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diretor de marketing E OPERAÇÕES Flávio Cordeiro COORDENADOR DE PRODUTOS DE MÍDIA Paulo Sérgio Silva diretor Comercial Wilson Lelis PRODUÇÃO EDITORIAL Alexandre Braga Edição AF Comunicações Editora-executiva Adriana Salles Gomes Arte e editoração eletrônica UVXZ Redação/Tradução Alexandra Delfino de Souza, Elizabeth da Penha Cardoso, Fernando Moreira Leal, Lizandra Magon de Almeida Revisão Marcia T. Courtouké Menin Logística Walney Santos Publicidade Rosana Silva Tel. (11) 4689 6630 ASSINATURAS Grande São Paulo: (11) 4689 6699 Outras Cidades: 0800 551029 Fax: (11) 4689 6698 – www.hsm.com.br Al. Mamoré, 989 – 13º andar – Alphaville CEP 06454-040 Barueri/SP SERVIÇO AO CLIENTE Alexandre Oliveira Assinaturas: assina@hsm.com.br Renovações: renova@hsm.com.br ASSINATURAS CORPORATIVAS Alexandre Oliveira corporativo@hsm.com.br ALIANÇAS E PARCERIAS Vera Costa br-parcerias@hsm.com.br Distribuição nacional em bancas pela DINAP S/A. Distribuidora Nacional de Publicações. HSM Management é uma publicação bimestral da HSM do Brasil. ISSN 1415-8868 O conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos autores. Como assinante desta publicação, você poderá receber malas diretas e comunicações online da HSM ou de empresas parceiras, com ofertas de produtos e serviços adequados a seu perfil. Caso prefira não recebê-las, solicitamos a gentileza de entrar em contato pelo telefone (11) 4689 6699 ou pelo e-mail assina@hsm.com.br.

Duas repórteres de HSM Manage-

ment foram a Emeryville, na Califórnia, visitar a sede do estúdio Pixar e nos contaram, entre outras coisas, que o prédio principal, erguido em 2000, foi inspirado no cérebro humano. Assim como nosso hemisfério direito é o criativo e o esquerdo, o lógico e racional, os escritórios da ala direita abrigam designers e artistas, e os da esquerda, animadores e técnicos. No centro, ficam áreas destinadas a fomentar a colaboração espontânea entre os dois grupos, como café, sala de jogos, televisores e loja de presentes. Isso me levou diretamente a um trecho da entrevista exclusiva que o neurocientista Miguel Nicolelis concedeu a nossa editora-executiva, Adriana Salles Gomes, em que ele diz suspeitar que nosso comportamento social em grupo reflete, de algum modo, a maneira como os neurônios funcionam, como se o modelo cerebral fosse escalado para uma unidade maior. No fundo, o que a Pixar fez foi escalar o cérebro literalmente. O CEO do estúdio de Toy Story, Ed Catmull, nos revelou mais um de seus segredos: ir atrás de pessoas talentosas e lhes pedir ideias, em vez de ir atrás de ideias, como faz a maioria em Hollywood. Talentos são o mais importante de tudo para Catmull, que pratica a sério a meritocracia, como a que Nicolelis diz ser necessária para que a inovação brasileira decole. Segundo o professor da Duke University, aqui, “quando surge um pool de recursos, eles são pulverizados para contentar todo mundo, em vez de concentrados em uma pesquisa que tenha mérito e possa realmente fazer diferença”. O Dossiê que apelidamos de “Neurobusiness” nesta edição está interessantíssimo ao tratar a neurociência tanto

como a segunda chance das empresas (de se humanizarem) quanto como a segunda chance do Brasil (de passar de seguidor mundial a um país que inova e dita regras, por meio da educação científica e de um cluster de neurotecnologia). Encho-me de esperança quando vejo um brasileiro com a ambição de um Nicolelis, embora reconheça que, como nossa editora me chamou a atenção, uma nuvem de palavras da conversa com ele destacaria três termos: “dificuldade”, “começo” e “Brasil”. Nicolelis se queixa, por exemplo, do empreendedorismo em nossas terras, muito primitivo comparado ao que encontra nos Estados Unidos e na Europa, porém ele mesmo vê sinais de avanços. E esses sinais também se espalham por esta revista, desde a reveladora entrevista com Jayme Garfinkel, da Porto Seguro Seguros, até as reportagens sobre nossas startups, nossos pós-empreendedores e a Amil no minidossiê do projeto Brasil: Presença na Gestão que Dá Certo. Lições adicionais e valiosas de empreendedorismo vêm de Eric Ries e sua lean startup, dos cases Evernote e Recyclebank, e de Peter Guber, o executivo por trás da gravadora da banda de rock Kiss e do estúdio de cinema de O Exterminador do Futuro, entre muitos sucessos de bilheteria. No raciocínio de Guber, tanto empreender como liderar requerem que se seja um talentoso contador de histórias e o primeiro passo para isso, segundo ele, onde a maioria dos homens e mulheres de negócios tropeça, está em ser um ótimo ouvinte. Há esperança. Marcos Braga PS: Minha nuvem de palavras está no título.

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Nascida no Brasil em 1987 com o propósito de oferecer conteúdos de excelência na gestão de empresas, a HSM é hoje referência em educação executiva.

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Conselho editorial Carlos Alberto Júlio, Philip Kotler, Richard Whiteley

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Diretor-editorial José Salibi Neto

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Diretor-presidente Marcos L. de Almeida Braga

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Direto ao

ponto tendências

Contagem regressiva com

Cara Ely

Desde o ano 2000, ela está envolvida no desenvolvimento de jogos casuais, fáceis e rápidos de aprender. indicada como uma dAs cem especialistas em tecnologia mais bem-sucedidas de Seattle pela publicação online TechFlash, Cara Ely é, desde 2011, diretora de criação da Zynga, companhia que monitora os usuários de seus aplicativos para criar a melhor experiência lúdica possível. Antes, foi diretora de criação da I-Play Games, onde desenvolveu a série Dream Day, aplicativo com mais de 60 milhões de downloads, e trabalhou na empresa de jogos Sierra Online, adquirida pela Vivendi, onde criou mais de 25 jogos casuais. A seguir, ela fala sobre o setor com exclusividade a HSM Management

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A Zynga é conhecida por estudar a maneira como as pessoas jogam. Você pode explicar esse estudo?

Estamos interessados na experiência do jogador. Para aprimorar nossos aplicativos, estudamos fatores como: quando, como e por que as pessoas jogam, que tipo de jogo lhes interessa mais, até que níveis chegam, os problemas que enfrentam. Encaramos os jogos mais como um serviço do que como um produto, e é por essa razão que usamos toda a informação possível para melhorá-los. Utilizamos as lições aprendidas para aperfeiçoar a experiência do usuário e manter os clientes.

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Como se melhora esse serviço?

Há vários modos de fazê-lo, mas o segredo é prestar muita atenção ao que os jogadores querem. Por exemplo, alguns dos objetos escondidos no jogo Hidden Chronicles [Crônicas Ocultas] são mais fáceis de encontrar do que outros. Nós observamos. Se percebemos que os usuários acham muito difícil encontrá-los em uma cena em particular e que isso faz com que ele deixe o jogo, passa a não ser mais divertido. Então, modificamos as cenas, para que os jogadores possam superá-las e ir para a etapa seguinte.

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Qual a diferença entre os games de hoje e os do passado?

Os jogos mudaram em muitos aspectos, mas algumas coisas permanecem iguais. Ao jogar, procura-se experimentar prazer e surpresa; as pessoas querem se divertir, competir, desafiar amigos. Isso não mudou. O que mudou é que os jogos de hoje oferecem uma nova maneira de competir, compartilhar e se conectar com os outros. Não há necessidade de sen-

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tar à mesma mesa. Eu jogo Hidden Chronicles com minha mãe, que mora em outra cidade. Nós compartilhamos esses momentos todos os dias, e essa interação é bem importante para nós. Também acredito que a concepção dos jogos mudou. Antes estavam mais relacionados com o ócio; hoje fazem parte da vida diária, algo que serve para conectar as pessoas com seus amigos e familiares.

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Em sua opinião, qual será o próximo passo na indústria de games? Os celulares?

Acho que as pessoas estão se conectando cada vez mais por meio desses aplicativos, porque podem jogar a qualquer hora, em qualquer lugar, e é nisso em que nos concentramos. Os telefones celulares são um bom exemplo. As pessoas esperam que o jogo faça parte de seu dia a dia, e a Zynga deseja disponibilizá-lo para elas o tempo todo e em qualquer lugar.

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O que faz um jogo ser demais?

Um bom jogo tem muitos componentes. Deve-se pensar no jogo como o presente perfeito para um jogador. É preciso definir claramente o público que vai jogar e criar a melhor experiência possível para essas pessoas. Acredito firmemente que é fundamental surpreender e deleitar os usuários. O jogo tem de ser divertido, algo que as pessoas queiram compartilhar com outras, seja para competir ou não. Essas são as coisas que fazem um grande jogo e que levam alguém a querer jogar todos os dias. HSM Management (Entrevista de Viviana Alonso)


Criativa por acaso

Foto: Grupo HSM

A entrada de Cara Ely, em junho de 2011, significou uma guinada para a Zynga, importante desenvolvedora de jogos sociais online. Pela primeira vez, a empresa criadora de alguns dos aplicativos mais usados no Facebook —mais de 220 milhões de usuários jogam CityVille, Poker Zynga, FarmVille e Empires & Allies, entre outros sucessos— tentou a sorte em uma área que está causando furor na web há algum tempo: a dos jogos de objetos escondidos. O melhor exemplo desse conceito foi Onde Está Wally?, uma série de livros lançados há mais de duas décadas. Com mais de 12 anos de experiência no desenvolvimento de jogos de computador, Ely é especialista nesse gênero e a diretora de criação do novo hit da empresa: Hidden Chronicles, uma história de mistério em que os jogadores devem encontrar objetos escondidos e desvendar pequenos segredos. Eles também podem desafiar amigos e compartilhar recomendações. Desde seu lançamento, em janeiro de 2012, Hidden Chronicles se tornou o jogo de melhor desempenho da Zynga e um dos 25 aplicativos mais utilizados no Facebook, com um recorde de 33,4 milhões de usuários até abril deste ano. O conceito de jogos de objetos escondidos se encaixa na classificação de jogos casuais (casual games), voltados para o grande público, com regras simples, que não requerem habilidades especiais dos usuários. “Queremos que as pessoas se conectem entre si e por meio dos jogos”, afirma Ely. “Sinto que podemos voltar ao tempo em que compartilhar isso unia a família e os amigos.” Como diretora de criação de Hidden Chronicles, Ely é responsável por todo o processo de desenvolvimento de aplicativos, desde a concepção da experiência do jogador até a idealização da maneira como ele convidará os amigos a competir. “Eu tenho essa visão geral do jogo e, como tal, estou encarregada de transmiti-la à equipe e também ao público, a fim de gerar expectativa e motivação”, explica. No entanto, Ely acrescenta: “Na Zynga, trabalhamos de modo colaborativo. Estamos todos envolvidos no esforço de criação. O escritório é uma grande área aberta, as ideias fluem de todas as direções. Isso cria um ambiente cheio de energia, em que qualquer pessoa pode dar sua contribuição. É uma ótima maneira de melhorar os jogos e conectar as pessoas. Em última análise, esse jeito de trabalhar também tem um impacto positivo nos resultados da empresa”. (V.A.)

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Direto ao

ponto estratégia

A reatância psicológica É amplamente disseminada a ideia de que, em muitos mercados de tecnologia, as empresas dominantes possuem grande vantagem e a ampliam ao longo do tempo. Não é necessariamente verdade. Na última década, sites de relacionamento como o Friendster, o MySpace e o Bebo conquistaram um grande número de usuários de início, mas perderam terreno para novos concorrentes e acabaram em segundo plano. Padrões semelhantes de surgimento, crescimento, domínio e declínio do valor da marca já afetaram organizações como a Microsoft e a AOL. Como algumas companhias vão da força de mercado à vulnerabilidade? Embora as pesquisas mostrem que inovação tecnológica, mudanças na estrutura de mercado, curtos ciclos de vida dos produtos, força do capital e grandes jogadas promocionais influenciam a capacidade de uma empresa de manter a liderança de mercado, um fator crucial é ignorado com frequência: as forças psicológicas que impulsionam as decisões dos consumidores e, especificamente, o grau em que estes sentem que possuem, ou perdem, poder de escolha. É verdade. As pessoas relutam em mudar para produtos dos concorrentes quando se acostumam a um produto tecnológico líder, como o sistema operacional Windows e os softwares do pacote Office. Mas podem ter a percepção de que sua liberdade de escolha está sendo restringida e partir para o que se chama de “reatância” psicológica (termo originado da eletrônica, referente a uma força que motiva a agir contra uma limitação). Como funciona e o que fazer

A reatância psicológica funciona da seguinte maneira:

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Foto: Divulgação

quando se sentem limitados em sua possibilidade de escolha, os consumidores tendem a se afastar da empresa líder de mercado, segundo as pesquisas dos especialistas Kyle B. Murray e Gerald Häubl,da University of Alberta, do Canadá

Em um primeiro momento, à medida que aprendem a usar determinada interface eletrônica —associada à busca de informações ou compras online, por exemplo—, as pessoas acabam se sentindo presas a essa ferramenta e desenvolvem altos níveis de lealdade mesmo quando ferramentas equivalentes de concorrentes estão disponíveis. O custo de trocar de interface supera os benefícios de utilizar outro produto. De repente, como mostram nossas pesquisas, os clientes sentem que sua liberdade de escolha é tolhida e sua lealdade se reduz. Quando as pessoas sofrem com essa percepção de limitação, reagem virando as costas para o líder de mercado e aceitam arcar com os custos associados à troca de interface. Assim, organizações que parecem deter o poder de monopólio se tornam surpreendentemente vulneráveis a deserções de clientes. Isso explica por que, mesmo sem haver diferenças qualitativas objetivas entre o produto da empresa dominante e o da desafiante, a participação no mercado do navegador Internet Explorer, da Microsoft, caiu de 67% em setembro de 2008 para 39% em setem-

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bro do ano passado e, no mesmo período, a fatia do Chrome, do Google, passou de 1% para 22%. O que fazer? Depende de seu papel no mercado. Se você é dominante, tome cuidado para não passar a impressão de estar fazendo sucesso demais. Ironicamente, pode ser bom para você apoiar e até mesmo cultivar a concorrência. Se você é desafiante, mantenha a imagem de negócio pequeno —além de evitar a reatância, os consumidores tendem a enxergar a interface de usuário feita por uma companhia pequena como mais fácil e atraente do que a de uma grande líder de mercado. Um exemplo de empresa que consegue reduzir sua percepção de dominante é a Apple: ela detém fatia dominante do mercado de tablets, mas é quase uma desafiante nos de computadores de mesa e laptops. HSM Management © MIT Sloan Management Review Todos os direitos reservados. Reproduzido com autorização. Distribuído por Tribune Media Services International.


Direto ao

ponto Foto: iStock

Finanças

Ao contrário do que se pensava Alex Edmans, da Wharton School, Vivian W. Fang, da Rutgers University, e Emanuel Zur, do Baruch College, defendem que a alta liquidez da ação da empresa na bolsa de valores melhora sua gestão

Abrir o capital é considerado um fator

positivo para a gestão de uma empresa, desde que os acionistas se comprometam com o negócio e pressionem os gestores por resultados sempre melhores. Na prática, contudo, isso acontece? Na década de 1980, quando o Japão vivia seu apogeu econômico, muitos analistas de mercado acreditavam que o sistema adotado no país, caracterizado pela baixa liquidez, contribuía para isso. Ao dificultar a compra e a venda, o mercado de capitais japonês incentivaria o compromisso de longo prazo, levando os acionistas a estimular o desempenho dos gestores das empresas. De acordo com essa visão, os sistemas de alta liquidez, como o norte-americano, com sua extrema facilidade para a saída de acionistas descontentes, incentivavam a adoção de uma abordagem de curto prazo pelo acionista. No entanto, a “década perdida” da economia japonesa, nos anos 1990, pôs em xeque o modelo de baixa liquidez, ao mesmo tempo que, nos Estados Unidos, as empresas e seus acionistas pareciam bem. Então, veio a crise financeira de 2008 e as dúvidas permanecem. Três professores de finanças, Alex Edmans

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(Wharton School), Vivian W. Fang (Rutgers University) e Emanuel Zur (Baruch College), investigaram o assunto e concluíram: uma liquidez mais alta estimula os acionistas a pressionar os gestores a melhorar a gestão e a rentabilidade. Como? Por exemplo, os pesquisadores descobriram algo muito curioso sobre os fundos de hedge, que tendem mais a adquirir grandes conjuntos de ações de empresas de alta liquidez: quanto maior a liquidez de uma empresa, maior a probabilidade de que o fundo de hedge opte por uma propriedade “passiva”, e não “ativa”. (O estudo se concentrou nos fundos de hedge porque estes têm mais liberdade do que fundos mútuos, que podem ser diversificados demais para usar estratégias incisivas.) Ruim? Não. Os fundos não pressionam ativamente os gestores a melhorar a rentabilidade, mas recorrem à ameaça implícita de vender as ações (o que levaria à derrubada da cotação do papel) e tal ameaça se torna uma forma indireta de melhorar a governança. Estranho, mas isso representa de fato um novo olhar sobre o que significa um investidor institucional, como um fundo de hedge, adquirir participação em

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determinada companhia. Na visão tradicional, acreditava-se que os investidores só tentavam influenciar a governança corporativa em questões específicas —por exemplo, mudanças na gestão ou em casos de aquisição ou alienação— e pouco se preocupavam com a governança corporativa em si: ao sair do jogo, eles deixavam a empresa sem promover melhoria alguma. O que Edmans e seus colegas sustentam é diferente: segundo eles, a possibilidade de uma grande venda de ações ou da saída do investidor funciona como meio de pressão sobre os gestores da empresa. E esse raciocínio permanece válido mesmo quando o investidor não expressa demandas específicas em relação à gestão. “O executivo da empresa acaba pensando duas vezes antes de agir de maneira inadequada. A ameaça de vender as ações quando as coisas dão errado pode, de fato, ajudar a melhorar a gestão”, afirma o professor da Wharton. HSM Management © Knowledge@Wharton. Reproduzido com autorização. Todos os direitos reservados.


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ponto empresas

Em entrevista exclusiva, o novo CEO da Marriott, Arne M. Sorenson, afirma que a empresa crescerá aqui e quer investir na classe C

Crescer na América Latina, especialmente no Brasil. Essa é uma das maiores prioridades do novo CEO da Marriott International, Arne M. Sorenson, que assumiu em 31 de março último o comando da rede hoteleira e já fez questão de visitar o País. Em 85 anos, Sorenson é o primeiro CEO da Marriott que não pertence à família controladora —era executivo-chefe de operações e vinha, nos últimos dois anos e meio, preparando-se para assumir o comando. Presente em 72 países e estudo de caso frequente dos especialistas em gestão, a Marriott enxerga dois desafios nesse crescimento. “O primeiro é encontrar líderes e parceiros locais; o segundo, redefinir nossas marcas, para que sejam relevantes para os consumidores dessas regiões”, ressaltou Sorenson, em entrevista a HSM Management durante visita a São Paulo. A seu favor, a Marriott acredita ter dois trunfos: foco no longo prazo e cuidado com os associados, como eles chamam

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seus funcionários —e cuidado significa, nesse caso, desenvolvimento de talentos. A lógica é simples, explicou Sorenson: “Se cuidarmos bem deles, certamente eles cuidarão bem dos hóspedes”.

FUTURO E CUIDADO O plano de longo prazo é claro: se hoje a Marriott tem cinco hotéis no Brasil, trabalhará para ter 50 nos próximos dez anos e ainda mais unidades nas décadas seguintes. Embora não faça projeção de novos empregos no País, Sorenson adianta que, na América Latina toda, a Marriott quer chegar ao contingente de 27 mil funcionários em cinco anos, ante os atuais 13 mil. Como desenvolverá os talentos locais? Em primeiro lugar, deve lhes dar perspectiva de avanço na carreira. “Em uma reunião recente em Los Angeles (EUA), encontrei cerca de mil gerentes-gerais e todos haviam começado em funções básicas como garçom, segurança ou recepcionista e avançado em dez anos de empresa ou mais”, contou. “Talentos internos são priorizados nas promoções e fazemos com que as pessoas se sintam donas do negócio.” Em segundo lugar, vem o treinamento —a empresa tem um acervo extenso de treinamentos, que podem ser presenciais, e-learning e internacionais. Segundo Sorenson, o Brasil já tem uma cultura de receber bem, o que é um ponto muito positivo, e isso apenas tem de ser aprimorado com treinamento intensivo e constante, tanto técnico como comportamental e de idiomas. “É um movimento natural: conforme um país cresce, também cresce a necessidade de pessoas mais preparadas, que falem outras línguas e estejam abertas para o mundo”, reforçou.

