À frente do D.O.M, um dos mais disputados restaurantes da capital paulista, Alex Atala inova com o uso de ingredientes típicos da região amazônica e surpreende positivamente a clientela
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Leonardo Aquino
Rogério Assis
O Evangelho segundo
Alex Atala “Voltar ao Pará é como olhar a Bíblia de novo. Sempre se aprende alguma coisa diferente”
A
história de vida de Alex Atala é tão cosmopolita e heterogênea quanto a misteriosa definição de cozinha contemporânea. Descendente de irlandeses e palesti-
nos, este paulistano de 41 anos pescou nos rios da Amazônia na infância, foi punk na adolescência e viajou como mochileiro pela Europa na juventude. No meio da aventura pelo Velho Continente, decidiu estudar gastronomia e estagiou ao lado de grandes chefs na Bélgica e na França. Não há dúvidas de que ele fez a escolha certa. O restaurante de Atala em São Paulo, o D.O.M., foi eleito o 24º melhor do mundo em 2008 pela revista inglesa Restaurant, na edição mais recente de uma das mais conceituadas premiações da gastronomia internacional. A receita do sucesso de Alex Atala não é segredo. Ele é um entusiasta dos ingredientes regionais brasileiros. Viaja pelos quatro cantos do país atrás de novidades. Faz todo tipo de experiência para quebrar paradigmas e tornar comestíveis produtos que antes eram impossíveis de se imaginar à mesa. A última surpresa descoberta por Atala é o uso culinário da priprioca, uma planta típica da Amazônia que até bem pouco tempo atrás era utilizada apenas na indústria de cosméticos. Antes, havia somente perfumes, sabonetes e óleos de priprioca. Nas mãos de Alex Atala, a raiz dá um sabor exótico ao chocolate, ao doce de leite e ao ravióli de limão.
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“A primeira vez que eu comi um pirarucu grelhado na beira do rio foi um momento incrível”
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Experimentar com os produtos da floresta amazônica não é novidade para o chef do D.O.M. Tucupi, jambu e pimenta de cheiro são ingredientes comuns nos pratos do premiado restaurante. Mas Atala chegou a ir muito além do óbvio. Num jantar amazônico servido durante um evento de gastronomia no ano passado, ele fez com que famosos chefs espanhóis (entre eles Ferran Adriá, do El Bulli, eleito o melhor do mundo pela Restaurant nos últimos quatro anos) experimentassem caldo de turu, uma espécie de verme que vive em troncos de árvores apodrecidos. A iguaria, muito consumida por ribeirinhos, não tem o glamour dos pratos dos grandes restaurantes. Mas isso não é motivo suficiente para censurar a paixão de Alex Atala pela culinária regional e a excitação na busca por novos ingredientes. O chef diz ter perdido a conta de quantas vezes veio ao Pará. E considera o estado uma referência grandiosa na gastronomia mundial. “Voltar ao Pará é como olhar a Bíblia de novo. Sempre se aprende alguma coisa diferente”, explica. Em entrevista exclusiva à Living, Alex Atala falou sobre a relação com a cozinha amazônica e a necessidade de valorização da culinária regional brasileira. Como começou a sua relação com a culinária paraense? Como eu sou de uma família que viaja muito e que adora pescar, conheci o Pará ainda garoto. Andamos a Amazônia toda pescando. Lembro de uma pescaria no rio Trombetas, quando eu tinha 7 ou 8 anos de idade. De lá para cá, vim mais de 30 vezes a Belém. Por isso, tenho muitas lembranças antigas. Cada produto te lembra um momento da vida. A primeira vez que eu comi um pirarucu grelhado na beira do rio, com as escamas, foi um momento incrível. Conhecer melhor as pimentas, andar no mato e comer uma fruta... São momentos simbólicos. E cada produto tem uma história. Depois que você voltou da Europa, o Paulo Martins (chef do restaurante Lá Em Casa, um dos mais famosos de Belém) se tornou seu fornecedor oficial de ingredientes paraenses. E você nem o conhecia... Como foi esse primeiro contato entre vocês? Isso foi em 1994. O Paulo estava entrando na Associação da Boa Lembrança (associação de restaurantes que fornecem pratos decorados como souvenirs) e eu ouvi falar que tinha um cara que cozinhava bem em Belém do Pará e era profissional. Aí liguei para ele e ele foi muito atencioso. Existe uma grande diferença entre você conhecer o produto e se familiarizar com ele.
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Pessoas como o Paulo Martins são fundamentais para
As características singulares da culinária regional fazem com que o interesse por ela cresça cada vez mais, diz Atala
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vencer essa barreira que parece ser distante: que é preciso
com a natureza, essa sabedoria, esse empirismo que vem do
comer mais vezes um produto para compreendê-lo melhor.
extrativismo e da pequena produção. Por outro lado, também
Daquele momento eu vou guardar isso: não conhecer, mas
ter o auxílio dos profissionais de ponta e da tecnologia para
compreender melhor o produto.
ajudar. Um não vive sem o outro.
