cinco buracos em memória das cinco chagas de Cristo, dando-o depois ao primeiro pobre que aparecia por amor de São Lobo. Em Bragança, as padeiras, antes da introdução das máquinas para fabrico de pão pelos anos de 1910, coziam pequenos bolos chamados moletes 20, 30 e 60 réis, de meio quilo e menos de peso, todos de forma triangular. Era grande a quantidade de trigo assim manipulado e enorme o seu consumo. Haverá alguma ligação entre esta forma tão especial e a superstição francesa? Hoje já

(197) THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 149. (198) PLÍNIO — Liv. 28, c. 8. T IBULO , liv. 1, Eleg. 2, lembra os que, com o mesmo fim, cospem no seio. Despuit in molles, et sibi quis que sinus, diz ele. O nosso Gil Vicente, no Auto das Fadas, aludindo à profilaxia antimaléfica da saliva, escreve: «Ó cuspinhos preciosos...». (199) Ibidem, liv. 28, c. 4. (200) TIBULO , liv. 2, Eleg. 5. (201) THIERS — Traité des superstitions, tomo 1, p. 184. (202) Ibidem, p. 333. (203) Ibidem, p. 334. (204) Ibidem, p. 338. (205) Ibidem, p. 338.

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quase se não fabricam os característicos moletes de três cabeças. O progresso banaliza e internacionaliza; mata a tradição, a poesia, o pitoresco. Mas, continuando na resenha da profilaxia antimaléfica de Thiers, temos mais: trazer a figa ao pescoço; levar sal não bento no bolso, deitando-o também nas lojas dos animais, principalmente no dia primeiro de Abril; bater três vezes sobre as cascas dos ovos que comeram, porquanto, se as feiticeiras os quebrarem, podem assim esmagar os ossos das pessoas (206) . Já Plínio alude a esta parvoiçada, dizendo: Huc pertinet ovorum, ut exsorbucrit quisque, calices cochlearumque protinus frangi, aut eosdem cochlearibus perforari (207). Dar três voltas à roda de um escabelo, no dia da Purificação da Virgem, com uma vela benta, a fim de ser livre de raios e feitiços; espetar cabeças de pregos nas portas das casas para as livrar de malefícios. Em Baçal e noutras terras bragançanas tenho observado o seguinte, relacionado com o que fica dito: As mulheres enrolam os cabelos arrancados da cabeça pelo pente e metem-nos nos buracos das paredes, para os encontrar no dia do juízo final, porque — dizem elas — cada um há-de dar conta daquilo que lhe entregaram. Esfregam a garganta com saliva para curar as dores inflamatórias da mesma, bem como as mordidelas das pulgas, mosquitos, moscas, abelhas e vespas. É melhor em jejum, podendo ser. A saliva, aqui, virá da tradição pagã, valorizada pelas fricções e massagens de efeitos medicinais aconselhadas pela ciência, ou terá ela préstimo medicamentoso? Põem nos pombais uma cabeça de lobo, que dizem ser óptima para atrair as pombas e obstar à fuga para outros pombais. Cravam nas portas das casas, pelo lado interno, ferraduras dos animais (208). Disse-me um ferrador em Bragança que os pregos das ferraduras tinham a mesma virtude que estas contra feitiçarias, e, na verdade, ele tinha na porta da sua casa espetados muitos pregos; todavia, nunca ouvira tal coisa, que, a ser verdadeira na crença popular, pode explicar a extravagância arquitectónica da Casa dos Bicos, em Lisboa, por antídoto contra malefícios, assim como no tecto da igreja de São Bento, de Bragança, pintaram, com fim idêntico, um Escrito (209). Como se vê pelo texto de Plínio acima citado, já no seu tempo a ferradura do cavalo gozava na profilaxia popular virtudes contra malefícios. (206) (207) (208) (209)

Ibidem, tomo I, p. 135, 149, 150, 151, 262, 263 e 327. Livro 28, Hist. Nat. Ver tomo IX., p. 370, destas Memórias. Ibidem, p. 374 e seguintes.

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Gaidoz (210) diz que em Roma se cravava nas paredes dos templos um prego como preservativo contra malefícios e que no Congo voga o mesmo costume; mas, em vez de espetarem o prego na parede, enterram-no na imagem do fetiche. Idêntico costume — continua Gaidoz — se encontra na França, Áustria e Pérsia, figurando às vezes, em lugar de prego, um alfinete, e, em lugar de templo, uma árvore, uma cruz ou uma fonte (sagrada). Vasconcelos relaciona este costume com o de espetar alfinetes na mortalha dos defuntos. Mas, continuemos. Em Baçal e noutras terras bragançanas não quebram as cascas dos ovos que comem; arrumam-nas num canto da cozinha até que o tempo as consome lentamente, e não as queimam porque equivaleria a queimar o cu da galinha, impossibilitando-a de pôr mais ovos (211). Nos meus tempos escolares em Bragança, íamos — os seminaristas — assistir na Sé à missa de Nossa Senhora da Purificação, cantada pelo Cabido, que nos dava a vela de quarta, que levávamos na procissão, e depois vendíamos à gente de Bragança por bom preço, pois chegavam a meter empenhos para as adquirir, por as supor eficazes contra raios e bruxedos. Este costume era antiquíssimo e não sei se ainda permanece. Ver n.° 120. No tomo IX, págs. 359, 361, 370 e 371, destas Memórias apontam-se vários preservativos contra feitiços. Na página 359 falamos no sabá ou sabatt, «sítio em que se ajuntam, na noite do sábado, as bruxas e feiticeiras, e onde aprendem os arcanos mais recônditos da bruxaria; dos quais é ali lente de borla preta o cão tinhoso, a quem elas adoram, e a quem, em sinal de adoração, beijam o traseiro» (212). Continuando na resenha de Thiers (213) contra feitiços, temos mais: colocar na cama uma navalha ou uma correia para evitar que as feiticeiras levem os filhos recém-nascidos; espetar ramos bentos dia de Ramos nas searas para evitar malefícios nos frutos. Acreditar que as feiticeiras podem matar ou fazer mal a pessoas ou animais tocando-as com uma vara, recitando ao mesmo tempo certas orações, e da mesma maneira tornar estéreis as mulheres, vacas, éguas,

(210) In V ASCONCELOS , J. L. de — Ensaios de Etnografia, 1906, vol. III, p. 80. O mesmo diz Thiers, tomo I, p. 327, acima citado. A propósito da Casa dos Bicos, diz-me em carta de 16-7-1941 o erudito escritor Padre António Nogueira Gonçalves, professor do Seminário de Coimbra: «A casa lisbonense, com o paramento externo da frontaria revestido de pirâmides de base quadrada, tem a sua similar em Espanha, na casa de los Picos, de Segóvia. Em Salamanca há a Casa de las Conchas, em que se encontram, em vez de bicos, vieiras». (211) T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 235, diz que alguns as não deitam ao lume com receio de queimar segunda vez São Lourenço, que foi grelhado com cascas de ovos (212) N ASCIMENTO , Francisco Manuel do — Tradução das Fábulas de La Fontaine, 1815, tomo II, p. 49, em nota. (213) T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 151, 260, 135, 136, 238, 338 e 379.

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ovelhas, cabras, etc.; crer que não podem curar o malefício causado, se forem presas, sem as soltar; que não podem sair da casa onde estão, se puserem à porta vassouras; montar sobre um pau, dizendo ao mesmo tempo certas palavras mágicas, para se transportarem ao Sabatt, isto é, ao centro onde se costumam reunir as feiticeiras sob a presidência do Diabo, a quem dão um beijo no cu em sinal de vassalagem, como diz Thiers (214). No tomo IX, págs. 356 e 380, destas Memórias, indicamos as modalidades destas crendices vigentes no distrito de Bragança e os preservativos contra bruxedos, aos quais se devem acrescentar a maior parte dos remédios e fórmulas da Medicina Popular (215), à qual já em 1545 aludia Azpilcueta Navarro, dizendo que no seu tempo em Coimbra as feiticeiras benziam contas para as parturientes, esquinências e outras moléstias, com palavras que não entendiam: «con cerimonias vanas, con resolos, soplos, vocejos y otros gestos reprobados» (216). F ERRAMENTA À PORTA DA RUA para evitar dano nos animais perdidos. Ver n.° 3. F ESTA DOS RAPAZES . Ver n.° 48. No tomo IX; pág. 288 e seguintes (217) , referimos as festanças populares de carácter etnográfico, realizadas desde meados de Dezembro a 20 de Janeiro, citando Santo Isidoro, e agora reproduzimos esse texto por ser muito interessante e raras as obras deste notável homem da igreja e da ciência humana. Diz assim: «Jejunium Calendarum Januariorum propter errorem gentilitatis instituit ecclesia. Janus enim quidam princeps paganorum fuit: á quo mensis Januarius nuncupatur. Quem imperiti homines, veluti Deum colentes, in religionis honoris posteris tradiderunt, diemque ipsum scenis et luxuriæ sacraverunt. Tunc enim miseri homines, et quod pejus est, etiam fideles sumentes species monstruosas in ferarum habitu transformantur. Alii foemineo gestu demutati, virilem vultum effoeminant. Nonnulli etiam de fanatica adhuc consuetudine quibusdam ipso die observationam auguriis profanantur: perstrepunt omnia saltantium pedibus, tripudiantium plausibas, et quod his turpius et nefas, nexis inter se utriusque sexus choris, inops animi, fureus vino turma miscetur.

(214) (215) (216) versidade (217)

Ibidem, tomo II, p. 321 e seguintes, onde trata largamente destas reuniões. Ver tomo X, p. 328, destas Memórias, onde indicamos muitos. A ZPILCUETA N AVARRO — Commento em romance... In «Notícias Cronológicas da Unide Coimbra», 1938, vol. I, p. 654. Sobre assuntos etnográficos, ver também tomo X, p. 632 e seguintes.

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Proinde ergo sancti Patres considerantes maximam partem generis humani eodem dic hujusmodi sacrilegiis ac luxuriis insidere, statuerunt in unniverso mundo per omnes Ecclesias publicum jejurium: per quod agnoscerent homines in tantum se prave agere, ut pro eorum peccatis necesse sit omnibus ecclasus jejunare» (218). Em português vem a dizer: «O jejum do primeiro dia de Janeiro foi instituído pela Igreja por causa do erro pagão, que prestou culto divino ao rei Jano, de onde o nome de Jano ao mês, celebrando-lhe festas cheias de divertimentos luxuriosos. Homens e mulheres, tudo misturado, disfarçados grotescamente, pelos vestidos e máscaras, em feras, touros, vitelas e outros animais, percorriam as ruas, abarrotados de mantimentos e vinho, atroando os ares com seus descantes, gritos, aplausos e dichotes. Outros, embora já cristãos, recaíam no herético costume de consultar nesse dia os augures (219). Para obtemperar a tais desonestidades e sacrilégios, instituiu a Igreja o jejum deste dia, a fim de mostrar aos fiéis a gravidade da recaída no culto pagão». No tomo IX, pág. 289, destas Memórias descrevemos a Festa dos rapazes celebrada ainda hoje como no tempo pagão; nem sequer lhe faltam as observações dos augures, como mostramos na página 286 do referido tomo. Sobre o paganismo da actual Festas dos rapazes citamos ainda o seguinte testemunho de outro escritor do século quinto: Na lição V do Breviário do dia 4 de Dezembro, festa de São Pedro Crisólogo, bispo e doutor da igreja, falecido em 450, cita-se o sermão que pregou contra as festas pagãs do dia 1 de Janeiro, dizendo: «Ludos ab hominibus personatis com variis saltationibus Kalendis Januarii fieri sólitos concione cohibuit acerrima: ubi inter, alia illud præclare dixit: qui jucarit voluerit cum diabulo, non poterit gandere cum Christo». Combateu acerrimamente as costumadas galhofas e bailes dos homens mascarados no dia 1 de Janeiro, frisando que não podia folgar com Cristo quem brincava com o diabo.

(218) ISIDORI , Sancti, Hispalensis Episcopi — Opera, 1617, Da Offic. Eccles. liv. I, cap. XL (mihi. pág. 400). S. Pedro Crisólogo, falecido em 450, descreve estas festas pagãs e condenando os que entram nelas diz na 3. a lição do Breviário, no dia 4 de Dezembro, «quem brinca com o diabo não pode folgar com Cristo». (219) Ver n.° 39 e tomo IX, p. 286, destas Memórias.

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F ETOS. — Ver n.° 77 e artigo São João. F IAR. — Ver n. os 26, 32, 36 e 37 e artigos Entrudo e Semana Santa. F IGUEIRA BAFOREIRA . — Ver n.os 9 e 23. F ILTROS AMOROSOS . — A crença nos filtros amorosos ou odientos memorados nos n. os 7 e 11 ainda vigora hoje. No tomo IX, pág. 639, apontamos o talismã amoroso da agulha, idêntico ao que vai adiante sob os n. os 7, 128, 129, 130, 131 e 133. Thiers — no seu Traité des Superstitions, tomo I, págs. 31, 133 e 333 — menciona outro corrente em França, onde a agulha, depois de atravessar a mortalha do defunto, serve de filtro amoroso; impede de comer as pessoas sentadas à mesa sobre ela e livra de medos quem a trouxer consigo, assim como o dente ou o olho do lobo. Ver n.os 128, 131, 132, 133, 134, 135 e 136. O mesmo, nas págs. 332 e 338 do tomo I e 19 do tomo III, atribui à agulha virtudes curativas, de que falamos no artigo Doenças. Na pág. 137 do referido tomo descreve o malefício do amor e do ódio que indicamos do artigo Mono; na 151, o malefício do ódio para tirar o malefício do amor, por meio da consagração com ritos mágicos de um pombo preto dado a comer aos dois indivíduos; na 152, o das mulheres que, para se fazerem amar dos maridos, oferecem seus cabelos no altar com uma vela acesa; na 184, a dos que, para conhecerem entre três ou quatro pessoas a que lhe quer mais, tomam outras tantas cabeças de cardos, dando a cada uma o nome dessas pessoas, colocando-as depois debaixo do travesseiro da cama. Na manhã seguinte, a cabeça do cardo mais viçoso indica a respectiva pessoa. E na pág. 162 do tomo II o filtro do amor preparado sacrilegamente com hóstia consagrada e santos óleos. Ainda neste mesmo tomo, pág. 321, descreve a Missa das feiticeiras, variante da Missa dos loucos (ver tomo IX, pág. 287, destas Memórias), em que preparam sacrílegos filtros de amor e de ódio. Com a crendice dos cardos relaciona-se em terras bragançanas o desfolhar dos malmequeres, para saber quem tem ou não tem amor. Como filtros amorosos, mencionam miolos de pito (frango), amassados com sangue menstruado e outras imundícies administradas na comida e bebida. «Deram-lhe miolos de pito a comer», diz o povo quando vê os derretidinhos amorosos. Também atribui a demência de alguns rapazes a miolos de pito dados por mulheres. Junto aos altares de algumas igrejas rurais vêem-se tranças de cabelo penduradas em cumprimento de votos; porém ignoro se no caso entram sentimentos amorosos. Thiers (nas Superstitions, etc., tomo I, págs. 239 e 360) menciona a crendice dos que oferecem aos santos velas de cera e cabelos da pessoa ou animal doente a fim de curarem. Nos artigos Maleitas e Medicina dizemos MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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acerca de remédios tirados do próprio doente, devendo também notar-se que há amuletos de ossos correspondentes à parte do corpo doente ou formados por objectos causadores do mal. Estão nestes casos as pedras de raio (machados neolíticos), de que falamos noutra parte, contra as trovoadas; o queijo dado a comer a um lagarto pelos atacados de maleitas, das quais ficam sarados e o lagarto com elas, segundo ouvi dizer em Aveleda, concelho de Bragança; o ditado espanhol — se te morde el perro curate com el pelo del mismo perro —; a cura da mordedura do cão por um pedaço de pão molhado no sangue da ferida e dado a comer ao mesmo cão, já corria no tempo de Fedro, segundo se lê nas Fábulas, liv. II, pág. 3, v. 1-3. F LUXO DE SANGUE . — Estancar o corrimento de sangue tomando um feto e deixando-o cair certo número de vezes, dizendo ao mesmo tempo: «Erva, por Deus criada, mostra a virtude que por Deus te foi dada» (220). Obtém-se o mesmo efeito escrevendo na testa do padecente, com o mesmo sangue dele, as palavras Consumatum est (221). E ainda dando três pancadas com três espinhos ou três agulhas durante a elevação da hóstia e do cálix. Este processo cura também o mal de garganta (222). Uma chave colocada sobre as costas, metendo-a depois no seio estanca o leite às mulheres (223). Ver n.° 71. F OGUEIRAS para passar por elas as crianças e fertilizar os frutos. Ver n. os 9, 49, 56, 57 e 58, artigo Archotes e tomo IX, pág. 308, destas Memórias. F ONTES. — Ver n.° 51 e tomo IX, pág. 323, destas Memórias F ORCA (madeira da) para curar doenças (ver n.° 128). F ORTUNA. — Ver artigo Economia rural. F RAGUEIROS e penedos santificados (ver n.° 51). F RIEIRAS. — Ver os artigos: Tição do Natal, Inchações e Meses (Maio). F RUTOS tirados das árvores ou campos e dá-los a outros. Ver n.° 60 e tomo IX, pág. 308, destas Memórias. F UMAÇAS . Ver n.os 56, 57 e 59. F UNERAIS . — Ver n.° 79 quanto a colocar o cadáver na terra para o embrulhar. Quanto ao costume usado em algumas terras bragançanas, de que falamos no tomo IX, pág. 439, destas Memórias, já o praticavam os romanos, como se vê em Horácio, Odes, liv. I, ode XXVIII, v. 35. FURTOS. — Modos de os encontrar e descobrir o ladrão. Ver n.os 9, 11 e 143. G ALO , GALINHA . — Ver n. os 13, 80, 112 e tomo IX, pág. 364, destas Memórias. (220) (221) (222) (223)

T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 361. Ibidem. Ibidem, tomo III, p. 19. Ibidem, tomo I, p. 333.

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G ARGANTA (dores de). — Pôr na chaminé um ramo de ameixoeira até secar a fim de curar as dores de garganta (224). Ver os artigos Cordões, Fluxo de sangue, Escritos, Escrófulas e Gargantilhas. G ARGANTILHAS . — Ver n.os 26 e 52. GATO. — Ver n. os 14, 24, 25, 106 e tomo IX, pág. 380, destas Memórias. GRALHA. — Ver n.° 19. HIDROFOBIA . — Em muitas terras aplicam as chaves da porta das igrejas, principalmente das dedicadas a São Pedro, aquecidas ao rubro, na testa dos cães para que se não danem, ou para os curar quando já atacados da raiva, e o mesmo fazem às pessoas mordidas por animais hidrófobos (225). Produzem igual efeito as chaves da igreja de São Hubert (226). No distrito de Bragança corre a mesma superstição. Fazer pílulas da pele da testa de um enforcado e comê-las para sarar das mordeduras de cão danado (227). I CTERÍCIA . — Ficar prostrado por terra durante a elevação, sem olhar para a hóstia, a fim de curar da icterícia (228). Ver n.° 129. I NCHAÇÃO. — Cortar uma palha com uma enxó para curar as mãos e os dedos inchados (229). JAVALI. — Ver n.° 68. JORNADA . — Ver n.os 30, 39, 40 e 47. JUDAICAS. — Não comer os animais mortos pelos eunucos, por crerem que quem os come comete grande pecado. Esta crendice é corrente entre os gregos (230). Não comer aves e outros animais que não sejam mortos com ferro. É corrente entre os búlgaros (231). Virá aqui o ferro para indicar que não se devem comer animais que não sejam sangrados? Parece-me que estas duas superstições se relacionam com os dinim, preceitos impostos aos carniceiros judeus na matança dos animais em condições litúrgicas de poderem ser comidos por seus irmãos de crença (232). No artigo Morte vai indicada a costumeira de meter uma moeda na mão aos mortos; a de arramar a água e outras, que no distrito de Bragança praticam os semitas (233). (224) Ibidem, tomo I, p. 325. (225) Ibidem, p. 322. (226) Ibidem, p. 323. (227) Ibidem, p. 339. (228) Ibidem, tomo III, p. 20. (229) Ibidem, tomo I, p. 338. (230) Ibidem, p. 236. (231) Ibidem. (232) Ver R EMÉDIOS , Mendes dos — Os Judeus Portugueses em Amesterdão, 1911, p. 61 e seguintes, onde se descrevem esses preceitos. (233) Ver tomo V, p. LXXXVII e XC, e tomo X, p. 648, destas Memórias.

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Fazer imprecações contra uma pessoa, apagando todas as luzes da casa do lado voltado para a casa dessa pessoa, rebolando-se por terra, recitando ao mesmo tempo o Salmo 108 (234) . Sei de pessoas que ainda a praticam em Bragança. Na verdade, são terrificantes as imprecações do Salmo 108. L ADAINHAS . — Ver n.° 28. L AMEIRA VIRGEM . — Ver n.° 9. Em Vale de Lamas, concelho de Bragança, falam ainda na eficácia da cura de doentes, colocando-os dentro de um círculo traçado em lameira virgem, aplicando-lhe, ao mesmo tempo, rezas especiais da magia. Ver tomo IX, págs. 97, 359, 375 e 379, destas Memórias. L AGARTO . — Ver n.° 68. L EBRE . — Idem. L EITE (estancar o). — Ver a artigo Fluxo de sangue. L ENTISCO . — Ver artigo Trovisco. L IGADURAS MÁGICAS . — Ver n.os 1, 52, 96, 128 e 141. L OBINHOS . — Curar os lobinhos, esfregando-os aos vestidos de um verdugo logo em seguida à execução de um condenado (235). L OBO . — Ver n.os 3 e 68 e artigo Feiticeiras. L UA . — Ver n. os 20, 21, 22, 23, 26, 44, 47 e 54. L UME. — Ver artigo Crepitar do lume (n.° 15), tomo II, pág. 151, destas Memórias e artigo Natal. M ALEITAS . — O furto, a não observância de certos preceitos religiosos justificada pela piedade. Neste meu Baçal dizem que para se curar de maleitas se deve oferecer à capela de São Sebastião, onde se venera São Gëz ou Genísio, advogado das maleitas, uma telha furtada. Muitos, julgando absurda tal devoção, por fomentar o roubo, dizem que, aqui, furtada é corrupção de ofertada, mas não pode admitir-se tal em face de processos idênticos existentes noutras partes, pois coisas furtadas entram por muito na liturgia curandeira, que parece não ir longe da parábola evangélica do feitor ladrão e do facite vobis amicos de mammona iniquitatis (236), granjeai amigos com as riquezas da iniquidade. Thiers, Superstitions, tomo I, pág. 327, menciona a crendice que aconselha furtar uma couve na horta do vizinho e secá-la ao lume pendurada na cremalheira para curar de maleitas, e ainda, na pág. 337, a de furtar alguma coisa para curar do mal que nos atormenta. Ver n.° 104. Estas abusões, ligando os santos a certa indiferença pelo direito de propriedade, inculcam tendências socialistas, ou, pelo menos, indiferença por (234) T HIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 138. (235) Ibidem, p. 331. (236) S. Lucas, 16-9.

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concepções e preceitos exagerados mais ou menos antinaturais, a não se tratar de culto pagão (237). Thiers, obra citada, tomo II, pág. 250, menciona um padre que comia uma noz moscada antes de celebrar missa, embora contra o preceituado jejum imposto pela Igreja, por veneração para que a hóstia sagrada ficasse depositada no seu peito entre aromas deliciosos. Na mesma página aponta outros sacerdotes que faziam o mesmo por iguais motivos. Diz a lenda em Baçal que certo padre, que comia antes de celebrar missa, foi chamado pelo bispo para o repreender e castigar. O prelado recebeu-o com mau modo e não lhe deu cadeira para se assentar. O padre, não podendo ter-se em pé pelo achaque dos anos, dobrou o capote, colocou-o sobre uma lança de sol que entrava pela janela e sentou-se em cima. O bispo, maravilhado do caso, não teve coragem de o censurar e mandou-o embora. É que, segundo diz o povo, esse sacerdote, por respeito ao sacramento, comia antes de missar, mas não voltava a comer senão a igual hora no dia seguinte, pois, conforme ele dizia: «por baixo de Deus tudo, por riba nada». É possível que tenhamos aqui vestígios dos erros priscilianos ainda muito vivazes nas crendices populares, como notamos noutra parte. Diz ainda outra lenda que um pastor pediu a um passageiro que lhe ensinasse o padre-nosso. — O padre-nosso é assim — tornou-lhe o viajante —: Correia na abarca e abarca na correia. O pastor repetiu sincera e devotamente esta fórmula e salvou-se, diz o povo, ao passo que o passageiro foi para o inferno. Haverá alguma relação entre o precedente e o seguinte ditado, que também aqui corre: «A boa fé te salva, que não o pau da barca»? Thiers (238) diz que em algumas terras para curar maleitas e outras febres mandavam atar-se o doente com uma corda ou vencelho a certas árvores e permanecer assim durante algum tempo. Alguns recomendam que esta operação seja feita de manhã, em jejum, deixando ficar a corda ou vencelho até apodrecer e mordendo a casca da árvore antes de se vir embora. Outros mandam-lhe comer as folhas da árvore. Ver n.° 102. Diz o mesmo que noutras partes, para curar as maleitas, deve assistir-se, num domingo só, à bênção da água-benta em três igrejas diferentes (239), mas tem mais virtude a benzida no primeiro domingo depois das quatro têmporas (240). Ver artigo Descobertas científicas. (237) Ver tomo X, p. 246, destas Memórias. (238) THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 321. (239) Ibidem, p. 332. (240) Ibidem, p. 262.

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M ANCO (ver n.° 14). M ANDRÁGORAS (ver n.° 9). — Na nota ao capítulo XXX, versículo 14 do Génesis (Bíblia), diz o Padre António Pereira de Figueiredo: «A mandrágora é uma planta de cujo fruto criam, e diziam os antigos que exalava cheiro muito agradável: que tinha virtude para excitar o amor, e que fazia fecundas as mulheres». Há duas espécies de mandrágoras, diz Bluteau, Vocabulário: — a fêmea, a que chamam negrã, tem duas ou três raízes, negras por fora e brancas por dentro, muito compridas e enlaçadas umas com outras. As folhas são como as de alface, mas rasteiras e mais pequenas. Tem mau cheiro e dão umas maçanetas como sorvas. A mandrágora macho tem raiz mais grossa, lança folhas brancas, largas e listradas. O fruto é maior o dobro da primeira, cor açafroada, cheiro bom, mas forte. O sumo, se se tomar em demasia, ofende o cérebro e mata. Da mandrágora se faz uma bebida que causa sono letárgico. M ANTIMENTOS comidos com algazarras no adro das igrejas (241). M EDICINA POPULAR (ver n.° 149). MESES: JANEIRO . — Acreditar que no último dia de Janeiro e nos dois primeiros de Fevereiro não nascem raparigas e que os corpos dos rapazes nascidos nestes três dias não se corrompem na terra até ao dia do Juízo Final. Dizem alguns que esta crendice está no livro De Natura Rerum (242) de Lucrécio; porém, apesar de passar por ele uma ligeira vista de olhos, não a encontrei. F EVEREIRO . — Ver Janeiro. M ARÇO . — Ver n.° 57. A BRIL. — Ver tomo IX, pág. 304, destas Memórias. MAIO. — Em algumas terras atribuem às ervas, frutos e plantas colhidas dia primeiro de Maio, antes do nascer do sol, igual virtude às colhidas na manhã do dia de São João Batista (24 de Junho) (243). No dia 1 de Maio, untando as mãos com gordura e lançando sobre elas por três vezes o pó da tampa da arca do pão, evitam-se as frieiras no inverno (244). Ver tomo IX, pág. 307, destas Memórias. Virá daqui o ditado: «As frieiras curam-se com o pó de Maio»? S ETEMBRO . — Não meter linho nem cânhamo em curtimenta, nem colher frutos durante as quatro têmporas de Setembro (245). Em terras (241) (242) (243) (244) (245)

Ver tomo II, p. 149, destas Memórias. T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 269. Ibidem, p. 266. Ibidem, p. 325. Ibidem, p. 265.

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bragançanas diz-se: Se destempera (isto é, se chove) durante as têmporas de Setembro, tarde tempera. Ora, como a curtimenta dos linhos se faz nos rios, pelo geral, é prudente não o levar lá, pois as chuvadas podem estragá-lo ou levá-lo na enxurrada, como já muitas vezes tem sucedido. M ONO . — No tomo IX, págs. 359, 375 e 377, destas Memórias falamos no feitiço do mono de palha, barro, madeira, lã, farrapos, cera ou de outra qualquer matéria, símbolo da pessoa maleficiada, ao qual as feiticeiras vão picando, esfaqueando, apunhalando, flagelando, despedaçando, queimando, a fim de causar danos idênticos à pessoa simbolizada. Na página 375 vimos a antiguidade desta abusão, à qual já Horácio alude. J. L. de Vasconcelos (246) indica uma fórmula desta abusão, aponta outra dada por Consiglieri Pedroso e diz que já Virgílio (Ecl. 8-v. 80-81) fala nela. Thiers (247) descreve diversas variantes desta superstição. Entre outras, é tremenda pela brutalidade sacrílega a de página 240, onde se fala num sapo despedaçado para feitiços venenosos, depois de lhe terem feito engolir uma hóstia consagrada. Não o é menos a de páginas 137, pelas imprecações, a fim de que «o coração, o corpo, a alma, o sangue, o entendimento, o espírito de F... não possa descansar, até à medula dos ossos, nem na terra, nem no ar, nem falar, nem montar a cavalo, nem passar rio, nem comer, nem beber, até que faça quanto dele se pretende em amor ou ódio». É interessante a de páginas 136, porque, valendo-se de certas partes do animal morto pelos malefícios, pode causar-se ao feiticeiro dano idêntico ao da rês, isto é, matá-lo também, confirmando por esta forma o ditado — «Voltou-se o feitiço contra o feiticeiro» — que já vem de antiquíssima terapêutica, pois o fabulista Fedro alude à crendice dos que aconselham os pêlos do cão para curar as mordidelas do mesmo. Diz ele: Laceratus quidam morsu vehementis canis, Tínctum cruore panem mittit malefico, Audierat esse quod remedium vulneris (248). E o adágio espanhol reza: «Se te muerde el perro, curate con el pelo del mismo perro». Não resistimos à tentação de sumariar os feitiços da célebre feiticeira Medeia, descritos por Ovídio (Epístola VI), porque se referem ao mono de cera acima mencionado e porque concordam com os da Genebra Pereira do (246) VASCONCELOS, J. L. de — Ensaios Etnográficos, vol. III, p. 5. (247) THIERS — Traité des superstitions, tomo 1, p. 135, 136, 137 e 373; tomo II, p. 70 e 240, e tomo III, p. 396. (248) FEDRO , liv. II, 3, v. 1-3.

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nosso Gil Vicente, apontados no tomo IX, pág. 379, destas Memórias e com muitas das superstições que temos indicado. Diz, pois, Ovídio falando de Medeia: «Com palavras mágicas consegue enganar os homens; fazer parar a lua e o sol; estancar as fontes e rios; mover as montanhas e os penhascos. Divaga pelos cemitérios à procura de cinzas e ossos fumegantes dos defuntos; trespassa com agulhas figuras de cera, simulacros de pessoas a quem quer maleficiar e prepara filtros venenosos ou amorosos com ervas por ela escolhidas». M ORTE, MORTOS, abreviar a morte para poupar sofrimentos; provocar a morte a muitos; nascidos mortos; moeda dada aos mortos; conjecturas sobre a duração da vida. Ver n.os 8, 32, 79, 98, 99, 112, 113, 150 e artigo Prognósticos. Thiers menciona as seguintes superstições: Passar a bandeira dos mortos em volta da igreja a fim de morrerem muitos na povoação (249); Meter uma moeda de prata ou uma corda cheia de nós na mão direita do morto, quando vai a enterrar, para ser melhor recebido no outro mundo (250); Não coser ou fiar, nem fazer outro trabalho na sala onde está um cadáver (251); Deitar à rua toda a água da casa quando morre o chefe da família, com receio de que venha lavar-se nela e se bebam seus pecados, cobrindo também de preto os cortiços das abelhas, pois morrerão se não guardarem luto pelo dono (252); Crer que o doente não pode morrer se estiver sobre uma cama de penas de perdiz, sendo, portanto, necessário tirar-lhas para lhe abreviar os sofrimentos (253); Outros, para abreviar os padecimentos dos moribundos, dispõem o leito de maneira que as traves do sobrado fiquem, não de través, mas ao longo, pois ficando de través será maior o sofrimento e a agonia (254); Trazer ao pescoço ourelos dos lençóis empregados para ir sepultar os mortos, devendo, porém, os ourelos ser rasgados e não talhados com tesoura ou faca (255); (249) T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 184. (250) Ibidem, p. 235. Ver V ASCONCELOS , José Leite de — Ensaios Etnográficos, vol. III, p. 129, e vol. V, p. LXXXVII, destas Memórias. (251) T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 235 e 238. (252) Ibidem, p. 237. Ver tomo V, p. LXXXVII, destas Memórias. (253) T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 239. (254) Ibidem, p. 235. (255) Ibidem, p. 334.

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Meter sal na mão do doente; se o sal se derrete, é sinal de morte; caso contrário, escapa da doença (256). Da moeda metida na boca ou na mão aos mortos, a fim de pagarem a Caron a passagem da barca, segundo o costume pagão, já fala Juvenal, Satir, 2, c. 3, dizendo: ............................................................ At ille Iam sedet in ripa, tetrum que novitius horret Porth mea, nec sperat canosi; gurgitis alvam, Infelix, nec habet quem porrigat ore trientem (257). M OCHO. — Ver n.° 19. M OSCAS. — Ver n.° 100. M ORCEGO . — Ver n.° 44. M ULHER , mulher prenhada. — Ver n.os 72, 78 e 81. M ULHER de virtude, por ter dois filhos de um parto. — Ver n.° 101. Estas mulheres têm grande préstimo na mente do povo para curar o aborto, a espinhela caída e otras muchas cosas mas. NASCIMENTO DE CRIATURAS, prognósticos. — Ver n. os 11, 12, 23, 26 e 27. NATAL . — Ver n. os 10, 28, 121 e 122. Thiers (258) aponta as seguintes superstições ligadas às festas do Natal: Cozer um pão na véspera do Natal para dar às vacas a fim de livrarem (lançar as páreas mais facilmente); Crer que este pão se pode conservar dez anos sem se corromper e livra as vacas de muitas doenças; Tomar doze grãos de trigo no dia de Natal, dando a cada um o nome de um mês do ano, lançando-os depois sobre a pá do forno, um pouco quente e, quando algum saltar sobre a pá, entender que o trigo será caro no mês correspondente, e, pelo contrário, não subirá de preço se nenhum saltar; Outros despejam o celeiro completamente dia de Natal; indo lá depois rebuscar no dia seguinte, sempre encontrarão algum grão de trigo, centeio, cevada, etc., e esse indicará a espécie mais produtiva no ano seguinte; Outros colocam certo número de cruzes com certas cerimónias ou buxo-bento sobre o trigo para que os vermes o não destruam e as terras produzam mais; Outros dão três voltas em redor do arado antes de começar a semear, tendo na mão um punhado do cereal respectivo, crendo que assim produzirá melhor; (256) Ibidem, tomo I, p. 184. (257) Ver tomo V, p. LXXXVII, destas Memórias. (258) THIERS — Traité des..., tomo I, p. 181, 238, 239, 258 a 268.

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Outros não sementam trigo em dia de São Ligeiro com receio de que demore em nascer; Não aceitar lume da casa dos vizinhos desde o dia de Natal até à Circuncisão, a fim de evitar certos danos (259); Não dar lume da lareira às vizinhas em certos dias da semana, porque se vai a fortuna; Em Baçal dizem que se não deve dar lume da casa onde há uma criança por baptizar, porque se vai a fortuna (260). Não cozer pão entre a festa do Natal e a Circuncisão, a fim de evitar desgraças, e deixar pão na mesa durante estes sete dias para a Virgem Maria, que vem comê-lo. Não comer ameixas dia de Natal, porque nascem úlceras a quem as come. Em terras bragançanas dizem que nascem furúnculos no cu a quem esvazia os intestinos nos caminhos. Moisés queria que os judeus em campanha dejectassem em determinados lugares, devendo cada um trazer pendurado do cinturão um pauzinho para esgaravatarem ao redor do bolo fecal e cobri-lo com terra, a fim de evitar que Deus se enojasse, indo-se embora e deixando-os entregues ao furor do inimigo (261). Virá destas disposições o costume de cobrir com uma pedrinha o excremento que muitas vezes se vê à beira dos caminhos? Em terras bragançanas, os lavradores calculam pelas bagas do trovisco a melhor época da sementeira. Esta planta floresce em três camadas distintas — temporã, média e tardega — indicando assim, pelas bagas mais gradas, a melhor época da sementeira — cedo, tarde ou no intermédio. É interessante esta crendice, que já encontramos em Cícero, mas aplicada ao lentisco: Iam vero semper viridis, semperque gravata Lentiscus, triplici solita grandescere foetu, Te, fruges fundens, tria tempora monstrat arandi (262). O conífero lentisco, sempre com fruto, marca, por sua tríplice florescência, a época das sementeiras. Outros lavradores bragançanos olham às nozes, porque não havendo nozes não haverá centeio, ou será escassa a sua colheita, e o custo do cereal subirá tantos tostões (hoje dois escudos) em alqueire (quinze litros) acima (259) (260) (261) (262)

Ver tomo II, p. 151, destas Memórias. Ibidem. Deuteronómio, XXIII, 12. C ÍCERO — De Divinatione, liv. I, c. IX.

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do preço normal quantas as nozes que houver em cada carrela, isto é, juntas em cacho nas vergônteas frutíferas. Diz Thiers (263), a quem vamos seguindo, que na Provença preparam, com muitas cerimónias interessantes no Natal, o Pão da Colenda, o Trefoir e o Bûche du Noël, tudo muito eficaz contra várias moléstias. Crer que um tição, que entrou no lume na véspera de Natal e depois se foi metendo no fogo todos os dias até dia de Reis (6 de Janeiro), de onde lhe vem o nome de Trefoir, ou Tison de Noël (Tição do Natal), livra de incêndios e trovões a casa que o guarde durante esse ano; seus moradores de frieiras; seus animais de muitas moléstias; seus trigos de fungos e mil outras calamidades (264). Levar na toalha que serviu à mesa no dia de Natal o trigo da sementeira, a fim de que nasça melhor (265). Guardar pão-bento nas três missas do Natal para remédio de certas moléstias (266). Dar de beber aos animais no regresso da Missa do Galo a fim de os preservar de muitas moléstias (267). NAVALHAS EM CRUZ. — Ver n.° 76. NEFASTO . — Ver artigo Fasto. NOVIDADES TRISTES. — Ver n.° 85. NÚMERO 13. — Muitos, e até espíritos que se julgam fortes, consideram o número treze como fatídico, crendo, por exemplo, que se forem treze pessoas à mesa morre uma dentro do ano. Isto é corrente em Bragança e outras terras. O livro Para não serem treze, de Alphonse Karr, é uma sátira humorística nos agoureiros deste número, e não o é menos o de Álvaro Pinheiro Chagas, Notas de um Lisboeta, 2.a série, pág. 17, quando põe os ministros da monarquia decadente a regularem-se por este agouro, a fim de escolherem colegas para o ministério. N ÚMERO ÍMPAR . — De duas pessoas casadas ao mesmo tempo morre primeiro aquela cujo nome e sobrenome formam número ímpar de letras (268). Noto porém que Virgílio (269) escreveu: Numero Deus impare gaudet — o número ímpar é agradável a Deus. Teremos aqui outra confusão como a mencionada no artigo Esquerda? (263) THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 263, onde se descrevem as respectivas cerimónias. (264) Ibidem, p. 329, e tomo III, p. 59. Ver tomo IX, p. 285, destas Memórias e VASCON CELOS , J. L. de — Ensaios Etnográficos, vol. III, p. 136, 139 e 140. (265) THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 268. (266) Ibidem, p. 326. (267) Ibidem, p. 328. (268) Ibidem, p. 184. (269) VIRGÍLIO — Bucólica, VIII, v. 75.

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O RAÇÕES de efeitos curativos. — Ver n.° 149. Sua condenação (tomo II, pág. 151, destas Memórias). U RINA. — Ver n. os 130, 137, 139; artigo Descobertas científicas e tomo IX, pág. 240, onde, por engano, saiu crinas em vez de urinas. O VO. — Ver n.° 105. P Á DO FORNO para afugentar as trovoadas. — Ver n.° 114. P ADRINHOS. — Um rapaz não deve ser padrinho de rapaz nem uma rapariga de menina, a primeira vez que são padrinhos, porque, se casarem, os dois padrinhos serão infelizes (270). Obram supersticiosamente os que, para escolher o nome que hão-de pôr ao recém-nascido, acendem doze velas, dando a cada uma o nome de um apóstolo e à criança o nome do correspondente à última vela que ficou a arder, na persuasão de que terá longa vida (271). P ARALISIA (cura da). — Ver n.° 92. P ARTOS. — Ver o artigo Impressionismo e n.° 100. Enxotar as moscas da casa onde está uma mulher para dar à luz uma criança a fim de evitar que seja do sexo feminino. Ver n.° 100. Quando a mulher embaraçada deixa muito tempo o cesto da barrela sobre o tripé, é sinal que terá parto laborioso; ao contrário será fácil, se lavar logo a roupa (272); crer que, tirando a medida da cintura da parturiente com um cordel, prendendo-o depois ao badalo do sino e puxando a ponto de dar três badaladas, se facilita o parto (273); vestir a parturiente as calças do marido ou fazer com que aperte nas mãos as suas meias e sapatos, para lhe facilitar o parto (274); atravessar o telhado da casa da parturiente com uma pedrada ou flecha que tenha morto três animais — um homem, um javali, um urso — de golpes diversos e também crer que o parto se realiza mais facilmente passando o tecto da casa com o machado ou espada de um soldado arrancada do corpo de um homem antes de cair por terra (275). As parturientes romanas invocavam várias divindades tidas como advogadas nos partos (276). Em muitas terras envolvem a cintura das parturientes com o cinto de Santa Margarida para lhe facilitar o parto (277). Para o mesmo efeito, em terras bragançanas cobrem-nas com o manto de Nossa Senhora. (270) (271) (272) (273) (274) (275) (276) (277)

THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 86. Ibidem, p. 96. Ibidem, p. 186. Ibidem, p. 325. Ibidem, p. 239 e 333. Ibidem, p. 339. Ibidem, tomo II, p. 76, onde cita os nomes de vinte e quatro. Ibidem, p. 80.

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P ÁSCOA , PENTECOSTES. — Beber água benzida na véspera da Páscoa e do Pentecostes para livrar de febres (278). Ver n.° 10 e tomo IX, pág. 305, destas Memórias. PÉ DIREITO OU ESQUERDO (mover o) ao entrar em casa. — Ver n.os 11, 88 e os artigos Pega e Trovão. P EGA . — Ver n.° 74 e os artigos Pé direito e Trovão. PEGADAS de outras pessoa. — Ver n.° 86. P ERDER DINHEIRO ou outras coisas. — Ver n.° 146. P ERDIZ. — Ver n.° 113. P ESADELOS , maus sonhos, fantasmas nocturnos. Crer que dizendo três ave-marias entre a elevação da hóstia e do cálix se evitam pesadelos, maus sonhos, etc. (279). P ESAR os meninos a centeio ou cera. — Ver n. os 124, 125, e tomo II, pág. 151, destas Memórias. O costume de pesar os doentes a trigo ou a centeio, dando o equivalente a um santo em cumprimento de votos, é frequente em terras bragançanas. P ESSOAS AUSENTES , vê-las ou mostrá-las em espada, água, espelho, etc. — Ver n. os 7 e 8, em nota. PESSOAS DOTADAS DE VIRTUDE NATURAL CURATIVA. — Ver o artigo Saudadores. Thiers (280) trata das pessoas que dizem ter virtude natural para curar certas moléstias, e são as seguintes: Saudadores, ou encantadores espanhóis. Parentes de Santa Catarina, de São Paulo, de São Roque e de São Martinho. Nascidos em Sexta-feira Santa. O sétimo filho ou filha do mesmo matrimónio. Os filhos póstumos. Os verdugos. Os da raça de São Herberto ou que nasceram com a sua estrela. Os da Casa de Constança. Certas famílias da Provença. Os reis de França para curar alporcas. Esta crendice da virtude natural curativa, ainda hoje vigente, encontra-se nos escritores romanos: Plínio (281); Aulus-Gelus (282); Estrabão (283); Suetónio (284); Tácito (285) e outros. A legislação portuguesa também reconhecia a mesma virtude (286). (278) (279) (280) (281) (282) (283) (284) (285) (286)

Ibidem, tomo I, p. 334. Ibidem, tomo III, p. 19. Ibidem, tomo I, p. 431. PLÍNIO, liv. 7, c. 2. GÉLIO, Aulo, Liv. 16, c. 11. ESTRABÃO, Liv. 13, cap. 13, e liv. 17. SUETÓNIO — Vida de Vespasiano. TÁCITO, Liv. 4. Ver tomo IX, p. 370, destas Memórias.

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P IA BAPTISMAL. — Ver água-benta e n.° 118. P INTAINHOS. — Ver n. os 106 e 122. P OMBO NEGRO . — Ver n.° 132. P RISCILIANISMO. — Doutrina de Prisciliano espalhada nas superstições. — Ver n. os 12 e 122. P ROGNÓSTICOS, ADIVINHAR O FUTURO , ROUBOS, TESOUROS ESCONDIDOS POR MEIO DO AR , FOGO , INSPECÇÃO DAS UNHAS , LINEAMENTO DO CORPO , FIGURAS , ASPECTO DO SOL , LUA E ESTRELAS , CANTOS DAS AVES , VOO , ENCONTRO DE HOMENS OU ANIMAIS — ESPÍRITOS. — Thiers menciona os seguintes: O zumbido do ouvido esquerdo, indica amigos a lembrarem-se ou a falar bem de nós; pelo contrário, se é o direito, são os nossos inimigos a falar mal de nós (287). Corre também em terras bragançanas. Sinal de receber dinheiro ou proveito, ver uma aranha ou vê-la a lançar o seu fio de cima para baixo (288). Corre idêntica crendice no distrito de Bragança. Indício de felicidade se, quando ouvirmos cantar o cuco a primeira vez, tomarmos a coisa que então se encontra debaixo dos nossos pés e a trouxermos algum tempo connosco (289). Índice de vir alguém quando a lenha do lume cai e se desarranja; quando a candeia lança chispas e estornica; quando o cão, a dormir, volta o nariz para o lado da porta (290). Em terras bragançanas dizem que quando a lenha do lume ou a candeia estornicam é sinal de vento, e de chuva se a brasa do lume sai apegada às tenazes ou às pernas do pote. A mulher que tirar pela porta o filho, nascido morto, de outra mulher, não parirá senão filhos mortos. Para evitar este dano, deve tirá-lo pela janela (291). Quando, indo de caminho, alguém nos pergunta para onde vamos, devemos voltar-nos para trás, a fim de evitar alguma desgraça (292). Sei que ainda se observa em Aveleda, concelho de Bragança, e parece-me que noutras terras. Crer que quem transplanta salsa morrerá nesse ano (293); crer que morrerá alguém da família do defunto encontrando-se outro cadáver ao sepultá-lo (294); crer que terão quanto dinheiro quiserem se, depois de terem

(287) (288) (289) (290) (291) (292) (293) (294)

T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 185. Ibidem. Ibidem, p. 186. A propósito do cuco, ver tomo IX, p. 309 e 322, destas Memórias. Ibidem. Ibidem. Ibidem. T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 335. Ibidem, p. 235.

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cortado a cabeça de um morcego com uma moeda de prata, a meterem num buraco, onde a conservarão três meses, pedindo-lhe depois quanto quiserem (295); crer que se os pastores tocarem na candeia com que se alumiam, nascerão pretos os cordeiros (296); não comprar cortiços de abelhas e somente trocá-los, porque os comprados não vão por diante ou não dão resultado (297); crer que os remédios tomados pelos enfermos depois de receberem os sacramentos, isto é, depois de confessados, comungados e ungidos pela Santa Unção não produzem efeito ou não é tão bom como antes de sacramentados (298). Em Baçal e noutras terras bragançanas dizem que as pessoas que têm espíritos, se forem sacramentadas durante o ataque, administrando-lhe principalmente a Santa Unção, ficam tolheitas sem haver possibilidade de voltarem a curar. Chamam aqui em Baçal espiritadas às pessoas atacadas por histerismos, nevroses, epilepsias e outras moléstias nervosas. Contam que um dos judeus chamados Guiços, de Bragança, exclamara aflito: — Irmão, mandaste-me dar o Senhor, acabou-me com os dias da vida! Olha que o Senhor é mau, mas a Santa Unção ainda lhe preleva. Crer que morrerá alguém na povoação durante a semana quando troveja no domingo (299). Q UARTA- FEIRA DE CINZA. — Ver n.° 121. Q UARTAS- FEIRAS . — Ver n.° 31. Q UINTAS - FEIRAS. — Ver n. os 34 e 37. RÃ , SAPO, ARRAIELA. — Meter numa panela de barro nova uma rã, enterrar a panela no meio do campo semeado para impedir os pássaros de comerem os frutos; mas é preciso enterrar a panela um pouco antes da ceifa para que os frutos não saiam amargos (300). Escarrar na boca de uma arraiela para curar da tosse (301). Trazer pendurado do braço o coração de um morcego, o de uma galinha e o de uma rã para se tornar invisível (302). RAIO , pedras de raio. — Ver n.os 19 e 23. RAMO BENTO. — Ver n.° 118. RATOS . — Ver n. os 24 e 65. REIS . — Ver n.° 28. (295) Ibidem. Ver o artigo Diabrilhos. (296) Ibidem, p. 237. Relaciona-se com as varas de Jacob, de que fala a Bíblia, Génesis, cap. XXX, v. 37 a 43. (297) Ibidem, p. 238. (298) Ibidem. (299) Ibidem, p. 258. (300) Ibidem, p. 335. (301) Ibidem, p. 340. (302) Ibidem, p. 365.

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R ELIGIOSISMOS PARACISMEIROS . — Ver o artigo Maleitas, onde o bom-senso do povo condena os praxismos amaneirados, adscrevendo a salvação à sinceridade, que não aos formalismos exibicionistas das liturgias pretensiosas. Ver o artigo Sistemas filosófico-teológicos. R EUMATISMO . — Curar o reumatismo dando três pancadas com um martelo de moinho junto ao doente, por um moleiro ou moleira de três raças dizendo ao mesmo tempo: in nomine Patris, et Filii, etc. (303). R ESPONSO DE S ANTO A NTÓNIO para as coisas perdidas. — Ver artigo Arresponsadeiras. R IQUEZAS. — Não me consta que em terras bragançanas se reze aos santos directamente a pedir riqueza (ver n.° 123) mas — «ouro é o que ouro vale» — voga esta prece ao dar graças a Deus, depois de cear, antes de rezar o terço, costume muito geral, iniciada por esta forma: «Pela bênção da mesa que Nosso Senhor no-la conserve enquanto sua vontade for servida», ou ainda: «pelas muitas esmolas e mercês que Deus nos tem feito e muitas mais tem para fazer, padre-nosso e ave-maria». Rezam depois: a São Bertlamen, que nos livre de amezedos; a São Ber~ nardino, de espíritos malignos; São Gez, de maleitas; Santo Amaro, de aleijões; São Sebastião, de fomes, pestes, guerras, enfermidades no corpo e na alma; Senhora da Cabeça, de dores de cabeça; Santa Apolónia, de dores de dentes; São Brás, de dores de garganta; São Romão, de dores da língua; Santa Bárbara e São Jerónimo, de trovoadas; São Nicolau, de tempestades (ventanias, ciclones, etc.); Santa Catrina, de ferros de el-rei, poder de justiça e mau vizinho à porta; São Domingos, de tentações do demónio e horas minguadas (fracos, sem forças para resistir à tentação); Santa Eufémia, de coisas impossíveis; Santa Luzia, que nos dê vista e claridade no corpo e na alma; São Caetano, que nos dê pão para todo o ano; São Vicente, que no-lo acrescente; Santo António, que é advogado das coisas perdidas, guarde as nossas e seja pastor das nossas almas, Rezam pelas almas do Purgatório, para que Deus as livre daquelas penas; ao Anjo da Guarda e à Senhora da Guia, que nos dirijam no caminho da salvação; à Senhora do Carmo, que nos livre das penas do inferno; pelos moribundos, para que Deus lhes tire as contas com piedade e a nós quando formos. Rezam pelas suas obrigações — pais, parentes, amigos, benfeitores, padrinhos e também por seus inimigos —; pelos frutos de mar e terra que Deus os traga a porto salvo, para remédio dos pecadores e com eles fazermos bons serviços a Deus.

(303) THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 337.

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E terminam benzendo-se e muitos beijando a sua própria unha do dedo polegar da mão direita. Esta beijoca da unha parece-me tê-la visto na liturgia pagã, mas não me lembra onde. ROUBOS . — Ver n. os 9 e 143. SÁBADO . — Ver n.° 37 e tomo IX, pág. 363, destas Memórias. SÁBIA é uma refinadíssima ladra, intrujona e ladina, exploradora da estupidez humana, à qual teve artes de se impor como mestraça na arteirice de descobrir o futuro, achar coisas perdidas, tesouros escondidos, conhecer a origem das moléstias incuráveis pelos médicos e aplicar-lhe remédios infalíveis, facilitar os amores inditosos, mostrar os réus de infidelidades conjugais, enfim, remediar todos os sofrimentos e responder a quantas parvoiçadas a humana estultícia se lembre de lhe perguntar. É incalculável o dano que estas mulheres perversas causam, principalmente em moléstias longas e casos adulterinos, pois, em palavras ambíguas, susceptíveis de variada interpretação, indicam, por sinais vagos, a pessoa causadora da moléstia ou do agravo conjugal, chegando mesmo a mostrar, em superfície luzente, uma figura imprecisa, que, aos olhos da vítima, pode representar o malévolo, porquanto «fácil cremos o que queremos» e «quem porcos lhe faltam, touças lhe roncam». Haverá quarenta anos, um tuberculoso destes meus sítios causou a morte, por espancamento, a uma pobre mulher que supôs ser a indicada pela Sábia como causadora da doença que lhe ia roendo a vida. Conheço mais casos passados com anémicos e doentes incuráveis, que não chegaram à tragédia, ficando apenas em ódio irreconciliável contra a pessoa indicada pelo esquema da Sábia. Por de mais se lembra que o povo atribui sempre as doenças longas, os prejuízos repentinos nas coisas e animais a «mal que lhe fazem», ou seja a malefícios de bruxas. A Sábia usa principalmente de um baralho de cartas de jogar em suas manigâncias. Baralha-as, parte-as, junta-as e vai depois tirando uma a uma, como fazem os jogadores, engatilhando-lhe uma lengalenga em ordem ao caso do consulente, mas incompreensível por constar de ideias desconexas, semeadas, contudo, de palavras que podem adaptar-se ao assunto, destacando o rei ou a dama, conforme o sexo do consultante, em casos amorosos ou de malefícios. Nada mais é preciso para que um doente, física e moralmente achacado, veja nestas meias tintas e palanfrórios ambíguos a pessoa maleficiente que já de antemão trazia gravada no bestunto. Para complemento receita-lhe a Sábia água benta de sete pias, ervas de sete termos, pó de ossos dos mortos arrebanhados no cemitério à meia-noite e várias outras parlapatices, que seriam risíveis se não metessem nojo e causassem pena pela estupidez que inculcam em quem as acredita. Estultícia humana, estultícia humana, como és incomensurável! Como é infinito o número dos parvos! MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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SALGUEIRO — Ver artigo São João. SAL ARRAMADO , mau presságio. — Ver n.° 69. SANGUE DO NARIZ . — Ver artigo Fluxo de sangue. SANTA A NA. — Ver n.° 35. SANTA A POLÓNIA. — Ver n.° 119. SANTA C RISTINA . — Ver o artigo Superstições confirmativas. SANTA M ADALENA. — Ver n.° 35. SANTO ESTÊVÃO. — Crer que é melhor comprar os cavalos dia de Santo Estêvão (26 de Dezembro) do que noutro dia (304), Ver n.° 127. S ANTOS LANÇADOS À ÁGUA para obter chuva. — Ver n.° 9 e tomo IX, pág. 269, destas Memórias. Azpilcueta (305) diz que no seu tempo (1545) lançavam aos rios e fontes as imagens de São Pedro e Santa Felicidade, quando não chovia, deixando-as lá ficar até chover. Outras vezes levavam-nas até à beira da água e só as mergulhavam se não chovia até certo tempo que lhe marcavam. Thiers (306) aponta a mesma crendice existente em França. Nieuport (307) diz que os romanos, de tempos a tempos, iam lavar ao rio ou correntes as imagens dos deuses. Filiar-se-á neste rito pagão a superstição cristã (308)? SANTOS INOCENTES . — Ver n.° 34. SÃO BARTOLOMEU . — Ver n.° 92. SÃO BRÁS . — Ver n.° 119 SÃO CRISTÓVÃO . — Crer que quem vê a estátua de São Cristóvão está alegre e ri na noite seguinte; não morre nesse dia de má morte; tem saúde e está livre de perigos no dia em que a vê (309). Christophore Sancte virtutes sunt tibi tantae, Qui mane vident nocturno tempore rident. Christophori sancti speciem quicumque tuetor, Ista nempe die non morte mala morietur, Christophurum videos, postea tutus eris. SÃO JOÃO . [6] — Ver tomo IX, págs. 307 e 323, destas Memórias e n. os 17, 18, 34, 42, 49 e 59. Banhar os rebanhos ovinos na véspera de São João (24 de Junho) e os rapazes em Sexta-feira Santa para os preservar de sarna e tinha (310). (304) (305) (306) (307) (308) (309) (310)

THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 266. AZPILCUETA NAVARRO — Commento en romance..., p. 654. THIERS — Traité des..., tomo I, p. 360. N IEUPORT — Usos e costumes dos romanos, p. 239. Ver tomo IX, p. 269, destas Memórias. THIERS — Traité des..., tomo II, p. 383, mas os versos são de outro autor. Ibidem, p. 259.

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Tocar uma sineta ou campainha durante vinte e quatro horas, na véspera de São João, desde a aurora, para impedir os malefícios das feiticeiras todo o ano (311). Colher fetos e outras ervas, expor ao ar da noite e orvalho roupas de lã na persuasão de que tais ervas ou exposição garantem as roupas contra a traça. Esta crendice está condenada no concílio de Ferrara celebrado em 1612 (312). Em Baçal e noutras terras bragançanas continuam colhendo-se ervas no dia de São João antes do nascer do sol, por terem maior virtude curativa e estarem bentas, e a expor-se as roupas de lã ao relento da noite, recolhendo-as antes do sol nascer. Sangrar-se nos dias da Ascensão e de S. João, ou nestes dias banhar-se, lavar os pés, colher cardos e outras ervas. Esta superstição foi condenada pelo concílio de Monte Cassino em 1626 (313). Crer que na véspera de S. João se encontra um carvão ao pé da artemisa e da tanchagem (plantaine), que livra, quem o traz, da peste, carbúnculo, raio, sezões e fogo. Mas este carvão só pode ser achado por crianças ou virgens (314). Amassar no dia de São João pequenos pães, secando-os depois no sobrado, a fim de não ser mordido por cães danados (315). Azpilcueta (316) diz que no seu tempo (1545) era crença geral que as ervas colhidas na manhã de São João, antes de nascer o sol, com certas orações, tinham virtudes especiais. A mesma crença tem ainda hoje o povo bragançano. Thiers aponta a dos que vão colher de manhã — em jejum, antes de lavar as mãos e antes de dar graças a Deus, sem falar a ninguém, nem saudar as pessoas que encontram no caminho — certa planta para ser trazida por quem se queira preservar de feitiçarias (317); a dos que colhem, para o mesmo efeito, a raiz de chicória, tocada de joelhos com ouro e prata na manhã de S. João, com ferramenta e cerimónias especiais, depois de a ter exorcismado com a espada de Judas Macabeu (318); a das mulheres da Suécia, que colhem folhas de salgueiro com idêntico fim (319); a dos que se cingem com certas

(311) (312) (313) (314) (315) (316) (317) (318) (319)

Ibidem, tomo I, p. 259. Ibidem, p. 260. Ibidem, p. 261. Ibidem. Ibidem, p. 268. A ZPILCUETA N AVARRO — Commento en romance..., segunda parte, vol. 2, p. 654. THIERS — Traité des..., vol. I, p. 149. Ibidem, p. 150. Ibidem, pág. 258.

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ervas na véspera do dia de São João, ao dar do meio-dia, com intuitos idênticos, e ainda a dos que na noite de São João vão rolar-se sobre aveia orvalhada para curar de certas febres (320); a dos que atribuem tanta virtude às ervas colhidas no dia 1.° de Maio ou noutro dia, como às do dia de S. João, o caso é ser antes de nascer o sol, preferindo, entre as plantas, os fetos e respectivas sementes (321). Nesta minha povoação de Baçal há uma eira, terreno fundo, pantanoso, próprio para fetos, chamada Feitiçal. Ora, o toponímio Fieital indica abundância de fetos (322), e como feto se liga a feitiços, passaria o povo, por analogia de sons, de fieital para Feitiçal? As ervas colhidas no dia de São João, antes de nascer o sol, são maravilhosas para combater todas as moléstias e danos de feiticeiras, dizem aqui em Baçal, sem distinção de plantas, preferindo, contudo, as aromáticas, sobretudo aplicadas em fumaças a doentes, quer racionais, quer irracionais; todavia, para curar a sarna vão rebolar-se na noite de S. João sobre os campos semeados de linho. As defumações com tais ervas para combater dores de cabeça e de rins, são mal vai-te daqui, e não há bruxedo ou feitiçaria que lhe resista ou que entre com tais preservativos, embora seja o olhar repassado, a praga da encruzilhada, a do cavalão ou outra das mais mefistofélicas (323). As plantas de maior virtude medicinal são: arçã, arnica, avenca, bela luz, bretónica, cidreira, celidónia, também chamada seruda ou erva andorinha, erva das sete sangrias, erva moura, erva sanguitária, erva do S. João (digitalis), flor de carqueja, flor de sabugueiro, flor do tojo, gala-crista, hortelã, malvarisco, mentrasto, maciela, poeijo, sargaço (chargoaço), sal-puro e trovisco. Estas ervas são medicinais; todavia, algumas delas gozam, além disso, de virtude antimaléfica, isto é, contra feitiços, feiticeiras e bruxedos. SÃO MARCIAL . — Ver n.° 34. SÃO NICOLAU , advogado das riquezas. — Ver n.° 123. SÃO PAULO. — Ver n.° 34. SÃO PEDRO. — Ver n.° 42. SÃO SATURNINO . — Ver n.° 36. SÃO SEBASTIÃO. — Ver n.° 127. SÃO TIAGO MAIOR. — Ver n.° 35.

(320) (321) (322) (323)

Ibidem, p. 262. Ibidem, p. 266, 268, 328, 14 e 260. Ver tomo I, p. 208, destas Memórias. Ibidem, tomo IX, p. 377, e tomo VII, p. 710.

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SÃO V ALENTIM. — Ver n.° 124. SAPATOS . — Ver n. os 64 e 73. SAPO. — Ver n.° 68. SARNA , TINHA . — Ver artigo São João. SAUDADORES . — Os saudadores de que fala o n.° 9, também chamados salvadores, encantadores, saludadores, ensalmadores, santiguadores, diz Thiers (Superstitions, tomo I, pág. 437) são assim designados em Espanha os indivíduos que curam os doentes por meio de orações ou pela própria saliva e hálito. Thiers, no lugar citado, trata largamente desta superstição geral em muitas nações da Europa e acrescenta que em algumas partes atribuem as virtudes de Saudador às pessoas nascidas em sexta-feira santa e ao sétimo filho de um matrimónio que só tem raparigas. Ao contrário, em terras bragançanas dizem que se forem todas raparigas, a sétima é feiticeira, e que os filhos gerados em sexta-feira santa são zangãos. Ver tomo IX, pág. 370, destas Memórias. SEGREDOS . — Os que, para saber os segredos de uma pessoa, escrevem numa quinta-feira, sexta, sábado e domingo uma certa figura que mostram depois à pessoa de quem querem saber os segredos, a qual dirá tudo, sem nada ocultar (324). SEMANA DAS LADAINHAS. — Ver o artigo Chuva. Não cozer pão durante a semana das ladainhas para evitar que morra alguém da casa que o coze (325). Em Baçal e noutras terras bragançanas dizem que não se devem semear feijões na semana das ladainhas porque nascem sem orelhas. Mais acrescentam: Na semana de Ramos lava os teus panos, Que na da Paixão ou os lavarás ou não. É que, no conceito popular, Jesus, dando em tudo exemplo de pobreza e sofrimento, até na morte escolheu quadra de chuviscos e ventanias. S EMANA S ANTA . — Não guardar em casa obra fiada na semana santa, porque Nosso Senhor foi preso nessa semana (326). Não fiar desde quarta-feira da semana santa até ao dia de Páscoa, com receio de fiar cordas para prender o Senhor. Pela mesma razão não fiar nos sábados depois do meio-dia (327). (324) (325) (326) (327)

THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 235. Ibidem, p. 265. Ibidem, p. 260. Ibidem, p. 265.

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SEPULTURAS (mantimentos sobre as). — Ver n.° 10. SERPENTE . — Ver n. os 68 e 83. S EXTA - FEIRA , dia aziago (328). — Ver n. os 18, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 38, 43 e 50. SEXTA - FEIRA SANTA . — Não desmamar as crianças sexta-feira santa a fim de evitar que se ponham anémicas (329). Pendurar um arenque na prancha da porta de casa na sexta-feira santa a fim de impedir as moscas de entrar nela (330). Ver n. os 18, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 38, 43, 94 e artigos. Pessoas dotadas de virtude curativa natural e Saudadores. SOL (eclipse do), mau presságio. — Ver n.° 23. SOLSTÍCIOS . — Ver n.° 49 e tomo IX, pág. 308, destas Memórias. S ORTES (lançar). — Ver n. os 8, 10 e 142. Cícero (331) menciona também esta crendice da religião pagã e tão vulgarizada estava no mundo antigo que até os apóstolos a utilizavam para escolher o colega na vaga de Judas (332). SUPERSTIÇÕES , sua origem pagã. — Ver n.os 1, 4, 9, 15, 45, 49, 57, 58 e artigo Crendices (333). S ONHOS . — Ver n.° 9. Cícero (334) também menciona os sonhos como avisos, inspirações de Deus. No mesmo sentido se encontram mais de oitenta vezes apontados na Sagrada Escritura (Bíblia), sendo célebres os interpretados por José no Egipto (335) e o dos Reis Magos (336). S UPERSTIÇÕES CONFIRMATIVAS . — É possível que algumas crendices fossem engendradas para dar carácter verídico às outras, e, nesta hipótese, apresentamos algumas. Prometer a Santa Cristina o doente em perigo de vida na primeira hora depois da meia-noite, na persuasão de que esta santa pode salvar

(328) Ver tomo I, p. 47, destas Memórias. (329) THIERS — Traité des..., tomo I, p. 269. (330) Ibidem, p. 333. (331) C ÍCERO — De Divinatione, livro I, n,° XVIII. (332) Actos dos Apóstolos, 1-26. Os soldados dividiram à sorte os vestidos de Cristo, como declaram: São Mateus, 27-35; São Marcos, 15-22; São Lucas, 22-34, e São João, 19-23. De resto, toda a Sagrada Escritura está cheia desta prática supersticiosa, tida então como legítima para consultar a vontade de Deus, como se vê no Levítico, 16-8 e 9: Números 16-55-56; 33-54; 34-2-13; 36-2-4, e não cito o Deuteronómio, Josué, Juízes, Reis, Esdras, Ester, Salmos, Provérbios, Sabedoria, Eclesiastes, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum e Macabeus, onde oitenta e oito textos mencionam a prática da sorte, que também da mesma forma se encontra onze vezes no Novo Testamento. (333) Tomo II, p. 151, destas Memórias. (334) C ÍCERO — De Divinatione, livro I, n.os XX a XXXIII. (335) Génesis, 40 e 41. (336) São Mateus, 2-12.