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Fotos: Divulgação

E a Marriott prioriza o Brasil “O treinamento é a melhor forma de reter, motivar e qualificar profissionais, assim como a oferta de oportunidades de desenvolvimento igualitárias para todos”, afirmou. No sistema de comunicação interna da Marriott, que mantém todos informados das ações e iniciativas globais dos hotéis da rede e funciona como gestão do conhecimento, são anunciadas vagas no mundo inteiro, dando a qualquer funcionário a possibilidade de fazer carreira internacional.

REDEFINIÇÃO DE MARCAS Se hoje a Marriott é associada, no Brasil, principalmente a hotéis de luxo, por conta do Renaissance, em São Paulo, e do JW Marriott, no Rio de Janeiro [na foto], isso deve mudar com a implantação da marca econômica Fairfield. “A previsão é termos um hotel desses aqui entre o final de 2013 e meados de 2014. Garanto que será, de longe, o melhor hotel do segmento, com o maior número de quartos, serviço e ambiente adequados”, disse Sorenson, sem revelar a localização das unidades. A priorização do Brasil não é fortuita. O CEO e toda a Marriott têm grandes expectativas em relação a nosso mercado, tanto por conta do número crescente de brasileiros que viajam ao exterior —eles precisam conhecer mais as marcas da Mar­riott já aqui e a rede tem de conhecê-los mais para hospedá-los melhor no mundo todo— como pelos eventos esportivos mundiais que o País sediará em 2014 e 2016. HSM Management (Entrevista de Andréa Maia)


Direto ao

ponto MARKETING

O BOOM DO VAREJO ONLINE sim, A internet transformou o setor varejista, mas como? Os hábitos de compra, antes ditados por Marcas tradicionais, agora cabem aos clientes

a a loja Da web spdeacisrões de compra no mundo real.

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Nova experiência de compra Pesquisar produtos online FORMAS DE PAGAMENTO:

Entrega na residência

Pontos-chave da mudança

✓ Online ✓ Número de telefone

Comparar

✓ Aparelho móvel mediante leitor de códigos de barras ou cartão de crédito

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Ler as opiniões

Acumular pontos de programas de fidelidade

O consumidor é protagonista. Ele decide como, quando e onde interage com a marca. O mundo online invade a loja física. Os novos estabelecimentos oferecem acesso móvel a vários pontos de venda, aplicativos sociais e a possibilidade de pagar por telefone.

A Tesco, a terceira rede de supermercados mais importante do mundo, montou uma filial virtual no metrô de Seul, Coreia do Sul. Os produtos disponíveis estão expostos em fotos penduradas nas paredes e com códigos de barras. Os clientes escaneiam com seus smartphones o que querem comprar. A mercadoria é entregue na residência. “Antes, as lojas eram ‘donas’ dos consumidores, até que eles foram embora. Hoje, a internet e os aparelhos móveis abriram as portas dos estabelecimentos para seus concorrentes.”

Russell Buckley,

especialista em tecnologias móveis

“O setor varejista evoluiu muito. Nunca vi tanta inovação como nos últimos dez anos. As pessoas não desejam apenas adquirir um produto; querem também uma experiência recompensadora.”

Terry Leahy,

ex-CEO da Tesco

“Os consumidores precisam de tempo. Muita gente prefere ficar em casa e comprar pela internet.”

Nirmalya Kumar,

professor de marketing da London Business School, Londres, Inglaterra

O infográfico tem como base um documentário da série Business Matters e, como fontes adicionais, a National retail federation (EUA), verizon, forrester e idc.

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Chat nas redes sociais

Criar listas de compras

Receber ofertas segundo a localização geográfica

1. Amazon 2. Square 3. Patagonia 4. Kiva Systems 5. UPS 6. OpenSky 7. Fast Retailing 8. RelayRides 9. Shopify 10. Warby Parker

Os 10 varejistas mais inovadores de 2012 segundo a FastCompany

Os grandes perdedores que não souberam se atualizar

HSM Management Arte de Guido Dellmea. Texto de Francisca Pouiller, colaboradora de HSM MANAGEMENT.


Inovação

Sustentabilidade

Leitura

Vijay Govindarajan afirma que organizações precisam reaprender a inovar para imaginar o futuro e desenvolver hipóteses com base nos sinais do mercado.

Pesquisa faz raio X da atuação e remuneração dos profissionais do setor e mapeia a maturidade de grandes empresas brasileiras em relação ao tema.

Veja o que os empresários Jorge Paulo Lemann e Abilio Diniz dizem sobre Vencedoras por Opção, o polêmico livro de Jim Collins que relativiza o poder da inovação.

Movimento Brasil

Recursos humanos 1

Recursos humanos 2

Descubra como foi a estratégia da Riachuelo de Flávio Rocha nos últimos seis anos, quando dobrou o número de lojas, acessando www.hsm.com.br/brasil.

As entrevistas de emprego merecem mais atenção. O consultor Mark Murphy mostra como fazer as perguntas certas para escolher os melhores candidatos.

A reitora da Pixar University, Elyse Klaidman, afirma que o aprendizado com emoção garante que os funcionários do famoso estúdio não se entediem.

EMPRESA 2.0 A revolução da web 2.0 está em plena marcha. Com ela, as empresas podem construir uma nova cultura organizacional, de colaboração horizontal, e tirar proveito da inteligência coletiva visando ganhos de produtividade, inovação e geração de valor. Veja o que diz Soumitra Dutta, professor do Insead, a esse respeito.

Videocasting: Mônica Herrero

MUltimídia

conheça alguns destaques de nosso conteúdo online, que reúne o melhor do pensamento e da prática da gestão mundial

Em pauta, o projeto de inovação da Stefanini, uma das dez empresas mais inovadoras do Brasil, segundo a Fast Company. Podcasting: Alexandre Caldini

O CEO do Valor Econômico fala sobre como “espiritualizar” a gestão do ambiente organizacional —e as vantagens disso.

EVENTOS Fórum HSM Novas Fronteiras da Gestão 2012 Em 21 e 22 de agosto, em São Paulo, especialistas explicam como reverter o rápido avanço tecnológico a favor dos negócios. Seminário HSM William Ury – Fortaleza 2012 Em 28 de setembro, William Ury apresentará os conceitos, habilidades, influência e poder para alcançar o sucesso no processo de negociação.

Entre outros posts, Abraham Shapiro mostra como ganhar com o período de experiência de funcionários, Bruno Mello analisa por que o IPO do Facebook representa uma vitória para o bom marketing, Gil Giardelli fala sobre a antropologia das redes sociais e Francisco Albuquerque discorre sobre modelos de negócio.

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pensamento

nacional

Fotos: Divulgação

CORPORATIVO

O soldado da

Porto Seguro ÀS vésperas de deixar a presidência executiva, Jayme Garfinkel repassa os 40 anos em que moldou a maior e mais inovadora seguradora de carros do país e revela como seu pensamento foi moldado, em entrevista exclusiva

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O engenheiro mecânico Jayme Brasil

Garfinkel, presidente da seguradora Porto Seguro, aprendeu muito com seu pai e conselheiro, Abrahão Garfinkel, nascido na Ucrânia. Os conselhos mais importantes, porém, não vieram de manuais teóricos de administração, mas de um clássico do pensamento político, O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. “Ganhei o livro de meu pai pouco tempo antes de ele morrer, e ele me disse que aquela era a obra mais importante já escrita sobre administração.” Logo depois, a morte de Abrahão levou Jayme ao comando da empresa. “O livro me preparou.” Não foi a máxima “maquiavélica” sobre os fins justificarem os meios que ajudou o empresário, no entanto. “O que norteou minha atuação foi o conselho de que o príncipe —o líder— tem de estar sintonizado com o povo e dar o exemplo em tudo o que faz”, diz. Ressalte-se que Garfinkel não ganhou uma edição qualquer da obra clássica. Sua versão continha comentários de um leitor muito conhecido, Napoleão Bonaparte, que reforçou ser essencial ouvir os pares e os parceiros. “Isso foi fundamental na minha atuação na Porto Seguro”, afirma. Funcionário de uma grande seguradora carioca, a Boa Vista, Abrahão Garfinkel começou de baixo e fez carreira na empresa, até chefiar sua sucursal paulista, a maior do grupo, um processo testemunhado pelo filho Jayme. Nos bons tempos de menos trânsito, ele almoçava e jantava em casa todos os dias e falava bastante sobre o trabalho. Os filhos acompanhavam o cotidiano de um executivo em ascensão. “Era a nossa novela”, lembra Jayme. O sonho de Abrahão era chegar à presidência, mas esse processo foi interrompido por um evento externo. A Boa Vista fundiu-se com outra seguradora carioca, a Atlântica, e o gestor, que se preparava para assumir o comando, percebeu que não haveria mais espaço A entrevista é de Anna Lucia França, colaboradora de HSM MANAGEMENT.

para crescimento profissional. A única saída seria seguir carreira solo. Em 1972, Abrahão decidiu comprar uma unidade da Boa Vista para presidir. Poucos imaginariam que nascia ali um competidor tão peso-pesado do mercado segurador, que hoje lidera o segmento de seguros de automóveis, com mais de 30% de participação —reunidas, as marcas do grupo, Porto Seguro, Itaú e Azul, atendem 4,2 milhões de segurados—, e é um de seus maiores inovadores. A morte do pai, em 1978, obrigou o jovem Jayme, com 30 e poucos anos, a assumir a presidência executiva, que ele deixará no início de setembro, embora se mantenha como presidente do conselho. E é aqui que começa esta entrevista exclusiva, excepcionalmente editada no formato storytelling, contando a essência dos 40 anos em que Garfinkel construiu esse império de R$ 10,1 bilhões.

ERA UMA VEZ UMA CULTURA No início, tudo era complicado. “Foi quando me dei conta de quanto nossos

resultados dependiam dos corretores e dos funcionários e que, por isso, era fundamental conquistar a confiança deles”, diz Garfinkel, confirmando o que Maquiavel e Napoleão haviam aprendido com séculos de antecedência. “Trabalhamos realmente muito nesse sentido e acabou virando uma cultura dentro da companhia.” Nesses primeiros tempos, outro aprendizado se deu em uma visita de Jayme ao banco Bradesco, que chamou sua atenção para uma nova tendência dentro das empresas: o fim das salas, especialmente as de diretoria. “Todo mundo trabalhava no mesmo ambiente e as coisas fluíam mais depressa. Gostei tanto da novidade que a adotei imediatamente na Porto.” Mais uma medida incorporada nessa etapa foram as reuniões de diretoria diárias, iniciadas pontualmente às 8 horas. Ao mesmo tempo que estabelecia um horário para os executivos começarem sua jornada, servia como exemplo de cima para todos os funcionários, exatamente como pre-

SINOPSE • Inspirado pela ideia maquiavélica de que o líder deve sintonizar-se com seus seguidores e dar exemplo em tudo o que faz, Jayme Brasil Garfinkel construiu, ao longo de 40 anos, um império chamado Porto Seguro, que compreende 4,2 milhões de segurados, 13 mil funcionários diretos e receita de R$ 10,1 bilhões (em 2011). • Prestes a passar o bastão de CEO ao sucessor, Garfinkel repassa o que moldou seu pensamento e a cultura de sua empresa: o livro O Príncipe, dado pelo pai, o “insight” sobre conquistar a confiança de funcionários e corretores, as reuniões iniciadas pontualmente às 8 horas da manhã, o layout aberto na sala da diretoria. Tudo isso resultou em maior autonomia para os funcionários e em uma hierarquia limitada ao mínimo. • A necessidade de diferenciar-se dos bancos também explica os rumos tomados pela Porto Seguro: Garfinkel compreendeu que era preciso aproveitar as vulnerabilidades desses concorrentes na oferta de serviços e na eficiência. Não à toa, hoje a empresa é líder em seguros de automóveis.

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nacional gou Maquiavel. “Como nossa melhor vendedora de consórcios diz, só o líder envolvido com o trabalho pode cobrar desempenho dos subordinados.” Assim, dar o exemplo, seja ao começar o expediente às 8 horas, seja em uma série de iniciativas cotidianas, tornou-se um hábito dos líderes da Porto Seguro. Ainda hoje, quando tem dúvidas sobre como proceder, Jayme faz um exercício mental de pensar como um soldado a serviço da empresa. “Se for útil dar esta entrevista para falar sobre a Porto Seguro, eu vou dá-la. O líder tem de se comportar como um soldado disponível para qualquer tarefa.” Foram essas três medidas estendidas que, ao longo do tempo, criaram a cultura da seguradora, muito antes de as ferramentas “missão, visão e valores” frequentarem as listas de recomendações de “gurus” e consultores.

ESTRATÉGIA: O FOCO EM SERVIR E A EFICIÊNCIA “Em 1998, começamos a fazer reu­niões da alta gestão regularmente para pensar em mudanças e na estratégia; queríamos criar ali uma rotina de trabalho permanentemente agradável pa­ra os funcionários do grupo e aquilo também vinha facilitar a tomada de decisões”, explica o empresário.

O que significa “estratégia”, no vocabulário da Porto Seguro? É abraçar o método [na concepção de Vicente Falconi, o caminho da verdade, baseado em informações reais] e somar-lhe trabalho, o que, segundo Garfinkel, é essencial para desenvolver a imaginação e a criatividade. “Ninguém gosta de segunda-feira, mas criamos mecanismos de muita conversa para que as facilidades que criamos para os líderes da companhia estejam disponíveis para todos, não só para os líderes”, afirma. Nessas reuniões, identificou-se uma das fraquezas estratégicas da seguradora em seus primeiros tempos: ter de concorrer com os bancos que também ofereciam seguros e que, como vantagens competitivas, contavam com uma rede de distribuição extensa por meio de suas agências e com uma força financeira muito superior. Como contornar isso? Garfinkel mirou a maior vulnerabilidade do setor bancário: a baixa capacidade de oferecer bons serviços. Prestar um serviço memorável para o consumidor em um momento de estresse (como um acidente ou o roubo do carro) passou a ser o diferencial. Essa opção acabou sendo o grande ponto de diferenciação —e de inovação— da empresa no mercado. Tudo começou com os guinchos, que passaram a levar a marca Porto Seguro. Em

“queríamos criar uma rotina de trabalho permanentemente agradável para os funcionários do grupo” Entre sucursais e regionais, a Porto Seguro tem 130 unidades no Brasil

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seguida, vieram os escritórios regionais, para estar mais perto de clientes e de corretores, e, mais tarde, uma medida tão simples quanto entregar um lanche rápido ao segurado junto com a prestação do socorro. Pequenos detalhes, que, no entanto, foram garantindo a distinção da concorrência e facilitando a renovação da apólice. Algumas vezes, os detalhes nem foram tão pequenos assim, como quando a Porto Seguro criou, em 2000, os serviços de assistência mecânica para revisão de automóveis aos segurados, não apenas reduzindo a possibilidade de sinistro, como gerando uma receita extra. “Essa foi uma saída estratégica importante; vimos uma oportunidade e a aproveitamos com competência.” (Hoje, serviços de conveniência são vendidos também a não segurados.) São famosos os serviços de assistência à residência, a computador e a animais de estimação que a empresa presta a quem tem apólice de automóvel e paga uma taxa extra, o que gera nova receita e aumenta a atratividade dos produtos. Garfinkel explica que o melhor de tudo foi perceber que “a gente gostava muito de fazer essas coisas”. Surgia na Porto um círculo virtuoso de fazer o que diferencia o negócio estrategicamente e dá prazer —e orgulho— aos funcionários, a tal ponto que, como conta o líder sem medo de demagogia, se há um problema operacional na empresa e, ao mesmo tempo, um problema com um segurado, todos vão atender o segurado em primeiro lugar. As pessoas não agem assim por serem boazinhas ou ingênuas, garante ele. “Sabemos que o resultado disso vem, embora no longo prazo. Ele pode demorar um pouco, mas aparece nos números.” Também há o orgulho de sentir-se parte de um império. “A Atlântica Boa Vista pode ainda ser a maior seguradora do País, mas nós somos a maior em automóveis em uma companhia que fundamos. Somos um império e temos de mantê-lo.” Não à toa, quando o próprio Garfinkel promove um colaborador, gosta de presenteá-lo com uma cópia de Gladiador, do diretor Ridley


Saiba mais sobre Garfinkel e a Porto Seguro Graduado em engenharia civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e pós-graduado em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas, Jayme Brasil Garfinkel é o chairman da Porto Seguro e também seu maior acionista —estima-se que tenha 40% da empresa, com 30% pertencentes ao Itaú-Unibanco e outros 30% distribuídos pelo mercado. Assim como seu pai fez com ele, Garfinkel logo levou o filho para trabalhar lá: hoje Bruno responde pela área de sinistros. Jayme é membro ativo de entidades setoriais, como a Federação Nacional de Seguros Gerais, que preside. A Porto Seguro é a quarta maior seguradora do Brasil e a líder quando se fala em seguros de automóveis (que eram 65,4% de sua carteira no início de 2012) e de residências. Com faturamento de R$ 10,1 bilhões em 2011 e lucro líquido de R$ 580 milhões, congrega hoje 13 mil funcioná-

Scott, Oscar de melhor filme no ano 2000, passando a mensagem de que o promovido, assim como o personagem principal, tem de defender o império independentemente de qualquer coisa. Porém não bastava, como diferencial, a excelência em serviço que dá prazer e orgulho. O empresário e seus gestores entenderam também que a empresa precisava ser mais eficiente do que os bancos e, no idioma do setor de seguros, eficiência é sinônimo de redução de sinistros. “O preço do seguro, especialmente o de automóvel, é praticamente fixo e, se não posso mexer no preço, tenho de enxugar custos”, justifica Garfinkel. Assim, a Porto passou a investir na redução de sinistros popularizando iniciativas como as chamadas vacinas —identificações dos automóveis para evitar o risco de furto e desmanche— e a instalação de rastreadores que diminuem os preços das apólices.

AS PESSOAS E A AUTONOMIA Com cerca de 20 diretores, a Porto Seguro busca restringir a hierarquia organizacional ao mínimo. Seus líderes

rios diretos, 11 mil prestadores de serviços e 23,5 mil corretores. Organiza-se em 18 empresas: oito no segmento de seguros (incluindo Itaú e Azul) e mais Portoseg (financiamento) e sua distribuidora Crediporto, Portoserv (novos negócios para corretoras de seguro), Portopar (distribuidora de valores), PortoServiços (serviços em condomínios empresariais e residenciais) e as cinco que levam o nome Porto Seguro e atuam em consórcios de carros e imóveis, proteção de residências e transporte, serviços médicos, telemarketing e telecom. Os anos 2004 e 2009 foram marcantes para a Porto Seguro: em um, abriu o capital; em outro, associou-se com o Itaú. E 2012 também promete sê-lo: depois de 40 anos construindo a empresa, seu líder Garfinkel deixará o posto de CEO em setembro; deve passar o bastão para o VP executivo, Fabio Luchetti.

estão convencidos de que isso é obrigatório para conceder autonomia às pessoas e, assim, evitar lentidão na hora de decidir. “Quanto mais níveis, mais lenta fica a empresa para tomar decisões. E não podemos ser vagarosos, porque não fazemos uma linha de produção com todos os produtos iguais. No nosso caso, cada sinistro é uma história diferente e requer decisões específicas —e rápidas”, diz o executivo. Para que seus funcionários saibam resolver logo o problema do segurado que sofre um sinistro, a Porto criou uma receita que considera imbatível: muito treinamento somado à valorização sincera da vida pessoal de cada um. “Não adianta apenas treinar. Nós precisamos que cada funcionário tenha uma visão maior do mundo e das outras pessoas e, para isso, é essencial que seja feliz. É evidente que o cliente só vai ser feliz se o funcionário trabalhar com alegria”, afirma Garfinkel. O empresário percebeu depressa o que muitos gestores, tanto do setor privado como do público, parecem demorar uma eternidade para aprender: controle é igual a custo. Querer con-

trolar tudo eleva custos enormemente, além de provocar lentidão nas ações, o que leva à perda de agilidade para competir no mercado. “Nosso raciocínio é o seguinte: ao descentralizarmos as decisões, a perda é uma possibilidade, mas, ao centralizarmos, ela é certa. Por isso, vale correr o risco de descentralizar; o funcionário pode fazer certo.” É fácil desprender-se? Não. Contudo, Garfinkel aprendeu a delegar trabalhos ao longo dos anos, para poder ir atrás de outras questões, e não tem dúvida: “É fundamental dar autonomia na ponta”. Só que sua autonomia segue sua visão maquiavélica: é autono­mia com proximidade. “Napoleão passava com seu cavalo perto dos soldados, para animar a tropa, e os soldados ganhavam outro ânimo só por ver o líder de perto. Além disso, com a proximidade, as informações chegam mais rápido até o soldado que está na ponta”, afirma. Em outras palavras, mesmo que a empresa tenha um contingente de 13 mil funcionários, Garfinkel obriga-se a ficar próximo deles. Poucos degraus hierárquicos, porém, costumam dificultar a promoção

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nacional A carreta de inspeção veicular da empresa viaja pelo interior para atender segurados e não segurados. Para em pontos estratégicos por dois ou três dias e ali presta serviços aos motoristas

e a retenção de funcionários. Como a Porto lida com isso? Dada a formação feita por ela, é natural que seus profissionais sejam alvo da concorrência em uma guerra por talentos como a atual. Garfinkel admite: não ter um plano de carreira definido, para evitar as tentações da burocracia, faz com que a ascensão dependa mais dos líderes e de seu senso de justiça na avaliação. A companhia ainda não achou a fórmula ideal para reter seus talentos, diz ele. “Como seres humanos, alguns líderes podem ter funcionários preferidos, sim. O que estamos tentando fazer, no entanto, é desenvolver mecanismos para oxigenar a liderança, como os treinamentos; estamos evoluindo.”