Que ingredientes amazônicos você usa com mais fre-
Você diz que falta uma “estandardização” das recei-
qüência no seu restaurante? Jambu, chicória, alfavaca, tucupi, pimenta de cheiro, as fa-
tas na culinária regional. Isso seria importante em que sentido?
rinhas, as frutas como taperebá, bacuri, cupuaçu, biribá... No
Para ajudar a divulgar e para as pessoas entenderem me-
D.O.M., a gente realmente usa muitos ingredientes brasileiros.
lhor. Costumo citar o exemplo do pirarucu de casaca, que tem receitas diferentes no Pará e no Amazonas. Mas um simples
E esses pratos são muito apreciados pelos clientes? 90% do cardápio são feitos em cima disso. Então é natural que saia bastante.
pão de queijo também sofre do mesmo mal. É natural e importante que exista a diversidade, mas é fundamental que existam a iconização e a padronização da receita para que ela seja replicada e as pessoas entendam melhor.
São muitos ingredientes que não são fáceis de encontrar. Como funciona a rede de contatos para ga-
Você costuma dizer que uma visita ao Pará é como se
rantir o fornecimento?
fosse o ato de abrir uma Bíblia. Por quê?
Algumas coisas a gente já produz lá, como é o caso do jam-
A Bíblia é um livro que você nunca para de ler. E em cada vez
bu. Outras ainda não. Aí a Tânia Martins (esposa do chef Paulo
que você lê, você encontra uma compreensão diferente para o
Martins) me fornece semanalmente com ingredientes. Toda
mesmo texto. E os textos na Bíblia são variados, falam de tudo.
vez que eu preciso, ligo correndo e ela generosamente me
No Pará, existe isso: essa diversidade gigantesca. E cada vez
atende. É uma rede baseada na auto-ajuda e só quem lucra
que eu venho para cá, eu conheço, por exemplo, o cupuaçu
são as companhias aéreas (risos).
de uma forma diferente. Fresco no mercado, trabalhado com chocolate, combinado com outros sabores... Outra compreen-
Fora do circuito dos grandes chefs e restaurantes, a
são do produto.
culinária amazônica recebe a valorização que merece? Acho que está num começo ainda. Cada vez mais ganhan-
Como foi a experiência gastronômica com a priprio-
do notoriedade não só no Brasil como fora dele. O número
ca, que é um elemento que conhecemos mais como
de chefs internacionais e a quantidade de mídia em cima da
fragrância na indústria de cosméticos?
Amazônia, especialmente do Pará, são muito grandes.
Falar em comer priprioca aqui no Pará é quase um absurdo, né? Mas as indústrias cosmética e farmacêutica conhecem
O que é o diferencial da culinária amazônica para as
mais as propriedades da Amazônia do que nós. Nos últimos
outras culinárias regionais brasileiras? Esses sabores típicos que você não consegue explicar. Por
sete anos, eu tenho feito consultoria para a maior casa de aro-
exemplo, o que é cupuaçu? Se você não botar na boca, não dá
um lugar do mundo, que trabalha em conjunto. Durante a pes-
para descrever. São características únicas que encantam.
quisa que nós fazemos a respeito de aromas, eu tive acesso
mas do mundo. Somos um grupo de nove chefs, cada um de
à priprioca. Descobri que não havia nada proibido em relação Você acha que a culinária regional está oprimida pela
a ela, apesar de a legislação para o uso tópico de um produto
culinária internacional?
ser mais restrita que a para a ingestão. E eu sempre gostei
Não, não acho que ela esteja oprimida. Ela passa por um processo semelhante ao dos ingredientes. Ela foi oprimida dez
muito do cheiro da priprioca. Daí, a passei por um cromató-
anos atrás, mas vem ganhando (espaço).
substância que não pode ser ingerida. Também não tinha. O
grafo, para descobrir se existiam alcalóides ou qualquer outra processo agora é esse: divulgar e fazer as pessoas entende-
É um passo muito grande para que a culinária regio-
rem a novidade. Primeiro os paraenses, depois os paulistas,
nal deixe de ser algo muito restrito?
os brasileiros... e, quem sabe, o restante do mundo. É preciso
Se a gente começa a usar os ingredientes, passa a criar uma demanda de mercado e a demanda gera a profissionalização
convencê-los de que é um produto com uma possibilidade de aplicação gigantesca.
do setor. Então o tempo vai responder isso para a gente. Em que pratos, por exemplo? O que é mais importante para consolidar a culinária regional? A sabedoria empírica das velhas cozinhei-
Em tudo. A gente já faz chocolate com priprioca, doce de leite com priprioca, ravióli de limão com priprioca, peixe com
ras ou a introdução do conhecimento mais técnico?
priprioca... É um produto que não conhece doce ou salgado.
As duas coisas são importantes. Valorizar a natureza e, junto
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Conhece cozinha.