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da morte uma pessoa cada dia do ano, sob condição de ser a primeira que lhe pede ou por quem se pede (337) . Optimamente engatilhada. Se o doente cura, foi a santa que o sarou; se não cura, é porque não foi o primeiro a pedir. Pôr uma cruz de madeira sobre um bocado de trigo a fim de evitar que os gatos vão lá mijar e estercar (338). Já é pouco provável que os gatos, dados os seus hábitos dejectórios, vão fazer esses efeitos ao bocado de trigo, antes prefeririam comê-lo, e se a cruz for um pouco grande, nem uma nem outra coisa farão. Ver artigo Bichos nas feridas dos porcos. T IÇÃO DO N ATAL. — Ver artigo NataI. TEMPESTADES , chuvas, granizos para destruir os frutos. — Ver n.os 5, 12, 60, 61, 91, 126 e 142 (339). T ÊMPORAS. — Ver n.° 28. TERÇA- FEIRA , dia aziago. — Ver n.° 43 (340). TESOUROS ESCONDIDOS. — Ver n.° 143. T RABALHAR , dias nefastos ao trabalho — Ver n. os 15, 26, 34, 36, 37 e 50 (341). T REMOR DE TERRA, mau presságio. — Ver n.° 23. T ROVÃO . — Ver n. os 12, 87, 90, 114 e 115. Trovão à esquerda, sinal de bom agouro, segundo aponta Cícero (342) . Note-se bem: à mão esquerda e não à direita, onde, em geral, costumam mostrar-se os agouros venturosos. O mesmo Cícero diz no livro II, capítulo XVIII, que quando o trovão se ouve à esquerda «é o mais favorável de todos os auspícios». No capítulo XXXIV do referido livro, repete a mesma afirmação, mas pouco adiante, no capítulo XXXIX, cita Homero, que considera o trovão à direita como propício e à esquerda por nefasto. Ver artigos Pé direito e Pega (343). T RIGO LANÇADO SOBRE OS ANDORES nas procissões (344). T ROVISCO, LENTISCO . — Ver artigo Natal. U NHAS. — Ver n. os 29, 44 e 142. V ACAS (secar o leite das.) — Ver n.° 103. V ARINHA DO CONDÃO ou Varas do condão. — Ver n. os 8 e 143. No tomo IX, pág. 631, destas Memórias falamos das «Varinhas do condão», vergôn-

(337) (338) (339) (340) (341) (342) (343) (344)

THIERS — Traité des superstitions, tomo I, p. 258. Ibidem, p. 334. Tomo IX, p. 367, destas Memórias. Ibidem, tomo I, p. 47. Ibidem, tomo II, p. 151. CÍCERO — De Divinatione, liv. 1, c. XLVII. Tomo IX, p. 285 e 369, e tomo X, p. 659. Ibidem, tomo II, p. 149.

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teas de certas árvores preparadas pela liturgia mágica, eficazes para encontrar coisas perdidas, dinheiro, tesouros escondidos ou encantados. Em terras bragançanas dizem que quem tiver a dita de encontrar um lagarto de dois rabos e o meter numa arca de farinha, poderá ganhar sempre no jogo da lotaria, obtendo assim quanto dinheiro quiser, pois o lagarto traça na farinha o número premiado. Thiers (345) menciona a superstição dos que trazem no bolso a cabeça de um pupu a fim de não serem enganados pelos negociantes e ganhar muito dinheiro. Não encontrei a palavra Pupu no dicionário francês. Quanto ao adivinhar, ver os artigos Agouros e Prognósticos. V ASSOURAS , meio de transporte das feiticeiras (346). Ver artigo Feiticeiras. V IAGEM. — Ver o artigo Jornada. V IRGEM. — Ver artigo Donzela. V IROLHO. — Ver n. os 14 e 15. Em conclusão: as depreciativamente chamadas superstições ou crendices populares são os mistérios, dogmas e artigos da fé pagã; a sua moral e liturgia; o resumo da sua filosofia e teologia dogmática, abrangendo também regras para a conduta e formação espiritual de seus fiéis e crentes. A este corpo de doutrina espiritual juntou-se outro de ensinamentos temporais referentes à medicina, higiene, economia doméstica, agrícola, administrativa, social e política, dando-os como inspirados divinamente, segundo fizeram todos os legisladores primitivos e fundadores de religiões, a fim de os fixar na mente do povo. As superstições estão para o paganismo como os artigos da Santa Fé Católica, o Credo e os Mandamentos da Lei de Deus para o Cristianismo. O tratado mais completo e autorizado de teologia pagã, que a civilização romana nos deixou sobre o assunto, é o De Divinatione e De Natura Deorum, de Cícero, duas obras verdadeiramente notáveis, por serem escritas por um talento literário de primeira grandeza, mestre, doutor máximo, pois era sacerdote, chefe dos augures, sacerdos magnus, bispo, como hoje dizemos. Teofrasto e Pausânias também escreveram sobre o modo como a civilização grega compreendia as doutrinas pagãs, mas, além de serem deficientíssimos, do primeiro só restam dois capítulos. Cícero é, pois, a fonte principal onde podemos estudar as crendices populares, aproveitando para as confirmar alguns textos de Virgílio,

(345) T HIERS — Traité des..., tomo I, p. 332. (346) Ver tomo IX, p. 357, destas Memórias.

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Horácio, Tácito, Plínio, Tibulo e outros, que, por motivos literários ou históricos, se referiram a essas crendices (347). Percorrendo as obras dos Santos Padres, doutores da igreja, escritores eclesiásticos, cânones dos concílios gerais, provinciais, diocesanos, constituições dos bispados, pastorais, provisões e capítulos de visita dos bispos, Código Visigótico e Ordenações do Reino, escritores de costumes populares e de assuntos etnográficos, podemos acompanhar a marcha das superstições através dos séculos de há dois mil anos para cá, verificando com assombro como o povo conserva integralmente as mesmas crendices e, até muitas vezes, a mesma fórmula expressa no referido tratado de Cícero! Mas a velhice das superstições vai muito além dos dois mil anos, pois nos n. os 1 e 18 se diz virem já dos egípcios, e na Bíblia (348) encontram-se frequentes textos referentes ao uso de sortes para adivinhar incógnitas; aos maus espíritos, expulsão dos demónios, evocação dos mortos e magia, já desde o tempo de Moisés; portanto dezassete séculos antes de Cristo, ou seja há três mil e seiscentos anos, e a arqueologia mostra que já vêm dos tempos pré-históricos; no entanto, há quem pense que um passado enquistado assim no homem por tradição multimilenária, bebida com o leite maternal e transmitida ininterruptamente de geração em geração através dos séculos, pode desaparecer «lentamente com uma instrução bem orientada, feita pelos que no meio do povo ignorante têm obrigação moral de o guiar e o prestígio suficiente para impor a sua doutrina livre de todos estes prejuízos». Este trecho, copiado de uma das melhores monografias concelhias ultimamente publicadas, notável pela erudição e ineditismo da investigação histórica, se não fosse, como cremos, uma das tais dormitadelas a que nem os maiores talentos escapam, inculcaria ignorância histórica suma e não menor da psicologia do povo. Porventura podem extinguir-se ideias que resistiram a quinze séculos de perseguições da lei civil exaradas no Código Visigótico e nas Ordenações do Reino, que vão até ao confisco dos bens, marcação ignominiosa na cara a fogo com ferro em brasa e morte na forca, quando não era na fogueira? Ver tomo IX, pág. 379, destas Memórias. Ideias que a Igreja combateu em milhares de cânones com toda a severidade de suas mais rigorosas leis? Ideias seladas pela coragem do martírio de tantos feiticeiros e feiticeiras?

(347) Ver artigo Crendices, n.° 19, artigos Esquerdo e Direito, Feiticeiras e tomo IX, p. 375, destas Memórias. (348) Levítico 16-8 e 9. O mesmo em vários outros pontos; todavia, mais significativo é que no Novo Testamento se encontra frequentemente o uso das sortes, e até os apóstolos elegeram à sorte a Matias para sucessor de Judas (Actos dos Apóstolos, 1-26).

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Na quarta-feira de cinza percorre as ruas de Bragança uma figura carnavalesca mascarada, vestida com saio de oleado horrorosamente pintalgado, representando a morte [7]. Entra nas casas, dirige chufas e mesmo insultos às pessoas, persegue o rapazio, que em chusma lhe grita: — Ó morte, ó lagão, ão, ão — bate-lhe, e às mulheres com uma correia ou chicote, comete infinitas tropelias, provoca conflitos, pancadaria, desordens, arma tal algazarra que tudo anda em pulverinho de correrias e galhofas, de onde vem dizer-se «que Bragança tem mais um dia de entrudo», por se estender a quarta-feira de cinza (349). Alguns governadores civis, administradores do concelho, bem como as autoridades eclesiásticas, têm proibido estas folias, mas em vão, porque a morte aparece sempre quarta-feira de cinza nas ruas da cidade, ou, pelo menos, nas dos arrabaldes. Outros, vendo a impossibilidade de extirpar este costume imemorial, fecham os olhos e deixam correr, limitando-se a policiá-lo. Trata-se de um rito pagão, a julgar pela Festa dos rapazes, e, atendendo à coincidência do tempo e modalidades, deve relacionar-se com os Lupercais celebrados pelos sacerdotes de Pã a 15 de Fevereiro (350), que, arrebatados pela loucura do culto prestado à sua deusa, corriam de rua em rua, batendo com um chicote em quem encontravam, principalmente nas mulheres, que julgavam tornar fecundas com tais pancadas. Ora, se num meio ilustrado como é Bragança, com liceu, seminário, sede episcopal, escolas primárias, industrial e de habilitação ao magistério primário; se os governadores civis com toda a sua autoridade, dispondo da polícia e da gente do regimento militar, não têm conseguido extirpar esta folia, apesar de o tentarem por várias vezes, apesar de os jornais da terra a combaterem como selvajaria estúpida, quem poderá crer que a pregação nas aldeias, seja de quem for, pode suprimir crendices, costumes populares de raízes milenárias? E, no entanto, há ainda cientistas que as julgam extinguíveis com instrução; governadores civis com disposições administrativas e autoridades eclesiásticas com excomunhões e suspensões ipso facto! Como se enganam e quão mal conhecem a história! Instrução?! Mas não se encontram a cada passo indivíduos diplomados por cursos liceais, universitários e escolas superiores que têm enguiço com o n.° 13, com o encontro de certas pessoas, coisas, animais em determinadas circunstâncias; com o canto de certas aves; com mil outras frivoleiras por este teor?

(349) Ver tomo VII, p. 757, e tomo IX, p. 300, destas Memórias, onde tratamos do assunto. (350) Ibidem, tomo IX, p. 301.

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O que podíamos dizer a tal respeito, por o ter visto praticar a doutores, militares de alta patente, pessoas categorizadas mentalmente, colocadas em elevadas posições sociais? Eis uma pequena amostra: O nosso amigo Dr. F..., escritor de notável relevo literário e alto critério estético, não é capaz de assistir a um jantar em que os convivas sejam treze, nem de ver lançar na mesa dinheiro para pagamento seja do que for, sem protestar energicamente, por indicar desventura certa. Outros alargam o fatalismo do n.° 13 a reuniões, marchas em carros e todos os mais actos em que entre este número e ao comer à mesa com o chapéu na cabeça. Outro nosso amigo, o tenente-coronel F..., também escritor, que tem desempenhado comissões de grande responsabilidade mental, recomendava-nos há tempos, ao presentear-nos com uma giga de belas pêras e pêssegos da sua quinta, que não as deixássemos comer a mulheres, pois eram as primeiras que davam as árvores e ficariam aneiras, isto é, a produzir um ano sim e outro não, se tal sucedesse (351). Sorrimo-nos ao ouvir tal, e ele retorquiu logo: — Bem sei, mas há coisas que só assim se compreendem. Eu tinha na quinta um belo pessegueiro, forte, robusto, exemplar perfeito, mas não dava fruto. Supondo que fosse por falta de limpa, mandei-o podar; mas nada adiantei. Lembrando-me que procederia de estrumação excessiva, mandei-lhe retirar de junto ao tronco a terra adubada, substituindo-a por outra fraca, e o resultado foi o mesmo. Ordenei então ao quinteiro que o arrancasse e plantasse no sítio outra árvore. O quinteiro, que tal ouviu, foi-se ao pessegueiro com um pau e aplicou-lhe pancadaria valente, dirigindo-lhe ao mesmo tempo os maiores insultos, impropérios e ameaças de o arrancar se no ano seguinte não desse fruto. Pois, coisa extraordinária! — afirmou ele — desde então o pessegueiro deu abundante e saboroso fruto todos os anos! Para mim, a fecundidade está no excesso de seiva corrigida pela pancadaria e desvio da terra humosa; outros, porém, alegam a crendice. No tomo IX, pág. 286, destas Memórias falamos das macieiras apedrejadas na noite de Natal para não serem aneiras, e no tomo X, pág. 439, do espancamento e insulto ao cachapeiro para curar certas moléstias. Ainda no tomo IX, pág., 377, falamos do empregado superior dos correios, possuidor do curso liceal, que, consumido pela doença, atribuía a causa a feitiçarias. As crendices mais frequentes que conhecemos, professadas por bragançanos instruídos, e alguns mesmo categorizados intelectuais, são as seguintes: 1 — Crer no mau agouro do n.° 13, como fica dito (352). (351) Ver tomo IX, p. 286, destas Memórias. (352) Ibidem, p. 315.

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2 — Crer que o dinheiro lançado na mesa, quando se está comendo, atrai desgraças. 3 — Idem quando se come à mesa com o chapéu na cabeça. É que, para os romanos, a mesa era um altar em que o pai da família, sacerdote do culto doméstico, sacrificava aos deuses lares. 4 — Crer na eficácia do espancamento, ameaças e insultos às árvores e plantas para as obrigar a produzir frutos ou curas (353). 5 — Crer que as castanhas cruas comidas pelas crianças produzem piolhos. 6 — Crer que a urina de criança cura feridas e icterícia. Ver n.os 130, 137 e 139 (354). 7 — Crer que os soluços se curam batendo nas costas do padecente. 8 — Crer que o lagarto (sardão, réptil) é amigo dos homens e inimigo das mulheres, ao contrário da cobra, que é amiga destas e inimiga daqueles (355). 9 — Crer que quem mata uma joaninha atrai desgraça sobre si. À joaninha chamam pandoneza em Bragança (356). 10 — Crer na eficácia da figa contra feitiços (357). 11 — Crer que quem cospe no lume morre tísico (358). Ver n.° 67. 12 — Crer na espinhela caída. Ver o artigo Mulher de virtude, pág. 89. 13 — Crer que o vinho arramado na toalha da mesa de comer produz alegria e o azeite tristeza. Ver n.° 72, pág. 30. 14 — Crer que falando em ninhos de pássaros na cozinha as formigas os vão comer, devendo, portanto, chamar-lhe sapinhos para as desnortear. 15 — Crer que a fralda de fora, isto é, a camisa por fora das calças, afugenta as feiticeiras. 16 — Crer na eficácia das pragas e maldições lançadas entre o levantar da hóstia e do cálix, principalmente se forem deitadas pelas madrinhas. 17 — Crer que o zumbido ou quentura na orelha direita indica que alguém está a dizer bem da pessoa, e o contrário se for na esquerda. 18 — Crer que o pão posto na mesa com o de cima para baixo acarreta desgraça. Outros dizem que se coloca assim, como aviso aos passageiros para indicar ladrões à mesa ou nas imediações. 19 — Crer na eficácia da ferradura para afugentar malefícios e atrair prosperidades (359). (353) (354) (355) (356) (357) (358) (359)

Ver tomo IX, p. 286 e 377, destas Memórias. Ibidem, p. 240, e tomo X, p. 653. Ibidem, tomo IX, p. 324 e 552. Ibidem, p. 552. Ibidem, p. 361. Ibidem, p. 308. Ibidem, p. 370.

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20 — Crer que o pio do mocho ou da coruja, o grasnar do corvo e o uivar dos cães perto da casa dos doentes, indica a morte destes em breve. Ver n.os 10 e 74, pág. 30 (360). 21 — Crer que as crianças que brincam com tições do lume mijam na cama. 22 — Crer que quem mata um gato será infeliz durante sete anos. Ver n.° 14, págs. 20 e 25. 23 — Crer que as crianças ficarão anãs se alguém passar as pernas por cima da cabeça delas. 24 — Crer que quando se abre a boca se devem fazer cruzes sobre ela para impedir o diabo de entrar nessa criatura. É bem sabida a anedota do galego que meteu o cu na pia da água benta, fazendo ao mesmo tempo incessantes cruzes na boca para impedir que o diabo, expulso de um possesso, lhe entrasse no corpo. 25 — Crer que queimando lenha de figueira se seca o leite às vacas, ovelhas e mães de crianças (361). 26 — Crer que as crianças serão epilépticas se as mães lhe derem de mamar enquanto estão a beber. 27 — Crer que a criança fica augada, inaugada se, vendo estar a comer, não lhe derem alguma coisa. 28 — Crer que varrendo a casa de noite se vai a fortuna, e que tem má sorte com mulheres aquele que, ao varrerem a casa, deixar varrer os seus pés (362). 29 — Crer que terá boa sorte quem, ao entrar pela primeira vez numa casa, introduzir primeiro o pé direito; o contrário sucederá se for o esquerdo. Ver n.° 88, pág. 31. 30 — Crer que a dádiva de um lenço, navalha, tesoura, estampa de santos e contas do rosário a pessoas amigas provoca desinteligências e apartamentos. Ver n.° 76, pág. 31. 31 — Crer que calçando inadvertidamente as meias com a parte interior para fora, ou vestindo da mesma forma o casaco ou a capa é indício de receber dinheiro, bom êxito em negócios, recepção de presentes e ainda antídoto contra bruxedos. 32 — Crer que o fósforo lançado ao chão e que fica a arder é indício de prosperidades. 33 — Crer que quem come a côdea de pão casa cedo (363). 34 — Crer que a chuva no dia do casamento é indício de má sorte; outros, porém, dizem de boa (364).

(360) (361) (362) (363) (364)

Ver tomo IX, p. 315, destas Memórias. Ibidem, tomo X, p. 410 e 634. Ibidem, tomo IX, p. 316. Ibidem, p. 361. Ibidem, p. 317.

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35 — Crer que os casamentos nas terças e sextas-feiras são desventurados. Ver n.° 43, pág. 27 (365). 36 — Mau presságio: pisar a sombra de uma pessoa; brincar com a própria sombra equivale a brincar com o diabo. 37 — O alho é antídoto contra feitiços, mas alguns dizem que não é o alho cultivado nas hortas mas sim o bravo nascido nos campos, principalmente nas vinhas, de uma só cabeça, chamado alho porro. Para o mesmo fim, crêem alguns que o dente de cão, trazido pendurado ao pescoço, livra de coisas más, e o corno de carneiro de quebrantos. 38 — Crer em feiticeiras e feitiçarias (366) . Rich, Dictionnaire, etc., artigo Lamia e Saga, diz que estas crendices vieram do Egipto. 39 — Crer que as moléstias prolongadas, principalmente quando o doente vai definhando e a medicina já não encontra remédio para lhe receitar, são devidas a bruxedos — «mal que lhe fazem», diz o povo. 40 — Crer na eficácia dos Escritos (367) para curar os bruxedos mencionados no número anterior. 41 — Crer nas almas do outro mundo que vêm a este mandar cumprir penitências, restituições, promessas, missas, sufrágios religiosos, etc., que deixaram de cumprir (368). 42 — Crer nos spritos, que são almas do outro mundo, vindas a este pelas razões apontadas no número anterior, que se metem no corpo das mulheres spritadas (histéricas, epilépticas). Também há homens spritados, mas nas mulheres predomina mais esta crendice, atribuindo-a também, algumas vezes, a possessões diabólicas (369). 43 — Beijar os pés do defunto para evitar visões nocturnas do seu espírito. Não pôr a luz no chão ao deitar na cama para evitar visões dos defuntos. 44 — Lançar na cova do defunto, ao soterrar o cadáver, uma mão cheia de terra a fim de evitar as mesmas visões terríficas e aparições do seu espírito. 45 — Crer que se o defunto fica com os olhos abertos chama por algum parente. 46 — Crer que o gato preto e a galinha preta devem preferir-se nas casas, porque se vier algum ar mau, dá a estes animais e não aos donos. Ver n.° 14, pág. 20.

(365) (366) (367) (368) (369)

Ver tomo IX, p. 315, destas Memórias. Ibidem, p. 256, e tomo X, p. 645. Ibidem, p. 371 e segs. Ibidem, p. 316, e tomo X, p. 639. Ibidem.

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Parte destas crendices já se encontram no De Divinatione, de Cícero, e noutros autores romanos, de onde se conclui que o paganismo não morreu: as religiões, quer se trate da verdadeira, quer das falsas — se assim me posso expressar, pois todas são verdadeiras no sentido de adorar a Deus e salvar seus crentes, quando sinceros — não morrem. Quantas vezes, no regresso do ofício dos fiéis defuntos, celebrado em Varge, concelho de Bragança, em Novembro, última função religiosa do ciclo cristão anual de carácter etnográfico, atraído pela amena suavidade daquelas tardes outonais do verão de São Martinho, deslumbrado pelo conspecto panorâmico daqueles enormes horizontes, pela policromia da folhagem a despedir-se galharda do arvoredo em variantes de tonalidade exuberantes de surpreendente beleza, que percorrem toda a magia das cores, me assentei no fragueiro das Penicas de Ferro a cogitar sobre a enorme extensão da bacia do Sabor estendida a meus pés, fundo de um lago nos períodos geológicos que, com o centro em Baçal, devia envolver Bragança e povoados adjacentes, agora representado pelos seixos rolados esparsos à flor da terra e nas camadas subjacentes, envoltos em areia em todo o caminho da Vreia até à Candaira e Urzedo, e pelo Sabor e seus afluentes adjuntos em Gimonde. A cogitar sobre as titânicas lutas do lago contra as serranias envolventes de Nogueira, Montesinho, Deilão, Carocedo e Santa Comba de Roças, até que as fendeu, abrindo escoante às águas em Gimonde. A cogitar sobre a profunda intuição do povo que deu nome tão significativo às Penicas de Ferro, agora (III-1943) consideradas pela química como possuidoras de 80% desse metal. A cogitar sobre a ancestralidade das festas populares — Natal, Reis, Entrudo, Maias, São João e São Martinho (370). A cogitar sobre a FESTA dos RAPAZES , também dita FESTA dos MÁSCARAS e ainda GALHOFA , tão tipicamente pagã, celebrada nestas aldeias da região interamurense — Baçal, Aveleda e Sacoias — como largamente dissemos no n.° 48 e no respectivo artigo, págs. 48 e 80 bem como no tomo IX, pág. 288, destas Memórias. Aos textos aí apresentados, demonstrativos da origem pagã destas festas, ajuntamos agora o de São Pedro Crisólogo, falecido em 450, tirado da quinta lição do Breviário Romano no dia da sua festa, 4 de Dezembro, a que já aludimos no artigo Festa dos rapazes, pág. 80. Reza assim: Ludos ab hominibus personatis cum variis saltationibus Kalendis Januarii fieri solitos concione cohibuit acerrima; ubi inter alia illud pœclare dixit: Qui jucari voluerit cum diabuto, non poterit gaudere cum Christo. Em enérgico sermão, combatendo o costume de homens mascarados celebrarem com bailes as calendas de Janeiro, exclamou: «Não pode folgar com Cristo quem brinca com o diabo». (370) Ver artigo Crendices n.° 48 e tomo IX, p. 288, 300, 307 e 310 destas Memórias.

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A cogitar sobre as festas consagradas aos padroeiros das freguesias, não menos vazadas nas paganálias romanas (371). A cogitar sobre o modo como o povo honra cristãmente o seu padroeiro, engalanando-lhe o altar, aromatizando-lhe a indumentária, ourando-lhe o peito, assistindo-lhe à missa cantada, ouvindo-lhe o sermão panegírico, enflorando-lhe o andor, transportando-o pelo povoado em procissão triunfante, alcatifando-lhe as ruas, aplanando-lhe as veredas, enroupando-lhe as janelas, repicando-lhe os sinos, atroando os ares com zé-pereiras, gaita de foles, musicatas e foguetório pregoeiro do seu poderio na terra e no céu; porém, cumprido este dever cristão, reedita as tradicionais paganálias: dança, canta e noiva, como nos cultos de Vénus, Priapo e Falus; beberrica, comisca e emborracha-se de adega em adega, como se as bacanais estivessem na ordem do dia; esmurra-se, espanca-se, anavalha-se muitas vezes, como os galos por preceito litúrgico nas suas festas (372); joga a barra, a carreira, a luta, como supervivência da arena, circo e estádio; enfim, entra em franca e completa paganália... A cogitar... mas a noite acaba de estender o manto do sono, arrastado por vales e encostas, sobre a cumeada das montanhas, e o sol, prodigioso artista de inesgotáveis recursos policrómicos, que assinalou o seu desaparecimento no ocidente com zona rosácea brunida a ouro esmaltado nas extremidades, de assombrosa beleza cénica, substituída logo, a pinceladas relâmpago, por longuíssimos filetes de tema violáceo, alteando-os pouco a pouco em forma de auréola radiante, já vai arremessando a esmo as tintas do claro-escuro acimentado, até que, vencido de todo pelo manto da noite, mais e mais se enfronha no soberbo mausoléu da auréola, limitando-se a metralhá-lo, esburacando-lho com raios de estrelas, por onde, aberta a brecha, enviará a aurora, precursora do novo dia e da refulgência brilhante do seu triunfo. Por isso, tenho de regressar a Baçal, porque, como dizia o meu vizinho, tio Francisco Nocêncio: curas e mulheres, com sol a casa com eles. * *

*

Como no plano deste estudo entrava apenas a intenção de retrogradar com as crendices bragançanas através dos séculos até ingressarem na sua origem pagã, quanto tanto os documentos garantissem a autenticidade dessa trajectória, abstive-me de citar os modernos etnólogos portugueses e suas colectâneas de superstições; todavia, convém dar notícia delas, embora resu-

(371) Ver tomo IX, p. 312, destas Memórias, onde se aponta a sua origem. (372) Ibidem, p. 289, e tomo X, p. 654.

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mida, porque em diferentes terras portuguesas encontraram eles crendices idênticas às bragançanas e noutras recolheram variantes das mesmas, que devo registar. Temos, pois, por ordem mais ou menos cronológica: Adolfo Coelho — Etnografia Portuguesa, Revista de Etnologia, I, IV. Consiglieri Pedroso — Estudos de mitografia portuguesa e contribuições para uma mitologia popular portuguesa. Oliveira Martins — Sistema dos Mitos Religiosos. Teófilo Braga — Epopeias da raça moçárabe. Rocha Peixoto — In Portugália. Dr. José Leite de Vasconcelos — Ensaios Etnográficos; Etnografia Portuguesa. Dr. Mendes Correia (António Augusto Esteves) — Raízes de Portugal e Da Raça e do Espírito. Dr. Santos Júnior (Joaquim Rodrigues dos) — Estudo antropológico e etnográfico da população de São Pedro (Mogadouro); Notas de medicina popular transmontana. Dr. Cláudio Basto (Filipe de Oliveira) — Em quase todas as suas obras se encontram interessantes notícias etnográficas. Dr. Luís Chaves (Luís Rufino Chaves Lopes) — Portugal Além; Notas Etnográficas. Todas as suas obras, e muitas são elas, versam assuntos etnográficos. Drs. Joaquim Pires de Lima e Fernando Pires de Lima — Tradições populares de Entre Douro e Minho. E os monografistas: José Augusto Tavares, abade de Carviçais — In Ilustração Trasmontana — 1908-1910. Na mesma, vários outros artigos tocantes ao assunto. P. e Firmino Augusto Martins — Folclore do Concelho de Vinhais — 1928-1939. e P. Henrique da Silva Louro — Monografia de Cardigos, Cocujães — 1939. Cónego António Ferreira Pinto — Defendei vossas terras — S. Mamede de Guisamo, no concelho da Feira — 1938. P. e Manuel Francisco de Sá — Breve monografia de Duas Igrejas no termo da Feira — 1936. Monografia de Paramos, pelo mesmo — 1937. P. e João Domingos Arede, abade de Cocujães — Breve notícia histórica da vila de Cocujães — 1935. Dr. Viriato de Sá Cardoso — A freguesia da Pocariça — 1939. P. e Agostinho de Azevedo e P.e Moreira das Neves trazem em publicação a Monografia de Mosteiró, concelho de Vila do Conde, de que já saíram vários opúsculos desde 1933 por diante. Cónego G. Manuel da Fonseca Gama — Terras do Alto-Paiva — 1940. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Dr. Camilo de Oliveira — O Concelho de Gondomar — 1932-1934. Quatro volumes, sendo de muito interesse etnográfico o quarto. António Mesquita de Figueiredo — Monografia histórica do actual concelho da Figueira — Foz do Mondego — 1942. José Manuel Landeiro (professor primário) — O Concelho de Penamacor — 1938. Laudelino de Miranda Melo — Travassô e Alquerubim — 1942. Quanto às divergências entre as crendices bragançanas e as de outras terras, eis algumas, para exemplo: L OBISOMEM . — No tomo IX, pág. 294, e no tomo X, pág. 650, destas Memórias, tratando do lobisomem, dissemos que cumpria o seu fadário nas sextas-feiras desde a meia-noite às três; porém, Oliveira Martins (373), escreve: «O lobisomem é o filho que nasceu depois de uma série de sete filhas (374) . Aos treze anos, numa terça ou quinta-feira, sai de noite e, topando com um lugar onde um jumento se espojou, começa o fado. Daí por diante, todas as terças e sextas-feiras (sic), da meia-noite às duas horas, o lobisomem tem de fazer a sua corrida, visitando sete adros (cemitérios) de igrejas, sete vilas acasteladas, sete partidas do mundo, sete outeiros, sete encruzilhadas, até regressar ao mesmo espojadoiro onde readquire a forma humana». É a licantropia dos médicos. F EITICEIRAS . — No tomo IX, pág. 361, e tomo X, pág. 645, aludimos à pequena diferença entre bruxas e feiticeiras, apresentando, contudo, a opinião do Dr. Francisco Gonçalves, bragançano ilustre, que salienta essa diferença. Sobre o assunto diz Oliveira Martins (375): «A bruxa nasce de um coito com o demónio, ou vem de um erro litúrgico do baptismo ou de ter sido baptizada por um padre bêbado, etc. É uma alucinada, uma histérica... Entre bruxa e feiticeira a distância é grande: a bruxa, é apenas a criatura do demónio, passiva; a feiticeira tem o poder de evocar e mandar sobre os espíritos maléficos... A bruxa é o sacerdote do demónio, conhece os segredos das ervas consoladoras (solaneas), ervas que embriagam e adormecendo fazem esquecer uma vida fúnebre, sonhar com um paraíso semelhante ao dos fumadores de ópio... Formam uma companhia de servas do demónio...». (373) MARTINS, Oliveira — Sistema dos mitos, 3. a edição, 1904, p. 295. (374) Nós encontramos esta origem para as feiticeiras. Ver tomo IX, p. 361, destas Memórias. (375) MARTINS, Oliveira — Sistema dos mitos, p. 314.

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«O poder da feiticeira é enorme. O diabo obedece-lhe e acode logo que ela o chama... A feiticeira é a amante do demónio; os seus amuletos são os fetiches ortodoxos: a hóstia, a pedra de ara, os corporais do altar. Sacerdotisa de um deus que é a antítese do verdadeiro, os seus ritos são as fórmulas satânicas da negação». Na Espanha, continua Oliveira Martins, ao sabbat, «as feiticeiras iam ouvir missa negra a que o diabo presidia em forma de sátiro ou semícapro negro e feio. Parodiava-se a confissão, a eucaristia e a missa, acabando o carnaval satânico por uma orgia lúbrica... eis aqui a descrição do sabbat português, dada por umas bruxas portuguesas, penitenciadas pela Inquisição em 1559: «Sendo nos ditos campos, disse que se achava lá outra muita gente de muytas partes, a saber, portugueses de todo êste reino, mouros, judeus, francezes e de outras muitas nações e diversas linguas e muytas mulheres e homens portuguezes e alguns muito fidalgos com algumas filhas moças e formosas; e alguns levavam coisas de comer, e tanto que lá chegavam, muito com elas os demonios em pouco espaço de tempo dormiam com elas muitas veses carnalmente... e que eles (demónios) também dormem com moças virgens, as quaes suas mães por serem bruxas e outras tambem bruxas lhe alcovitam e provocam a que pequem e durmam com eles e com os mais da sua diabolica seita...». «Nos campos onde se ajuntam, os demonios dão aos mesmos homens bruxos mulheres muito formosas com que durmam, as quaes eram os mesmos demonios que tomavam a figura de mulheres...». «Depois de folgarem nos campos e ajuntamentos com êles (demónios) lhes poem uma mui comprida mesa de umas taboas negras, estas em cima da terra sem toalhas e sem mais outra cousa, e lhes trazem em uns pratos de pão preto e deles nas mãos muita soma de carne de bode muito cosida e delida e lançam pelas mesas para que elas com eles comam. E as que não querem comer andam em seus passatempos carnaes e seus torpes ajuntamentos pelos campos folgando». «A qual comida... fedia muito a enxofre e alcatrão: e nas mesas estavam por candeias umas tochas com cabos de corda alcatroados com breu e alcatrão, que davam um negro, escuro e fedurento lume. E na cabeceira da mesa estava sentado o seu maioral em sua cadeira de espaldas negra, com um roupão, com um capuz frizado e às vezes o tinha tosado muy negro e uma barba muito comprida e como rei o adoravam e obedeciam todos os outros e o serviam de joelhos e na mesa muitos d’aqueles espiritos malignos». «E estando nestes desenfadamentos e folgares cantava no campo um gallo preto que estrugia as orelhas, que devia ser algum demonio que MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


DEUSDADO

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sempre cantava á meia noite e a modo de gallo. E logo n’um momento se desfaz a festa e o folgar e todos os demonios desaparecem e os que lá tem suas amigas e mancebas as tornam num momento a trazer do modo que as levaram a suas casas» (376). Todo este depoimento das bruxas portuguesas prestado na Inquisição nada mais é do que um delírio das pobres alucinadas, que julgavam ver em realidade as fantasias que tinham na transtornada cabeça, devidas a perturbações histéricas e a excitantes narcóticos, pois «a famosa untura com que elas se preparam para a sua viagem pelos ares (377) compõe-se dos sucos da datura stramonium, da beladona, da mandrágora (378), sucos excitantes, narcóticos poderosos que produzem as alucinações do sonho: o alcalóide da datura stramonium é a mesma atropina que se extrai da beladona, a maçã de espinho, maçã do sono, maçã do diabo, são denominações da planta célebre das feiticeiras. Gassende conheceu ainda no princípio do século XVII um homem do Languedoc que usando do óleo de estramónio tinha a certeza de ir passar a noite ao sabbat: sabia que dormia, mas sabia também que as viagens dos sonhos eram realidades. Com que argumentos se lhe provaria não o serem, se ele via, sentia, gozava?» (379). No n.° 128, pág. 35, apresentamos a agulha como filtro amoroso; porém Oliveira Martins (380) regista a de pregar um alfinete na mortalha do defunto, que, por isso, pedirá a Deus por nós. O mesmo Oliveira Martins, página 309, chama «diabretes» aos trasgos e atribui-lhes as mesmas características que lhe demos no tomo IX, pág. 344, destas Memórias.

D D EUSDADO (Dr. Domingos Augusto de Miranda Ferreira) — Tomo VII, págs. 650 e 819. Publicou mais: Sem quinta e sem dinheiro — Apelação cível, Lisboa, 1940. 8.° de 96 págs. e mais uma de erratas. Forma original de pagar dívidas — Apelação cível. Lisboa, 1940. 8.° de 22 págs. (376) (377) (378) (379) (380)

Ibidem. Ver tomo IX, p. 357, destas Memórias. Ver n.° 9, p. 16. M ARTINS, Oliveira — Sistema dos mitos, p. 322. Ibidem, p. 305.

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DINE

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Uma questão judicial interessante — Contraminuta de recurso. Lisboa, 1940. 8.° de 38 págs. (de colaboração com o Dr. Manuel de Andrade Gomes). As Casas Regionais e a Organização Corporativa. Lisboa, 1941. 32 págs., 0,13x0,8 metros. Prestações de Contas — Negócio de cortiças, no qual se pretendem misturar redes para levar a autora na rede... Lisboa, 1942. 8.° de 15 págs. Livro do segundo Congresso Trasmontano. Lisboa, 1942. 8.° de 519 págs. e mais três inumeradas e várias gravuras. Este livro não é propriamente do Dr. Deusdado, embora contenha muito da sua autoria e da do Dr. Luís Chaves; mas, como ambos foram a alma do segundo Congresso Trasmontano, aqui lho adscrevemos. D INE (Agostinho José Lopes) — Tomo VII, pág. 168. Na espécie de boletim, número único, publicado anualmente pelo pequeno Seminário Diocesano de Vinhais, intitulado S. José, Protector da Santa Igreja, 18 de Junho de 1939, pág. 8, inseriu José Manuel Miranda Lopes, prior de Argozelo, a relação dos párocos de Carção, acompanhada de alguns dados biográficos, e falando da igreja paroquial diz que o altar de Nossa Senhora do Rosário, nela erecto, «foi construído em 1836 por Agostinho José Lopes Dine, natural de Bragança, por cujo trabalho levou nove moedas e meia». O mesmo artista, no referido ano, «forrou o sítio do altar velho, e o sítio do altar do Santo Cristo». Consta do livro dos «Capítulos de Visita relativo àquele ano».

DOCUMENTOS DOCUMENTO N.° 1 Preço da carne de vaca, chibo, boi, cabra. Corrida de touros na festa do Corpo de Deus (381) 25 de Junho de 1632 «Aos vinte e cinquo dias do mes de Junho de mil e seis centos e trinta e dous annos nesta cidade de Bragança e na Camara della estando hi o Licenceado Diogo de Morim e Faria Juiz de fora em esta cidade e seu termo (381) Ver o nosso volume A Restauração de 1640 no Distrito de Bragança, p. 90, n.° 2.

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por o Duque nosso senhor e com alçada de Sua Magestade etc., e estando outro sim Salvador Mendez Dantas e Estevão Prestrello Pessoa vreadores e Niculão de Lebão procurador todos officiais da dita Camara o presente anno por o dito senhor perante elles Juiz e vreadores e procurador pareserão Lazaro Ferreira e Pero Pires moradores nesta cidade e por elles foi dito que elles se obrigavão como de feito se obrigavão a cortar e pesar carne nesta cidade daqui até dia de san João Baotista do anno de seis centos e trinta e três a dez reis o arratel de vaqua e crastum e o carneiro a quinze reis o arratel e a cabra e figados e bofes de boi a outo reis e se obrigarão a dar hü touro muito bom para se correr dia de Corpo de Deus e na vespora e não pagarão fosinhos nem dentes dos reis e o gado e a carne sera boa e gorda por a primeira vez que não comprirem com o contido nesta obriga ou não derem abastança encorrerão em pena de duzentos reis e assim como tiverem as faltas se lhe dobrarão as penas para acosador e Camara e da cadea e se obrigarão a dar carne em abastança em hua somana e a todo comprir obrigavão suas pessoas e bens e darão a carne de cana enxuta e aos sabados e vesporas dos dias santos serão dois talhos e o assinarão com o Juiz e vreadores e procurador eu Francisco Gomes Mora escrivão da Camara o escrevi. Lazaro Ferreira (uma cruz). Pero Pires (uma cruz). Perestrelo. Antas. Lobão.» (382). Logo em seguida a esta sessão vem a condenação dos carniceiros, feita pela câmara em 28 de Julho de 1635, porque, tendo obrigação de dar quatro touros para se correrem na véspera do dia de São Tiago, «três delles não erão para se correrem por serem bois mansos, que não se aproveitarão para nada» [8]. DOCUMENTO N.° 2 Real-de-Água — Estado económico de Bragança, tributos, comércio, seda, população — Restauração do Brasil, preços dos géneros alimentícios — Fome, resultados da má alimentação — Vinho e nabos 27 de Fevereiro de 1639 Na sessão da Câmara Municipal de Bragança, de 27 de Fevereiro de 1636, apresentou-se, por ordem régia, o Dr. Julião de Figueiredo, provedor de Moncorvo, com uma carta de el-rei assinada pela vice-rainha Margarida em Lisboa a 7 de Janeiro desse ano, que mandava lançar a contribuição do Real-de-Água e acrescentamento da quarta parte do cabeção das sisas.

(382) Ibidem, p. 88.

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Em vista disso, no dia seguinte, ou seja a 28 de Fevereiro, voltou a reunir-se a Câmara, composta do licenciado Miguel de Sousa Correia, juiz de fora, licenciado João Teixeira de Morais, vereador mais velho, Francisco de Cepeda e Nicolau de Lobão, vereadores, e licenciado Luís de Morais, procurador, para tratarem do assunto referido. O procurador, impugnando o lançamento das novas contribuições, disse: «Eu o licenceado Luiz de Morais procurador desta Camara eleito em prauta dos oficiais della este presente anno de mil e seis centos e trinta e seis annos que por rezão do meu cargo devo requerer o bem desta cidade e moradores do seu termo, advirto a V. M. es senhores juiz e vereadores que ha muitas resois pera não admitirem a nova imposição do coarto das sisas e do real dagoa antes rescrevão e respondão a sua magestade com instancia seja servido mandar ver as resois de meu requerimento na sua mesa da junta porque como rei e senhor que he tam benigno e prudente espero que vendoas e a muita miseria e pobreza em que estão os moradores desta cidade e sua terra, antes procurem melhoralos com misericordia (?) e alivialos de imposiçois velhas com que ja não podem. Primeiramente esta cidade e sua comarca paga todos os annos de sisa a sua magestade perto de onse mil e tantos cruzados ou mais que seu trebuto fixo e podemos dizer que perpetuo: o imposto por cabeção nos tempos do Senhor Rei dom Sebastião que Deus tem, e então pareceu hua soma excesiva com aver muita opulencia nesta comarca por serem os moradores dela mais de vinte mil fogos e so nesta cidade aver mais de mil e seis centos vesinhos e valerem os mantimentos baratos e aver infinitos tratantes e depois por tempo ter esta cidade mais de cincoenta teares de veludo de todo o genero e otros meneios com que vinha dinheiro a terra e lhe não ficava o trebuto da sisa tam pesado. E pello contrario estar agora mui demenoida em moradores por não aver nella que passem de outo mil fogos e não ter esta cidade em si mais de seiscentos e cincoenta vesinhos de modo que muitas aldeias della que ha menos de vinte annos tinham, a cem, vesinhos e a oitenta tem somente quinze e vinte por se terem os mais deles ausentado pera os reinos de Castela e Andalusia e otras partes opremidos com a carestia dos tempos e peso dos trebutos em tanto que para soportar oge este pagamento da sisa que carrega sobre os que ficarão he necesario fintar a cinco e a seis mil reis alguns deles e ainda mais que pera pensão ordinaria de cada anno he muito em tempos tam estereis e apertados. E alem desta sisa com que ja se aquietam por lhe ficar como em herança de seus pasados, tem dado esta Camara a sua magestade de seis annos a esta parte pera a restauração do Brazil e armadas a saber no ano de seis centos e vinte e nove tresentos mil res e no seguinte de seis centos e trinta coatro MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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centos mil res, que com particular provisão sua se pedirão prestados aos mesmos moradores de que ainda se está devendo muita parte, e outro si se pagarão alguns pedidos como foi o imprestimo geral e a esmola voluntaria que pouquo tempo ha se tirou por todos com rois feitos das pesoas que davao e não davam e outro lançamento que se fes pellas pesoas de trato e meneio nos coais todos contriboirão os moradores desta cidade e sua terra como bõis vasalos a troco de o tirarem da boca de seus filhos e ficarem postos no ultimo da miseria tudo por acudir as necesidades que sua magestade lhe representava por quanto ouve pesoas a que foi necesario venderem parte dos vestidos de seu uso por escusarem as prisois com que erão ameaçados das justiças. Nisto se junta a carestia do pão que nos presege desde ano de seiscentos e trinta tres porque nese ano lhegou a valer a quinhentos res o alqueire e despois se poz a tresentos e a dozentos res o alqueire preços mui excesivos nesta terra e chegouse a tanto estremo que os mais dos homens lavradores se sustentavão sem elle so com fazer grandes olas de nabos e castanhas e ervas de que naceu daremlhe doenças malignas causadas dos ruins mantimentos tudo por não terem hü real que gastar. E asi se algum remedio lhe fica de poderem aver dinheiro para seus gastos ordinarios de comer e vestir he da colheita do vinho o qual se vende geralmente por todos em suas mesmas casas no preço que podem e avendo-se de por nelle a imposição do real sera de todo cunsumir esta terra e dar ocasião a que os moradores a despovoem e deixem como ja o publicão pellas praças, e a rasão disto he porque de força as justiças ou pesoas que se ellegerem para cobrarem este real hãode inquirir dos moradores que vinho colhem e lhe hande visitar suas adegas e fazer carga do que pode vir a sua magestade para depois o cobrarem e muitas vezes o ficarão pagando sem fazerem venda ou porque se envinagrase o vinho ou se vertese ou não ouvese comprador a elle, alem disso os vinhos nesta terra valem de ordinario os vinhos mui baratos como de presente que o coartilho se vende a real e meio e a trese res; e pagandose a imposição qual e pouquo mais ficara aos donos pera si nem sera possivel que baste para os gastos e adobios das vinhas pois a experiencia nos ensina que muitas vezes não rendem ellas para o seu mesmo concerto quanto mais para os trebutos e gastos caseiros. E sobretudo se segem de tal imposição muitos inconvenientes nesta terra a saber as brigas que ha de aver entre rendeiros e cobradores com os donos ao abrir das adegas e no alvidrar dos vinhos que como genero de servidão nunca se hãode domar a elle. E juramentos falsos a que se occasionão negando o vinho que recolherão ou escondendoo e inda mais não dismando com as igrejas inteiramente porque se não tire dos roîs dos dizmos o que podiam recolher. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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As denunciaçois que se hãode dar sobre isso e as penas do prejúro hora com rezão hora sem ella conforme for o animo do enemigo que as verificar o que tudo sua magestade deve acudir tirando sempre a ocasião de mal a seus vassalos e asi intendo que hera representando-lhe estes inconvenientes. Outro si avendo-se de pagar esta imposição é certo que os moradores da terra não poderão cultivar suas vinhas nem tratarão disso pois dellas não hãode tirar proveito. No que outro si ficarão as rendas das igrejas dimenuidas pello conseguinte a fabrica dellas que em muitos logares desta terra e dentro desta cidade consiste somente no dismo deste vinhal. E suposto que a imposição do real nos vinhos paresa meio facil e brando pera se tirar dinheiro sem tanta upressão iso ha logar nas outras provincias ou lugares onde se vende o vinho em tavernilhas de carreto pello preço da almotaçaria porquanto o taverneiro vende com aquele real mais e todos asim lho compram e o taverneiro não perde cousa algua antes aquelles reais se tirão do povo que compra, porem nesta cidade e sua terra cada cual vende o vinho como pode e conforme a necesidade de sua casa abaixando o preço para vender mais depresa de modo que a pensão que se lhe hade alvidrar no principio do ano esa lhe hade ser pedida quer venda e quer não e socedera que nesse tempo não tenham nenhum real pera pagar e lhe tomem seus bens ou os metam na prisão por donde neste particular ha grande difrença desta terra as mais como bem se mostra, e se vossas merces juiz e vreadores significarem a sua magestade estas rasois elle não hade permitir que se use destes meios de imposiçois nesta cidade e seu termo pois ficam tam pesados aos moradores e asim o requero a V. M.es em nome dos ditos moradores e o assinou. Luiz de Morais» (383). Os vereadores aprovaram esta representação, mas na sessão de 4 de Abril de 1636 tornou a vir Julião de Figueiredo com uma carta de el-rei impondo o lançamento das novas contribuições e tiveram de as aceitar. DOCUMENTO N.° 3 Acta da sessão da Câmara Municipal de Bragança para se tratar da defesa da cidade 17 de Janeiro de 1642 «Aos dezesete dias do mes de Janeiro do anno de mil seiscentos e corenta e dous annos nesta cidade de Bragança em Camara della estando presente o licenceado João Nunes Cochilha, corregedor desta comarca com alçada por El Rei nosso Senhor etc. (383) Ibidem, p. 102.

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E estando hi presente Antonio M.° da Cunha vreador que serve de juiz e Estevão José Coelho e Antonio da Silva Barreto vreadores e Bartolomeu de Faria procurador, officiais da dita Camara por o dito Senhor. E por o dito corregedor foi dito que averá três dias que chegara a esta cidade e que achara na nobreza della muito grande animo e lealdade no serviço de Sua Magestade e defenção da terra e o mesmo na gente do povo mas que lhe tinham feito muitas queixas pellos Religiosos e pella mais nobreza que havia muita falta de dinheiro para se socorrer os soldados e que por este respeito avendo quinhentos soldados pagos se ausentarão e se forem para casa de seus paes e que somente fiquarem oitenta e hum e para quem se vão fazendo pagamento por não haver mais dinheiro com que se podesse contentar a mais gente. E que elle dito corregedor achava que esta cidade era hua porta aberta em que o inimigo tinha posto olho para a destruir por ser a cabeça do estado de Bragança e que tinha por informação deste povo que estavão tres titulares nas fronteiras com muita gente para na primavera virem sobre esta cidade a qual achava elle dito corregedor que o sitio dela estava muito arrisquado se se não fortifiquase os lados altos que tinha de hüa parte e da outra. E que as trincheiras estavam muito largas e era nesceçario muita contidade de gente para as guarneser e que era neceçario fazeremse allgüas de novo e fortifiquarse a cidade e todo o que ouvesse de termo desta cidade se recolhese nella assim de comendas como de quaesquer outros particulares para o que se notifiquassem os procuradores e rendeiros as trouxessem a ella. E que no castello se metese muita lenha e carvão em contidade e se ordenase atafona dentro nelle para se moer e que outro sim lhe parecia bem que o Real dagoa asim na carne como no vinho se ajuntasse para ajuda do pagamento dos soldados e o dinheiro das Terças se gastasse nas fortifiquações dandose conta a Sua Magestade que Deus guarde. E que outro sim se desse conta ao dito senhor que nos mandasse capitains, sargentos e ajudantes pratiquos na milicia para exercitarem a gente de que avia muita falta pedindose mais duas Companhias de cavalo para correrem o campo alternativamente de que tinha esta cidade muita necesidade por nella não aver companhias de cavalo e que as peças dartilharia de que Sua Magestade tinha feito merce a esta cidade as fasa transportar á costa desta Camara e não avendo dinheiro para isso se lançasse hua finta para em tempo de tanta necesidade e que a brevidade não dava logar para se pedir provizão para a finta se fizesse e coando Sua Magestade o não ouvesse por bem se tornaria o dinheiro aos homens ou se pedisse por emprestimo a pessoas riquas pera do rendimento da Camara se pagar. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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E que elle corregedor estava prestes com sua pessoa fazenda e criados acudir a todo o que fosse necesario e fortifiquar a cidade com as trincheiras fortes e redutos que fosse necesário nos sitios que com acordo desta Camara e do capitão mor sargento mor e suas capitanias lhes parecese bem. E que de todo se dese conhecimento ao fronteiro mor que dizem estar em Chaves». A Camara concordou, louvou o zelo do corregedor e prontificou-se a trabalhar no sentido de se realizarem todas as obras indicados pelo corregedor. «E de tudo se fez este termo que assinarão com o dito corregedor. Eu Francisco Gomes Mora escrivão da Camara o escrevi. O Licenciado João Nunes Cochilla. Antonio Malheiro da Cunha Estevão José Coelho Antonio da Silva Barreto Bartolomeu de Faria» (384). DOCUMENTO N.° 4 Resposta de Rui de Figueiredo, governador das armas da província de Trás-os-Montes, à informação da Câmara de Bragança. Quatro peças de artilharia para Bragança, uma para Monforte de Rio Livre e outra para Outeiro (385) 21 de Janeiro de 1642 «Pareseme muito bem o assento que V. M. es tem tomado para se vir buscar a artelharia assi para o que esse povo da dinheiro para se comprar, como para a que El Rei tem mandado para essas fronteiras que ainda que não nomeam que vem nenhuma para essa cidade a mim me parese muito bem ficarem coatro pessas das que vem, nela, e hüa ha de vir para Monforte, e outra para o castello de Outeiro; da minha parte lhe agradeso a V. M.es muito o como se quere fortificar e tratão disso, e o zelo que tem do serviso de Sua Magestade, que Deus guarde, e a mim me terão V. M.es sempre para os ajudar

(384) Livro dos Acórdãos da Câmara de Bragança, que começou a servir em 1637, onde, no fólio 83, juntaram este e outros documentos referentes ao início das Guerras da Restauração. (385) Ver o nosso volume A Restauração de 1640 no distrito de Bragança, p. 134.

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em tudo e para isso dara o capitão mor a execução as minhas ordes que la tem; estava esperando por Gaspar Franquo que tinha mandado saber da artilharia e sobre isso tinha escrito despois dele ir a Gaspare Cardoso; a João Bareto estava esperando pella reposta para saber o que auia de mandare nisso e tenho aqui o ajudante João da Silva para o mandar em tendo a reposta para que viesse logo que V. M.es a pessoa que ouver de vir buscar a artilharia e monisõis que ca estão venha de caminho falar comigo para lhe dar ordem o que hade fazer e para a trazer e para João Aranha lhe dar o dinheiro que de qua levou e o capitão mor digam V. M.es da minha parte que oje me chegou hüa ordem de Lixboa em que mandava El Rei que a nenhü coronel nem mestre de campo, nem sargento mor, nem capitão, nem ajudante, nem alferes, nem mais officiais da guerra se lhe pague mais que o asentado (?) do soldo que lhes da El Rei em suas patentes, ou nos regimentos; e disso se fara hü termo que fique nessa Camara. Guarde Deus a V. Mercês. Chaves 21 de Janeiro de 1642. Esta tarde me derão a carta dessa Camara. Ruy de Figueredo» (386). DOCUMENTO N.° 5 Várias povoações conquistadas pelos portugueses à Espanha nas Guerras da Sucessão (1700-1713) — Sustento da tropa da guarnição pelos vencidos e nomes de suas povoações Fevereiro a Julho de 1717 O legajo (documento) n.° 7371, adiante publicado, encerra interessantes notícias referentes à Guerra da Sucessão — 1700-1713 (387) —, que julgamos não terem sido ainda aproveitadas pelos historiadores portugueses. Pinheiro Chagas (388) diz simplesmente que os nossos conquistaram Alcanices, Carvajales e Puebla de Sanabria, praças que tivemos de entregar ao celebrar-se a paz pelo tratado de Utrecht em 1715, bem como a de Albuquerque, na província de Badajoz, recebendo em compensação a colónia do Sacramento no Brasil. Todavia, pelo documento citado mostra-se que, além de Albuquerque na fronteira do Alentejo, conquistamos mais: Codisera, Yelbes, Campo Maior, Santa Ollalla, Singela, Membrio e Herreruela. (386) Livro citado. (387) Ver tomo I, p. 115, destas Memórias. (388) CHAGAS, Pinheiro — História de Portugal, popular e ilustrada, 1902, vol. VI, p. 220 e 244.

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Item, na província de Zamora, raia fronteiriça ao distrito de Bragança, tomamos-lhe, além de Alcanizes, Carbajales e Puebla de Senabria, as vilas e povoações seguintes: Santibañez, Santa Croia de Tera, Ferreros de Abajo, Calzadilha, Olleros, Vilar de Zierbos, Zional, Codesal, Boia, Figueruelas de Abajo, Vega de Nuez, Felgosso, Pedrosso, Linarejos, Santa Cruz de Cuerragos, Manzanal, Sendin, Zernadula, Barrio, Mula, Junquera, Vega de Tera, Calzada, Santa Marta, Cabañas, Camarzana de Tera, San Juan el Nuebo, San Pedro de Zeque, Cubo, Beque, Vallelluengo, Donadillo, Muelas, Letrillas, Vega del Castillo, Monte Rubio, Carvajaliños, Doney, Escuredo, Santiago de la Requejada, Rosinos e Zerezal. Além destes povos, ainda hoje existentes com leves alterações gráficas de nomes, numa facha de terreno de uns cem quilómetros por igual profundidade, muitos outros devem ser incluídos nesta lista por estarem envolvidos por eles; por o documento abranger apenas os pertencentes à jurisdição do conde de Benavente e por no mesmo se fazer referência a outras inquirições feitas pela justiça de Zamora noutros partidos judiciais, comarcas como hoje dizemos, ao tratar de Camarzana, Valleluengo e Letrillas, provavelmente tocantes às comarcas de Alcanizes e Carvajales. Estas inquirições encerram o depoimentos de duas a quatro testemunhas de cada povo, ajuramentadas aos Santos Evangelhos e inquiridas de ordem régia por um juiz com seu escrivão, acerca dos gastos feitos por esse povo com o sustento da tropa portuguesa ocupada na guarnição da área conquistada. Na província de Badajoz começaram em Codisera a 16 de Fevereiro de 1717; na de Zamora em Santibañez de Tera a 29 de Julho do mesmo ano e terminaram em Zerezal a 1 de Setembro desse ano de 1717. Algumas declarações das testemunhas merecem referência especial, como são, entre outras, as seguintes: As de Codisera disseram: que antes de as armas portuguesas conquistarem a praça de Albuquerque, seus moradores abandonaram a povoação por lha terem queimado os portugueses, indo viver em Albuquerque, onde residiram desde 1713 até 1717, ano em que se publicou a paz. As de Santibañez, província de Zamora, declararam que haviam estado sujeitas a Portugal, pagando-lhe tributos e concorrendo para o sustento da tropa desde Março de 1713, «que foi quando se publicou a suspensão de armas entre Portugal e Espanha até ao dia em que se entregou a praça de Puebla de Senabria à Espanha, que foi em Novembro de 1715». Por este teor depuseram as mais povoações. Quanto à despesa com os soldados não estiveram com meias medidas: contas de grande capitão, mencionando erva, palha, luzes, alojamento, barrotes, tábuas, carros de lenha, ovos, galinhas, carneiros, vaca, pão, vinho, refrescos, carretos, fachinas, forragens aos cavalos e soldados, que na primavera e verão iam a verde para as aldeias, como então se costumava. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Por sua vez, a soldadesca usava e abusava do vœ victis sem contemplação. Ao passar nas povoações, quando iam em serviço de diligência, se é que propositadamente não moviam a vara da justiça como dos magistrados concussionários se dizia, exigiam «refrescos» — pão, vinho e respectivo conluio — aceitando dinheiro que os moradores lhe davam para se verem livres deles, «porque no se detubiesen y passasen a otras partes por el mucho gasto que ocasionavan en qualquiera noche que se detubiesen». Em Santibañez de Tera esteve a forragear com seu cavalo um soldado «el qual estubo solo ocho dias y por ser mui descomodido y derreglado pues pedia para cada dia dos gallinas, cantidade de vino y otras cosas se ajustaron en diez pessos, dos perniles (presuntos) y quatro gallinas lo qual e dieron de contado porque se fuesse a otra parte». Outro em Calzadilla pedia e davam-lhe para comer, cada dia, três arráteis de pernil, azumbre e meio de vinho (quase três litros) e o pão respectivo. As testemunhas de Escuredo dizem que tiveram lá a forragem um soldado «muy descomodido y descompuesto, pues pedia para su mantimiento con mucho excesso lo qual le davan por librarse de el castigo que hacia con qualquier vecino que nole dava lo que pedia». As testemunhas de Boia dizem que deram ao capitão, a fim de tirar dali o soldado forrageador, um «regalo» constante de «tres perniles y quatro reales de a ocho en dinero». Outro capitão levou aos de Linarejos «trynta reales por la compostura y ajuste de que no les repartisse soldado». Item aos de Santa Cruz. Até um soldado, fingindo-se aboletado para Valleluengo, apanhou-lhe trezentos e vinte reales. Já então a táctica de desgastar o inimigo, tirando-lhe todos os elementos vitais, era o que é hoje na guerra actual, com diferença para mais em progressão acelerada, fulminante, graças ao progresso na arte de matar e avanço dessa mentira chamada «civilização». Neste particular, é tipico o depoimento das testemunhas de Albuquerque e merece a pena ler-se. Embora se deva ter em vista, para o necessário desconto, as queixas, sem dúvida exageradas, de quem acabava de sair do cativeiro e regressava à independência do torrão natal, sempre fica margem para largas opressões, ainda mesmo que integremos nelas as rebarbas da chaga crónica já enquistada no Cancioneiro e no Adagiário, que diz: De nos arrastar à Espanha, Não perdem o intento, Para sermos maltratados Como fomos noutro lempo. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Ou então:

Castela, castiga: se não é à entrada é à saída. De Espanha nem bom vento nem bom casamento.

Este conceito aplica-se a outras terras já desde a mais remota antiguidade, como dissemos algures. ––––––––– CODISERA . — «En la villa de la Codisera en diez y seis dias del mes de febrero de mill setecientos y diez y siete años el señor Domingo Rubio alcaide hordinario en ella por ante mi el escribano, dijo que a su merced se le ha requerido con una horden de Su Magestad, Dios le guarde, diespachada por mano y direccion del señor don Diego Gonzalez Gobernador de la piaza de Alburquerque, Brigadier de los exercitos de Su Magestad en horden a que se remittan a manos de Su Magestad zertificaciones y testimonios de las contribuciones que las armas porttuguesas gozaron de esta villa desde que empezo la suspension de armas y durante esta y poniendo en execucion la dicha orden mando su merced que Alonso Sanchez Morgado su anttecesor en exercizio y Francisco Hernandez Millanes procurador del comun actual comparescan ante su merced a declarar lo que de esta villa tubo de contribuciones dichas armas en los tiempos que espresa dicha horden con distincion y claridad y executado se cumpla con remitirlas duplicadas a manos de dicho senor Gobernador para que las remita a manos de Su Magestad que Dios guarde, y lo firmo.

Domingo Rubio (rubricado). Antte mi Francisco Sanchez Pardo (rubricado) Y en cumplimiento del autto antecedentte haviendosele notificado por mi el escrivano a los dichos Alonso Sanchez Morgado y Francisco Hernandez Millares en el conttenidos, estos comparecieron ante su merced el dicho alcalde quien recivio de los susodichos juramento en forma de derecho y los susudichos lo hicieron y prometieron dezir berdad y pregunttados por el tenor de dicho autto y puntos de dicha horden por ante mi escrivano dijeron que los declaranttes anttes de tomar las armas portuguesas las plaza de Alburquerque los obligo y a los demas becinos de esta dicha villa el averla quemado y destruido la guerra a desampararia y se pasaron a vivir a la plaza de Alburquerque en donde estuvieron hasta el ano de diez y seis que se publico la paz y saven ciertisimamente por lo aver vistto que todos los pasttos de esta dicha villa y sus diezmos de ganado y sementeras los adeudaron siempre para el señor Rey de Portugal sus ministros y siempre se aprobecharon de ellos hasta el año de mill setecientos y doze y aunque hubo suspension de armas en dicho año prosiguieron las dichas armas portuguesas em dicho arrendamiento y benta de yerbas y diezmos en MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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esta villa pues quien los desfruto en diferenttes tiempos fueron las personas siguienttes: Los años de treze y catorze los tubo arrendados Felipe Lopez de Suba de nacion portuguesa en premio de tres mill reales de vellon cada uno de dichos años con que importtan los dichos dos años seis mill reales vellon .......................................................... Los diezmos y pasttos que fenecieron en principios del año de quinze que tocaron a este año estubieron arrendados por don Diego Marques de Prado en tres mill reales de vellon .............................