UMA NOVA CULTURA? A associação da seguradora com o Itaú-Unibanco em 2009 trouxe mais 4,5 mil pontos de venda para a Porto (as agências) em todo o País. Foi Garfinkel pessoalmente que costurou a operação, e, embora tenha iniciado as negociações com outro banco, fechou com o Itaú-Unibanco em tempo recorde (nove dias!), porque lhe foi garantido que o comando continuaria com a Porto Seguro —e, consequentemente, a cultura não mudaria substancialmente. Como descrever, em poucas palavras, a cultura sintetizada em tantos

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anos? Para o dirigente, tem a ver com um estilo “bom de conversa” vindo do modo de pensar judaico: não aceitar nada sem discussão e análise. Uma anedota contada por Garfinkel ilustra que dois rabinos discutiam um ponto da religião e um deles operou um milagre. O outro respondeu: “Tudo bem com o milagre, mas você não provou sua tese”. A tendência ao questionamento é o jeito Porto de gerenciar.

SUSTENTABILIDADE E PROJETOS Muito antes de o termo “sustentabilidade” entrar na moda, a Porto Seguro percebeu que precisava pensar em seu impacto sobre a sociedade. Por isso, com a mudança da sede para a Avenida Rio Branco, no centro de São Paulo, em 1973, a empresa passou a atuar em seu entorno. “O lugar era horrível e plantamos árvores. Queríamos ter um local bonito”, explica o empresário. Com o avanço da companhia, começou também a crescer em Garfinkel um incômodo com a miséria ao redor e ele criou a fundação Casa Campos Elíseos Melhor, que oferece cursos de profissionalização para a comunidade e uma escola de ensino médio em Paraisópolis, bairro de população carente na zona sul de São Paulo. A verba para isso está atrelada ao resultado da empresa —1% do lucro previsto para o ano.

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“A realidade mostra que as empresas têm de fazer mais do que gerar emprego, pagar impostos e dar lucro.” A cada ampliação da Porto, Garfinkel se lembra de um diálogo recorrente com sua mãe. Ela dizia: “Isso vai provocar inveja”, e ele respondia: “Se não crescer, fico para trás”. Hoje, contudo, o empresário acha que todos precisam mesmo rever o custo do crescimento. “O comunismo não funcionou, mas o capitalismo também está sendo colocado em xeque, provocando a exaustão do planeta. Talvez seja melhor as empresas diminuírem a velocidade do crescimento”, pondera. E contribuírem para a sociedade e o planeta. Além da Casa Campos Elíseos Melhor, a Porto contribui com campanhas educativas como a do “Trânsito Mais Gentil”, lançada em 2009, que, de quebra, também favorece seu negócio. Despertando inveja ou não, a companhia continua criando empresas, contudo, de uma prestadora de serviços a condomínios a uma telecom.

O FUTURO DE FINAL FELIZ O que tem feito brilhar os olhos do empresário? O potencial aumento do percentual da frota brasileira com seguro: os 28% de hoje podem subir para pelo menos 40% com a classe média emergente (a capilaridade do parceiro bancário ajudará muito nisso). Ele mantém o foco em seu ponto forte e no mercado doméstico —embora já tenha ensaiado a internacionalização, implantando, com sucesso, uma unidade no Uruguai. E quanto à sucessão, que se completa em setembro? “Sei que não adianta querer controlar o futuro, mas creio que a companhia sempre precisará saber ouvir.” Ou seja, a cultura da boa conversa tende a resistir. Aos 65 anos, Garfinkel, como qualquer outro soldado, mostra brilho nos olhos também com a possibilidade de folga —para poder sentar no alpendre de seu quintal e ler. HSM Management


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nacional AcadÊMICO

A metamorfose organizacional

Fotos: iStock

(e a fÁBULA da barata na lata)

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Segundo Carmen Migueles, professora da Fundação getulio vargas e consultora da symballein, AFASTAR-SE DA HIERARQUIA NÃO SIGNIFICA ABRAÇAR A ORGANIZAÇÃO EM REDE. A transformação ideal é em direção a um modelo híbrido, tema de seu novo livro, que ela antecipa aqui com exclusividade


Imagine que um operário de uma

fábrica de alimentos cujo nome seja sinônimo de confiabilidade enxerga uma barata no meio de sua linha de produção. Ele precisa tomar uma decisão: interrompe o trabalho e ma­ta a barata ou mantém o ritmo e ignora o inseto? Guarde esse suspense na memória; vou desenvolvê-lo em breve. Antes, preciso falar da imensa pressão que as empresas vêm sofrendo para eliminar suas estruturas hierárquicas e substituí-las por um modelo organizacional em rede, em nome da maior capacidade de inovação, de adaptação e de mais um sem-número de motivos. Nesse cenário, a pergunta que vale 1 milhão é: que configuração é realmente a ideal para uma empresa? Sem que essa questão seja formulada e receba uma resposta adequada, a metamorfose corporativa pode ser mais dolorosa, e mais fatal, do que a de Gregor Samsa, o protagonista da obra A Metamorfose, de Franz Kafka. Sem dúvida, estamos todos fascinados com o potencial das redes —a velocidade da integração, o acesso às informações e as novas possibilidades de cooperação que elas geraram trouxeram possibilidades inimagináveis há pouco mais de 20 anos. Porém existem virtudes na hierarquia que não podem ser ignoradas, principalmente a capacidade de coordenar sistemas complexos, e qualquer outro modelo, para substituí-la, precisa realizar melhor essa difícil tarefa [veja quadro na próxima página]. Em outras palavras, para as organizações, a hierarquia ainda é, em larga medida, insubstituível. Como, diante disso, construir um novo modelo organizacional eficiente? Uma resposta é certa: não é possível caminhar nessa direção sem repensar a empresa de maneira muito mais profunda.

CONSENSO SOBRE O QUE FAZER O que essa nova organização almejada vem transformar no modelo hierárquico é, sobretudo, a clássica separação que ele faz entre concepção e execução: de um lado, comando e controle e, do

outro, o cumprimento de tarefas fragmentadas. Ambas precisam se misturar para que haja ganhos de flexibilidade e inteligência de que a nova organização necessita. Isso em si nem é novidade —os adeptos dos modelos gerenciais japoneses da década de 1980 e da reen­genharia dos anos 1990 já haviam chegado à conclusão de que o aumento da autonomia do executante é fundamental. O desafio agora é como fazer isso. Estou convencida de que a solução está na capacidade de agir sobre passivos intangíveis que todas as culturas nacionais ou étnicas colocam e, a partir daí, criar maneiras de ver e pensar o trabalho por meio das culturas organizacionais, buscando construir sistemas de coordenação informais e flexíveis capazes de organizar a cooperação. Essa virada representa uma importante mudança do foco de uma empresa: sai a concentração na técnica e na engenharia e entra a priorização do fator humano no trabalho. Na prática, isso representa um afastamento das habilidades mais duras, mensuráveis

por critérios ligados à produtividade física do ser humano no trabalho, e uma aproximação das habilidades ligadas aos ativos intangíveis. Focar essas habilidades muda muita coisa: • A qualidade dos vínculos de cada indivíduo com a empresa, com o superior e com a equipe é o que passa a fazer a grande diferença. • A reputação da organização e o valor percebido pelo cliente tornam-se os responsáveis pela maior parte das margens. • A sustentabilidade passa a depender da gestão de um conjunto de relacionamentos que boa parte dos gestores aprendeu a ignorar. Nesse novo modelo, valor percebido, reputação, valor da marca, cultura organizacional, gestão do capital intelectual e inovação são fatores estreitamente inter-relacionados. E é com a gestão dessas relações que aumenta a capacidade da organização de atuar em rede e se beneficiar dela. Entra

SINOPSE • Está em discussão a transformação das organizações

hierárquicas em modelos em rede, assentados sobre o conhecimento. O objetivo seria aumentar a cooperação para a gestão do conhecimento e, consequentemente, para a inovação.

• O melhor, no entanto, é buscar um modelo híbrido, que

busque o reequilíbrio entre hierarquia e rede em uma nova governança. Esta deve ser capaz de regular a organização por indicadores de qualidade da gestão, redistribuindo poder e autoridade, dando mais voz aos detentores de conhecimento e com novas formas de disciplina organizacional. Tal combinação só é possível com o desenvolvimento da cultura corporativa.

• Isso pede que se construa a hierarquia do conhecimento, em

detrimento da hierarquia industrial, selecionando alguns aspectos tradicionais da hierarquia e excluindo outros, e que se estimule a cooperação das redes nesse cenário. A hierarquia do conhecimento neutralizará as características indesejáveis da organização em rede, como caos, falta de coordenação e de foco, excesso de informação e de participação.

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nacional em cena, definitivamente, a gestão dos ativos intangíveis. Porém sem abolir 100% a hierarquia. São grandes os desafios para a formação de redes colaborativas que sejam verdadeiramente produtivas —a redução das quase infinitas probabilidades de interação, a manutenção da memória do que é gerado, a aplicabilidade das soluções— e nenhum se resolve sem alguma hierarquização.

DIFICULDADES DE FAZER Na hora de as empresas gerenciarem intangíveis, têm de vencer, logo de cara, uma primeira grande dificuldade: a maneira de pensá-los. Em recente revisão que realizei, com outros pesquisadores, nas principais revistas e jornais acadêmicos mais bem avaliados do mundo, encontramos uma tendência marcada: a de olhar para os intangíveis pela mesma lógica de raciocínio empregada para pensar os tangíveis. Há uma tendência clara a “coisificar” os intangíveis. Coisas têm preço e valor em si; um ativo intangível, não. Seu valor depende de um conjunto de relações e não é demais afirmar que gestão integrada de ativos intangíveis é gestão das relações que lhes dão sustentação. Traduzindo: ativo intangível não é coisa; é relação. E, sendo relação, a segunda grande difi-

culdade fica evidente: será difícil sustentar uma ou mais boas relações onde não houver um jogo ganha-ganha para todos os stakeholders, onde for grande a distância entre o discurso e a prática, onde faltar transparência no processo decisório sobre recursos, onde predominar a desconfiança. Organizações autoritárias terão problemas. Ressalte-se que as culturas latinas, a brasileira entre elas, sofrem especialmente desse mal. Nesses países, redistribuir poder e autoridade é um desafio maior do que nos mais igualitários. Mas eis uma boa notícia: várias organizações superaram os obstáculos descritos e já conseguem fazer a gestão de ativos intangíveis que constrói esse novo modelo organizacional, entre a hierarquia e a rede.

ENTÃO, COMO FAZER? Nessa moda de parafrasear certo político norte-americano, eu diria: “É a cultura, estúpido!”. A cultura de uma organização constitui “o” fator de coor­ denação flexível que permite a gestão integrada dos ativos intangíveis e, assim, dá unidade e coerência ao todo e estrutura o processo decisório. Mas esqueça a definição messiânica de cultura como valores e crenças compartilhados, que líderes convertidos incutem nas pessoas. A cultura não é uma

exemplos híbridos Hospitais e universidades eram considerados organizações anárquicas, cujo resultado dependia mais da excelência de seus indivíduos (médicos, professores e pesquisadores) do que da divisão de tarefas e da hierarquia. Hoje, contudo, aumentam sua efetividade pela seleção de linhas de pesquisa que congregam esforços e pela construção de processos, procedimentos e protocolos que permitam, pelo aprimoramento contínuo, alcançar resultados cada vez melhores. São exemplos de modelo híbrido. É importante ter consciência de que a administração científica e sua hierarquia foram capazes, como nenhum outro modelo, de transformar complexidade e especialização em desempenho. Tratou-se da inovação que causou a maior diferença na vida do maior número de pessoas em toda a história, pois o gigantesco aumento da produtividade do trabalho que gerou permitiu à humanidade passar da era da escassez para a era da abundância.

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questão de escolha de indivíduos livres e sua gestão pressupõe: • processos bem definidos; • métricas de excelência das entregas do core business; • investimentos em áreas críticas para as entregas de valor da organização; • sistemas de consequências éticos e justos; e • esforços de alinhamento da comunicação interna e dos sistemas de informação, bem como de transparência nas formas de alocar recursos. Sim! E, ao propor um novo modelo organizacional, estou falando automaticamente de uma nova cultura, capaz de conciliar as virtudes da hierarquia (organização, planejamento e foco) com as virtudes da rede (liberdade, flexibilidade e participação) e de combater as principais fraquezas da hierarquia (fragmentação, burocratização e desempoderamento das pessoas) e as principais fraquezas da rede (caos, falta de coordenação e de foco, excesso de informação e de participação). E, para isso acontecer, há que repensar a coordenação, o poder e os vínculos dos indivíduos com a organização. Coordenação, poder e vínculos Lembra-se da história inicial deste artigo? Do operário em uma fábrica de alimentos que vê uma barata e não sabe o que faz? Voltemos a ela: se esse funcionário conhece a estratégia e o posicionamento da marca, e se compreende a importância e os desafios de criar confiabilidade nos processos produtivos, ele não hesita: para a máquina, mata a barata e reporta a contaminação. Rapidamente, esse funcionário de chão de fábrica consegue calcular o risco para a marca e para a imagem perante o consumidor de ter uma barata morta em uma lata do produto. Sabe que a confiabilidade dos equipamentos nunca é perfeita e que é necessário um esforço constante de aprimoramento. Entende a relevância de seu papel nesse cenário e parte para a ação. Após o relato aos encarregados, ainda faz o


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nacional

O DESAFIO DE FAZER NA PRÁTICA Como chegar a esse modelo híbrido, que combina rede e hierarquia, repensando coordenação, poder e vínculos? Filtrar a hierarquia Deve-se usar a hierarquia para planejar os investimentos e criar

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Saiba mais sobre CARMEN MIGUELES Carmen Migueles é professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro. Doutora em sociologia das organizações, mestre em antropologia pela Universidade de Sophia (Tóquio, Japão) e historiadora pela Pontifícia Universidade Católica gaúcha, escreveu três livros, entre os quais Criando o Hábito da Excelência (ed. Qualitymark) e Antropologia do Consumo (ed. FGV), e está finalizando Cultura e Gestão Integrada de Ativos Intangíveis (título provisório), com o tema desenvolvido neste artigo, para lançar em 2013. Migueles também é consultora de empresas e, por meio da firma de consultoria Symballein, que fundou e dirige, trabalha com o diagnóstico de intangíveis. Ela e o sócio Marco Túlio Zanini deram uma detalhada entrevista a HSM Management a esse respeito [edição nº 85, página 30].

grandes projetos, garantindo maior racionalidade no emprego dos recursos e na divisão de tarefas e papéis. Ela reduz tremendamente os riscos de médio e longo prazos para os investidores e para os profissionais do conhecimento. É o planejamento dos investimentos, por sua vez, que permite financiar o trabalho dos profissionais do conhecimento, cobrir os gastos da curva de aprendizado dentro das equipes de alto desempenho e o tempo de maturação das pesquisas e dos esforços de inovação. Não poderia ser mais falsa a ideia de que a hierarquia é barreira à gestão do conhecimento. Trata-se do contrário. Deve-se, isto sim, eliminar suas características inadequadas: • separação concepção-execução; • prevalência da ética dos acionistas em detrimento da ética dos stakeholders (com destaque especial para a assimetria de poder entre os executivos que representam os acionistas e os profissionais do conhecimento); • redução dos vínculos entre indiví­ duos e organização a uma relação

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Foto: Divulgação

acompanhamento do caso e coloca o problema para toda sua equipe: “Como podemos evitar que isso aconteça no futuro?”. E, com uma pergunta simples e focada como essa, a equipe, por sua vez, pode cooperar para a busca de solução, criando uma inovação no processo produtivo que reduza as chances de esse episódio acontecer no futuro. Percebe-se aí um tipo de coordenação, uma distribuição de poder e vínculos típicos de uma cultura organizacional fortemente alinhada a esse valor de entrega para o cliente, que não deixa o funcionário em dúvida sobre parar a produção —mesmo que isso reduza o volume desta— e resolver o problema. Nessa cultura, seu superior imediato vai avaliá-lo mais positivamente se ele interromper tudo, pois terá forte adesão à cultura da empresa. Agora imagine que esse indivíduo está em uma organização em que tal foco não está claro. Seu supervisor imediato é pressionado por metas de produção e o gerente de qualidade, por metas de confiabilidade. Ele deve tomar uma decisão. “Quem está olhando? O gerente de qualidade ou o supervisor? Se for o supervisor, paro e mato a barata ou não paro?” O operário precisa acertar com um conjunto maior de variáveis em mente: é como se tivesse de jogar um dado e tirar 5 de qualquer maneira; há uma possibilidade em seis de isso acontecer. Ou suponha que a empresa passou por uma fusão e o comprador quer aumentar o volume de vendas e reduzir os preços, e para isso quer trabalhar com 100% da capacidade do equipamento. Há tamanha falta de clareza nas informações e tanto risco que o funcionário parece ter de tirar 9 jogando dois dados. Sua chance de acertar é reduzida para 1/36.

contratual de natureza exclusivamente jurídica e econômica (em que as atividades não têm sentido); relação trabalhista pensada como relação entre patrão e empregado; foco no comando e controle (com regras, padrões e procedimentos enquadrando o trabalho, quando isso deveria só servir à boa execução); foco nas tarefas e não nos atributos das entregas; e busca por planos de cargos e salários que reduzem desproporcional e excessivamente os seres humanos a métricas genéricas.

Estimular a cooperação A predisposição dos funcionários para a cooperação depende da confiança e da qualidade de seu vínculo com a empresa (que cabe aos gestores estabelecer). As tarefas-chave para isso são: • Envolver todos na organização e na melhoria dos resultados alinhados às promessas da marca. • Definir tão bem os processos de aprimoramento que todos enxerguem claramente como contribuir.


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nacional Alta aceitação

Desenho de normas e regras para orientar o comportamento humano promovendo jogos cooperativos (ganha-ganha) A) Conflito econômico

B) Compatibilidade positiva

Baixa lucratividade

Alta lucratividade

C) Compatibilidade negativa

Seguindo o quadrante B, trabalhe, por exemplo:

D) Conflito moral

BAIXa aceitação

• A compreensão do que é valor para o cliente. • O entendimento de como a organização pode produzir, entregar, aprimorar e renovar sua oferta de valor. • A decisão de como investir e em que investir para ser capaz de obter o máximo retorno por essas entregas. • Um desenho organizacional adequado para que a empresa sempre se renove. • A formulação de políticas de gestão de pessoas que estimulem a cooperação para esse fim. • O desenho de métricas e acompanhamentos de resultados que alinhem os esforços com os objetivos.

• Direcionar métricas e acompanhamentos para favorecer os esforços de quem está voltado para o aprimoramento das entregas. • Estabelecer real transparência nas decisões (deve estar claro por que a organização está patrocinando esforços em uma direção e não em outra). • Garantir a maior descentralização da decisão sobre as funções que precisam ser exercidas, para que haja maior foco na utilização dos recursos e no valor a ser gerado —em primeiro lugar, para o cliente final e, depois, para o conjunto dos stakeholders. Especificamente, o líder deve tomar estas iniciativas de gestão de equipes: • Tratar das verdadeiras causas dos problemas (especialmente os de cultura nacional e organizacional, por onde a racionalidade e a capacidade de coordenação se perdem de maneira mais perversa).

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• Encarar as dificuldades (se necessário, reduzindo as distâncias de poder e partilhando informações). • Aumentar a capacidade de estabelecer conversas difíceis (por exemplo, cobrar responsabilidade por resultados e negociar com o superior melhores condições de trabalho para um subordinado). O líder não pode evitar questões como: • Alguém não sabe o que deve fazer? • Faltaram investimento, processo e procedimento? • Por que não se faz o que deve efetivamente ser feito? • Quais são os espaços de liberdade? • Por que omissão é “pecado”? • O que é liderança baseada em valores nesse sentido? • Qual é o papel de cada um de nós? Por fim, a organização tem de criar sistemas de apoio e incentivo para:

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• Comunicar-se com as pessoas e apoiá-las a não ceder às justificativas e ao fatalismo do “é assim mesmo”. • Construir esforços de governança alinhados com a promoção de ações ganha-ganha. Antes de cada esforço, vale consultar a matriz acima. • Apoiar o desenvolvimento de resi­ liência nos indivíduos. Assim, eles persistirão na busca de soluções necessárias e viáveis e convencerão os outros a se esforçar para isso. Os desafios, muitos, são exequíveis se a questão cultural for privilegiada, com um equilíbrio entre a hierarquia e as redes. O importante é não adiar seu enfrentamento para que não se encontre uma barata enlatada por aí e para que a organização não se torne uma barata, como Gregor Samsa. A metamorfose pode e deve acontecer —para melhor. HSM Management


Empresas

Memória de elefante

Reportagem hsm management apresenta a Evernote, empresa norte-americana que vive seu momento de glória graças a seu aplicativo homônimo; este promete mudar a forma como nos lembramos das coisas

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Fotos: Divulgação/Evernote

Quanta informação somos capazes

de acumular na memória ao longo de nossa vida? Nomes de pessoas que conhecemos, lugares que visitamos, filmes a que assistimos, datas importantes... A lista é interminável. Só que, por mais poderoso que seja, nosso cérebro não tem capacidade para armazenar tudo o que gostaríamos de recordar. Foi justamente com o objetivo de superar essa limitação humana que Phil Libin, cofundador e CEO da Evernote, teve a ideia, com seus parceiros, de criar uma ferramenta que ajudasse as pessoas a se lembrar basicamente de tudo. Eleita empresa do ano em 2011 pela revista Inc., a Evernote desenvolveu um aplicativo para dispositivos móveis que permite ao usuário fazer anotações e tirar fotos de qualquer coisa que interessá-lo e guardá-las utilizando o sistema de computação em nuvem. Mais tarde, ele pode acessar essa memória virtual por meio de um sistema de busca que pretende ser tão poderoso como o Google. “Nosso cérebro tem uma capacidade de memória muito limitada e A reportagem é de Mariana Lima, colaboradora de HSM MANAGEMENT.

SINOPSE • “Lembre-se de tudo.” Esse é o slogan que se encontra no site

da Evernote, em que se pode baixar o aplicativo homônimo, que, instalado em dispositivos móveis ou computadores, registra e armazena tudo o que o usuário vê e pensa, como uma memória virtual adicional.

• Por conta dessa inovação, a desenvolvedora do aplicativo, com quatro Phil Libin, cofundador e CEO da Evernote

anos de existência, cerca de cem funcionários e mais de 25 milhões de clientes, foi eleita empresa do ano em 2011 pela revista Inc.

• Qual o modelo de negócio? O usuário baixa o aplicativo gratuitamente no site e abre uma conta, também gratuita, para armazenar os arquivos produzidos com ele, até o limite de 16 MB por mês. No entanto, cerca de 1 milhão de pessoas já pagam US$ 45 ao ano pela conta premium, que armazena até 1 GB por mês.

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empresas

Númerosda Evernote

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Anos de existência

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Escritórios pelo mundo (Califórnia, Texas, Moscou, Tóquio, Zurique e Pequim)

Número de usuários no mundo:

25

milhões

Número aproximado de funcionários:

100 isso se agrava em uma época, como a presente, em que somos bombardeados por uma infinidade de informações e não temos certeza de que essas coisas serão úteis no futuro”, explica Libin. “Ninguém está satisfeito com seu cérebro”, segundo ele, que, por isso, tem perseguido o objetivo de fazer com que as pessoas, com a ajuda da tecnologia, se tornem mais inteligentes. A proposta é ambiciosa e, até agora, os números mostram que a empresa tem ganhado muitos adeptos. Com quatro anos de existência, a Evernote já conta 25 milhões de usuários e seis escritórios no mundo. Com sede em Mountain View, no coração do Vale do Silício, ocupa um edifício moderno, alegre e sem divisórias, onde trabalham quase cem pessoas, que se autointitulam “nerds genuínos” da tecnologia, como seu líder.

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Número de usuários que pagam pela versão premium:

1

Percentual da receita proveniente do pagamento pela versão premium:

95

milhão Percentual de usuários que acessam o Evernote de um computador no escritório:

5 30 40

Custo mensal do serviço premium: US$

Idade média dos usuários:

anos

o aplicativo EVERNOTE funciona como se fosse o cérebro externo de uma pessoa, oferecendo um banco de dados MUITO fácil de alimentar e de consultar POR DENTRO DO SOFTWARE “O Evernote é nosso cérebro externo.” É essa a resposta de Libin quando questionado sobre como o aplicativo funciona. Mas o que isso significa? “Trata-se de um sistema que ajuda a pessoa a se lembrar de tudo o que é importante e manter um banco de dados com todas as informações de que precisa, seja para a vida profissional ou pessoal”, explica ele. O software oferece isso por meio de uma plataforma central que permite ao usuário fazer anotações, tirar fotos,

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gravar voz e salvar páginas de sites. Todo o conteúdo é gerado e mantido à disposição para pesquisas futuras. Há, também, acessórios que incrementam o serviço principal, com funções mais específicas, como o Evernote Hello, que ajuda a se lembrar de pessoas com base em determinados dados, e o Evernote Food, para guardar experiências gastronômicas. Aplicativos adicionais são muitas vezes desenvolvidos em parceria com terceiros. “Temos cerca de 10 mil sócios, e entre eles está o que desenvolveu a platafor-


empresas

O que cada função faz Evernote Hello Projetado para ajudar a se lembrar de pessoas com base nos seguintes dados: fisionomia, data e contexto. Quando o usuário encontra alguém, pode adicionar informações sobre o evento e tirar uma foto. O perfil de cada pessoa no diretório mostra a foto dela, o lugar onde o usuário a conheceu, quem os acompanhava naquela hora e que expe­riências foram compartilhadas. Todas essas variáveis também são úteis para fazer uma busca.

Evernote Food Elaborado para registrar experiências gastronômicas. A ideia é tirar fotos de pratos que foram importantes por algum motivo e adicionar as sensações visuais e os fatores contextuais: com quem o usuário estava, onde e como se sentiu. É útil quando se está pensando em algo diferente para cozinhar ou se quer recordar os bons restaurantes visitados durante uma viagem.

Evernote Clearly Desenvolvido como acessório para uso em sites: limpa o excesso de informação visual e registra mensagens para torná-las mais legíveis. Além de separar o conteúdo que lhe interessa, o usuário pode alterar sua aparência, escolher fontes e cores. Depois que o site é personalizado, o Evernote dá a opção de salvá-lo para ser lido mais tarde, sem necessidade de conexão com a internet.

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ma Expensify, que serve para controlar as finanças pessoais com base em imagens das faturas”, diz Libin. De acordo com o CEO da companhia, as possibilidades são tão amplas quanto as situações cotidianas. “Se uma pessoa, em um restaurante, não quer esquecer a marca do vinho que está bebendo, pode tirar uma foto; se acabou de conhecer alguém, pode fazer uma imagem de seu cartão de visita; se está dirigindo, pode gravar para ela mesma um lembrete de voz”, afirma. Todo esse material é armazenado em servidores da empresa, inteligentemente classificado pelo sistema e sincronizado com todos os dispositivos pelo qual o usuário acessa o serviço. O aplicativo funciona tanto para os desorganizados como para os mais prolixos. “Há muitas possibilidades de criação de pastas, categorias, tags etc. E você também pode jogar tudo em um só lugar e usar o sistema de busca para encontrar o que quer”, diz Libin. Para lembrar, por exemplo, o nome de alguém que conheceu em uma viagem a Paris em agosto de 2007, basta pesquisar por data ou local para encontrar informações sobre esse acontecimento, ainda que a informação não tenha sido identificada com uma tag. Parece mágica, mas é tecnologia pura. Toda informação leva rótulos de hora e data; um sistema de geolocalização informa o local relativo a cada marcação, e outro reconhece e identifica qualquer texto, mesmo quando as letras são parte de uma imagem.

POR DENTRO DO Modelo de negócio A ideia dos desenvolvedores é que os adeptos do uso do aplicativo o utilizem por toda a vida. Para isso, garantem que a informação sempre estará dis-

ponível e que a Evernote não vai usá-la para qualquer outra finalidade. O limite mensal de dados que podem ser enviados para o servidor é de 16 MB para os que usam a versão gratuita e de 1 GB para os que pagam US$ 5 por mês ou US$ 45 por ano pela versão premium. Quais são as vantagens de pagar pelo serviço? A maior capacidade de armazenamento e o acesso a algumas funções extras que facilitam compartilhar e editar arquivos em grupo. As vantagens não parecem muito significativas, e por isso é difícil entender por que cerca de 1 milhão de usuários estão pagando por um serviço que é oferecido gratuitamente. “Nossa estratégia não é forçar ninguém a comprar a versão premium. É óbvio que ela tem funções geniais, mas o que queremos é que todos entendam que poderão usar o aplicativo a vida inteira, sem custo algum”, garante Libin. Então, qual é o modelo de negócio de um serviço que nem sequer incentiva as pessoas a pagar para usá-lo? Segundo o CEO, o mundo online possui um código muito particular sobre quando é aceitável cobrar por algo. “Nosso objetivo é que as pessoas se apaixonem pelo produto, porque descobrimos que elas odeiam pagar por qualquer coisa na internet, mas não se importam em pagar por algo pelo qual estão apaixonadas. E, quanto mais usam o Evernote, mais estão dispostas a pagar”, afirma. De fato, as estatísticas confirmam que a quantidade de pessoas que optam por remunerar o serviço é proporcional ao tempo de uso que tiveram oportunidade de usufruir. A lógica é simples: os usuários querem retribuir à empresa a prestação de um serviço útil, em parte porque eles se sentem gratos, mas também porque não querem que o produto deixe de existir.

As estatísticas mostram que a quantidade de pessoas que optam por remunerar o serviço é proporcional ao tempo de uso; elAs se sentem gratAs e querem retribuir à empresa

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empresas

Assim, 95% do faturamento da companhia vem das receitas com o serviço premium e o restante, de licenças para uso da tecnologia. Há também uma razão para o fato de haver muito pouca publicidade: não dispersar a atenção do usuário. “Nosso modelo de negócio não se baseia em transformar em dinheiro informações do usuário, nem em publicidade. Nosso plano é que 1 bilhão de pessoas se apaixonem pelo produto, a ponto de 5% delas decidirem pagar US$ 5 por mês”, explica Libin. Isso representaria uma cifra de cerca de US$ 3 bilhões por ano gerada somente por usuários, o que parece muito factível quando se leva em conta o público-alvo da empresa: profissionais, ao redor de 30 anos de idade, com ensino superior e de alta renda.

95% do faturamento da companhia vem do serviço premium e o restante, de licenças para uso da tecnologia. a publicidade é pouca para não distrair o usuário

O começo As primeiras tecnologias que tornaram possível a criação do Evernote datam de 2005 e foram desenvolvidas por uma equipe de empresários russos e norte-americanos liderada por Stepan Pachikov, que havia duas décadas trabalhava em um projeto para expandir a memória (dos homens e das máquinas) e reconhecer imagens. Enquanto o grupo de Pachikov programava na Califórnia, Libin buscava, com alguns empreendedores, uma nova ideia de negócio em Boston. “Tínhamos vendido a última empresa que havíamos criado e queríamos desenvolver um produto relacionado à memória”, conta ele. “Elaboramos um plano de negócios com uma ideia semelhante à da equipe de Pachikov. Em 2007, nos encontramos com ele e decidimos unir forças. O Evernote foi lançado no ano seguinte.” Embora a ideia parecesse genial para Libin e seus colegas, não era tão fácil convencer os investidores. “Nosso plano é desenvolver um software que permitirá que as pessoas anotem coisas para mais tarde lembrar, e isso será oferecido gratuitamente. Por favor, nos ajude com dinheiro para lançar esse produto.” Esse era o discurso com que Libin se dirigia a potenciais investidores, sem sucesso.

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Como a maioria das empresas iniciantes, os primeiros tempos da Evernote só foram possíveis graças a recursos dos próprios empreendedores e ao aporte de amigos e familiares. Em outubro de 2008, quando estavam prestes a fechar um grande acordo de investimentos, o mercado entrou em colapso —literalmente. “O colapso do Lehman Brothers teve um efeito de contágio, e nosso investidor desistiu do negócio no dia acordado para assinatura do contrato”, lembra Libin. A situação financeira da empresa era crítica. Não havia dinheiro suficiente no banco para sobreviver nem mesmo um mês. Naquele dia, Libin foi para a cama pensando que, na manhã seguinte, teria de comunicar a seus 30 funcionários que era hora de fechar as portas. O que ele não sabia era que do outro lado do mundo, mais precisamente na Suécia, havia um fã do Evernote, que escolheu o momento certo para comunicar seu entusiasmo em um e-mail que mudou o destino da companhia. Às 3 horas da manhã, Libin leu: “Oi, amo o Evernote. Eu o uso há alguns meses e ele mudou minha vida. Estou muito satisfeito com o serviço e queria saber se eles estão buscando

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algum tipo de investimento”. Duas semanas depois, a empresa recebia um empréstimo de meio milhão de dólares no banco, que lhes deu tempo suficiente para melhorar os processos, até que, em 2009, apareceu o primeiro grande capitalista do Vale do Silício. Longe da situação difícil da origem, a Evernote conta atualmente com investidores como Sequoia Capital, Morgenthaler Ventures, Docomo Capital e Troika Dialog. Embora a empresa esteja desfrutando seu momento de glória, tanto com os usuários como com os investidores, o sucesso não parece ter afetado de maneira alguma o espírito empreendedor do CEO. “É muito difícil começar um negócio, demanda muito trabalho intensivo”, diz Libin. “Mas vale a pena. Para mim, tem um significado muito maior dedicar 120 horas por semana a algo que eu amo, especialmente em comparação com trabalhar para alguém que me diz o que fazer. E o mais difícil é atrair pessoas com a mesma atitude, porque o que eu quero são 300 empreendedores trabalhando na Evernote. O único risco real na vida é perder tempo.” HSM Management


EMPREENDEDORES

A lean startup 42

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EM ENTREVISTA EXCLUSIVA, ERIC RIES, ESPECIALISTA nO EMPREENDEDORISMO DA EMPRESA INICIANTE ENXUTA, ABORDA OS PRINCIPAIS PONTOS DESSE NOVO MODELO, DE QUE TRATA EM SEU LIVRO

Fotos: Grupo HSM

Eric Ries estava satisfeito como pro-

gramador de software, até perceber que alguma coisa errada se repetia em seu trabalho: costumava atuar com equipes tecnicamente excelentes, mas sem sucesso no mercado. A ideia de iniciar a IMVU, rede social voltada para jogos e avatares, surgiu como possibilidade de solucionar o problema. “Em vez de manter o foco em desenvolver tecnologias melhores e produtos mais sofisticados, optamos por ser mais interativos. Lançamos produtos com velocidade bem acima da média, envolvendo os clientes no processo de desenvolvimento desde o início. Isso nos permitiu testá-los mais e ter mais precisão na verificação de nossas hipóteses. Como resultado de tais iniciativas, surgiu uma forma diferente de trabalhar”, explica Ries, um dos fundadores da IMVU. A outra providência foi criar um blog para relatar suas experiências, o Start­ up Lessons Learned (lições aprendidas com uma empresa startup). A iniciativa originou o método conhecido, mesmo no Brasil, por seu nome em inglês —a lean startup— e o livro A startup enxuta. No blog Ries define empreendedorismo como uma disciplina de gestão com foco nas situações de grande incerteza e, em sua opinião, qualquer um que esteja desenvolvendo um novo produto, entrando em um novo mercado ou fazendo algo que ninguém tenha feito antes é um empreendedor. Nesta entrevista concedida com exclusividade a HSM Management, Ries detalha como o conceito de fabricação enxuta, sem desperdícios,

de empresas como a japonesa Toyota chegou ao empreendedorismo e ampliou a própria ideia de empreender [vale a pena ler a reportagem sobre startups do minidossiê Brasil, na página 110]. Ele se mostra convencido de que é necessário deixar de encarar a atividade empreen­dedora como algo que acontece de repente, de maneira aleatória, como um golpe de sorte, e passar a entendê-la como um processo passível de aprimoramento. Alguns creem que o nome é só marke­ ting. Qual é a diferença entre uma lean startup e uma startup convencional? Usamos a palavra “lean” por analogia com lean manufacturing [fabricação enxuta], que é uma filosofia de fabricação originada no Japão e tem a ver com identificar o desperdício e eliminá-lo. Implica olhar a empresa com os olhos dos clientes, para entender o que realmente importa. Esse processo funcionou muito bem no setor de manufatura e, quando adotado no desenvolvimento de software, foi chamado de desenvolvimento ágil, porque tornava o processo livre de desperdício. Na lean startup, podemos usar muitas dessas técnicas —lotes pequenos, interação rápida, redução de desvios na linha de produção—, mas devemos ajustar o que entendemos por criação de valor, pois na fabricação enxuta o valor é definido como a capacidade de entregar ao cliente um produto de alta qualidade; todo o resto é desperdício. A entrevista é de Viviana Alonso, cola­ boradora de HSM MANAGEMENT.

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EMPREENDEDORES

Saiba mais sobre

Eric Ries Autor de A Startup Enxuta (ed. Lua de Papel), Eric Ries é criador da metodologia da lean startup (em­ presa iniciante enxuta), sistema que ele explica e promove em seu blog Startup Lessons Learned, e um dos fundadores e diretor de tecnologia da companhia de jogos sociais e avatares online IMVU. Enquanto estudava na Yale University, Estados Unidos, fundou a Catalyst Recruiting, uma das inúmeras vítimas do crash das pontocom. Em 2007, foi considerado um dos jovens empreendedores de tecnologia com mais destaque pela BusinessWeek e, em 2009, recebeu uma distinção do prêmio TechFellow na categoria “liderança em enge­ nharia”. Hoje é conselheiro de vários empreendimentos tecnológicos e desde 2010 é empreendedor resi­ dente da Harvard Business School. O que o levou a escrever um livro? Ele explica: “Considero o empreen­ dedorismo um processo que pode ser aprendido e, portanto, ensinado. As pessoas não deveriam trabalhar durante anos em projetos destinados ao fracasso. Isso é algo que podemos prevenir, e, se mudarmos o paradig­ ma de gerenciamento, obteremos um resultado melhor”. Um livro se presta a organizar bem esse aprendizado. Como diz Ries, “a metodologia abordada no livro trata desse novo tipo de gestão empreen­ dedora que incorpora os clientes, mais cedo que o normal, ao processo de desenvolvimento de um novo pro­ duto. Seu objetivo é lançar produtos com mais frequência, interação e mudança, identificando com exatidão o que funciona e o que não. E, se for comprovado que a estratégia não está dando resultado, o livro ensina a pivotar, ou seja, mudar o mais rápido possível para uma nova abordagem que funcione melhor”.