6 mil

3 mil 9 mil

Y lo demas en adelante lo percivio esta billa hasta la entrega de la plaza de Alburquerque que de forma que importan los haberes percevidos por dichas armas portuguesas nuebe mill reales de vellon y esto dijeron ser cierto y aver pasado asi y la verdad so cargo de su juramento fecho en que se afirmaron y see el dicho Francisco Hernandez Millares de sesenta años y el dicho Alonso Sanchez de sinquenta y ocho y lo firmo el que supo y su merced de que doi fee. Alonso Sanchez Morgado (rubricado). Domingo Rubio (rubricado). Ante mi Francisco Sanchez Pardo (rubricado). E yo el dicho Francisco Sanchez Pardo escrivano del Rey Nuestro Señor presente fuy com el juez de estos auttos a las declaraziones inzertas en una. Y en fee de ello lo signo y firmo dicho dia mes y año que en ellas se expresa y en dicha billa. En testimonio (signo) de berdad, Francisco Sanchez Pardo». ––––––––– ALBUQUERQUE . — «Auto — En la villa de Alburquerque en seis dias del mes de abril de mil cetecientos y diez y siete años los señores don Francisco Daza Ravasco y don Blas de Cuellar Tollico (?) y Osma, alcaldes hordinarios desta dicha villa, que antemi el secretario dixeron: — Que a sus mercedes se les a participado una orden dirigida por mano del señor don Diego Gonzalez Brigadier de los exercitos de Su Magestad que Dios guarde y Governador desta plaza, a fin de que por esta villa y por su mano se remita a las de Su Magestad zertificacion de las contribuciones que estos vecinos pagaron a las harmas portuguesas por combenio o cebeson (sic) desde que se concluyo el armisticio de unos e otros asta la entrega desta plaza a esta

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corona. — y de los nuebos impuestos extrahordinarios que durante la dicha suspension le hayan contrybuido. — Y asi mismo las estorciones, insultos y daños que en este mismo tiempo hayan padecido y porque con la conjucion y fuersa de su cobransa no se tiene en esta villa tan entero conocimiento como se debia y porque quien puede con seguridad testificar sobre lo referido a punto fixo para cumplir con la horden de Su Magestad son el licenciado Francisco Martin Malena, presbitero — Domingo Gonzalez de el Risco, secretario — Don Juan del Mançano, y Antonio Nunez Guardobraso, todos vecinos desta dicha villa, mandaron sus mercedes se les haga saber comparescan ante sus mercedes a declarar lo que tuvieren por cierto en esto y executado se entregue original al dicho señor Governador por duplicado conforme Su Magestad lo manda, y lo firmaron. Don Francisco Daza Ravasco (rubricado). Blas de Cuellar Tolleco de Osma (rubricado). Antte mi Manuel Diez Suzio. E luego incontinenti yo el dicho secretario estando presentes los dichos licenciado Francisco Martin Melena, presvitero — Don Juan del Mançano — Domingos Gonzalez del Risco y Antonio Nuñez Guardobrazo les hize saver el auto antecedente los quales incontinenti abiendo sus mercedes dichos señores alcaides recividoles juramento en forma de derecho lo hizieron a Dios y una cruz y el dicho Francisco Martin Melena segun su horden y prometieron dezir verdad y aviendoles leido la horden que Su Magestad manda dixeron lo seguiente: Lo primero que los años de trece hasta el quinze inclusibe pago esta villa a las armas portuguesas veynte y un mill reales de vellon a siete mill cada uno de dichos tres anos, que era el labor que les obligaron a pagar a los ganaderos, por las yerbas que gastaban en los años antes del armesticio y prosiguieron cobrando los mismos asta la entrega desta plaza — 21 mil. Asi mismo el Governador de la plaza percibio seis mill reales de vellon a razon de a dos mill cada uno de dichos tres años por ayda de costa que fueron los mismo que se le pagaban antes del dicho armesticio y prosiguio siguiendo esta cobrama has la entrega de las plazas — 6 mil. Asi mismo bendieron los diesmos de todas especies que eram perttenecientes al señor obispo de Badaxoz, Yglecias desta villa, Ex.mo Sr. Duque de esta villa, mi señor, y beneficiados de la parrochia en sesenta mill reales vellon a razon de beynte mill reales cada uno de los tres anos desde treze asta el quinze ynclusibe, los quales cobraram sin embargo, del dicho armesticio — 60 mil. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Asi mismo perzibieron dichas armas portuguesas quarenta mill reales de bellon los mismos en que bendieron los arrendamientos de las haziendas de los vecinos ausentes desta plaza, a saber, los años de treze y catorze a razon de doze mill reales cada uno y el de quinze en diez y seis reales los quales cobraron en dichos años sin embargo dicho armesticio — 40 mil. Asi mismo el Gobernador portugues hizo en los años de treze hasta el quinze ynclusibe contribuir a esta becindad con quatro mill reales de vellon cada uno de dichos tres años para azeite del alimento de la guarnizion que todo ymporta doze mill reales vellon — 12 mil. Asi mismo dicha guarnizio y dicho Gobernador hizieron contribuyr a este pueblo con quinze mill nobecientas y sesenta arrobas de paja para mantener quarenta cavallos que tenian de guarnicion en ella que en dichos tres años asta la entrega desta plaza, y a rason cada cavallo al dia de media arroba hazã la dicha suma y cada arroba a razão de real y medio que balia em dicho tiempo hazen beynte y tres mill nobecientos y quarenta reales vellon — 23:940 reales. Asi mismo luego que se publico el armesticio en el año de doze hasta que se publico la paz y despues hasta la entrega de la plaza, cortaron y destruyeron de todo los vezinos de Yelbes, Campo Mayor, aldea de Santa Ollalla liugela y las caserias de entre esttos lugares todos de Portugal, a seis y quatro leguas de distancia deste, todos los montes de los sitios de Tagarrol, Contienda, Casajones, Cinco filas, Cobeso de la Gallina, Piedras abejeras, Boidega feño y Cobeso de la Muñosa todos a la raya de dicho reyno, llevandolos a dicho reyno con auxilio del Gobernador desta plaza sin aver sido posible ebitar estos daños por dilixencias que la villa hizo por que aunque a algunos se les quitaron las carretas, caballerias y herramientas luego que llegavan a esta plaza se las mandava entregar el Gobernador con que les dava aliento a prosegui sus insultos resistiendose en adelante con aquellos vesinos que querian ebitarlo de forma que perdio esta villa mas de doze mill pies de arboles formados que su precio de cada uno son y se regulan y an regulado siempre en este pais a quatro ducados cada uno, que importan reales quinientos y beynte y ocho mill abiendo perdido en esto la villa mas de diez mill reales de sus fructos anuales con que aiudavan a pagar sus contribuciones — 528 mil. Asi mismo luego que se publico la paz, quarenta dias antes con poca diferencia de que esta plaza se entregase a esta corona, fue tal el insulto en los ganados de todo genero que esta villa tenia, que tolerandole el gobernador portugues sin embargo de las muchas quexas que por esta billa y sus vecinos MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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se le daban en los treynta y sinco dias de ellos se justifico haver hurtado los soldados de la guarnicion dos mill y ochosientas cabesas sin restituirle a sus dueños cosa alguna por ellas, que reguladas unas con otras a razon de beynte y un reales vellon, ymportan sesenta mill y ochocientos reales — 60.800. Asi mismo en los tres años desde el trece asta la entrega de la plaza huvo tal insulto en el fructo de las viñas de que esta villa tiene su primero y total alimento, que en el dicho tiempo los soldados de la guarnicion se hacian dueños de ellas de tal forma que a los que las querian defender los maltrataban y traian el fruto a esta plaza en donde se bendian a diferentes particulares de dicho reyno y otro consumian de suerte que aunque la villa y sus vecinos daba diferentes quejas a si Gobernador y oficiales, no solo no lo estorbavan sino es que alentaban a los soldados lo hiziesen, y los entraban en sus casas, que regulado este dano en todo el dicho tiempo de tres años y con mas exorbitancia en el ultimo de quinze, hizieron de daño a este pueblo quarenta y cinco mill reales de vellon, regulados tres mill arrobas de vino a razon cada una de quinze reales vellon — 45:000. Asi mismo desde el dicho año de treze asta la entrega de la plaza la dicha guarnicion portuguesa uso del fructo de los olibares con el mismo desafuero, que se apoderaron dellos de suerte que sus fructos los bendian sin poderselo estorbar a becinos portugueses que benian de dicho reyno a comprarselos sin que pudiese estorbase por la villa y sus becinos por la fuerza dellos y tolerancia de su Gobernador y oficiales que conferido el dano que hizieron fueron seissientas fanegas de aseytuna que esta reguladas al precio de diez y ocho reales vellon que es a como balia en aquel tiempo y oy bale, importan diez mill y ochosientos reales vellon — 10:800. Asi mismo poco mas de un mes antes de restituyr-se esta plaza a esta corona causo los soldados de la guarniçion portuguesa en las casas en que estaban aquartelados mas destrosos que se avia executado antes, pues despues de retirarse las tropas portuguesas se reconosio que los daños de ellas en sus maderos y techos importaron beynte mill trecientos y cinquenta reales de vellon porque se quemaron las mas de sus maderos, bendieron algunas dellas y alguna texa sin que en esto ni en lo demas se huviese puesto por el gobernador remedio alguno aunque se le dieron quexas repetidas — 20:350. Ultimamente los soldados de dicha guarnicion con la tolerancia referida de sus cabos se hizieron en dichos tres años hasta la entrega de la plaza tan dueños de guertas peraladas y demas arboles fructiferos de fruta de berano que en este tiempo hizieron, de dano en esta villa nuebe mill reales de vellon, dejando a sus dueños sin los fructos y con muchas molestias — 9:000. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Que todas estas partidas importan ochosientos y treynta y seis mill ochosientos y nobenta reales de vellon salbo error — 836:890 reales, los quales son los mismos que esta villa ha padecido y gastado en el tiempo de los dichos tres años desde el Dre de doze que se publico el armisticio, asta la restitucion destta plaza en los tiempos, contribuciones y daños que ban expresados, lo saben los declarantes por aver passado asi, ser publico y notorio y aber los dichos Antonio Nuñez Guardobraso y Domingo Gonzalez del Risco sido en este mismo tiempo, uno thesorero de las contribuciones, y otro ser ante quien corrian alguna de las cosas que sobre ello actuaban y todo la berdad, so cargo del juramento que tienen fecho en que se afirmaron y dijeron ser de berdad el dicho Francisco Martin Melena, presvitero, de sinquenta y dos años. — El dicho don Juan del Mançano, de sesenta y quatro. — El dicho Antonio Nuñez de sinquenta y ocho. — Y el dicho Domingo Gonzalez de el Risco de quarenta años poco mas o menos, y lo firmaron com sus nombres y el dicho licenciado Francisco Martin Melena dixo: que protesta que por esta su declaracion no venga efusion de sangre ni mutilacion de miembro. Don Francisco Daza Ravasco (rubricado) Blas de Cuellar Tolleco (?) y Osma (rubricado) Francisco Martin Melena (rubricado) Don Juan del Mançano (rubricado) Antonio Nuñez Guardabraço (rubricado) Domingo Gonzalez de el Risco (rubricado). Ante mi Manuel Diaz Suzio (rubricado). E yo Manuel Diaz Suzio secretario del Rey nuestro señor publico y de los del numero desta villa de Alburquerque presente fui con los señores jueces y testigos a la declaracion antesedente y en fee de ello lo signo y firmo en esta villa de Alburquerque y dia siete de abril de mill setecientos y dez y siete años. En testimonio (signo) de verdad Manuel Diaz Suzio (rubricado)». ––––––––– MEMBRIO .

— «Yo Bernardino Moxena escribano de Su Magestad Dios le guarde y de el Aiuntamiento de este lugar de Membrio, certifico doy fee y berdadero ttestimonio a los señores que el presentte bieren como este lugar de Membrio y sus vezinos an pagado al reyno de Portugal de esde el mes de diciembre de mill settecienttos y doce astta el mes de agostto de el año pasado MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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de mill settecienttos y quince que se ttomo la plaza de Alburquerque y se restituio dicho pueblo al suave dominio de nuestro Rei y señor natural don Phellipe quintto, que Dios guarde, por contribucion anual en cada un año nuebe mill reales que por todo suma tres y cinco mill y quinientos reales porque el ultimo pagamento solo fue de quatro mill y quinientos reales. — 22 mil 500 reales. Y asi mismo en los cinco de el mes de abril de el año de mill settecienttos y quince pasó a estte lugar Manuel de Acostta Sargento Maior de caballerias com un desttacamento de sesentta caballos y exibio una horden que traia de Pedro Mascareñas, Gobernador y Capitan General de la probincia de Alentejo, su fecha en Extremos, em primero de dicho mes de abril por la que manda las justicias de dicho lugar aprestten en el termino de tres y quatro oras de los vezinhos de este dicho lugar quince mill reales como pena dejando llebar a referidos alcaldes presos a dicha plaça y que se hara una buena presa en los ganados por constarle a dicho alcaide maior que fue de la villa de Balencia durante las guerras, por el reyno de Portugal, deber contribuir, cuia cantidad se pago en Marban en poder de Joseph Carlos da Palma Gobernador de dicha plaza como todo mas largamente constta de hordenes repartimientos y recibos que paran en el archibo de papeles de estte lugar a que me remitto y en fee de ello y de mandatto de los señores justicias de el, en birtud de horden con que se hallan de Su Señoria el señor don Thomas Bicenttelo y Toledo Mariscal de Campo de los Reales Exercitos y Gobernador de la Plaza de Alcanttara, su partido y sargento maior doi el presente que signo y firmo em Membrio y febrero quince mill settecientos y diez y siette años. Antte mi, en testimonio (signo) de berdad Bernardino Moxena». ––––––––– HERRERUELA . — «Yo Juan de Paz escrivano fiel de fechos del ayuntamiento deste lugar de Herreruela zertifico doy fee y berdadero testimonio en lo que puedo como este lugar de Herreruela y sus bezinos contribuyeron al Reyno de Portugal desde fin de diziembre del año pasado de mill setezienttos y doze astta el mes de agosto de mill settezientos y quinze que se rrestituyeron al suave dominio de Su Magestad que Dios guarde del Señor Don Felipe quinto zinco mill quinientos reales, en esta forma: el año de mill settezientos y treze, dos mill y dozientos; el año de mill settezientos y catorze, dos mill y dozientos; el año de mill settezientos y quinze, mill y ziento; cuyas cantidades pagaron y le fueron llevadas por razon de tributo, haziendo sus pagamentos en la villa de Marvan en mano y poder de Pedro Bravo Salgado alcaide mayor

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que fue por los enemigos portugueses en referidos años en la villa de Balenzia y asi mismo pagaron y se les llevo a dichos vezinos en referidos años de treze, catorze y quinze por razon de cortes y aclamos por dicho alcaide mayor mil ziento y beynte y sinco reales, que por todo suman las contribuziones echas por dichos vezinos durante el armisticio y desde la suspension de armas en esta corona de Castilla y Portugal seis mill seiszientos y beinte y zinco reales como todo mas largamente consta de rezivos y ordenes que paran en el archivo de papeles de referido lugar firmados de referido Pedro Bravo Salgado alcaide mayor ante quien se yzieron dichos pagamentos a que remito y en fe de ello de mandato de los señores de justicia deste dicho lugar, doy el presente en cumplimiento de la orden con que se hallan de su senoria el señor Governador de la villa de Alcantara y su partido el qual firmo en Erreruela y febrero a beinte y quatro del ano de mill settezientos y diez y siete años. Juan Bernardo de Paz». ––––––––– «Informacion que de orden de Su Magestad se hizo en la jurisdiccion de Venavente sobre las exacciones que en dinero y otros generos hicieron portugueses en la guerra con Castilla desde el año de 1712 hasta el de 1716 El Lizenciado don Joseph Diaz de Orozco, Abogado de los Reales Consejos, Corregidor desta villa de Benavente y su jurisdiccion, etc.; Hago saver a Joseph Vara vezino de el lugar de Mizerezes y pror. de la tierra por la Meridad de Thera y a los alcaldes regidores y demas personas de los lugares de dicha Merindad, como me hallo com orden del Señor Conde de Ripalda Gobernador de lo politico y militar de la ciudad de Zamora su fecha en dicha ciudad en veynte y cinco de junio proximo passado que su tenor y de el auto por mi probeydo a su continuazion para su brebe expediente es el seguiente: CARTTA . — Muy señor mio, De orden de el Rey Dios le guarde se an librado por mi diferentes hordenes a los correxidores de caveza de partido para que justifiquen por informazion o testimonios las cantidades de maravedis y otros efectos conque los pueblos estuvieron devajo de las armas de Portugal, le contribuyeron durante la suspension de armas como tambien despues de concluyda la paz hastta entrega de las plazas y expresion de los agravos y exttorsiones que en el mismo tiempo experimentaron los naturales deste reyno con las tropas de Portugal con toda individualidad, distincion y tiempos y aunque esta instancia se repitio por el Coronel don Francisco Laso Palomino Gobernador intterino que fue de esta plaza en el mes proximo passado no se a tenido noticia de que se aya ejecutado sin embargo de que me

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persuado estara echa por lo que mira a los lugares de ese partido que estuvieron devajo de aquel dominio y estandolo se a de servir vuesta merced que luego se me remita duplicado bien los orijinales con traslado auttentico, u dos traslados para remitir a mano de Su Magestad como me lo manda, Y de aver escripto esta a vuestra merced en este correo doi parte para que en ningun tiempo se me haga cargo. Guarde Dios a vuestra merced muchos anos. Zamora y junio veynte y cinco de mill settezientos y diez y siette años. — Besso la mano de vuestra merced su mayor servidor. — El conde de Ripalda. -Sr. Correxidor o su lugar theniente de la villa de Venavente. AUTTO . — En la villa de Venavente a diez y ocho dias de el mes de jullio de mill settezienttos y diez y siette años su merced el señor lizenciado Don Joseph Diaz de Orozco Abogado de los Reales Consejos Correxidor de esta dicha villa y su jurisdiccion por antte mi el excribano dixo: — Que respecto averle entregado el theniente de correxidor de ella una horden de el señor Gobernador de la ciudad de Zamora su fecha en veyntte y cinco de junio proximo passado por tenerla de Su Magestad, Dios le guarde, la qual se le a repetido a su merced por dicho señor Gobernador y por el señor Comandante General de esttas frontteras para que se justifiquen las contribuziones pechos y estraordinarios repartimientos con que an contribuido a el reyno de Portugal los lugares de estta jurisdiccion que estibueron a la obediencia desde el dia que se publico la tregua y despues de efectuada la paz; mandava y mando que para que a menos costa y con la maior brebedad se ejecute lo que Su Magestad manda se libren dos despachos el uno cometido a Joseph Vara vecino de Mizerezes y Pror. de la Merindad de Tera y el otro a Miguel de la Peral vezino de Quintanilla y procurador de la Merindad de Vidriales con insercion de dicha carta horden para que con escrivano publico u real cada uno ejecutte dicha justificacion como en dicho despacho se prebiene con toda pontualidad y con prottesta de que los danos y perjuicios que se originarens eran por su quentta, y ejecutadas dichas deligencias orijinales las pressenttaran antte su merced para que las remesse como se hordena y en dichas comisiones se asigne a dichos procuradores y escrivanos el salario moderado que se acostumbra sin que por razon de lo escripto ni con otro pretesto lleven mrs. algunos con apercivimientto, por combenir assi a el Real servicio y por estte autto que tambien se insertte en dicha comision asi lo pro veyo mando y firmo de que doi fee, y asi mismo mando se ponga dicha carta horden por caveza de estte auto.

Don Joseph Diaz de Orozco Antte mi Francisco Rodriguez Crespo. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Y para que tenga efectto lo mandado en dicha cartta horden y autto susso inserto que concuerda con el orijinal de que el infraescripto escrivano da fee; y respecto hallarme ocupado en negocios precisos tocanttes a la recaudazion de los reales averes y buena administracion de justicia hordeno e mando a dicho Joseph Vara como tal Procurador de la dicha Merindad de Tera a quien nombro por juez para lo en ella mencionado que con assitenzia de Ignacio Anttonio de Palacios excrivano de los reynos y vecino de estta villa haga las delixencias que ban prevenidas justificandolo por testimonios cartas de pago deposiciones de testigos y demas que sean nezesario y conduzga a su comprobacion con toda claridad y distincion de forma que siempre conste aver cumplido con lo mandado por las hordenes de Su Magestad — Dios le guarde — para lo qual les doi tan amplia comision como me estta conzedida y para que puedan cobrar por razon de su travajo dicho escrivano nuebe reales cada dia sin que por lo escripto ni ottro prettesto llevem mais derechos, y a dicho Procurador el salario que segun costumbre y combenio les estta señalado cujos derechos cobraran de los referidos lugares y efectos mas prontos de sus concejos prorratiandolos conforme a la ocupacion que en cada uno tuvieren. Dado en Venavente a veynte y siette dias de el mes de Julho de mill settezienttos y diez y siete años. Don Joseph de Orozco Por su mandado — Francisco Rodriguez Crespo. AZEPTAZION . — En el lugar de Mizerezes de Tera jusrisdiccion de la villa de Venavente a veyntte y ocho dias de el mes de jullio de mill settecientos y diez y siette años Joseph Bara Procurador General de la Merindad de Tera, conttenido en el despacho y comision que ba por coveza de esttos auttos por antemi el escrivano de Su Magestad vezino de la dicha villa de Venavente Dixo: — Azeptava y azeptto la jurisdicion que por dicha comision se le da y estta promptto a hazer todas las delixencias nezessarias para la justificazion de la dicha comision expressa con la claridad que se pueda y lo firmo, de que doi fee. Joseph Vara Ignacio Anttonio de Palazios. INFORMACION EN SANTIBAÑEZ DE TERA . — En el lugar de Santibañez de Tera comendero y agregado a la villa de Venavente a veyntte y nuebe dias de el mes de jullio de mill settezientos y diez y siette años yo el escrivano estando presente dicho Joseph Vara notifique e hize saver la comision y despacho que ba con esttos auttos a Simon Marcos Thenientte de Merino maior y alcalde hordinario de estte dicho lugar a quien asimismo le notifique

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exsibiesse todas las cartas de pago rezibos y otros ynstrumentos que tubiesen de lo pagado y satisfecho a el enemigo de Portugal desde el mes de Marzo de el año passado de settezienttos y treze que fue en el que se publico la suspension de armas entre este reyno de España y el de Portugal hasta el dia de la entrega de la plaza de armas de la Puebla de Senabria que fue por el mes de noviembro de el año de settezientos y quinze de la qual estubo apoderado dicho enemigo de Portugal, a que respondio que al tiempo de partir dichos enemigos portugueses de la dicha plaza de la Puebla quando hicieron la entrega de ella las perdieron todas las cartas de pago que avian dado de tributos y otros repartimentos extraordinarios como eran de yerva, paja, luzes, alojamientos, stacas, tablas, leña, guebos, carneros, gallinas, vaca, pan que llamavan la derrama y otros muchos las quales llevaron a dicha plaza y entregaran a don Ignacion Morais Madureira correxidor que en aquella sazon hera de ella quien las recojio y solo les dava una carta de pago general sin expressar cantidades en que decia haver cumplido este lugar con todos los tributos y demas imposiciones de todo el tiempo que avian stado a la obedienda cuia carta de pago fue pedida por el correxidor de la villa de Venavente donde al pressente se halla en el oficio de el secretario de ayuntamientto. Esto respondio no lo firmo por no saver, firmolo dicho juez y firme. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. JUSTIFICAZION. — En dicho lugar de Santibañe de Tera dicho dia mes y año dichos, dicho Joseph Vara como tal juez de comision por ante mi el escribano hizo parecer antte si a Matheo Marcos, Jacinto Garcia y Domingo Marcos vezinos de este dicho lugar de quienes tomo y recibio juramento por Dios y a una cruz que lo hizieron como se requiere y devajo de el prometieron dezir verdad de lo que supieren y les fuere preguntado y siendoles leyda la comision que va por caveza de estos auttos y aviendose junttado los susso dichos y echo recuerdo y memoria muy por menor de todos los tributtos y demas imposiciones que este dicho lugar pago a el referido portugues desde el mes de marzo de el ano passado de settezienttos y treze que fue en le que se publico la suspension de armas entre esta Corona y la dicha de Portugal hasta la entrega de la dicha plaza de la Puebla, declaran devajo de dicho juramento unanimes y conformes y cada uno de por si aver pagado las cantidades seguienttes: Primeramente declaran haver pagado este dicho lugar al referido portugues, de tributos reales tres mil reales de vellon. De los alojamientos de el gobernador quinientos y quatro reales a doze cada mes en que entran dos meses que llevo a seis ducados en cada uno.

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De luzes, setentta y cinco reales. De estacas y tablas, settenta reales. De sessentta y tres carros de leña que en el referido tiempo le reparttieron y a seis reales cada uno en que los ajustaban a dinero por no los poder conducir a dicha plaza por esttar disttante diez leguas. De quarenta carros de yerva que asi mismo les repartieron para el sustento de la cavalleria y cada carro de veinte y cuatro arrobas y cada una a tres reales, que asi los ajustaban a dinero, importa dos mill ducientos y ochentta reales. De carneros y Ba (sic) que les repartian por meses para los cabos principales que estaban en dicha plaza quinientos y ochenta reales. De la fajina de veynte y siette hombres que en el referido tiempo repartieron en estte dicho lugar y a razon cada uno de tres reales ymportta ochenta y uno, De guebos, gallinas y otras menudencias que asi mismo pagaron no pueden declarar con zerteza lo que fue. Y asi mismo declaran aver tenido en estte dicho lugar en las tres primaberas de los años de settezientos y treze, catorze y quinze tres soldados con cuatro cavallos para dar forraje, que en uno se ajusto alzadamente en diez y ocho pesos. El otro estubo en este lugar tres meses cuio gasto asi de persona como de cavallo regulan a real de a quatro por dia que importta seincienttos y settentta y cinco reales. Y el otro estubo settenta y cinco dias manteniendo su persona y cavallo cuio gasto regulan a médio ducado cada dia por ser mas reglado y begnino que importa treintta y dos ducados y medio. Y despues vino a este dicho lugar otro soldado en lugar de el anttezedentte el qual estubo solo ocho dias y por ser mui descomedido y derreglado pues pedia para cada dia dos gallinas, cantidad de vino y otras cosas se ajustaron con el en diez pessos, dos perniles y quatro gallinas, lo qual le dieron de contado por que se fuesse a otra partte y todo ello regulan en ducientos y un reales. Todas las quales dichas partidas e cantidades segun ban referidas y cada una de por si declaran debajo de dicho juramento aver pagado a dicho portugues desde el dicho mes de marzo de el año de settezienttos e treze hasta que se enttrego la referida plaza de la Puebla como asi es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan expressado por aver ido hazer diferentes pagas y auerlo repartido este dicho lugar si tenerio mui en la memoria que ymportan nuebe mill quatrocienttos y sessentta y un reales de vellon salvo yerro, y asi lo declararon devajo de dicho juramento en que se afirmaron y ratificaron y lo firmo el que supo y dijeron ser de edad el dicho Mattheo Marcos de quarenta y quatro años y el dicho Jazinto Garcia de treynta y seis, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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y el dicho Domingo Marcos de quarenta y ocho años poco mas o menos, firmolo dicho juez de comision y yo en fee de ello. Joseph Vara Domingo Marcos Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN SANTA CROYA . — En el lugar de Santa Croya Tera, jurisdiccion de la villa de Venavente dicho dia mes y año dichos yo el escrivano estando presentte dicho Juez de comision notifique e hize saver el dicho despacho que va por caveza de esttos auttos a Juan del Burgo y Santiago Blanco alcaldes de el quienes dijeron no tener rezivos cupos ni cartas de pago ni otros instrumentos para justificacion de lo que dicho despacho contiene a caussa de averselos pedido muchos de elles por la villa de Venavente y parar en poder de el Secretario de Ayuntamiento de ella y otros averselos pedido los portugueses anttes de la entrega de la plaza de la Puebla, pero que con personas de buena memoria vezinos de este dicho lugar que hizieron las pagas en la dicha villa de la Puebla y que tienen bastante notizia de lo que se pago a dicho portuges desde el mes me marzo de el año de treze que fue en el que se publico la suspension de armas enttre esta corona y la de Portugal hasta la entrega de la dicha plaza se podra justificar y berificar com toda claridad y distincion lo que este dicho lugar pago a los portugueses asi de tributtos como los demas repartimientos extraordinarios por lo qual dicho juez de comision y para la justificacion de todo ello hizo parezer antte ssi a Francisco Gullon, Santiago Colino y a los dichos Juan del Burgo y Santiago Blanco de los quales y de cada uno tomo y rezibio juramento por Dios y a una cruz en forma que lo hizieron como se requiere y devajo de el prometieron declarar todo lo que este dicho lugar pago a dicho portugues asi de tributtos como demas imposiciones porque se aquerdan mui bien de ello y unanimes y conformes hazen dicha declaracion en la forma seguientte. Lo primero declaran aber pagado a dicho portugues de los tributtos que tenian ajustados dos mill ochozientos y ochenta y siette reales y medio de los ocho tercios que se incluyen en esta justificazion. De yervas settentta y seis carros los quales pagaban a dinero por no cogerse en este lugar y a razon de sessenta reales cada carro en que lo ajustavan que importan quatro mill quinientos y sessenta reales. De los alojamentos de el Governador quinientos y quarenta reales y medio a diez e seis reales cada mes. De luzes noventa y ocho reales y medio. De estacas y tablas ochocienttos y treynta reales. De sessentta carros de leña que pagaron a seis reales cada uno importan trecientos y sessentta reales.

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De carnes quatro mill cientto y noventa y un reales a razon de ciento y beynte y siette realles cada mes. Y de carneros que en dicho tiempo le repartieron sessentta reales. De las fajinas de veyntte y dos meses que en el tienpo de esta justificazion les repartieron y de diez y seis hombres cada mes y a tres reales cada uno por cada dia importan dos mill ochocienttos y treyntta y ocho reales que pagaron en dinero por no poder yr a ella por la larga distancia que al a la dicha plaza que son diez leguas. De la conduzion de ocho carros de cal, que se les repartio a este lugar para portiarla desde los lugares de Viñas y Barje a la plaza de la Puebla ziento y veyntte reales a quinze reales cada carro. De el balor de quarenta y seis cargas de centteno que se dieron a veyntte cavallos que estubieron alojados en este lugar por el ybierno de dicho año de treze, en cinquenta y seis dias que en el estubieron y a veyntte y ocho heminos cada cavallo y a razon la carga de ochenta reales que asi pasava en aquel tiempo ymporta tres mill settecientos y veynte reales de cuia cantidad se bajan mill y ciento y cinquentta y dos reales que lo importaron doze monedas de oro de cinquenta y seis reales cada una que dieron dichos portugueses por quentta de dicho pan y queda esta partida en dos mill y quinienttos y sessentta y ocho reales Y de el gasto que hicieron veyntte y dos soldados que estuvieron con dichos cavallos los referidos cinquenta y seis dias a razon cada uno de quatro reales cada dia que es lo menos en que los pueden regular por aver muchos de ellos que sus patrones les davan a seis reales por via de ajustte y no querian aceptarlo que inportta quatro mill novecienttos y beynte y ocho reales. Y asi mismo declaran aber venido a este lugar las dos primaberas de los años de settezienttos y treze y cattorze para dar forraje un thenientte de cavalleria con quatro soldados con sus cavallos com un criado y un macho que estuvieron desde el dia ocho de mayo hastta el dia diez y siette de agosto cuio gasto asi de ginetes como de cavallos regulan em quattro mill quattrocientos y ochenta reales en cuia cantidad entran ziento y ocho rs de a ocho de a quinze reales que el dicho theniente les levo por razon de su gasto. Y asi mismo vinieron a estte dicho lugar el ano de settecientos y quinze otros dos soldados para forrajiar con sus cavallos los quales estubieron el mismo tiempo. que los anttezedenttes cuio gasto regulan en mill ducientos y ochenta y quatro reales en que entran ocho cargas de zevada berde y seca y veyntte y cinco heminas de sentteno que comieron dichos cavallos. Y de la conducion y porte de quarentta cargas de pan que les obligaron a llevar a dicha plaza declaran aber pagado quinienttos reales en que lo ajustaron a qausa de no lo poder conducir con sus ganados. Y del porte de otras veyntte y cinco cargas de pan que les repartieron para conducir a dicha plaza trecienttos reales en que a si mismo lo ajustaron. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Todas las cuales dichas partidas y cantidades declaran debajo de dicho juramentto aver pagado a dicho portugues desde dicho mes de marzo de settezientos y treze hasta que se entrego la referida plaza como asi es publico y notorio y lo saven con la distinzion que lo llevan declarado por aver ydo hazer las pagas y haverlo repartido entre los vecinos y tenerlo todo mui en la memoria que ymportan treyntta mill quinienttos y quarenta y nueve reales salvo yerro, y asi lo declararon debajo de dicho juramento todos juntos y cada uno de por si y en ello se afirmaron y ratificaron y lo firmaron los que supieron declararon ser de hedad el dicho Francisco Gullon de cinquenta y ocho años y el dicho Santiago Colino de cinquenta y dos y el dicho Santiago Blanco de quarentta años y todos poco mas o menos, firmolo dicho Juez de comision y en fee de ello firme yo dicho escrivano. Joseph Vara Francisco Gullon Santiago Colino Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN PUNAREJO . — En el lugar de Pumarejo jurisdiccion de la dicha villa de Venavente a treyntta dias del mes de julho y año suso dicho. Yo el Escrivano estando pressentte el dicho juez de comision notifique e hize saver el dicho despacho que va por caveza de esttos auttos a Domingo Vermejo y Francisco Simal alcaldes de dicho lugar quienes haviendole oido y enttendido dijeron le obedecen y estan promptos a exsivir y pressenttar todos los cupos recivos y carttas de pago que este dicho lugar tiene de lo que pago a el portugues desde el mes de marzo del año pasado de settecientos y treze hastta el dia que se entrego al dominio de Espana la plaza de la Puebla exceptto los de los tributos porque estos les fueron pedidos por la Contaduria y el correxidor de la dicha villa de Venavente donde al presentte paran; y en quanto a los alojamientos de soldados que estuvieron en este dicho lugar dando forraje y las fajinas y otras imposiciones y gastos de que no davan recivos dichos portugueses se podra justificar con perssonas que de ello daran bastante noticia. Y aviendoseme exsivido a mi el escrivano por los dichos alcaldes todos los cupos recivos y otros papeles certifico consta por ellos aver pagado y satisfecho este dicho lugar a los dichos portugueses en el referido tiempo las cantidades seguientes: Lo primero por dicha memoria que exsivieron consta aver pagado de tributos ochocienttos y veyntte y un reales. De los alojamienttos de el Gobernador ducienttos y sessentta reales. De luzes cientto y quarentta y dos reales. De vacas y carneros seiscienttos y noventa y seis reales.

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De estacas settenta y seis reales. De los portes de los carros que se le repartieron para la conducion de cal para la dicha plaza cientto y treintta reales. De leña quatrocienttos y ochenta y siete reales y medio. De yerva para los cavallos que estavan de guarnicion en ella, mill seiscienttos y settentta y nuebe reales. Todas las quales dichas partidas y cada una de per si consta averlas pagado a dicho portugues este dicho lugar como pareze de las dichas cartas de pago cupos y otros papeles que me fueron exsividos a que me remito y volvi a entregar a los dichos alcaldes. Y para la justificazion de los alojamientos y otras cosas de que no tienen recivo dicho juez de comision recivio juramento en forma de los dichos Domingo Vermejo y Francisco Simal que lo hizieron como se requiere y devajo de el prometieron declarar con toda distincion todo lo que pagaron a dicho portugues en el referido tiempo ademas de lo que va justificado porque todo ello tienen bastantte noticia y memoria cuia declaracion hazen en la forma siguientte: Lo primero declaran que en la primavera del año de settezienttos y treze y desde primeros de año hasta mediados de agosto estubieron alojados en este lugar dos soldados con sus cavallos los quales ajustaron su mantenimiento a cinco reales y medio cada dia y cada uno cuyo gasto ymporta mill ciento y sesenta y un reales. Y el gasto de la cebada seca u verde que dieron a dichos dos cavallos en dicho tiempo la regulan a cinco reales cada dia que importta quinienttos y treynta y cinco reales. Y en los años de settecientos y catorze y quinze tubieron otros dos soldados con sus cavallos para dar forraje el mismo tiempo y los ajustaron en lo mismo que importta el gasto de soldados y cavallos mill seiscienttos y noventta y seis reales. Y asi mismo declaran aver pagado a dicho portugues de las fajinas que les repartian para la dicha plaza que todas las pagaron a dinero mill ducienttos y noventta y seis reales. Y de otros doze carros de yerva de que no tienen cupos ni rezivos settecienttos y beyntte reales. Y asi mismo declaran aber estado alojados en dichos años de settezienttos y treze en este dicho lugar un capitan portugues por el ybierno con seis soldados y sus cavallos que estubieron sessentta dias cuyo gasto regulan a quatro reales cada dia y cada soldado que es lo menos que pueden compensar respecto de los desordenes que ejecutavan como es publico y notorio que ymportta mill seiscienttos y ochenta reales. Y por razon del gasto que hicieron los cavallos no se pone cosa alguna por averlo pagado y lastado (sic) dichos soldados. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Todas las quales dichas partidas y cantidades segun ban referidas declaran aber pagado y llevado dicho portugues desde el dicho mes de marzo de settezientos y treze hasta que se entrego la referida plaza como asi es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado por haverlo repartido en este dicho lugar y tenerlo todo muy en la memoria que todo ymportan honze mill trecienttos y settenta y nuebe reales de vellon salvo yerro y asi lo declararon debajo de dicho juramento en que se afirmaron y ratificaron no lo firmaron por no saver, dijeron ser de hedad el dicho Domingo Vermejo de quarentta y seis años y el dicho Francisco Simal de cinquenta años poco mas o menos, firmolo dicho juez de comision e yo en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN MELGAR DE TERA . — En el lugar de Melgar de la villa de Venavente a los dichos treyntta de juilio de mill settecienttos y diez y siette años yo el escrivano estando presentte el dicho Joseph Vara juez en esttos auttos hize saver dicho despacho a Santiago de Dios y Santigo Garcia Afonso alcaldes de este dicho lugar los quales aviendole enttendido dijeron la obedecian y estavan pronpttos a qumplir con su tenor y exsibir y pressenttar todos los recibos carttas de pago y cupos que tienen de lo que an pagado y satisfecho a el enemigo portugues desde el mes de marzo del año passado de settecienttos y treze hasta el dia que se entrego al dominio de España la plaza de la Puebla de que estavan apoderados y aviendoles rejistrado con asistencia de dicho procurador cada uno de por si y separado los de cada afecto consta por ellos aver pagado este dicho lugar las cantidades de el tenor siguientte: De los tributtos en los ocho tercios mill quatrocientos y cinco reales. De fajina dos mill quinientos y ocho reales. De alojamienttos de el Gobernador trezienttos y treyntta reales. De luzes quattrocienttos y noventta y cinco reales. De yerva de cinquentta y un carros a razon de sessentta reales cada uno, tres mill y sessentta reales. De estacas, cientto ochentta reales. De cal cientto y cinquenta y dos reales. De leña, seiscienttos y beyntte y nuebe reales. De vaca y carnero un mill settezienttos y settenta y seis reales. Cuyas cantidades constan haverlas satisfeicho este dicho lugar a dicho portugues en el dicho tiempo como pareze por cupos rezibos y cartas de pago a las que io el escribano me remito. Y asi mismo por declaracion que dichos alcaldes hicieron devajo de juramento que les fue tomado por dicho Joseph Vara como tal juez de comision

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constan que en este dicho lugar de Melgar estubieron alojados honze soldados con diez cavallos en el dicho año de settezientos y treze sessentta dias cuyo gasto de sus personas regulan a quatro reales cada uno por cada dia, que ymportan dos mill seiscienttos y quarentta reales, y no se pone gasto alguno del que hicieron los cavallos a qausa de haverlo satisfeicho dichos soldados exzepto catorze heminas de zenteno que se les dio por el conzejo antes que les viniese la provision de la dicha plaza de la Puebla y regulan a seis reales hemina que hazen ochentta y quatro reales. Y as mismo estubieron en estte dicho lugar en las tres primaveras de los años de treze catorze y quinze tres soldados en cada primavera el suio a forrajiar los cavallos y zientto y siette dias en cada año y se ajustaron por el sustento de dichos soldados a cinco reales y medio cada uno por cada dia que en todo dicho tiempo importaron los gastos mill setecientos y sessentta y quatro reales, que es lo menos que dichos soldados se ajustavan el dia que no comian en casa de sus patrones. Y el gasto que hicieron dos cavallos en las dos primaveras de los dos años de treze y catorze le regulan a dos reales y medio cada uno por cada dia que ymportta quinienttos y treintta y cinco reales y el gasto de otro cavallo de la primabera de settezienttos y quinze consumio y gasto nuebe cargas de zevada verde lo qual se regulo por personas nombradas por la justicia y a precio de cinquenta reales carga que es a lo que entonces pasava en estos parajes, que ymportta quatrocienttos y cinquenta reales. Que todas las dichas partidas que ban mencionadas en estas deligencias, y pago y satisfiço este dicho lugar de Melgar en el tiempo que en los auttos va referido ymportan diez y seis mil y ocho reales de vellon salvo yerro con lo qual se fenecio esta deligencia que firmo dicho juez de comision. No lo firmaron los alcaldes por no saber de ello, doy fee y firmo. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN FERRERAS DE AVAJO . — En el lugar de Ferreras de Abajo jurisdicion de la villa de Venavente dicho dia treyntta de jullio de dicho año, vo el escrivano en presencia de dicho Joseph Vara juez de comision, Doy fee notifique e hize saver el despacho que va por caveza de esttos auttos a Juan de Diego y Joseph Vallesteros, alcaldes de dicho lugar a los quales requeri presentassen y exsiviesen todas las cartas de pago, cupos y otros instrumentos que tubiessen de lo que an pagado a el enemigo de Portugal desde el mes de marzo de el año pasado de settezienttos y treze que fue quando se publico la suspension de armas enttre este reyno y el dicho de Portugal hasta el dia de la entrega de la plaza de Puebla de Senabria a que respondieron no tener rezivos

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ni carttas de pago por averselos pedido de la contaduria del conde de Venavente y por partte de la villa, donde paran algunos de ellos y otros averselos perdido por cuia causa el dicho Joseph Vara como tal juez y en virtud de su comision y para justificacion delo referido tomo y recivio juramento de los dichos alcaldes y de Domingo de Vega vezino de dicho lugar como personas de yntelijencia los quales prometieron de hazer la declaracion de dichos gastos com toda claridad y segun lo que se les aqordare, y aviendo echo memoria de todos los tributos y demas imposiciones que pagaron a dichos portugeses en el dicho tiempo hallan ser los siguientes: Primeramente pagaron en los treintta y tres meses que ay desde el marzo de dicho año de treze hasta que dicha plaza se entrego dos mill ziento y quarentta y seis reales. Y aunque an echo memoria de todos los demas impuestos que pagaron a dicho portuges, asi de fajinas, alojamientos, luzes, vaca, carnero, yerva, estacas, cal, paja, perniles, gallinas, pan en grano, alojamienttos de soldados que estuvieron en dicho lugar a dar forrajes en las primaberas como de otras menudencias, no se atreven a dezir fijamente ahora lo que pagaron por cada una de por si pero saven muy bien y se acuerdan que esta misma delijencia la vino hazer a este dicho lugar Gregorio de Melgar procurador de la tierra y de la merindad de Valverde en virtud de orden de don Pedro de Castro y Neyra Brigadier de los ejercitos de Su Magestad y coronel de el regimiento de Galicia, y comandante que a la sazon era de la frontera de Venavente por el mes de agosto o septiembre de el año passado de setezienttos y quinze y entonzes se saco relazion y memoria de todo lo que pagaron a dicho portuges el en dicho tiempo por las cartas de pago y rezivos que tenian y saven con toda certeza importto catorze mill quinienttos beynte y quatro reales, en que entran los dichos dos mill zientto y quarentta y seis de los dichos tributos que de esta cantidad se aquerdan por aver ido en muchas ocasiones a pagarlos a la dicha plaza de la Puebla. Esto es lo que declaran devajo de dicho juramento y lo firmo el que supo juntto con dicho juez de comision y en fee de ello lo firme. Joseph Vara. Domingo de Vega. Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN CALZADILLA . — En el lugar de Calzadilla a treynta y un dias del dicho mes y año referido y de la dicha jurisdicion de Venavente yo el escrivano en presencia de el dicho Joseph Vara conttenido en estos auttos notifique e hize saver el despacho de suso que va por caveza de ellos a Jullian del Varrio y Domingo de Lera alcaldes de el a quienes requeri presenten y exsivan todos los cupos, rezivos carttas de pago y demas instrumenttos que

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tuvieren de todas las cantidades de maravedis y demas que ubieren pagado a el enemigo de Portugal desde el mes de marzo de el año passado de mill settecienttos y treze hasta ultimo de mil settecienttos y quinze que fue quando se restituyo la plaza de la Puebla de Senabria al dominio de nuestro Rei y señor. A que respondieron no tener dichas cartas de pago ni otros instrumentos para justificacion de lo que pagaron a dicho portuges por averselas llevado a el tiempo de la entrega de dicha plaza y otras averseles perdido. Por lo qual el dicho juez de comision hizo parecer anttesi a Angel Espada y Anttonio Zentteno vezinos deste dicho lugar, personas de intellijencia para que declarasen con la maior claridad y distincion todas las cantidades que satisfacieron a dicho portuges y de ellos tomo y recivio juramento que lo hizieron bien y fielmente y avien do echo memoria de todo ello ballan haver pagado en dicho tiempo las cantidades seguienttes: De tributtos que pagaron desde el dicho mes de marzo de settezienttos y treze hasta el ultimo tercio de el año de quinze: Un mill settezienttos y treynta y tres reales. De fajinas en el dicho tiempo quatro mill quattrozientos y cinquentta y cinco reales a razon de ziento y treyntta y zinco reales cada mes. De alojamienttos de el governador quattrozienttos y sessentta y dos reales a razon de cattorze reales cada mes. De vaca y carneros dos mill ochocienttos y cinco reales y a razon de ochenta y cinco reales cada mes. De luzes cinquentta y siette reales en los zinco tercios a honze reales cada uno. De yerva dos mill ochocienttos y treyntta y dos reales de treintta y un carros de yerva que en dicho tiempo pagaron a razon cada uno de settenta y dos reales. De el porte de seis carros de cal, nobenta reales a quinze reales cada carro. De leña ducienttos y sessenta reales de quarentta carros, a seis reales y medio cada uno. De estacas y tablas ochocientos y diez reales. Ytten tubieron en este dicho lugar en las primaberas de los años de settezienttos y treze y cattorze dos soldados que benian a dar forraje los quales estuvieron desde principios de maio hasta quince de agosto, cuio gasto de cada uno solo por su mantenimiento sin el de los cavallos regulan a cinco reales y medio cada uno cada dia, que importta en los cientto y siette dias que ay desde primero de maio hasta dicho dia quinze de agosto mill zientto y sessenta y un reales. y el gasto que hizieron los dos cavallos de zebada seca y berde en el dicho tiempo le regulan en zinco reales a dos y medio cada cavallo por cada dia, que asi mismo importa quinienttos y treyntta y zinco reales. Y en el año de settezienttos y quinze tubieron otro soldado con su cavallo MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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el qual por ser muy descomedido en comer y beber regulan el gasto de su mantenimiento a diez reales cada dia, pues en cada uno pedia y se le dava tres libras de pernil azumbre y media de vino y pan todo el que queria comer, que importa dicho gasto un mill y settentta reales. Y de zebada seca y verde que gasto dicho cavallo regulan cada dia a dos reales y medio que ymporta ducienttos y sessentta y siette reales y medio. Y ademas de todo lo referido declaran que en todo el dicho tiempo que ay desde el dicho mes de marzo de settezienttos y treze hasta la entrega de la dicha plaza de la Puebla gastaria este dicho lugar mas de quinienttos reales en ajustes que hacian con muchos soldados que passavan por este lugar con diferenttes hordenes, los quales aunque llegasen a ora competente para pasar a ottra parte se detenian con el motivo de sacar la droga por cuia causa y porque no hiziessen ottras estorsiones y mas gastos les precisava darles lo que pediam. Todas las quales dichas partidas importtan diez y siette mill y treyntta y ocho reales y medio salvo yerro, como de ellas consta y son las mismas que este dicho lugar pago a dicho portugues en el tiempo referido como es publico y notorio en todo estte contorno y lo saven por aver ydo hazer las pagas en muchas ocasiones a la dicha plaza de la Puebla y asi lo declaran todos juntos y cada uno de por si devajo de dicho juramento y en ello se afirmaron y ratificaron por ser la misma verdad, y lo firmo el que supo. Declararon ser de hedad el dicho Angel Spada de quarentta y seis años, y el dicho Anttonio Zentteno de cinquentta y quatro años poco mas o menos firmolo dicho juez de comision e yo en fee de ello. Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN OLLEROS. — En el lugar de Olleros jurisdiccion de la dicha villa dicho dia mes y año yo el dicho escribano estando presentte dicho juez de comision notifique e hize saver el dicho despacho que va por caveza de esttos auttos a Pedro Carro y Juan de la Fuentte alcaldes de estte dicho lugar a los quales requeri pressentten y exsiban todos los cupos recibos cartas de pago y demas instrucciones que tuvieren de las cantidades de maravedis pan y demas contribuciones que pagaron a el enemigo de Portugal desde el mes de marzo de el ano de settecientos y treze que fue quando se publico la suspension de armas entre los dos reinos hasta el dia que se entrego la plaza de la Puebla, a lo qual respondieron que al tiempo de la entrega da dicha plaza y algunos dias anttes el dicho portuges pidio a este dicho lugar todos los rezivos y cartas de pago de lo que le avian pagado en todo el tiempo que estuvieran debajo de su dominio y se quedo con ellas y solo les dio una carta de pago general sin expecificar cantidad diciendo haver cumplido este dicho lugar con todos los tributos y demas imposiciones que se le havia reparttido hasta la entrega de la

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dicha plaza, cujo carta de pago les fue pedida por la conttaduria de Su Ex.a el Conde Duque de Venavente mi señor donde al presentte paran por lo qual dicho Joseph Vara como tal juez de comision y para la justificazion de todo ello hizo parezer antte mi a Juan Garcia, Juan Roman y Juan Lozano vecinos de estte dicho lugar de quienes y de cada uno tomo y rezivio juramento por Dios y a una cruz que lo hicieron como se requiere y devajo de el prometieron unanimes y conformes declarar con toda distincion todo lo que este dicho lugar pago a el portugues en el tiempo referido, porque se acuerdam muy bien de todo ello y lo tienen en la memoria, cuia declaracione hazen en la forma siguiente: Primeramente declaran haver pagado de tributos en los ocho tercios que se incluyen desde dicho mes de marzo del año de treze hasta la entrega de la dicha plaza, dos mill y diez y sette reales y medio a razon cada año de settezienttos y zinquentta reales. De las fajinas que tenian ajustadas a dinero pagaron en dicho tiempo dos mill seiscienttos y cinquentta reales. De los alojamentos del Governador quattrozienttos y treyntta y quatro reales a razon cada mes de catorze. De luzes para los cuerpos de guardia y cuarteles settentta y cinco reales. De vaca y carneros dos mill ochocienttos y cinco reales a razon cada mes de ochentta y zinco. De seis carros que le repartieron para portiar cal desde el lugar de Viñas a la dicha plaza zientto y ochentta reales a razon cada carro de treynta, que asi los ajustavan y pagaron a dinero por la distancia que ay y no tener ganado suficientte para su conduzion. De zinquentta carros de leña que en dicho tiempo les repartieron y pagaron y a razon cada carro de seis reales y medio importan trecienttos y veyntte y cinco reales. De estacas y tablas que les repartieron ochocienttos y sesentta y tres reales. De treynta y ocho carros de yerva que pagaron a precio cada uno de settenta y dos reales importan dos mill settecienttos y treyntta y seis reales. Y asi mismo declaran haver tenido en este dicho lugar en las tres primaberas del año de settezienttos y treze, catorze y quinze tres soldados que venian a dar forraje con sus cavallos que estuvieron en cada año desde principio de maio hasta mediado de agosto, cuio gasto de cada uno y por el mantenimientto de sus personas sin el de los cavallos, regulan a cinco reales y medio cada uno y cada dia, que ymportta en los zientto y siette dias que ay desde primero de mayo hasta dicho mediado de agosto mill settezienttos y quarentta y un reales y medio. Y del gasto que hizieron los tres cavallos de zevada seca y berde en el referido tiempo regulan a dos reales y medio por cada cavallo cada dia que asi mismo importa ochocientos y dos reales y medio. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Cuias partidas importan cattorze mill seiscienttos y un reales y medio salvo yerro, como de ellas consta y son las mismas que este dicho lugar pago al dicho portuges en dicho tiempo, como es publico e notorio en todo este contorno y asi declararon devajo de dicho juramento y lo firmo el que supo junto con dicho juez e yo en fee de ello. Joseph Bara Juan Garzia Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN VILLAR DE ZIERBOS . — En el lugar de Villar de Zierbos comendero y agregado de la villa de Venavente a primero de agostto de mill setezienttos y diez y siette años yo el escrivano estando presentte el dicho Joseph Vara juez de comision doy fee notifique el dicho despacho que va por caveza de esttos auttos a los señores Francisco Roman y Diego Bouillo alcaldes hordinarios de esta dicha villa en sus perssonas que dijeron le obedezen y estan promptos a exsivir y presentar todos los cupos rezibos y cartas de pago que tuvieren de lo que pagaron a el enemigo de Portugal desde el mes de marzo de el año de settecienttos y treze hasta el dia en que se entrego la plaza de la Puebla y de lo que no tuvieren rezivos se puede justificar con declarazion de personas de inttelijencia y aviendoseme exsivido dicho rezibos y cartas de pago y registradolos cada uno de por si con separacion de efectos consta por ellos haver pagado esta dicha villa en el dicho tiempo las cantidades siguienttes: Primeramente consta aver pagado esta dicha villa de tributos nuebe mill reales de bellon en los nuebe tercios de los tres años a razon en cada uno de mill reales. De las gallinas que esta villa paga de fuero en cada un año a don Antonio de Oca señor de ella y que cobro dicho portuges en el referido tiempo novecienttos reales. De el alojamento de el Governador quinientos y cuarentta reales a real de a ocho cada mes. De qarnes quattro mill y sesentta y ocho reales a razon cada mes de zientto y treze reales. De duzientos y diez y seis carros de yerva y a razon cada carro de veyntte y quatro arrobas y cada arroba a tres reales, que importa quinze mill quinienttos y zinquenta y dos reales. De zinco recivos en cada un año, de los tres años de la leña que pago esta villa en el dicho tiempo que son quinze, y cada recivo a zientto y sesentta y dos reales que ymportan todos dos mill quatrozienttos y treynta y siete reales y medio.

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De luzes y a treze reales cada mes ymporttan en el dicho tiempo quatrocienttos y sessentta y ocho reales. De las fajinas y carros para ella zinco mill seiscientos y settenta reales a razon de ziento y ochentta y nuebe reales cada mes. De el portte de treyntta cargas de pan que les obligaron a llevar desde Santta Marta a la Puebla quinienttos y quarentta y quatro reales. Todas las cuales dichas partidas que van expresadas constan de los recivos que me fueron exsividos por dichos señores alcaldes a quienes los volvi a entregar y a ellos me remito. Y para justificazion de los demas gastos extraordinarios que pago esta dicha villa con alojamientos de soldados y demas gabeias el dicho Joseph Vara hizo parecer anttesi a Pedro Fernandez, Francisco Vargacoba, Juan Blanco Junquera y Antonio Blanco, todos vecinos de esta dicha villa personas de inteligencia, de quienes recibio juramento de forma que lo hizieron cumplidamente y devajo de el dijeron saven muy bien que esta dicha villa tuvo alojados en las primaveras de los años de treze catorze y quinze diferenttes capitanes con sus compañias a dar forraje, y aviendo hecho recuerdo y memoria de los gastos que hicieron y dinero que llevaron hallan ser los siguienttes: El dicho año de treze vino a esta dicha villa un coronel de cavalleria con su compañia, cuio gasto que hizieron asi de personas como de cavallos le regulan en siette mill y ducientos reales. El año de settezienttos y catorze vino asi mismo un capitan con su compañia quien estuvo dos meses y por ajuste que con el hizieron costo tres mill trecientos y cinquentta reales. Y en dicho año de settecientos y quince vino otro capitan con su compañia que asi mismo costo y se ajusto en seis mill y ochocienttos reales. De cal que portiaron desde el lugar de Viñas a la dicha plaza dos mill y qutrocientos reales en que regulan los portes, por precisarles cada mes a portiar diez o doze carros. Y ademas de todo lo referido pago esta dicha villa otros muchos gastos extraordinarios de que no se acuerdan ni pueden regularlos, todas las cuales dichas cantidades segun ban expresadas ymportan cinquentta y nuebe mill y quarentta y nuebe reales y medio salvo yerro como de dichas partidas constan y asi lo declararon devajo de dicho juramento y lo firmaron los que supieron junto con dicho juez e yo en fee de ello. Joseph Vara Francisco Vargacoba Pedro Fernandez Juan Blanco Junqueira Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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OTRA EN ZIONAL. — En el lugar de Zional jurisdiccion de la villa de Venavente a dos de dicho mes de agosto y año de settecienttos y diez y siette yo el escrivano en presencia de dicho Joseph Vara, como tal juez de comision conttenido en estos auttos, notifique e hize saver dicha comision a Balthasar Nietto y Juan Fernandez Alcaldes de este dicho lugar quienes dijeron le obedecian y estavan prontos a exsivir los cupos recivos y cartas de pago que este lugar tiene de lo que pago al portugues desde que se publico la suspension de armas hasta que se entrego la plaza de la Puebla y que de lo que no tubieren recivos se puede justificar con persones y vezinos de estte lugar quienes daran razon por menor de todo ello. Y aviendose exsivido por dichos alcaldes diferenttes cupos y otros papeles, certifico que por ellos consta haver pagado este dicho lugar las cantidades seguienttes: Primeramente por tres cupos, consta averse repartido de tributos reales en los tres años de setezienttos y treze, setezienttos y catorze y setezienttos y quinze, tres mill setezienttos y noventta reales a razon cada año de mill quatrozienttos y sessentta y cinco reales, y de los ocho tercios que corresponden a dicho tiempo y aviendoseles pedido los recivos de estas cantidades respondieron dichos alcaldes tenerlos en poder de escrivano de Ayunttamientto de la villa de Venavente y otros haverselos pedido los dichos portugueses anttes de la entrega de dicha plaza. De los alojamientos de el governador quatrocienttos y noventta e cinco reales a razon de real de a ocho cada mes. De luzes trezientos y quarenta y seis reales a razon de doze reales cada mes. De cinquentta y quatro carros de yerva que se le repartieron eu el referido tiempo y a veinte y cuatro arrobas cada carro, y la arrova a tres reales, ymportan tres mill ochocienttos y ochentta y ocho reales. De settenta y dos carros de leña a seis reales cada uno importtan trezienttos y treynta y dos reales. De las carnes que pagaron en dicho tiempo y a razon cada mes de ochenta y dos reales ymportan dos mill settecienttos y quarenta y seis reales. De la fajina en dicho tiempo tres mill ochozientos y quarentta reales de sessentta hombres cada mes. Todas las quales dichas cantidades satisfacieron a dicho portugues en el referido tiempo, como consta de dichos cupos recivos y cartas de pago que volvi a entregar a dichos alcaldes a que me remito. Y para justificacion de los alojamientos de los soldados que estubieron forrajiando en las tres primaveras de los referidos años y otros gastos extraordinarios de que no tenien recibos, el dicho Joseph Vara como tal juez teniendo en su presencia a Balthazar Romero, Juan Jelado y Francisco

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Arias vezinos de este dicho lugar, de los sobredichos tomo juramentto en forma que lo hizieron como se requiere y devajo de el prometieron segun su aquerdo y memoria declarar la verdad de lo que supieren en horden a dichos gastos extraordinarios en las tres primaveras de los años de treze, cattorze e quinze, cuya declaracion hazen en la forma seguientte: Primeramente en el año de treze vino a este dicho lugar un thenientte de cavalleria a forrajiar, con una muger con dos criados, los quales estuvieron en el tres meses en los quales hizon de gasto mill y quinientos reales: y de la yerva de quatro cavallos que traia regulan quinientos reales. En los años de catorze y quinze que vinieron a este dicho lugar a dar forraje dos soldados en dichos dos años y estubieron otros tres meses en cada uno, regulan el gasto de sus personas y la yerva que dieron a los cavallos en mill y duzienttos reales a seiscientos cada soldado. Y de los gastos que hizieron con diferentes soldados que venian de transito y a visitarse unos con otros en todo este dicho tiempo lo regulan en ochocienttos reales. De los portes de cal que les precisavan a portiar desde el lugar de Viñas y Vazal a la dicha plaza de la Puebla un mill y quinienttos reales en que lo regulan. Y ademas de todo lo referido, pagaron otras muchas cosas de que no se acuerdan ni pueden dar razon con individualidad. Cujas parttidas importan veyntte mill novecientos y treyntta y siette reales, salvo yerro, y asi lo declararon debajo de dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron por ser publico y notorio en esta paraje y firmaron los que supieron juntto con dicho juez de comision e vo en fee de ello. Joseph Vara Juan Pelado Francisco Arias Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN CODESAL . — En la villa de Codesal a dos dias del mes de agosto de mill settezienttos y diez y siete años yo el escrivano en presencia de el dicho Joseph Vara juez de comision, notifique e hize saver el dicho despacho y comision a Estevan Crespo y Pedro Rodriguez alcaldes hordinarios de esta dicha villa quienes haviendolo oydo y entendido dijeron la obedecian y estaban promptos a exsivir y presenttar los cupos rezivos y carttas de pago de lo que pagaron a el enemigo de Portugal desde el dia primero de marzo de el año passado de mil settezientos y treze que fue la suspension de armas hasta el ultimo de noviembre del año passado de mill settezientos y quinze que fue quando se entregó la plaza de la Puebla de Senabria y aviendome exsivido a mi el escrivano zertifico consta por ellos aver pagado a dicho enemigo de Portugal en dicho tiempo las cantidades siguientes:

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Lo primero consta aver pagado esta dicha villa de tributtos reales en dicho tiempo seis mill y quatrocientos reales a ochocientos cada tercio y en los ocho terzios de los tres años. De alojamienttos de el Governador trezienttos quarentta y seis reales a doze reales cada mes. De luzes en dicho tiempo quinienttos y veyntte y ocho reales diez y seis reales cada mes de diez seis reales. De carnes en dicho tiempo dos mill quinienttos y ocho reales a razon de settenta y seis reales cada mes. De ochenta y un carros de yerva que se le repartieron a esta villa en el dicho tiempo y cada carro de beynte y quatro arrobas y cada arroba a tres reales ymportan zinco mill ochocientos y treinta y dos reales. De leña quinienttos y noventa y quatro reales de noventa y nuebe carros a razon de seis reales cada uno. De las fajinas de quarenta y quatro hombres cada mes y cada hombre a tres reales, y de ocho carros cada mes y a seis reales cada mes, ymporta cada uno zinco mill seiscientos y settenta y seis reales. Todas las quales dichas cantidades pagaron y sitisfacieron a dicho portugues en el referido tiempo como consta de dichos cupos rezibos y carta de pago que volvi a entregar a dichos alcaldes a los quales me remito. Y para justificacion de los alojamienttos de los soldados que estuvieron forrajiando en esta villa en las tres primaberas de los dichos años y de otros gastos extraordinarios de que no tienen rezivos dicho Joseph Vara como tal juez hizo parezer ante si a Juan Crespo, Bartolome de Anta y Juan Charro y Juan Calvo vezinos de ella de los quales rezivio juramento en forma y lo hizieron como se requiere y devajo de el prometieron segun su acuerdo y memoria declarar la verdad de lo que supieren en orden a dichos alojamienttos y demas gastos cuja declaracion hazen en la forma siguientte: Primeramente declaran que en el dicho año de settezienttos y treze vino a esta dicha villa alojado para dar forraje un alferez y um soldado con dos cavallos su criado y um macho y estuvieron en ella tres messes en los quales regulan aver echo de gasto en dicho tiempo dicho, alferez por si solo, un mill trecienttos y cinquenta reales, por llevarles cada dia un real de a ocho, y del gasto del dicho soldado y criado en dichos tres meses regulan en novecienttos reales a diez reales cada dia. Y de yerva para dichos dos cavallos y macho regulan em todo el dicho tiempo en quatrocientos reales. Y en el año de settezienttos y catorze vinieron a esta dicha villa tres soldados de caballeria a dar forraje, los quales estuvieron otros tres meses y regulan del gasto de sus personas a real de a quatro cada dia cada uno, que ymporta dos mill y cinco reales. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Y de la yerva de los cavallos quatrocienttos reales en dicho año; y en el de settezienttos y quinze vinieron asimismo a esta villa otros tres soldados a dar forraje y passaron de orden de el conzejo a plaza de la Puebla a estar con el capitan de ellos para ber si se podia conseguir el que les levantase uno, lo que consiguieron y por esta razon llevo por ajuste ocho reales de a ocho y los otros dos se quedaron forrajiando en dicha villa otros tres meses, y regulan el gasto de estos dos de sus personas solo a real de a ocho cada dia que importa mill trecienttos y cinquenta reales, y de la yerva que gastaron con los cavallos lo regulan en trecienttos. Y de los gastos que hizieron con diferentes soldados que transitavan por esta villa y que benian a verse unos a otros en todo el dicho tiempo lo regulan en novezienttos reales. De los porttes de diferenttes carros de cal que les precisaron a portiar desde el lugar de Viñas a la dicha plaza de la Puebla lo regulan en mill y novezientos reales. Y ademas de todo lo referido pagaron otras muchas cosas de que no se aquerdan ni pueden dar razon con yndibidualidad. Y todas las dichas partidas ymporttan treyntta y dos mill quinienttos y settentta y nuebe reales, salvo yerro, y asi lo declararon debajo de dicho juramento en que se afirmaron por ser asi la berdad publico y notorio en todo este paraje y firmaron los que supieron junto con dicho juez de comision y en fee de ello lo firme. Joseph Vara Juan Crespo Bartolome de Anta Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN BOYA . — En el lugar de Boya, jurisdiccion de la villa ne Benavente, a tres dias del dicho mes de agostto de dicho año, yo el escrivano presentte dicho Joseph Vara, juez de comision conttenido en esttos auttos, hize saver y notifique dicha comision y horden como en ella se conttiene a Bartolome Gallego y Juan Romero alcaldes de este dicho lugar, quienes dijeron los obedecian y estan pronptos a exsivir para dicho efecto todos cupos rezivos y carttas de pago que tubieren de las cantidades de maravedis que tubieren pagado al enemigo de Portugal en todo el tiempo que estubieron a la obediencia de dicho enemigo que fue desde el mes del año passado de mill settecienttos y treze, que fue quando vino la suspension de armas entre los dos reynos, la qual duro asta ultimos del mes de noviembre del año passado de mill settecientos y quinze, en cuio tiempo pagaron las cantidades del tenor siguienttes: Primeramente, pago estte lugar de tributtos reales en los ocho tercios que incluyen los treynta y tres meses que ay desde marzo de settecienttos y