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Como em um novo empreendimento frequentemente não conhecemos o cliente nem se ele vai querer o que vendemos, então, aprender é nossa base para evoluir. Nesse sentido, é fundamental saber rapidamente se estamos no caminho certo para construir um negócio viável. Quero destacar que “enxuto” não significa barato nem implica economizar dinheiro. Poupa-se dinheiro como efeito colateral de não perder tempo em coisas sem importância. No começo de uma lean startup, quanto se sabe sobre o cliente? O problema surge quando aceitamos como verdadeiras as suposições e hipóteses sobre o comportamento dos clientes que figuram em nosso plano de negócios. Em vez de incorporar ao plano tudo o que nos propusemos fazer, deveríamos verificar com rapidez e simplicidade as suposições-chave. No lugar de dedicar vários meses ao plano de negócios e ao estudo do mercado, e o dobro ou triplo desse tempo ao desenvolvimento de um protótipo que lançaremos com grande estrondo, mesmo que não saibamos qual porcentagem de clientes aceitará testá-lo, nossa proposta é colocar em circulação o produto minimamente viável [minimum viable produto, MVP], a mínima unidade de produto absolutamente necessária para iniciar o processo de aprendizado. Em muitos casos, o MVP pode ser tão simples quanto uma página na internet que ofereça a possibilidade de adquirir o produto antes de seu lançamento. Se nesse momento não houver clientes interessados, devemos abandonar a tentativa de ter 1 milhão de clientes e passar a focar outros aspectos, como a taxa de conversão e o que chamamos de actionable matrix [em português, algo como “matriz sobre a qual é possível agir”], que, em microescala, nos faz entender se o negócio funciona. Você mencionou o tema do desper­ dício que existe quando se inicia um

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empreen­dimento. A que você se re­ fere concretamente? Nos empreendimentos tradicionais, mais da metade do trabalho feito é desperdício. Por exemplo, desenvolver um primeiro produto com uma quantidade de funções pensadas para vários segmentos de clientes é puro desperdício, porque, se a companhia for obrigada a mudar de direção visando um mercado diferente, com clientes que darão outros usos ao produto, muitas dessas primeiras funções serão herdadas e dificultarão a mudança. Devemos manter o foco na agilidade, na adaptabilidade e no aprendizado. A causa mais frequente de morte de um empreendimento é seu lançamento prematuro por causa da impaciência para crescer. É um desperdício gigantesco de tempo. Se mil clientes não gostam de seu produto, qual valor de aprendizado virá com o cliente mil e um? Zero. Devemos nos propor conquistar a quantidade mínima necessária de clientes para saber se estamos no caminho certo. O que você argumenta sobre modifi­ car o produto se aplica principalmen­ te ao mundo digital ou vale para todo tipo de companhia? Creio que se aplica a todo tipo de companhia. Pense em uma simples matriz de dois eixos, na qual o eixo “x” indica a velocidade do ciclo de desenvolvimento de novos produtos em um setor e o “y”, o nível de incerteza do mercado. Se trabalharmos com uma indústria como a automobilística, na qual sabemos o que os clientes querem, o risco é primordialmente técnico e a incerteza baixa. No outro extremo, porém, estão, por exemplo, os produtos de consumo e os estruturados na web. Imaginemos todos os setores alinhados em um nível de incerteza, em sentido crescente, da esquerda para a direita. No quadrante superior direito estaria o ponto ótimo para a lean startup: alta incerteza associada com um ciclo de desenvolvimento rápido de novos produtos. Agora, se observarmos os dois eixos, em qual direção o mundo se move?


Ideias CONSTRUIR APRENDER Minimizar o tempo total do ciclo

Ciclo de feedback Dados

Produtos

MEDIR

Vamos notar que em todos os setores as mesmas forças estão atuando para aumentar a incerteza e tornar o ciclo de desenvolvimento mais rápido. Ou seja, mesmo que hoje o negócio não esteja no ponto ótimo para uma lean startup, logo estará. E, quando isso acontece, o que se deve fazer? Você sabe? Um empreendimento é algo praticamente imprevisível. Precisamos de uma base que nos auxilie a avaliar as sugestões que recebemos e decidir quais delas podem ajudar. Existe um ciclo de feedback [feedback loop] composto por três etapas principais que definem o tempo do processo: construir, medir e aprender. Um novo empreendimento transforma ideias em produtos, ele constrói; trata-se da função mais importante. A interação do cliente com nossos produtos gera vários dados e podemos mensurá-los. Essa informação, sobre o que os clientes fazem e deixam de fazer, chamamos de aprendizado. Nosso objetivo é que a cada processo e decisão o ciclo de feedback seja mais eficiente e que seu tempo total seja minimizado [veja gráfico acima]. Você poderia citar alguma empresa que tenha colocado em prática essa meto­

dologia efetivamente? Imagino que, co­ mo consultor, você tenha casos... Como consultor, seria muito tentador dizer que a Apple e o Google seguiram meu modelo, mas prefiro documentar casos de startups que desenvolveram técnicas específicas com esse kit de ferramentas. Por exemplo, no tema da interação rápida, menciono, em meu livro, a implantação contínua. Na IMVU, a empresa de jogos sociais online que, em 2004, fundei com Will Harvey, chegamos a lançar software 50 vezes por dia, de modo que eliminamos o ciclo de lançamento mensal ou semanal. Entre desenvolver o software e colocá-lo para rodar, levamos 20 minutos. Muitos programadores consideram isso rápido e arriscado demais, mas a implantação contínua é uma metodologia com rigor suficiente para possibilitar o trabalho em alta velocidade. Também temos o que chamamos de sistema imune. Ele detecta e corrige automaticamente os problemas e nos permite produzir confiantes, sem necessidade de verificação constante. Muitos pensam que ele funciona apenas para empresas de tecnologia da informação, porém um dos estudos de caso que cito no livro é o da Wealth­ front, que oferece serviços de fundos de investimentos e está sujeita a regu-

lamentações governamentais, e mesmo nesse ambiente é capaz de fazer a implantação contínua. Seus diretores dizem que no caso de uma aplicação crítica, confiar a verificação a seres humanos é uma loucura, porque a porcentagem de erros é enorme. Você coloca ênfase no processo, mas e as pessoas? Em meu livro, uso o diagrama de uma pirâmide, cuja base é a responsabilidade, seguida do processo, da cultura e, finalmente, das pessoas —ou seja, as pessoas estão no topo. Toda a metodologia foi desenhada para apoiá-las e permitir que sejam criativas, empreendedoras e bem-sucedidas. A maioria das empresas, especialmente as grandes, acha que seus funcionários não são empreendedores nem criativos, quando na verdade eles estão engessados em uma cultura pautada por processos preestabelecidos que eliminam a tomada de riscos, castigam as falhas e impedem qualquer um de tentar algo novo. O que devemos fazer é escalar a pirâmide até onde as pessoas estão e desenhar processos que conduzam a uma cultura mais criativa e saudável, na qual os funcionários tenham liberdade de agir. Gosto da história de um produto recente e inovador, o SnapTax, aplicativo que permite fazer a declaração de imposto de renda pelo smartphone. Muito impressionante. Ele não foi criado por uma equipe de gênios em uma garagem, e sim por funcionários de uma companhia norte-americana chamada Intuit, uma das maiores programadoras de software para gerenciamento empresarial e financeiro, e a última atitude que se esperaria dela é a criação de um produto inovador como esse, que compete com sua linha principal de negócios. O que a Intuit fez? Ela não contratou superestrelas, apenas criou ambiente para que seus colaboradores se organizassem em equipes e criassem processos com base em uma nova cultura.

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EMPREENDEDORES

Princípios da lean startup

1 Empreendedores existem em todos os lugares. Não é necessário trabalhar em uma garagem para iniciar uma empresa.

2

3

Empreendedorismo é gerenciamento. Uma startup é mais que um produto, é uma instituição. Portanto, precisa de gerenciamento, especificamente orientado para seu contexto.

Aprendizado validado. As startups não nascem para fazer coisas, ganhar dinheiro ou servir clientes, mas para aprender a construir um negócio sustentável. Esse aprendizado pode ser validado mediante experimentos que permitam colocar à prova todos os elementos da visão do empreendedor.

O que você recomendaria a alguém in­ teressado em empreender? O mais importante é ter visão. É preciso ter uma ideia clara de aonde quer chegar. Mesmo contando com o auxílio dos dados e das inúmeras informações sobre o mercado e sobre a realidade de modo geral, não podemos deixar de lado nossa visão, nossa perspectiva sobre o negócio. É a mesma coisa quando entro no carro e ligo o GPS. Eu pergunto a ele aonde quero ir? Claro que não, pois ele não sabe; afinal, é um robô, está ali para me ensinar como ir. Portanto, a visão deve estar claramente articulada; só assim é possível definir uma estratégia que a concretize e leve em consideração, entre outros fatores, o comportamento que pretendemos gerar em nossos clientes, os sócios que nos interessam e os preços pelos quais ofereceremos nossos produtos. Depois é preciso testar rapidamente se cada um dos elementos da es-

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4 Inovação responsável. Para melhorar os resultados e não perder de vista o objetivo, é necessário focar os seguintes pontos: como medir os avanços, como estabelecer metas, como priorizar tarefas. Isso exige um gerenciamento específico para startups.

tratégia funciona como o esperado. Caso contrário, teremos de “pivotar” [o termo vem de “pivot” (pivô), conceito criado por Ries que significa mudar de abordagem o mais rápido possível] em direção a uma nova estratégia, sem que isso implique uma mudança de visão. É comum ter de dar algumas voltas, porém na verdade elas significam aprendizado e nos aproximam do destino final. Mas deve ser difícil modificar a estraté­ gia e manter a visão... Claro que é. Meu exemplo favorito é o Groupon, site de compras coletivas. Trata-se da companhia que chegou mais rápido a US$ 1 bilhão de faturamento. Originalmente chamava-se The Point, um espaço de ativismo online no qual as pessoas cobravam as autoridades. A ideia era que 100 pessoas concordassem em participar de uma manifestação; se apenas 50

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5 Construir, medir e aprender. A atividade fundamental de uma startup é transformar ideias em produtos, medir como os clientes reagem e, depois, aprender, decidindo se é necessário pivotar ou perseverar. Todos os processos de uma startup devem ser voltados para acelerar esse ciclo de feedback.

confirmassem presença, o protesto era cancelado. Em um ano, chegaram a gastar US$ 1 milhão tentando organizar a empresa, mas a proposta não era atrativa. Então decidiram tentar algo diferente. Com a mesma dinâmica, substituíram a política pelo comércio. Criaram um blog gratuito usando o WordPress chamado The Groupon, em que ofereceram o “leve dois, pague um” de uma pizzaria em Chicago, Estados Unidos, e tiveram muito sucesso. Essa é a definição de pivotar. Os investidores os consideraram pessoas responsáveis porque tinham compromisso com os clientes. O Groupon implantou um processo que permitiu criar o produto minimamente viável e replicá-lo com rapidez, e isso ajudou no desenvolvimento de uma cultura de inovação. HSM Management


Alta Gerência

Quem conta um conto... Fotos: Divulgação

... aumenta um ponto No mundo dos negócios, onde pontos equivalem a sucesso. O Homem do cinema Peter Guber afirma, nesta entrevista, que, hoje, a habilidade de contar histórias é mais importante do que nunca para gestores e empresas

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Como produtor de cinema, Peter Gu-

ber é responsável por levar às telas muitas das histórias mais queridas pelo público: Rain Man, A Cor Púrpura, O Exterminador do Futuro, Feitiço do Tempo... Aos 69 anos, é uma figura proeminente no mundo do entretenimento, com uma trajetória que inclui muitos dos filmes e programas de TV mais populares dos últimos anos. Como ele coloca, porém, nos primeiros 37 anos de sua carreira, não entendia por que o que fazia, em apresentações, discursos e conversas, funcionava. “Precisei de todo esse tempo para descobrir o que eu era”, diz. “E então me dei conta: ‘Meu Deus, sou um contador de histórias!’. Não reconhecia isso em mim.” O resultado dessa revelação é Tell to Win: Connect, Persuade, and Triumph with the Hidden Power of Story (ed. Crown Business) [em tradução literal: “Narrar para vencer: conecte-se, convença e triunfe com o poder oculto das histórias”], um livro que reúne uma incrível gama de relatos que demonstram que o segredo de vencer nos negócios e na vida é saber contar uma história. Pelo telefone, a argumentação de Guber se torna ainda mais forte, em alto volume e com torrentes de palavras que levam a um crescendo de entusiasmo. E confirma várias de suas lições, entre elas a de que um bom contador de histórias é um ótimo ouvinte. Vamos falar de histórias e eu começo: quando eu era garoto, adorava o disco Love Gun, do Kiss, que saiu pelo seu selo, o Casablanca Records. Um amigo e eu até nos fantasiamos no Halloween em homenagem a ele. Mas não pude deixar de notar que há poucas histórias da gravadora em seu livro. Por quê? Eu não escrevi minhas memórias. Foquei as possibilidades da narrativa para os gestores. E pode ser qualquer história: a própria experiência, algo que se observou, notícias, guerra, livros, TV, metáforas, analogias. Uma história carrega os valores míticos e a ética de um sistema.

O sr. argumenta que “o coração é sempre o primeiro alvo ao contar uma história”, muito mais do que a cabeça ou o bolso. Isso é verdade em uma época em que todo mundo só pensa no bolso? Totalmente. Não quis dizer que considerações econômicas não são importantes; sempre são. Mas, se você visa o bolso das pessoas, nunca vai acender sua paixão, não vai encontrar uma forma de se conectar com elas emocionalmente e, assim, não construirá um relacionamento. Como o sr. mesmo menciona, “os contadores de histórias de negócios não têm o benefício de uma sala de cinema escura ou de uma trilha sonora para interromper o padrão de pensamento da plateia”. Então, como eles atraem a atenção das pessoas? Com uma técnica-chave, que funciona ao vivo, por telefone ou online: não tente ser interessante; seja interessado. Claro que tenho mais chance de saber pelo que você se interessa se eu estiver em seu escritório, olhando seus porta-retratos, vendo onde você mora e qual é a natureza de seus negócios. Mas, se formos falar ao telefone, como estamos falando, posso ter pesquisado sobre você antes ou conversado com pessoas que o conhecem. O sr. escreveu que a maioria dos gestores “falha em ouvir ativamente e sondar com inteligência, porque não ficam calados o suficiente”. É isso? Sim, um bom contador de histórias é um ótimo ouvinte, e essa escuta deve ser ativa, enfática. Ele precisa ter uma sensibilidade aguda para obter pistas sobre a plateia, para saber como as pessoas estão respondendo, interagindo. Ele quer que elas sejam participantes e não só ouvintes. Se acha que contar uma história com uma finalidade é um evento de uma pessoa só, tudo se complica. E é mais vantagem comunicar-se oralmente do que por escrito? Sem dúvida, porque é assim que estamos conectados. Não fomos conec-

“Hoje, o recurso ‘história’ é ainda mais eficaz. nas decisões, deve haver a base de fatos e a de emoção” tados como seres digitais ou criaturas escritas, e sim como narradores orais. Temos voz, ritmo e presença, além das palavras, que são apenas 25% da comunicação. Com a ênfase atual em métricas e metas financeiras de curto prazo, a narrativa não é menos eficaz do que foi? Ao contrário, hoje o recurso “história” é ainda mais eficaz. As pessoas erram ao querer fazer apresentações menos emocionais: “Passe-me os dados, deixe-me falar com meu diretor-financeiro e lhe dou retorno”. Eu, como CEO, nunca assinaria um contrato com uma pessoa se não pudesse sentir sua calma e sinceridade. Nas decisões, deve haver a base de fatos e a base de emoção. Em seu livro, o sr. descreve como construir uma história que capte a atenção, dê uma experiência emocional e estimule uma resposta. A tarefa é difícil... Ao contar uma história, você precisa ter um objetivo. Se não tiver, não será A entrevista é de Matthew Budman, editor da Conference Board Review.

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Alta Gerência

Saiba mais sobre Peter Guber Peter Guber tem um dos currículos mais expressivos do mundo do entretenimento. Como chefe de gravadora, produziu grandes nomes da música, como Kiss, Donna Summer e The Village People, e também muitas trilhas sonoras de sucesso, entre elas a do filme Flashdance, que vendeu mais de 14 milhões de cópias. Como chefe de estúdio, bateu recordes de bilheteria com filmes que tiveram dezenas de indicações ao Oscar, entre eles Batman, As Bruxas de Eastwick e Desaparecido. Primeiro, Guber fundou a Casablanca Records, que foi adquirida pela Polygram em 1979, e, então, montou a divisão de filmes de cinema e TV da Polygram, da qual

“criamos histórias a fim de nos mantermos unidos, transmitindo as lições”

foi CEO e chairman. Depois, em 1983, lançou o próprio estúdio, Guber-Peters Company, que, no final dos anos 1980, vendeu para a Sony. Esta transformou-se na Sony Pictures Entertainment e empossou Guber como seu CEO e chairman, para que ele, entre outras coisas, introduzisse os conceitos de cinema IMAX e de complexo multiplex. Isso se seguiu até 1995, quando Guber deixou a Sony e criou a Mandalay Entertainment, produtora e distribuidora de conteúdo para entretenimento, que também acumula grandes êxitos, como Sete Anos no Tibet, de Jean-Jac­ ques Annaud, e A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, de Tim Burton, entre muitos outros filmes e programas de TV.

bem-sucedido. “Vote em meu candidato político”; “Junte-se a minha igreja”; “Dê-me um aumento”; “Promova-me”. Contar —e ouvir— histórias com uma intenção está em todos nós. É assim que funciona. Contávamos histórias em volta de fogueiras há 30 mil anos, para que os mais novos soubessem quais as regras, crenças e valores da tribo. Isso criava os laços. Você acha que o LinkedIn criou coesão social? Coesão social é o que aconteceu 30 mil anos atrás, quando tivemos de ir do final da cadeia alimentar para o topo. Lá criamos histórias a fim de nos mantermos unidos, incorporan-

Da esquerda para a direita, Batman e cena do filme O Exterminador do Futuro, duas das histórias de Guber

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do e transmitindo assim as lições que precisavam ser lembradas. Quando alguém diz que o Facebook e o Linked­In criaram as tribos e a rede de comunicação social, eu lhe digo que vá para a Nova Guiné, para a Etiópia. Eu fui. Povos que foram excluídos da linguagem escrita e da tecnologia contam histórias! Para fazer com que as pessoas se sintam conectadas e ajam em conjunto para derrotar oponentes mais fortes. Contar histórias lhes dá propósito, padrões de julgamento de valor e ferramentas de comportamento. O sr. fala que histórias com intenção “sabiamente contêm as lições que o contador quer inserir no coração e na mente do ouvinte”. Mas muitos ouvintes não reviram os olhos quando ouvem uma história com moral? Se a moral é a história toda e a chamada para a ação não é incorporada à história, então é claro que será algo pretensioso ou, pior, ineficaz —os ouvintes simplesmente não ouvirão. O segredo está na própria história e na forma de narrá-la. Você inclui a lição numa boa história para que também a lição seja emocionante e memorável. Não fui eu que inventei isso; só jogo a luz sobre o assunto. E não precisa ser um poeta como um Robert Frost para fazê-lo.


Quem conta um conto... Ah, mas talento de poeta ajuda... Não, essa linguagem está em todos nós, é o que somos. Por isso amamos fogueiras, televisão, entretenimento e esportes —são histórias. Os fatos e informações estão incluídos na experiência. Trata-se de uma ideia tão simples que o fato de não ser ensinada em escolas de negócios, direito, cinema e medicina é insano! As pessoas abandonaram uma de nossas ferramentas comunicativas mais importantes, porque decidiram que é coisa de criança. Só que, quando os negócios estão ruins, é isso que importa. Pergunte a qualquer um sobre quando teve medo, dor, alegria ou desejo, ou quando falhou ou foi bem-sucedido. O que ele faz? Conta uma história. Pergunte a alguém por que acredita em um produto. Ele não vai listar os benefícios do produto; descreverá uma experiência que teve com ele. E a propaganda? É história! Toda vez que alguém conta uma história, você inclusive, tem um objetivo. Mas, em empresas, não é manipulação? Basta não esconder o objetivo. Se o fizer, as pessoas vão perceber e perder a confiança. Você precisa deixar claras suas intenções antes de entrar na sala. Depois se pergunte: “Com quem estou falando?”. Você tem de enxergar os outros como plateia. Dê-lhes uma experiência. Então inclua a análise e os dados. E não esconda o objetivo! Seu livro é cheio de histórias que o sr. ouviu de pessoas bem-sucedidas, mas deve ter escutado muitas histórias de erros. O sr. vê muitos contadores de histórias subestimando seu público ou contando histórias ineficazes? Muitos, o tempo todo! Eu fiz isso várias vezes, pois pensava: “Ah, eu tenho todos os números e fatos; eles falam por si”. Você já viu algum número falar por si? Eles precisam ser explicados, narrados: têm de contar o benefício e o fardo daquilo para as pessoas, o que significa para a vida delas, para o negócio, para a carreira. É isso que

Da esquerda para a direita, Guber aparece com os líderes Bill Clinton (EUA) e Nelson Mandela (África do Sul)

“O erro mais comum é não reconhecer que alguém quer ser participante, não espectador de uma história” move seu coração e sua emoção e, depois, seus pés e seu bolso. Qual é o erro mais comum nessa área? O erro mais comum é não reconhecer que se está em uma sala, metafórica ou realmente, com alguém que quer ser um participante, não um espectador. O que é importante não é se alguém vai tentar se comunicar comigo por meio de uma história, mas como, quando, em que contexto e com qual história. Quando você usa uma história de maneira pouco articulada ou incorreta, erra o alvo. Nem todas as histórias são boas; você sempre tem de escolher a história certa, na hora certa e contá-la do jeito certo. O processo é imperfeito, mas há pistas do que não fazer: se você sabe que alguém tem medo de autoridade e entra com um uniforme do Exército, estraga tudo. A pessoa só vai se lembrar disso. Preparação é muito importante. E depois largue o roteiro, ninguém quer ouvir um roteiro. As pessoas querem falas espontâneas, com todas as palavras saindo fluentemente. Querem alguém autêntico, vivo, no mesmo barco.