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treze asta que se entrego la dicha plaza dos mill seiscientos y quatro reales y a razon en cada un año de novezienttos quarentta y siette reales. De el alojamiento de el Governador en el dicho tiempo pagaron duzienttos y sesentta y quattro reales, y mas de otros tres meses que cobro a quarentta reales, cientto veyntte reales. De carnes mill trecienttos y veynte reales a razon cada mes de quarentta reales. De luzes, cientto y ocho reales. De sesentta y ocho carros de leña, que en dicho tiempo se repartieron a este lugar y a razon cada carro de siette reales y medio, quinientos y diez reales. De beynte y ocho carros de yerva, que asi mismo se repartieron a este lugar, y cada carro de beynte y arrobas y la arroba a tres reales, que ymporta dos mill y diez y seis reales. De la fajina de beynte y quatro hombres cada mes, que son en el tiempo settecientos y nobenta hombres y a razon cada uno de tres reales, ymportan dos mill trecientos y sesentta reales; y de diez carros que en el referido tiempo repartieron a este lugar para dicha fajina y a medio ducado cada uno, que hazen cinco ducados. Todas las cuales dichas cantidades satisfacieron a dicho portugues, como consta de cupos, rezivos y carttas de pago, que para su reconocimientto me fueron mostradas por los dichos alcaldes a quienes las volvi a entregar y a ellas me remitto. Y para justificacion de los alojamientos de soldados que estubieron dando forraje en las primaberas de los referidos años y de otros gastos extraordinarios de que no tienen recivos Joseph Vara, como tal juez de comision hizo parecer antte si a Jullian Romero, Juan Martinez, Francisco de el Buey y Juan Fernandez, todos vecinos de este dicho lugar, de los quales recivio juramento en forma que lo hicieron como se requiere y debajo de el prometieron segun su aquerdo y memoria declarar todos los gastos de alojamientos que en dicho tiempo hizieron en este logar los soldados que en el estubieron, cuya declarazion hazen de a forma y manera seguientte: Primeramente, en los años de settecientos y treze y catorze, vinieron a este lugar alojados dos soldados con sus caballos a dar forraje, los quales estubieron en el desde principios de mayo hastta mediado de agosto, en cuio tiempo regulan el gasto asi de soldados como de cavallos a real de a quatro cada dia en dichos dos años y en duzienttos y cattorze dias que en ambos estubieron importan tres mill ducientos y diez reales. Y en año de settecientos y quinze vinieron a este lugar otros dos soldados a dar forraje y el uno solo estubo con su cavallo unos cinquenta dias por aver passado persona a estar con su capitan para que le levantasse e MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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achase a otra parte por no poderio tolerar y solo lograron el que saliese el soldado sin cavallo y de su gasto en dichos cinquenta dias regulan duzientos y cinquenta reales a cinco cada dia. Y de el otro soldado con dos cavalos que se mantuvo en este lugar otros cientto y siete dias, regulan el gasto asi de persona como de cavallos y a razon de diez reales cada dia, ymportan mill y settenta reales. Y de el regalo que hizieron al dicho capitan por aver consiguido levantasse dicho soldado que fueron tres perniles que pesaron veyntte y quatro libras a dos reales cada una y quatro reales de a ocho en dinero ymporta cientto y ocho reales. Y asi mismo de otros muchos gastos y regalos que hizieron con diferenttes capitanes y soldados que pasavan de passo y venian a visitar unos a otros, regulan en todo el dicho tiempo en seiscienttos y sessentta reales. De los portes de cal, que con diferenttes carros lhes obligaron a portiar desde el lugar de Viñas a la dicha plaza, lo regulan en dicho tiempo en mill reales; y en el dicho año de settecientos y quinze repartieron a este lugar tres tablas, un jergon y dos mantas que todo lo regulan en ochenta y quatro reales. Y ademas de todo lo referido, pagaron otras muchas cosas en todo el dicho tiempo, de las quales no se acuerdan ni pueden dar razon fija. Cuyas partidas importan quinze mill seiscientos y quarenta y cinco reales, salvo yerro, e as lo declararon debajo de el dicho juramento, en que se afirmaron por ser publico y notorio en todo este paraje y lo firmaron los que supieron junto con dicho juez de comision y yo en fee de ello. Joseph Vara Juan Martinez Juan Fernandez Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN FIGUERUELA . — En el lugar de Figueruela de Abajo jurisdicion de la villa de Venavente a quatro dias del mes de agosto de mill settecienttos y diez y siete años, Yo el escrivano en presencia de el dicho Joseph Vara, Juez de comision contenido en esttos auttos hize saver y notifique el despacho de suso segun y como en el se contiene a Jullian Perez y Francisco Vara, alcaldes de el quienes respondieron estaban pronptos a exsivir y pressenttar los cupos, rezivos y carttas de pago que tuvieren de lo que an pagado al portugues desde el mes de marzo de settecienttos y treze asta el dia que se entrego la plaza de la Puebla y que de lo que no tuvieren recivo se puede justificar con personas que daran bastante noticia, y por dichos alcaldes me

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fueron enttregados diferentes cupos y otros papeles y por ellos constta aver pagado en este referido tiempo las cantidades siguienttes: Lo primero consta aver pagado este dicho lugar de tributos reales en los ocho tercios que ay y comprende el tiempo porque se haze esta justificazion tres mill trecienttos y nobenta reales y medio. De los alojamientos de el Governador en dicho tiempo trecientos y treyntta reales a diez reales cada mes. Las quales dichas dos partidas consta averlas satisfecho a dicho portugues en el referido tiempo por los cupos y recivos que anttemi exsivieron de que doy fee yo el escrivano a que me remito. Y para juztificazion de todo lo demas que en dicho tiempo pagaron a dicho portugues mediantte no tener rezivos algunos dicho Joseph Vara como tal juez de comision hizo parezer antte si a Francisco Alonsso, Domingo Alonsso, Miguel Fernandez, Manuel Martinez y Francisco Perez, todos vezinos de este dicho lugar personas ancianas y de inteligencia a los quales recivio juramentto en forma. Hicieronle como se requiere y prometieron segun su acuerdo y memoria declarar todos los gastos y contribuciones que tubieron y pagaron de alojamientos de los soldados que estubieron en este lugar, luzes, carne, yerva, leña, y otros repartimienttos, cuya declaracion hazen en la forma siguiente: De luzes regulan aber pagado en todo el dicho tiempo trecienttos y treyntta reales, a diez reales cada mes. De carnes regulan aver pagado mill y quinienttos reales en dicho tiempo. De quarentta carros de leña a seis reales cada uno en dicho tiempo ymportta ducienttos y quarenta reales. De veyntte y seis carros de yerva de a veyntte y quatro arrovas cada uno y la arroba a dos reales que ymporta mill ducientos y quarenta yocho reales. De la cal que dieron en todo el dicho tiempo fabricada por si con sus personas y carros para sacar la piedra para su fabrica que regulan aver sido seis meses y eu cada un dia a ocho hombres y cada uno por su trabajo tres reales con sus carros y salario que davan al soldado que estava asistiendo a la fabrica que todo lo reguian en seis mill trecienttos y ochentta reales. De fajina declaran no aver pagado cosa alguna por libertarles de ella por la dicha fabrica de la cal. Y asi mismo declaran aver tenido en este lugar un alferez un cavo y um criado con sus dos cavallos y un macho los quales estuvieron desde ocho de maio hasta el dia diez y siette de agosto que son zientto y un dias y regulan el gasto de su mantenimiento y el de los cavallos a quinze reales cada dia que hazen mill quinienttos y quinze reales. De los alojamienttos de diferenttes soldados que transitavam por este lugar a los de este paraje porque pasasen adelante y no se quedasen en el y otros muchos gasttos que hizieron en todo este tiempo lo regulan en mill MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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reales. Cuyas partidas importan quinze mill novecienttos y treynta y tres reales y medio, salvo yerro, y asilo declararon debajo del juramento que tienen fecho en que se afirmaron y ratificaron por ser publico y notorio y no lo firmaron por no saver, firmolo dicho juez de comision y en fee de ello lo firme. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN VEGA DE NUEZ . — En el lugar de Vega de Nuez, jurisdiccion de la villa de Venavente, a los dichos quatro de agosto de dicho año, yo el escrivano pressentte dicho juez de comision contenido en esttos auttos doy fee notifique dicho despacho a Juan Fernandez, Alcaide de dicho lugar, quien dixo le obedecia y estava pronpto a ejecutar la justificacion que por el se manda con personas de conocimiento mediante no aver recivos y carttas de pago por haverlos llevado dicho portugues, por cuia causa dicho juez de comision hizo parecer ante si a Pedro Alonsso vecino de dicho lugar de quien recivio juramento en forma que lo hizo como se requiere y debajo de el prometio hazer la declaracion de todo lo que dicho lugar pago a dicho portugues en el tiempo que ha referido segun su acuerdo y memória, cuia declaracion haze en la forma siguientte: Primeramente declara aver pagado este dicho lugar de tributos reales en todo el dicho tiempo ochocienttos y veynte y seis reales. De alojamientos del Governador cientto y noventa y ocho reales a seis reales cada mes. De luzes trecientos y treynta reales a diez reales cada mes. De carnes novecienttos y nobenta reales a treynta cada mes. De veyntte y quatro carros de leña, que regulan haver pagado este lugar en el dicho tiempo, ciento y quarenta y quatro reales a seis reales cada carro. De yerva trecienttos y treyntta reales de a dos doblones en cada un año. De la cal que este dicho lugar fabrico en el de Viñas por si y con sus personas y carros para sacar las piedras y llevar las zepas para hazerla, regulan los gastos con sus personas y carros, y lo que davan al soldado que estava a la asistencia de la fabrica en novecienttos y noventa reales. Y en quantto a la fajina de la plaza declaran no aber pagado cosa alguna por libertarles della por razon de la fabrica de la cal; y asi mismo declara que en el año de settecienttos y quinze y desde ocho de mayo hasta el dia diez y siette de agosto de el contribuyeron a los gastos que hizieron tres soldados que estuviron alojados en el lugar de Nuez en el dicho tiempo dando forraje y cada diez dias en el tiempo referido les pagavan veynte y

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quatro reales, que ymporta duzienttos y quarenta reales solo del gasto y mantenimiento de sus personas. Y de yerva que dieron para los cavallos regulan en noventta reales. De los alojamienttos de diferentes soldados que transitavan por el dicho lugar a la plaza de Miranda y a la de Berganza y otras partes regulan los gastos que hicieron en cien reales; y aunque pagaron otras muchas cosas en el dicho tiempo no pueden regularlo con certteza; todas las quales dichas partidas ymportan quatro mill trezienttos y treyntta y ocho reales, salvo yerro, y asi lo declaran debajo de dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron por ser asi publico y no lo firmaron por no saver. Firmolo dicho juez y firme. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN NUEZ . — En el lugar de Nuez, jurisdiccion de la villa de Venavente, a cinco dias del mes de agosto de dicho año de settecienttos y diez y siete yo el escrivano, presentte dicho Joseph Vara, como tal juez de comision, conttenido en esttos auttos notifique e hize saver dicho despacho a Amaro Fidalgo y Domingo Delombo, alcaldes de dicho lugar, quienes dijeron le obedecian y estan pronptos a declarar en orden a todas las cantidades que pagaron al portugues desde el dia primero de marzo del año pasado de settecienttos y treze que se publico la suspension de armas hasta ultimos del mes de noviembre del año de settecienttos y quinze que se entrego la plaza de la Puebla de Senabria y que por lo que mira a las cartas de pago dijeron que anttes de tomarse dicha plaza el portugues pidio todas las dichas cartas de pago y recivos, los quales le entregaron y de ellas solo les dieron una cartta de pago general, firmada de Madureira, por la qual consta haver cumplido con todos los tributos hasta el referido tercio del dicho año de settecienttos y quinze, cuia carta de pago dijeron averla entregado en la Contaduraria maior da dicha villa de Venavente, en donde al presentte para, y para mas justificacion teniendo dicho Joseph Vara como tal Juez de comision en su pressencia a Juan Calveche, vecino de este lugar, de quien tomo y recivio juramento en forma devajo del qual prometio de decir verdad de lo que supiere y siendole preguntado dijeron: aver pagado las cantidades siguienttes: Primeramente declararon aver pagado de tributos en los ocho tercios que ay en el referido tiempo y a razon de mill y quatrocienttos en cada año, importa tres mill ochocienttos y cinquenta reales. De los alojamienttos de el Governador en el dicho tiempo y a razon de ocho reales cada mes, importa duzienttos y sessentta e quatro reales. De luzes en el referido tiempo y a razon de ocho reales, importan duzienttos e sessentta e quatro reales.

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De carne en todo el dicho tiempo pagaron mill cientto y veintte y cinco reales. De treynta carros de leña a seis reales cada uno, importta cientto y ochentta reales. De treynta carros de yerva que regulan aver pagado en el referido tiempo, de veyntte y cuatro arrobas cada carro y cada arroba a dos reales y medio, ymporta mill y ochocienttos reales. De la fabrica de la cal que llevavan a la plaza por obligarles a que sacasen piedra y leña para dicha fabrica, regulan en todos los gastos de personas, carros y del jefe que asistia en dicha cantera, ymporttan tres mill y quinienttos y cinquenta reales. Y asi mismo declaran aver tenido alojados en el año de settecienttos y quinze tres soldados forrajiando en el noventta e quatro dias, cuyo gasto en cada un dia as personas como cavallos a real de a ochos, que ymportta un mill cientto y settenta reales. Y de los alojamienttos de diferentes soldados, que transittaban por estto lugar para otros en todo el referido tiempo, regulan todos los dichos gastos en quinienttos reales. Y assi mismo pagaron en dicho tiempo de la paja que se les repartio para la plaza de la Puebla toda ella en ducienttos reales. Todas las quales dichas partidas ymportan doze mill novecienttos y tres reales, salvo yerro, y asi lo declararon devajo del juramento, que llevan fecho por ser todo ello la verdad publico e nottorio. No lo firmaron por no saver. Firmolo el dicho juez y yo el escrivano en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN FULGOSSO . — En el lugar de Folgosso, jurisdiccion de la villa de Venavente, a seis dias del dicho mes y año referido yo el escrivano notifique el despacho que ba por caveza de esttes auttos presente el dicho juez Vara como tal juez de comision en ellos contenido a Bartolome Martinez y Francisco Vanilla alcaldes de el en sus personas que dijeron le obedecian y esttavan pronptos a exsivir todos los cupos, recivos y carttas de pago de lo que satisfacieron a el portugues desde el mes de marzo del año pasado de mill setecienttos y treze que fue la suspension de armas hasta ulttimos de el mes de noviembre de el año de settecienttos y quinze y que fue quando vino la paz, y aviendolos reconocido yo el escrivano zertifico que por ellos consta aver pagado este dicho lugar en el referido tiempo las cantidades siguienttes. De tributos pagaron un mill ducienttos y ochenta y siete reales en los ocho tercios que ubo en dicho tiempo.

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De alojamienttos de el Gobernador pagaron ducienttos y sesentta y quatro reales a ocho reales cada mes que son treyntta y tres meses. De luzes pagaron cientto y veynte reales. De carnes en dicho tiempo pagaron seiscienttos y sessenta reales a veyntte reales cada mes. De cinquenta y quatro carros de leña que pago este lugar en todo el dicho tiempo y a razon cada uno do cinco reales y medio que ymportan ducienttos y noventta y siete reales. De seiscienttas y quarenta y ocho arrobas de yerva que pagaron en el dicho tiempo en la Puebla a razon cada una de seis reales ymportan mill novecienttos y quatro reales, cuyas cantidades pagaron en dicho tiempo como consta de los cupos y carttas de pago que mi el escrivano exsivieron a las quales me remito y bolvi a entregar a dichos alcaldes. Y para justificacion de los alojamienttos de soldados que estubieron en este lugar en las primaberas dando verde de los años de treze, cattorze y quinze y otros gastos extraordinarios, el dicho juez de comision hizo parezer antte si a Andres Ranilla, Miguel de la Debessa y Pasqual Garcia vezinos de este dicho lugar de los quales recivio juramentto en forma que lo hizieron como se requiere y devajo del prometieron declarar con toda distincion los dichos gasttos de alojamienttos y otros de que no tienen recivos y aviendo echo recuerdo y memoria de todo hazen dicha declaracion en la forma siguientte: Lo primero declaran aver ydo a la fajina trecientos y sessenta hombres en el dicho tiempo a raçon cada uno cada dia a tres reales que ymporta un mill y ochenta reales. Y asi mismo declaran que en la primabera del año de settecienttos y treze vino a estte lugar un soldado con su cavallo a dar forraje el qual estubo en este lugar desde mediado de junio hastta mediado de Agostto de dicho ano que son dos meses cuyo gastto que en ellos hizo asi perssona como cavallo a siete reales y medio cada dia que ymportan quatrocienttos y cinquentta reales y ademas de ello pagaron al capitan seis pesos porque no les echase soldado que hazen noventta reales. Y en el año de settecienttos y quinze vino a este dicho lugar otro soldado con su cavallo a dar forraje el qual estuvo desde ocho de mayo hasta el dia diez y siette de agostto que son cientto y um dias cuyo gasto asi de persona como el del cavallo regulan a otros siete reales y medio que ymportan setecienttos y cinquentta y siete reales y medio. Y ademas de todo lo suso dicho pagaron en este dicho lugar otros muchos gasttos a soldados que transittaron por el de los quales no se acuerdan las cantidades que fueron ni lo pueden decir con zertteza y las que ban declaradas ymporttan seis mill nobecienttos y quarentta y nuebe reales y medio, salvo yerro, y asi lo declararon debajo del dicho juramento en que MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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se afirmaron por ser publico y nottorio. No lo firmaron por no saver. Firmolo el dicho juez e yo el escrivano en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN EL PEDROSSO . — En el lugar del Pedrosso, jurisdiccion de la villa de Venavente, a seis dias de el mes de agostto de mill settecienttos y diez y siette años, yo el escribano, presentte el dicho juez Joseph Vara como tal juez de comision notifique el despacho de suso segun y como en el se contiene a Juan Ranilla alcalde de este dicho lugar en so persona que dijo lo ara y esta presto de cumplir con su tenor y forma y que no exsive las cartas de pago cupos y demas instrumentos para saver lo que pagaron al portugues desde el mes de marzo de el año pasado de mill settecienttos y treze asta el ultimo del mes de noviembre del año de mill setecienttos y quinze, a caussa de que antes que la dicha plaza de la Puebla se tomase se las pidieron todas con mucho rigor y se las llevaron y solo les dieron una carta de pago general sin expecificar cantidad en que decia aver cumplido el lugar de el Pedrosso con todos los tributos y demas ymposiciones asta la entrega de la dicha plaza por lo qual el dicho juez de comision para justificacion de todo ello hizo parezer antte si a Francisco Matellanes y Pedro Matellanes vecinos de este dicho lugar de quienes recivio juramento en forma, devajo de el qual prometieron segun su acuerdo y memoria declarar todos los tributos, gasttos, alojamienttos y demas repartimienttos que en el referido tiempo pagaron a dicho portugues cuia declaracion hazen en la forma siguientte: De tributtos pagaron settecienttos y cinquenta reales en los ocho tercios a cien reales cada uno. De alojamientos de el Governador zientto y noventa y ocho reales a seis reales cada mes. De luzes veyntte y siette reales en todo el dicho tiempo. De quarentta y cinco carros de leña a razon cada uno de medio ducado, ymportta duzienttos y quarentta y siette reales y medio. De veyntte y siette carros de yerva, que en dicho tiempo les pedieren y cada carro de veyntte y quatro arrobas y cada arroba a tres reales, ymportan mill novecienttos y quarentta y quatro reales. De carnes seiscienttos y treyntta reales. De fajina mil quatrocienttos y ochenta y cinco, de quatrocienttos y noventta e cinco hombres que en dicho tiempo fueran a ella e a razon cada hombre de tres reales que ymporta dicha cantidad. Y asi mismo declaran que en el año de settecienttos y treze vino un soldado furriel a el lugar de Sandin a dar forraje que estaria en el dos meses,

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poco mas o menos, y a este lugar le obligo a contribuir segun la vezindad con el mantenimientto de persona y cavallo y regulan averle tocado en dicho tiempo sessentta reales. Y en el año de settecienttos y quinze estubo en este lugar otro soldado portugues con su cavallo a dar forraje, en qual estubo desde ocho de maio hasta el dia honze de agosto, que son nobentta y quatro dias, cuio gasto de persona y cavallo regulan a siette reales y medio a este lugar solo le toco pagar treyntta y ocho dias, por estar agregados a el los lugares de Santta Cruz y Linarejos por la corta vezindad de ellos que el que mas vecinoe tiene no llega a diez y en este tiempo ymporta a estte dicho lugar diez y nuebe pesos, que son duzientos y ochentta y cinco reales. Y asi mismo del gasto que tubieron con todos los soldados que transitavan por este lugar a las plazas de Alcañizas, Miranda y otros lugares del baston por ser vereda para todos ellos lo regulan todo en mill reales. Todas las quales dichas cantidades pagaron a el dicho enemigo portugues en todo el referido tiempo, como es publico y notorio, que ymportan seis mill seiscienttos y veynte y seis reales y medio, salvo yerro, y asi lo declararon devajo de dicho juramento. No lo firmaron por no saver. Firmolo dicho juez y firmé. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN LINAREJOS . — En el lugar de Linarejos, a siete dias del dicho mes y año dichos, yo el escrivano estando presentte dicho juez de comision hize saver dicho despacho que va por caveza a Domingo Crespo alcalde de el en su persona que dijo le obedecia y estava pronpto a hazer la justificacion de lo que dicho lugar pago a dicho portugues en el tiempo que espresan estas delijencias por declaracion de personas por no tener los recivos de pago por averlos pedido dicho portugues anttes de la entrega de la plaza y solo averles dado una cartta de pago general sin expecificar cantidade, en que decia aver cumplido con todos los tributos y demas ymposiciones por lo qual dicho juez de comision rezivio juramentto de el dicho Domingo Crespo y Diego de la Debessa, vecinos de dicho lugar, que lo hizieron como se requiere y debajo de el prometieron segun su aquerdo y memoria declarar todos los tributos gavelas y demas ymposiciones que pagaron al dicho portugues en el dicho tiempo con toda expecificacion, cuia declaracion hazen en la forma seguientte: Lo primero declaran aver pagado de tributtos reales en el referido tiempo trezienttos y quarentta y tres reales y veyntte e cinco maravedis. De los alojamienttos del Governador zientto y sessenta y cinco reales, a cinco reales cada mes.

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165 TOMO XI

De luzes veyntte y sete reales. De carnes trezienttos y treyntta reales, a diez cada mes. De veyntte y seis carros de leña, que en dicho tiempo pagaron a razon de seis reales cada uno, importtan zientto y cinquentta y seis reales. De catorze carros de yerba que asi mismo les repartieron y pagaron a razon cada carro de veynte y quatro arrobas y cada una a tres reales, ymportan mill y ocho reales. De la fajina que hizieron y pagaron quinienttos y ochentta y quatro reales, a razon cada mes de veyntte y quatro hombres y cada uno a tres reales aunque no tiene este dicho lugar mas que tres vecinos y los demas les costava buscar obreros o satisfacerlo en dinero. De honze estacas que en dicho tiempo repartieron y cada una a tres reales, ymportan treyntta y tres reales. Y en el año de settecienttos y treze les llevo un capitan que estava alojado dando forraje en Villar de Ciervos treyntta reales por la compostura y ajuste de que no les repartiese soldado. Y del gasto de otro soldado que estubo dando forraje en el lugar de el Pedrosso la primavera de el año de settecienttos y quinze, al qual concurrio este dicho lugar junto con el de Santa Cuz y le toco diez y ocho dias de noventta y quatro que estuvo en el, y del mantenimientto asi del soldado como del cavallo le regulan a siete reales y medio cada dia, que ymportan zientto y treyntta y cinco reales. Todas las quales dichas cantidades pagaron a dicho portugues en el referido tiempo como es publico y notorio, que ymportan dos mill ochocienttos y onze reales y veyntte y cinco maravedis, salvo yerro, y assi lo declararon devajo de el dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron. No lo firmaron por no saver. Firmolo dicho juez e yo el escrivano en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Anttonio Ignacio Anttonio de Palazios (sic).

OTRA EN SANTA CRUZ . — En el lugar de Santa Cruz de los Cuerragos, a siette de dicho mes y año dichos, yo el escrivano pressentte dicho juez de comision notifique el dicho despacho a Juan Crespo alcalde de dicho lugar en su persona que dijo lo oia y obedecia y que no podia pressenttar los recivos y carttas de pago algunas para justificacion de lo que menciona dicha comision a causa de haverselos llevado el portugues anttes que se entregasse la plaza de la Puebla y solo les dieron una carta de pago general sin expecificar cantidad alguna la qual para en poder de el Secretario de ayuntamiento de la villa de Venabente, por cuja causa el dicha juez de comision para la dicha justificacion recivio juramento de el dicho alcalde y

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TOMO XI

de Juan Martinez, vezino de dicho lugar, que lo hizieron como se requiere y devajo de el prometieron segun su aquerdo y memoria declarar todos los tributos gavelas alojamienttos y demas imposiciones que pagaron al dicho portugues en el dicho tiempo con toda claridad y distincion, cuia declarazion hazen en la forma seguientte: Lo primero declaran aver pagado de tributos reales en el referido tiempo quinienttos y treyntta y dos reales y medio. De los alojamienttos de el Governador zientto y noventta y ocho reales a seis reales cada mes, de los treyntta y tres meses. De las luzes para los quarteles de los cuerpos de guardia de dicha plaza quarenta y cinco reales. De quarentta y cinco carros de leña que en el referido tiempo le repartieron, duzienttos y setenta reales. De veyntte y siete carros de yerva y cada una a veyntte y quatro arrobas cada uno, y la arroba a tres reales, ymportan mill novecienttos y noventa y quatro reales. De quatrocienttos y noventa y cinco hombres que en el dicho tiempo trabajaron en la fajina de la dicha plaza y a razon de tres reales cada ano, ymportan mill quatrocienttos y ochentta e cinco reales. Y assi mismo declaran aver pagado a un capitan portugues, que estava dando forraje en Villar de Zierbos, cinco reales de a ocho por ajuste, porque no les echase soldados. Y en el año de settecienttos y quinze estuvo un soldado con su cavallo en el lugar de el Pedrosso dando forraje desde el dia ocho de maio hasta el dia honze de agosto, que son noventa y quatro dias, cuio gasto asi de persona como del cavallo regulan en siete reales y medio cada dia, y a este lugar le toco pagar treyntta y ocho dias por estar agregados para el costto que hiziese el dicho lugar del Pedrosso y el de Linarejos, por ser todos tres de muy corta vezindad. Y en el referido tiempo importta el gasto que tuvo en este dicho lugar diez y nuebe pesos, que son duzienttos y ochentta y cinco reales. Y del gasto que tubieron con diferentes soldados que transitavan por este dicho lugar a la plaza de Verganza y otras partes, regulan todos los dichos gastos en quatrocienttos reales. Todas las quales dichas cantidades pagaron en el referido tiempo a el portugues, como asi es publico y notorio, las quales importan cinco mill ducientos y treyntta y quatro reales y medio, salvo yerro, y asi lo declararon devajo del dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron. No lo firmaron por no saber. Firmolo dicho juez e yo el secretario en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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167 TOMO XI

OTRA EM MANZANAL. — En el lugar de Manzanal de Arriva, jurisdiccion de la villa de Venaventte, a ocho dias del mes de agostto de mil settecientos diez y siete años yo el escrivano estando presentte el dicho Joseph Vara juez de comision hize saver el despacho que va por caveza de esttos auttos a Juan Chamorro y Domingo Ferrero alcaldes de estte dicho lugar en sus personas quienes aviendolo oydo y entendido dijeron la obedezen con todo respecto y estan pronptos a exsivir todos los cupos recivos y carttas de pago que tuvieren de lo que pagaron a el portugues desde el mes de marzo de el año pasado de settecienttos y treze hasta el dia en que se entrego la plaza de la Puebla al dominio de España exzeptto las cartas de pago de los tributos que estas se las pidieron por la villa de Venavente donde al presentte las tienen, pero que con algun cupo que se encontrara de lo que dicho portugues repartio en cada un año a estte dicho lugar se podra justificar todo lo que le pagaron en cada un año y en quantto a fajinas, alojamienttos y otros repartimientos extraordinarios no tienen rezivos ni cartta de pago algunas por no haverselas dado el portugues y esto se podra justificar por declarazion de hombres por aver notizia cierta de los que fueron y ser publico y nottorio asi en este dicho lugar como en los demas deste contorno. Y aviendose exsivido a mi el secretario y pressentte el dicho juez de comision todos los cupos y carttas de pago, zertifico consta por ellas aversele repartido a este dicho lugar y pagado en el referido tiempo las cantidades siguienttes: Primeiramente pagaron de tributto reales en el referido tiempo, dos mill trecienttos y ochenta y quatro reales. De los alojamienttos de el Governador quattrocienttos y sesenta y dos reales a razon cada uno de catorze reales. De luzes ducienttos y nobenta y siete reales a razon cada mes de nuebe reales. De carnes dos mill zientto y sesentta y ocho reales a razon cada mes de sesentta y seis. De zientto y quarentta y seis carros de leña que en el referido tiempo repartieron a este dicho lugar y a razon cada carro de seis reales (no dice el total). De treyntta y seis carros de yerva que asi mismo le repartieron en el referido tiempo y a razon cada carro de veynte y quatro arrobas y cada arroba a tres reales que ymporta tres mil quinienttos y veyntte y dos reales en cuia cantidad entran quarentta reales que asi mismo se les repartio de yerva ademas de los carros referidos, Todas las quales dichas partidas consta por cupos recivos y carttas de pago que anttemi el escrivano exsivieron los dichos alcaldes aver pagado y satisfecho este dicho lugar en el referido tempo como consta a que me remitto.

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TOMO XI

Exzeptto la partida de los tributtos reales que de esta no exsivieron carta de pago alguna por tenerlas como lleva dicho en la dicha villa de Venavente y por declarazion que hizieron Domingo Palacio Y Domingo Roman vecinos de este dicho lugar devajo de juramento que les fue tomado por dicho Juez pareze averies satisfecho a dicho enemigo. Y para justificacion de los alojamienttos de soldados y otras imposiciones que este dicho lugar pago en el tiempo que ba referido mediante no aver cartta de pago alguna por donde constte que se justifique, el dicho Juez de comision recibio juramento de los suso dichos que lo hizieron como se requiere y devajo de el prometieron segun su acuerdo y memoria declarar con toda distincion los gasttos que hicieron los soldados portugueses que en estte lugar estubieron alojados para dar forraje en las tres primaberas de los años de setecienttos y treze, cattorze y quinze la qual dicha declaracion hazen en la forma siguientte: Primeiramente declaran que en el año de settecienttos y treze estubo alojado en este dicho lugar un soldado con su cavallo para dar forraje, en qual estubo desde el dia ocho de maio hasta el dia de Nuestra Señora de agosto que son cientto y un dias, y el gasto que en dicho tempo hizo asi con su persona como con el cavallo le regulan a honze reales cada dia. Y en el año de settecienttos y catorze concurrio este dicho lugar a el gasto y mantenimiento de un soldado y dos cavallos que vino a dar forraje a el lugar de Sandin que dista de este poco mas de media legua el qual estubo el mismo tiempo que el antezedentte y regulan los dias que toco a este lugar por su metad seiscienttos y seis reales. Y el año de setecienttos y quinze vinieron a este dicho lugar dos soldados con sus cavallos a dar forraje, los quales estubieron otro tanto tiempo como los antecedentes y regulan el gasto que hizieron as con personas como con cavallos a veyntte reales cada dia, que ymporta dos mill y veyntte reales. Y de las fajinas que hizieron en el dicho tiempo duzienttos e ochentta y ocho hombres a dos reales cada uno y quarentta y ocho carros a nuebe reales cada uno, que importa todo mill y ocho reales. De diferentes gastos y alojamientos de los soldados y jefes que transitavan por este lugar y ajustes que con ellos hician porque pasasen a otras partes, lo regulan en todo el referido tiempo en tres mill reales. Todas las quales dichas partidas ymportan diez y siete mill quatrocienttos y sesentta y quatro reales, salvo yerro, y asilo declaran devajo de dicho juramento en que se afirmaron y ratificaron y no lo firmaron por no saber. Firmolo el dicho Juez de comision e yo en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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169 TOMO XI

OTRA EN SANDIN . — En el lugar de Sandin, jurisdiccion de la villa de Venavente, a ocho dias del mes de agosto de mil settecienttos y diez y ocho años yo el secretario estando presente el dicho juez de comision notifique e hize saver el dicho despacho contenido en esttos autos a Francisco Jelado, alcalde de este dicho lugar, en su persona que dijo lo oia y estave presto de cumplir con su tenor nombrando personas para la declaracion y justificacion de lo que pagaron a el enemigo portugues desde el mes de marzo de el año pasado de settecienttos y treze hasta el dia que se entrego la plaza de la Puebla a causa de no tener este dicho lugar cartas de pago ni cupos algunos por haverselos pedido el dicho portugues antes de la entrega de dicha plaza quien se quedo con ellos y solo les dio una carta de pago general sin expecificar cantidad, y los que toca a tributos reales tenerlos en la villa de Venavente en la secretaria de ayuntamiento por cuia causa dicho juez de comision para justificacion de todo lo referido tomo y rezibio juramento de Julian de Castro y Juan Perez, vecinos de este dicho lugar, personas de inteligencia los quales lo hizieron bien y fielmente y devajo de el prometieron declarar con toda distincion todos los tributos e demas ymposiciones que este dicho lugar pago a dicho portugues en el referido tiempo, cuia declaracion hazen en la forma siguiente: Primeramente declaran aver pagado de tributos en el referido tiempo dos mil quatrocienttos y quarentta y ocho reales y medio. De los alojamientos de el Governador ducienttos y sessenta e quatro reales a ocho reales cada mes. De luzes trezienttos y nobentta y seis reales, a doze reales cada mes. De carnes dos mill ciento y settentta y ocho reales, a sessentta y seis cada mes. De noventa y seis carros de leña, que en dicho tiempo le repartieron, quinienttos y settenta y seis reales, a seis cada carro. De quarentta y dos carros de yerva, cada uno a veynte e quatro arrobas y cada arroba a tres reales, tres mill y veynte y quatro. Y asi mismo declaran aver estado alojado en este dicho lugar para dar forraje, un furriel con su criado y dos cavallos en la primavera del año de setecienttos y treze y desde el dia ocho de maio hasta diez y siete de agosto de el, que son zientto y un dias, cuio gasto asi de persona como de cavallos le regulan a quinze reales cada dia, que ymporta mill quinienttos y quinze reales; y en el año de setecienttos y catorce bino asi mismo a este dicho lugar a dar forraje otro soldado con dos cavallos, que estubo el mismo tiempo, a cuio gasto por metad concurrio el lugar de Manzanal, y regulan cada dia a doze reales del gasto de soldado y cavallo que ymporta dicha metad seiscienttos y seis reales. Y en el año de setecienttos y quinze, vino otro soldado con su cavallo para el mismo effecto el qual estuvo el tiempo que los anteriores, y regulan el gasto de persona y cavallo a honze reales cada dia, que ymporta mill zientto y honze reales.

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TOMO XI

Y del gasto que hizieron diferentes capitanes y otros jefes y soldados que transitavan por este lugar y ajustes que con ellos hacian porque pasasen a otros, lo regulan en el dicho tiempo en tres mill reales. Y asi mismo declararon que de las fajinas que hicieron en dicho tiempo trezienttos y doze hombres a dos reales cada uno, y settentta y dos carros a seis reales, ymporta todo mill y zinquentta y seis reales. Todas las cuales dichas partidas, segun ban declaradas, ymportan diez y seis mil ziento y settentta y quatro reales y medio, salvo yerro, y asi lo declararon por ser asi publico en este lugar, no lo firmaron por no saver. Firmolo dicho juez y firme. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN ZERNADILLA. — En el lugar de Zernadilla y Varrio de la villa de Venavente, a ocho dias del mes de agosto de mill settecienttos y diez y siete años, yo el escrivano estando pressente el dicho Joseph Vara, juez de comision en estos autos, notifique el dicho despacho que va por caveza de ellos a Juan de San Roman y Diego de San Roman, alcaldes de este dicho lugar y varrio de la jurisdiccion de Venavente, quienes haviendolo entendido dijeron le obedezen con todo respecto y estan pronptos a exsivir todos los cupos y cartas de pago que tubieren de lo que pagaron a el portugues en el tiempo que estos autos expressan, excepto los de los tributos, porque estos se los pidio dicho portugues antes de la entrega de la plaza de la Puebla, quien se los llevo y solo les dio una carta de pago general sin expecificar cantidad, y en quanto a los alojamientos de soldados y otras imposiciones que les pagaron de que no tienen recivos, se podra justificar por declarazion de personas que tienen vastante noticia de ello. Y aviendose por dicho alcalde exsivido todos los cupos y cartas de pago referidas y registrandose muy por menor y cada effecto de por si, certifico yo el escrivano consta por ellos aver pagado a dicho portugues este dicho lugar y varrio las cantidades siguienttes: Lo primero consta aver pagado de carnes en el dicho tiempo mill trecienttos y veynte reales, a quarentta reales cada mes. De luzes ducienttos y seis reales. De alojamientos de el Governador quatrocienttos y sessentta y dos reales, a catorze cada mes. De settentta y dos carros de leña y a seis reales cada uno, quatrocienttos y treyntta y dos reales. De mill quatrocienttas y quarentta arrobas de yerva, que en dicho tiempo les repartieron y a dos reales y medio cada arroba, ymportan tres mill y quinienttos reales.

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171 TOMO XI

De el porte de veynte carros de cal, que en el referido tiempo condujeron a dicha plaza de la Puebla, a treynta y tres reales cada carro, ymportan seiscienttos e sessentta reales. Todas las quales dichas partidas, segun van mencionadas, consta averles repartido y pagado a este dicho lugar, como pareze de los cupos y cartas de pago que ante mi exsivieron, que volvi a entregar a dichos alcaldes a que me remitto. Y para justificacion de los alojamientos, tributos, fajinas y otras imposiciones que pagaron a dicho portugues en dicho tiempo, dicho juez de comision recivio juramento en forma de Joseph Francisco de Herrera y Domingo Francisco de Herrera, vecinos de este dicho lugar y Varrio, los quales lo hizieron bien y fielmente y debajo de el prometieron declarar con toda distincion todos los tributos, alojamientos, faxinas y otras imposiciones que a dicho portugues pagaron de que no tienen recivos, cuia declaracion hacen en esta manera. Primeramente declaran aver pago de tributos en dicho tiempo dos mill quinienttus y treyntta reales y veynte y tres maravedis. De las fajinas que en el referido tiempo hicieron en la referida plaza e cada mes a sessentta hombres y cada uno a tres reales y de zientto y veynte carros para ellas a seis reales cada uno, que todo ymporta quatro mill quinienttos y sessentta reales. De gallinas guebos truchas que repartieron a este dicho Varrio, trezientos reales. De los pases que les dava el Governador, quando salian a alguna parte qualquiera vecino, otros trezienttos reales. Y asi mismo declararon aver venido en las tres primaveras de los años, de settecienttos y treze, catorze y quinze, a dar forraje a este dicho lugar y al Varrio de la jurisdiccion de la Puebla y en cada una de ellas un cabo e un soldado con sus dos cavallos, los quales estuvieron en cada uno de dichos tres años, a cientto y un dias desde ocho de maio hasta diez y siete de agosto, cuio gasto asi de soldados ccmo de cavallos regulan cada dia a quinze reales, que importa las dos partes que toco pagar a este Varrio de Zernadilla tres mill y treynta reales. Y asi mismo regulan los gastos de diferentes soldados que en dicho tiempo transitaron por este dicho lugar en tres mill y quinienttos reales. Todas las quales dichas partidas importan veynte mil ochocienttos reales y veynte y tres maravedis, salvo yerro, y asi o declararon devajo del dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron por ser publico y notorio y lo firmaron junto con dicho juez de comision, y en fee de ello lo firmo. Joseph Vara Joseph Francisco de Herrera Domingo Francisco de Herrera Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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TOMO XI

OTRA EN LA MILLA . — En el lugar de la Milla, jurisdiccion de la villa de Venavente e nuebe dias del mes de agosto de mill setecienttos y diez y siete años, yo el escrivano presente dicho juez de comision notifique e hize saver el despacho que va por caveza de estos autos a Anttonio del Ganado y Domingo de Cubo (?) alcaldes de el en sus personas que dijeron le obedecian y que en quanto a exsivir los recivos y cartas de lo pago que pagaron al portugues desde el mes de marzo del año de treze hasta que se entrego la plaza de la Puebla no podian ejecutarlo a causa de averselos pedido y llevado el enemigo antes de la entrega de dicha plaza y solo averles dado uma carta de pago general sin expecificar cantidad alguna, la qual junto con la de los tributos paravan en la Secretaria de ajuntamiento de la villa de Venavente, por cuia causa el dicho juez de comision para justificacion de todo lo referido recivio juramento de Miguel de la Fuentte y Francisco de Uña, vezinos de dicho lugar, que lo hizieron conforme a derecho y devajo de el prometieron segun su acuerdo y memoria declarar todos los tributos gavelas y demas imposiciones que a dicho portugues pagaron en el dicho tiempo con toda claridad y distincion, cuia declaracion hazen en esta forma: Primeramente declaran aver pagado de tributos reales en el tiempo referido mill y quatrocienttos reales. De los alojamientos de el Governador quatrocienttos e sessenta y dos reales a catorze cada mes. De luzes ziento y veynte reales, a diez y seis cada tercio. De carne mill duzienttos y ochentta reales, a quarentta cada mes. De sessenta y nuebe carros de leña, que en dicho tiempo repartieron a este dicho lugar y pagaron a razon de seis reales cada uno, quatrocienttos y catorze reales. De quarentta carros de yerva y cada carro de veynte y quatro arrobas y cada una a tres reales, importan dos mill ochocienttos y ochenta reales. De pan en grano, que dicho portugues les repartio, dos mill reales. Y en quanto a alojamientos de soldados, declaran que en el año de settecienttos y treze tubieron alojados para dar forraje dos soldados con sus dos cavallos, los quales estubieron desde el dia ocho de maio hasta el dia diez y siete de agosto, que son ziento y un dias y regulan el gasto asi de las personas como de los cavallos a quinze reales cada dia, que en dicho tiempo importa mill quinienttos y quinze reales. Y el año de settecienttos y catorze tubieran en este dicho lugar otro soldado con su cavallo alojado para dar forraje el tiempo que el antecedente y regulan el gasto de su persona como del cavallo a diez reales cada dia, importan mill y diez reales. Y en el año de settecienttos y quinze tubieron en este dicho lugar otro soldado con tres cavallos, que dos eran de un capitan qne estava alojado en el lugar de Pozuelo de Vidriales, el qual estubo dando forraje el tiempo que los

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173 TOMO XI

dos antecedentes y regulan el gasto asi de su persona como el de los tres cavallos a treze reales cada dia, que importa trezienttos y treze reales. Y ademas de todo lo referido, regulan gastaria este dicho lugar con diferentes soldados que en el tiempo referido transitaron por este dicho lugar a otros, asi cabos principales como soldados rassos, de refrescos, alojamientos, ajustes que con ellos hacian porque no parassen, tres mill reales. Todas las quales dichas cantidades en la conformidad que va referido, declaran aver pagado a dicho portugues. Que inporta mill trezienttos y noventa y quatro reales, salvo yerro, y asi lo declararon devajo del juramento que tienen echo en que se afirmaron y ratificaron, por ser publico y notorio, y no lo firmaron por no saver. Firmolo dicho juez y firmé. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN JUNQUERA . — En la villa de Junquera, comendero de la villa de Venavente, dicho dia nuebe de dicho mes y año yo el secretario presente el dicho juez de comision notifique e hize saber dicho despacho a Pedro Gomez, merino y justicia hordinaria en ellas y aviendola entendido dijo la obedece con todo respeto y que no puede exsivir recivos ni cartas de pago algunas a qausa de averselos pedido el portugues antes do la entrega de la plaza de la Puebla y averlos llevado y no averles dado mas de una carta general sin expecificar cantidad, la qual tenia en la villa de Venavente en la secretaria de ayuntamiento de ella, por cuia causa dicho juez de comision para la justificazion que se previene en el despacho que va por caveza de estos autos tomo y recivio juramento de Juan Alvarez y Pedro Prietto, vecinos de dicha villa, quienes lo hizieron como se requiere y devajo de el prometieron declarar con toda distincion lo que pagaron asi de tributos, gavelas, alojamientos y demas ymposiciones a dicho portugues en el tiempo referido cuia declaracion hazen en la forma seguientte: Lo primero declaran aver pagado de tributos reales dos mill settecienttos y cinquentta reales. De alojamientos de el Governador trezienttos y sessenta y tres reales, a doze reales cada mes. De carnes novecientos y sessenta reales, a treynta cada mes. De luzes zientto y quarenta y quatro reales. De zinquentta y quatro carros de leña, que en dicho tiempo le repartieron y pagaron a razon de seis reales cada uno, importa trezienttos y ochentta y quatro reales. De treynta y dos carros de yerva y cada uno a veynte y quatro arrobas y cada una a tres reales, importa dos mill trezienttos y quatro.

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TOMO XI

De pan en grano que se le repartio a esta villa, que no pagaran, dos mill reales. De duzienttos y diez y seis hombres, que en dicho tiempo fueron a las fajinas y a nuebe reales cada uno, importa mill novecienttos y quarentta y quatro reales. De veynte e quatro carros que asi mismo fueron a la fajina y a seis reales cada uno, hazen zientto y quarentta y quatro. De doze carros que le repartieron para conducir cal a la dicha plaza de la Puebla, desde los lugares de Viñas y Barge y a razon cada uno de quarentta y quatro reales, que asi los ajustavan, importa quinienttos y veynte y ocho reales. Y asi mismo declaran aver tenido alojados en esta dicha villa tres soldados con sus cavallos para dar forraje en los tres años de settecienttos y treze, catorze y quinze, los quales estubieron en cada uno desde el dia ocho de maio hasta diez y siete de agosto, cuio gasto asi de soldado como de cavallo, regulan cada dia a diez reales, que en los dichos tres años importa tres mill y treinta reales. Y ademas de todo lo referido declaran gastaria esta dicha villa con diferentes capitanes y otros oficiales y soldados portugueses, que transitaron por ella a otras partes y lugares del Baston por estar en vereda real, tres mill reales en refrescos, alojamientos y ajustes, que hacian porque pasassen a otros lugares, todas las quales dichas partidas segun ban referidas declaran aver satisfecho a dicho portugues en el tiempo mencionado, que importan diez y siete mill quinientos y zincuenta y un reales, salvo yerro, y asi lo declararon devajo de dicho juramento en que se afirmaron por ser publico y notorio. No lo firmaron por no saver. Firmolo dicho juez y firmé. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN VEGA DE TTERA. — En el lugar de Vega de Tera, jurisdiccion de la villa de Venavente, a diez dias del dicho mes y año referido, yo el escrivano presente dicho juez de comision hize saver dicho despacho a Francisco Mateos y Anttonio Mateos el Mozo alcaldes de el quienes haviendola entendido dijeron le obedecen con todo respecto devido y estan presttos de exsivir todos los recivos cupos y cartas de pago que tubieren de lo que pagaron a el portugues en el tiempo que expressa la comision que va por caveza aunque mucho dellos se les han perdido y otros haverlos pedido el dicho portugues antes de la entrega de la plaza ae la Puebla, quien se quedo con ellos, y los que tocan a tributos tenerlos en la villa de Venavente en poder de el secretario de ayuntamiento de ella, y aviendoseme exsivido por dichos alcaldes diferentes

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175 TOMO XI

cupos y cartas de pago de lo que satisfacieron desde el mes de março del año passado de settecienttos y treze hasta que se entrego dicha plaza, y registradolos muy por menor y cada afecto de por si, certifico y doy fee yo el escrivano consta por ellos averseles repartido a este dicho lugar y aver pagado a dicho portugues las cantidades seguienttes: Primeramente consta aver pagado de alojamientos de el Governador quatrocienttos y noventta y cinco reales, a quinze cada mes. De luzes zientto y veynte y ocho reales. De carne dos mill setecienttos y cinquentta y dos reales, a ochentta y seis cada mes. De zientto y catorze carros de leña a seis reales cada uno, que les fueron repartidos en dicho tiempo, seiscienttos y ochentta y quatro reales. De sessentta carros de yerva a veynte y quatro arrobas cada uno y cada arroba a tres reales, importa quatro mil trezienttos y veynte reales. Todas las quales dichas partidas consta averlas satisfecho en virtud de dichos cupos y cartas de pago que volvi a entregar a dichos alcaldes a que me remito. Y para justificacion de los tributos, alojamientos, faginas y otras imposiciones de que no tienen recivos como lleban dicho, el dicho juez de comision hizo parecer antesi a Anttonio Matteos el Viejo y Juan Castaño, vecinos de este dicho lugar, de los quales recivio juramento que lo hizieron como se requiere y debajo de el prometieron declarar con toda distincion lo que pagaron de tributos, cal, faginas, alojamientos y otras imposiciones, haciendo memoria de todo ello, cuja declaracion hazen en la forma seguientte: Primeramente declaran aver pagado de tributos dos mill novecienttos y sessenta reales. De trezienttos y ochentta y quatro hombres, que en dicho tiempo repartieron para las faginas y a nuebe reales cada uno, y de veynte y quatro carros a diez y ocho reales, que todo lo pagaron a dinero, importa mill ochocienttos y ochentta y ocho reales. De veynte y quatro carros de cal que les repartieron por razon de su conducion desde los lugares de Viñas y Varge a la dicha plaza de Ia Puebla, y cada carro a tres ducados, que asi los pagaron, importan settecienttos y noventta y dos reales. Y asi mismo declaran aver tenido alojados en el año de setecienttos y treze un soldado con su cavallo desde el dia ocho de maio hasta diez y siete de agosto, cuio gasto asi de persona como de cavallo, regulan cada dia a diez reales, que hazen mill y diez. Y en el año de setecienttos y catorze tubieron otro soldado con su cavallo dando forraje el mismo tiempo, y el gasto regulan en lo mismo que en antecedente. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Y en el año de setecienttos y quinze tubieron un cavo y un soldado con sus cavallos para el efecto y el mismo tiempo que los antecedentes, cuio gasto, asi de personas como de cavallos, regulan cada dia en veynte reales, que hazen dos mill y veynte. Y ademas de lo referido, regulan gastaria este dicho lugar en todo el dicho tiempo con diferentes oficiales y soldados que transitavan por el, por ser bereda para los demas del Bastton, refrescos, alojamientos y ajustes que con ellos hacian, porque no se parasen y pasaran a otras partes, tres mill reales. Todas las quales dichas cantidades declaran aver satisfecho a dicho portugues, que importan veynte y tres mill y zinquenta e nueve reales, salvo yerro, y asi lo declararon devajo de el dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron por ser as publico y notorio, y lo firmo el que supo junto con dicho juez de comision y yo en fee de ello. Joseph Vara Juan Castaño Gullon Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN CALZADA . — En el lugar de Calzada jurisdiccion de la villa de Venavente a diez dias del dicho mes y año dicho, yo el escrivano, pressentte dicho Juez de Comision hize saver y notifique el despacho que va por caveza de esttos auttos a Pedro Guilon y Francisco Zentteno alcaldes de el en sus personas que dijeron le obedecian y esttan pronpttos a exsivir todos los recivos, cupos y carttas de pago que tuvieren de lo que pagaron al portugues en el tiempo que expresan esttos auttos sin embargo de que muchos de ellos se los pidio dicho portugues, quien los llevo sin haverles dados mas que una cartta general de pago sin expression de cantidad. Y de los que tocan a tributtos reales tenerios en la villa de Venavente en poder de el secretario de ayuntamiento de ella. Y aviendose exsivido por dichos alcaldes diferenttes cupos y carttas de pago de lo que satisfacieron desde el mes de marzo de el año pasado de settezienttos y treze hasta que se entrego la dicha plaza y rejistradolo muy por menor y cada uno de por si, zertifico y doy fee yo dicho escrivano consta por ellos aversele repartido y pagado este dicho lugar al dicho portugues las cantidades siguienttes: Primeramentte de alojamienttos del Governador quatrocienttos y ochentta reales a quinze cada mes. De luzes zientto y beyntte reales. De carnes dos mill quatrozienttos y noventta y seis reales a sesentta y ocho cada mes. De zientto y dos carros de leña a seis reales y cuartillo cada uno, trescienttos y treyntta y siete reales.

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De mill quatrocienttos y quarentta y tres arrobas de yerva a tres reales la arrova quattro mill trecienttos y veynte y nuebe reales. Cuias partidas consta averlas satisfecho este dicho lugar en virtud dichos cupos y carttas de pago, las quales volvi a enttregar a dichos alcaldes a las que me remitto. Y para justificacion de los tributtos, fajinas, alojamienttos y otras imposiciones que en dicho tiempo pagaron de que no tienen rezibos el dicho Juez de comision recivio juramentto de Francisco Zentteno de Arriba y Pedro Bara vecinos de este dicho lugar que lo hizieron como se requiere y debajo de el premetieron declarar con toda distincion segun su acuerdo y memoria lo que pagaron de tributtos, cal, fajinas, alojamienttos y otras imposiciones, cuia declaracion hacen en esta forma. Primeramente pagaron de tributos mill y ducienttos reales. De los carros que se les repartio el año de settecienttos y treze para la conducion de cal a la dicha plaza se ajustaron con un soldado que traia la orden en doze reales de a ocho que le pagaron luego y se obligo a darles por libres de dicha conducion. De duzienttos y diez hombres que en el referido tiempo repartieron a este dicho lugar para las fajinas y a razon cada uno de nuebe reales, y de veynte y quattro carros para dicho efecto a diez y ocho reales cada uno que asi lo pagavan a dinero que importta todo dos mill trecienttos y setentta y seis reales. Y asi mismo declaran aver tenido alojados en este dicho lugar y en los años de settecienttos y treze, cattorze y quinze tres soldados con sus cavallos dando forraje desde el dia ocho de maio hasta el dia diez y siette de agosto de cada uno cuyo gasto de los trezienttos y tres dias que incluie dicho tiempo regulan a ocho reales cada soldado con su cavallo que hazen dos mill quatrocienttos y veynte y quatro reales. Y ademas de todo lo referido declaran gastaria este dicho lugar con diferentes oficiales y soldados que en dicho tiempo transitavam por el de refrescos alojamientos y ajustes que con ellos hacian porque no parasen y pasasen a otras partes, dos mill y seiscientos reales. Todas las cuales dichas cantidades declaran aver satisfecho a dicho portugues que importan diez y seis mill ochocienttos y quarenta y dos reales de vellon, salvo yerro, y asi lo declararon devajo del dicho juramentto en que se afirmaron por ser publico y notorio. No lo firmaron por no saver. Firmo dicho Juez y firme. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN SANTA MARTTA. — En la villa de Santa Martta de Tera, comendero de la villa de Venavente, a honze dias del dicho mes de agosto de mill

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settecientos y diez y siette años yo dicho escrivano en presencia de dicho Juez de Comision notifique la que va por caveza de esttos auttos a Thomé Pintado teniente de merino y alcalde hordinario de ella que dijo la obedecia con todo respeto, y en cuanto a su cumplimiento no pueden exsivir ni presentar recivos ni carttas de pago algunas para justificazion de lo que contiene a causa de averselos pedido el dicho portugues antes de la entrega de la plaza de la Puebla y no averselos buelto, pero para comprobacion de todo ello exsivira una relacion y memoria que con asistencia de todo el Conzejo de esta villa se hizo despues que dicho portugues salio de dita plaza de su pedimiento con noticia que les dio para que ocurriessen a la ziudad de Chaves para satisfazerles todo lo que les contribuyeron en el tiempo que esttos auttos expresan, de cuia memoria yo el escrivano certifico consta aber contribuydo esta dicha villa a dicho portugues en el dicho tiempo con las cantidades siguienttes: De tributtos reales quatrozienttos y ochentta y seis reales. De alojamientos duzientos y sessentta reales. De carnes trezienttos y noventa reales. De luzes zientto y veynte y nueve reales. De paja y yerva mill trezienttos y doze reales. De el tributto de la lena trecienttos y ochentta y quatro reales. De el gasto de tres soldados de a cavallo que estubieron en esta villa dando forraje en el año de settezinttos y treze seiscienttos reales. De el gasto de los soldados y cavallos que estuvieron en ella los años de settezientos catorze y quinze, novecienttos reales. Todas las quales dichas partidas constan de la dicha memoria, la qual feneze diziendo que todo ello se a sacado de los cupos y cartas de pago que esta villa remitieron a dichos portugueses y que fue echa a publico conzejo, y todas dichas partidas componen quatro mill quatrozienttos y sessenta y un reales de vellon, salvo yerro, y para que conste lo firmo dicho Juez e yo el escrivano en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN CABAÑAS . — En el lugar de Cavañas, jurisdiccion de la villa de Venavente, a honze dias del dicho mes y año susso dichos yo el escrivano presentte dicho Juez de comision la hize saver y notifique a Andres Marcos y Francisco Bermejo, alcaldes de este dicho lugar en sus personas, que dijeron la obedecian y estan promptos a cumplir con su tenor y forma y en cuanto a exsivir los recibos y carttas de pago no lo pueden hazer a causa de averselos pedido el portugues antes de la entrega de la plaza de la Puebla y de todas ellas aver dado solo una cartta de pago general, por donde constava aver

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pagado todos los tributtos reales y demas imposiciones que pagaron durante el tiempo que contienen estos autos hasta el segundo tercio del año de setezientos y quinze, cuia cartta de pago para oi en la secretaria de Ayuntamientto de la villa de Venavente, y para que se justifique lo que este lugar pago a dicho portugues, dicho Juez de comision teniendo en su presencia a Juan Chamorro y Juan de Guerga, vecinos de este dicho lugar, de ellos rezivio juramento en forma que lo hizieron cumplidamente y devajo del prometieron de hazer la declarazion de todas las cantidades de maravedis que pagaron a dicho portugues durante el tiempo de la suspension de armas hasta la entrega de la plaza, cuia declaracion hazen en la forma y manera seguientte: Primeramente declaran aber pagado de tributos dos mill reales, en los ocho tercios que todo en los tres años decorridos. De alojamienttos del Governador trecienttos y noventa y seis reales, a doze cada mes. De luzes zien reales en dicho tiempo. De quarenta carros de leña a seis reales cada uno, importan ducienttos y quarenta reales. De veynte y quatro carros de yerva y cada uno a veynte e quatro arrobas, y cada arroba a tres reales, hazen mill setecienttos y veynte y ocho reales. De carnes que dieron en todo el referido tiempo, mill seiszienttos y cinquenta reales, a cinquenta cada mes. De la fajina que pagaron de seis hombres cada mes y a nuebe reales cada uno, hazen mill ducienttos y ochenta reales. De seis carros que se le repartieron para conducion de cal desde Viñas hasta la dicha plaza y cada carro a quatro ducados, importan ducienttos y sessenta y quatro reales. Y asi mismo declaran que en todo el decurso de los treynta y tres meses, que al desde la suspension de armas hasta la entrega de dicha plaza, pagaron en este lugar mill reales a los soldados y demas oficiales que por el transitavan de unas partes para otras, porque pasasen adelante y no se quedasen en este lugar a causa de estar muy deteriorado y tener muy poca vezindad. Tudo lo qual declaran por ser asi la verdad. Cujas cantidades importan ocho mill seiscienttos y cinquenta y ocho reales, salvo yerro, y todo lo que llevan referido es publico y notorio, no lo firmaran por no saver, firmolo dicho Juez e yo en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN CAMARZANA . — En la villa de Camarzana de Tera, comendero de la villa de Venavente, a doze dias del mes de agosto y año referido, yo el escrivano presentte dito Juez de comision notifique dicho despacho a Juan

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Fernandez, merino y alcalde hordinario de esta dicha villa, quien aviendole entendido dijo le obedeze con todo respetto y que para justificacion de lo que contiene no puede exsivir recivos ni cartas de pago alguna a causa de averselos pedido el portugues antes de la entrega de la plaza de la Puebla y averselos llevado y no averles dado mas que una carta de pago general sin expecificar cantidad, diziendo haver cumplido esta dicha villa con todos los tributos y demas imposiciones que le tocaron pagar en el tiempo que estubo al dominio de Portugal, cuia carta de pago para en la secretaria de ayuntamiento de la villa de Venavente, por cuia causa dicho Juez de comision para dicha justificacion tomo y recibio juramento de Pedro de Vega y Vizente Grande, vezinos de ella, que lo hizieron como se requiere y devajo de el prometieron declarar con toda distincion lo que pagaron de tributos, alojamientos y demas imposiciones en el tiempo referido, cuia declarazion hazen en la forma siguientte: Primeramente declaran haver pagado de tributos dos mill quinienttos y noventa y dos reales en los ocho tercios que incluyen desde el mes de marzo de setecienttos y treze hasta el dia de la entrega de dicha plaza. De los alojamientos del Governador trezienttos y noventa y seis reales, a doce reales cada mes. De luzes zientto e noventa y dos reales. De carnes dos mill y ochocienttos y treinta y ocho reales, a razon de ochenta y seis reales cada mes. De zientto y quarenta carros de leña que en dicho tiempo le fue repartido a esta villa, y que pagaron a seis reales y medio cada uno, importan novezienttos y diez reales. De dos mill arrobas de yerva, a razon de tres reales cada una, importan seis mill reales. De las fajinas que en dicho tiempo le repartieron, a razon de zientto y ochenta reales cada mes, por averse ajustado alzadamente en ello por la distancia que hay de esta villa a la dicha plaza, que son diez leguas, importa quatro mill trecienttos y veynte reales. De siete carros que asi mismo se le repartieron para la conducion de cal desde los lugares de Viñas y Barge a la dicha plaza, a razon cada uno de treynta y dos reales, importa ducienttos y veynte y quatro. Y asi mismo declaran que en el año de settezienttos y treze estubo alojado en esta dicha villa un soldado con su cavallo dando forraje desde el dia ocho de maio hasta diez y siete de agosto, y el gastto asi de persona como de el cavallo lo regulan cada dia a ocho reales, que importa ochocienttos y ocho reales. Y en el año de settecienttos y catorze tuvieron en esta dicha villa para el mismo efecto otros dos soldados con sus cavallos, los quales estubieron el tiempo que el antezedente, cuio gasto asi de personas como de cavallos MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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regulan a ocho reales cada dia y cada soldado, que importa en el tiempo referido mill seiscienttos y diez y seis reales. Y el año de settecienttos y quinze tubieron otros dos soldados con sus cavallos el mismo tiempo y para el mismo efecto de dar forraje y regulan el gasto de cada soldado con su cavallo a diez reales cada dia por ser mucho mas descomedido que los antezedentes que ambos, que importan dos mill y veynte reales. Y asi mismo declaran haver estado en esta dicha villa el referido año de settezienttos y quinze un alferes que decia venia con horden del Governador de la plaza para dar pases a todas las personas que transitasen por ella, fuesen del Baston o fuera de el, el qual estuvo quinze dias, y regulan haria de gastto con persona un criado y cavallo a quinze reales en cada uno, que importa duzienttos y veynte y cinco reales. Y asi mismo declaran gastaria esta dicha villa con diferentes oficiales y soldados que por ella transitaron en el referido tiempo por ser vereda real, de alojamientos refrescos y hajusttes que con ellos hacian, porque no se detuviessen y pasassen a otras partes, tres mill y quinienttos reales. Todas las quales dichas partidas declaran haver satisfecho a dicho portugues en el tiempo referido, que importan veynte y cinco mill seiscienttos y treynta y un reales, salvo yerro, y asi lo declararon devajo del dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron, por ser publico y notorio. No lo firmaron por no saver. Firmolo dicho Juez de comision e yo en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. AUTTO . — Mediante el pressentte escrivano se halla yndispuesto con tercianas y averle repetido tres hasta esta dicha villa de Camarzana y no poder prosseguir en la justificazion de los lugares que faltan compreendidos en la dicha meridad de Tera y ser precisso retirarse para su curacion a su cassa y dicha villa de Venavente, manda dicho Juez de comision se noticie al señor correxidor de dicha villa para que determine lo mas util para el servicio de Su Magestad y por este autto que firmo asi lo mando en dicha villa de Camarzana dicho dia doze de agosto de dicho año, y lo firme.

Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. AUTTO . — En la villa de Venavente a treze dias de el mes de agosto de mill setecienttos y diez y siete años su merzed el señor licenciado don Joseph de Orozco, Abogado de los Reales Consejos, correxidor de ella por ante mi el

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escrivano aviendo visto las delixencias antezedentes y autto ante de este proveydo por el Juez de comision de ellas en que expressa aver caydo enfermo con tercianas Ignacio Anttonio de Palazios, escrivano de Su Magestad, vecino de esta dicha villa, quien le asistia y averse retirado para su curacion sin fenezer las justificaciones de los lugares que faltan de la dicha merindad de Tera, dijo: Que mediante no ay en esta villa otros escrivanos de los reynos que Thomaz Muñiz y este hallarse ocupado en la justificacion de los lugares comprendidos en el balle de Vidriales se zesse por aora en estas delixencias hasta tanto que dicho Ignacio Anttonio de Palazios se restituia a caval salud y estando se le notifique prosiga en estas delixencias, hasta su conclusion, y por este autto que firmo asy lo prebeyo y mando y firme. Don Joseph de Orozco Ante mi Luperzio Diaz Valcarce.

JUSTIFICACION . — En dicha villa de Venavente, a treze dias de dicho mes y año, yo el escrivano doy fee pase a las cassas de Ignacio Anttonio de Palazios escrivano de los reynos vezino de esta villa y hallandole en ella le hize saver lo contenido en el autto antezedentte quien haviendole entendido dijo: Que luego al punto que se halle mejorado y restituido a cabal salud del aczidente de tercianas que le sobrevinieron estta prompto a salir con el Juez de comision nombrado a concluir las justificaciones de los lugares que faltan comprendidos en la merindad de Tera. Esto respondio de que doy fee y firme.

Valcarce.

FEE DE PARTIDA . — En la villa de Venavente, a veynte y tres dias del mes de agosto de dicho año de mil setezienttos y diez y siete, yo dicho Ignacio Anttonio de Palazios, escrivano de Su Magestad, vezino de esta villa, doi fee parti oy dicho dia, desde ella, a el lugar de Mizerezes de Tera a incorporarme con Joseph Vara, procurador de la tierra, por la dicha merindad de Tera y Juez de comision en esttos auttos para concluir y fenecer las justificaciones de los lugares que faltan, y para que conste lo pongo por delixencia y lo firmo.

Ignacio Anttonio de Palazios.

JUSTIFICACION EN SAN JUAN EL NUEVO . — En el lugar de San Juan el Nuevo, jurisdiccion de la villa de Venavente, a veynte y quatro dias del mes de agosto de mill setezienttos y diez y siete años, yo el escrivano prosiguiendo en dicha

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183 TOMO XI

justificacion y estando presente el dicho Joseph Vara como Juez en esttos auttos, doy fee notifique el despacho que va por caveza de ellos a Domingo Martinez, alcalde de el en sua persona, quien haviendole entendido dijo: Le obedeze con todo respecto y que para la justificacion de lo que en el se contiene que no puede exsivir recivos ni cartas de pago algunas a causa de averselas pedido el portugues antes de la entrega de la plaza de la Puebla, que se quedo con ellas y solo les dio una carta de pago general sin expecificar en ella cantidad alguna, diciendo aver cumplido este dicho lugar con todos los tributos y demais imposiciones que le tocaron pagar en el tiempo que estuvo al dominio de Portugal, por cuia causa el dicho Juez de comision y para la referida justificacion hizo parecer ante si a Melchor Mateos, Andres de Paz y Martin Sastre el Viejo, todos vecinos de este dicho lugar, personas de inteligencia, de los quales y de cada uno de por si recivio juramento por Dios y a una cruz que lo hizieron como se requiere, devajo del qual unanimes y conformes prometieron declarar con toda distincion lo que este dicho lugar pago a dicho portugues desde el mes de marzo del año passado de settecienttos y treze, que fue en el que se publico la suspension de armas con este reyno y el dicho de Portugal, hasta la entrega de la plaza de la Puebla, asi de tributos, alojamientos y demas imposiciones, y cada efecto de por si, cuia declarazion hazen en la forma siguientte: Primeramente declaran devajo de dicho juramento todos juntos y cada uno de por si, aver pagado este dicho lugar al dicho portugues en el tiempo porque se haze esta justificazion novecienttos y sessenta reales de vellon por raçon de todos tributos reales, en cuia cantidad entra la alcavala que esta siempre la a percivido y percive el excelentisimo señor conde duque de Venavente. De alojamientos de el Governador de la dicha plaza de la Puebla, cientto y noventa y ocho reales, a razon de seis cada mes. De luzes para los quarteles y cuerpos de guardia, cientto y sessenta reales, a razon de veynte reales cada tercio y cada año tres. De carnes novezienttos y noventa reales, a razon de treynta reales cada mes. De quarenta carros de leña que en dicho tiempo repartieron y pagaron y a razon cada uno de seis reales, ducienttos y quarenta. De veynte e quatro carros de yerva, que asi mismo les fueron repartidas para el sustento de la cavalleria de dicha plaza, y cada carro de veynte y quatro arrovas a tres reales, que hazen mill settezienttos y veynte y ocho reales. De la fajina de noventa y seis hombres, que en dicho tiempo repartieron a este dicho lugar para el trabajo de la dicha plaza y a razon de nuebe reales cada uno, que asi lo cobravan dichos portugueses por estar distante este dicho lugar de la dicha plaza mas de nuebe leguas y no poder asistir a dicha fajina, importa ochocienttos y sessenta y quatro reales. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Y de veynte e quatro carros que asi mismo le echaron para la asistencia a dita fajina y a diez reales cada uno, importan duzienttos e quarenta. De quatro carros que les repartieron para la conducion de cal desde los lugares de Viñas y Barge a la dicha plaza y a razon cada carro de quatro ducados, que asi lo ajustavan y pagavan por la distancia que llevan referido, importan ziento y sessenta y seis reales. Y asi mismo declaran aver venido a este dicho lugar en las dos primaveras de los años de settezienttos y treze y catorze un soldado con su cavallo en cada ano para dar forraje, los quales estuvieron desde el dia ocho de mayo al dia diez y siete de agosto y el gasto que hancian asi dichos soldados con sus cavallos lo pago este dicho lugar, el qual regulan en cada dia por persona y cavallo a diez reales, que en los dos años importan dos mill y veynte reales; e de los alojamientos de diferentes capitanes y soldados, que continuamente transitavan por este dicho lugar y demas del baston, como es publico y notorio, y refrescos que davan y ajustes de dinero que com ellos hacian, porque no se detuviesen y pasasen a otras partes, lo regulan devajo de dicho juramento y de sus consciencias em mill y quinienttos reales, a lo menos. Y asi mismo declaran todos juntos y cada uno de per si aver llevado dichos portugueses el fuero de pan en grano que este lugar siempre ha pagado y paga a dicho excelentisimo señor conde duque de Venavente, mi señor, en los referidos dos años de treze y settecienttos y catorze y a razon en cada uno de honze cargas y media hemina de pan mediado trigo e zentteno. Y asi mismo los diezmos de granos y menudos de una casa diezmera que siempre a gozado y goza en este dicho lugar dicho exceientisimo señor, cuyos diezmos de la referida casa regulan importaria cada año zien reales. Todas las quales dichas partidas y cantidades segun van referidas y cada una de per si, declaran devajo de dito juramento aver pagado y llevado dicho portugues desde el dicho mes de março del año de settezienttos y treze hasta que se entrego la referida plaza de la Puebla, como es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado por aver ido a hazer las pagas y averlo repertido en este dicho lugar y tenerlo todo en la memoria, que importan nueve mill y setenta y seis reales, salvo yerro, y no ban inclusas las partidas que pertenezen a dicho excelentisimo señor conde duque de Venavente, mi señor, y asi lo declararon devajo de su juramento en que se afirmaron y ratificaron, no lo firmaron por no saber. Dijeron ser de hedad el dicho Melchor Mateos de quarenta y cinco años, Juan de Paz de quarenta y dos y el dicho Martin Sastre de zinquenta y seis años, pouco mais ou menos. Firmolo dicho Juez de comision e yo el secretario en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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OTRA EN SAN PEDRO DE ZEQUE . — En el lugar de San Pedro de Zeque, jurisdiccion de la villa de Venavente, a los dichos veynte y quatro de dicho mes de agosto del referido año, yo el escrivano estando presente el dicho Juez de comision, doy fee notifique y hize saver el referido despacho a Juan Blanco, alcalde de el en su persona, que dijo e obedece con el respecto devido y que en quanto a su cumplimiento esta prompto a exsivir los recibos, cupos, cartas de pago y demas instrumentos que en este lugar ubiere de lo que contribuyeron al enemigo portugues desde el mes de marzo del año passado de settecienttos y treze hasta que se entrego la dicha plaza de la Puebla y que para la justificacion de alojamientos de soldados y otras coas asi mismo lhe pagaron de que no daran recivos se podra bereficar por declaracion de hombres que daran bastante noticia. Y aviendosse exsivido por el dicho alcalde a mi el escrivanio diferentes cupos y cartas de pago, y aviendolas separado cada una a el efecto que tocava y las compreendidas en el tiempo por que se haze esta justificacion, zertifico consta por ellas aversele repartido a este dicho lugar y pagado a dichos portugueses las cantidades siguienttes: Lo primero por un encavezamiento que este dicho lugar hizo con Don Ignacio Morais Madureira, correxidor que en aquella sazon era de dicha plaza de la Puebla, parece aver ajustado y encavezado todos los tributos en ochozientos y cinquenta reales cada año, que en los ocho tercios que incluye esta justificacion suma dos mill duzienttos y setenta y seis reales. De los alojamientos del Governador seiscienttos y sessenta reales, a veynte reales cada mes. De las luzes para los cuarteles zientto e sessenta y ocho reales, a veynte y uno cada tercio. De duzienttos y sessenta y siete carros de leña que en dicho tiempo fue repartida a este dicho lugar y a seis reales cada carro, importan mill seiscienttos y dos reales. De las carnes que asi mismo se le repartieron y pagaron por meses tres mill quattrocienttos y noventa e ocho reales, a ziento y seis cada uno. Y por diferentes papeles de ajustes echos con este dicho lugar y Francisco de Abila, vezino de la dicha plaza de la Puebla y recaudador general de la yerva que se repartia para los cavallos, consta averse ajustado con el susso dicho en mill y zien reales en cada un año por toda la yerva que les fue repartida, que en los tres años importa tres mil y trescienttos reales. Todas las quales dichas partidas constan por dichos papeles que me fueron exsividos aver pago este dicho lugar en el referido tiempo a dicho portugues a que me remitto y volvi a entregar a dicho alcalde, y para la justificacion de las fajinas, alojamientos de soldados, conducion de cal y otras cosas de que no davan rezivos dichos portugueses, el dicho Juez de comision hizo parezer ante si a Andres Martinez, Pedro Freyre, Juan Martinez y Diego

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Furones, todos vecinos de este dicho lugar, personas de intelijencia, de los quales y de cada uno de por si tomo y recivio juramento por Dios y a una cruz en forma que lo hicieron como se require y devajo de el unanimes y conformes prometieron declarar com toda distincion lo que este dicho lugar pago de los alojamientos de soldados, fajinas y otras cosas de que no davan recibos dichos portugueses, cuia declaracion hazen en la forma seguientte: Primeramente declaran aver repartido a este dicho lugar, para las fajinas de la dicha plaza y en los dos años de settezienttos y treze e catorze, duzienttos y diez y seis hombres y cobravan de cada uno nuebe reales, por no poder yr en persona a la dicha fajina por la distancia de nuebe leguas, que importa mill novezienttos y quarenta y quatro reales. Y de quarenta y ocho carros que asi mismo le repartieron para la dicha fajina y a diez y ocho reales cada carro, que asi lo cobraban en dinero, importa ochocienttos y sessenta y quatro reales. Y asi mismo declaran averse repartido a este dicho lugar en dicho tiempo zinco carros para la conducion de cal desde los lugares de Viñas y Barge a la dicha plaza, los quales pagaron a quatro ducados cada uno en que asi se ajustavan, que importa duzientos y veynte reales. Y en el dicho año de settezienttos y treze declaran aver venido a este dicho lugar dos soldados con sus cavallos, un criado y una mula para dar forraje, que estuvieron desde el dicho ocho de maio hasta el dia diez y siete de agosto, y se ajustaron dichos dos soldados por su mantenimiento solo, en treynta y zinco reales de a ocho de a quince reales que les pagaron luego, y el gasto de los dichos dos cavallos mula y criado le regulan a siete reales y medio cada dia, que hazen settezienttos y cinquenta y siete reales y medio. Y en el año de settezienttos y catorze vino a este dicho lugar para dar forraje otro soldado portugues con su cavallo, el qual estuvo el tiempo que los antecedentes y se ajusto solo por su mantenimiento sim el del cavallo a zinco reales y medio cada dia, que importa quinienttos y zinquenta y zinco reales y medio, y el gasto de el cavallo de zevada seca y berde y farelos regulan a dos reales y medio cada dia, que hazen duzienttos y cinquenta y dos reales y medio. Y asi mismo declaran que en el año de settecienttos y quinze vino alojado a este dicho lugar para el efecto de dar forraje un thenientte de coronel de cavalleria, un soldado y tres cavallos y el dicho thenientte se ajusto con este dicho lugar que se le avia de dar cada dia treze reales para gasto de su persona e de los dos cavallos, y que se iria a otra parte en lo qual vinieron los vezinos de este dicho lugar e le pagaron mill trezienttos y treze reales, que importan los zientto y un dias que se mantubieron, dando dicho forraje y dicho thenientte coronel se fue con sus cavallos a el lugar de Espadañedo, donde por meses le iban a hazer su paga. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Y el dicho soldado se quedo en este dicho lugar el mismo tiempo y su gasto regulan de persona y cavallo a ocho reales cada dia, que hazen ochozienttos. Y asi mismo declaran que los alojamientos, refrescos y ajustes que hazian con diferentes capitanes y soldados, que continuamente transitavan por este lugar a otros de el bastton, gastaria tres mill e quinienttos reales a lo menos. Y asi mismo declaran que dichos portugueses percivieron y cobraron en el dicho tiempo y hasta que se entrego la dicha plaza de la Puebla en fuero de granos que siempre a pagado y paga este dicho lugar a el excelentisimo señor conde duque de Venavente, mi señor, que son en cada un año diez cargas de pan mediado trigo y zentteno como tambien las renttas pertencentes a dicho excelentisimo señor, de diferentes heredades de tierras que goza en este dicho lugar zinquenta y ocho heminas en cada una. Todas las quales dichas partidas y cantidades y cada una de por si, declaran devajo de dicho juramento aver pagado y llevado a dicho portugues en el dicho tiempo, como asi es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado, por aver ido hazer las pagas a dicha plaza y tenerlo todo muy en la memoria, que importan veynte y dos mill duzienttos y treynta y tres reales y medio, salvo yerro; y no ban inclusas las partidas de pan que pertenezen a dicho excelentisimo señor conde duque de Venavente, mi señor, y asi lo declararon devajo de dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron y lo firmo el que supo. Dijeron ser de edad el dicho Andres Martinez de zinquenta y tres años, el dicho Pedro Frayre de sessenta, el dicho Juan Martinez de quarenta y uno poco mas o menos. Firmolo dicho Juez de comision y lo firme. Joseph Vara Andres Martinez Carvajo Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN CUBO . — En el lugar de Cubo, jurisdiccion de la villa de Venavente, a veynte y cinco de agosto de dicho año yo el escrivano estando presente dicho Juez de comision doy fee notifique dicho despacho a Lazaro Andres, alcalde de este dicho lugar, en su persona que aviendole oido y entendido dijo: Le obedeze con todo respecto y que para la justificacion que en el se menciona, no puede exsivir recivos ni cartas de pago algunas de lo que este dicho lugar pago al portugues desde el mes de marzo de settecienttos y treze hasta que se entrego la plaza de la Puebla por averselos pedido dicho portugues antes de dicha entrega y averse quedado con ellos y solo dio una carta de pago general sin expecificar cantidad alguna, diciendo en ella aver cumplido este dicho lugar con los tributos y demais imposiciones hasta la

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entrega de la referida plaza; por cuia causa el dicho Juez de comision y para la justificacion hizo parezer ante si a Martin de la Peral, Juan de la Peral, Juan de la Fuente, Domingo Blanco y Juan de la Fuente de Marcos, todos vecinos de el, personas que dijeron darian vastante noticia de todo, de los quales y cada uno de per si tomo y rezibio juramento por Dios y a una cruz que lo hizieron como se requiere y devajo de el unanimes y conformes prometieron declarar con toda distincion lo que este dicho lugar pago a dicho portugues desde dicho mes de março de settecienttos y treze hasta la entrega de la referida plaza asi de tributos y demas gavelas y imposiciones y cada cosa de per si, cuia declaracion hazen en la forma seguientte: Primeramente declaran aver pagado de tributos en los ocho tercios que incluie esta justificacion mill y duzienttos reales de vellon, a quattrocienttos y cinquenta reales cada año. De los alojamientos de el Governador quinienttos y noventa e quatro reales a diez y ocho cada mes. De luzes para los quarteles de los cuerpos zientto e noventa y dos reales, a veynte y quatro cada tercio. De carnes tres mill seiscienttos y treinta reales, a zientto y diez cada mes. De la yerva que les repartio, que pagavan a dinero, tres mill ochocienttos y quarenta y nueve reales. De duzienttos y quarenta carros de leña, que pagavan a seis reales cada uno, hazen mill quatrozienttos y quarenta. De duzienttos y diez y seis hombres, que en dicho tiempo repartieron para las fajinas de la dicha plaza a razon cada uno de nuebe reales que asi lo cobravan, hazen mill novecienttos y quarenta y quatro reales. De veynte y quatro carros para la referida fajina y a diez y ocho reales cada uno, importan quatrozienttos y treynta y dos. De cinco carros que asi mismo declaran haver repartido para la conducion de cal a la dicha plaza a razon cada uno de quatro ducados, que asi lo cobravan a dinero, importan duzienttos y veynte reales. Y ademas de tolo ello, declaran que en el dicho año de settezienttos y treze vinieron alojados para dar forraje dos soldados portugueses con sus cavallos, que estubieron desde el dia ocho de maio hasta el diez y siete de agosto, de el cuio gasto solo de los ginetes regulan cada dia a diez reales, los dos que importa mill y diez. Y la yerva y zevada seca y berde que en dicho tiempo gastavam dichos cavallos, la regulan a lo menos en zientto y cinquenta reales. Y el año de settezienttos y catorze declaran asi mismo aver venido otros soldados de a cavallo para dar forraje, los quales estuvieron el mismo tiempo que los antecedentes, y el gasto que dichos soldados hizieron solo con suas personas, regulan a los mismos diez reales cada dia entre los dos, que hazen otros mill y diez reales. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Y el gasto de la yerva y zevada seca y berde que dichos cavallos hizieron en ziento y ochenta reales. Y en el año de setezienttos y quinze declaran aver venido a este dicho lugar, para el efecto que los demas, otros dos soldados portugueses con sus cavallos que estuvieron el mismo tiempo, y regulan el gasto de los cavallos por si solos a siete reales y medio cada uno por cada dia que estos eran mas dereglados que los otros y que importa mill quinienttos y quinze reales; y el gasto de los cavallos regulan en otros ziento y ochenta reales. Y asi mismo declaran que todos los oficiales y soldados que en el dicho tiempo transitaron por este lugar a otros de el bastton a diferentes efectos y visitarse unos a otros en el tiempo que davan forrajes, refrescos que les davan y ajustes que hacian con ellos porque no se quedasen a dormir, regulan al menos gastaria este dicho lugar dos mill reales. Y ademas de ello declaran que los dichos portugueses percibieron y cobraron el fuero de granos que siempre a pagado y paga este dicho lugar a el excelentisimo señor conde duque de Venavente, que son en cada un ano zinco cargas y dos cuartillas de zentteno. Y ademas de ello los diezmos que pertenezen a una casa dezmera asi de granos como de menudos que tiene y goza todos los años de este dicho lugar dicho excelentisimo señor conde duque de Venavente, que importaria en cada uno trecienttos reales de vellon, poco mas o menos; y mas percibieron y cobraron cinquenta y dos heminas de zentteno que en cada un año paga al señor Don Francisco Ronquillo, el cura, que es o fuere de este lugar como patrono del veneficio de el. Todas las quales dichas partidas y cantidades segun van referidas y cada una de por si, declaran devajo de dicho juramento aver pagado y llevado el dicho portugues desde el dicho mes de marzo de settezienttos y treze hasta la entrega de la referida plaza de la Puebla, como asi es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado, por tenerlo muy en la memoria y aver ido a hazer muchas pagas a dicha plaza, que importan diez y nueve mill quinienttos y quarenta reales de vellon, salvo yerro, y no ban inclusas las partidas que pertenezen a dicho excelentisimo señor conde de Venavente, mi señor, ni la del señor Don Francisco Ronquillo, y asi lo declararon todos juntos y cada uno de por si devajo de dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron y no lo firmaron por no saver. Declararon ser de hedad el dicho Martin de la Peral de sessenta y quatro años, el dicho Juan de la Peral de setenta, el dicho Juan de la Fuente de treynta y siete, el dicho Domingo Blanco de cinquenta y el dicho Juan de la Fuente de Marcos de cinquenta y uno, y todos poco mas o menos. Firmolo dicho Juez y firme. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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OTRA EN BEQUE. — En el lugar de Beque, de la misma jurisdiccion, a veynte e seis de dicho mes y año referido, yo dicho escrivano, estando presente el dicho Juez de comision, doy fee notifique e hize saver el referido despacho a Juan Martinez y Domingo Alonso, alcaldes de el, quienes dijeron le obedezen con el respecto devido y que en quanto a su cumplimiento estan promptos a exsivir los cupos y rezibos y demas instrumentos que tuvieren de lo que este lugar pago a el enemigo portugues, a cuja obediencia estuvo y por el tiempo que se hace esta justificacion, y que para la de los alojamientos de soldados, fajinas y otras cosas que a si mismo le contribuyeron y de que davan rezivos, se podra verificar con vastante especificacion por declaracion de hombres que daran de todo noticia muy por menor. Y aviendose por los dichos alcaldes exsivido a mi el escrivano diferentes cupos y cartas de pago y aviendolas separado cada una a el efecto que tocava y las compreendidas desde el mes de marzo del año de settezienttos y treze hasta la entrega de la dicha plaza de la Puebla, zertifico y doy fee que por ellas consta averseles repartido a este lugar de Peque y pagado a dicho portugues las cantidades seguienttes: Lo primero zertifico que por un cupo y encabezamiento que esta firmado de Madureira consta aver encabezado este dicho lugar los tributos reales en cada un año a mill quinienttos y treynta y dos, que en los ocho tercios que incluie esta iustificacion importan quatro mill y ochenta y cinco reales y catorze maravedis. De los alojamientos del Governador consta por rezivos aver pagado trecienttos y noventa y seis reales, a doze cada mes. De luzes para los cuerpos de guardia y quarteles zientto y noventa y dos reales, a veynte e quatro cada tercio. De carnes tres mill seiscienttos y noventa y seis reales, a zientto y doce cada mes. De setenta y ocho carros de yerva, que en dicho tiempo repartieron a este dicho lugar y a sessenta reales cada uno, importan quatro mill seiscienttos y ochenta reales. De duzienttos y un carros de leña, que asi mismo consta aversele repartido y pagado este dicho lugar y a siete reales y medio cada uno, mill quinienttos y siete reales y medio. Todas las quales dichas partidas consta por dichos cupos y cartas de pago que me fueron exsividas, aver pagado este dicho lugar en el tiempo referido a dichos portugueses a las que me remito y volvi a entregar a dichos alcaldes, y para justificacion de las fajinas, alojamientos de soldados, conducion de cal y otras cosas de que no davan recivos dichos portugueses, dicho Juez de comision hizo parezer ante si a Phelippe Matteos, Andres Lovatto, Juan Bovillo y Andres Ferrero, todos vezinos de este dicho lugar, personas de inteligencia, de los quales y de cada uno de por si tomo y

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recivio juramento por ante mi dicho escrivano, por Dios y a una cruz en forma que lo hicieron como se requiere y devajo de el unanimes y conformes promettieron declarar con toda distincion lo que este dicho lugar pago y le costaron los alojamientos de soldados y fajinas y otras cosas de que no davan recivos dichos portugueses, cuia declaracion hazen en la forma seguientte: Primeramente declaran aver repartido a este dicho lugar las fajinas de la dicha plaza, y en los años de settezienttos y treze y catorze, mil quattrocienttos y quarenta hombres, a sessenta cada mes y de cada uno llevavan nuebe reales, que importa doze mill novecienttos y sessenta reales. Y de zientto y quarenta y quatro carros que para dicha fajina le repartieron en dicho tiempo y a razon cada carro de diez e ocho reales de vellon, que asi los pagavan a dinero, importan dos mill quinienttos y noventa reales. Y asi mismo declaran que en el dicho tiempo por que se haze esta justificacion repartieron a este lugar veynte y quatro carros para la conducion de cal desde los lugares de Viñas y Barge a la referida plaza los quales ajustavan a cinquenta reales cada uno, que hazen mill y duzienttos reales. Y asi mismo declaran aversele repartido en diferentes ocasiones el porte de sessenta y nuebe cargas de pan desde los lugares de Santa Marta, Uña Pozuelo y este, con la condizion de que los avian de pagar a real y medio cada hemina, lo qual nunca quisieron ni pudieron conseguir, por lo que se pone en esta declaracion por estarselo deviendo, que importa mill duzienttos y quarenta y dos reales. Y asi mismo declaran que en el año de settezienttos y treze tuvieron en este lugar alojados para dar forraje un alferes y quatro soldados con ocho cavallos, que estuvieron desde el dia ocho de maio hasta el dia diez y siete de agosto, y regulan el gasto del alferes a siete reales y medio cada dia, que importa dos mill settezienttos y setenta y siete reales y medio. Y el gasto de los ocho cavallos en el referido tiempo de yerba, zebada seca y berde que consumian le regulan a lo menos a quatro reales cada cavallo y cada dia, que hacen tres mill duzienttos y treynta y dos reales. Y en el año de settezienttos y catorze tubieron en este dicho lugar y para el mismo efecto de dar forraje y el tiempo que los antezedentes otros tres soldados portugueses con quatro cavallos, cuio gasto solo de su mantenimiento le regulan a cinco reales cada soldado y cada dia, que hazen mill quinienttos y quinze reales. Y el gasto de los quatro cavallos a quatro reales cada uno y cada dia, que hazen mill seiscienttos y diez y seis reales. Y el año de settezienttos y quinze vinieron a este dicho lugar un alferes portugues con quatro soldados de a cavallo, los quales estuvieron en el dando forraje el mismo tiempo que los antezedentes, y el alferes se ajusto por el MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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gasto de su persona a siete reales y medio cada dia y los dichos quatro soldados de por si a cinco reales cada uno, lo qual les pagaron diariamente que importa as el gasto de personas como el de los quatro cavallos quatro mill settezienttos y siete reales. Y asi mismo declaran que de los gastos que hizieron con diferentes oficiales y soldados que en dicho tiempo transitavan por este dicho lugar para otros del bastton y refrescos que les davan y ajustes que con ellos hacian porque no se quedasen y pasasen a otras partes, lo regulan a lo menos en tres mill reales. Y asi mesmo aver llevado dichos portugueses en los dos años de settezienttos y treze y catorze el fuero de granos que siempre a pagado y paga este lugar al excelentisimo señor conde duque de Venavente, mi siñor, que son cada año seis cargas de zentteno, y ademas de ello los diezmos granados y menudos de una casa dezmera que siempre a llevado su excelencia, que importa a lo menos en cada un año trezienttos reales. Todas las quales dichas partidas y cantidades y cada una de por si declaran devajo de dicho juramento aber pagado y llevado dicho portugues en el tiempo referido, como asi es publico e notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado por tenerlo todo muy en la memoria y haver ido hazer muchas pagas a la dicha plaza, que importan quarenta y nuebe mill quattrozienttos y seis reales y catorze maravedis de bellon, salvo yerro, y no ban inclusas las partidas de maravedis de pan que perteriecen a sua excelencia el conde mi señor de Venavente, y asi lo declararon devajo de dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron. No lo firmaran por no saber; declaron ser de hedad el dicho Phelippe Mateos de zinquenta años, dicho Andres Lovatto de quarenta y dos, el dicho Juan Bovillo de zinquenta y seis y el dicho Andres Ferrero de zinquenta años, y todos poco mas o menos, y lo firmo dicho Juez e yo en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN VALLELUENGO . — En el lugar de Velleluengo, jurisdiccion de la villa de Venavente, dicho dia, mes y año dichos, yo el escrivano pressente el dicho Juez de comision doy fee notifique el dicho despacho a Pedro de Llamas y Juan Gallego, alcaldes de el, quienes aviendelo entendido dijeron le obedecen con todo respecto en quanto a su cumplimiento estan promptos a exsivir todos los cupos recivos y cartas de pago y demas instrumentos que en este lugar uviere de lo que contribuyeron a el enemigo de Portugal desde el mes de marzo del año passado de settezienttos y treze, que fue en el que se publico la suspension de armas entre esta corona y la de Portugal hasta la entrega de la plaza de la Puebla; y que para la justificacion de los alojamientos de sol-

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dados, fajinas y otras cosas de que no daban recibos se justificara por declarazion de hombres que daran vastante noticia. Y aviendose exsivido por los dichos alcaldes a mi el escrivano diferentes cupos y cartas de pago compreendidas en el tiempo de esta justificacion, y aviendolas separado cada una a el efecto que tocava, zertifico que por ellas consta averseles repartido a este dicho lugar y pagado a los dichos portugueses las cantidades seguienttes: Lo primero consta por cupos y encabezamientos firmados por Madureira echos con este dicho lugar aver importado los tributos reales en el dicho tiempo mill novezienttos y sessenta reales y veynte y quatro maravedis, y aviendoles pedidos las cartas de pago de ellos a dichos alcaldes, respondieron no tenerlas por averselas pedido y llevado dicho portugues antes de la entrega de la dicha plaza y solo averles dado una carta de pago general sin expecificar cantidad. De los alojamientos del Governador consta por recivos aver pagado trezienttos y sessenta y quatro reales a diez reales cada mes de treynta y dos, y un mes quarenta y quatro reales. De luzes zientto y doze reales. De carnes mill ochocienttos y quarenta y ocho reales, a zinquenta y seis reales cada mes. De treynta y seis carros de yerva de veynte y quatro arrovas cada uno y cada arrova a tres reales, que assi consta por recivos averlos pagado, que importa mil ochocienttos y setenta y dos reales. De setenta y siete carros de leña a seis reales y medio cada uno, hazen quinienttos reales y medio. Todas las quales dichas cantidades y partidas, segun ban declaradas, consta por dichos cupos y cartas de pago que me fueron exsividas aver pagado este dicho lugar al referido portugues en el referido tiempo, a las quales se remito que volvi a entregar a dichos alcaldes. Y para la justificazion de las fajinas, alojamientos de soldados, conducion de cal y otras cosas de que no davan recivos dichos portugueses, el dicho Juez de comision hizo parezer ante si a Fabian Clemente, Juan de Toledo y Pedro de Gordonzillo, todos vezinos de este dicho lugar, personas de intelijencia, de los quales y de cada uno de por si tomo y recivio juramento por Dios y a una cruz en forma que lo hizieron como se requiere y devajo de el unanimes y conformes prometieron declarar com toda distincion lo que este dicho lugar pago y le costaron los alojamientos de soldados, fajinas, carros para conducion de cal y otras cosas de que no davan recivos dichos portugueses, cuia declarazion hazen en la forma seguientte: Primeramente declaran todos juntos y cada uno de por si aver ido a la fajina de la dicha plaza de la Puebla en los años de settezienttos y treze y catorze duzienttos y diez y seis hombres que travajaron en ella cada mes tres MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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dias y el que faltava le cobravan por cada uno a tres reales, que importa mill novecienttos y quarenta y quatro reales. Y de veynte e quatro carros que le repartieron para dicha fajina en el dicho tiempo y a razon de diez y ocho reales cada uno, que asi lo pagavan quando no yban a ella, hazen trezienttos y treyinta e dos reales. De ocho carros que le repartieron en dichos dos años para la conducion de cal a la dicha plaza y a razon cada carro de zinquenta reales, que asi los ajustavan y pagavan en los lugares cercanos a ella, importam quattrozienttos y quarenta reales. De los portes de cantidad de pan que le repartiron para conducirle de Santa Martta a la dicha plaza, diziendo se lo avian de pagar a real y medio cada hemina lo qual nunca consiguian, regulan a lo menos en zien reales. Y asi mismo declaran que en el año de settezienttos y treze, vino a este lugar um soldado portugues con su cavallo que estava alojado en el lugar de Molezuelas, diciendo venia a este lugar a dar forraje, el qual ajustaron alzadamente en trezienttos y veynte reales que les pagaron en dinero y se volvio a dicho lugar de Molezuelas. Y en el ano de zettezienttos y catorze vino asi mismo a este lugar otro soldado con su cavallo para dar forraje y estuvo en el desde ocho de mayo hasta diez y siete de agosto, en cujo tiempo regulan haria de gasto por persona y cavallo siete reales y medio cada dia, que importa settezienttos y zinquenta y siete reales y medio. Y en el año de settezientos y quinze tubieron en este dicho lugar para el mismo efecto de dar forraje otros dos soldados con sus cavallos y un muchacho, los quales estubieron el mismo tiempo que los antezedentes, y regulan el gasto de dichos dos soldados y las tres cavallerias a diez y siete reales cada dia, que hazen mill settezienttos e diez e siete reales. Y asi mismo declaran que con diferentes oficiales y otros soldados portugueses, que en el tiempo de esta justificazion transitaron por este lugar a otros de el bastton, de refrescos que les davan y ajustes que con ellos hacian porque no se detubissen y passassen a otras partes, regulan gastaria este dicho lugar mill reales, a lo menos. Todas las quales dichas cantidades y cada una de por si segun van mencionadas, declaran aver pagado y gastado este dicho lugar con dichos portugueses en el referido tiempo, como asi es publico y notorio y lo saben con la distincion que lo llevan declarado por tener de todo ello memoria y noticia muy por menor, que importan todas las compreendidas en dicha justificacion treze mill duzienttos y sessenta y siete reales y veynte y quatro maravedis, salvo yerro, y asi lo declararon devajo de dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron y lo firmo el que supo. Declararon ser de hedad el dicho Fabian Clemente de zinquenta anos, dicho Juan Toledo de treynta y nuebe y dicho Pedro de Gordonzillo de MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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zinquenta y siete años, poco mas o menos. Firmolo dicho Juez de comision y en fee de ello lo firme. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN DONADILLO.

— En el lugar de Donadillo, jurisdiccion de la dicha villa de Venavente, a veynte e siete dias de el dicho mes de agosto y año referido, yo el escrivano presente el dicho Juez de comision doi fee notifique dicho despacho a Juan de Vega y Domingo Santiago, alcaldes de el en su persona, que aviendole entendido dijeron le obedezen con todo respecto y para la justificazion de lo que en el se contiene no pueden exsivir recivos, cupos ni cartas de pago algunas a caussa de averselas pedido el portugues antes de la entrega de la plaza que se quedo con ellas y solo les dio una carta de pago general sin expecificar cantidad alguna, diziendo aver cumplido este dicho lugar con todos los tributos y demas imposiciones que le tocaron pagar en el tiempo que estubo al dominio de Portugal, cuia carta de pago general para en Contaduria mayor de los estados de el excelentisimo señor duque de Venavente, mi señor, de donde les fue pedida, por cuia causa dicho Juez de comision y para la referida justificazion hiso parezer ante si a Fabian Santiago, Francisco Lobo, Pedro de Seijas y Bernardo Prietto, vecinos de este dicho lugar, personas de intelijencia, de los quales y de cada uno tomo y recivio juramento por Dios y a una cruz en forma que lo hizieron como se requiere y devajo de el unanimes y conformes prometieron declarar con toda distincion lo que este dicho lugar pago a dicho portugues desde el mes de marzo del año passado de settezienttos y treze, que fue en el que se publico la suspension de armas entre este reyno y el dicho de Portugal hasta la entrega de la dicha plaza de la Puebla asi de tributos, alojamientos y demas imposiciones y cada efecto de por si, cuja declarazion hazen en la forma seguientte: Primeramente declaran aver pagado de tributos reales en los ocho tercios que incluie esta justificazion tres mill y diez y seis reales. De carnes dos mill ochocienttos y cinco reales, a ochenta y cinco cada mes. De alojamientos del Governador trezienttos y diez y seis reales, en que entra um mes que le pagaron sessenta reales. De luzes duzienttos y ochenta y ocho reales, a treynta e seis cada tercio. De zientto y zinquentta carros de leña, que pagaron a dinero y a seis reales y quartillo cada uno, hazen novezienttos y treynta e siete reales y medio. De quarenta y dos carros de yerva que en dicho tiempo les fue repartida, y cada carro a veynte y quatro arrovas y cada arrova a dos reales y medio, importan dos mill quinienttos y veynte reales. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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De veynte y quatro carros de cal que repartieron a este lugar en los dos años de settezienttos y treze y catorze, para la conduzion de cal a la dicha plaza y cada carro de cinquentta reales, hazen mil y ducienttos. De la fajina de mill zientto y cinquentta y dos hombres que repartieron para ella en dichos dos años de treze y catorze, a quarenta y ocho hombres cada mes y a razon de nuebe reales cada uno, que asi lo pagavan a dinero, importan diez mill trecienttos y sessenta e ocho reales. De quarenta y ocho carros que le echaron para dicha fajina y a treynta e seis reales cada carro, importan mill setezienttos y diez y ocho. Y asi mismo declaran que en el año de settecienttos y treze, vino a este lugar para dar forraje un soldado portugues con su cavallo, el qual estuvo desde el dia ocho de maio hasta el dia diez y siete de agosto y se ajustaron con el solo por su mantenimiento a seis reales que le pagavan diariamente, que importa seiscienttos y seis reales. Y el gasto del cavallo regulan cada dia a dos reales y medio, que hazen duzienttos y cinquenta y dos reales y medio. Y en el año de settezienttos y catorze declaran aver tenido en este dicho lugar para dar forraje dos soldados portugueses con sus cavallos el tiempo que el antezedente y se ajustaron con ellos solo por su mantenimiento a quatro reales cada uno cada dia, que hazen ochocienttos y ocho reales; y el gasto de los cavallos le regulan a zinco reales ambos cada dia, que hazen quinienttos y zinco reales. Y el año de settezienttos y quinze tubieron en este dicho lugar para el efecto de los demas otro dos soldados portugueses con sus dos cavallos el mismo tiempo y les davan cada dia seis reales, que inportan mill duzienttos y doze reales; y el gasto que hizieron dichos dos cavallos regulan a otros dos reales y medio cada uno y cada dia, que hazen quinienttos y zinco reales; y asi mismo declaran que de los portes de cantidad de pan que condujeron desde los lugares de Santa Martta y Pozuello a la dicha plaza les quedaron a deber ducienttos reales. Y ademas de todo lo referido, regulan a lo menos gastaria este dicho lugar en el dicho tiempo, con diferentes oficiales y soldados que transitaron por el a otros del bastton, de los refrescos que les davan y ajustes que con ellos hacian porque no se detubiesen y passassen a otras partes, dos mill reales. Y asi mismo declaran cobraron y percibieron dichos portugueses en los años de settezienttos y treze e catorze los diezmos que en este lugar goza el excelentisimo señor conde duque de Venavente, mi señor, que son dos partes de tres, asi de grados como de menudos, que los menudos suelen arrendarse cada año a zinquenta ducados y los granos no pueden declarar con zerteza los que serian. Y asi mismo llevaron a su excelencia el fuero de granos que siempre le a pagado y paga este dicho lugar, que son en cada un año seis cargas y media hemina de zentteno. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Todas las quales dichas partidas segun ban referidas y cada una de por si declaran devajo de dicho juramento aver pagado y llevado a dicho portugues desde dicho mes de marzo de settezienttos e treze hasta la entrega de dicha plaza, como asi es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado por tener de ello muy bastante noticia y memoria; que en todas importan veynte y nuebe mill duzienttos y sessenta y siete reales, y no ban inclusas las partidas que pertenezen a su excelencia, y asi lo declararon devajo de dicho juramento en que se afirmaron y ratificaron. No lo firmaron por no saver. Declararon ser de hedad el dicho Fabian Santiago de setenta años, el dicho Francisco Lovo de sessenta y quatro, el dicho Pedro de Seijas de cinquenta y ocho y el dicho Bernardo Prieto de treynta años, poco mas o menos. Firmolo dicho Juez de comision y firme en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN MUELAS . — En la villa de Muelas a los dichos veynte y siete de dicho mes y año, dichos yo el escrivano presente dicho Juez de comision doi fee notifique el despacho que va por caveza de esttos auttos a Juan de Muelas y Pedro Ferrero, alcaldes y justicias hordinarias de ella, en sus personas quienes aviendole visto y oydo y entendido dijeron le obedecen con todo respecto, y para la justificacion de lo que en el se contiene, no pueden exsivir recivos, cupos ni cartas de pago algunas a causa de averselas pedido el portugues antes de la entrega de la dicha plaza de la Puebla, quien se quedo con ellas y solo les dio una general, sin expecificar cantidad, por cuia causa dicho Juez de comision para la dicha justificacion hizo parezer ante si a Pedro Gonzalez, Juan de Varrio, Pedro de Villaluengo y a Francisco Santiago, todos vecinos de esta dicha villa, de los quales y de cada uno como personas de intelijencia recivio juramento en forma que lo hizieron como se requiere devajo de el qual unanimes y conformes prometieron declarar con toda distincion lo que esta dicha villa pago al portugues desde el mes de marzo de el año pasado de settezienttos y treze que fue quando se suspendieron las armas entre los dos reynos hasta la entrega de la referida plaza, asi de tributos y demas gavelas y demas imposiciones y cada efecto de por si, cuia declarazion hazen en la forma seguientte: Primeramente declaran aver pagado de tributos reales en los ocho tercios que incluie esta justificacion tres mill y duzienttos reales. De los alojamientos de el Governador trezienttos y noventa y seis reales, a doze cada mes. De luzes para los cuerpos de guardia y quarteles, trezienttos e veynte reales, a quarenta cada tercio.

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De carnes tres mill y trezienttos reales, a cien reales cada mes. De zientto y ochenta carros de leña, que en dicho tiempo repartieron a esta villa y a seis reales cada uno, que asi los pagavan a dinero, mill y ochenta reales. De setenta carros de yerva, que a si mismo les repartieron, cada carro a veynte e quatro arrovas y cada una a dos reales y medio, hazen tres mill y seiscienttos. De veynte y ocho carros que le repartieron a esta villa para la conducion de cal desde Viñas y Varje a la dicha plaza y a treynta e seis reales cada uno, importan mill y ocho reales. De mill quatrocienttos y quarenta hombres que en los años de settezienttos y treze e catorze repartieron a esta villa para las fajinas de la plaza y a nuebe reales cada uno, que asi lo cobravan a dinero, importa doze mill novecienttos y sessenta reales. Y de quarenta y ocho carros para la dicha fajina y cada uno a diez y ocho reales, importa ochocienttos y sessenta y quatro. De los portes de noventa y una heminas de pan que condujeron a la dicha plaza con la condicion de que avian de pagar a real cada hemina, lo qual no les pagaron, importan noventa e um reales. Y de el importe de dichas noventa y una hemina de zentteno que les repartieron a esta villa el año de settezienttos y treze por el octubre de el, diziendo se las avian de pagar el asentista a diez reales cada hemina, las quales no cobraron y se las estan debiendo, por cuia causa las ponen en esta declaracion, y importan novecienttos y dez reales; y de otros portes de pan que asi mismo les echaron en dicho tiempo que no pagaron, lo regulan en zien reales. Y asi mismo declaran que en el año de settezienttos y treze venieron a esta villa para dar forraje dos soldados portugueses para dar forraje (sic) con sus cavallos, los cuales estuvieron desde el dia ocho de maio hasta diez y siete de agosto, cuio gasto asi de personas como de cavallos, regulan cada dia a diez e ocho reales, que importan mill ochozienttos y diez y ocho reales. Y en el año de settezienttos y catorze tubieron en esta dicha villa otros dos soldados portugueses con sus cavallos, y el mismo tiempo y para el efecto que los antezedentes, cuio gasto de personas y cavallos regulan a lo mismo, que importa otros mill y ochozienttos y diez y ocho reales. Y en el año de settezienttos y quinze declaran aver venido a esta dicha villa para dicho efecto de dar forraje tres soldados portugueses con sus cavallos, los quales estubieron el mismo tiempo que los antezedenttes, cuio gasto asi de personas como de cavallos regulan a lo mismo, que los demas, que hazen dos mill settezienttos y veynte e siete reales. De diferentes oficiales y soldados portugueses que en el tiempo de esta justificazion transitaron por esta villa a otras partes de el bastton, de los MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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refrescos que le davan y ajustes que con ellos hazian a dinero porque no se detubiesen, lo regulan a lo menos en mill y quinienttos reales. Y ademas de todo lo referido, declaran aver llevado dichos portugueses a el excelentisimo señor conde duque de Venavente, mi señor, el diezmo que siempre a gozado y goza en esta villa de los vasallos que tiene en ella, asi de granos como menudos, que importa todo ello en cada un año trezienttos y zincuenta reales. Y asi mismo percibieron el fuero de pan que dichos vasallos le pagan en cada un año, que son nuebe heminas de zentteno en cada uno y dos gallinhas cada vasallo. Y asi mismo llevaro(n) y cobraron los diezmos de otros señores que tienen vasallos en esta villa y los fueros de pan y maravedis, que importara todo en cada un año zien reales. Todas las quales dichas partidas, segun ban referidas y cada una de por si, declaran devajo de dicho juramento aver pagado y llevado a dicho portugues en el tiempo porque se haze esta justificazion como asi es publico y notorio y lo saben con la distincion que lo llevan declarado por tener de todo ello muy individual noticia y memoria. Que todas importan treynta y cinco mill seiscienttos y noventa y dos reales, salvo yerro, y no ban inclusas las partidas que pertenezen a dichos señores, y asi lo declararon devajo de dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron, lo firmo el que supo y declaran ser de hedad el dicho Pedro Gonzalez de cinquenta y cinco años, dicho Juan de Varrio de cinquenta, dicho Pedro Valle Luengo de setenta y nuebe y dicho Francisco Santiago de treynta y ocho años, poco mas o menos. Firmolo dicho juez de comision y firme. Joseph Vara Francisco Santiago Vega Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios.

OTRA EN LETRILLAS . — En el lugar de Letrillas, jurisdiccion de la villa de Venavente, a veynte y ocho dias del mes de agosto y año referido, yo el escrivano estando presente dicho Juez de comision doy fee notifique e hize saver el despacho que esta por caveza de estos auttos a Pedro de Antta y Andres Paramio, alcaldes de este dicho lugar en sus personas que aviendole oydo y entendido dijeron lhe obedecen, y en quanto a su cumplimiento no passan hazer la justificacion que por el se manda a causa de ternela ya echa en la villa de Bombuey en virtud de horden del señor Governador de Zamora, de cuia abadia es este dicho lugar, y pagar los tributos en dicha ciudad de Zamora, la qual junto con la demas justificaciones de los lugares de dicha abadia se remitio a dicho señor Governador de Zamora y un traslado a la

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corte de Lisboa. Esto respondieron y no lo firmaron por no saver. Firmo dicho Juez de comision e yo en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN VEGA DE EL CASTILLO. — En el lugar de Vega de el Castillo, Jurisdiccion de la dicha villa de Venavente, dicho dia mes y año dichos, yo el escrivano presente dicho Juez de comision hize saver dicho despacho a Juan Sastre, alcalde de este dicho lugar, que aviendole entendido dijo: le obedeze con el respecto devido e esta prompto a presentar y exsivir los cupos y cartas de pago que tuviere este lugar de lo que pago a el enemigo de Portugal desde el mes de marzo del año de settecienttos y treze hasta que se entrego la plaza de la Puebla, excepto las cartas de pago de los tributos reales que estas se las pedio el portugues antes de la entrega de la dicha plaza, quien se quedo con ellas y solo dio una carta de pago general sin expecificar cantidad la qual para en la contadoria mayor de Venavente. Y aviendose exsivido por dicho alcalde a mi el escrivano todos los cupos y cartas de pago y separado las compreendidas en dicha justificacion y cada una a el efecto que toca, zertifico consta por ellas averle repartido y pagado este dicho lugar las cantidades siguienttes: Primeramente zertifico que por un cupo y encabezamiento firmado de Madureira consta aversele repartido a este dicho lugar en el referido tiempo de tributos reales novezienttos y veynte y ocho reales. De los alojamientos de el Governador consta por recivos aver pagado duzienttos y sessenla reales, a ocho cada mes. De luzes setenta y dos reales. De vaca, consta asi mismo por recivos aver pagado novecienttos y noventa reales, a treynta cada mes. De yerva, consta aversele repartido sessenta carros a veynte y quatro arrovas cada uno y a tres reales cada una, que hazen quatro mill trezienttos y veynte. De ochenta e quatro carros de leña y a seis reales cada uno, que hazen quinienttos y quatro. Todas las quales dichas partidas constan por dichos cupos y cartas de pago aversele repartido y pagado este dicho lugar como de ellos pareze, a que me remito y volvi a entregar a dicho alcalde. Y para justificacion de fajinas e otros gastos de que no davan recivos dichos portugueses, dicho Juez de comision teniendo en su presencia a Pedro de Vega, Juan de Vega y Domingo de Vega, vecinos de este dicho lugar, tomo y recivio juramento de los sobre dichos, que lo hicieron como se requiere y devajo de el prometieron declarar con toda distincion las fajinas y demas gas-

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tos que a este dicho lugar repartieron dichos portugueses en dicho tiempo y unanimes y conformes hazen dicha declaracion en la forma siguientte: Lo primero declaran haver repartido a este dicho lugar en los años de settecienttos y treze y catorze quinienttos y quatro hombres para las fajinas de la dicha plaza, la qual iban hazer por meses y el que faltava le llevavan a nuebe reales, que importa quatro mill quinienttos y treynta y seis reales. De carros e alojamientos de soldados para dar forraje, declaran no averle repartido a este dicho lugar, por estar metido en la sierra y no poder entrar ni salir carros por lo aspero del paraje y corta vecindad de este lugar. De los gastos de diferentes soldados que venian a el con diferentes ordenes, de los refrescos que les davan y otros gastos que con ellos hacian, regulan importarian quinienttos reales. Y asi mismo declaran que dicho portugues cobro en los dos años de settezienttos y treze y catorze la metad de diezmos de granos e menudos que tiene y goza en este lugar el excelentisimo señor conde duque de Venavente, mi señor, que los granos suelen ser cada año seis cargas de zentteno y los menudos, suelen valer zien reales. Y ademas de ello cobraron el fuero que llaman de las perdices, que son cada año cinco reales. Todas las dichas partidas, segun van mencionadas, importan doze mill ziento y catorze reales de vellon, salvo yerro, no van inclusas las que pertenezen a su excelencia, y asi lo declararon devajo de dicho juramento en que se afirmaron y ratificaron. No lo firmaron por no saver. Declararon ser de hedad el dicho Pedro de Vega de veynte y ocho años, el dicho Juan de Vega de veynte y siete y el dicho Domingo de Vega de treynta años, poco mas o menos. Firmolo dicho Juez e yo en fee de ello. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN MONTE RUBIO . — En el lugar de Monte Rubio, jurisdiccion de la villa de Venavente, a veynte y nuebe dias de dicho mes y año, yo el escrivano estando presente el dicho Juez de comision doy fee notifique el despacho y comision que va por caveza de estos auttos a Domingo Martinez, alcalde de este dicho lugar, en su persona quien aviendole entendido dijo la obedeze con todo respeto y que para la justificacion de lo que en el se contiene no puede exsivir recibos ni cartas de pago algunas a causa de averselas pedido el portugues antes de la entrega de la plaza de la Puebla, quien se quedo con todas ellas y solo les dio una carta de pago general sin expecificar en ella cantidad alguna, por lo qual el dicho Juez de comision y para la referida justificacion recivio juramento del dicho Domingo Martinez y de Gabriel de

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Varrio, vecinos de este dicho lugar, por tener solo de vecindad quatro, los quales lo hizieron como se requiere y devajo de el unanimes y conformes prometieron declarar con toda distincion lo que este dicho lugar pago a dicho portugues desde el mes de marzo del año passado de settecienttos y treze, que fue en el que se publico la suspension de armas entre esta corona y la de Portugal hasta la entrega de la dicha plaza, que fue en el mes de diziembre del año de settecienttos y quinze, asi de tributos, alojamientos y otros repartimientos extraordinarios por tenerlo todo muy en la memoria y lo que pagaron de cada efecto, cuia declaracion todos juntos y cada uno de por si hazen en la forma y manera siguientte: Primeramente declaran aver pagado este dicho lugar a dicho portugues en el referido tiempo de tributos reales zientto y ochenta y un reales y diez maravedis en los ocho tercios que incluie esta justificacion y a razon cada año de setenta y ocho reales, cuia cantidad pagaron a Don Gaspar Cutiño de Morais, sargento major en dicha plaza. De los alojamientos del Governador zientto y setenta y cinco reales, a cinco reales cada mes. De carnes zientto y noventa e ocho reales, a seis reales cada mes. De luzes para los quarteles y cuerpos de guardia veynte y quatro reales, a nuebe cada año. De duzienttas y veynte arrovas de yerva, que repartieron a este dicho lugar por que se haze esta justificacion, y cada arrova a tres reales que asi las pagavan a dinero, importa seiscienttos y sessenta y seis reales. De quinze carros de leña, que a si mismo repartieron para los quarteles y cuerpo de guardia, y a seis reales cada uno, hazen noventa reales. De zientto y quarenta y quatro hombres, que repartieron para las fajinas de la dicha plaza e a razon cada uno de tres reales, que asi lo cobraban quando faltava alguno a ellas, hazen quattrocienttos y treynta y dos reales. De dos carros que les echaron en este tiempo para la conducion de cal a la referida plaza y a sessenta reales cada uno, hazen zientto y veynte. De diferentes soldados y oficiales que en dicho tiempo transitaron por este dicho lugar a otros del bastton, de los refrescos que les davan y ajustes que hacian con ellos a dinero porque pasasen a otras partes, regulan gastarian a lo menos zien reales. Y asi mismo declaran que atendiendo a la cortedad de este lugar y suma pobreza de el, no tubieron ni se les echo soldados alojados para dar forraje en las primaberas de los años de settezienttos y treze, catorze y quinze, por cuia causa no se ponen en esta justificacion. Y ademas de todo lo referido, declaran aver percivido y cobrado dichos portugueses el fuero de granos que siempre a pagado y paga este dicho lugar a su excelencia el conde duque de Venavente, mi siñor, que son en cada un año dos cargas de zentteno. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Todas das quales dichas partidas y cantidades segun van referidas declaran devajo de dicho juramento aver pagado a dicho portugues desde el dicho mes de marzo de settecienttos y treze hasta la entrega de dicha plaza como asi es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado por tenerlo todo muy en la memoria y aver ydo hazer las pagas a dicha plaza, y todo importa mill novecienttos y setenta y seis reales y diez maravedis, salvo yerro, y no ba inclusa la partida que pertenece a sua excelencia, y asilo declararon devajo de dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron, y no lo firmaron por no saver. Declararon ser de hedad el dicho Domingo Martinez de veynte y seis años y el dicho Gabriel de Varrio de zinquenta, poco mais o menos. Firmolo dicho Juez de comision y en fee de ello lo firme. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN CARVAJALIÑOS . — En el lugar de Carvajaliños, jurisdiccion de la dicha villa de Venavente, y del bastton de la dicha plaza de la Puebla, dicho dia mes y año, dichos yo el escrivano doi fee notifique dicho despacho estando presente dicho Juez de comision a Juan Monttero, alcalde de este dicho lugar en su persona que aviendolo oydo, dijo le obedeze con todo respecto y que estta prompto a exsivir los cupos, cartas de pago y recivos que este lugar tiene de lo que pago al portugues desde el mes de março del año pasado de settecienttos y treze hasta que se entrego la referida plaza, excepto la de los tributos que estos se los pedio dicho portugues antes de la entrega de ella, quien se quedo con ellos, y para las fajinas y otros repartimientos extraordinarios de que no davan recivos se justificara por declaracion de personas que de todo daran muy vastante noticia; y aviendose exsivido por dicho alcalde a mi el escrivano diferentes cupos y cartas de pago dadas por dichos portugueses, y aviendo separado las que comprenden los treynta y tres meses por que se haze esta justificacion y cada efecto de por si, zertifico que por ellas consta aver pagado este dicho lugar a dichos portugueses las cantidades siguienttes: Primeramente consta por un cupo que esta firmado de Madureira aver encabezado este dicho lugar los tributos reales a duzienttos y quatro reales en cada año, que en los ocho tercios inclue esta justificacion, importan quinienttos y quarenta y quatro reales. De los alojamientos de el Governador de la dicha plaza consta por recivos firmados de Morais aver pagado dozienttos y sessenta y quatro reales, a ocho reales cada mes. De luzes para los quarteles y cuerpos de guardia consta a si mismo aver pagado sessenta reales.

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De carnes mill zientto y ochenta y ocho reales, a treynta y seis reales cada mes. A si mismo consta por diferentes cupos aver repartido a este dicho lugar cinquenta y um carros de leña a seis reales cada uno, que hazen trecienttos y seis reales. De trecienttas y sesenta y quatro arrovas de yerva que asi mismo le repartieron para los cavallos que estavan de guarnicion en dicha plaza y a tres reales cada arrova, hazen mill zientto y beynte y dos reales. Cuias partidas consta por dichos cupos y cartas de pago averse repartido a este dicho lugar y aver pagado en el tiempo referido, a las quales me remito y volvi a entregar a dicho alcalde. Y para la justificacion de las fajinas conduzion de cal y otros repartimientos extraordinarios de que no davan recivos dichos portugueses el dicho Juez de comision hizo parecer ante si a Francisco Cobrinos, Alonsso Monterrubio, Juan de Losada y Juan de Qobreros, todos vecinos de este dicho lugar, personas de intelijencia, de los quales y de cada uno de por si tomo y recivio juramento por Dios y a una cruz, en forma que lo hicieron como se requiere y devajo de el unanimes y conformes prometieron declarar con toda distincion lo que este dicho lugar pago y le costaron las fajinas que se les repartio para dicha plaza de la Puebla, conducion de cal para ella y otros repartimientos y gastos extraordinarios de que no davan recivos dichos portugueses, cuia declaracion hazen en la forma siguientte: Primeramente declaran que en el dicho tiempo por que se hace esta justificacion en los dos años de settecienttos y treze y catorze repartieron a este dicho lugar trecienttos y sessenta hombres para las fajinas de dicha plaza y a razon cada uno de tres reales, que asi lo cobravan en dinero quando faltavan a ellas, que importa mill y ochenta reales. Y de setenta y dos carros que fueron para dichas fajinas a cinco reales cada uno, hazen trecienttos y sesenta. De veynte y quatro carros que asi mismo repartieron para la pipa de la agua para fabricar la cal, y a cinco reales cada carro y cada dia, que hazen ciento y veynte reales. Y asi mismo declaran que en dicho año de settecienttos y treze repartieron a este lugar una carga de zentteno con la calidad y condicion de que la avia de pagar el asentista a siete reales hemina y aviendola llevado solo le pago a cinco, cuia quiebra por ser agravio patente la ponen en esta declaracion, que son veynte y quatro reales. De los gastos que hicieron con diferentes oficiales y soldados que transitaron por este lugar en los tres años de settecienttos y treze, catorze y quinze, refrescos que les davan y ajustes en dinero que con ellos hacian porque no se detubiesen, declaran importaria trecienttos reales. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Declaran asi mismo que por lo esteril de este lugar y su cortta vezindad no repartieron soldados para el forraje en las primaveras de dichos tres años, por cuia causa no se pone en esta justificacion. Y ademas de todo lo referido, declaran debajo de dicho juramento todos juntos y cada uno de por si aver cobrado y recivido dichos portugueses la metad de diezmos que siempre a gozado y goza en este dicho lugar el excelentisimo senor conde duque de Venavente, mi señor, asi granos como menudos que los granos suelen ser cada año ocho cargas de zentteno, poco mas o menos, y los menudos suelen arrendarse en doze ducanos cada año, y asi mismo percivieron y cobraron el fuero de granos y maravedis que este dicho lugar siempre ha pagado a dicho excelentisimo señor, que son cada año quarenta y tres heminas y media de zentteno y cinquenta quartos del foro que llaman de las perdices. Todas las quales dichas cantidades segundo ban referidas declaran debajo de dicho juramento aver pagado a dicho portugues en el tiempo porque se haze esta justificacion, como asi es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado por tenerlo todo muy en la memoria, que unas y otras partidas importan cinco mill trecienttos y sessenta y ocho reales de vellon, salvo yerro; y no ban inclusas las que pertenezen a sua excelencia, y asi lo declararon devajo de dicho juramento todos juntos y cada uno de por si, y en ello se afirmaron y ratificaron y lo firmo el que supo. Declararon ser de hedad el dicho Francisco de Cobreros de sesenta y quatro años, el dicho Alonsso de setenta anos, el dicho Juan de Losada de treynta y tres y el dicho Juan de Cabreros de quarenta años, poco mas o menos, y los firmo dicho Juez de comision en estos auttos y firme yo el escrivano en fee de todo ello. Joseph Vara Francisco de Cobreros Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN DONEY . — En el lugar de Doney, jurisdiccion de la villa de Venavente y bastton de la plaza de la Puebla, a treynta dias del dicho mes de agosto de dicho año yo el escrivano estando presente el dicho Juez de comision doy fee notifique el despacho que va por caveza de estos auttos a Joseph Zentteno, alcalde de este dicho lugar, quien aviendole visto oydo y entendido dijo le obedeze con todo respecto y que para la justificacion de lo que en el se expressa exsivira los cupos y cartas de pago que ubiere de lo que pagaron al portugues desde el mes de marzo de el año pasado de settecienttos y treze hasta que se entrego dicha plaza, excepto los de los tributos reales, porque les fueron pedidos por dichos portugueses antes de dicha entrega, quienes se quedaron con ellos y solo dieron una carta de pago general sin expecificar cantidad alguna, la qual para en la secretaria de ayuntamiento de

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la villa de Venavente de donde fue pedida, que para la dicha justificacion de tributos, alojamientos de soldados y otras imposiciones y gavelas de que no davan recivos se podra verificar por declaracion de personas que daran de todo vastante noticia por tenerlo muy en la memoria. Y aviendose por dichos alcaldes exsivido a mi el escrivano diferentes cupos, cartas de pago y recivos, dados y firmados por dichos portugueses y otras personas vecinos de la dicha Puebla, que recaudavan y cobravan de su horden algunos repartimientos y contribuciones, certifico que por ellas consta aver pagado este dicho lugar en el tiempo por que se hace esta justificacion las cantidades siguienttes: Primeramente consta por diferentes recivos que estan firmados de Morais aver pagado este dicho lugar de los alojamientos de el Governador settezientos y noventa y dos reales, a veynte y quatro cada mes. De luzes para los cuarteles y cuerpos de guardia zientto y diez y ocho reales. De carnes mill quinienttos y diez y o cho reales, a quarenta y seis cada mes. De ochocienttas y sessenta y quatro arrovas de yerva, que le fue repartida para la cavalleria que estava en dicha plaza y a dos reales y medio cada una, importan dos mill zientto y sessenta reales. De sessenta y cinco carros de leña que asi mismo le fue repartida y a razon cada carro de seis reales, hazen trecienttos y noventa. Todas las quales dichas partidas consta por dichos cupos y cartas de pago averse repartido y pagado a este dicho lugar para el dicho tiempo, como de ellas y de cada una pareze a que me remito y volvi a entregar a dicho alcalde. Y para la justificacion de tributos, fajinas, alojamientos de soldados, y otras imposiciones que lastaron (sic) y pagaron a dicho portugues de que no tienen recivos, el dicho Juez de comision recivio juramento por Dios y a una cruz de Domingo Vallesteros, Pedro Gago, Juan Gonzalez y Anttonio Fernandez, vecinos de este dicho lugar, personas de inteligencia, los quales y cada uno de por si lo hicieron como se requiere devajo de el prometieron unanimes y conformes declarar todo lo que este dicho lugar pago de dichas imposiciones por tenerlo todo mui en la memoria, cuia declarazion hazen en forma siguientte: Declaran lo primero aver pagado de tributos reales en los ocho tercios que incluie esta justificacion mill zientto y setenta y ocho reales, a zientto y quarenta y seis cada tercio. De las fajinas de ochocienttos y sessenta y quatro hombres, que en los dos anos de settecienttos y treze y catorze repartieron para ella a este dicho lugar y a razon de tres reales cada uno, que assi cobravan a dinero quando faltavan, importa dos mill quinienttos y noventa y dos reales. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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De zientto y quarenta y quatro carros que fueron a dicha fajina y a seis reales cada uno, importan ochocienttos y sessenta y quatro reales. De diez y seis carros que repartieron a este lugar para la conducion de cal desde los lugares de Viñas y Varge para la dicha plaza y cada carro a treynta e seis reales, importan quinienttos y setenta y seis. Y asi mismo declaran que en el ano de settezienttos y treze vino a este dicho lugar para dar forraje un soldado portugues con su cavallo el qual estubo noventa dias y regulan el gasto de su persona y cavallo a siete reales y medio cada dia, que hacen on los dichos noventa dias seiscienttos y setenta y cinco reales. Y en el ano de settezienttos y catorze, vino para el mismo efeclo otro soldado con su cavallo el qual estaria unos quarenta dias forrajiando, cuio gasto asi de persona como de cavallo, le regulan a los mismos siete reales y medio cada dia, que suman en los dichos quarenta trezientos reales. Y en el ano de settecienttos y quinze, vino a este dicho lugar para dicho efecto de forrajiar otro soldado con su cavallo, el qual se ajusto en dos reales de a ocho, diciendo se iria a otro lugar, y que no vendria otro, los quales le pagaron y se fue e el lugar de Escurelo, que dista de este media legua, y dentro de pocos dias vino otro con su cavallo desde Villar de Ziervos diciendo venia a forrajiar y estuvo en este lugar noventa dias, cuio gasto de persona y cavallo regulan cada dia a siete reales y medio, que en los dichos noventa montan seiscienttos y setenta y cinco reales. Y asi mismo declaran gastaria este dicho lugar con diferentes oficiales y soldados portugueses que por el transitavan a otros de el baston de refrescos que le davan y ajustes que con ellos hacian a dinero, porque no se detubiesen y passasen a otras partes por el mucho gasto que ocasionavan en qualquiera noche que se detubiesen, seiscenttos reales. Y asi mismo declaran no aver llevado ni percivido diezmos algunos eclesiasticos, porque en este lugar no lleva ningun señor reglar cosa alguna, mas que tan solamente el producto del ganado que todos los anos lleva este dicho lugar a la sierra que es propria de su excelencia el conde de Venavente, mi señor, que seria en cada un año zientto y sessenta reales, poco mas o menos, los quales percivieron dichos portugueses en cada un año de los tres porque se haze esta justificacion. Todas las quales dichas partidas y cantidades, segun van referidas y cada una de por si juntas con las de la zertificacion dada por el presente escrivano, declaran devajo de dicho juramento aver pagado este dicho lugar a dicho portugues en el dicho tiempo, como asi es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado por tenerlo todo mui en la memoria, que importan doze mill quattrocienttos y ocho reales de vellon, salvo yerro, sin incluir la partida que toca a su excelencia, y assi lo declararon y en ello se afirmaron y ratificaron y lo firmo el que supo. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Declararon ser de hedad el dicho Domingo Vallestero de cinquenta años, el dicho Pedro Gago de quarenta y cinco, el Juan Gonzalez de quarenta e seis y el Antonio Fernanjez de veynte y seis, poco mas o menos. Firmolo dicho señor Juez de comision y firme. Joseph Vara Pedro Gago Rodrigues Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN ESCUREDO . — En el lugar de Escuredo, jurisdiccion de la villa de Venavente, dicho dia, mes y año dicho, yo el escrivano estando presente el dicho Juez de comision notifique dicho despacho como en el se contiene a Joseph de Varrio, alcalde deste dicho lugar en su persona, que aviendole entendido dijo le obedece con el respecto devido, y que para justificacion de lo que en el se menciona esta prompto a exsivir todos los cupos que uviere y cartas de pago de lo que este lugar pago al portugues desde el mes de marzo del año passado de settezienttos y treze, que fue en el que se publico la suspension de armas entre esta corona y la de Portugal hasta la entrega de la plaza de la Puebla, excepto los recivos de tributos reales, porque esos los pidio dicho portugues antes de la dicha entrega quien se quedo con ellos y solo dio una carta de pago general sin expecificar cantidad, la qual para en la secretaria de ajuntamiento e contaduria maior de la villa de Venavente de donde fue pedida, y que para la justificacion de dichos tributos se podra verificar por algunos cupos y encabezamientos que hacion con el correxidor de dicha plaza que paran en este lugar; e que para la justificacion de fajinas, alojamientos de soldados y otras imposiciones de que no davan recivos, estas se comprobaran por declaracion de personas que de todo daran vastante noticia. Y aviendose exsivido a mi escrivano por el dicho alcalde diferentes cupos y cartas de pago firmadas de dichos portugueses y otras personas vecinas de dicha plaza que cobravan de su orden algunos repartimientos y contribuciones, y haviendo separado lo de cada effecto adonde tocava, zertifico y doy fee que por ellos consta aver pago este dicho lugar repartindosele en el tiempo porque se haze esta justificacion las cantidades siguienttes: Primeramente por dos cupos y encavezamientos firmados de Madureira el uno año de settezienttos y treze y el otro el de catorze consta aver encavezado este dicho lugar los tributos reales en cada un año a trezienttos y veynte y dos reales, que en los ocho tercios que incluie esta justificacion hazen ochocienttos y cinquenta y ocho reales y veynte y dos maravedis. De alojamientos del dicho Governador consta por recivos firmados de Morais aver pago duzienttos y sessenta y quatro reales, a ocho cada mes.