Não existem pessoas que simplesmente não sabem contar bem uma história? Nem todos tiveram uma experiência de vida como a sua, naturalmente rica em histórias. Você teve encontros com pessoas como Michael Jackson, Muhammad Ali, Fidel Castro, Nelson Mandela, Frank Sinatra... Qualquer um pode se dar mal cinco, sete, doze vezes e, então, dar-se bem nisso. Todos vão ao banheiro, fazem sexo, têm pessoas a quem amar e odiar. Todo mundo já caiu e se levantou. Todos que estão respirando tiveram as mesmas experiências —apenas vêm de lugares diferentes. E todo mundo no planeta observou essas experiências, então sabe todas essas histórias. Toda pessoa tem o dicionário completo de experiências em seu coração e mente, mesmo que não se torne um John Grisham [autor de best-sellers como A Firma, Dossiê Pelicano e O Cliente]. HSM Management © The Conference Board Review Reproduzido com autorização. Todos os direitos reservados.

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FORMAÇÃO

Essas imagens do grafite paulistano são do vídeo Non Ducor, Duco, de Duda Hernandez, diretor de criação da WMcCann, que integrou a quarta turma da escola, entre 2009 e 2010. Sua master thesis, escolhida a melhor do ano pela Berlin School, abordou a Lei Cidade Limpa, que estimulou a arte de rua de São Paulo

Fotos: Arquivo pessoal/Duda Hernandez

Não sou liderado, lidero SE os gestores querem ser mais criativos, também os criativos buscam ser melhores gestores, para não ficar À mercê de “executivos profissionais”. A FIM DE comandar bem os próprios negócios, eles têm ido para a Berlin School, diz Michael Conrad, em entrevista exclusiva

Imagine que você é o diretor de criação de uma agência de publicidade. Ou um repórter especial premiado por, digamos, coberturas de guerra. Ou o diretor artístico de uma gravadora que descobriu a banda pop do momento. Aí você é promovido a CEO. E seu mundo acaba, porque você não faz ideia de como gerenciar pessoas e nunca aprendeu nada sobre finanças. Foi pensando em resolver problemas assim que Michael Conrad topou A entrevista é de Lizandra M. Almeida, colaboradora de HSM MANAGEMENT.

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o desafio de criar a Berlin School of Creative Leadership, logo depois de se aposentar de uma longa carreira como publicitário e deixar o cargo de vice-presidente e diretor de criação da Leo Burnett internacional. Assim que se aposentou, em 2003, foi procurado pelo presidente do Art Directors Club da Alemanha, Sebastian Turner, que pediu sua ajuda para desenvolver um programa de educação para a instituição. De início, Conrad não se sentiu muito motivado. Porém, após várias conversas, os dois identificaram a baixa qualidade do que chamaram de “liderança criativa”

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como principal motivo para os padrões de desempenho questionáveis da indústria criativa, e então veio a ideia de criar uma escola de negócios voltada para esse público. A escola começou a funcionar em 2006 e o primeiro aluno matriculado foi um brasileiro, Luiz Sanches, hoje diretor de criação da AlmapBBDO no Brasil, então indicado por Marcelo Serpa, sócio e presidente da agência atualmente. A Berlin School tinha se constituído como uma organização sem fins lucrativos, a partir de uma rede de pessoas da indústria criativa que apostaram na ideia, entre


elas Serpa. Hoje há alunos de 50 países, e o Brasil é o maior participante, seguido da Romênia. “O que consegui perceber é que os dois países são muito em­preendedores. Os alunos não re­ clamam, são os que conseguem construir algo do nada”, afirmou Conrad, que conversou com exclusividade com HSM Management no “First Executive Seminar: Creative Leadership”, promovido em maio, em São Paulo, pela Escola Superior de Propaganda e Mar­ keting (ESPM) e pela Berlin School [a parceria entre as instituições pode se tornar regular, o que não estava definido até o fechamento desta edição]. Entre os alunos estão não só publicitários, mas executivos de gravadoras, jornalistas, desenvolvedores de games e profissionais das áreas de entretenimento e marketing de empresas diversas. Além de Serpa, também passaram por lá Washington Olivetto, da WMcCann, João Daniel Tikhomiroff,

da produtora Mixer, e outros “gurus” da publicidade e do entretenimento, como Seymour Stein, cofundador e presidente da Sire Records, a gravadora que descobriu Ramones, Talking Heads e Madonna, Keith Reinhearth, presidente emérito da DDB internacional, e o brasileiro André Midani, CEO da Warner Music International e produtor musical que esteve na linha de frente da bossa nova. O currículo entremeia discussões acadêmicas com apresentações de profissionais de diversas áreas. “A comunicação é chave nos negócios hoje em dia, e é muito importante que o profissional saiba o que ela pode agregar para criar uma cultura. A Apple não seria o que é se tudo se resumisse à funcionalidade”, disse Conrad. Segundo ele, pessoas criativas geralmente são inseguras, precisam de aprovação externa e, na Berlin School, a maior competência que adquirem é

Foto: Divulgação/ESPM

Seis mitos a derrubar Ao ensinar profissionais de criação a se tornar líderes, a escola se propõe fazer com que cada indivíduo seja o melhor líder que puder. “Não podemos ensinar ninguém a se tornar Mandela, mas ensinamos cada um a ser ele mesmo” é uma de suas máximas. Nesse contexto, o curso procura derrubar seis mitos de liderança: 1. Liderança é um talento individual? Não, é muito mais do que isso, e o líder tem sempre de estar focado no interesse da empresa. A ideia é que a organização vá muito bem, obrigado, com ele e —principalmente— sem ele. 2. Ser um bom líder é ter seguidores? Não, se as pessoas querem seguir o líder, ótimo, mas carisma não é tudo na vida. 3. Liderar bem é manter a calma nas crises? Não, frieza também não é tudo. Um exemplo é o do ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani, que se manteve no controle no desenrolar do ataque às Torres Gêmeas, mas se revelou altamente autocrático ao longo de sua carreira. 4. Bons líderes se baseiam em instinto e inspiração? Não somente, eles também recorrem muito a desenvolvimento pessoal, autoconhecimento e conhecimentos profundos do negócio e de gestão. Boas ideias sozinhas não são suficientes. 5. Bonslíderesturbinamopreçodasações?Não basta isso; a empresa precisa ser sólida. 6. O líder é uma figura distante, no topo da pirâmide? De preferência, não. Líder é aquele que inspira e tem empatia pelos outros. Valem mais suas ações no dia a dia do que atos grandiosos.

justamente a confiança. “Para nós, o importante é que a pessoa seja sincera consigo, que se conheça e saiba de suas limitações. Nosso foco está principalmente no desenvolvimento da liderança; por isso, discutimos como lidar com a complexidade, como desenvolver estratégias alternativas, a tomada de decisão, o alinhamento”, explicou. A intenção: que cada um descubra onde pode fazer diferença. O principal programa da escola é um MBA executivo de cinco módulos de duas semanas, divididos em aulas em Berlim, Ásia (Xangai ou Tóquio) e Estados Unidos (Nova York ou Los Angeles), em uma estrutura flexível que permite o desenvolvimento do curso em até dois anos. Depois de cada módulo, todos retornam a seus lugares de origem com uma missão e têm até cinco meses para desenvolvê-la ou implementá-la. Na volta à escola, discutem os resultados obtidos nos locais de trabalho. As novas tecnologias de comunicação são um ponto central do curso. Além de muitos diretores de tecnologia de empresas como Google Apps e Dentsu, a escola também recebeu Pablos Holman, um hacker “legal”, que trabalha para empresas de comunicação e acredita que o trabalho do hacker consiste em reorganizar peças e partes, para transformá-las em novos produtos. “Procuramos fazer todo tipo de exercícios para estimular as pessoas a pensar disruptivamente e abraçar a tecnologia”, disse Conrad. Para ele, o futuro da escola está nos alunos, que voltam para ensinar. É a partir dessa rede de pessoas criativas que a escola pretende concretizar sua missão: ter um CEO criativo em cada empresa da área criativa. Eles querem fazer valer o lema do trabalho de um aluno brasileiro premiado lá, Duda Hernandez, diretor de criação da WMcCann: “Non ducor, duco” (o lema de São Paulo, que, em latim, significa “Não sou liderado, lidero”). HSM Management

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Fotos: iStock/Grupo HSM

estratégia

SINOPSE • Se não é fácil definir o que é uma pessoa “aberta”,

muito menos uma empresa. No entanto, o adjetivo, cada vez mais, faz parte do vocabulário do mundo dos negócios.

• Três dimensões constituem essa abertura e podem ajudar as organizações no caminho até o sucesso: transparência, expansão das fronteiras e criação intelectual compartilhada.

• Para a sociedade, trata-se de uma nova era, com mais

possibilidades de desenvolvimento para todos. Para as empresas, abrem-se novos horizontes de maximizar o conhecimento —e os ganhos.

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Abertura em 3-D Como mostra o especialista em era digital Don Tapscott, da Rotman School, empresas de vanguarda estão abraçando o conceito de abertura para responder de maneira eficaz às demandas da sociedade com três decisões muito claras

O termo “aberta” é rico em signi-

ficados e conotações positivas. Entre outros aspectos, é associado a ter ações negociadas em bolsa de valores, sinceridade, flexibilidade, envolvimento e diálogo. Em países que já viveram regimes ditatoriais, tem uma conotação especial de liberdade. Não é, porém, um adjetivo tradicionalmente utilizado para descrever empresas. Palavras como “isoladas”, “burocráticas”, “hierárquicas” e “fechadas” em geral combinam mais com elas. As companhias mais inteligentes andam, contudo, flertando com a ideia de ser abertas. Em que dimensões? Em três, que realmente fazem diferença nos negócios: transparência, expansão das fronteiras e criação intelectual compartilhada.

Dimensão nº 1: Transparência Para a maioria das companhias, faz cada vez mais sentido optar pela transparência. A globalização, a comunicação instantânea e a organização da sociedade civil mudaram as regras do jogo. As empresas precisam lidar com um conjunto de padrões complexo e em constante transformação, puxados por incansáveis representantes dos mais diversos stakeholders, que

são rápidos em passar adiante seus julgamentos. Cada passo, e cada passo em falso, é alvo do escrutínio público e todas as organizações que têm uma marca ou reputação a proteger estão vulneráveis. Minha pesquisa indica que, na maior parte dos setores de atividade, as empresas que adotam a transparência apresentam melhor desempenho. Elas mesmas o reconhecem: essa atitude, assumida de maneira proativa, aumenta as chances de sucesso e constitui uma fonte cada vez mais importante de diferenciação. Olhando para trás, as organizações eram fechadas em parte porque podiam ser; guardavam informações importantes para si mesmas, especialmente no que dizia respeito a falhas, erros e fraquezas, e tendiam a ter como padrão o segredo. Agora, em um mundo condicionado pela expectativa de transparência exDon Tapscott é professor da Rotman School, do Canadá, e autor de livros de referência como A Empresa Transparente (ed. M.Books), A Hora da Geração Digital (ed. Agir) e MacroWikinomics (ed. Campus/Elsevier). Virá ao Brasil para a HSM ExpoManagement 2012.

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Abertura em 3-D

estratégia

SER AB ERTO SIGNIF ICA: Possibil idades “Aberto para os negócio Honest s” idade, t r a nsparê “Livro a n cia berto” Padrõe s “Sistem as aber tos” Redes “Polític a de po rtas ab Inovaçã ertas” o “Encon trar um a abert Compa ura” rtilhar “Open s ource” Escuta r “Ouvido s aberto s” Flexibil idade e a gilidade “Aberto a suges t ões” Acesso “Open b ar” Liberda de “Socied ade abe rta” Expans ividade “Abertu ra” Reabas tecime nto “Open s tock” Comple xidade “Final a berto” Sincerid ade “De cor ação ab erto” Primór dios “Abrido r” Ausênc ia de re striçõe “Loja a s berta”, “ tempor Oportu ada abe nidade rta” “Merca do aber to”

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trema, muitas companhias estão descobrindo que maior transparência não apenas reduz os custos de transação, como também favorece a confiança e a boa vontade alheia, o que permite que elas realizem inovações com um grupo de parceiros mais amplo. Os funcionários de uma empresa aberta confiam mais uns nos outros e no próprio empregador, o que também resulta em custos mais baixos, melhor qualidade e maior grau de inovação e de fidelidade. No entanto, há algumas questões a responder: que áreas corporativas precisam estar envolvidas na gestão da transparência? Quais devem ser abertas e quais devem ser fechadas? Quais stakeholders podem ter acesso às informações e com que frequência? Quais mídias sociais têm de ser monitoradas e como serão engajadas? Várias empresas já começaram a enfrentar tais questões. A varejista de eletrônicos Best Buy adotou o princípio segundo o qual os clientes devem saber tudo o que a companhia sabe, até mesmo dados sobre níveis de defeito dos produtos. Seu CEO, Brian Dunn, diz que não se trata apenas de construir a confiança; segundo ele, “os consumidores têm direito a essas informações”. As organizações precisam manter alguns segredos, que são legítimos, e os funcionários nunca devem violar os acordos de confidencialidade ou a lei. A transparência tem de envolver a divulgação de informações pertinentes,

definidas como aquelas que “podem ajudar as partes interessadas ou impedir que sejam prejudicadas”.

Dimensão nº 2: Expansão das fronteiras Relacionada com a arquitetura corporativa e suas fronteiras, ela desafia a empresa tradicional, integrada verticalmente, como uma espécie de monstro paradoxal. Titãs do capitalismo, como Henry Ford, defendiam as virtudes das regras de mercado, mas suas companhias eram a antítese destas, pois funcionavam como organizações de economia planificada. Se assim triunfaram muito tempo sobre a concorrência, isso não acontece mais. A empresa monolítica e verticalmente integrada começou a perder força diante de concorrentes ágeis, com paredes mais porosas ao mundo externo (que utilizam a internet para promover a abertura e obter algum controle de conhecimentos, recursos e capacidades fora de suas fronteiras). Tais competidores inteligentes criam um ambiente que favorece a inovação e convidam clientes, parceiros e outros terceiros a criar conjuntamente produtos e serviços. Na maioria dos casos, têm conseguido inovar mais e ter melhor desempenho com suas redes. Vale retomar o trabalho do economista Ronald Coase, vencedor do Prêmio Nobel, para compreender o que está acontecendo. Em 1937, Coase fez

A transparência tem de envolver a divulgação de informações que podem ajudar os stakeholders ou impedir que eles sejam prejudicados

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Abertura em 3-D

estratégia

a pergunta necessária “Por que as empresas existem?”. Afinal, se o mercado é o melhor mecanismo para alocar recursos, por que não são as pessoas, agindo individualmente, que compram e vendem no mercado, em vez de empresas? A resposta ele encontrou nos custos de transações tais como buscar no mercado o produto certo e negociar sua compra. Acabava sendo mais eficiente do ponto de vista dos custos operar com o maior número possível de funções dentro de casa. Passaram-se 75 anos, contudo, e as tecnologias digitais, que não existiam então, arrasaram os custos de transação e colaboração. O resultado é que as empresas verticalmente integradas têm sido desdobradas em empresas mais focadas, que trabalham juntas. O mantra “Concentre-se no que você faz melhor e feche parcerias para fazer o restante” está servindo para todos. Além da eficiência de custos, outro aspecto a ser considerado em relação às fronteiras é o do capital humano. A sabedoria convencional diz que esse capital tem de estar dentro da empresa, que é estimulada a “contratar os melhores profissionais”, motivá-los, desenvolvê-los e retê-los, mas hoje ela consegue fazer isso de fato? Muitos dos melhores profissionais têm preferido ficar fora das fronteiras corporativas —tanto que, atualmente, é comum a inovação começar nas beiradas da empresa. Além disso, os consumidores estão cada vez mais se organizando para desenvolver bens e serviços, criar conhecimento ou simplesmente produzir experiências dinâmicas que possam ser compartilhadas. Surge, assim, a economia da colaboração, global e interdependente, em que bilhões de produtores autônomos agem, conectam-se e criam valor juntos. Nesse contexto, o modelo tradicional de recrutar, gerenciar e reter funcionários está claramente ultrapassado.

Dimensão nº 3: Criação intelectual compartilhada Como se sabe, na economia do passado, os trabalhadores contribuíam com

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Algumas empresas, como as de eletrônica, descobriram que manter e defender a propriedade intelectual castra sua capacidade de criar valor

os braços, mas não com o cérebro. Hoje, as empresas querem contribuições cerebrais de seu pessoal, pois os únicos ativos que fazem diferença são os do conhecimento, e a única forma significativa de capital é o intelectual. A sabedoria convencional continua a dizer que é preciso controlar e proteger a propriedade intelectual, por meio de patentes, copyrights e marcas, mas milhões de jovens de todo o mundo, plenamente alfabetizados em tecnologia, usam a internet para criar e compartilhar livremente músicas em MP3, além de ferramentas para trabalhar com elas. Em vez de reconhecer isso e adotar novos modelos de negócio, a indústria tem preferido ficar na defensiva, com respostas judiciais ao novo modelo. Ela está certa? Creio que não. Inegavelmente, a digitalização introduz novos problemas, do ponto de vista da apropriação, para os criadores de conteúdo. Se sua criação pode ser reproduzida sem nenhum custo, por que alguém pagaria por ela? E, se ninguém paga, como você recupera seu investimento em custos fixos? Porém Hollywood já encontrou uma solução: novas tecnologias de gestão de direitos digitais fazem com que o conhecimento e os conteúdos sejam mais “exclusivos” —a quantidade de informação pode ser medida, o comportamento dos consumidores pode ser monitorado e os detentores da propriedade intelectual podem cobrar taxas por acesso. Os territórios murados em que se encontravam os conteúdos —os ban-

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cos de dados e os softwares fechados­— prometiam retornos saudáveis para seus criadores. Ao mesmo tempo, no entanto, restringiam o acesso às ferramentas essenciais da economia do conhecimento. Pior: acabavam com as reais oportunidades de inovações impulsionadas pelos consumidores, que poderiam dar origem a novos modelos de negócio e até mesmo a setores de atividade inéditos. Empresas de setores como os de eletrônica e biotecnologia, entre outros, têm descoberto que manter e defender a propriedade intelectual frequentemente castra sua capacidade de criar valor. As companhias de vanguarda estão tratando a propriedade intelectual como um fundo mútuo, em que podem gerenciar um portfólio equilibrado de ativos desse tipo, alguns protegidos e outros disponíveis para todos.

TEMPOS INTERESSANTES Para os indivíduos, para as pequenas empresas e para a sociedade, esta é uma nova e excitante era, em que poderão participar da produção e agregar valor a sistemas de larga escala econômica, de formas antes impossíveis. Para as grandes organizações, também: seus recursos e talentos podem contribuir para elas e para todos. HSM Management © Rotman Magazine Reproduzido com autorização da Rotman School of Management, da University of Toronto. Todos os direitos reservados.