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De luzes zientto y veynte y uno. De carnes mill zientto y ochenta y ocho reles, a treynta y seis cada mes. De quarenta y seis carros de leña que fueron repartidos a este lugar y a seis reales cada uno, hazen duzienttos y cinquenta y dos reales. De trecienttas arrovas de yerva para los cavallos a tres reales cada una, hazen novecienttos reales. Las quales, dichas partidas consta por dichos cupos y cartas de pago haverse repartido y pagado este dicho lugar, como de ellos parece, a que me remito y volvi a entregar a dicho alcalde. Y para justificacion de las fajinas, alojamientos de soldados y otros gastos extraordinarios de que no tiene recivo el dicho Juez de comision, hizo parezer ante si a Francisco Villar, Pedro Ramos, Pedro del Varrio y Francisco Gavella, vecinos de este dicho lugar, de los quales y de cada uno recivio juramento por Dios y a una cruz, que lo hizieron como se requiere y devajo de el prometieron unanimes y conformes declarar todo lo que va referido que no davan recivo dichos portugueses por tenerlo todo mui en la memoria, cuia declaracion hazen en esta forma. Primeramente declaran aver repartido a este dicho lugar en los dos años de settezienttos y treze e catorze quinienttos y setenta e seis hombres para las fajinas de dicha plaza y regulan cada uno a tres reales, que asi lo cobravan a dinero quando a ellas faltavan, que ymportan mill settezientos y veynte y ocho reales. Y de ziento y quarenta carros que asi mismo repartieron para dichas fajinas y a seis reales cada uno, ymportan ochocientos y sessenta y quatro reales. De diez carros que repartieron para la conducion de cal desde los lugares de Viñas y Varge a la dicha plaza y a treynta y seis reales cada carro, ymportan trecienttos y sessenta reales. Y asi mismo declaran que en el año de settezienttos y treze huvo en este lugar um soldado portugues con su cavallo forrajiando, el qual estubo treynta y seis dias, y regulan el gasto de soldado y cavallo a siete reales y medio cada dia, que hazen ducienttos y setenta reales. Y en el año de settezienttos y catorze ubo otro soldado con su cavallo para el mismo effecto, el qual estubo quarenta dias, y regulan aria de gasto la persona y cavallo diez reales cada dia por ser muy descomedido y descompuesto, pues pedia para su mantenimiento com mucho excesso, lo qual le davan por librarse de el castigo que hacia con qualquier vecino que no le dava lo que pedia, que ymporta quattrocienttos reales, y ademas de lo referido porque se sallese del lugar y se fuesse a otra parte, se ajustaron con dicho soldado y le dieron treynta reales y quatro gallinas. Y el año de settecienttos y quinze declaran no aver tenido soldado alojado para dar forraje. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Y asi mismo regulan gastaria este dicho lugar con diferentes oficiales y soldados que por el transitaron de refrescos que les davan y ajustes que con ellos hacian a dinero quinienttos reales. Y ademas de lo referido percivieron dichos portugueses el producto del ganado que todos los años lleva este lugar a la sierra que es propria de su excelencia el conde de Venavente, mi señor, que seria en cada un año ziento y setenta reales, poco mas o menos. Todas las cuales dichas partidas segun van referidas declaran aver pagado a dicho portugues en dicho tiempo, como es publico y notorio y lo saven por las razones que llevan dichas, que ymportan ocho mil y cinco reales y veynte y dos maravedis de vellon, salvo yerro, y asi lo declararon devajo de dicho juramento, en que se afirmaron y ratificaron y no lo firmaron por no saver. Declararon ser de edad el dicho Francisco Villar de zinquenta años, el dicho Pedro Ramos de sessenta, dicho Pedro de Varrio de zinquenta y dicho Francisco Gavella de treynta e uno, poco mas o menos. Firmolo dicho Juez de comision y en fee de ello lo firme. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN SANTIAGO . — En el lugar de Santiago de la Requejada, jurisdiccion de la villa de Venavente, a treynta y un dias del mes de agosto de dicho año de settezienttos y diez y siete, yo dicho escrivano estando presente dicho Juez de comision doy fee hice saver el despacho que va por caveza de estos auttos a Juan Martinez, alcalde de este dicho lugar en su persona, que aviendolo visto dijo le obedece con todo respeto y que para la justificacion que en el se expresa no puede exsivir recibos ni cartas de pago algunos por lo respective a tributos reales, porque estos se los pidio el portugues antes de la entrega de la plaza de la Puebla, que se quedo con ellos y solo dio una carta de pago general sin expecificar cantidad alguna, la qual para en la contaduria maior de la villa de Venavente, y por lo que toca de las demas cartas de pago de alojamientos del Governador, luzes, carnes, leña, yerva y otras imposiciones no puede tampouco exsivirlas a causa de haverse perdido muchas de ellas, por lo que dicho Juez de comision para la dicha justificacion de lo que este dicho lugar pago a dicho portugues desde el mes de marzo de el año pasado de settezienttos y treze, que fue en el que su publico la suspension de armas entre esta corona y la de Portugal hasta la entrega de la dicha plaza, hizo parecer ante si a Juan de Ravallo, Juan Garcia, Juan Gonzalez y Marcos Gonçalez, todos vecino, de este dicho lugar, personas de toda intelijencia, de los quales y de cada uno de por si tomo y recivio juramento por Dios y a una cruz, que lo hizieron como se requiere y devajo de el unanimes y conformes prometieron decarar com toda distincion lo que este dicho lugar pago

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a dicho portugues en el referido tiempo, as de tributos como demas imposiciones y repartimientos extraordinarios, cuya declaracion hacen en la forma seguientte: Primeramente declaran aver pagado de tributos reales en los ocho tercios que incluye esta justificacion, mill ochocienttos y setenta y siete reales, a razon cada tercio de ducienttos y treynte y tres. De los alojamientos del Governador trecienttos y treynta reales, a diez reales cada mes. De luzes para los quarteles y cuerpos de guardia ziento y quarenta reales. De vaca dos mill ochocienttos y treynta y ocho reales, a ochenta y seis cada mes. Asi mismo declaran aversele repartido a este lugar en el referido tiempo ziento y sessenta y dos carros de leña a precio de seis reales cada uno, que asi lo cobravan a dinero, que hazen novecienttos y sessenta y dos reales. De zientto y veynte y seis carros de yerva que en el referido tiempo repartieron a este lugar y cada carro a veynte y quatro arrovas y cada arrova a dos reales y medio, que asi lo pagavan a dinero cuando no la llevan, que ymporta siete mill quinienttos y sessenta reales. De las fajinas de ochocienttos y setenta y quatro hombres que en los dos años de settezienttos y treze y catorze fueron a la dicha plaza y a treynta y seis hombres cada mes y cada hombre a tres reales, importam dos mill quinienttos y noventa y quatro reales. Y de ziento y quarenta y quatro carros que fueron para dichas fajinas en dichos dos años a seis reales cada uno, que assi los cobravan a dinero cuando alguno faltava, que ymportan ochozienttos y sessenta y quatro reales. Y asi mismo declaran averse repartido a este lugar veynte e quatro carros en dicho tiempo, para la conducion de cal desde los lugares de Viñas y Barge a la referida plaza y a razon de cinquenta reales cada carro, que hacen mill y ducienttos reales. Declaran asi mismo que en el dicho año de settezientos y treze, por la primavera, de el vino a este lugar un soldado portugues con su cavallo a forrajiar, en qual estaria sessenta dias poco mas o menos, y regulan el gasto asi de persona como de cavallo a siete reales y medio cada dia, que en dichos sessenta hazen quattrocienttos y cinquenta reales. Y en el año de settecienttos y catorze huvo otro soldado para el mismo efecto, y estaria otros sessenta dias, cuio gasto asi de persona como de cavallo regulan a lo mismo que el antezedente, que suma otros quattrocientos y cinquenta reales. Y en el año de settezienttos y quinze declaran aver tenido en este dicho lugar otro soldado para el efecto de dar forraje, en qual estubo otros sessenta dias, y regulan el gasto de persona y cavallo a lo mismo que los antezedentes, que hazen otros quattrocientos y cinquenta reales. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Y asi mismo declaran que los gastos de diferentes oficiales y soldados que por este lugar transitaron en el tiempo porque se haze justificacion, de refrescos que les davan y ajustes que con ellos hazian a dinero porque no se detuviessen y passassen a otras partes, regulan gastaria este dicho lugar a lo menos novezienttos reales. Y ademas de todo lo referido, declaran que dichos portugueses percivieron y cobraron el producto del ganado que este dicho lugar lleva todos los años a la sierra que es propria de el excelentisimo señor conde duque de Venavente, mi señor, que seria en cada un año ziento y veynte reales. Todas las cuales dichas cantidades declaran debajo de dicho juramento aver pagado y levado a dicho portugues en el tiempo referido, como asi es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado por tenerlo todo muy presente y en la memoria y haver ido hazer las pagas los declaranttes, que ymporta veynte mil seiscienttos y treze reales de vellon, salvo yerro, y no ba ynclusa la partida que pertence a su excelencia el conde de Venavente, y asi lo declararon devajo de dicho juramento en que se afirmaron y retificaron y lo firmo el que supo, y declararon ser de hedad el dicho Juan de Revallo de treynta y seis años, el dicho Juan Garcia de cinquenta y seis, dicho Juan Gonzalez de cinquenta y quatro y el dicho Marcos Gonzalez de quarenta y tres, poco mas o menos. Firmolo dicho Juez de comision y en fee de ello lo firme. Joseph Vara Juan Gonzalez Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN ROSINOS. — En el lugar de Rosinos de la Requejada, jurisdiccion de la villa de Venavente, dicho dia mes y año dichos, estando presente dicho Juez de comision, doy fee notifique, hize saver el dicho despacho que va por caveza de estes auttos a Domingo Vallestero, alcalde de este dicho lugar en su persona, que aviendolo entendido dijo: Le obedeze con el respeto devido y que para la justificacion de lo que en el se contiene no puede exsivir recivos ni cartas de pago algunos por lo respective a tributos reales, porque estos se los pidio el portugues antes de la entrega de la plaza de la Puebla que se quedo con ellos y solo les dio una carta de pago general sin mencionar cantidad alguna, el qual para en la contaduria maior e secretaria de ayuntamiento de la villa de Venavente de donde fueron pedidas, y por lo que mira a las demas cartas de pago y alojamientos de Governador, luzes, carnes, leña, yerva y otras imposiciones que no puede tampoco exsivirlas por aversele perdido muchas de ellas y no poderse justificar por esta causa con toda claridad lo que este dicho lugar pago a dicho portugues desde el mes de março del año passado de settecienttos y treze, que fue en el

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que se publico la suspension de armas entre esta corona y la de Portugal hasta que se entrego dicha plaza, por lo qual dicho Juez de comision para la referida justificacion hizo parecer ante si a Juan Fernandez, Juan de Varrio, Pedro Zentteno y a Pedro Garcia, todos vecinos de este dicho lugar, de los quales y de cada uno tomo y recivio juramento por Dios y a una cruz que lo hizieron como se requiere, y devajo de el prometieron declarar con toda distincion todo lo que este lugar pago a dicho portugues en el tiempo por que se haze esta justificacion asi de tributos como demas imposiciones y gavelas, y unanimes y conformes hazen dicha declaracion en la forma siguientte: Primeramente declaran aver pagado este dicho lugar de tributos reales en los ocho tercios que yncluie esta justificacion mill ziento y noventa y dos reales. De los alojamientos del Governador quattrocienttos y cinquenta reales, en cuia cantidad entra un mes que pagaron sessenta y seis reales y los treynta y dos meses a doze reales cada uno. De luzes ciento y quarenta reales. De carnes dos mill ziento y setenta y ocho reales, a razon de sessenta y seis cada mes. De ziento y sessenta carros de leña que en dicho tiempo repartieron a este lugar para los quarteles y cuerpos de guardia, a razon cada uno de seis reales, hazen mill y veynte. De ciento y veynte y seis carros de yerva que tambien repartieron para la cavalleria que estava de guarnicion, y cada carro de veynte y quatro arrovas y cada arrova a dos reales y medio, que a si pagavan a dinero quando no la llevavan a dicha plaza, que ymporta siete mill quinienttos y sessenta reales. De las fajinas de ochozienttos y sessenta y quatro hombres que en los dos años de settezientos y treze y catorze repartieron a este lugar y a tres reales cada uno, que assi las pagavan quando alguno faltava, que ymporta dos mill quinienttos y noventa y dos reales. Y de ziento y quarenta y quatro carros que repartieron para dichas fajinas en dichos dos años y cada uno a razon de seis reales, que ymporta ochocienttos y sessenta y quatro. De veynte y quatro carros que asi mismo repartieron para la conducion de cal desde los lugares de Viñas y Barge a la dicha plaza en los dichos dos años y a cinquenta reales cada carro, hazen mill y ducienttos reales. Y asi mismo declaran aver estado en este dicho lugar en el año de settecienttos y treze dos soldados portugueses con sus cavallos dando forraje sessenta dias poco mas o menos, y regulan el gasto asi de personas como de cavallos a quinze reales cada dia, que hazen novecienttos reales, y en el año de settezienttos y catorze declaran no aver avido soldados para el efecto de forraje. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Y en el año de settezienttos y quince declaran aver venido a este dicho lugar otro soldado portugues con dos cavallos, los quales estarian dando forraje quarenta dias y regulan el gasto de dicho soldado y los dos cavallos a diez reales cada dia, que ymporta quattrocienttos reales. Y de los gastos que hizieron diferentes oficiales y soldados que transitaron en dicho tiempo por este dicho lugar de los refrescos que los davan y ajustes que con ellos hacian porque no se detuviessen y passassen a otras partes, regulan que en dicho tiempo importaria a lo menos mill reales. Y ademas de todo lo referido declaran aver percibido y cobrado el producto de el erbaje de los ganados que todos los años va a la sierra propria de el excelentisimo señor conde duque de Venavente, mi señor, que seria en cada un año ziento y cinquenta reales. Todas las quales dichas cantidades y cada una de por si declaran devajo de dicho juramento aver pagado a dicho portugues en el tiempo por que se hace esta justificacion como asi es publico y notorio y lo saven con la distincion que lo llevan declarado, por tenerlo todo muy en la memoria y aver ido los declarantes hazer las pagas a dicha plaza, que ymportan diez y nuebe mill y quarenta y seis reales de vellon, salvo yerro, y no ba inclusa la partida que pertence a sua excelencia, y asi lo declararon devajo de dicho juramento en que se afirmaron y ratificaron y lo firmo el que supo. Declararon ser de hedad el dicho Juan Fernandez de setenta y tres años, el dicho Juan de Varrio de zinquentta y dos, el dicho Pedro Zentteno de treynta y seis y el Pedro Garcia de quarenta, poco mas o menos. Firmolo dicho Juez de comision y firme. Joseph Vara Juan de Varrio Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. OTRA EN ZEREZAL. — En el lugar de Zerezal, jurisdiccion de la dicha villa de Venavente, a primero dia del mes de septiembre de dicho año yo el escrivano, estando presente dicho Joseph Vara, Juez de comision en estos auttos, doy fee notifique e hize saver el despacho que va por caveza de ellos a Pablo Martinez, alcalde de este dicho lugar en su persona, que aviendole oydo y entendido dijo: le obedeze y en quanto a su cumplimiento no pasa hazer la justificacion que en el se ordena a causa de averla hecho dias a en virtud de orden de el señor conde de Ripalda, governador de la ciudad de Zamora, quien la remitio a la villa de Bombue, y por ser este lugar compreendido en la abadia de dicha villa y pagar los tributos reales en dicha ciudad de Zamora se le obligo a este lugar a hazer dicha justificacion en dicha villa de Bombuey junto con los demas lugares de dicha abadia, la qual remitieron a dicho señor governador y un traslado a la corte de Lisboa, como es publico por lo qual no pasa el que responde a hazer la referida justificacion en virtud de el despacho

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que le a sido notificado esto respondio, y no lo firmo porque dijo no saver, firmo dicho Juez de comision y en fee de ello lo firme. Joseph Vara Ante mi Ignacio Anttonio de Palazios. [A continuacion se indican las enmiendas, que van hechas en los referidos auttos de justificacion.] Concuerda con la horden expedida por el Señor Conde de Ripalda, Governador de lo pulitico y militar de la ciudad de Zamora, auto a su continuacion dado por la xustiça hordinaria desta villa, comision justificaciones y demas delixencias orixinales de que ba echo menzion y pasaron por testimonio de Ygnacio de Palacios, escrivano de sua Magestad y becino desta villa, que por aora quedan en mi poder a que me remito en ovedecimiento de lo mandado en la horden y autto ynserto que va por caveza de el presente que firmo y signo yo Lupercio Diaz Valcarce, escrivano del numero y aiuntamiento de esta dicha villa de Benavente, en ella a diez y ocho de noviembre de mill setezienttos y diez y siete años en estas ziento y treinta foxas escriptas en el papel que le corresponde. En testimonio (signo) de verdad. Lupercio Diaz Valcarce (rubricado)».

DOCUMENTO N.° 6 Barulho dos de Mofreita com os galegos de Hermisende (389) [9] 3 de Junho de 1785 «Senhora Á disputa que entre si tiverão alguns moradores do lugar da Mofreita termo desta cidade de Bragança, com outros do lugar de Armezende Reyno de Espanha deu ocaziam a que na conformidade das Leys de V. Magestade procedesse a Devassa d’Assuada atentas as circunstancias, que a fazem admissivel.

(389) No tomo VIII, p. 41 e 134 (inumerada), demos notícia de outros barulhos com pancadarias e mortes entre os raianos portugueses e espanhóis.

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O Corregedor aquem pertence aquella povoação espanholla tão bem tomou conhecimento do cazo acommulando aos vassallos de V. Magestade alem da culpa de ferimento, de furto de huma vaca, e duas vitellas, que na realidade não houve, antes pello contrario ficarão aquelles privados da vaca, que lhes faltava, e os conduziu á segunda acção dirigida somente a recuperar o que hera seu. Esta hé a verdade, que pude descobrir, e patentear na devassa de que remeto a copia, não obstante o que se pondera na espanholla, cujo tresládio igualmente remeto, fiz deligencia para prender os culpados, e circulando com troppa aquella povoação não consegui o effeito pella auzencia dos reus, que abandonadas suas rezidencias se desconhece por agora o lugar do refugio. Á vista do ponderado V. Mag.de mandará o que for servida. Bragança a 3 de Julho de 1785. O JUIZ

DE

FORA

Antonio José de Morais Sarmento e Sá.

Devassa de assoada 1785 Traslado de huns Autos de Devassa de Assoada a que procedeo o Doutor Juiz de Fora desta cidade de Bragança pelo acontecido no sitio da Lama de Val de Galinhas Reyno de Espanha. ANNO do NASCIMENTO de Nosso Senhor Jezus Cristo de mil sette centos oitenta e cinco annos aos vinte dias do mez de Junho do dito anno nesta cidade de Bragança e Casas da Aposentadoria do Doutor Antonio Jose de Morais Sarmento e Sá, Juiz de Fora com Alçada em esta mesma cidade e seu termo por Sua Magestade Fidellissima que Deoz guarde &... Ahy por elle Menistro foi dito que a sua noticia chegara que alguns moradores do lugar da Mofreita termo desta cidade havião passado em assoada ao lugar de Armezende ou seus arabaldes Reyno de Espanha no dia vinte nove de Mayo proximo passado serião quatro horas da tarde pouco mais ou menos, e travandosse de rasoens travarão, alias armarão a pendencia de que rezultarão

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ferimentos de parte a parte dos quaes se não procedeo a exame por serem feitos em Reyno estranho, e não constar quaes as pessoas feridas por se não queixarem, e porque o cazo hera de devassa ex oficio mandou elle Menistro fazer este auto para por elle devassamente perguntar testtemunhas e servir no conhecimento da verdade e para constar fiz este dito auto que elle Menistro assignou somente, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento —.

Inquerição feita na Devassa de Assoada pello acontecido no sitio na Lama de Val de Gallinhas Reyno de Espanha —. Aos vinte hum diaz do mez de Junho de mil sette centos oitenta e cinco annos neste lugar da Mofreita onde veyo o Doutor Juiz de Fora da Cidade de Bragança Antonio Jose de Morais Sarmento e Sá ahy comigo escrivão perguntou e inquirio as testemunhas da presente devassa e para constar fiz este termo Antonio Manoel de Almeyda a escrevy —. Domingos Affonço da Veiga viuvo lavrador e morador em este lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de trinta (?) e sette anos // E perguntado elle testemunha pello contheudo no primeiro artigo no auto de Devassa disse que no dia vinte nove de Mayo proximo passado geralmente constou que Francisco Pires solteiro filho de Domingos Pires, e Antonio de Carvalho tão bem solteiro filho que ficou de Manoel Carvalho ambos deste lugur se recolhião do Reyno de Castela conduzindo alguas rezes de gado bacuum e socedendo encontrarse com alguns moradores do lugar de Armezende Reyno de Castella que andavão pastoriando os seus gados em hum prado tiveram estes e aquelles discordias de que resultou que os moradores do lugar de Armezende supremirão huma vaca que intentavão passar aqueles para este Reyno, e daqui nasceu que os mesmos Antonio de Carvalho e Francisco Pires se encaminharão para este lugar e convocarão gente para ofenderem os de Armezende conseguindo com efeito levarem em sua companhia para o mesmo fim diferentes sogeitos que se achavão juntos por ocazião de hua festevidade que se havia selebrado neste lugar no referido dia entre os quais forão Manoel Carvalho homem digo, Manoel Carvalho homem casado, Manoel Correa solteiro filho que ficou de Domingos Affonço, João Martinz viuvo, hum filho de Mathias Fernandes cujo nome não declara por não saber qual delles era em rezão de serem tres irmaos, Xavier de Sá, filho de Francisco de Sá natural da Villa de Vinhaes, e aquelles deste lugar, Joze Diaz filho de outro do lugar do Zeive, José Paulo do lugar de Fontes Travasceiro, os quais todos chegando ao dito sitio, e prado de Armezende travarão uma peleja de que resultarão diferentes ferimentos tanto em huns MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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como em outros contendores fazendose constante que os denuciados Manoel Carvalho, Xavier de Sá e João Martinz se distinguirão pelas muitas pancadas, e grandes ferimentos com que maltrataram a muitos dos espanhoes, o que tudo he publica voz e constante fama, e por isso já os denunciados se auzentarão para não serem prezos e não se procedeo a corpo de delicto por esta Jurisdição por ser o mesmo delicto acontecido no Reyno de Espanha aonde tambem se procedeo devassa, e mais não disse e aos costumes, e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda. O escreuy — Sarmento // De Domingos Affonço huma Cruz de seu Signal —. Miguel Martinz homem casado lavrador neste lugar de Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de cinquenta annos //. E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que sendo por quatro horas da tarde do dia declarado no mesmo passando pellos limites do lugar de Armezende Reino de Castella, Manoel Correa solteiro Antonio Carvalho do Passo, de alcunha o Carrapito, Francisco Pires solteiro filho de Domingos Pires que conduziaão do Reyno de Espanha alguas rezes de gado vacuum socedera encontraremse com alguns espanhoes do lugar de Armezende que apassentavão os seus gados em hum prado pertencente ao mesmo lugar, e querendo estes embaraçar o transporte dos gados que conduzião aquelles se moveo a esse respeito disputa porque os mesmos hespanhoes aprehenderão huma vaca propria dos denunciados acima indicados estes vendo que não tinhão partido, antes receberão algumas pancadas dos de Armezende voltarão a este lugar e chamarão muitas pessoas afim de hirem buscar a sua vaca e desforçaremse do insulto conseguindo que os acompanhassem Jose Ferreira solteiro filho do Doutor Jose Ferreira de Castro deste lugar, e Jose Paulo do de Fontes Trabasseiro, Jose de Sá, digo Xavier de Sá filho de Francisco de Sá da villa de Vinhaes, não ha duvida de que desta segunda pendencia se fez notorio resultarão varios ferimentos porem a vaca que deo ocaziam á desputa ficou em poder dos moradores de Armezende aonde se concerva, como a todos he constante, como tambem que alguns dos denunciados se achão refugiados afim de evitarem a prizão que nesta noite se lhe intentou fazer e mais não disse nem aos costumes e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — Miguel Martinz. João Rodriguez homem casado lavrador e morador em este lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de trinta e trez annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que serião quatro horas da tarde do dia declarado no mesmo, e chegarão a este lugar Manoel Correa, Antonio Carvalho por alcunha o Carrapito, e Francisco Pires, os quaes conduzindo do Reyno de Espanha MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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alguas cabeças de gado vacum, e encontrandosse no prado de Armezende Reyno de Espanha com alguns moradores do mesmo lugar quizerão estes aprehender o gado que conduzião a que elles e com effeito depois de agitada a pendencia conseguirão ficar com huma vaca, os denunciados voltarão a este lugar chamarão gente para se desforcarem e offenderem os hespanhoes, e conseguirão a levarem em sua companhia para o mesmo fim a Manoel Carvalho Carrapito, Jose Ferreira solteiro, alfayate, e João Martinz viuvo todos deste lugar, Xavier de Sá filho de Francisco de Sá da Villa de Vinhaes, e Jose Diaz filho de Domingos Diaz do Zeive, e Jose Paulo do lugar de Fontes Travasseiro os quaes todos segundo he fama constante voltarão aquelle sitio do prado onde encontrando os hespanhoes de Armezende mutuamente se ferirão, porem nem trouverão a vaca que lhe faltava, nem outra alguma pertencente aos de Armezende, alguns dos denunciados reconhecendo o delicto se auzentarão de suas casas afim de não serem prezos de que os izentou a fuga e mais não disse e aos costumes disse ser perante em terceiro grado ao denunciado João Martins viuvo, e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda o escrevy — Sarmento — João Rodriguez —. Domingos Affonço da Fonte homem casado lavrador e morador neste lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de sessenta e seis anos — E perguntado pello contheudo no Auto da Devassa disse que sabe pello ouvir dizer publicamente que Francisco Pires solteiro filho de Domingos Pires deste lugar por diferenças que teve com alguns moradores do lugar de Armezende Reyno de Castella, chegara a este dito lugar e convocara gente com o destino de hirem ao prado do lugar de Armezende a donde havia principiado a pendencia para offender aquelles hespanhoes que no mesmo se achavão pastoriando os seus gados e com effeito conseguira associar Antonio Carvalho e seu irmão Manoel de Carvalho, e Jose Pires da Veiga solteiro filho de João Martinz viuvo todos deste lugar e Xavier de Sá filho de Francisco de Sá da Villa de Vinhaes, e mais não disse e aos costumes disse ser thio do denunciado João Martinz viuvo, e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeida e escrevy — Sarmento — De Domingos Affonço huma Cruz —. Antonio Carvalho homem casado lavrador e morador em este lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de cinquenta annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que no dia vinte nove de Mayo proximo passado serião quatro horas da tarde pouco mais ou menos presenciara elle testemunha chegar a este lugar e queixar-se que os moradores do lugar de Armezende Reyno de Castella lhe havião tirado huma vaca que com outras mais cabeças vacum intentava conduzir para este lugar Antonio Carvalho, e por isso chamou difeMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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rentes pessoas para que o acompanhassem afim de desforçarsse contra os mesmos hespanhoes; alguns moradores deste lugar e alguns de fora acompanharão ao dito Antonio Carvalho, e encaminhandosse todos ao sitio do prado de Armezende travarão pendencia huns com os outros em cuja acção se fizerão bastantes ferimentos dos quaes não tem certeza por serem perpetrados em Reino alheyo, e mais não disse e aos costumes disse ser parente em grao remoto que ignora do denunciado Antonio Carvalho e assignou com elle Menistro — Antonio Manoel de Almeyda o escrevy — Sarmento — De Antonio Carvalho huma Cruz —. Francisco Alvarez homem casado lavrador e morador em o lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de cinquenta anos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que recolhendose de Reyno de Espanha Antonio Carvalho Carrapito e Francisco Pires solteiro com alguas cabeças de gado vacum que no mesmo Reyno havião comprado socedera passarem o prado do lugar de Armezende que se achava couto por ordem de justiça, e naquelle dia vinte nove de Mayo proximo passado apassentavão os ditos moradores do lugar de Armezende seus gados no dito campo intentarão penhorar aos dous acima indicados pelo tranzito que fazião por aquelle sitio e daqui nasceo em queixaremse huns com outros e ficar suprimida huma vaca das que conduzião Autonio Carvalho e Francisco Pires; estes voltarão ao lugar da Mofreita, chamarão gente para hirem buscar a vaca, e desforçarse com os hespanhoes, e conseguirão associar a si alguns moradores e voltando ao sitio do prado se travarão com os hespanhoes de que resultarão bastantes ferimentos porem nem trouverão a vaca que lhe haviao tirado os de Armezende nem outra alguma que a estes pertence; elle testemunha não se achava no lugar nessa ocazião por isso não tem certeza dos que acompanharão aquella assoada, e mais não disse nem aos costumes e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — De Francisco Alvarez hua Cruz de seu Signal —. Lazaro Pires homem casado lavrador e morador em este lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de trinta e cinco anos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que no dia declarado no auto, aliaz, declarado no mesmo, passando por huma lama do lugar de Armezende Reyno de Hespanha, Manoel Correa, Antonio Carvalho e Francisco Pires do seu lugar os quaes transportavão algumas cabeças de gado vacum, socedera que os moradores do mesmo Armezende, suprimirão huma vaca propria daquelles com o fundamento de lhe haverem entrado na lama que estava vedada, e movendosse sobre esta disputa, consta geralmente se derão mutuamente algumas pancadas, e daqui MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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nasceo que os expressados Antonio Carvalho, Francisco Pires e Manoel Correa voltassem a este lugar da Mofreita convocassem gente e partissem em direitura a referida lama de Armezende aonde novamente se derão muitas pancadas, porem, a vaca, que lá havia ficado nem por isso foi conduzida por seus amos e menos outra alguma pertencente aquelles hespanhoes não tem elle testemunha certeza quaes forão os sogeitos que á vóz dos cabeças de motim acompanharão aquella assoada porque expressamente somente ouvio nomear a um Xavier de Sa da Villa de Vinhaes e mais não disse nem dos costumes e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — De Lazaro Pires huma Cruz de seu Signal —. João Affonço solteiro filho de outro já defunto deste lugar da Mofreita nothificado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de vinte nove annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que no dia declarado no mesmo ouvira geralmente constar, que Francisco Pires solteiro, Antonio Carvalho Carrapito e Manoel Correa todos deste lugar passando por uma lama do lugar de Armezende com huma partida de gado vacum e tendo diferenças com os do lugar de Armezende Reyno de Hespanha estes pegarão em huma vaca daquelles a titollo de os coimarem pelo tranzito que fazião pella referida lama e depois de varios rebates se retirarão os tres portuguezes acima indicados e voltando a este lugar chamarão outros para o fim de cobrarem a sua vaca, e desforçaremse com os de Armezende e ainda que he notorio seguirem aquella assoada diferentes pessoas comtudo só ouvio nomear a hum Xavier de Sá da Villa de Vinhaes, e não tem certeza quaes forão os mais que se derigirão aquella acção movidos dos rogos dos tres amotinados, e mais não disse nem aos costumes e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — De João Affonso hua Cruz de seu Signal —. Manoel Fernandes homem casado lavrador e morador neste lugar de Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de sessenta e quatro annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que no dia declarado no mesmo, movendosse disputa entre Antonio Carvalho, Francisco Pires solteiro e Manoel Correa com os moradores do lugar de Armezende sobre a passagem de huma partida de gado vacum que conduzião aquelles por hua lama pertencente a estes, os tres acima indicados voltarão a este lugar chamarão gente e associando a si alguns sogeitos partirão em direitura a referida lama aonde travarão hua rigoroza pendencia com os hespanhoes da qual consta ficarão de parte a parte bastantes feridos, elle testemunha não tem certeza quaes foram os agregados aquella assoada, somente ouvio nomear hum Francisco de Sá natural de Vinhaes, e casado neste lugar com huma irmã do denunciado Francisco Pires solteiro, e mais não disse nem MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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aos costumes, e assignou elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — De Manoel Fernandes huma Cruz de seu Signal —. Francisco Pires homem casado lavrador e morador em o lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de sessenta annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que Antonio Carvalho, Francisco Pires solteiro e Manoel Correa Declarado no auto passando por uma lama do lugar de Armezende Reyno de Hespanha com huma partida de gado vacum se travarão de razoens com os hespanhoes e movendosse pendencia entre todos aquelles tres portuguezes acima indicados voltarão a este lugar convocarão gente, e retrocederão ao sitio da lama de Armezende aonde principiara a pendencia, constou geralmente que de parte a parte houvera bastantes ferimentos, e que Joaquim Pires e seu irmão José Pires, filhos que ficarão de João Pires ja defunto deste lugar, os ajudarão a fazer pela razão de haverem acompanhado a assoada para que os convocarão os mencionados Francisco Pires, Antonio Carvalllo e Manoel Correa, e mais não disse e assignou com elle Menistro eu Antonio Manoel de Almeyda que o escrevy — Sarmento — Francisco Pires —. Antonio Diegues homem casado lavrador e morador em o lugar da Mofreita notheficado em forma devida e jurado, de que dou fe, de idade que disse ser de sessenta e dous anos — E perguntado pello contheudo no auto de devassa disse que Antonio Carvalho, Manoel Correa e Francisco Pires solteiro, quando se recolhião com huma partida de gado vacum que havião comprado no Reyno de Hespanha e passavão nos arrabaldes do lugar de Armezende encontrarão em huma lama alguns moradores deste mesmo lugar, e travandosse de razoens com outros, porque os hespanhoes lhe penhoravão huma vaca propria dos tres portuguezes acima nomeados, se fes notorio que os mesmos portuguezes voltando a este lugar chamarão gente e partirão ao referido sitio aonde se fizerão huns e outros bastantes ferimentos, elle testemunha não estava no lugar e por isso ignora quaes forão os que acompanharão aquela assoada convocados pellos tres motores, tendo somente a certeza segundo he constante que hum Xavier de Sáa da Villa de Vinhaes que alli se achava acompanhara aquella acção e fizera algumas feridas com hua bayoneta que levava encabada em hum pao, e mais não disse e aos costumes e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda que o escrevy — Sarmento — Antonio Diegues —. Antonio Gil homem casado lavrador e morador em este lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe, de idade que disse ser de cinquenta annos — E perguntado pelo contheudo no auto da devassa disse que no dia declarado no mesmo voltarão para este lugar do Reyno de MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Espanha com hua partida de gado vacum Antonio Carvalho Carrapito, Francisco Pires solteiro, e Manoel Correa, e passando por hua lama do lugar de Armezende sosedeo haver discordias entre huns e outros, motivados de quererem os espanhoes senhoriarse de huma vaca propria dos tres portuguezes acima indicados com o fundamento de passarem os portuguezes com as suas rezes pela lama que estava coutada, estes vendo que não tinhão partido com os de Armezende pela diverssidade de sobjeitos, voltarão a este lugar chamão gente e se puzerão a caminho em direitura ao referido prado para cobrarem a sua vaca e desforçaremse da viollencia que se havia irregado, elle testemunha não tem certeza quaes forão os que acompanharão aquella assoada. Ouvio dize que hum Xavier de Sá da Villa de Vinhaes, e José Ferreira alfayate deste lugar se acharão naquelle barulho de que resultarão bastantes ferimentos, e mais não disse e assignou com elle Menistro, nem os costumes, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — Antonio Gil —. António Fernandes solteiro, filho de Amaro Fernandes deste lugar de Mofreita, notheficado e jurado em forma devida de que dou fe, de idade que disse ser de quarenta annos — E perguntado pello contheudo da devassa disse que sendo no dia declarado no mesmo, voltando do Reyno de Espanha com hua partida de gado vacum Francisco Pires, Solteiro, filho de Domingos Pires, Antonio Carvalho Carrapito e Manoel Correa todos deste lugar, encontrandosse com os moradores do lugar de Armezende Reyno de Espanha em huma lama do concelho, se travão huns e outros de rasoens, e pretenderam estes aprehender huma vaca aquelles com o fundamento de lhe haverem passado pela referida lama, de que resultarão segundo geralmente constou alguns ferimentos; os portuguezes acima indicados voltarão a este lugar chamarão gente em assoada, partirão para o referido sitio aonde novamente se travou a pendencia com ferimentos de parte a parte, porem a vaca que havia ficado em poder dos espanhoes la se conserva, como tambem todo o mais gado dos moradores de Armezende, donde os portuguezes não trouxerão alguma das cabeças, que os mesmos suppoem furtadas pellos ditos portuguezes, e consta que um Xavier de Sá, natural da Villa de Vinhaes, fora na companhia dos denunciados quando estes vierao a convocar para a segunda pendencia, e mais não disse nem dos costumes e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — Antonio Fernandes —. João Fernandes solteiro, filho de Domingos Fernandes já falescido, deste lugar da Mofreita, notheficado e jurado em forma devida de que dou fe, de idade que disse ser de vinte anos — E perguntado pello contheudo no auto da Devassa disse que Francisco Pires Solteiro, Manoel Correa e Antonio Carvalho Carrapito, na ocazião declarada no mesmo auto, em que se recolhião com huma partida de gado vacum do Reyno de Espanha tiverão discordias com os MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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moradores de Armezende do mesmo Reyno, e voltando a este lugar chamarão gente para os associar e recuperar huma vaca que aquelles espanhoes lhe haviam apreendido, elle testemunha não se achou prezente na referida ocazião, e por isso ignora quaes forão os que acompanharão os mutores daquella assoada, e mais não disse nem aos costumes, e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — De João Fernandes hua Cruz —. Manoel Affonço solteiro filho de João Affonço deste lugar da Mofreita, testemunha nothificada e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de trinta e oito annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que na ocazião declarada no mesmo se recolhião do Reyno de Espanha com huma partida de gado vacum Antonio Carvalho Carrapito, Francisco Pires e Manoel Correa, todos deste lugar e chegando aos lemites do lugar de Armezende, Reyno de Espanha se encontrarão com alguns moradores deste dito lugar que pastoriavão seus gados em hua lama, e travandose de rasoens porque os espanhoes supremirão-lhe huma vaca das que conduzião os portuguezes deixarão estes a pendencia, e voltarão ao seu lugar da Mofreita aonde chamão gente para voltarem ao sitio da lama de Armezende conseguindo levar de novo para aquella assoada a Francisco de Sá deste lugar e Xavier de Sá da Villa de Vinhaes, e geralmente constou que nesta segunda pendencia se fizerão diferentes ferimentos de parte, e he certo que nem os portuguezes troxerão a vaca que la lhe havia ficado nem outra res pertencente aos de Armezende e mais não disse nem aos costumes e assignou com elle Menistro eu Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — Manoel Affonço —. João Rodrigues solteiro filho de Thome Rodrigues deste lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de trinta e tres anos // E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que na ocazião declarada no mesmo quando se recolhião de Espanha Manoel Correa, Antonio Carvalho e Francisco Pires solteiro com huma partida de gado vacum socedera encontraremse com os moradores do lugar de Armezende a tempo que estes pastoreavão os seus gados em huma lama propria do mesmo lugar houve desputas de parte a parte a respeito de huma vaca que aprehenderão os hespanhoes das que conduzião os portuguezes acima indicados e por isso estes largando a empreza voltarão ao seu lugar da Mofreita convocarão gente não só para recuperarem a vaca mas tambem para se desforçarem e conseguirem atrahir para aquella acção Manoel Carvalho Carrapito e Xavier de Sá da Villa de Vinhaes e geralmente consta que desta segunda acção resultarão bastantes ferimentos como tambem que os mencionados se achavão refugiados na ocazião em que se botou o circo a este lugar MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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225 TOMO XI

para effeito de serem aprehendidos e mais não disse nem aos costumes e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda que o escrevy — Sarmento — João Rodrigues —. Pascoal Fernandez homem casado lavrador e morador em este lugar de Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de cinquenta annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa, disse que sabla por ser notorio e constante que no dia declarado no mesmo se recolhião do Reyno de Espanha Manoel Correa, Antonio Carvalho Carrapito e Francisco Pires solteiro, com huma partida de gado vacuum que havião comprado na feira de Viana do mesmo Reyno e passando pellos lemites do lugar de Armezende pertencente ao dito reyno se encontrarão em hua lama com diferentes espanhoes, os quaes aprehenderão huma vaca das que conduzião os portuguezes de cujo facto resultarão discordias e vendo os portuguezes acima indicados que não tinhão partido com os espanhoes, voltarão a este lugar chamarão gente que os acompanhassem y conseguirão levar em sua companhia a João Martinz viuvo, e Jose Moreira solteiro filho de Antonio Moreira ambos deste lugar e chegando ao referido sitio da primeira pendencia novamente se travou esta repetindosse os ferimentos de parte a parte segundo he constante porem he certo que nem recuperarão a vaca que lhe havia ficado em poder dos de Armezende e menos troucerão alguma pertencente a estes, e mais não disse nem aos costumes e assignou, com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda que o escrevy — Sarmento — De Pascoal Fernandez huma Cruz —. Francisco Diegues homem casado lavrador e morador neste lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de trinta e tres annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que em hum dos dias seguintes ao declarado no auto andando elle testemunha na sua cavada socedera acharse no mesmo sitio Antonio Carvalho Carrapito e Francisco Pires solteiro, e perguntando-lhe elle testemunha pelo caso que lhe havia acontecido com os moradores de Armezende Reyno de Espanha e que forão os que havião associado quando vierão a este lugar chamar gente para hirem buscar a vaca que lhe havia ficado em poder daquelles espanhoes lhe respondera Antonio Carvalho que Francisco de Sá da Villa de Vinhaes os havião seguido naquella ocazião e continuando para declarar os mais o reprehendera com palavras asperas o mencionado Francisco Pires solteiro afim de que não declarasse todos aquelles que havião associado a assoada em que se fez constante houvera bastantes ferimentos porem a vaca que intentavão recuperar ficou em poder dos espanhoes como tambem todas as que lhe pertencião, e mais não disse nem aos costumes e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — Francisco Diegues —. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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DEVASSA Aos vinte tres dias do mez de Junho de mil sette centos e oitenta e cinco annos, nesta cidade de Bragança e Casas da aposentadoria do Doutor Juiz de Fora da mesma Antonio José de Morais Sarmento e Sá, ahi comigo escrivão perguntou e inquirio as testemunhas da presente devassa, e para constar fiz este termo — Antonio Manoel de Almeyda o escrevy —. João Diegues, solteiro, lavrador e morador no lugar da Mofreita, notheficado e jurado em forma devida de que dou fe, de idade que disse de settenta e cinco annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que perguntando elle testemunha a Manoel Correa, solteiro do seu lugar, como socedera a pendencia que teve com alguns dos moradores do lugar de Armezende, Reino de Espanha, quando no dia declarado no mesmo auto tiverão entre si discordias, lhe respondera que passando elle dito Correa na companhia de Francisco Pires solteiro e de Antonio Carvalho Carrapito pela lama chamada Val de Galinhas, propria do lugar de Armezende, huma partida de gado vacum se encontrarão na referida lama com alguns dos moradores hespanhoes do dito lugar; estes aprehenderão huma vaca daqueles com o fundamento de lhe haverem passado pela lama que estava bedada da pastagem dos gados, e movendose disputa a similhante respeito largarão os portuguezes a empreza por não terem partido, e voltarão ao seu lugar da Mofreita convocarão gente e novamente procurarão o sitio da contenda a donde he notorio se derão muitas pancadas de parte a parte, ele testemunha não tem certeza quaes forão os que a acompanharão aos tres primeiros contendores para a segunda acção nem o dito Correa ho declarou, e mais não disse nem aos costumes, e assignou com elle Menistro — Antonyo Manoel de Almeyda que o escrevy — Sarmento — João Diegues. João Correia, solteiro, filho de Francisco Diegues do lugar da Mofreita, notheficado e jurado em forma devida, de idade que disse ser de trinta anos — E perguntado pelo contheudo da devassa disse que ião dia declarado no mesmo, passando Francisco Pires, Manoel Correa e Antonio Carvalho Carrapito pela lama de Val de Gallinhas lemite do lugar de Armezende, Reyno de Espanha, com huma partida de gado vacum, e encontrandose na referida lama com alguns moradores do dito lugar, estes apreenderão huma vaca daquelles dando por fundamento a passagem que lhe fazião por aquele campo que estava vedado, daqui nasceo que os portuguezes por serem muito menos em numero voltarão ao lugar da Mofreita chamarão gente e tornarão ao conflito aonde consta se derão diferentes pancadas de parte a parte, e não sabe elle testemunha quantos foram os convocados que acompanharão aquella assoada, somente ouvio dizer que Francisco de Sá morador na Mofreita e MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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227 TOMO XI

seu irmão Francisco Xavier de Sá da Villa de Vinhaes, se achava na segunda pendencia, este com hua bayoneta encavada em hum pao, com a qual fizera bastantes ferimentos, e mais não disse, e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — De João Correa huma Cruz —. João Pires, homem casado, lavrador e morador no lugar da Mofreita, notheficado e jurado em forma devida, de que dou fe, de idade que disse ser de setenta e nove annos — E perguntado pelo contheudo no auto da devassa disse que hum Xavier de Sã da Villa de Vinhaes, acompanhava Antonio Carvalho, Manoel Correa, Francisco Pires, solteiro, quando estes passando pela lama de Val de Galinhas com huma partida de gado vacum fizerão desconcordias com alguns dos moradores do lugar de Armezende, Reyno de Castella, no dia declarado no mesmo lugar, digo no mesmo auto, ainda que outros acompanhassem tãobem pela... — e não sabe elle testemunha quaes forão por não se achar presente no lugar naquella ocazião e mais não disse deste, e aos costumes disse ser primo em terceiro grao de Antonio Carvalho Carrapito e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeida o escrevy — Sarmento — De João Pires hua Cruz. Domingos Branco, homem casado, lavrador e morador em o lugar da Mofreita, notheficado e jurado em forma devida, de que dou fe, de idade que disse ser de setenta e quatro annos — E perguntado pelo contheudo no auto da devassa, disse que achandosse elle testemunha no mesmo auto, digo no dia declarado no mesmo auto no sitio da Rebonda aonde tem a caza da sua residencia, ouvira dizer que Antonio Carrapito e Francisco Pires solteiro e Manoel Correa, todos do dito lugar de Mofreita, havião pendenciado na lama de Val de Gallinhas, lemite do lugar de Armezende, Reyno de Castella, digo de Espanha, com os moradores do mesmo lugar com a rasão de haverem estes aprehendido huma vaca daquelles que se recolherão com hua partida de gado que havião com praso em hua digo comprado em huma feira de Espanha, fazendose constante que os portuguezes sem mais indicios largarão a contenda e voltarão a convocar gente para novamente envadirem os hespanhoes afim de recuperarem a sua vaca, e não sabe elle testemunha quaes forão os que novamente se associarão na assoada para que forão chamados, á excepção de hum Xavier de Sá da Villa de Vinhaes, o qual levava huma bayoneta encabada em hum pao e dera alguas feridas com aquelle enstrumento, e assignou com elle Menistro, Antonyo Manoel de Almeyda — Sarmento — Domingos Branco —. Estevão Carvalho, homem casado, lavrador e morador no lugar da Mofreita, notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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que disse ser de settenta annos // E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que recolhendosse de Espanha com huma partida de gado vacuum Francisco Pires solteiro, Antonio Carrapito aliaz Antonio Carvalho Carrapito, Manoel Correa solteiro todos do lugar de Mofreita, e passando pela lama de Val de Galinhas propria dos moradores do lugar de Armezende Reyno de Espanha estes violentamente extorquiram aquelles huma vaca com o fundamento de lhe haverem passado pella referida lama que se achava nessa ocazião bedada dos gados, os portuguezes assima innunciados voltarão na dita declara digo, voltarão no mesmo dia declarado no auto em que havia socedido a primeira pendencia ao seu lugar da Mofreita chamarão gente que os acompanhassem afim de recuperarem a vaca que sobre que recahiria a aprehenção, e com effeito ouvio elle testemunha dizer que João Martins viuvo, Jose Ferreira solteiro alfayate Jose Pires da Veiga, este do lugar da Mofreita, Jose Dias, filho de Domingos Dias do lugar do Zeive (?) acompanharão aquella acção em que houve pancadas de parte a parte segondo geralmente consta e mais não disse e assignou com elle Menistro Antonio Manoel Almeyda o escrevy — Sarmento — De Estevão Carvalho hua Cruz —. Vicente Ferreira, solteiro, filho de Domingos Correa, do lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida de que dou fe de idade que disse ser de trinta e trez annos // E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que sabea pello ouvir dizer que Manoel Carvalho e João Martinz viuvo, Jose Peres da Veiga e seu ermão Joaquim Pires solteiro todos do lugar da Mofreita, e Francisco de Sá casado no mesmo lugar, digo, da villa de Vinhaes acompanharão Francisco Pires e Antonio Carvalho Carrapito na ocazião em que estes no dia declarado no mesmo auto voltarão da lama de Val de Galinhas lemite do lugar de Armezende Reyno de Espanha convocarão gente para recuperarem hua vaca que aquelles moradores de Armezende lhe havião aprehendido na passagem que fizerão pela referida lama com huma partida de gado vacuum que conduzião da feira de Viana Reyno de Galiza e que nesta segunda acção houvera ferimentos de parte a parte porem a vaca ficou em poder dos hespanhoes como tambem todas as outras proprias destes e mais não disse nem aos costumes e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeyda o escreveo — Sarmento — Vicente Ferreira —. Manoel Affonço da Eira, homem casado, lavrador e morador em o lugar da Mofreita, notheficado e jurado em forma devida, de que dou fe, de idade que disse de cinquenta anos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que sabia pello ouvir dizer que os hespanhoes do lugar de Armezende no dia declarado no mesmo auto tomarão huma vaca das que conduzião Francisco Pires, Manuel Correa e Antonio Carvalho do lugar da MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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229 TOMO XI

Mofreita, sobre o que houvera pendencia e algumas pancadas de parte a parte, e mais não disse nem aos costumes, e assignou com elle Menistro, Antonyo Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — De Manoel Affonso da Eira uma Cruz. Francisco Pires, solteiro, filho de Jacinto Pires, do lugar da Mofreita, notheficado e jurado em forma devida de que dou fe, de idade que disse ser de trinta e hum annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que não tinha certeza quaes forão os que acompanharão a assoada para que forão convocados por Francisco Pires na ocazião em que este e outros companheiros no dia declarado no mesmo auto passarão com a vacada pela lama chamada de Val de Gallinhas, aonde os hespanhoes do lugar de Armezende lhe suprimiram huma vaca, e mais não disse deste nem aos costumes, e assignou com elle Menistro, Antonyo Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — De Francisco Pires hua Cruz —. Domingos Diegues, homem casado, lavrador e morador em o lugar da Mofreita, notheficado e jurado em forma devida, de que dou fe, de idade que disse ser de sessenta e cinco annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa, disse que Francisco de Sá do seu lugar e Xavier de Sá da Vila de Vinhaes, acompanharão a Francisco Pires quando este veio ao mesmo lugar convocar gente para recuperar a vaca que lhe havião surprehendido os moradores do lugar de Armazende no dia declarado no mesmo auto, em cuja ocazião se derão pancadas de parte a parte, o que sabe pello ouvir dizer, e mais não disse deste nem aos costumes e assignou com elle Menistro, Antonyo Manoel de Almeyda a escrevy — Sarmento — De Domingos Diegues huma Cruz. João Danta, Alferes da ordenança do lugar da Mofreita, notheficado e jurado em forma devida, de idade que disse ser de cinquenta annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que somente sabia pello ouvir dizer que passando Manoel Correa, Francisco Pires e Antonio Carvalho Carrapito pela lama de Val de Gallinhas, lemite do lugar de Armezende, Reyno de Espanha, com huma partida de gado vacum no dia declarado no mesmo auto, aquelles hespanhoes aprehenderão huma vaca das que conduzião os tres portuguezes, de multa por lhe passarem pela referida lama, de cujo facto se originarão descordias, e voltando depois o dito Francisco Pires a convocar gente para recuperar a vaca não sabe ele testemunha quaes forão os que o acompanharão para aquella assoada, e ouviu dizer que de parte a parte se fizerão alguns ferimentos, e mais não disse deste nem aos costumes, e assignou com elle Menistro, Antonio Manuel de Almeida a escrevy — Sarmento — João Danta. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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TOMO XI

José Fernandes, homem casado, lavrador e morador no lugar da Mofreita, testemunha notheficado e jurado em forma devida e aos costumes, digo, devida de que dou fe, de idade que disse ser de cinquenta e seis annos — E perguntado pello contheudo no auto de devassa disse que supposta fosse certa a pendencia que tiverão Francisco Pires, Manoel Correa e Antonio Carvalho Carrapito com os moradores do lugar de Armezende, Reino de Espanha, nem por isso tem certeza quaes forão os que acompanharão ao dito Francisco Pires e Antonio Carvalho quando voltarão ao lugar da Mofreita e convocarão gente para recuperarem a vaca que lhe haviam apreendido aquelles espanhoes na passagem que fizerão com huma partida de gado pela lama de Val de Gallinhas, lemite do mesmo Armezende, no dia e hora declarados no mesmo, e mais não disse nem aos costumes, e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Almeida a escrevy — Sarmento — José Fernandes. Antonio Carvalho, filho de Domingos Carvalho, do lugar da Mofreita notheficado e jurado em forma devida, de que dou fe, de idade que disse ser de quarenta annos — E perguntado pello contheudo no auto da devassa disse que sabia pello ouvir dizer que alguns moradores do lugar da Mofreita tiverão huma pendencia com os de Armezende, Reyno de Espanha, no dia e horas declarados no mesmo e mais não disse nem aos costumes e assignou com elle Menistro, Antonio Manoel de Aimeyda a escrevy — Sarmento — De Antonio Carvalho huma Cruz de seu signal —. Termo de Conclusão da presente devassa — Aos vinte tres dias do mez de Junho de mil setteceritos oitenta e cinco arinos, nesta cidade de Bragança eu escrivão fiz esta devassa concluza e para constar fiz este termo, Antonio Manoel de Almeyda a escrevy —. E não se continha mais em a dita devassa que eu escrivão a qui fiz copiar da propria a que me reporto e por verdade me assigilo em publico e razo. Bragança e Junho vinte e sinco de mil sete sentos oitenta e sinco, Antonio Manoel de Almeyda o fiz escrever. Conta Raza . . . Conta . .

860 036 –––– 896

Em testt.o de Verd.e Ant.o M.el de Alm.a E Comigo Tab.am José Manoel Lopez

Concd. o comigo e com a propria Devassa como fee abaixo asignada Almd.a» (390)

Sarm.to

(390) Arquivo Histórico Colonial, marcação Reino, Papéis avulsos. Ano de 1785. Ao ilustre professor da Universidade do Porto, Dr. Santos Júnior (Joaquim Rodrigues dos), agradecemos a gentileza de nos fornecer a cópia deste documento, por ele descoberto no Arquivo

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231 TOMO XI

DOCUMENTO N.° 7

1785

Os seguintes documentos, cuja cópia agradecemos também ao Dr. Santos Júnior, esclarecem uma particularidade da vida do Juiz de Fora encarregado da sindicância da Mofreita atrás transcrita:

«Ill.mo e Ex.mo Snr. Suposto que as Reaes Leys de S. Magestade Fidelissima somente imponhão obrigação aos Magistrados de pedirem Licenças a mesma Snr.a pelo competente Tribunal quando intentão cazar com mulheres da sua jurisdição, e não tenha esta qualidade a que se me propõem para o mesmo fim; Nem porhisso quero privar me d’aprovação, e Licença de V. Ex. cia quando esta minha rezolução Não encontre a vontade de V. Ex. cia, ou da Soberana aq. fico resignado. D.s G.de a V. Ex.cia Bragança a 8 de Mayo de 1785. O JUIZ

DE

FORA

Antonio José de Moraes Sarmenlo e Sá» (391)

Histórico Colonial, em Lisboa, tanto mais sensibilizados quanto é certo que aproveitou o dia 9 de Abril, nosso aniversário natalício, como frisa na carta junta à remessa, para a realizar. Já não é a primeira vez que este transmontano adoptivo nos fornece documentos descobertos nos arquivos em suas pacientes labutas de criterioso investigador, como se declara em muitas páginas destas Memórias, mas esta agora comoveu-nos profundamente, porquanto, além do significado afectuoso, ele, na altura (9 de Abril de 1942) estava de cama, por ter partido o braço direito (a carta, ditada por ele, escreveu-a o filho António Fernandes Rodrigues dos Santos), quando procedia a investigações etnográficas no concelho de Moncorvo, caindo da montada abaixo. O Dr. Santos Júnior fez largos extractos deste documento para a tese Episódio bulhento entre povos fronteiriços no fim do século XVIII, que apresentou à 7.a Secção — Ciências Históricas e Filológicas do Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, celebrado no Porto de 18 a 24 de Junho de 1942. (391) Arquivo Histórico Colonial, Reino, Documentos diversos. Anos de 1750 a 1786.

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DOCUMENTO N.° 8 O tenente de cavalaria Francisco Ferreira Sarmento tenta apropriar-se de grande porção de terreno baldio [10] 20 de Novembro de 1785 «Ill.mo Snr. Brigadeiro General Constando-me no mez de Abril passado, que o Tenente de cavallaria Francisco Ferreira Sarmento, andava fazendo romper com muitas juntas de boys, um grande campo do concelho immediacto a esta Cidade e unico capaz de se exercitarem as tropas desta guarnição, como com effeito se tem exercitado nelle de tempo immemorial, chamei dito Tenente e lhe adverti se abstivesse daquella cultura emquanto dava conta, para que não fosse a Fazenda de S. Mag.e obrigada a comprar por muito dinheiro o campo indispensavel para os exercicios (e que talves se concedeo ao dito Tenente sem exame), como ha pouco tempo sucedeo na Praça de Miranda comprarse hua cortinha, por não haver nos seus suburbios campo algum para executar as tropas: Respondeome dito Tenente que mandasse eu demarcar o terreno necessario para o exercicio dos Regimentos de Cavallaria, e lnfantaria desta Praça, ou o mais que me parecesse, e que não hera necessario que eu desse conta disto; e como esta pratica foi na minha e Sua prezença, e na dos Commandantes, e Majores, e Ajudantes destes corpos, mandei que nos dias seguintes fossem as tropas ao dito terreno e se demarcasse o necessario para exercicios, o que com efeito se fez, e dito Tenente me preguntou se podia lavrar o resto do campo, que erão mais de trinta geiras de terra; respondilhe que como eu não hera Procurador do Concelho e somente Governador desta Praça, me não tocava embaraçar-lhe a posse, supposto conhecia o prejuizo que rezultava não só aos gados e cazas desta cidade, mas a seis ou sette lugares a que immediactos, que todos lanção seus gados para dito campo, na conformidade da sentença que ditos povos alcançarão há mais de trezentos annos, para terem os pastos mistos nos campos do concelho, que pertencem a esta cidade. Ficando este negocio nestes termos, succede agora fazer dito Tenente semear aquelle campo demarcado, sem me dizer o motivo, e dizendolhe o Tenente-Coronel Commandante da Cavallaria que não fazia bem nisto, elle continuou a semear todo o campo. Esta absoluta merecia, a meu ver, maior castigo, porém eu me contento em fazer continuar os exercicios no dito Campo semeado, em esperar a rozulução de V. S. a, attentas as razoens ponderadas, e que não há outro MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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campo capaz á roda desta cidade em que possa manobrar hum Regimento de Cavallaria. D.s G.de a V. S.a Bragança 20 de Novembro de 1785. Manoell Jorge Gomes de Sepulveda» (392)

DOCUMENTO N.° 9 Ainda a questão do campo baldio amordomado pelo tenente Francisco José Ferreira Sarmento, falta que faz para os exercícios militares e para pastoreio dos gados de Samil, Cabeça Boa, Vila Nova, Castro de Avelãs e Gostei. Caso idêntico em Mirranda do Douro 22 de Junho de 1786 «A irregularidade das estaçoens, a falta de noticias necessarias para satisfazer a carta respeitavel de V. S.a de 24 de Novembro de 1785, a mudança de officiais da Governança, forão os motivos da demora, que parece he estranha da prontidão com que este Senado deseja satisfazer as insinuaçoens de V. S.a a quem passa a dizer: que são procedentes os respeitos que estimularão o providente zêlo do Brigadeiro, Governador desta Praça, Manoel Jorge Gomes de Sepulveda, na veridica reprezentação que foi a V. S.a sobre o rotamento do campo em que o Tenente do Regimento de Cavellaria de Miranda, Francisco José Ferreira Sarmento Pimentel se persuade titulado com hum despacho, ou adjudicação que lhe fez o ex-Juiz de Fora dessa Vila de Chaves Luiz Antonio de Medeiros Velho, supondo o baldio, e inutil, ao mesmo tempo que he previmento proprio deste Senado por escritura publica de compra venda, que em 16 de lulho de 1497 lhe fez o Allcaide Mor de Outeiro João de Macedo, enteresando a tropa, como a proposito e actualmente unica para os seus exercicios, e serviente não só ao pasto dos gados das aldeas de Samil e Cabeça Boa, a que esta Camera o emprazou pella penção anual de dois mil reis por escritura publica de 24 de Março de 1708, mas aos lugares de Villanova, Castro de Avelans, Villa de Gustei pella posse antiquisima de que tem sentenças, vindo o dito campo e terreno a não estar na classe dos baldios, em que haja de ter lugar o exercicio da Comissão da Intendencia Geral da Policia da (392) Arquivo Histórico Colonial, Documentos do Reino, em organização. Anos de 1750 a 1786.

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Côrte e Reys, porque obrou aquelle Ministro concedente, derivandos e de se apropriar o dito campo a algum particular hum perjuizo incompreensivel ao bem publico desta Cidade e das ditas suas aldeas que justissimamente declamão contra a incompetente concessão, se lhe oppoem e estão protestando a defeza do seu direito, da sua posse, de sua necessidade, para o dezafogo e pastos dos seos gados. D.s G.de a V. S.a Bragança em Camera de 22 de Junho de 1786. Antonio José de Moraes Sarmento e Sá João Glz. Alvaredo Manoel Antonio de Azevedo Pinto de Moraes Sarmento André Dias de Oliveira» (393).

DOCUMENTO N.° 10 10 de Junho de 1786 Continua a questão do campo baldio amordomado pelo Ferreira Sarmento, que vem a ser o ainda hoje chamado Campo Redondo comprado em 1497 pela Câmara de Bragança a João de Sousa, alcaide-mor de Outeiro «Dis o Procurador da Camara desta cidade que para requerimentos necessita que o Escrivam da mesma lhe passe certidam do thior da escriptura de compra, que a mesma camara fes ao Alcayde da villa de Outeiro, do campo de trás do Forte de S. João de Deus chamádo redondo, cuja escriptura se acha na dita Camara P. a V. M. Snr. Juis vereador seja servido mandar se lhe passe E. R. M.ce

Tem à margem o seguinte despacho: P. Alvaredo.

(393) Arquivo Histórico Colonial, Documentos do Reino, fólio 178.

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Antonio Pires de Souza, Escrivão da Camara da Cidade de Bragança, por sua Magestade Fidelissima que Deos guarde &. Certefico e faço certo em como no Archivo desta Camera se acha huma escriptura lavrada em hum pergaminho por letra antiga cuja copia he o seguinte: — Saibão quantos este instrornento de pura venda dado por authoridade de Justiça virem que no Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil quatro centos e noventa e sette annos aos dezaseis dias do mez de Julho na Cidade de Bragança no Paço da Camera estando Thomas de Oliveira Juis Ordinario na dita Cidade pello Duque Nosso Senhor em presença de mim Tabelião e das tistemunhas ao diante prezentes pareceo Alvaro Gomes Veriador, e Afonso da Guarda Procurador da dita Cidade, dizendo ao dito Juis que esta Cidade comprara o Campo Redondo a João de Macedo, Alcaide de Outeiro e que a carta era notada, e estava em poder de mim Luis Gomes Tabelião que servia o ofisio de Antonio Alvez que aqui fora Tabelião que houvera a dita notta que pedião lhe mandasse dar seis cartas e custo pello dito Juis seo dizer mandou a mim Tabelião que buscasse entre as escripturas esta e achase a dita nota, e que desse a carta della, ao dito Procurador do Concelho, da qual o thior de berbo ad verbum he este que se segue: A vinte seis dias de Outubro de mil quatro centos e noventa e seis annos pareceo João de Souza em nome do Alcayde de Outeiro seo genrro como seo procurador o bastante, e disse que elle falava a seo genrro a cerca do preço do Campo Redondo, e disse o dito João de Souza que o seo genrro João de Maçedo lhe aprazia de dar a este Concelho o Campo Redondo com toadas as suas pertenças assim como o houve João [aqui se acha safado o sobrenome que se não pode ler] e continua e Inacia Soares sua mulher e Lucas Macenedo (394) e Treza Pires Fernandes pay e may do dito João de Macedo Alcaide, assim lavradios, e prados rotos e por romper como pertencião a dita quinta que elle possue, e isto em preço de vinte sette mil reis, os quais vinte sette mil reis mandara a João Lucas que lhos pagase das oitavas que tem arendadas do Concelho nos termos que he obrigado ao dito Concelho, e o dito João de Souza disse que elle obrigava os bens do dito João de Macedo e sua mulher, e filha delle dito João de Souza e sem embargo delle obrigar os bens do Alcaide elle obrigava todos os seos bens moveis e de rais de fazer a dita venda bona e de paz ao dito Concelho e por verdade assinou aqui por sua mão, e se obrigou a trazer a otorga de sua mulher, e da mulher do Alcaide, e não as trazendo como dito he que pague de pena a este Concelho seis mill reis e nesta compra não entra a pedra, e tilhados cazas e curral e madeira, e por quanto o dito João de Macedo tras arendado o dito Campo Redondo, a certos lavradores de Cabeça Bona? o qual arendamento se acababa neste anno de mil quatro centos noventa e seis, e o Con(394) Ver tomo VI, p. 118, e tomo I, p. 321, destas Memórias. Os nomes dos indivíduos aqui mencionados, que influíram na transacção de Campo Redondo e os que demos no tomo VI, p. 117, destas Memórias divergem algo, devido, talvez a deficiências de copistas a quem nós seguimos e o Dr. Santos Júnior o original.

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celho não pudesse levantar esta novidade ahi avante lha deixa livre, e dezembargado ao dito Concelho e este dinheiro desta compra ficarão de pagar a metade para o Natal, e metade para a Paschoa e se obrigarão a lhos pagar os Veriadores e Procuradores a custa do Concelho nom os pagando o dito João Lucas, e logo o dito João de Souza disse que havia por empossado o dito Concelho na dita quinta com as condiçoens a sima escritas, e logo disse João de Souza que quanto era a siza da parte do Alcaide que herão nove reis que os dem do dito dinheiro, e quanto a parte do Concelho que a pague o Procurador e Lopo Gomes rendeiro da siza dise que em nome destas partes quitava a terça parte da siza destes vinte sette mil reis e por verdade assinarão todos e não pagando nos tempos devidos que todas as custaz quer das que fizerem não pagando que elles seijão obrigados a elles &. Aos trinta dias do mez de Outubro de mil quatro centos nouenta e seis a ponte de Parada no Cabo da dita Ponte que he no termo da Villa de Outeiro em prezença de mim Affonso Gonçalves Tabelião Publico na dita Villa e seos termos por ElRey Nosso Senhor e das testimunhas ao diante prezentes apareçeo João de Macedo Alcaide de Outeiro e a sua mulher Branca de Souza, e disserão ambos que elles juntamente havião por boa e firme a venda que João de Souza fes a Cidade de Bragança ao seu Concelho da sua quinta do Campo Redondo, assim pella guiza que o dito João de Souza seo sogro, e Pay outorgou ao dito Concelho de Bragança, obrigando por elo todos seos bens moveis e raiz, ganhados e por ganhar, a todo o feito de qualquer que o mandar ou embargar por qualquer guiza ou condição que seija, e assim o outorgavão e mandavão assim de lo fazer sua firme carta de dezobrigação, dos bens do dito João de Souza, testimunhas João Martins — criado do dito Alcaide, e Fernam Rodriguez — Pedro Dominguez da dita Villa de Outeiro, em testemunho eu Tabalião que esta escrevy — e aqui meu sinal fiz que tal he — a qual carta tirada da nota como dito he, o dito Veriador e Procurador pedirão assim este instromento em publica forma, e o dito Juiz o mandou dar testemunhas que prezentes forão Lourenço Rodrigues — Joze Affonso Vagades, e Lopo Ferreira Alcaide da dita Cidade — em tistemunho eu Luis Gomes Pubrico Tabelião em a dita Cidade e seos termos por o Duque Nosso Senhor que esta carta escrevy por authoridade do dito Juiz e meu sinal fis que tal he — Sinal Publico — Livro Busca e Notta duzentos reis —. E não se continha mais em o dito instromento que aqui fis copiar na forma asima dita e maneira que se pode ler e fica no Archivo desta Camara a que me reporto e por verdade me asigno Em Bragança a 10 de Julho de 1786 o dito Antonio Pires de Souza a fis escrever e asigney Ant.° Pires de Sousa» (395).

(395) Arquivo Histórico Colonial, Documentos do Reino, 1786.

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Anexo a este documento há mais os seguintes:

«Ill.mo Snr. Roberto Urey Por não demorar a execução das ordens de V. S.a por se achar o D.or Juiz de Fora nas Caldas e os mais Vereadores em ferias nas suas cazas e quintas, remetto a V. S.a a copia auctentica da compra do Campo que se trata na forma que V. S.a ordena. Com esta occasião tenho a onra de me offerecer no Serviço de V. S.a, que Deus guarde muitos anos. Bragança, 10 de Julho de 1786. De V. S.a Creado e afectivo venerador e vereador que serve de Juis João Glz. Alvaredo.

Ill.mo S.or Brigad.o Comand.te da Provincia Nesta Cidade se há divulgado haver V. S.a feito da sua inspecção conhecer do prejuizo publico rezultante de apropriarse o Tenente no Regimento de Cavallaria de Miranda, Francisco José Ferreira Sarmento Pimentel o sitio de Campo Redondo, ou Lamalonga, suburbio desta Cidade: lnsistem os interessados no requerer-me a sua defensa, vejo-me necessitado a os satisfazer, comque está o cazo afecto a V. S.a, e eu inhibido de dar hum só passo sem a sua ultima rezolução. Isto me obriga a polo na respeitavel prezença de V. S.a, orando-lhe a concluzão do negocio com o pôr na Real de S. Magestade para socegar estes povos, e verme eu livre da incessante teima, comque me recorrem. D.s G.e a V. S.a Bragança, 18 de Julho de 1786 De vosa S.a Creado reverente O JUIZ VEREADOR

João Glz. Alvaredo» MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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DOCUMENTO N.° 11 Ainda a propósito do campo baldio (Campo Redondo) assenhoreado por Francisco José Ferreira Sarmento — Caso idêntico em Seara Velha e Ardães, termo de Chaves «O Governador da Praça e Cidade de Bragança, o Brigadeyro Manoel Jorge Comes de Sepulveda, me deu a conta incluza de haver se asenhoriado ao pé della Francisco Jozé Ferreyra Sarmento Pimentel de hum Campo que lhe havia dado o Juis de Fora que foi desta Praça, Luis Antonio de Medeyros Velho, como baldio, e que não só prejudicava a ditta data ao bem comum da mesma Cidade e povos a ella vezinhos, mas ainda a tropa que a elle hião fazer seus exercicios, propondo-me outros motivos que uns e outros me parecerão justos, e que merecião atenção para dever darse lhe a provideocia necessaria. Ainda que eu me persuadi que ao dipois do mesmo Brigadeyro me dar a dita conta, não precizava de outra ínformação, por ser exacto, zelozo e amante do bem comum para dar lhe a providencia que me rogou, não obstante mandei vir á minha presença o dito Francisco Jozé Ferreira com os titulos de tão (?) errada e absoluta posse, para alcansar a realidade deste injusto procedimento, me rezolvi ouvir o Senado da Camara da mesma Cidade, que na resposta incluza que me dá, ainda que muito retardada, pelos motivos nella expostos, incontro que as razoens que me dão confirmão a infelecidade a que reduzio aquelles povos e indevidos da cidade na data do dito campo, assim como sucedeu aos deste termo pella falta de consideração e sentimentos de umanidade com que os dezatendeu, em os dezaposar do direyto e pas com que pesuhião os baldios desde o tempo immemorial, e conferidos desde os seculos pasados aos respectiyos lugares, para pastos e sustento de seus gados, propondose dispotico a hir contra o que determina o genuino espirito das leis, no modo de repartir os baldios, e de promover e animar os labradores a agricultura daquelles que lhe ordenava a ordem que para isso teve do Intendente Geral da Policia, porém não obstante se rezolveu a dar os outros já pesuidos a quem a sua inclinação e interece pretendia favorecer e a parentes a quem elle havia de suceder, de que acontecerão as tristes fadigas e discordias por tão cruel e iniqua disposição, que só servio de asolar os vaçalos dos mesmos Povos, que se virão privados por isso da tranquilidade e benefficio que Sua Mag.de tanto estima disfrutem huns e outros. Parecendo me acertado, não obstante as circunstancias que a Camara e prezidente della me propozerão, pedir lhe o titulo incluzo da compra que havião feito do mesmo Campo, para me capacitar de sorte que me pudece deliberar a darlhe providencia estando nos termos da minha jurisdição ou MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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polo na Real prezença de Sua Mag.de; E como o Juis pela ordenação novamente pella incluza me pede o faça asim como os moradores de Siara Velha e Ardaos termo desta Praça, na incluza o faço, tendo a honra pôr tudo na prezença de V. Ex.a para se servir fazello na da mesma Senhora, que me capacito que a Sua augusta e Regia benevolencia tomara na Sua alta concideração o darlhe a justa e necessaria providencia, asim como V. Ex.a pellas Suas virtudes e rectas intençoens aplicalla como lhe parecer mais justo e conveniente. A Ill.ma e Ex.ma Pessoa de V. Ex.a G.de Deos m.s annos. Chaves a 30 de Agosto de 1786. Ill.mo e Ex.mo Senhor Visconde de Villa Nova da Cerveyra. Roberto Urey».

DOCUMENTO N.° 12 Desamortização dos baldios do concelho de Chaves — Fabrico da seda — Navegação dos rios Tâmega, Tua e Sabor — Cultura da batata «Ill.mo e Ex.mo Snr. Pelo Juiz de fora de Monte alegre que Sua Magestade acaba de nomear Ouvidor de Bragança, tive a distincta honra de receber a carta de V. Ex.cia de 4 de Outubro, fazendome saber que Sua Mag.e foi servida confirmar a repartição que o dito Juiz de Fora de Monte alegre tinha feito das terras incultas no districto da sua Jurisdição, e que igualmente mandou anular, e abolir os irrigulares procedimentos que em huma semilhante incumbençia havia feito o Juiz de Fora que foi de Chavez, Luis Antonio de Medeiros Velho. Sua Magestade fez hum grande beneficio, não só aos militares maz a todo este destrito em tirar daqui este menistro pella sua improdencia e genio improprio de governar: são indeziveis as absolutas vexaçoens que cauzou no seu destricto e fora delle com a errada destribuição dos baldios. A eleição que V. Ex.cia acaba de fazer do Juiz de Fora de Monte alegre, hé a mais filis que se podia imaginar para remediar as desordens que o outro causou. Eu e toda esta goarnição ficamos a V. Ex.cia infenitamente obrigados de o termos por Ouvidor desta Comarca, porque nos tem dado as mais evidentes provas do seu genio patriotico, capacidade e talentos, e estou bem persuadido que quanto mais V. Ex.cia o impregar, e for conhecendo mais o ha de estimar. Elle aqui esteve os dias passados com os dois fabricantes de Turim, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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de caminho para Bragança e Mirandella. Siguro a V. Ex.cia, pello conhecimento que tenho de asistir nesta Provinçia 23 annos, que não podia Sua Mag. e fazer hum maior beneficio a estes povoz do que o pôr em perfeição hum ramo de comercio tão util e vantajozo como hé o de fazer insinar o modo de plantar as amoreiras, criar os bichos, conservar os cazulos athe lhe extrair a seda, porque sendo este hum dos primeiros ramos de comercio desta Provincia tudo isso se ignora, e por essa rezão hé a seda della a mais ordinaria que se conhece, tanto assim que nos tiares da Provincia a maisque se gasta hé seda de Italia. Como V. Ex.cia me dá esta occazião, e não há quem não reconhesa a actevidade e zello de V. Ex.cia em promover os interesses do Estado, permitame que eu lhe lembre algumas couzas da primeira necessidade, sem as quais se não pode dar um passo no progresso de todos os estabelecimentos que possão projectarse em beneficio da mesma Provincia. Já V. Ex.cia sabe que todo aquelle Paiz que não hé de certão, e que não permite commodidade para os transportes de generos, mercancias e manefacturas, ou para o comercio interior ou extrior, se devem procurar todos os meios de nelle se facultarem os mesmos transportes, e que achandose em tal Paiz algum rio que se possa fazer navegavel e que o atravese, se deve aproveitar: nesta certeza havendo como há o rio Tamega, que desde Chavez corre pellos termos da mesma Villa, da de Monte alegre, toda a Ribeira de Pena, concelho de Basto, Amarante, athe se imbocar no Doiro, pouco mais de seis legoas por sima do Porto, e podendo elle fazerse navegavel sem dificuldade que façilmente não possa removerse parese se não deve desprezar. [11] Eu com os meus compatriotas que temos servido a Sua Mag.e nesta Provincia, tendo concebido a ideia do rio se poder fazer navegavel, e pensando que alguma dificuldade faria com que esta tão util como necessaria obra se não puzese em execução, passamos a averiguar se havia esta dificuldade correndo o dito rio na maior parte da sua extenção onde consideramos que poderia haver a mesma dificuldade, e não achamos mais do que aver inacção, por que se em Gram Bretanha ouvese hum paiz tão fertil, tão saudavel e tão abundante de generos de primeira necessidade, como por exemplo pão, carnez, azeite, VINHO, castanha, batatas, latecinios, tudo da milhor qualidade, e havendo hum rio que premetisse o transporte dos ditos generos para a primeira e segunda cidade do reyno, não estaria inutil como está o que tenho acabado de expor nem o paiz sofreria o impate das suas bellas produçoens e haveria hum comercio reciproco e interessante a humas e outras provincias. Alem deste rio, há na mesma provincia distante de Chavez seis legoas e outras tantas de Bragança, outro rio chamado o Tua, que princepia em Vinhais e vae descorrendo por terras do termo da mesma villa, da de Monforte, Mirandella, Murçia athe se imbocar no Doiro em Fostûa, já por baixo do Cachão. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Há um 3.° rio chamado o Sabor, que princepia perto de Bragança, e depois de circular aquele termo continua a sua corrente pellas vezinhanças da Torre de Moncorvo, e notaveis campos da Vilharice athe entrar ali mesmo no Doiro, já em citio aonde chegão no verão barcos do Porto. Qualquer destes tres rios se pode fazer navegavel, e eu principalmente posso informar a respeito do Tamega e Tua; do primeiro pela rezão que já disse, e do segundo porque o General Fraser e o Bispo D.m Manoel, que então hera Bispo de Miranda e morreu ultimamente Bispo de Lamego, se propuzerão a fazello navegavel, e o mesmo Bispo se ofereseu á despeza sem querer mais da Fazenda Real do que dois engenheiros, e a rezão de se não ultimar a execução deste projecto foi a promuta do dito Bispo para Lamego e a hida de Fraser para Inglaterra. Sobre a necessidade que há nesta Provincia de promoverse a navegação de qualquer dos trez mencionados rios, pode V. Ex.cia ouvir Sua Ex.cia o Arcebispo Confessor, e o General da mesma provincia, o conde de Sampaio, por que ambos tem vivido nella e sabem que nunca será feliz emquanto pello meio da navegação se não fizer communicavel com as mais do Reyno. Eu creio que a despeza que se deve fazer nesta obra por conta da Fazenda Real não servirá de obstaclo para ella se imprehender, porque Sua Mag. e impregando a tropa desta Provincia que puder escuzarse do serviço para trabalhar na mencionada obra, ella se poderá concluir com muito menos despeza, dando lhe alguma couza mais alem do seu soldo, sendo deregidos por competentes offeciaes que os contenhão debaixo de desceplina, do que se segue huma grande vantage. Alem disto pode Sua Mag.de servir-se das maquinas novamente inventadas em Londres, as quais serão utilissimas para facilitar a extracção das pedras que se acharem nos meios dos rios e imbarasarem a navegação, porque com o uzo dellas se poupa muito trabalho e muita gente, como V. Ex.cia verá no Mercurio que remeto: a folhas 3, artigos 7.mo e 8.vo, que tudo vai numerado por mano escrito. Quando estas minhas lembranças mereção a attenção de V. Ex.cia eu estou persuadido que por maior certeza mandará examinar o que tenho referido por algum hedraulico, e por isso eu me escuzo de mandar a V. Ex.cia hum mappa rigular da cituação dos mencionados rios, porque nesta Provincia não há hum engenheiro, concorrendo tambem esta falta para a fazer mais disgrasada. Eu sou tão obrigado a Nação Portugueza, que para o seu possivel desempenho julgo ser necessario o communicar a quem pode fazer filiz aqueles descobrimentos, que a experiencia de tantos annos me tem feito conheser lhes podem ser uteis, mas talvez que eu tenha abuzado da paciencia de V. Ex.cia, do que pesso perdão, e passo a certeficarlhe que ao Juiz de Fora de Monte alegre auxiliarei de sorte que as suas commiçoens possão ter toda a devida execução, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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não só pello que dezejo comprazer com a vontade de V. Ex.cia maz por querer impregarme como devo no serviço de Sua Magestade. Deos G.de a V. Ex.cia m.tos annos. Chavez, 27 de Novembro de 1786. Ill.mo e Ex.mo Senhor Martinho de Mello e Castro. De V. Ex.cia o mais certo servidor e muito abrigado Roberto Urey» (396). Em seguida a este documento o Dr. Santos Júnior aditou o seguinte: «Anexo a este documento, há outro em italiano, que é um relatório (por assinar e sem data) duma viagem a uma vila (?), não dá o nome, de onde passam a Chaves, dali a Braçança e depois a Mirandela. Considerações muito interessantes sobre a riqueza arbórea das diferentes regiões. Referências à doença, ou, melhor, à grande mortalidade do bicho da seda. Tem por fim um capítulo intitulado Per l’introduzione della maniera de filar alla Piemontesa». DOCUMENTO N.° 13 Cultura do tabaco em três povoações raianas, independentes tanto de Portugal como de Espanha — Usos interessantíssimos — Fábrica de chapéus de Chaves — Divisão de baldios paroquiais nos concelhos de Montalegre, Ruivães (Boticas), Guimarães e Ribeira de Soares (Ribeira de Soaz) — Vantagens e inconvenientes destas desamortizações, seus impugnadores e fautores Além destes documentos, o Dr. Santos Júnior enviou-nos mais os seguintes, de que damos apenas extractos por não tocarem ao distrito de Bragança, objecto especial de nossos estudos: 1.° — Cultura do tabaco nas povoações de Santiago, Rubiães e Meãos, no concelho de Montalegre, onde, por ordem régia foi, em 27 de Março de (396) Arquivo Histórico Colonial, marcação, Reino, Papéis avulsos 27-XI-1786. Ao grande amigo, Dr. Santos Júnior, como fica dito na nota do documento n.° 7, agradecemos a remessa deste e dos outros documentos.

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1786, o desembargador-corregedor da comarca do Porto, Francisco de Almada e Mendonça, investigar do caso. São interessantíssimos os usos daquelas gentes. Diz o documento: «Estas tres povoaçoens de Santhiago, Rubiaes e Meaos são limitrophas de ambos os Reinos de Portugal e Hespanha... Nestas povoações ambas as coroas appresentão Justiças Criminaes, e quanto ao Civel os mesmos Povos são os que elegem Juizes, do quem as Partes appellão ou para o Ouvidor de Bragança, se são portuguezes, ou para algum Corregedor de Hespanha, sendo hespanhoes. Quando cazão, têm a liberdade de se constituhirem hespanhoes ou portuguezes, bebendo hum copo de vinho á saude do monarca de quem querem ser vassalos, e depois com esta mesma cerimonia vão erigir dois lares na caza que handem habitar, para assim escaparem aos procedimentos que de qualquer dos reinos se queira ter contra elles, fugindo ora para este ora para aquelle lar opposto ás Justiças que os buscão». «Dizem elles ter o previlegio concedido por ambas as coroas de conduzirem livremente, sem pagar cousa alguma de hum a outro reino, todos os generos, e fazendas de que precisarem; e que são izentos de servir, nem no militar nem no civil, a qualquer das duas coroas, a quem unicamente só reconhecem com o tributo annual de mil e duzentos reis, que a ambas paga cada individuo». 2.° — Fábrica de chapéus Chaves — A 14 de Setembro de 1785 participava Luís António de Medeiros Velho, juiz de fora de Chaves, ao Intendente Geral de Polícia, Diogo Inácio de Pina Manique, que, segundo lhe ordenara, estabelecera em Chaves uma fábrica de chapéus, sendo os seus produtos dignos de rivalizar com os de Braga. Lembra-lhe a necessidade de se proteger esta indústria, pois o governo espanhol montara sete fábricas nas fronteiras da Galiza e atraia os operários de Braga, dando-lhes salários maiores, resultando terem já ido para Espanha mais de trezentos (397), com grave prejuízo da indústria bracarense. A 5 de Setembro do mesmo ano de 1785 remetia Pina Manique a carta de Luís António de Medeiros ao ministro Martinho de Melo e Castro ponderando-lhe as vantagens económicas da nova indústria estabelecida em Chaves e a necessidade de a proteger (398). Reforçando as razões de Pina Manique, a 22 do mesmo mês escrevia de Chaves o juiz de fora Luís António de Medeiros Velho ao ministro

(397) Arquivo Histórico Colonial, Papéis avulsos, 1786. Ao Dr. Santos Júnior agradecemos a remessa deste documento. (398) Ibidem.

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Martinho de Melo e Castro, lembrando que à fábrica de chapéus, já por ele montada com autorização de Pina Manique, se juntasse outra de «cobertores de popa, pois tendo elles hum indispensavel consumo em numero consideravel em todo o reyno, principalmente nas tres Provincias do Norte, os recebemos todos de Hespanha, sem ao menos termos hua fabrica» (399). No referido Arquivo Histórico Colonial encontra-se, junto a estes documentos, a relação das terras galegas onde estão estabelecidas as sete fábricas de chapéus, todas dirigidas por operários portugueses industriados em Braga, nas seguintes terras: Lobios, Ponte Areas, Vigo, Orense, Mondonhedo, Pontevedra e Santiago. 3.° — Divisão de baldios paroquiais [12] — A 2 de Maio de 1786 participava Miguel Pereira de Barros, juiz de fora de Montalegre, à rainha que «repartira por ordem do Intendente Geral da Policia (Pina Manique) porçoens dos mattos maninhos, que pelo parecer das respectivas Cameras e seus Procuradores erão superfluos para os pastos publicos, servidoens, logradouros, estrumes e lenhas; e só servião para receptaculo das damninhas feras com que os mesmos habitantes eram cotidianamente incomodados». Pondera seguidamente as vantagens desta divisão pelos habitantes das povoações sitas na área dos concelhos onde estavam os baldios, que agora «já produzem huma consideravel porsão de trigo, senteio, cevada, milho e vinho, e se estabelecerão sessenta e oito famllias, que nem caza, nem bens alguns tinhão», tendo beneficiado muitos com «levadas de agua que por aquedutos introduziu nos mesmos terrenos». Diz-lhe que a Junta da Casa de Bragança, que muitas propriedades tem na região dividida, e o Desembargador do Paço contrariam a divisão, sendo, portanto, necessário mantê-la em razão dos interesses agrícolas por ela conseguidos. Para isso, junta à carta uma relação das povoações beneficiadas nos concelhos de Montalegre e Ruivães (Boticas), cujos nomes aponta, sendo setenta e nove no concelho de Montalegre e sete no de Ruivães. Além destes baldios, no actual distrito de Vila Real também o mesmo juiz dividiu outros na comarca de Guimarães e na de Ribeira de Soaz, indicando também os nomes das povoações respectivas (400).

(399) Arquivo Histórico Colonial, Papéis avulsos, 1786. Ao Dr. Santos Júnior agradecemos a remessa deste documento. (400) Arquivo Histórico Colonial, Documentos do Reino, em organização, 1750 a 1786. Devemos igualmente a gentileza deste documento ao Dr. Santos Júnior.

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A rainha aprovou a divisão por carta de 27 de Setembro de 1786, datada das Caldas da Rainha, «com a obrigação porem de plantar cada proprietario no terreno que lhe competir, sendo dos menores, pelo menos quatro pés de amoreira branca, e sendo dos maiores proporcionalmente maior numero dos ditos pés de amoreira» (401). Junto a este documento vem uma carta assinada por onze proprietários de Seara Velha e Ardães, termo de Chaves, dirigida ao Governador das Armas da Província, expondo-lhe os prejuízos causados pela partilha dos baldios e pedindo-lhe que influa no sentido de ser anulada. Ainda junto a este documento vem a exposição feita à rainha, em carta de 12 de Julho de 1786, pelo mesmo juiz de fora de Montalegre, Miguel Pereira de Barros, justificando a legalidade com que procedeu na partilha dos baldios e as vantagens resultantes à economia nacional. A questão continuou; pois ainda junta aos mesmos documentos vem a informação de Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, Provedor da Comarca de Miranda do Douro, datada de Mirandela, sua terra natal, a 20 de Dezembro de 1789, dirigida ao ministro Martinho de Melo e Castro, por ter sido encarregado de sindicar acerca da divisão dos baldios e das acusações de vida dissoluta do padre António Alves Chaves, residente em Seabra Velha, concelho de Chaves, fautor das injustiças cometidas na divisão dos baldios, segundo afirmavam os antidivisionistas (402). D OUTÉIS, de Bragança e suas ramificações pelo distrito (tomo VI, págs. 51, 641 e 679). Para de algum modo fornecer elementos a fim de esclarecer a confusão entre Manuel Doutel de Figueiredo Sarmento, mencionado como cónego no tomo VII, pág. 172, e outro do mesmo nome apontado no mesmo tomo, pág. 653, destas Memórias, como general, aditamos mais o seguinte: Diz Manuel Doutel de Figueiredo Sarmento, natural de Aguieiras, filho de Miguel Pires e de D. Maria Josefa Doutel, esta de Bragança e aquele das Aguieiras, quinta dos Chairos; neto paterno de Domingos Rodrigues e de Isabel Pires, naturais dos mesmos Chairos, e materno de António Wenceslau Doutel e D. Maria José de Almeida, ambos de Bragança, que pretende fazer sua habilitação de genere. O original deste documento está no «Maço das habilitações de genere, das Aguieiras», existente no Arquivo do Paço Episcopal de Bragança, de (401) Arq. Hist. Colonial, Docum. do Reino, em organização, 1750 a 1786. (402) Ao grande amigo e notável investigador Dr. Santos Júnior, agradecemos mais uma vez a comunicação integral que nos fez deste documento.

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onde extraímos esta súmula do requerimento feito em 1817. No respectivo processo de habilitação de genere há as seguintes certidões de que damos apenas extracto do essencial: DOMINGOS (só este nome), filho de Domingos Rodrigues e de Maria Gonçalves, nasceu em São Pedro Velho e foi baptizado a 19 de Agosto de 1624. Não indica ano nem mês do nascimento, mas os baptizados então costumavam fazer-se dentro de oito dias após o nascimento, segundo preceituavam as Constituintes de quase todos os bispados. MIGUEL PIRES e D. MARIA JOSEFA DOUTEL DE ALMEIDA casaram nas Aguieiras a 2 de Setembro de 1793. Manuel Doutel de Figueiredo Sarmento, o requerente da habilitação de genere, nasceu a 24 de Outubro de 1801 e é filho e neto dos indivíduos indicados no requerimento. M IGUEL , pai do requerente, é filho de Domingos Rodrigues e de Isabel Pires, moradores nos Chairos; neto paterno de Francisco Rodrigues e de Catarina Fernandes, ambos de São Pedro Velho, e materno de Gaspar Pires, dos Chairos, e de Ana Preta, de Mairos, concelho de Chaves, nasceu a 6 de Novembro de 1839. Assim o diz a cópia da certidão feita não pelo, pároco, mas por quem escreveu o processo, como se mostra da letra. É evidente que houve equívoco nesta cópia, pois não podia ter nascido em 1839, mas sim muito antes, visto ter casado em 1793, como fica dito. ISABEL, filha de Gaspar Pires Moreira e de Ana Preta, natural de Mairos, concelho de Chaves, nasceu a 12 de Abril de 1689. Fui pároco de Mairos desde Dezembro de 1889 a Junho de 1896 e ainda lá havia a família Preto aparentada nas Aguieiras. Era pobre, mas tinha certo ar de elevação acima do vulgar. M ARIA J OSÉ D OUTEL E A LMEIDA , filha ilegítima de António Wenceslau Doutel e de Maria Josefa de Almeida; neta paterna de António Henriques Doutel de Almeida e de D. Inácia Clara Doutel e materna de Gregório de Almeida e de Maria José Martins, de Bragança; nasceu a 20 de Abril de 1773 e foi baptizada em Espinhosela, concelho de Bragança. Temos pois: que pelo lado materno era gente pobre, as mulheres sem os apendículos de Dom; que era filha ilegítima, baptizada escondidamente em Espinhosela, onde Manuel Doutel de Figueiredo Sarmento, seu tio, era abade (403). Este abade foi depois cónego da Sé de Bragança, e no seu processo de habilitação de genere, existente no Arquivo do Paço Episcopal, diz-se que é filho de António Henriques Doutel de Almeida e de D. Inácia Clara Doutel; neto paterno de António Doutel e Almeida, de Bragança, e de D. Violante da (403) Ver tomo VI, p. 641, e tomo VIII, p. 97, destas Memórias.

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Rocha Pimentel, da vila de Outeiro, concelho de Bragança, e materno de João Machado de Vasconcelos, dos Eixes, concelho de Mirandela, e de D. Joana Doutel, de Bragança, «todos pessoas de primeira nobreza». ANTÓNIO WENCESLAU DOUTEL, avô do requerente da habilitação de genere (na certidão só tem o nome de António), é filho de António Henriques Pimentel, de Bragança, e de D. lnácia Maria Clara de Vasconcelos, dos Eixes; neto paterno de António de Almeida, professo da Ordem de Cristo, sargento-mor da praça de Bragança, monteiro-mor da província, natural de Bragança, e de D. Violante de Sousa, de Outeiro (a mania de os fidalgos acrescentarem ao nome os apêndices de apelidos que julgavam poder aditar, ou que lhe vinham aos fumos da cabeça, produz esta arrelienta divergência de nomes, desespero de quem se dedica a estudos genealógicos); neto paterno de João Machado de Vasconcelos, dos Eixes, e de D. Joana Doutel de Figueiredo Sarmento, de Bragança. Nasceu a 28 de Setembro de 1744, foi baptizado em Vilarinho de Agrochão, onde era abade seu tio Francisco de Morais Doutel (404). António Wenceslau Doutel foi governador da praça de Chaves. M ARIA J OSÉ (só este nome na certidão), avó materna do requerente, filha de Gregório de Almeida e de Maria José, ambos de Bragança, freguesia de Santa Maria; neta paterna de Gregório Rodrigues, de Bragança, e de Angélica de Almeida, de Barcelos, e materna de João Martins, sargento de infantaria da praça de Bragança, natural de Grijó de Parada, e de Maria Fernandes, de Conlelas, concelho de Bragança, nasceu a 16 de Novembro de 1742. M ANUEL D OUTEL DE F IGUEIREDO S ARMENTO , o requerente, mencionado no princípio desta genealogia dos Doutéis, nasceu na quinta dos Chairos (freguesia das Aguieiras), a 24 de Outubro de 1801, e, quando requereu em 1820 para tomar posse do canonicato nele resignado por seu tio, o cónego do mesmo nome (tomo VI, pág. 641, destas Memórias), «era clérigo de prima tonsura e dois graus de menores» (405). Em 1824 resignou o canonicato para ir exercer o cargo de «capelão militar, assentando praça no posto de alferes». É possível que também não tivesse ainda ordens sacras, como as não tinha quando foi nomeado cónego, pois só quatro anos era pouco tempo para se habilitar nos estudos preparatórios, e, seguindo a vida militar, dadas as lutas liberais pouco afeiçoadas ao clericato, seja o general mencionado no tomo VII, pág. 653, destas Memórias. (404) Ver tomo VI, p. 60. Sobre estes Doutéis ver tomo I, p. 131 e 165; tomo VI, p. 51 e seg. 162, 625, 679 e 748, tomo VII, p. 171, 172 e 653, e tomo VIII, p. 97, destas Memórias. (405) Ibidem, tomo VII, p. 172 e 653.

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M ANUEL J OSÉ F ERREIRA S ARMENTO , conhecido por Morgado das Aguieiras (406), vivia pelos anos de 1890. A DELINO S ARMENTO , também dito Morgado das Aguieiras, faleceu pelos anos de 1930, depois de consumir parte da sua casa agrícola com mulheres e vinho, deixando vários filhos ilegítimos, entre os quais um se habilitou como herdeiro e vive agora (1943) nas Aguieiras, casado com a professora primária dessa freguesia. Em 1942 disseram-me que se divorciara desta professora e casara com outra. Era filho de uma senhora chamada D. Maria. Em Cabanelas, concelho de Mirandela, e em Moncorvo há ainda hoje (1943) representantes dos Doutéis oriundos de Bragança.

E E STELAS

DISCÓIDES

Ver tomo IX, pág. 18, e adiante o artigo Palaçoulo.

ETNOGRAFIA Lendas e tradições E notável a intuição artística com que o povo apreende as ideias, limando-as, burilando-as, acepilhando-as por forma a tirar partido estético, quer das antíteses, ironias, sarcasmos e sentenças conceituosas, quer das situações burlescas, dramáticas e trágicas, arrancando-lhes efeitos de surpreendente beleza, que não receiam confronto com a lírica ou a prosa dos Mestres, excedendo-os na concisão verdadeiramente ática. [13] Quando bem se analisa esta sua modalidade, e se atenta na semelhança que as lendas e tradições populares têm com os mais belos episódios das obras clássicas de renome mundial, é-se naturalmente levado a pensar que os génios literários não criaram essas belezas tão deslumbrantes, limitando-se apenas a dar corpo e roupagem, a seu modo, às concepções populares, devendo, portanto, dizer-se que o povo é, não só o grande mestre das línguas, como já afirmava Horácio, mas também o grande criador das grandes literaturas.

(406) Ver tomo VI, p. 625, destas Memórias.

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Se olharmos aos escritores antigos — Leal Conselheiro, Nobiliário do Conde D. Pedro, Jorge Ferreira, Fernão Lopes, Cervantes e outros — encontramos rifões sem a forma assonante que hoje têm, sinal de que o povo os veio limando, de século em século, até os reduzir à assonância, timbre da sua facies lírica. Da mesma forma vai o povo criando e dando curso hoje a alguns, que ainda não atingiram a perfeição assonante, nem a concisão ática, a elegância literária exuberante de fina observação filosófica com esmalte científico, o sainete irónico, epigramático, sarcástico mesmo quando é preciso. Se o povo engendrou as crendices, como fica demonstrado no respectivo capítulo, página 43; se muitas dessas crendices, como nesse capítulo mostramos, correm ainda hoje no povo em fórmulas idênticas às que Cícero nos transmitiu, colhidas do romano e este do egípcio, ¿porque não reconhecer às lendas origem idêntica e salientar nos escritores clássicos os belos episódios que lhe inspiraram? Sendo assim, já não causam tanta estranheza os críticos que vêem na Ilíada apenas a compilação de rapsódias populares coligidas e unificadas por Homero. Muitas vezes a relação entre a explanação feita pelo artista literário e a fonte inspiradora criada pelo povo está no desenvolvimento de uma sentença popular expressa nos provérbios. Assim os seguintes: quem más manhas há, tarde ou nunca as perderá; perderá o carneiro la lana, mas não perde o lobo a manha; o que o berço dá a tumba o leva, acham-se parafraseados em Manso, Fábulas, pág. 25, na intitulada O Congresso dos Animais, reunido por iniciativa dos leões, tigres, hienas e chacais para estabelecer a fraternidade universal entre a bicharada. Vieram quase todos: as palavras amenas, os abraços fraternos não tiveram conta, acompanhados de protestos de eterna dedicação, implorando ao mesmo tempo indulgência e esquecimento para as ofensas cometidas. Mas, chegada a noite, acompanhada da fome e do instinto de ferocidade, foi sangueira completa: poucos escaparam à voracidade ferina. A mesma ideia informa a fábula intitulada O leão e as gazelas, pág. 121 do referido autor. No mesmo autor a fábula intitulada Salão de conferências, pág. 67, onde a raposa propõe a fundação de um banco para fornecer dinheiro aos necessitados a juro módico, de onde resultou ficarem depenados quantos a creram, liga-se ao ditado: mel na boca e fel no coração. O rifão: da mão à boca se perde muitas vezes a sopa, está glosado por Manso na fábula da pág. 172 intitulada O milhafre e o gaio que lhe escapa quando contava já com ele no papo. Na fábula epigrafada História de perus, pág. 187, onde um deles tenta libertar a peruada do fatal destino adscrito às guloseimas culinárias dos MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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jantares opíparos, mas nada conseguiu, porque, quem para as ervas nasce, no campo as pasce; quem não tem pernas não pode andar, ou, então, como diz o cantar: Se o mar tivera varandas, Já eu fora a Lisboa; Mas o mar não tem varandas E quem não tem asas não voa. O rifão — o que o berço dá a tumba o leva — encontra-se parafraseado na fábula de La Fontaine intitulada A gata transformada em mulher (407) e na de O lobo e a raposa (408). O ditado — não há coisa tão escondida que, por fim, não venha a ser sabida — corrente em terras bragançanas, bem como a canção: Meu amor, fala baixinho, Que as paredes têm ouvidos: Os segredos encobertos São os mais sabidos. encontra-se explanado na fábula de O judeu, o escudeiro e as perdizes do Fabulário Português Medieval, adiante citado, pág. 42, e na página 137 comentou eruditamente o Dr. José Leite de Vasconcelos esta fábula, mostrando que o mesmo tema, em ditado, se encontra no Evangelho de São Mateus, X-26, e lugar sinóptico de São Lucas, bem como noutras literaturas. O rifão — ir buscar lã e ficar tosquiado, ou, então: fazer o molho à vaca e a vaca no prado — encontra-se especificado na fábula de La Fontaine intitulada O rato e a ostra (409), onde aquele, julgando regalar-se com a ostra, é comido por ela. O mesmo desenvolve na intitulada A torrente e o rio o anexim Cão que ladra não morde (410). Tirar as castanhas do lume com a mão do gato, é outro rifão explorado por La Fontaine na fábula O bugio e o gato (411). Ver adiante o artigo Raposa e suas manhas. Outras vezes, se não há identidade ou, pelo menos, não temos conhecimento dela, torna-se interessante o rifão, a frase popular pela reminiscência

(407) NASCIMENTO, Francisco Manuel do, trad. — Fábulas escolhidas entre as de La Fontaine, 1815, tomo I, p. 64. (408) Ibidem, tomo II, p. 303. (409) Ibidem, p. 84. (410) Ibidem, p. 132. (411) Ibidem, p. 125.

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que desperta de usanças arcaicas. Assim, é frequente em terras bragançanas ouvir-se dizer de um condenado a prisão perpétua: F... foi condenado a dez anos e um dia de prisão, a vinte, a trinta anos e um dia de prisão, que tudo vem a dar o mesmo, pois esse dia nunca chega ou não se sabe quando chegará. Os romanos tinham três formas de casamento, sendo uma delas chamada usus e consistia na coabitação com a esposa durante um ano e um dia (412). Homem de barba ruiva, uma diz e outra cuida. Ou então: Ruivo! Mau pêlo; Má casta, Mau cabelo. Já os egípcios, israelitas, árias e semitas (413) consideravam os ruivos como incapazes de sinceridade e falhos de carácter. No entender dos germanos, esta pigmentação ruiva é vestígio citico (414). Estes dois versos latinos completam amplamente o assunto: Crine ruber, os niger, pes brevís, Rem magnam praestas, Zoile, sibonus est. que se podem traduzir: Se o da barba ruiva, boca negra, pé pequeno, é bom, então não há ninguém mau. Por castigo dos meus pecados, conheço um crine ruber, pes brevis que é pior e mais perigoso do que o diabo quando era pequeno. No tomo IX destas Memórias, págs. 143, 154, 188, 266, 326, 344, 380, 450, 489, 492, 619, e tomo X, págs. 9, 64, 71, 75, 98, 180, 187, 195, 223, 246, 248, 249, 261, 262, 283, 292, 297, 489, 589, 632, 633, 644, 645, 648, 652, 654, 743, 806 e 807, mencionamos várias lendas; agora damos mais as seguintes, relacionadas com trabalhos de mestres na literatura, que têm, além disso, o mérito de serem apólogos, e como diz La Fontaine: O apólogo foi dádiva dos Numes: Ou quem nos fez tal dom merece altares, Se homem foi, quem nos quis brindar com ele. E todos, como a um Deus, alçar devemos (412) RICH — Dictionnaire des Antiquités Romaines, artigo Matrimonium. (413) OLIVEIRA, Camilo de — O Concelho de Gondomar, 1934, vol. 4.°, p. 355. (414) Ibidem.

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O sábio que inventou essa arte guapa; Que é vero encanto, e atenta (antes cativa) A alma nos tem, prendendo-a com tais contos, Que a seu sabor, os corações, e engenhos Levam (415). Amo e criado Amo — Quatro coisas quer o amo Ao criado que o serve: — Deitar tarde, erguer cedo, Comer pouco e andar alegre. Rapaz, levanta-te cedo P’ra fazer o almoço; Para que diga o povo Que eu tenho bom moço. Criado — Ó meu amo vá à feira E compre-me um fato de pano Para que diga o povo Que eu tenho bom amo. O amo manda-lhe benzer a mesa. Criado — Aqui nesta mesa nos sentamos, Se fome tínhamos, com ela ficamos. Queira Deus que d’hoje a poucos anos Eles sejam criados e nós amos, P’ra saber as fomes que rapamos. Andorinhas Ver tomo V, pág. LX, e tomo IX, págs. 315, 345 e 552. A andorinha, ave de arribação, no regresso a estas terras em Março — no dia de São José, 19 deste mês, chegam elas — se encontram alguma mulher a fiar, chilreiam-lhe: Fui ó mar, vim do mar, E a tua teia por fiar! Grande preguiceira Como te vais governar?!

(415) NASCIMENTO, Francisco Manuel do, trad. — Fábulas escolhidas..., 1815, tomo II, «Prólogo».

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A andorinha goza de grande memoração em todas as literaturas. Ver na Fábula os nomes «Philomela», «Progne», «Tereo» e, em Ovídio, a metamorfose da princesa Progne em andorinha. No tomo V, pág. LX, destas Memórias referimos a lenda corrente em terras bragançanas tocante às andorinhas se vestirem de preto em sinal de luto depois de presenciarem a tragédia do Calvário e a morte de Jesus. No tomo IX, pág. 345, mencionamos outra lenda das mesmas. No livro IV das Metamorfoses, descreve Ovídio os amores de Píramo e Tisbe, naturais de Babilónia, que, contrariados pelas respectivas famílias, combinaram fugir, reunindo-se em certo ponto. Tisbe chegou primeiro, mas vendo um leão conseguiu escapar-lhe, deixando apenas na boca da fera o manto. Píramo veio depois, e, vendo o manto dilacerado e ensanguentado, supôs que fora devorada e suicidou-se. Tisbe regressou no instante de ele exalar o último suspiro e matou-se também. Diz Ovídio que esta tragédia se desenrolou debaixo de uma amoreira, tornando-se, desde então, seus frutos de brancos em pretos, como preito de comoção a tão longos e profundos amores terminados tão tragicamente.

Bom proveito Em terras bragançanas dá-se pão e vinho a todas as pessoas, conhecidas ou não, que vêm a nossas casas — pão e vinho anda caminho —, diz o rifão. O adventício, ao beber, esboça um gesto de cumprimento e diz para o anfitrião: — À sua saúde! — Bom proveito! — torna-lhe ele. Também quando se passa ao pé de pessoas que estão comendo, ao dar-lhe as boas horas acrescenta-se: — Bom proveito! É servido? — oferecem eles. — Não, muito obrigado, que lhe preste. Algumas mães, quando os filhos de mama arrotam por cima ou por baixo, dizem-lhe: — Bom proveito! E quando o caso atinge a fase do terrum-tum-tum do latinório, elas repetem: Bom proveito! — Bom proveito! — Bom proveito! — por forma tão solene e convicta que assume proporções de rito ou acto litúrgico. Na verdade, segundo diz Chompré (Dicionário da Fábula, artigo Crepitus ventris) os romanos fizeram do dito uma divindade. Cláudio, como diz Suetónio na vida deste imperador romano, pensou em lavrar um decreto autorizando a liberdade do peido, inclusivamente até à mesa. Meditatus est edictum quo veniam daret ftactum crepitumque ventris in caena emittendi, cum periclitatum quendam prae pudore ex continentia reperisset. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Petrónio, o árbitro das elegâncias, como vem classificado no Quo Vadis, o esteta por excelência no período áureo da civilização romana, exprimia-se deste modo: Si quis vestrum voluerit sua re qua causa facere, non est quod illam pudeat. Nemo vestrum solide natus est. Ego nullum puto tam magnum tormentum esse quam continere. Hoc solum vetare ne Jovis potest. Ninguém deve estranhar o peido. Todos temos ventosidades intestinais, que precisamos expelir, sob pena de danos graves; nem Júpiter, com ser deus, pode impedi-lo (416). Por um dedal de vento não se deve deixar perder um alguidar de tripas, dizia um distinto médico de Lamego, falecido há poucos anos. E ele observava o preceito sem nenhumas preocupações de ordem social. Não que, como diz o Abcê, do dito, é: «Feudo, até paga a majestade, .............................................................. .............................................................. Lei dos cus todos, ’té do cu do Papa.» O nosso povo também entende que «mijar sem dar um peido, é como uma boda sem gaiteiro». O peido, expoente máximo da sadia alacridade e sua mais barata manifestação, sempre recebido com vaias galhofeiras, disputa lugar primacial no impressionismo popular, e não admira, porque lá diz o citado Abcê: «É gasto em que a gente pobre excede à rica.» Todavia, a sua marcha ovante, embora em surdina, não é menor na alta sociedade e na alta literatura (417). No latim picaresco da gramática parda corre também esta comparação: Similis ille qui transit per viam merdalem, quando faciendo pum, aliquando pum-pum quandoque terrum-tum-tum. As inúmeras variações sobre este tema claramente documentam a sua expansão, tanto popular como erudita, e o vigor com que traduz ideias, sentimentos, ironias, situações caricatas da vida. Assim, temos no latim castrense, parafraseando macarronicamente os cânones de alguns concílios, notáveis pela excessiva abundância do aná(416) PETRÓNIO — Festim de Trimalcion. In CANTU — História Universal, vol. III, p. 116, em nota. (417) Ver Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, título 44, edição da Academia. C ERVANTES — D. Quijote, tomo I, cap. XLVIII e XLVIX.

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tema condenatório, epigramas deste teor: Siquis dixerit hominem transientem per viam faciendo pum, pum-pum, vel terrum-tum-tum, cagator non esse anathema sit. Siquis dixerît puelam calcamtem chanelam, saiotem marelum, retro respiciens, si feceritis ilam, psiu, psiu, meretricem non esse, anathema sit. Diz a anedota que o marquês de Pombal, em visita à indumentária litúrgica da Patriarcal, foi assediado por um sacristão pernóstico, que na ânsia de multiplicar serviços ia explicando: isto é uma casula, isto é uma dalmática, isto é, é, é...... Pombal, conhecedor, como era, do assunto e aborrecido com a seca do ignaro cicerone, soltou retumbantemente os gases abdominais represados, acrescentando: e isto é um peido. Talvez alguém estranhe o emprego das palavras malcheirosas e menos protocolares acima escritas, mas elas aparecem nos clássicos fidalgáceos, como é, por exemplo, O Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, e Filinto Elísio abona-se no emprego que faz delas com a autoridade de La Fontaine (418). E, já que estamos com a mão na massa, vá de aditar mais o seguinte, dada a importância que seu protagonista e colegas — pulga e carrapato — têm na lenda e cancioneiro popular. O piolho goza de imerecida reputação de ascoroso, quando, afinal, tem merecido carinhosos afectos a celebridades mundiais. Do imperador Juliano, «o Apóstata» (361-363), que possuía muitas qualidades boas, diz Cantu (419): «na sua comprida barba abrigavam-se hóspedes que ele não queria incomodar». Ou, então, como escreve Misopogon (420), «deixei crescer esta barba espessa para abrigar os insectos que nela travam batalhas entre si, como em uma jaula de feras». O famoso general grego Aristides, arrancando do peito o piolho que lhe mordia, quando sacrificava aos deuses e exclamando: o inimigo mata-se mesmo sobre a ara do altar, não cultivava menos os insectos julianos. O feroz Sila, aborrecido pelas impertinências dos que estranhavam tão sanguinárias proscrições, contou-lhes um dia no senado a seguinte alegoria: «Um homem, atormentado de comichão, tirou o fato e matou a bicharia, que lhe caiu na mão; como ela de novo se pôs a mordê-lo, matou muita mais do que da primeira vez. Sentindo por fim uma comichão ainda mais forte, lançou no fogo com seu vestuário todos os insectos incómodos. Acautelai-vos para que vos não suceda outro tanto» (421). (418) (419) (420) (421)

NASCIMENTO, Francisco Manuel — Fábulas escolhidas..., tomo I, p. 61 e 193. CANTU — História Universal, vol. IV, p. 30. Ibidem. Ibidem, vol. II, p. 303.

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Este pitoresco desabafo inculcando está da parte do autor certa predilecção por tal hóspede. Calino Em terras bragançanas andam na voz do povo locuções proverbiais, com rima assoante pela maior parte, segundo ele costuma, para meter a ridículo e causticar, irónica ou sarcasticamente por forma risível, os conceitos e palavras da ignorância pretensiosa. A estas locuções chamam em Espanha «Verdades de Pêro Grulho» ou «Perogrulhados». Na literatura portuguesa são atribuídas a — um lendário Calino. Eis algumas das bragançanas: Quando vi a vaca esfolada E a pele estendida na figueira, Logo disse: ó meu amo, A vaca não faz a sementeira. Quando vi a mulher morta, O esquife à porta, E a testa fria, Logo disse que morria. Cego e compadre Diz uma lenda bragançana (melhor seria chamar-lhe alegoria ou fábula a esta e às outras; mas, já agora, continuaremos designado-as por lendas) que um cego, por conselho do compadre, a quem consultara sobre o modo de guardar certa quantia a escondeu no buraco de uma parede. Tempo andado, foi apalpar o pecúlio, mas tinham-lho roubado. Fingiu nada saber, embora desconfiasse do compadre, e, continuando a esmoer na sanfona as suas cantilenas, soltou esta junto do grupo onde o compadre estava: Tenho cinco pintos Metidos num buraco; Para completar nove Vou lá meter mais quatro. O compadre, ouvindo, repôs no sítio os pintos, esperançado em apanhar os adventícios; mas o cego, mal os topou, aferrolhou-os bem aferrolhados no fundo do bolso e sanfoneou escarnicote: MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Amigo do meu dinheiro, Tu foste um grande tolo; Querias juntar muito E perdeste-o todo. La Fontaine trata assunto idêntico na fábula que Filinto Elísio traduziu sob o título O soterrador e seu compadre (422). Ciganos Ver tomo V, págs. 194 a 201, destas Memórias. Diz a lenda popular que os ciganos baptizam os filhos nos ribeiros pronunciando esta fórmula: Eu te baptizo, meu menino, C’o a água deste ribeiro P’ra que faças muitas trocas E ganhes muito dinheiro. Diz outra lenda popular que os ciganos roubaram um saco de pregos forjados pelos judeus a fim de cravarem Cristo e os dois ladrões nas cruzes, mas o saco estava roto e caíram três pregos pelo buraco, com os quais Jesus foi pregado. Deus, em recompensa, permitiu-lhes que pudessem roubar o valor de um saco de pregos menos três. Compadre da morte Corre em terras bragançanas a lenda de um homem compadre da morte, a quem esta prometeu cumprir-lhe o desejo de o não levar sem o avisar. Um belo dia, quando ele menos o esperava, a morte apareceu-lhe e, vamos embora. — Então não prometeste de me prevenir antecipadamente?! — É verdade, e não faltei. — Como assim? Não vi nada. — Porventura não tinhas bons dentes, bons olhos, bons ouvidos, óptimas forças e agora tudo isso se te foi, ¿que melhor aviso querias? Não viste morrer os da tua idade!? Anda, sem demora, que tenho largos passos a dar. E levou-o, sem mais tirte-nem-guarte. (422) NASCIMENTO, Francisco Manuel do, trad. — Fábulas escolhidas entre as de La Fontaine, tomo II, p. 209.

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Na fábula de La Fontaine A morte e o moribundo encontramos o mesmo tema. Eis como o nosso Filinto Elísio a traduz: ............................................ — Velho (lhe diz a Morte): — Não te colho de salto; a queixa é injusta ...................................... Cem anos contas Devia eu (dizes) dar-te algum anúncio ............................................................... ........................................................................ — E não tens por anúncio — O teu trôpego andar, teu mover lento — O senso, os sucos radicais falidos! — O ouvido, o paladar boto? — Não sentes, como tudo em ti desmaia? .................................................................... — Que fiz nisso? — Avisar-te. — Vamos, velho; e sem réplica (423).

Credo do borracho DOUTRINA CRISTÃ PARAFRASEADA — Ver tomo IX, pág. 334 e segs., e tomo X, pág. 660. Creio no vinho de doze graus, todo poderoso, criador das grandes carraspanas; creio na aguardente, uma só sua filha e minha esposa predilecta, a qual foi concebida por obra e graça do alambique, nasceu da puríssima uva; padeceu sob o poder do lagar, foi envasilhada e sepultada; ao terceiro dia surgiu das garrafas, subiu graciosa e triunfante à caixa dos pirolitos; escoou da caldeira e está na pipa bem rolhada, à mão direita no fundo dos toneis; de onde há-de vir a pândega sem fim dar vida a grandes e pequenos, ricos e pobres, sisudos e malucos, espertos e parvos, trabalhadores e vagabundos, doutores e burros, frades e freiras, virgens e marafonas, santos e pecadores. Creio na repetição da pinga, na santa vindima anual, na comunicação dos irmãos do esgota, na renovação das pipas vazias, na bebedeira eterna. Amem. Também corre no povo esta prosa: Sopa começada, boca molhada. Sopa no meio, copo cheio. Sopa acabada, boca lavada.

(423) Ibidem, p. 62.

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Começam-se as sopas, molham-se as bocas. Sopas meadas, bocas molhadas. Acabam-se as sopas, lavam-se as bocas. E ainda esta quadra súplice: De cepas ferrales Nasceste dum verde cacho; Não me subas à cabeça, Deixa-te ficar por baixo.

Sermão de São Martinho, patrono dos borrachos [14] No termo de Varge, a confinar com o de Labiados e Rio de Onor, concelho de Bragança, fica o sítio denominado Rachas, estreito e profundo vale constituído por lameiros (prados naturais), nas margens do rio Contense, envolvido por alcantiladas montanhas, cobertas de urzes e mato bravio, salpicado de carrascos e fragueiros. O isolamento do sítio, a espessura do bosque, o contraste entre a sua vegetação triste e a relva da pradaria, dão-lhe encantos de beleza selvagem, realçados pelo mistério das lendas de tesouros e mouras encantados, que lhe dizem respeito (424). Era aqui que o Padre Celidónio Joaquim de Morais Sarmento, reitor de Babe e sua anexa Labiados, concelho de Bragança, falecido em 5 de Fevereiro de 1914 com oitenta e dois anos, vinha veranear em Setembro, passando oito dias admiráveis na companhia de alguns amigos de Labiados. Traziam uma vitela, pão, vinho e mais guisamentos, tudo obtido à custa de serviços nas malhas (debulha do centeio), ou por cotização directa dos que não podiam trabalhar e passavam os dias caçando perdizes, coelhos, lebres, pássaros e peixes, cada um segundo as suas aptidões, comendo, bebendo, folgando. Ainda vivem em Labiados alguns convivas destas patuscadas e muitas vezes lhes ouvi a descrição delas, bem como trechos do «Sermão de São Martinho», que o reitor pregava encarrapitado sobre a pala do fragueiro que lhes servia de cozinha, dormitório e arrumo de utensílios, num dos dias consagrado a festança mais solene. Pelos trechos que lhes ouvi e pela ideia que davam do assunto, entendo que o discurso era mutatis-mutandis o mesmo do Reigada, de

(424) Ver tomo IX, p. 631, destas Memórias.

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Roriz (425), e ambos decalcados sobre o publicado in O Concelho de Penamacor, na história, na tradição e na lenda, por José Manuel Landeiro, 1938, pág. 222, e por isso me limito a reproduzir este, para lhe conservar o tic arcaico demonstrativo da época em que foi escrito. Antes porém de apresentar esse discurso, dou o exórdio do do Reigada, porque me parece que em todos eles variava apenas o exórdio, tomando feição local e repetindo-se no resto com pequenas variantes, segundo a mentalidade do orador. O do Reigada começa assim: «Borrachíssimos irmãos! Felicito-vos e felicito-me por sermos membros da mais antiga confraria do universo, pois foi a primeira que surgiu no mundo, tendo por fundador o patriarca Noé e conta irmãos em toda a parte, desde o palácio dos reis às choupanas mais obscuras, sendo, além disso, a que abrange confrades em número infinito. Tremo, porém, ao falar ante tão distintos consócios, verdadeiros odres, tonéis, cubas, pipas, pipotes de vinho, sob forma humana.

(425) Ainda falei com este Reigada, de Roriz, concelho de Chaves, no tempo que fui pároco de Mairos (1889-1896), que faleceu doido pelos anos de 1892. Chamava-se José António Reigada, o Cuco, de alcunha. Possuía alguns conhecimentos literários adquiridos por curiosidade própria; exercia a profissão de curandeiro, tinha veia poética repentista e deixou filhos, que ainda vivem. Conservo alguns sonetos e versos dele, notáveis pela ironia profligante dos ridículos e vícios locais. Eis uma amostra: A um tal Estêvão, gatuno de castanhas, filho de outro do mesmo sestro, que andava tratando do casamento na vizinha povoação de Urjais, disse o pai: — Estevinho, para onde vais? — P’ra Urjais, ver meus novos pais. — Pois vai, rei dos animais... Mas deixa-me cá o meu bandulho Que eu apanhei muita picada Para juntar o cascabulho De castanheiro em castanheiro, Sempre com olho matreiro, Não viesse algum estadulho. Bandulho ou bucho chamam por estes sítios ao chouriço de porco feito na tripa rectal ou na bexiga com miúdos e ossinhos das costelas e lombo, comido depois das matanças em família com grande regozijo. Cascabulho indica cascas de castanhas ou nozes depois de comida a polpa e também as mesmas frutas. Pelo estadulho alude-se às pancadas que o larápio levou quando apanhado em flagrante delito. Ao meu colega João Baptista Vaz de Amorim, ilustre escritor e pároco de Vilartão, agradeço as informações para estas notas.

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Ajudai pois a minha fé no suave rosete do pingato, que é imensa por ser remédio eficacíssimo para todos os males; espevitai os fumos de vossas cachimónias, autênticas alquitarras destiladoras da sua vinhaça, que eu principio e serei breve, porque, segundo reza a sabedoria latina: Esto brevis, Et placebis; Set crebe Bibedis. [Agachava-se e, levantando do fundo da tribuna enorme corno de boi minhoto, ajeitado a vasilha viniácia, bebia pelo orifício da extremidade, com ele erguido ao alto, caindo-lhe pelos cantos da boca gotas, que marcavam no peito da camisa silhuetas de «pudibunda rosa e roxas flores», como diz o Épico. E depois de alguma pausa continuava:] Borrachícissimos consócios: para falar a tão valentes bebedores desejava correr tanto pelo sermão como foge por terra o Puto-Coxo, de Lebução (426); desejava ser tão expedito como o é da língua o Pássaro-Gago do Brito (427), a fim de evitar críticas Com que o povo exulte Circundederunt me canes multi. Porque Desculpai-me a incompetência; Que eu com rija camoeca Entro já na sequência.» Segue agora a cópia do de Penamacor. Sermão de panegírico ao Mestre Patriarca São Martinho «Na respeitável presença de vossas embriagadas inteligências, julgo dificultoso tratar de assunto tão estupendo!... Faltam-me conhecimentos práticos e careço de termos técnicos para bem desempenhar comissão tão difícil pois me assustam vossas escandecidas cachimónias; porém, obrigado pelas vossas ébrias atenções, arrostarei ainda as cambalhotas, para ao menos ras(426) Era um manco conhecido por esta alcunha, natural de Lebução, concelho de Valpaços, mas perto de Roriz. (427) Era um gago natural do lugar de Brito, freguesia de Edral, perto de Ferreiros, aldeia da mesma freguesia, onde foi recitado este discurso.

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tejar um elogio que abunde em expor a vossos amortecidos olhos as virtudes do Herói de que nos ocupamos e as excelências do fulgurante licor que hoje, como sempre, vos eleva às glórias do campanário. Imploro pois a indulgência de uma assembleia tão perita e ilustrada na intrincada arte de despejar copos e entornar garrafas. Antequam Borraches escorrepichaveritis primum convenit, vobis vini atque Martini audire virtutes. «Enciclopédia bacanal», verso 2799. Sim, caríssimos irmãos semiscarunfos, a minha missão deve ser nobre, na arte insigne, no estilão grande, na sua entidade clara como a vossa razão e finalmente digna de vós, que em nada vos tornais alheios ao fim desta reunião. Contemplo vossa devoção tão discreta, aguda e bem fundada, como filha da intelectual embriaguez em que vos achais, de sorte que para me explicar com mais clareza e precisão, devo dizer-vos que no orbe terráqueo ninguém vos imita nos sufrágios vináceos. Em eras remotas, o grande Pitágoras intimava a seus discípulos que jamais em suas acções obrassem com dúvida; porque, dizia este sábio, se o homem receia pôr em prática o que imagina, jamais poderá ver realizados os seus projectos. Esta mesma recomendação fazia o nosso Santo, com especialidade quando via os seus educandos indecisos no modo de celebrarem anualmente a festividade da abertura do primeiro tonel de vinho novo. Quereis, dizia ele, tecer ao Deus da alegria uma apoteose digna de sua alta Majestade? Bebei até cair, e vereis como o vinho vos ministra pensamentos elevados. Quereis imaginar, a fim de a pôr em execução, uma festividade esplêndida, aonde apareçam os primores de todas as artes? Bebei vinho até que vos saia pelos olhos, e a vossa imaginação se remontará até ao Empíreo e, face a face com o próprio Deus, sereis testemunhas da maneira brilhante com que ali o adoram aquelas almas puras que na terra souberam apreciar a melhor das suas produções. Sócrates, Catão, Horácio, Virgílio e outros... cidadãos cheios de valor, sapiência e energia, quando se queriam possuir-se de entusiasmo mais elevado, recorriam ao melífluo sumo da cepa. Dizem estes sábios que o homem que não gostava de vinho renunciava à sua razão, cegava-se, fechava os ouvidos à verdade e ocupava-se unicamente de quimeras. O nosso Santo porém ia mais adiante; por que não só seguia a opinião destes sábios, mas acrescentava que o homem que não bebia vinho era incapaz de empreender a mais insignificante acção de valor, e que apenas fantasiava desvarios e sonhos sem chegar jamais a conhecê-los. Oh! e com que fundamento se não expressava o Santo!... Quantas acções de assombro e valor se não encontram nos anais das MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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borracheiras devidas exclusivamente a bebedice?!... Quantas vezes o homem mais embriagado tranquiliza e sossega a sua consciência timorata?!... Quantas vezes, por efeitos do vinho, o homem deixa de sacrificar as mais legítimas inclinações da sua alma a sonhos ilusórios?!... Os padres do Egipto, esses sábios que há quarenta séculos tanto ilustraram o mundo, e que, pela iniciação e pelo mistério, souberam cultivar as ciências mais vastas e profundas, foram tão apaixonados da bela pinga, que concediam um prémio honorífico àquele que nos brindes bacanais apresentava mais nobres e altivos pensamentos. O nosso Santo igualmente os imitou quanto pode; porque não só galardoava os neófitos que eram admitidos à nossa Santa Confraria, mas os convencia a beberem sem conta e medida, como meio necessário para o desenvolvimento das ideias. — A natureza, meus amados filhos — dizia o Santo — mestra de todas as ciências, manda que nos conservemos e que gozemos de todos os benefícios que ela nos concede para tornarmos a nossa existência mais agradável. O vinho é um dos mimos mais deliciosos que ela nos prodigaliza. O vinho é necessário para a nossa conservação. O vinho torna a nossa existência mais aprazível, mais suave e mais recreativa. Logo, por consequência — Vinum delicias mundi! Vinum exaltat animam! Em verdade — ilustre, ilustrado, ilustrando e ilustradíssimo cambaleante, tinha razão o Santo, porque o vinho é superior ao maná que Deus fez chover para sustento dos israelitas. Ele é muito mais saboroso; porque, se o não fora, decerto não teria sido escolhido por Deus para celebração do mais alto dos mistérios da nossa crença. O vinho é a alegria dos pobres e prazer dos ricos; as suas virtudes são tantas e tão conhecidas por vós, por experiência própria, que seria um nunca acabar enumerá-las todas: bastará dizer-vos que ele faz de um pusilânime um valoroso e do potente um fracalhão — subministra calor aos que têm frio e refresca os que trazem as cabeças esquentadas como agora estão as vossas; espalha o regozijo onde reina a tristeza, e muitas vezes onde aquela se difunde, transforma em doutores consumados nas ciências mais sublimes os charlatães mais estúpidos e, pelo contrário, faz de um sábio uma besta completa. O nosso Santo conhecia tanto as propriedades do vinho que, desprezando a medicina, com ele curava todas as enfermidades. Ele foi sempre mais camoeca do que vós todos. Amante das pisorgas, jamais encontrou bêbedo algum que lhe não desse o braço para o ajudar, e se o estado de embriaguez não permitia ao Muafa o poder andar, punha-o às costas e bafejando continuadamente o conduzia para sua casa!... Ali o contemplava como absorto nas delícias que o bêbedo revolveria na sua mente esquentada... MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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— Que projectos tão sublimes — dizia consigo o Santo — não concebe neste momento aquele mortal!... Que êxtases tão divinos goza ele agora!... Que ideias tão altas e profundas se acumulam agora na sua cachimónia inteligente, electrizada pelo vinho!!! Com bastante conhecimento falava o Santo. Vós não ficais atrás, neste ponto, sois tão peritos como ele; pois tendes dado sobejas provas de saberdes que a força de atracção deste licor dos Anjos é mil vezes superior à do íman. Sim, meus borrachos irmãos: o íman atrai a si todos os metais; porém o vinho não só tem esta propriedade mas possui outra mais singular: a de atrair os homens, pois chama-os, convida-os, alicia-os e reúne-os para saborearem a suavidade e doçura do seu gosto. Vinum delicias mundi! Vinum exaltat animam! — estas últimas palavras encaixam em vós todos, ilustres bêbedos, como retorcido corno... As virtudes e excelências do vinho constituíram a primeira parte do meu discurso, as comodidades da camoeca serão objecto da segunda; para o conseguir imploro uma baforada animadora dos vossos pútridos estômagos para me exaltar com a narração dos carapantosos prodígios e influenciar da verdadeira ambrosia celeste.