Dossiê

NEUROBUSINESS

Nossa segunda chance Talvez mais do que o código genético, o cérebro diz o que cada um de nós realmente é, mostrando o que temos em comum e nossas diferenças. Esses circuitos de neurônios e sua dinâmica explicam por que escrevemos, como nos lembramos das coisas, o que sentimos, as tristezas, os medos e os amores. Quem oferece essa explicação é o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, um pioneiro nas pesquisas sobre o cérebro e sobre a interface cérebro-­ -má­quina, que está, com suas equipes nos Estados Unidos, na Suíça, na Alemanha e no Brasil, fazendo uma série de descobertas importantíssimas envolvendo desde a possibilidade de um tetraplégico voltar a andar com o auxílio de um terno robótico

A FISIOLOGIA DO GERENCIAMENTO Reportagem HSM Management

comandado por seu cérebro até a terapia eficaz de uma doença degenerativa como Parkinson. Não há dúvida: a neurociência, que estuda o cérebro, tende a dar uma segunda chance a diferentes segmentos da sociedade. O mais óbvio é o grupo das pessoas que sofrem dos males pesquisados. Menos óbvios, porém, e bastante relevantes, são os segmentos tratados neste Dossiê: as empresas, que podem enfim humanizar sua gestão cons­ cientes do que leva os seres humanos a agir desse ou daquele modo, e o Brasil, que pode tornar-se referência em uma inovação de ponta —a indústria neurotecnológica— e também fazer uma revolução empreendedora pela educação científica.

62 SE O CÉREBRO FALASSE Entrevista com David Rock

CASOS REAIS

Foto: Divulgação

Por Jeffrey Schwartz, Pablo Gaito e Doug Lennick

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72 O BRASIL E A ERA DO CÉREBRO

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Entrevista com Miguel Nicolelis

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Dossiê

NEUROBUSINESS

A

FISIOLOGIA DO GERENCIAMENTO as descobertas da neurociência estão, cada vez mais, chegando às empresas. Reportagem HSM Management mostra como esse novo conhecimento tende a modificar, e a humanizar, a gestão, que por muitos anos pautou-se pela visão mecanicista desenvolvida na era industrial

A reportagem é de Florencia Lafuente, colaboradora de HSM MANAGEMENT.

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A

falta de reconhecimento no trabalho dói tanto quanto uma pancada na cabeça: o cérebro sente a exclusão e emite um impulso neural intenso que termina por prejudicá-lo. “Posso lhe dar um conselho?” não é uma pergunta simpática: para quem ouve é o equivalente à angústia de escutar passos desconhecidos durante a noite. O cérebro entende que quem pergunta está impondo sua superioridade, fica na defensiva e envia a ordem para que as glândulas produzam hormônios do estresse. Um aperto de mãos ou uma troca de olhares sobre algo engraçado dilui a sensação de perigo que muitos líderes causam em seus subordinados, que, com medo deles, sentem como se sua vida estivesse ameaçada. É que o cérebro libera o hormônio do amor diante de gestos simpáticos, estimulando confiança, empatia e generosidade. Graças à neurociência, conjunto de disciplinas científicas que estudam o cérebro para estabelecer a base orgânica do comportamento, hoje se sabe que a dor “social” descrita nas três situações acima é um impulso primário. Isso significa que, contrariando a crença comum, o sofrimento por motivos emocionais acontece em regiões do cérebro similares às que processam a dor física e não deve ser desconsiderado. O cérebro humano é um órgão social e sua luta para atenuar o sofrimento emocional é uma batalha pela sobrevivência.


Fotos: iStock/Divulgação

“Estudos do cérebro têm demonstrado que a crítica melhora o fluxo de ideias”

CÉREBRO SOCIAL

Em menos de uma década, avanços tec­ nológicos como a ressonância magnéJonah Lehrer tica tiraram a neurociência dos limites do laboratório. As recentes descobertas sobre a flexibilidade do cérebro, sua capacidade de criar novas conexões neurais em qualquer idade, sua receptividade ao treinamento cognitivo e a confirmação de que a conduta humana tem origem fisiológica são revelações formidáveis para o mundo dos negócios e, sobretudo, para a área de gestão. Sabemos que o trabalho é uma transação econômica —horas de dedicação em troca de salário—, mas para o cérebro o ambiente profis-

sional é um sistema social. Da mesma forma que os predadores estão programados para reagir diante da caça, o cérebro humano está conectado de modo a responder às ameaças sociais como se sua existência dependesse disso. Basicamente, para o cérebro não há diferença entre ser condenado ao ostracismo e ter fome. As pessoas não podem ser criativas, trabalhar em harmonia com sua equipe ou tomar decisões acertadas quando seu sistema de defesa está em alerta. Consideremos o seguinte exemplo: para lidar com o estresse, o cérebro consome oxigênio e glicose destinados à função da memória recente, que processa novas informações e ideias. Tal procedimento resulta em deterioração do pensamento analítico, diminuição da capacidade de resolver problemas e queda de criatividade. “Qualquer mudança, por menor que seja, em como percebemos uma situação ou realizamos uma tarefa tem efeitos drásticos em nosso desempenho e bem-estar pessoal”, afirma Susan Greenfield, especialista em fisiologia do cérebro e professora de farmacologia sináptica da Oxford University [veja quadro na página 65]. David Rock, cofundador e CEO do NeuroLeadership Institute, iniciativa global que busca criar uma ciência para o desenvolvimento de novos líderes, vai além: “No futuro, a capacidade de colocar o cérebro social a serviço do desempenho será um diferencial dos gestores”. [Veja entrevista com David Rock na página 68.]

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Dossiê

NEUROBUSINESS

GLOSSÁRIO Interdisciplinar, a neurociência engloba, além da biologia, química, ciência da computação, engenharia, linguística, matemática, medicina, filosofia, física e psicologia. Muitas vezes, o termo é usado no plural, porque há as neurociências molecular, celular, sistêmica, comportamental e cognitiva.

Neurocoaching Sua proposta é melhorar e ampliar as estratégias de desenvolvimento. Indica quais as ferramentas e técnicas necessárias para dominar e equilibrar as emoções e estabelecer novas conexões neurais que impulsionam pensamentos, crenças e sentimentos.

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Neuroeconomia Combina economia, biologia e psicologia, entre outras disciplinas. Está centrada no estudo do comportamento, na confiança nas relações, na tomada de riscos irracionais, na avaliação relativa de custos e benefícios de curto e longo prazos e na conduta altruísta.

Neuroliderança É um campo interdisciplinar da ciência que estuda a base neural da liderança e das práticas de gerenciamento. Explora os processos do cérebro por trás das decisões, os comportamentos e as interações sociais no trabalho e fora dele. Seu objetivo é melhorar a eficiência dos líderes.

Neuromarketing Estuda como o cérebro responde aos anúncios publicitários e à comunicação de marcas por intermédio da pesquisa da atividade cerebral e corporal. Visa descobrir os desejos secretos do consumidor para antecipar seu comportamento.

NEUROMANAGEMENT

OUTRO OLHAR

Com o desenvolvimento da neurociência, os modelos e as fórmulas de gerenciamento construídos com base em teorias têm perdido espaço para os novos conhecimentos surgidos de experiências científicas empíricas. Essas pesquisas são interdisciplinares e envolvem psicologia, sociologia, economia, psiquiatria, bioquímica e filosofia. Tais saberes formam a base do neuromanagement —e suas subdivisões, como a neuroliderança, o neuromarketing e o neurocoaching [veja quadro acima]. Seu objetivo é explorar os mecanismos intelectuais e emocionais vinculados à tomada de decisão e ao gerenciamento organizacional para desenhar metodologias e ferramentas que, por meio do desenvolvimento das capacidades cerebrais, melhorem a eficiência dos líderes e potencializem o desempenho das pessoas. O neuromanagement se popularizou nos últimos cinco anos graças à redução dos custos das tecnologias de análises de imagens. O uso desses recursos permite a observação direta da atividade cerebral e o entendimento completo sobre como funciona o cérebro e qual é a participação das emoções no sucesso ou no fracasso dos indivíduos. E, diferentemente das tradicionais pesquisas de ciências sociais, a neurociência traz o rigor das ciências biológicas e exatas, o que possibilita criar metodologias efetivas para a mudança.

As descobertas científicas sobre o funcionamento do cérebro estão jogando por terra muitas das ideias de gerenciamento concebidas nas últimas décadas. Um exemplo: os escritórios divididos em baias, sem espaço privativo, favorecem a criatividade, certo? Não exatamente, segundo as pesquisas de especialistas. Hélio Schwartsman, filósofo brasileiro e colunista do jornal Folha de S.Paulo, escreve em seu artigo “A mitologia das ideias” que a privacidade e o silêncio tornam as pessoas mais produtivas. Schwartsman apoia-se no estudo Coding War Games, liderado pelos consultores Tom DeMarco e Timothy Lister, que compararam o trabalho de mais de 600 programadores de computadores, de 92 companhias. A pesquisa descobriu que a enorme diferença no desempenho entre as melhores e as piores organizações não tinha relação com a experiência ou o salário de seus funcionários, e sim com a privacidade que estes desfrutavam e a quantidade de vezes em que eram interrompidos. Entre os programadores de melhor desempenho, 62% afirmaram que seu espaço de trabalho era suficientemente privado para se concentrar e criar com tranquilidade e apenas 38% disseram ser interrompidos com frequência. De outro lado, entre os programadores menos produtivos, só 19% garantiram ter a privacidade necessária e

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O PRÓXIMO PASSO “Sabemos que o cérebro humano vai mudar, a pergunta é se para o bem ou para o mal”, diz a reconhecida cientista britânica Susan Greenfield, especializada em fisiologia do cérebro e professora de farmacologia sináptica da Oxford University, do Reino Unido. “As novas gerações estão se afastando da interação humana, dos abraços, dos cheiros, e isso é um exemplo do que será a vida no século 21. A cultura da tela de computador está gerando uma mudança mental equiparável à mudança climática.” A pesquisadora acha que as conse­ quências da cultura da tela serão sentidas em três aspectos principais: 1. Informação versus conhecimento. As pessoas detectarão padrões e processarão informação com rapidez. No entanto, informação não é conhecimento. Entender conceitos e estabelecer relações,

“Os melhores programas organizacionais podem ser uma ameaça se não considerarem as reações do cérebro”

comparar e colocar os dados em perspectiva são habilidades que se aprendem interagindo com outros, lendo livros. O cérebro humano adapta-se ao ambiente; se o ambiente indica que deve falar com um computador, ele fará isso. 2. Assumir e gerenciar riscos. A cultura da tela ensina que os atos não têm consequências —tudo pode ser apagado ou revertido— e que recomeçar é algo natural. No mundo real, porém, as ações causam efeitos. Uma empresa quer que seus funcionários se arrisquem, mas com consciência. 3. Identidade, empatia e socialização. Como a identidade das pessoas será afetada pelo fato de a principal atividade de socialização acontecer nas redes sociais? Vejamos o caso do Twitter —e não há aqui uma crítica à tecnologia, e sim a seu uso—, onde as pessoas escrevem coisas como: “Olá, eu me levantei, comi

76% declararam ser interrompidos com frequência. As distrações no trabalho reduzem a energia, Gregory Berns diminuem a atenção, prejudicam a tomada de decisões e impedem a formação da memória. Segundo estudos de 2009 reunidos por David Rock, uma pessoa perde 546 horas de trabalho por ano devido a interrupções no escritório e demora 25 minutos para recuperar a atenção depois de uma dispersão. A convivência criativa acontece de maneiras mais sutis que forçando os funcionários a conviver em espaços onde as únicas portas conduzem aos banheiros ou à rua.

cereais, calcei minhas meias”. Quem se importa? Parecem as crianças quando dizem: “Olha, mamãe, olha o que eu consigo fazer”. Se a mamãe não olha, elas não existem. Hoje, o sentido da identidade está dado pelo outro. Muito Facebook e pouca interação.

Um exemplo célebre é o Building 20, um prédio do campus do Massachusetts Institute of Technology (MIT) construído durante a Segunda Guerra Mundial e destinado à incubação de projetos inovadores. Sua edificação básica e incoerente —tinha sido pensado como algo temporário— formava um labirinto de pequenas salas, corredores, escadas e áreas de descanso nas quais se encontravam cientistas de todo tipo. Em seus 55 anos de existência, nele surgiram avanços tão fundamentais como o radar, as micro-ondas, os primeiros videogames e a linguística chomskiana. Batizado naquele tempo de “santuário da ciência”, hoje é possível explicar cientificamente a origem de tanta capacidade criativa: privacidade. Outro exemplo de uma teoria obsoleta? A que sustenta que o brainstorming é um processo criativo por excelência. Inventado na década de 1940 por Alex Osborn, um dos fundadores da agência de publicidade BBDO, o método é conhecido: um grupo se reúne e começa a propor ideias; nenhuma proposta pode ser criticada, e sim aproveitada como base para outras.

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No entanto, estudos do cérebro comprovaram que os indivíduos, quando estão em grupo, tendem a deixar que outros façam seu trabalho. Instintivamente “imitam” as opiniões dos demais e perdem de vista as suas. Sucumbem à pressão dos colegas. Em um artigo publicado na The New Yorker, Jonah Lehrer, especialista em neurociência e autor de O Momento Decisivo (ed. Best Business) e Proust Era um Neurocientista (ed. Lua de Papel), relata que estudos do cérebro têm demonstrado que a crítica melhora o fluxo de ideias. Ele cita uma experiência: formaram-se dois grupos de brainstorming; cada um recebeu uma recomendação: um podia criticar, o outro não. Terminada a sessão, o primeiro grupo teve 20% mais ideias e continuou inspirado muito depois de a reunião ter acabado. John Medina, biólogo molecular e autor de Aumente o Poder do Seu Cérebro (ed. Sextante), desbanca um mito sobre o desempenho: o multitasking. “O cérebro não pode focar mais de uma tarefa ao mesmo tempo, simplesmente porque é um processador sequencial. Só pode passar de uma tarefa à outra com mais ou menos rapidez. “Incentivada Os multitaskers parecem eficientes, mas por intuições ou a verdade é que sentimentos, nossa chegam a demomente chega a rar 50% mais para completar um traconclusões rápidas ” balho e cometem Paul Zak quatro vezes mais erros que as pessoas que realizam uma tarefa por vez.”

DOR DE CABEÇA O cérebro humano é complexo. A linha entre o que o estimula e o que o maltrata é muito tênue. Gregory Berns, professor de psiquiatria, economia e negócios e diretor do departamento de neuroeconomia da Emory University, explica que até os melhores programas organizacionais podem se tornar uma ameaça se não levarem em conta as reações do cérebro diante de determinadas situações. As análises de desempenho são um exemplo. As pessoas que estão sendo examinadas costumam sentir que só por participar dessa atividade seu status

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dentro da companhia é afetado. “O cérebro não pode Vivenciam a focar mais de uma experiência como uma tarefa ao mesmo ameaça. Tal tempo, porque é postura dificulta o retorum processador no esperado: a sequencial” mudança positiva John Medina do comportamento. Todas as situações relacionadas com a “dor social” experimentada pelo cérebro diante da sensação de exclusão acabam afetando a capacidade cognitiva. “Quando alguém adota uma postura diferente, uma pequena parte do cérebro associada ao medo da rejeição é ativada. Portanto, inicia-se uma reação emocional que reduz os recursos disponíveis para o ‘cérebro pensante’, no córtex pré-frontal, o que, por sua vez, diminui o desempenho e a capacidade de criar e de tomar decisões”, explica Berns. Sendo assim, acrescenta ele, os líderes devem entender a importância de promover ambientes de aceitação e autonomia para oferecer segurança para sua equipe. Paul Zak, professor de economia da Claremont Graduate University e fundador e diretor do Center for Neuroeconomic Studies, acredita que a neuroeconomia tem o potencial de substituir o enfoque mecanicista do gerenciamento por outro mais humanista. “A ciência tem contribuído muito para a economia”, afirma. “Os cientistas contam com grandes técnicas de observação e enten­dem o funcionamento do cérebro, mas nem sempre formulam as perguntas adequadas. Os economistas questionam-se sobre como as decisões são tomadas ou o que motiva determinados comportamentos, porém, quando vão interpretar as possíveis razões, surge um grande enigma. Na verdade, eles assumem alguns pontos como certos —por exemplo, acreditam que o indivíduo toma decisões com base em informações. O cérebro, no entanto, não está programado dessa maneira.” Grande parte das decisões que tomamos, aponta Zak, não é fruto do estudo das alternativas possíveis, e sim de motivações inconscientes, ou seja, incentivada por intui-


ções ou sentimentos, nossa mente chega a conclusões rápidas. O hemisfério esquerdo do cérebro tenta dar sentido ao mundo e, em busca de significado, atribui um enorme peso às evidências que apoiam nossas teses e ignora as que não interessam. O renomado psicólogo experimental e linguista Steven Pinker diz que “há um mundo de diferença entre crer que se sabe a verdade e saber de fato que algo é verdade”. Um estudo realizado no California Institute of Technology analisou de que modo os preços de um produto influenciam as preferências de gosto. Os participantes provaram dois vinhos: um de US$ 10 e outro de US$ 90. Na verdade, os vinhos eram o mesmo, mas as pessoas não sabiam disso. A bebida mais cara foi qualificada como a mais saborosa. Contudo, segundo o estudo das imagens, as regiões do cérebro associadas ao gosto não sofreram alteração, enquanto as relacionadas com o prazer da experiência foram “Há um mundo de modificadas. diferença entre crer Pesquisadores em neuroeconoque se sabe a verdade mia da Univere saber de fato a sity of Pennsylverdade” vania, liderados Steven Pinker pelo professor de psicologia Joseph Kable, identificaram uma parte específica do cérebro —o córtex frontal ventromedial— como a responsável por tomar decisões sobre o valor. Esse estudo procura determinar as configurações de produtos e preços que os consumidores percebem como justas. De acordo com o neuromarketing, a maioria das decisões de consumo responde às emoções e não à razão. Martin Lindstrom, um dos especialistas mais reconhecidos na área, diz que no futuro próximo o papel do especialista em marketing ficará obsoleto para dar lugar à prática de psicólogos e cientistas. Dan Ariely, professor de psi­ cologia e economia do comportamento da Duke Uni­ versity, acha que o uso da ressonância magnética em marketing será

cada vez mais popular, por sua eficiência e “A ressonância porque os custos magnética revela de aplicação conpreferências de compra tinuarão baixando. “Ao revelar que o próprio usuário é dados sobre as incapaz de verbalizar” preferências de Dan Ariely compra que o próprio usuário é incapaz de verbalizar, as companhias poderão intervir na fase de desenvolvimento de seus produtos, testar conceitos com rapidez e eliminar os que não são promissores.”

TREINAMENTO PARA A POSITIVIDADE O neurocoaching oferece ferramentas para intervir de maneira consciente em processos cerebrais automáticos. A adoção e prática de novas condutas criam circuitos neurais e os reforçam. Uma pesquisa de 2009 denominada Neuroleadership and the Productive Brain concluiu que quatro horas de treinamento cerebral online durante 30 dias melhoram de modo significativo a produtividade e a capacidade dos funcionários de autorregularem suas emoções, um fator-chave no controle cognitivo, uma vez que as emoções negativas absorvem a energia neural e dispersam a atenção. Mudar é um desafio. Dos 60 mil pensamentos diários de uma pessoa, 80% são negativos. Segundo os especialistas, para manter o estado de bem-estar, são necessários três pensamentos positivos para cada pensamento negativo. É possível reverter a inclinação natural do ser humano ao pessimismo? Sim; tornando-se consciente da tendência mental para libertar a negatividade. Se alguém se apega aos pensamentos e sentimentos negativos, continua revisando-os e persistindo em compreendê-los e termina conseguindo o que deveria evitar: reforça o pessimismo. Ao desviar a energia e a atenção das conexões neurais negativas, estas se debilitam e desaparecem. HSM Management

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Saiba mais sobre David Rock

Fotos: Cortesia David Rock/iStock

David Rock é um dos fundadores do NeuroLeadership Institute, iniciativa global que reúne neurocientistas e es­ pecialistas em liderança com o objeti­ vo de construir uma nova ciência para o desenvolvimento dos gestores. Também é fundador e CEO da empresa de con­ sultoria NeuroLeadership Group. Entre os clientes que têm utilizado seus treinamen­ tos estão a Nasa (agência espacial dos Esta­ dos Unidos), outros departamentos do gover­ no norte-americano, bancos de atuação global e empresas listadas entre as 500 maiores dos Estados Unidos pela revista Fortune. Um dos editores do NeuroLeadership Journal, é autor dequatrolivros,entreelesobest-sellerYourBrainatWork: Strategies for Overcoming Distraction, Regaining Focus, and Working Smarter All Day Long (ed. HarperBusiness) e Coaching with the Brain in Mind: Foundations for Practice (ed. Wiley), nenhum lançado no Bra­ sil ainda. David Rock é Ph.D. em neuro­ ciência da liderança pela Middle­ sex University, de Londres, Reino Unido.