SEGUNDA PARTE

Se algum malvado se atrever a contrariar as verdades que hei proferido, vós meus amados borrachões, esgotai as garrafas da vossa retórica, evacuai as pipas da vossa facúndia e despejai os odres da vossa sabedoria, que eu, unido a vós, o esmagarei debaixo dos tonéis da minha eloquência. Desde o princípio da Criação, o vinho foi sempre a melhor das consolações humanas; apenas Adão e Eva comeram do pomo vedado, viram-se logo forçados, em castigo da sua desobediência, a trabalharem na plantação da vinha, e gradualmente foram ressarcindo, pelas doçuras do seu licor, parte da graça que haviam perdido. Adão foi um dos melhores matemáticos; por isso que, prescindindo da máquina pneumática, fez óptimas experiências, cujos resultados foram tirar a ventosidade dos odres e das borrachas. Era tal a devoção com que bebia, que nem ao menos o vento lhe deixava ficar. Por efeito do vinho, vence o homem todas as dificuldades. O mísero trabalhador, carregado de dívidas, lamenta-se porque o salário lhe não chega para as pagar; apanha uma bebedeira de arromba, esquece os pesares e manda os credores à fava. No alto mar, o tímido viajante receia a morte, julgando ver em cada tufão a sua ruína: implora o auxílio dos santos da sua devoção e as vagas o amedrontam mais; bebe uma garrafa de vinho, zomba dos ventos e arrosta com a morte às gargalhadas. No começo de uma batalha, o granadeiro altivo, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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hesita, tremem-lhe as pernas, seca-se-lhe a boca, porque o aterra o horror da morte; põe o cantil aos beiços, e ainda que o vinho seja zurrapa, toma brio, fogem-lhe as securas e investe contra o inimigo mais furioso do que um cão de fila. Para um homem aprender qualquer língua estrangeira gasta anos e anos, ao passo que, se todos estudassem a fundo a verdadeira gramática bebendo vinho a longos tragos, falariam de pronto todos os idiomas, porque a experiência nos mostra que os bêbedos se entendem, ainda que pertençam a nações diferentes. Cansa-se o pobre caçador subindo outeiros, descendo vales e vadeando charcos, sem ao menos lobrigar uma lebre; bebe vinho em quantidade e logo qualquer escaravelho se lhe afigura um veado, a mosca uma perdiz e o gafanhoto um porco-espinho. O quod ore sumprimus do sacerdote é o prelúdio da missa; apenas despe os sagrados paramentos, corre logo à adega e ali esquece as tristes lembranças da sua vida celibatária. — O vinho — dizia um santo Padre — é a vassoura dos cuidados, que varre das nossas caveiras as teias de aranha dos importunos pensamentos. Ele faz poetas, forma sábios, adestra generais e prepara pregadores; é uma cornucópia de todas as virtudes e delícias, ou, por outro nome, é o Corno de Amalteia, e assentem todos nisso, porque é sentença eclesiástica. Que mais é preciso para vos fazer capacitar de que o vinho é o único remédio eficaz para todos os achaques mentais e espirituais? Abri os anais das borracheiras e ali achareis estampadas estas verdades. Ó meus amados irmãos! Quando o homem se acha aparamentado com uma cabeleira erriçada pelos vapores da embriaguez, forma empresas superiores às suas forças e quer a todo o custo exaltá-las sem prever os perigos que o cercam. Qual de vós, neste momento solene, não se atreveria a guiar o Carro do Sol com mais destreza do que Fetonte, sem receio de que os cavalos se afastassem da sua justa carreira e abrasassem o Céu e a terra?! Qual de vós duvidaria, neste momento imitar o velho Sileno escarranchado num jumento, com dois odres debaixo do braço, acompanhando o deus Baco nas conquistas da Índia com o piedoso fim de ensinar a estes povos a cultura da vinha?! Qual de vós deixaria de ter valor para vadear os quatro rios infernais, desde o Aqueronte até ao Letos, se as suas correntes fossem de vinho, sem receio de perder a lembrança do belo e fulminante, que hoje vos há posto tão bizarros como um cacho?!... Nenhum, por certo, nenhum! O vinho, sapientíssimos beberrões, convida à liberdade e dissipa a melancolia. Ovídio chamava-lhe o seu puer eternus, menino eterno, porque aqueles que o bebem sem conta nem medida, por mais velhos que sejam, tornam-se criancinhas de caca e mama. Ovídio sacrificava todos os anos um bode ao deus das carapantas, só porque este animal destrói os olhos das vides — Bode, capes vitem, tamen huc stabis ad aram; in tua quod fundicornuo possit erit. Tu, MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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bode, roerás as vides, mas elas produzirão vinho para deitar sobre a tua cabeça quando fores imolado sobre este altar. Se Ovídio vivesse nos tempos presentes quantos bodes humanos que não só roem mas arrancam as cepas, ele não sacrificaria para aplacar a justa ira do nosso Santo?!... Mas já que a desmoralização do século não tolera estes sacrifícios, façamos nós outros mais aparatosos. Enchamos os copos desse néctar precioso e, abrindo as cancelas ambulantes dos estômagos, votemos ao desprezo os inimigos das trabuzanas, sorvendo e engolindo o vinho que aparecer. Formemos uma cadeia indissolúvel de copos, garrafas, tonéis, pipas e odres, e assim unidos e abraçados a estes emblemas seremos fortes e temidos, porque a verdadeira fortaleza resulta do vinho, e a união, que dele tira a sua origem, corta todas as parcialidades e dissensões. Assim unidos, meus bebedíssimos irmãos, tomemos devotamente um rosário de contas de azeitonas com uma cruz de costelas e uma devota Verónica de lombo e devoremos tudo isto em louvor do nosso Santo, aplicando a cada mistério, por meditação humana, uma canada, ofereçamos-lhe este sacrifício humilde e acrescentando-lhe algumas devoções de queijo, conserva, castanhas assadas e o mais que a vossa devoção suscitar, e depois, transportados de alegria, dai quatro saltos, três cambalhotas e dois tombos em honra do mesmo Santo, cantando a caravela, o vinho do Delgado, a Ana Brites e outras canções religiosas; introduzi no vosso santo bandulho, pelo menos, um almude de sua divina graça, para depois gozardes satisfeitos e de perna solta as delícias imortais da sua glória —... Assim seja. Peço quatro coisas por sua caridade: a primeira, que não bebais vinho mau; a segunda, que vos embebedeis todos os dias; a terceira, que nunca negueis vinho aos vossos irmãos necessitados, e a quarta que desprezeis o espinafre e apliqueis o dinheiro a actos religiosos como este. Finis Laus Deo» (428). Famílias de origem cavalar — Perversão da mocidade universitária Em Babe e, já antes, em Mairos ouvimos a lenda que atribui a certas famílias más, velhacas, cruéis, origem equídea, isto é, filhas de cavalos ou éguas. (428) Copiado de O Concelho de Penamacor na história, na tradição e na lenda, por José Manuel Landeiro, 1938, p. 222. Diz havê-lo reproduzido de outro que ali costumavam recitar, mas que há outras lições variantes. No tomo VII, p. 575, destas Memórias noticiamos o Sermão de São Martinho, escrito por Carlos José Botelho de Sousa e Vasconcelos, natural de Almeida, residente em Felgueiras, concelho de Moncorvo, onde faleceu.

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Ovídio (Metamorfoses, lib. VI) descreve o centauro Chiron meio homem e meio cavalo, filho de Saturno, transformado em cavalo, e da ninfa Filira. O mesmo Ovídio (lib. XII), assim como já muitos séculos antes Homero (Odisseia, lib. XXI) e depois Virgílio (Eneida, lib. VI), de onde tomaram a notícia muitos escritores, falam de outros centauros, também meio homens e meio cavalos, filhos de lxion e de uma nuvem, tão maus que foram sepultados no monte Tafoso, de onde saía pestífero cheiro e veneno capaz de infeccionar toda a terra, como diz Estrabão (lib. IX). Pélias, filho de Neptuno e de Tiro, foi criado por uma égua «e veio a ser o mais cruel de todos os homens». A feiticeira Medeia, que por artes mágicas tornou à juventude seu sogro, o velho Eson, convenceu as filhas de Pélias a esquartejarem-no, pondo-o depois a ferver em caldeiro ao lume, para o restituir igualmente à juventude. Elas assim o fizeram, todavia sem resultado, pois o seu fim era punir e livrar-se de homem tão cruel. (Ver Chompré, Dicionário da Fábula.) Também em Baçal e noutras terras bragançanas corre a lenda de que na Universidade de Coimbra, outros dizem na de Salamanca [ambas foram frequentadas por estudantes trasmontanos (429)] a par dos estudos públicos havia outros ocultos, em que mestres e discípulos, tudo gente perdida, se entregavam a ciências diabólicas, malas-artes mágicas, destacando-se, entre outras, o rejuvenescimento das pessoas. Para isso espostejavam-nas, lançando os pedaços numa caldeira onde fermentavam após certas operações adequadas, ressurgindo depois jovens e sadias. Diz a lenda que um pai foi ver o filho, escolar na Universidade, e, como só achasse no quarto da residência a tal caldeira com as postas já a mexer, prestes a concluir-se a formação da nova criatura, esfrangalhou tudo a pontapés e fugiu horrorizado ante o produto da diabólica alquimia. Esta lenda deve relacionar-se com a mencionada anteriormente tocante a Medeia e às filhas de Pélias. A canção popular também diz: Ó Coimbra, ó Coimbra, ¿Que fazes aos estudantes? Vão p’ra lá tão inocentes E voltam tão extravagantes! Também aqui em Baçal tenho ouvido chamar escolarão às mulheres tidas como bruxas, feiticeiras, capazes de malefícios. É possível que esta (429) Ver tomo VIII, p. 11, 41 e 134, destas Memórias.

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palavra se relacione com os tais estudos diabólicos e corresponda ao Secular (escolar, scolar), que no Mogadouro dizem ser autor das trovoadas pavorosas (430). Fantasias económicas Diz uma lenda bragançana que certo lavrador e seus filhos, deitando mentes à vida, resolveram lançar muitos ovos a chocar às galinhas, a fim de, com o produto da venda das frangas e frangos, comprarem uma égua que pariria crias bastantes para enriquecerem. — — — —

E quem há-de andar a cavalo na égua? — perguntou um dos filhos. Eu! — respondeu o pai. E não, que hei-de andar eu — disse o filho mais novo. Ó alma do diabo — volveu-lhe o pai — já ma queres fazer amover?!

A Mofina Mendes, do nosso Gil Vicente, e a mulher do cântaro de leite, de La Fontaine, decalcadas sobre tema similar ao da lenda bragançana, não lhe ganham na força da expressão sintética, nem no burlesco do desfecho final.

Fatalismo Diz uma lenda colhida em Baçal que o signo dava a uma criança o destino de matar o pai. Este, aterrado, abandonou-a na roda dos expostos. Anos volvidos, sem mais haver renúncios dele, adregou de hospedarem em sua casa um desconhecido que pediu pousada. Receberam-no carinhosamente, em atenção ao filho que traziam pelo mundo ao Deus dará, desejando-lhe idênticos agasalhos. O viajante, em reconhecimento, foi com o anfitrião ajudá-lo na pedreira em que andava trabalhando, e ao dar-lhe uma ferramenta atirou com ela tão desastradamente que, batendo na fraga, ricocheteou e deu morte instantânea ao patrão, que era o seu próprio pai. É bem clara a ligação desta lenda com a relatada na fábula a respeito de Édipo, filho de Laio, rei de Tebas. O povo, ao referir esta lenda, adita-lhe, como comentário, os seguintes adágios: onde has-de ir não vale fugir; o cavalo que ha-de ir à guerra, não há égua que o amova; tinha de ser; o que tem de ser tem muita força, e outros de tema fatalista, tidos como infalíveis no conceito popular.

(430) Ver tomo IX, p. 369, destas Memórias.

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Faze bem, não cates a quem Segundo a lenda trasmontana, um homem compadecido da situação de uma cobra entalada entre duas grandes pedras, libertou-a, e ela, alegando que não podia andar com a fome à procura de alimento, disse-lhe que o ia comer. O homem reclamou, dizendo: — Então pagas tão ingratamente o benefício que te fiz? — Pois é assim mesmo que eles se pagam. Quem faz bem, recebe sempre mal em paga. — Não pode ser; vamos consultar outros animais — volveu-lhe ele. Partiram, e o burro, primeiro animal encontrado, confirmou o conceito da cobra, porque, dizia ele: — Prestei grandes serviços a meu amo; transportei muitas cargas de lenha, cereais e outros géneros; lavrei as terras, e agora, que estou velho e já não posso trabalhar, lançaram-me fora de casa para que os lobos me devorem. — Vez? — disse-lhe a cobra. — Não — tornou-lhe o homem — vamos ouvir outro, que adregou de ser um cão, o qual confirmou o juízo da cobra, porquanto, ele — que fora valente guarda de rebanhos e salvando a seu amo centenas e centenas de armentio da boca do lobo — via-se atirado ao ostracismo desde que os anos lhe levaram as forças. E assim: por bem fazer mal haver. — Vez? — disse-lhe a cobra — vou comer-te. — Não — tornou-lhe o homem — consultemos outros. Neste comenos passou por ali a raposa, que respondeu: — Quem faz bem, recebe sempre bem, tarde ou cedo. Mas, para melhor julgar, vamos reconstituir a cena, como ela se passou no local da pendência. Foram, viram a pedra e a raposa ordenou que a colocassem sobre a cobra a fim de melhor se certificar. Executada a operação, perguntou-lhe: — Era assim como estavas? — Era — voltou-lhe a cobra. — Pois, então, deixa-te assim ficar — e debandou monologando: — Faze bem não cates a quem. O Dr. Joaquim Manso, Fábulas, citadas a pág. 97, sob o título Ingratidão divina, versa o mesmo assunto, apresentando um cão a lamentar a injustiça do homem que tão mal paga a fidelidade do seu companheiro. La Fontaine explanou o mesmo tema na fábula O homem e a cobra, se bem que com o fim moralizador de mostrar que aos grandes «falar-lhe de longe ou estar calado». MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Ferro, sua soldadura O processo de soldar dois pedaços de ferro um ao outro foi descoberto casualmente por um ferreiro, que fazia segredo de tão útil achado, diz a lenda popular. Outro ferreiro peitou um bando de rapazes para gritarem em volta da casa dele: o ferreiro caldeou, o ferreiro caldeou, o ferreiro caldeou. Então ele, aborrecido da cega-rega, exclamou: Pois se caldeou, Ou areia lhe botou, Ou na terra o esfregou. E assim se descobriu e divulgou a arte de caldear o ferro.

Filho pródigo No tomo X, pág. 543, destas Memórias demos a lenda de um filho fugido da casa paterna por não poder aturar as impertinências de seus pais, dizia ele, e os bons conselhos que o diabo lhe deu, expostos em versalhada popular cheia de sainete irónico. Há evidente analogia entre esta lenda e a parábola bíblica do Filho Pródigo, ligando-se, além disso, à fábula dos Dois pombos de La Fontaine e à do Galo aventureiro do Dr. Joaquim Manso, Fábulas, pág. 219.

Funerais (431) Fórmulas de consolar os doridos: Deus o tenha em bom lugar e a nós quando formos. Ele pagou e nós devemos. Só nos levou a dianteira. É caminho que todos temos de seguir; hoje ele e amanhã nós. Deus o achasse numa boa hora e a nós quando formos. Deus vos compense de outra forma a falta que vos faz. Quando morre alguém, costumam em Baçal e noutras aldeias bragançanas mandar cada morador da povoação uma candeia ou candeeiro para ser

(431) Ver tomo IX, p. 439, e tomo X, p. 646.

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colocado aceso junto do cadáver enquanto se conserva em câmara-ardente, chegando às vezes a reunirem-se mais de cem candeias providas de azeite pelos doridos. Esta costumeira deve relacionar-se com os archotes e fogueiras de que falamos nas páginas 67 e com o culto do fogo (432). Que profundeza de conceitos! Que força de expressão! Que concisão em tão profundos conceitos! Que síntese admirável, na qual um filósofo gastaria páginas e páginas! Nunca os filósofos atingiram tal concisão.

Gato Segundo uma lenda corrente em Baçal, Deus esqueceu-se de criar o gato, e, quando as donas de casa lhe advertiram a falta, mandou dar um espirro ao leão e — zás! — surgiu o gato. Que encanto de beleza poética? Que profundeza de observação zoológica para agrupar os felinos na parentela do leão! Que fina observação psicológica para traduzir a fúria do gato amassado em espirros!

Graça Divina Diz uma lenda bragançana que passando Deus junto de um lavrador, que arava com burros, lhe deu as boas horas, como é costume, repetindo-lhe a fórmula usual: «Deus te ajude, lavrador». — Não ando com gado disso — tornou-lhe o agrícola. Parece que esta lenda, embora o rifão diga que Deus ajuda a quem trabalha, exige o labor consciente de quem saiba o que anda a fazer e o emprego de meios adequados a esse fim. Diz outra lenda bragançana que um dia São Pedro, vendo a desolação dos campos, exclamou: — Senhor, que péssimo ano agrícola! O lavrador morre à fome; o sol, as chuvas, não vieram na devida altura, e as geadas crestaram tudo! É preciso olhar carinhosamente pelos agrícolas; porque, no fim de contas, quando a virtude fugiu horrorizada da terra, foi nos agrários que mais vestígios deixou da sua passagem. — Pois bem — contestou-lhe o Senhor — desde já ponho à tua disposição as chuvas e as mais influências meteorológicas: é só avisar, quando fizerem falta.

(432) Ver tomo IX, p. 307, destas Memórias.

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Desde esse dia, São Pedro, sempre de olho à trela: — Senhor, chuva; Senhor, bonança; Senhor, sol; Senhor, tempo primaveril; Senhor, água na eira e chuva no naval; Senhor, Senhor, Senhor... — sem cessar de pedir quanto julgava necessário. E no entanto, os frutos marchavam, não menos aceleradamente, para um definhamento confrangedor. — Então que tal, Pedro? — perguntou-lhe o Senhor no fim do ano. — Mal, muito mal, Senhor. Porventura, faltou-lhe alguma coisa. — Não tiveste à tua disposição todos os elementos da fertilidade? — Tive, tive, Senhor; mas faltou-lhe a vossa graça. Guardas fiscais, escrivães e empregados da fazenda Diz a lenda bragançana que quando Deus fez o homem, São Pedro se declarou capaz de obra idêntica. — Pois vamos lá ver como te sais — volveu-lhe o Criador. São Pedro fez então um macareno de barro e, exposto a exame, Deus disse-lhe: — Não está mal de todo, quase serve para homem, mas falta-lhe o coração. — É certo — tornou-lhe São Pedro — esqueci-me desse apêndice mas não há dúvida: abre-se-lhe o peito e mete-se-lhe pela fenda. — Não vale a pena — tornou-lhe Deus —; fica para guarda-fiscal, ou para escrivão ou empregado da fazenda, quando tivermos de criar dessa gente. Guerra do leão e do grilo Segundo reza a lenda popular, o leão apostrofou assim o grilo, por se queixar de lhe desfazer a toca quando passava: — Tirate-me diante, ascoroso animal, vergonha da espécie, excremento da terra. O grilo, ofendido na nobreza de seus brios, fez das tripas coração e declarou-lhe guerra, chamando em seu auxílio vespas, moscas, mosquitos e quejandos animálculos da sua igualha. Por sua vez, o leão arregimentou hienas, tigres, lobos, raposas e outras grandes feras. Assim preparadas e dispostas as hostes em linha de batalha, rompeu a raposa o combate, como lugar-tenente de sua majestade o leão, general-chefe. Respondeu-lhe o grilo com uma divisão de vespas, enquadradas por legiões e legiões de mosquitos, que, dando nos contrários e atanazando-lhes focinhos, olhos, orelhas e região rectal, lançou a confusão no inimigo, pondo MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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tudo em pânica debandada de salve-se-quem-puder pavoroso, só encontrando salvatório no fundo das escuras cavernas ou na água dos ribeiros. A raposa, no relatório oficial enviado ao comandante supremo, explicando o pânico, terminava assim o trágico sudário: Contra mim enviou o grilo Uma divisão de farda amarela, Que se não me meto num ribeiro Levava-me o demo a espinhela. La Fontaine decalcou sobre esta lenda uma das suas fábulas, que são modelos de elegância e concisão sentenciosa; mas a popular nada lhe inveja e excede-a no pitoresco galhofeiro, adequado ao assunto. Igualmente a tratou o Dr. Joaquim Manso, Fábulas, 1936, pág. 105. No furor do ataque, enfileiraria também o ódio do grilo à vulpina, que muitos devora nos períodos de crise alimentícia, de onde vem o ditado: Mal vai à raposa quando anda aos grilos. Também corre em verso a «Guerra do leão e do grilo» desta maneira: Indo el-rei leão passando Por uns campos muito verdes, Viu estar um grilo cantando Suas músicas mui alegres. Rei leão lhe pôs um pé, Sem saber o que fazia; Tanto se enfadou o grilo, Que desta sorte lhe dizia: — Pícaro benedito Das carnes do cu do cano, Tu és o rei dos sabandijas E tratas-me com tal desengano! — Tu que és bicho pequeno, E estás debaixo do terrão, ¿Não sabes que eu sou O rei coroado leão? — Se és o rei coroado leão Dá-te por desafiado Para darmos uma batalha Dia vinte e quatro de Maio. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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Foi-se o leão abismado Das arrogâncias do grilo; Foi ter com um general Muito destro e entendido. Entendido e afamado, Era um grandíssimo burro, Possuía uma cabeça Como as torres de Burgos. — O meu grande general, Muito destro e entendido: ¿Não sabes que para a guerra Me desafiou um grilo?! — Se te desafiou p’ra guerra, Disso não tenhas fadigas; As astúcias da guerra Tenho-as eu muito sabidas. O rei leão mandou tocar Uma marcha muito ligeira, Em breve tempo chegou Ós campos da Matraqueira. Depois de tudo pronto, Já sem faltar nada. Por uma destra raposa Lhe mandou esta embaixada: — ¿Onde estará o rei grílico E também os seus soldados, Que ele há-de pagar bem Os desafios passados? — Ó minha amiga raposa Não cuides que é na primavera, Que andas a saber dos grilos Que estão debaixo da terra. — Isso são desgraças minhas, Quando ando ós grilos, É porque não acho galinhas. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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— Manda-te dizer rei leão, Das partes da Alemanha, Que te ponhas em campanha. Todos os sabandijas da terra, Quantos forem à guerra, Todos hão-de ficar nela. Tu pudeste acautelar Não escapar aos meus soldados Só se te meteres no mar. Rei grilo mandou tocar Uma marcha arrebatada: Avançou a infantaria Com a baioneta afiada. Raposa: — Avançaram-me dois moscardos, Eu vinha por aqui abaixo Levada de trinta diabos; Avançaram-me dois oficiais Daqueles de farda amarela, Se não me meto na água Não tornava a esta terra. E se não bato com o rio Chamado ribeiro Xurdão, Levavam-me quarenta diabos Naquela ocasião Não se ouviam se não urros, Tudo era uma poeira; Só o inferno parecia Nos campos da Matraqueira. Onde estava o rei leão Tudo eram prantos e fadigas; Não o deixaram descansar As moscas e as formigas. Leão:

— Há três dias que aqui estou, Ainda não saí daqui; Estou a desconfiar Que andam a saber de mi.

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Burro: — E eu batalhando forte Inda levei mais estucadas Que estrelas tem o Norte. Grilo:

— Os soldados do rei grilo Não são como tu cuidas; Antes que são pequenos Têm as armas mui agudas.

Leão:

— Ó minha amiga raposa, Tu que tens alguma manha, Não me darás uma ideia Para vencer esta campanha?

Raposa: — Eu já fiquei mui enfadada, Quando foi da embaixada: Puseram-me a pele mais rota Que uma saranda rara! Para irmos para a guerra Temos que pensar primeiro; Só podemos entrar com eles Em Natal ou em Janeiro. Puseram-me a pele Em mil bocados; Isto em tempo quente É canalha dos diabos! Intrujices Diz um conto bragançano que dois intrujões andavam de terra em terra impingindo petas à papalvice bisonha, no intuito de ir mantendo a vida à tripa-forra. — Quando estive nos confins da Patagónia — disse um deles — vi uma ave que fazia sombra com as asas a uma cidade como Lisboa. — Eu a ave não a vi — tornou o outro —; mas, quando passei na Hungria, estavam sete caldeireiros a martelar ao mesmo tempo numa sertã, que certamente seria para frigir os ovos dessa ave. Lhona idêntica encontra-se na fábula de O desleal depositário, de La Fontaine (433). (433) NASCIMENTO, Francisco Manuel do, trad. — Fábulas escolhidas..., tomo II, p. 143.

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Justiça (A) Diz uma lenda bragançana que um lavrador apresentou em juízo a queixa de lhe terem furtado umas galinhas da loja onde só dormiam elas e um carneiro. Foi citado o carneiro como réu, e, embora provasse, sem sombra de dúvida, que nunca, em tempo algum, nem ele nem algum dos seus comeram carne, a raposa, que era o juiz, condenou-o à morte, ficando a carne para o tribunal e a pele para o lavrador, porque alegava ela — embora os ovinos não sejam carnívoros, como a ocasião era propícia e a carne de galinha muito apetitosa, nada mais natural do que comê-la. No já citado Fabulário Português Medieval, pág. 12, encontra-se a fábula intitulada O cão cita o carneiro em juízo. O cão, por meio de testemunhas falsas, conseguiu a condenação do carneiro, que teve de ficar sem a pele para pagamento das custas, resultando dai morrer de frio e ser comido pelo cão conluiado com as testemunhas — lobo, minhoto e abutre. O povo não as poupa à justiça, que, na verdade, algumas vezes tem casos assaz tortos. Ver a Justiça de Vinhais no tomo IX, pág. 272. Costa Lobo (434) aponta os vexames e roubos feitos por um fidalgo à gente da Maia (Porto), que intentou acção judicial contra ele. O corregedor condenou o fidalgo a pagar aos queixosos trinta mil réis e levou de custas aos mesmos queixosos sessenta mil réis! Por isso recorreram a el-rei, dizendo: «A gente chora e brada e não acha justiça». Daqui vem a prece a Santa Catarina que interceda a Deus «para que nos livre de ferros de el-rei, poder de justiça e mau vizinho à porta». Sobre o assunto, põe Gil Vicente estes versos mordazes na boca da mísera: A justiça sou chamada Ando muito corcovada, A vara tenho torcida, E a balança quebrada... Renovai-me muito bem, Que cada vez vou pior. Fazei-me estas mãos menores, Que não possam apanhar, E que não possa escutar Esses rogos de Senhores Que me fazem entortar

(434) LOBO, António Costa — História da Sociedade em Portugal no século XV, que diz haver tirado a notícia do códice Além Douro, vol. IV, fól. 294.

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...... La Justícia danada Los que mas la han de emendar La hacen mas corcovada (435). Esta lenda da raposa a julgar o carneiro já saiu no tomo X, pág. 633, mas repete-se por causa da concordância com a do Fabulário Português Medieval. No mesmo tomo X, pág. 633, dissemos da Justiça de Vinhais. Lobo penitente Diz outra lenda popular que um lobo arrependido dos crimes praticados, dando morte cruel a tanta vítima inocente, foi confessar-se, sendo-lhe dada por penitência que se limitasse a comer apenas cinco arráteis de carne por dia. O lobo, debulhado em lágrimas, assim o prometeu, e, refugiando-se no deserto para evitar más companhias, viu do caminho uma burra e o filho, que pastavam descuidadamente no fundo de um prado. Enviou-se a eles avaliando-lhe de antemão o peso nos cinco arráteis da penitência, monologando ao mesmo tempo: — Louvada seja a providência divina: quem com Deus anda, Deus o ajuda: E bem certo, Justo, justico: Três a burra, E dois o burrico. E devorou-os sem mais aquelas, ajustando-lhe o peso à medida da sua gula. La Fontaine, na fábula Os animais doentes da peste e o Dr. Joaquim Manso, Fábulas, 1936, pág. 155, sob a epígrafe Um arrependido, versam o assunto desta lenda trasmontana, destacando-lhe o sainete cáustico por forma menos incisiva e chistosa. Mau vizinho Conta uma lenda trasmontana que o Senhor, encontrando um lavrador a arar num domingo, lhe disse: — Solta os bois, guarda o meu domingo. — Não posso, Senhor — volveu-lhe ele —; tenho mulher e filhos a governar, preciso lavrar. — Solta os bois, guarda o meu domingo; vale mais quem Deus ajuda do que quem muito madruga. (435) VICENTE, Gil — Frágua do Amor.

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— Não posso, Senhor, preciso do pão e da palha e Deus ajuda a quem trabalha e no faze da tua parte que eu te ajudarei é que está a lei. — Solta os bois, guarda o meu domingo, senão mando-te a geada, o trovão, que te leva num virar-da-mão quanto num ano agenciou a tua ambição. — Não posso Senhor; enquanto puder tenho de trabalhar para me governar. — Solta os bois, guarda o meu domingo, senão mando-te a moléstia que te faz gastar na cama quanto a tua ambição ama. — Não posso, Senhor; tenho de trabalhar para me governar. — Solta os bois, guarda o meu domingo, senão mato-te os bois. — Não posso, Senhor, vós bem vedes que não posso. Quanto aos bois, vós mos destes, vós mos tirais, cumpra-se a vossa vontade; mas, olhai que se mos levais, ainda preciso de trabalhar mais. — Solta os bois, guarda o meu domingo, senão mando-te o mau vizinho p’ra porta. Apenas ouviu tal ameaça, o lavrador talhou com forte golpe de machada as cornais e sejugueiro, sem atender ao prejuízo, para evitar demoras em os desatar e partiu a fugir, aterrado, com as mãos erguidas à cabeça, gritando: Senhor, misericórdia! Senhor, compaixão! Senhor, perdoai-me!

Médico molieriano Segundo refere uma anedota bragançana, endossada a nuestros hermanos galaicos, um deles, inquieto por a esposa o ter brindado com um nené após três meses de casados, veio cá consultar um médico, e este explicou-lhe assim o caso: — Está certo; não há dúvida nenhuma; apenas um pequeno erro de cronologia, por não saberes contar, como vais ver: Abril e abrilete e outro mês que ali se mete, são três; Maio, maiólo e outro mês que vem logo, são seis; São João e São Joanaz e o mês em que nasceu o rapaz, são nove. — Vês? — Si. Muchas gracias pela verguenza que me quitó. O jocoso burlesco deste médico nada inveja ao Sganarelo de Molière, sem precisar de recorrer ao pedantesco latinório que lhe atribui para explicar a doença. Medronheiro O medronheiro coberto de espessa folhagem verde, permanente, intermeada de frutos vermelhos e flores brancas, atinge surpreendente beleza MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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ornamental em Dezembro para oferecer ao Deus-Menino e embelezar-lhe os presépios; mas o diabo, desesperado — diz a lenda popular bragançana — sacode os frutos com o rabo, à meia-noite da Consoada, que foi quando Cristo nasceu, não deixando nenhum nas árvores para o outro dia. Não deixa de causar surpresa ver o chão literalmente coalhado de medronhos aí pelo dia 24 de Dezembro, quando, pouco antes, tanta louçania e vitalidade ostentavam. Daqui a observação do povo e a explicação do caso pela sua fértil imaginativa lendária.

Mulher enterrada viva No tomo IX, págs. 150 e 452, falamos da lenda do padre chamado altas horas da noite para confessar uma mulher, que seguidamente seria assassinada, dando-o como sucedido nas igrejas de São João, freguesia de Cimo de Vila da Castanheira, concelho de Chaves, ou na do Castanheiro, concelho de Carrazeda de Anciães, segundo outra versão. Na Altitude, revista da Guarda, 1943, pág. 46, dá-se o caso como sucedido em 1676 a José de Barros e Brito, abade de Vilar de Amargo, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, segundo consta de um manuscrito do Padre João Tomás de Carvalho Ferreira, abade de Vilar de Amargo, organizado em 1816, documento existente no arquivo paroquial da freguesia. A Altitude transcreve textualmente a narração do caso, ao qual já aludiu o Portugal Antigo e Moderno, bem como o Domingo Ilustrado, e concorda, no fundo, com a que referimos no lugar acima citado. Tratar-se-á de um facto histórico transmitido de terra em terra e aplicado pela lenda a igrejas isoladas, que melhor se prestam à sua execução? Mulheres Diz uma lenda colhida em Baçal que Deus e São Pedro, passando junto de um lavadoiro onde estavam as mulheres em grande algazarra com o diabo sentado no meio delas, mandou ao Santo que cortasse a cabeça a todos. A breve trecho, porém, comoveu-se, e encarregou o Santo de repor as cabeças nos respectivos corpos, mas enganou-se e colocou a cabeça do diabo sobre um corpo de mulher, de onde provêm as diabruras características de todas. Por isso, afirma o ditado popular: a raposa tem sete manhas e a mulher a manha de sete raposas. Ou, então, como nuestros hermanos versificam na sua linguagem hiperbólica: Aun que el mar fuera de tinta, El cielo de papel MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Y los angeles escribanos, A escribir a dos manos, No escribirian en cien años La maldad de la mujer. Segundo refere a anedota, quando Deus extraiu a costela de Adão, colocou-a ali a um canto imentes lhe curava a ferida. Neste comenos veio um cão e fugiu com ela. O Criador ainda o agarrou pelo rabo, porém o ladrão escapou, deixando apenas em despojo o apêndice. — É o mesmo — monologou o Supremo —; tanto importa fazer Eva da costela de Adão, como do rabo de um cão. — E assim foi. — Sim, sim, — retruca minha irmã, quando lhe falo nestas coisas. — Mas os homens andam sempre de rabo delas, e quem desdenha quer comprar, segundo afirma o rifão (436). Segundo nos contou o tenente-coronel Carlos António Leitão Bandeira (437), os pretos, em África, dizem que quando Deus criou o primeiro homem e a primeira mulher, entregou-lhes uma cesta tapada a cada um, com recomendação de só a abrirem ao chegar a casa; porém a mulher não pode conter-se e abriu a sua, de onde saíram víboras, jibóias, leões, tigres e todas as mais feras devoradoras, em castigo da sua leviandade. Ao contrário, o homem, fiel ao preceito, só abriu a sua em casa, e saíram dela o boi, a ovelha, a galinha, o porco e a mais animalidade de reconhecida utilidade. A explicação da origem do mal pelas duas cestas vai de acordo com a da boceta de Pandora, dada pela impropriamente chamada antiguidade fabulosa, sendo, contudo, necessário confessar que os filósofos de todos os tempos, apesar dos rios de tinta gastos para resolver este magno problema, nada têm adiantado à concepção dos pretos, ficando apenas líquido que o mal veio ao mundo por intermédio da mulher, no entender das cosmogonias clássicas e pré-clássicas. Ninhos de aves Diz uma lenda colhida em Baçal que foi o figo-maduro (438) quem ensinou a fazer o ninho aos outros pássaros. Estes traziam os materiais e o figo-madu-

(436) Ver no tomo X as cantigas populares em que mutuamente se farpeiam, principalmente p. 439, e ainda as dos números 570, 573 e 812. (437) Ibidem, tomo VI, p. 728, destas Memórias. (438) O ninho do figo-maduro, assim chamado pela sua cor amarelada, semelhante à do figo, destaca-se do das outras aves por o dependurar dos galhos das altas árvores por baraços fabricados por ele.

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ro construía. Quando chegou a vez da rola, esta apenas os depunha junto do volátil artista, cantava alegre: rui, rui, sim, sim (439). O amarelante entendeu que classificava de ruim a obra, indicando seguidamente as condições da construção — assim, assim, como quem diz: desta e daquela maneira — assim, assim — é que deve ser. — Pois, já que sabes tanto — volveu-lhe o mestre-arquitecto, dando-lhe ao mesmo tempo uma bofetada — fabrica-o tu melhor. A rola fugiu, chorando, e ficou sem aprender a fazer o seu ninho, que ficou reduzido apenas ao travejamento de raizitas cruzadas, sem jeito nenhum de ninho. O mundo censura tudo A fábula de La Fontaine, O moleiro, o filho e o burro, que iam vender à feira, vendo-se sempre censurados: umas vezes, por o tangerem diante, marchando eles a pé; outras, por ir um deles a cavalo e calcorreando o outro e, ainda, por irem ambos, anda na lenda popular e também na literária, em confirmação da cantiga: O mundo fala de tudo, O mundo deixa-o falar; As bocas ó mundo Ninguém as pode tapar. Na mesma corre o apólogo dos braços e pernas revoltados contra a barriga, sorvedouro improdutivo, diziam eles, de todos os seus trabalhos. Breve, porém, viram o erro, porquanto, mal a barriga deixou de elaborar o produto das canseiras daqueles, entraram logo no definhamento precursor da morte. Diz a História que o cônsul Manennia se serviu deste apólogo para congraçar o povo romano revoltado contra os homens da governança acusados de barrigas. Este tema encontra-se explanado na fábula de La Fontaine — Os membros e o estômago. Ainda há pouco li o mesmo apólogo aplicado por um médico à cabeça e estômago, revoltados contra os intestinos, onde ia parar todo o produto de suas canseiras. Por último, os revoltados viram que, sem o funcionamento daqueles, não podiam viver e, por unanimidade, disseram-lhe: ó cu, governa tu!

(439) Ver tomo X, p. 513 (canções n.° 1.214 e 1.215), destas Memórias.

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OveIha Diz uma lenda popular que Nossa Senhora recomendou silêncio à mula, à vaca, à cabra, à ovelha e mais animais do Presépio de Belém, não fossem os judeus dar com ela naquele sítio. Tudo se calou, sem tugir nem mugir; porém, a ovelha não se conteve, e berrou: Belém, Belém. Então a Senhora puniu-a, dizendo-lhe: Grita, grita, grita, Farta-te de gritar Que para te matar Nenhum berro has-de dar. E assim é. Todos os animais berram ao matá-los; porém os caprinos não soltam um grito. Corre no povo este diálogo: — Vais para o açougue, carneiro? — Que remédio — responde ele. E lá perneia, sem soltar um grito de protesto, em virtude da maldição supra. Passa tu que tienes lana; passa tu que lana tienes Em terras bragançanas, quando se trata de um juiz mata-la-vaca; de um confessor passa-culpas ou manga-larga; de uma autoridade administrativa «deixemos correr» ou «esperemos os acontecimentos»; de um militar «não vou que me levam»; de um pessoa que tem obrigação de olhar o caso com atenção e, por descuido, negligência ou estupidez, deixa ir pela água abaixo um assunto de importância, concluem: bem, bem, nem outra coisa era de esperar, se ele é um passa tu que tienes lana; passa tu que lana tienes. Pela analogia, parece vir o conceito daquele acessório da Odisseia, relatado por Homero, em que Ulisses escapou ao Polifemo marchando de gatas debaixo dos carneiros agrupados três a três, porque o gigante se limitava a apalpar-lhe o lombo passando-lhe por entre as pernas.

Pena Fria, panorama do Douro Diz a lenda popular, melhor, talvez, anedota ou ditério, que um pregador, discursando na Pena Fria, freguesia da Fonte Longa, concelho de Carrazeda de Ansiães, sobre o inferno, descreveu-o como lugar frigidíssimo, siberiano, sempre gelado como nos pólos, ou glaciário como nos períodos geológicos. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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— Homem, pelo amor de Deus — disse-lhe o pároco — isso vai de encontro aos ensinamentos da Igreja por seus mestres e doutores. — Pois sim — volveu o pregador — mas isto aqui é tão frio, tão frio, que se sabem de frio ainda maior no inferno, evitarão horrorizados a prática do mal para se livrar dele, e, ao contrário, exaustos pelos tormentos do frio, acharão delicioso o calor do fogo, ao menos para variar, pois, enquanto o pau sobe e desce, descansa o lombo. A Pena Fria, freguesia de Fonte Longa, concelho de Carrazeda de Ansiães, é um dos pontos mais elevados das montanhas demarcantes da região duriense e forma, com os da margem esquerda do rio, panorama encantador de assombrosa grandiosidade, digno de ser visitado pelos apreciadores de belezas naturais. Quem, deixada a província do Douro, entra na trasmontana pelos confins da Régua, fica surpreendido pelo contraste panorâmico entre uma e outra. Ali, o pinheiro domina em floresta maciça, contínua, largando a custo pequenas courelas para casario de habitação e cultura hortícolo-milhácea. Aqui, perde terreno a olhos vistos, limitando-se a pequenas matas isoladas, intermeadas de grandes campos cerealíferos, e a laranjeira, a oliveira, a amendoeira, a figueira, o cerdeiro, o pessegueiro, sucedem-lhe, não em maciço florestal, mas espaçados por conveniência pomológica. Ali a videira, enforcada pelas margeiras das propriedades em árvores decotadas, tenta em vão expandir-se, precipitando no espaço suas ramadas em vistosas grinaldas. Aqui, exuberante de vida, galga encostas e socalcos, assentando-se ufana sobre a cumeeira das montanhas. Ali, a floresta interminável dos pinheiros, cortando os horizontes, como que esmaga e desnorteia, impedindo de atremar com os caminhos, obrigando à cultura intensiva, à vida subjectiva, reflexa, concentrada, reforçada ainda pelos resinosos e pela pesada alimentação do milho. Aqui, os horizontes sem fim, o perfume inebriante do vinho, o sabor reconstituinte do trigo, o aroma das amendoeiras em flor, atraem e levam a mente para os confins da objectividade, para o ideal sem limites, de onde a divergência psicológica entre os naturais das duas províncias comarcãs. Ali, o verde-glauco, monótono, dos pinheiros; aqui, a magia policrómica; o verde intenso das laranjeiras carregadas de frutos; o branco alabastrino das amendoeiras em flor, esfumado a carmim e sépia. O Douro, assombroso lutador, sempre em guerra com as montanhas por causa do seu espaço vital, como diz o feroz egoísmo hodierno para justificar as barbaridades da guerra, surpreendido no Tua pelo verde intenso das laranjeiras carregadas de pomos de ouro e prata; orgulhoso pela produção em suas margens de um dos mais famosos vinhos do mundo, quintissenciado no espumante da Raposeira; maravilhado por ver o braço humano converter MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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fragueiros, calcinados pelo tempo como lava de vulcão, em tão precioso líquido, encantado pela idílica paz simbolizada nos ramos das oliveiras carregadas de frutos, correu-se de vergonha ante suas esterilizantes lutas com as montanhas, e propôs-lhe tréguas, e ficou-se a cismar, enquanto não vinha a resposta, na referência de João de Lemos à lua: Quem foi ao meu pátrio Douro Sobre fina areia de ouro Raios de prata espargir, Não pode amar outra terra. Aceites as tréguas, foi-se andando devagar, deliciosamente devagar, para melhor saborear a paisagem, saltitando de pedra em pedra, lavando amorosamente os rochedos marginais, envolvendo-os no manto de suas águas, cobrindo seus musgos com a branca espuma de seus cachopos, embalando-os com as risadas de suas cascatas. E foi-se andando devagar, amorosamente devagar, enlevado na doce volúpia de se meter pelos remansos, ancoradouros, cais, enseadas, recantos, foz de rios, riachos, ribeiros e linhas-de-água, onde pudesse, a sós, longe de vistas curiosas, conversar com a sua bem-amada. E foi-se andando devagar, deleitosamente devagar, espraiando-se pelos areais, agarrando-se às dunas, canaviais e juncos na doce aspiração de retardar o passo no sentido do cantar galaico, que tantas vezes ecoou por estas colinas durante a faina vinicultural: Quando passo por tu puerta E en tu ventana no estás, Me voi encurtando el paso Por ver se te asomarás. E foi-se andando devagar... E foi-se andando devagar... e foi-se andando devagar... e ainda hoje o tom azul-escuro de suas águas, logo que deixam a província trasmontana, inculcando está o contraste panorâmico entre esta e a confinante e, talvez, o luto, a saudade do rio pela região duriense, dita País do Vinho por excelência. E ainda hoje, nos pontos tácticos em que a linha visual enfia as cumeeiras do País do Vinho, o Douro se volta a fazer-lhe negaças obrigado pelo amor antigo. E a vinha, num requinte de galantaria, concentra em si todas as graças do vinho, espalha-as a mãos cheias sobre o dorso e cobre as colinas com esse belíssimo manto policromo, que é a sua folhagem ao despedir-se das cepas no Outono. Que assombro de beleza apresentam então os vinhagos! Que magia de tintas! Que variedade de cores em combinações infinitas, transitando insensiMEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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velmente do verde-esmeraldino através da sépia, do louro-fulgente, para o azul de safira, para o roxo-ametista listrado por aquelas encantadoras pinceladas de rubi, precursoras do amarelento opalino escolhido para seu luto e mortalha funerária! Por sua vez, os cerdeiros e pessegueiros, sempre bons vizinhos, armaram em galhardete suas bandeiras de escarlate purpúreo, aveludado, doce, aqueles de roxo clarete, vináceo, estes. E as montanhas, querendo cooperar no embelezamento da passagem, acataram as tréguas propostas pelo Douro, suspenderam o fragor da luta titânica; o metralhar constante do rio por rajadas de pedregulhos e rochedos arremessados com intuito de o estrangular; recolheram os postos avançados para pontos tácticos previamente escolhidos, onde se encastelaram umas sobre outras, como se quisessem escalar o céu ou mostrar o mundo todo como Satanás na tentação a Cristo (440), ou renovar a grandiosidade de um círculo dantesco escavado já no fundo do abismo e desdobraram as ravinas e fragueiros marginais, estendendo-as escalonadas, a fim de facilitar essa tão elegante cultura dos socalcos de tipo clássico, celebrizado nos jardins suspensos da Babilónia, ressaltada ainda por belos palacetes evocadores das famosas vilas romanas, onde os patrícios iam recrear-se (441).

Pisco ou porco-pisco Vem passar os meses de Novembro a Fevereiro em terras bragançanas uma avezinha migratória, conhecida pelos nomes da epígrafe acima. Regula por metade do corpo do pardal, é de cor cinzenta, mas vermelha no peito. Mete-se pelas casas à cata de mantimento, bastando-lhe pequena forgalha de pão para largo jantar. Eu ponho na janela do meu quarto uma lata das que serviam para cinco sardinhas de conserva, cheia de migalhas de pão, e, apesar de três ou quatro piscos virem ali almoçar, jantar e merendar, só preciso renová-la cada semana. O pisco caracteriza-se por um pio triste, sem sonoridade, que parece dizer tziu e pelo seguinte gesto: depois de farto voa para cima de uma pedra pouco elevada, ergue a cabecita, fita o firmamento com ares senhoris, eriça

(440) Do alto da serra da Lousa, uma dessas montanhas acasteladas, avistam-se terras de catorze bispados, diz a Corografia Portuguesa, 1706, tomo I, p. 439, do Padre António Carvalho da Costa, e são: Braga, Porto, Miranda, Lamego, Guarda, Viseu, Coimbra, Ciudad Rodrigo, Zamora, Salamanca, Sória, Tui, Placência e Orense. (441) Em Tralhariz apareceram as ruínas de uma vila romana, diz o Arqueólogo Português, 1900, vol. V, p. 193.

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as plumas como os caninos os pêlos do lombo, quando querem acometer, encolhe-se como os gatos para melhor formarem o salto, distende-se repentinamente e esboça o gesto de se atirar para o espaço, mas fica-se, nem sequer levanta os pés, recai na momice típica e contenta-se com soltar o seu ziu, ainda mais tristonho por lhe ter suprimido o t! O povo, para explicar estas modalidades inculcadoras de entradas de leão degeneradas em saídas de sendeiro, diz que o pisco ouviu já ao longe, muito longe, o som do trovão e, ufano, subiu à pedra, gritando a Deus que era capaz de pegar no céu se o quisesse deitar abaixo. Tendo, porém, restalado a tempestade sobre a sua cabeça, encolheu-se e suplicou aterrado: Senhor, tende misericórdia! Não façais caso do que diz o pisco; Tem as pernicas mui delgadas, Quebram como se fossem de cisco. É notável a fina intuição do sentimento de afecto que os animais têm e o modo como a exteriorizam. Depois de almoço, e antes do lusco-fusco, passo duas horas na cortinha sachando, mondando, semeando, regando, hortando, levantando pedras, tapando boqueiros, limpando árvores, podando videiras, rachando madeiras para a lareira, preparando aprestos agrícolas, antes de entrar na labuta literário-paroquial. Logo um dos piscos, comensais da minha janela, vem pousar ao pé de mim, e quando não vem, por andar entre as oliveiras ou na mata dos castanheiros à caça das pequenas larvas, seu manjar predilecto, basta-me soltar o grito: pisquinho, pisquinho!, para surgir imediatamente. — Como passaste a noite? — digo-lhe. — Tiveste muito frio? Tens fome? E a terna avezinha, envolvendo-me naquele seu olhar penetrante, aveludado, fulgente como esmaltado em fina pérola a rebrilhar na limpidez aquática, agita as asitas, à semelhança do cão quando faz festas com o rabo, esboça aquele tão seu gesto típico de se lançar no espaço e solta o grítico tziu, tziu, como agradecimento dos meus desvelos. esmigalho-lhe então umas forfalhas de pão que o pisco vem comer a meus pés, mas não se deixa apanhar. Ele lá sabe que o homem, embora estime os animais, termina sempre por abandoná-los quando os não come. Bueno és Dios, pero mata los hombres, diz o rifão espanhol. Quando não tem fome, apanha o cibato e vai debicá-lo para cima de uma pedra, ali perto, deixando-o cair muitas vezes e reapanhando-o, para me mostrar que o não despreza, embora o não precise. — Pisquinho, meu pisquinho, pisquinho, meu amor, a nossa convivência está por um fio! Brevemente marcharás para o teu habitat estival e eu para o MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

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regelo dos oitenta janeiros; se na volta, em Novembro, me não encontrares aqui na cortinha, procura-me além no cemitério do adro da igreja; leva à negra algidez do meu sepulcro o brilho do teu olhar, o calor da tua amizade grata, devora as larvas nefastas ao florir das roseiras e malvas que o envolvem, que eu pedirei ao Altíssimo a graça de inspirar em alma bondosa a caridade de esmolar-te umas migalhas de pão e de enterrar-te, se aqui finares, no meu coval, a fim de continuares a tradição do lebreu do Padre José Joaquim Fernandes, falecido em Baçal em 1891, e a do podengo de Francisco Vicente, falecido no decénio anterior, que se deixaram morrer de fome e de inanição sobre o sepulcro de seus donos, na esperança de os ver de lá sair a poder dos uivos que soltavam. Comovente acto de terna dedicação ainda hoje lembrado com assombro! Não te esqueças, pisquinho. É este o selo final da nossa amizade e, para então, fica já agora aqui o longum vale, vale, do mavioso Virgílio.

Porco-montês Segundo diz a lenda bragançana, o porco-montês teve esta origem passando o Senhor e São Pedro por certa aldeia, uma mulher pediu-lhe dois recos de meias, o Senhor deu-lhos, e, quando veio o tempo de os desaquinhoar, ela apresentou apenas um, alegando que o outro morrera. — Pois esse é para ti — volveu-lhe ele — e para mim fica o que tens escondido na loja. A mulher, apanhada assim em flagrante delito de trapaça, ficou atónita, o suíno fugiu para o monte, nunca mais o viu e lá deu origem aos porcos-monteses. Prudência e insolências Pus-me à beira do rio A lamentar minhas penas, A água me respondeu Não as faças, não as temas. Esta cantiga bragançana, inculcadora de prudência, acha-se também no seguinte conto, igualmente editado à lareira nas longas noites de inverno. Diz ele: Certo insolente dirigiu chufas a uma família que ia de passeio. Um filho quis castigá-lo, porém o pai advertiu-lhe: — Deixa-o, filho, não te metas em pendências, que te podem trazer canseiras ainda maiores: ele terá o pago. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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Na verdade, ainda eles não iam longe e já o mal-criado era zurzido e posto em lençóis de vinho por outro viandante insultado. A fábula de La Fontaine O doudo e o sábio versa o mesmo tema (442).

Quem mais trabalha nem sempre é quem mais recebe Diz outra lenda popular que a raposa induziu a cotovia a sementarem trigo, a fim de se aprovisionarem para o inverno, ocultando ela, além disso, o plano de utilizar o cereal para chamariz dos galináceos e mais facilidade de os devorar. Chegado o tempo próprio, disse-lhe a cotovia: — Vamos lavrar a terra? — Lavra-a tu, que eu a semearei — volveu-lhe a raposa. E assim foi; a cotovia lavrou a terra. Vinda a época da sementeira, lembrou-lhe a cotovia: — Vamos sementar a terra? — Semei-a tu, que eu a segarei — tornou-lhe ela. Chegada a ceifa, a mesma léria! — Sega-a tu, que eu a malharei. E depois: — Malha-a tu, que eu a limparei. Debulhado e limpo o cereal, apresenta-se lépida de alqueire e saco em punho sobre o mó a raposa, e, despejando no seu farnel, dizia: — Este é p’ra mim; este é p’ro meu rabo e este é p’ro meu saco. — E p’ra mim? — dizia-lhe a cotovia. — Cala-te que te papo — regougava-lhe ela. E assim dizendo e fazendo, gualdiu o mó todo. A cotovia, vendo-se roubada, levantou voo pedindo justiça no estribilho, que ainda hoje repete, quando se eleva no espaço: — e p’ra mim?! e p’ra mim?! e p’ra mim?! Ouviu-a um galgo, que veio com ela ao lugar do delito, e lançou-se sobre a raposa, que fugia como se tivesse asas nos calcanhares, clamando: Eu não quero palha, nem grão, Só quero o meu corpinho são. Eu não quero palha, nem grão, Só quero o meu corpinho são.

(442) NASCIMENTO, Francisco Manuel do, trad. — Fábulas escolhidas..., tomo II, p. 340.

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Esta lenda é uma explanação do ditado não são os que mais trabalham, os que mais ganham, que Montaigne expôs assim nos seus famosos Essais: Magnos clericos saepe non sunt magnos sapientes. Ao mesmo propósito, diz o nosso Gil Vicente no Memorial ao Conde do Vimioso, vedor da Fazenda Real: Que o medrar se estivera em trabalhar, ou valera o merecer, eu tivera que comer e que dar e que deixar. Também o autor do Gil Brás de Santilhana nos apresenta o capitão Chinchilha reduzido a comer só pão e cebola, apesar de haver perdido em defesa da pátria um olho nas guerras de Nápoles, um braço nas da Lombardia e uma perna nas dos Países-Baixos, tendo, além disso, a cara e o corpo cheios de cicatrizes, pois em vão se esgotava a pedir uma pequena reforma, em atenção a seus heróicos sacrifícios, para não morrer de fome.

Rapariga que se disfarça em homem para substituir o pai na guerra Corre em terras bragançanas a lenda de uma rapariga que se vestiu de homem a fim de substituir, na convocação geral para a guerra, seu pai, velho, sem forças para batalhar, que não cessava de se carpir por ter sete filhas e nenhum varão. Um camarada, desconfiando do ardil, pediu conselho a sua mãe para saber a verdade, mas em vão a levou aos banquetes, banhos e estabelecimentos de modas; ela deu sempre sinais de mancebo valente, antepondo as armas às jóias. Por último, terminou a guerra e a corajosa moça regressou a sua casa. Esta lenda, em romance popular, é cantada aqui em Baçal e noutras aldeias, no tempo das ceifas do centeio, pelos segadores (443). No tomo X, pág. 559 destas Memórias aludimos a outras publicações. Na Ilíada descreve Homero idêntico episódio. Segundo ele diz, Tétis, mulher de el-rei Peleu, para livrar seu filho Aquiles de morrer na guerra de Tróia, segundo lhe manifestara o adivinho Calcas, mandou-o de criança, disfarçado em menina com o nome de Pirra, para a corte de Licomedes, rei de (443) Ver M ARTINS , Firmino Augusto — Folclore no Concelho de Vinhais, 1928, tomo I, p. 228, onde saiu com o título Dom Martinho. O Abade Tavares também publicou uma variante na Ilustração Transmontana, 1910, p. 128.

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Sciros, onde foi educada. Anos volvidos, rebentou a guerra e os gregos, informados por Calcas, mandaram lá Ulisses a fim de o descobrir, porquanto, sem Aquiles, Tróia não seria tomada, segundo predizia o oráculo. Ulisses, disfarçado em negociante, apareceu na corte de Licomedes com grosso sortido de jóias e armas, dando logo por Aquiles por se inclinar às armas de preferência às jóias e trazendo-o consigo para a guerra.

Raposa (A) e suas manhas Segundo a lenda trasmontana, a raposa, vendo um galo empoleirado em alto carrasco, disse-lhe que descesse sem receio a dar-lhe o abraço da fraternidade, pois viera uma lei para os animais serem todos irmãos, sendo ela a encarregada de anunciar a paz universal. O galo riu-se do estratagema, e a raposa, no intuito de lhe castigar a rebeldia, começou a esfregar com o rabo no tronco da árvore, como se a quisesse deitar abaixo dizendo ao mesmo tempo: Serra meu rabo, Comerás galo. Passou por ali o mocho, que tranquilizou o galo, afirmando-lhe: Rabo peludo, Não serra o xardudo (444) Sem machado Bem afiado. Neste comenos, chegaram dois galgos e a raposa fugiu precipitadamente. O galo ainda lhe disse: — Mostra-lhe a lei da fraternidade animal. Ela, porém, limitou-se a retorquir-lhe: Não tenho agora vagar; Vou mostrá-la a outra lugar.

(444) BAPTISTA , João Maria — Corografia Moderna do Reino de Portugal, 1874, tratando da freguesia de Sendim da Ribeira, concelho de Alfândega da Fé, diz que tem anexa a quinta (povoação) do Xardão que Carvalho da Costa (Corografia Portuguesa, 1706, tomo I, p. 457) escreve Sardão. Daqui se colhe que, pelos anos de 1874, lhe chamavam Xardão, que algo se aproxima de Xardudo, não sendo, portanto, esta palavra criada para efeitos de assonância.

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Depois que se viu a salvo, procurou o mocho para se vingar do conselho dado ao galo, e, encontrando-o a tomar o sol num fragueiro, abocou-o, gritando-lhe ao mesmo tempo: — Malvado! Vais pagar com a vida a vileza da informação ao galo. — Deus te recompense o favor pelo trabalho que me poupas — tornou-lhe tranquilamente o mocho —; tem-me corrido tão mal a vida, que estava aqui para me suicidar, rebolando-me por este fragueiro abaixo; mas agora, com os teus dentes, a morte será fulminante e menos penosa. Faze-me simplesmente o pequeno favor de dizer em voz alta, por forma a ouvir a minha família, para não me procurarem em vão: Mocho comi, Mocho comi, Apenas a raposa abriu a boca para soltar este brado, o mocho, dando às asas, concluiu irónico: ..................................... pois sim, Mas outro será, que não a mim. O Dr. Joaquim Manso, Fábulas, pág. 25, sob O congresso dos animais, pág. 121, O leão e as gazelas, pág. 219, e O galo aventureiro, desenvolve estratagemas baseados sobre a fraternidade animal, escogitados pelos poderosos para iludir os ingénuos, relacionados mais ou menos com o da lenda trasmontana, que, no expediente do mocho para escapar aos dentes da raposa, se liga ao da sua fábula intitulada O milhafre e o gaio, pág. 172. O mesmo tema na fábula O leão, o lobo, a raposa e o burro, pág. 87, e na de pág. 101 intitulada Penitente. Porém, onde o desenvolvimento do assunto se vê exactamente decalcado sobre a lenda bragançana é na fábula O galo e o raposo, de La Fontaine. Falando das arteirices da vulpina, diz o apodo popular: a raposa tem sete manhas e a mulher a manha de sete raposas.

Rato caseiro e rato campestre Lendas alegóricas baseadas em provérbios Segundo diz a lenda bragançana, um rato de casa convenceu outro do campo a deixar a vida triste, cheia de fomes e frios, que levava, quando nos meios urbanos havia fartura, comodidades e agasalho. O rato agrário seguiu-o, mas, ao entrarem na casa, um gato agarrou o companheiro e trincou-o. Aquele, vendo a tragédia, fugiu apressado para o MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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campo, monologando filosoficamente: «Antes fraco no mato que gordo no cu do gato). No Fabulário Português Medieval (445) vem a fábula O rato da cidade e o da aldeia, quase idêntica a esta. A fábula de La Fontaine O cão gordo e o lobo fraco versa o mesmo assunto, mas, tanto uma como outra, estão longe de atingir o conceito pitoresco do rato da lenda bragançana. No mesmo Fabulário, pág. 34, vem a fábula de A rameira Tayda e o mancebo, a quem ela alborcou o melhor da fortuna. O doudivanas tomou juízo, abandonou-a e respondeu às suas sugestões no sentido de o atrair: que «ell a amava, mas que nom queria mays conversar com ella, porque já hüa vez o enganara e nom queria que o mays enganasse». É o caso do rifão bragançano: quem me engana uma vez, que o leve o diabo; quem me engana segunda, que me leve a mim e a ele, e quem me engana terceira que me leve só a mim. Ou, melhor: numa cai a velha; noutra cai se quer ela. O referido Fabulário, na pág. 35, aponta a fábula de O camponês e o filho, que já não podia castigar por já ter cachaço de mais, mas castigou um servo, «porque elle aja medo e tome emxemplo». Hoje, o rifão lembra: digo-to a ti sogra para que entendas tu nora. Na página 41 traz o Fabulário a fábula de O cervo e os bois, que já vem no Esopo, referente ao cervo que entrou com os mansos para o estábulo. Vieram os criados dar de comer às crias, mas não deram pela conta do intruso; vieram os filhos e a mesma coisa; por fim veio o amo, o que tem «cem olhos», como dizem os dois fabulistas, e o cervo foi reconhecido e morto. O autor do Fabulário ainda tenta explicar a moralidade da fábula pelo «provérbio»: «Maladante he àquell Que seu aver nom vee» hoje reduzido com muita graça ao rifão: o olho do dono engorda o cavalo, ou, então: quem da casa dos outros faz celeiro, faz da sua pardieiro; ou, ainda: quem quer ser pobre sem o sentir, mete obreiros e deita-se a dormir.

Remendão Diz um conto bragançano (melhor seria chamar-lhe alegoria, mas, já agora, continuemos-lhe a designação popular de contos), que um pobre sapa(445) Separata da Revista Lusitana, vols. VIII e IX, publicada pelo Dr. José Leite de Vasconcelos, 1906, p. 17.

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teiro remendão passava os dias rindo, assobiando, cantando sempre no seu cubículo, enquanto que, no palacete fronteiro, o seu vizinho milionário, vivia absorto em constantes preocupações. O rico achou graça ao viver do remendão e deu-lhe dinheiro para montar uma oficina rendosa, mas este, parafusando na exploração do negócio, breve perdeu alegria, sono e canto, indo, finalmente, entregar ao vizinho o dinheiro, fonte de tantos desassossegos. La Fontaine versa o mesmo tema na fábula O remendão e o rendeiro real, pondo-lhe na boca ao entregar-lhe o dinheiro esta sentença: — Ah! Senhor, restitua-me Os garganteios meus, meu rico sono; E as dez moedas arrecade-as, Que o meu canto, o meu sono e alegre vida Mais que dez moedas valem (446). Em terras bragançanas chamam «sete-ofícios» a um oficial que trabalha em mesteres diversos, como sejam, por exemplo pedreiro, ferreiro, carpinteiro, alfaiate, sapateiro, moleiro, etc., etc., e dizem que estes tais não coalham vintém, nem passam da cepa-torta, chegando mesmo a sofrer fome de rabo. A razão é porque intencio ergo plurima non dividitur. Não chegam a ser artistas competentes, ficam uns tapa-faltas incapazes de obra de fôlego; uns pobres sarrafaçais. É que quem muito abarca, pouco abraça. A propósito corre aqui o cantar galaico-trasmontano: Una polla con cien plumas, No se pode mantener Un escribano solo c’una, Mantiene hijos e mujer. La Fontaine versa o mesmo tema na fábula O gato e o raposo, terminando pela moralidade: Sobejo expediente estraga às vezes Os negócios ..................................... .......................................................... ..... Basta um mas de bom préstimo (447).

(446) NASCIMENTO, Francisco Manuel do, trad. — Fábulas escolhidas entre as de La Fontaine, tomo II, p. 68 (447) Ibidem, p. 182.

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Sapo (O) e seus arreganhos — Onde vais, sapo — perguntava alguém a um sapo que marchava altaneiro, com todo o desembaraço de que um sapo é capaz. — À ronda — volveu-lhe ele. — E se te batem? — O quê ê ê ê ê?... — tornou-lhe farfante o sapo, empertigando-se. — Se bates a alguém?! — Ah! isso pode ser. O povo bragançano emprega frequentemente esta alegoria como motejo às bazófias fanfarronas dos peralvilhos poltrões. Trasgo (448) Francisco Manuel do Nascimento, tradução das Fábulas de Ia Fontaine, 1815, tomo II, pág. 16, em nota, diz que, na crendice popular, «trasgo figura entre o homem e o demo». Uns comem os figos e os outros... Sete estrelos rondadores Que no meio dos céus andais; Comigo tendes a fama E com outra vos regalais. Rua abaixo, rua acima, Não atais, nem desatais: Outros caçam passarinhos Em laços que vós armais. Uns pegam na cabra e outros são os que ordenham. Uns comem os figos e a outros empolam os lábios. Unos cardan la lana y otros lleban la fama. Estes cantares e rifões bragançanos constituem o assunto da fábula de La Fontaine intitulada Tirso e Amarillis, em que esta se fica insensível aos extremos amorosos, pois: Muitos há como Tirso: assopram fogo, lume A que outros vem quentar-se (449) (448) Ver tomo IX, p. 344, e tomo X, p. 659, destas Memórias. (449) NASCIMENTO, Francisco Manuel do, trad. — Fábulas ... de La Fontaine, p. 101.

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Vinho (450) Na lenda bragançana figura um velho que foi bater às portas do céu. — Não podes entrar — disse-lhe São Pedro, folheando-lhe o curriculum vitæ, onde as carraspanas abundavam. Mas, ao dar meia volta, notando que trazia debaixo do braço uma cabaça, e que, afinal, o vinho é, não só, sangue de Cristo, mas também sangue dos velhos, disse para o Divino Mestre: — Senhor, ele traz debaixo do braço uma cabacinha! — Que entre — volveu-lhe ele, conhecendo-lhe as intenções. Na tarde desse dia, findas as horas do serviço oficial, encerrada a chancelaria, São Pedro foi dar uma volta e encontrou o velho isolado num recanto do céu beneficiado por uma réstia de sol acariciador. Abancado perto dele, passaram a tarde em largos colóquios, como se fossem velhos amigos de toda a vida, e, da mesma forma, passaram o vinho da cabaça a poder de frequentes austos, puxados pela conversa, no tépido ambiente daquela deleitosa tarde outonal.

–––––––––––––––––– A propósito da Canção dos bebedores que publicamos no tomo X, pág. 548, destas Memórias, diz-nos o nosso amigo Luís de Bivar Pimentel Guerra, adiante memorado nestas páginas por iguais favores: «Há anos, em Buenos Aires, frequentei muito um bar de luxo para gente estrangeira, situado na Calle Florida. Reuniam-se ali muitos portugueses, e entre eles o Dr. Eugénio Maria dos Santos Tavares, nosso ministro naquela capital e já falecido. Também por lá aparecia um patrício nosso muito endinheirado, natural de uma aldeia, cujo nome não me ocorre, perto de Carrazeda. Chamava-se José Afonso (não sei se tinha apelidos). Alto, forte, muito forte, e muito trasmontano, era o campeão das canecadas de cerveja, como nós chamávamos então a esses desafios brutais. E todos, em uníssono, cantávamos aquela loa (passe o termo) mas com a variante seguinte: Ao primeiro bebedor cantava-se-lhe: Ce que vira e vira Ce que vira e vira ................................... ................................... Tum!! Tum!!! Tum!!! Ó que belo companhão Que bem dispara o seu canhão. (450) Ver tomo X, p. 664, destas Memórias.

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ETNOGRAFIA

297 TOMO XI

Ao segundo bebedor o cantar era já outro, assim: Ó desvira e vira e bebe Ó desvira vira e segue Ce que vira e vira Ce que vira e vira ....................................... Ó que belo companhão, etc. Ao terceiro bebedor a loa era: Ó desvira, vira e bebe Ó tresvira, vira e segue Ce que vira e vira ....................................... Ó que belo companhão, etc.»

Viúva inconsolável No Fabulário Português Medieval, manuscrito do século XV, publicado em 1906 pelo Dr. José Leite de Vasconcelos, pág. 33, vem uma fábula intitulada A viúva e o alcaide, na qual se diz que uma viúva inconsolável pelo falecimento do marido, a quem ela amava mais do que a sua vida, segundo afirmava, se foi lançar sobre a sepultura situada numa capela fora do povoado, debulhada em lágrimas, protestando de se deixar morrer ali, sem haver rogo de parentes ou pessoas amigas que a pudessem arrancar do sítio. Aconteceu enforcarem perto da capela um grande malfeitor, muito aparentado com pessoas de valor, e querendo deixar apodrecer na forca o cadáver, para escarmenta do público, encarregaram o alcaide de o guardar dia e noite, sob pena de morte, não fossem seus parentes tirá-lo da forca. Vinda a noite, o alcaide teve sede e foi beber água a uma fonte perto da capela, e, condoído dos prantos da viúva, tantas palavras consoladoras lhe disse que esta se namorou dele, assentando logo ambos no modo de realizarem o casamento. Entretanto, furtaram o enforcado; e, quando o alcaide deu pela conta, voltou transido a contar à viúva a sua desgraça e perspectiva de substituir na forca o lugar do desaparecido. — Não te aflijas — volveu-lhe ela prontamente —tomemos este meu marido e punhamo-lo na forca e eu te ajudarei a enforcá-lo; e a gente cuidará que é o que furtaram. MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS

DO DISTRITO DE BRAGANÇA


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