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Se o cérebro

falasse

Em entrevista exclusiva, David Rock, um dos fundadores do NeuroLeadership Institute, fala sobre a neuroliderança, que pretende fornecer um quadro científico para compreender de onde vem a maestria dos grandes líderes, por que eles erram, como mudam e como influenciam os outros

‘‘Os líderes bem-sucedidos do futuro se caracterizarão

pela capacidade de adaptação, uma habilidade que vai exigir muita flexibilidade cognitiva. A boa notícia, porém, é que o cérebro é um órgão com plasticidade e aprende.” A afirmação é de David Rock, criador do conceito de neuroliderança e diretor do NeuroLeadership Institute, rede de especialistas e organizações que fazem pesquisas no campo da neurociência. Há muitos anos, Rock explora as consequências dos resultados científicos que derivam de estudos na área de gestão e vida organizacional. Desde 2007, compartilha suas descobertas com o público no NeuroLeadership Summit, evento que a cada ano acontece em uma cidade diferente dos Estados Unidos e tem por objetivo explorar novos paradigmas para o desenvolvimento dos líderes de amanhã. O próximo ocorrerá entre 15 e 17 de outubro em Nova York. Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, Rock conta por que acredita que a chave para o desenvolvimento dos melhores gestores está definitivamente na ciência. O sr. poderia definir o que é neuroliderança? Neuroliderança é a ciência que estuda a arte de liderar. Não tentamos responder à pergunta “o que é liderança” porque achamos que depende muito do contexto: ser líder nas Forças Armadas é muito diferente de ser líder em uma pequena organização criativa ou o líder de um país. Agora, tentar definir o que é liderança é perigoso. Já foram escritos muitos livros sobre o tema e seus autores coincidiram em poucas coisas.

A entrevista é de Francisca Pouiller, colaboradora de HSM MANAGEMENT.

Quais são os campos de estudo da neuroliderança? Em primeiro lugar, queremos entender a base lógica das tarefas comuns a todo líder —por exemplo, tomar decisões e solucionar problemas. Então, observamos quais são os processos que interferem em cada trabalho e como funcionam os níveis do consciente e do inconsciente em relação a isso. Nosso segundo campo de estudo é o da autorregulação, ou seja, da capacidade das pessoas de regular as próprias emoções. Acreditamos que todo líder deve controlar emoções, ansiedade, atenção; em outras palavras, ele tem de controlar a si mesmo, a ponto de poder executar tarefas difíceis, como conduzir um exército, pensar nos outros, gerenciar a incerteza. Nosso terceiro domínio é o da colaboração. Os líderes precisam se conectar com os outros e ajudá-los a se conectar, assegurar-se de que a informação é compartilhada e incentivar o trabalho em equipe. Finalmente, os líderes devem facilitar a mudança: influenciar os outros, inspirar. O que fazemos na neuroliderança é estudar a base lógica de cada um desses quatro domínios. O que são os fundamentos biológicos da neuroliderança? É muito difícil explicar brevemente! É como contar a história do mundo em cinco minutos. Entretanto, na essência, o que fazemos é observar o cérebro de uma perspectiva sistêmica. O cérebro é muito diferente em cada pessoa. Isso é surpreendente, e também um grande desafio. Os circuitos através dos quais a informação flui são distintos em cada um e mudam constantemente. Um dia a informação pode fluir em uma direção e no dia seguinte em outra. O que tentamos fazer é compreender o funcionamento desses circuitos, detectar os processos mentais que podem ser vistos e identificar a linguagem mais precisa para descrevê-los.

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O modelo Scarf Em sua edição nº 79 (página 60), HSM Management pu­ blicou um artigo de David Rock sobre neuroliderança em que ele descrevia o modelo Scarf como eventual substitu­ to da pirâmide de necessidades de Abraham Maslow para os gestores que querem aumentar a motivação da equipe. Durante esta entrevista, ele voltou a explicar a ideia: “As ameaças e recompensas sociais são tão importantes quanto as ameaças e recompensas primárias, porque ati­ vam o mesmo centro cerebral: a área dos impulsos primá­ rios. Essas são as motivações intrínsecas e as resumi na

sigla Scarf, que corresponde a status, certainty [segurança ou certeza], autonomy [autonomia], relatedness [relaciona­ mentos ou conexões] e fairness [justiça]. “O ser humano tende a minimizar o perigo e a maximi­ zar a recompensa, nessa ordem. E, por mais que existam diferenças individuais —para algumas pessoas, ter status é mais importante do que sentir segurança, por exemplo—, o desejo de querer mudar algo gera respostas ameaçadoras a algum dos cinco domínios que mencionei. “Quando vários domínios reagem a uma suposta ameaça, o perigo se torna irresistível e bloqueia completamente o pensamento racional. O Scarf é uma ferramenta para ler o ambiente social, predizer o efeito de possíveis ações e es­ tar mais sintonizado com as necessidades alheias.”

A boa notícia é que temos um sistema A neuroliderança serve de freios cerebrais, e a má é que está para aumentar a cons­ “A boa notícia é que temos alojado na parte do cérebro que se ciência de si mesmo e um sistema de freios cerebrais, sobrecarrega mais facilmente: o a consciência da so­ córtex pré-frontal. É difícil usá-lo ciedade, para entene a má é que está alojado na e não pode ser usado em excesder como pensamos parte do cérebro que se so, pois deixa de funcionar. e como pensam os sobrecarrega mais facilmente. outros, como fazeO sr. menciona a importância do mos as coisas e como É difícil usá-la e não pode cérebro social de um líder. Fale colaboramos. Depenser usada em excesso” sobre isso, por favor. dendo de qual for seu traNo cérebro há uma rede social balho, talvez seja muito útil saber que não tem a ver com o Facebook que costuma tomar decisões ruins nem com o Twitter, embora o êxito das sem se dar conta. Ao conhecer os redes sociais realce a importância de processos envolvidos na tomada de decipartes semelhantes do cérebro. sões, você pode evitar que isso aconteça. Por essa Quando uma pessoa se concentra em razão, é importante criar uma linguagem científiobjetivos, a rede social do cérebro se desconecta. ca; eleva a consciência. Essa “rede de modo predeterminado” é fundamental. Os seres humanos são impulsionados pelas necessidaÉ possível dizer quais funções cerebrais um líder deve des sociais. Por exemplo, se alguém nos insulta, nos sentipriorizar desenvolver? O cálice sagrado para um líder é o sistema de freios que mos ofendidos, porém, se nos insulta na frente de três pesexiste no cérebro, uma rede que inibe funções. É utilizado soas, o efeito é mais ameaçador. E o oposto também vale: as para controlar a ansiedade, impedir que se grite com um recompensas sociais são mais importantes do que as não socolega, evitar que se fale demais em uma reunião. Cada vez ciais. Isso significa que nos sentimos mais motivados —para que você contém determinado comportamento, está usando o bem ou para o mal— por temas sociais do que não sociais. esse sistema. Um líder deve ter a capacidade de se adaptar O problema é que os líderes, por natureza, tendem a focar a ambientes e pessoas que mudam, a circunstâncias que demais os objetivos; então o circuito social se desconecta e se modificam. Precisa ser capaz de transformar seus com- perde-se a oportunidade de desenvolvê-lo. Por isso, também portamentos. Às vezes, você tem de inspirar; em outras, ser se perde contato com as necessidades dos demais. duro ou contido; e, em outras, estar muito focado em algo. Há ocasiões em que você não deve se importar com o que Por que o autoconhecimento é tão crucial para um líder? os outros dizem, mas apenas se concentrar em suas metas. É O autoconhecimento é crítico em certos tipos de liderança, um trabalho que exige muita flexibilidade cognitiva, e isso se não em todos. Se você é o líder de um país subdesenvolvido consegue freando comportamentos errados para desenvolver e está conduzindo seu povo pela força, talvez não necessite se conhecer. No entanto, se dirige uma empresa com pescomportamentos novos e mais seguros.

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Até a maneira como ocorre o feedback é importante para isso. Se o líder oferece feedback sobre o desempenho, tende a desenvolver seus funcionários em um padrão fixo; ao fazê-lo pelo esforço realizado, permite que encontrem um padrão de crescimento, flexível. Normalmente somos educados em um padrão mental fixo. Foi o sistema educacional de muitos países que nos fez crer que a inteligência é imutável, o que não está certo. Isso explica o que os estudos concluem: os líderes costumam ser bons na obtenção de resultados, o que tem a ver com o padrão fixo, mas não no pensamento estratégico, ligado ao padrão de crescimento e a desenvolver o talento das pessoas.

soas que escolheram trabalhar para você e são da área do conhecimento ou fazem um trabalho criativo, seu nível de autoconhecimento deve ser muito alto. O autoconhecimento é, simplesmente, a capacidade de ver a si mesmo como os demais não veem, conhecer-se. Isso é importante porque o líder é alguém que atrai a atenção, seu comportamento e emoções são copiados de modo automático. Se quer que as pessoas que trabalham para você sejam criativas, tenham bom desempenho ou sejam disciplinadas, tem de encontrar essas qualidades primeiro em si mesmo. Quando somos capazes de nos enxergar e pensar sobre nosso próprio pensamento, conseguimos nos adaptar melhor. O sr. fala de dois tipos de padrões mentais: um fixo e outro de crescimento. É possível mudar um padrão mental? Sim, há um trabalho de Carol Dweck [professora de psicologia da Stanford University, dos EUA], apresentado no último NeuroLeadership Summit, de novembro de 2011, que mostra ser possível mudar. Porém, ainda mais importante, ela demonstrou que o padrão mental de uma pessoa tem um grande impacto sobre sua capacidade de aprender. Os indivíduos que pensam que tudo é fixo e inabalável tendem a evitar o feedback. Os que acreditam que suas habilidades e inteligência mudam lidam muito melhor com o feedback e aprendem. As pessoas que pensam que não podem mudar tendem a enganar, a ter uma ética diferente e a apresentar pior desempenho, se comparadas com aquelas que acreditam que podem se transformar e crescer. Organizações também possuem padrão mental? As organizações “desenvolvem” as pessoas nesses padrões —é assim que falamos em neuroliderança. Mesmo sem saber, as empresas desenvolvem as pessoas em um desses dois padrões: as que usam o padrão fixo separam as pessoas entre as que têm talento e as que não o têm; as que operam no padrão de crescimento favorecem quem pode crescer.

Um líder não deveria ser menos racional e mais emotivo para poder comprometer-se com sua equipe? Reconheço que o líder precisa tomar consciência dos temas humanos e sociais, mas eu não diria que tem de ser mais emotivo. Ao contrário: ele deve aprender a controlar suas emoções, porque a liderança é muito ameaçadora e estressante. Controlar as emoções —que é sinônimo de controlar o estresse— é importante. Talvez o certo seja dizer que há momentos em que o líder deve ser emocional, como quando tem de mostrar sentimentos positivos para inspirar os outros. Voltamos à capacidade de adaptação! Trata-se de entender quais são as necessidades dos demais e de poder modificar comportamentos para adaptar-se a elas instantaneamente. O impacto das diferenças culturais é significativo? Obviamente, a cultura muda de um lugar para outro e isso influencia nosso modo de pensar e interagir com os demais, embora os seres humanos tenham muito em comum, de onde quer que sejam. Há culturas para as quais a autonomia é chave, por exemplo, enquanto, em outras, as pessoas preferem ser dirigidas e ter certezas maiores. Existem diferenças, e há todo um campo de investigação, chamado “neurociência cultural”, que analisa as desigualdades biológicas e genéticas das culturas. Como o sr. descreveria o líder do novo século? Como uma pessoa capaz de se adaptar, de mudar seu foco e seu comportamento para modificar o de outras pes­soas ou da cultura em que trabalha. Acredito que os líderes bem-sucedidos não somente terão alta capacidade de adaptação, mas também ajudarão suas organizações a fazê-la com êxito. A neurociência da liderança ainda evoluirá muito? Sim, estamos apenas começando a compreendê-la! Ainda há muito que fazer. Uma centena de pessoas pesquisa esse campo atualmente e haverá muitas novidades ainda. HSM Management

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Fotos: iStock

Casos reais

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A Cargill e a Ameriprise Financial provam que é possível modificar hábitos de modo mais eficaz e duradouro com a ajuda da neurociência, em seis passos, como escreve o psiquiatra Jeffrey Schwartz, em parceria com os executivos que implantaram seu método

‘‘É assim que fazemos as coisas aqui.” Proferida no con-

texto empresarial, a frase é muito mais do que uma explicação. Em geral, incorpora crenças que se fortaleceram ao longo dos anos pela repetição de rotinas e de centenas de conversas sobre o que (não) deve ser feito. Essas crenças constituem práticas complexas e sutis tão enraizadas na cultura corporativa que acabam moldando sua identidade. De fato, não são ruins em si; constituem muitas vezes a razão pela qual a empresa vai bem. Porém, quando as circunstâncias se transformam ou a companhia se torna disfuncional, “o que fazemos aqui” precisa mudar. Modificar um hábito é difícil; nas empresas, a complexidade da conduta coletiva faz com que o desafio seja ainda maior. Nos últimos anos, as pesquisas no campo da neurociência abriram espaço para trilhar caminhos radicais. A chave é implementar novos comportamentos que substituam essas atitudes fixas, quase gravadas nos circuitos neurais.

Duas empresas que fizeram isso A Cargill, gigante dos setores agroindustrial e alimentício, e a Ameriprise Financial, empresa de assessoria financeira, utilizaram as descobertas sobre o cérebro para dar início a mudanças internas profundas. Em 1999, a Cargill se propôs ser uma organização mais ágil. Em 2006, a direção decidiu renovar seu compromisso e elevar a aposta de colaboração e inovação em todas as unidades de negócios. Para isso, teve de modificar alguns aspectos de sua cultura que a impediam de construir um ambiente verdadeiramente livre, no qual os funcionários tivessem o poder de agir de maneira decisiva e assumir responsabilidades diante dos clientes. A companhia é composta por mais de 70 unidades distribuídas em 66 países; o desafio era complexo, porém a Cargill o abordou com base na definição de mudanças estruturais e comportamentais —uma grande transformação na “maneira como fazemos as coisas aqui”. O psiquiatra Jeffrey Schwartz, professor e pesquisador da faculdade de medicina da University of California em Los Angeles (UCLA), escreveu este artigo com Pablo Gaito, vice-presidente da Cargill Learning and Development, e Doug Lennick, assessor da Ameriprise Financial e de outras empresas.

A Ameriprise Financial entrou em ação em 2007. Os resultados de um estudo sobre o desempenho dos investidores fizeram com que os líderes da empresa decidissem submeter a exame seus hábitos organizacionais. O estudo, realizado pela empresa de pesquisas Dalbar, mostrou que havia uma lacuna entre o êxito individual dos investidores e o do mercado como um todo. A origem do problema era orgânica: o instinto de sobrevivência levava os profissionais a evitar algumas das receitas características de um mercado volátil. Por exemplo, quando as ações caem subitamente, um investidor que pensa de modo racional deveria se afastar da situação e esperar um sinal do que está por vir. No entanto, muitos se apressam em vender por temerem uma queda maior. Isso aumenta as perdas: frequentemente as ações logo voltam a subir. Tentando se garantir, os investidores comprometem as próprias carteiras. A Ameriprise viu a oportunidade de melhorar suas práticas e evitar continuar caindo nessa armadilha. Implementou um programa de capacitação para todos os seus assessores destinado a aumentar a consciência sobre o processo de tomada de decisões.

Princípios da mudança Os focos da mudança organizacional são baseados nas descobertas que a neurociência considera em diversos fatores relacionados ao funcionamento do cérebro, tais como: Hábitos são difíceis de mudar. Muitos padrões convencionais de pensamento nunca chegam à atenção consciente. Isso acontece com a informação processada por órgãos como os gânglios basais —também chamados de “centro dos hábitos”—, que normalmente controlam atividades semiautomáticas (dirigir e andar, por exemplo), a amígdala, que dá origem às emoções fortes (medo, irritação etc.), e o hipotálamo, que lida com instintos (fome, sede e desejo sexual, entre outros). Toda vez que os padrões neurais dos gânglios basais são convocados, criam mais raízes. Quando uma prática organizacional ativa um órgão, torna-se extremamente difícil removê-la. Por isso, é necessário desenvolver novas condutas, que devem ser geradas nos gânglios basais. Aprender novos comportamentos costuma ser difícil e doloroso porque implica superar de maneira consciente um circuito neural profundamente cômodo.

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O círculo virtuoso dos valores focados Esse círculo mostra seis passos para produzir uma mudança profunda (círculo externo) e os novos valores organizacionais que produzem (círculo interno). O círculo virtuoso começa quando o primeiro passo ativa o foco deliberado na “maneira como fazemos as coisas aqui”. Conforme as etapas progridem, os participantes ganham um senso mais forte de significado compartilhado, levando a práticas específicas e, por fim, a contribuições mais tangíveis e a um desempenho melhor.

ÃO UIÇ B I

FO C

2 Renomear as reações

IC

PR

ÁT 5 ICA Responder com repetição

AD

O

O

6 Revalorizar as escolhas em tempo real

CON TR

1 Reconhecer a necessidade de mudança

F 3 NI S I G Refletir sobre

4 Reorientar a conduta

expectativas e valores Fontes: Gaito (círculo interno); Schwartz e Lennick (passos).

Também envolve utilizar partes do cérebro que exigem mais esforço e energia, como o córtex pré-frontal, associado a funções executivas como o planejamento. No trabalho, tentar algo novo pode gerar medo e irritação (o que se denomina “sequestro da amígdala”), desejo de fugir ou cansaço desproporcional em relação à ação real que o provocou. Diante do surgimento dessas emoções, as pessoas resistem à mudança e a capacidade de pensamento racional e criativo diminui. As conexões neurais são plásticas e até os pensamentos mais enraizados podem ser modificados. O tipo de atenção que faz essa mudança combina a metacognição (pensar sobre o que se está pensando) e a metaconscientização (dar-se conta momento a momento daquilo a que se presta atenção). O filósofo Adam Smith chamou esse método de “espectador imparcial”.

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Estudos neurocientíficos confirmaram o poder do espectador imparcial. Se uma pessoa observa o próprio processo de pensar enquanto reflete sobre determinada crença (como a de que precisa lavar as mãos o tempo todo), pode fazer com que o pensamento se desloque para regiões do cérebro mais conscientes, como o córtex pré-frontal, que permite atuar sobre sua compulsão. Prestar atenção a novas formas de pensamento, não importa quão incômodas pareçam a princípio, pode gerar novos circuitos nos hábitos mentais. Esse fenômeno é denominado “densidade de atenção”. Quando uma pessoa presta atenção consciente aos pensamentos desejados e às metas relacionadas a isso, o processamento dessa informação se estabiliza e os padrões neurais se solidificam. Ao focar a atenção, não se deve reforçar o negativo, mas o que se faz de bom. A maioria das atividades cerebrais não distingue a diferença entre realizar uma atividade e evitá-la. Quando alguém pensa repetidamente “Não devo violar esta regra”, está ativando e reforçando padrões relacionados a violar a regra. Portanto, para engendrar uma mudança em uma empresa, é importante focar a atenção no estado final desejado, não em evitar os problemas. Esse reforço positivo orientado para a meta deve ocorrer repetidas vezes.

A capacidade do “veto cognitivo” permite considerar rapidamente provocações externas e escolher deter os impulsos disfuncionais antes que entrem em ação. Muitas pessoas acreditam que o controle de seus impulsos é limitado, especialmente em vista de emoções fortes como a irritação, a frustração, o entusiasmo ou a pena, porém a neurociência tem demonstrado que um indivíduo sempre pode limitar ou impedir (escolher não fazer) determinado impulso. Tudo é questão de praticar. Mesmo uma simples ação, como contar até dez, abre possibilidades de resposta mais funcionais. A capacidade de focar a atenção deve ser constantemente cultivada. Poucas empresas têm conseguido isso. Sugerimos um método para fazê-lo: composto de seis passos, é uma síntese de nosso trabalho em diversas áreas da neurociência [veja quadro acima]. • Passo 1: Reconhecer a necessidade de mudança. A chave consiste em se dar conta de quando uma pessoa está imer-


sa em uma rotina. Para evitar tal imersão, é fundamental ficos sugerem que dizer, por exemplo, “As coisas serão aumentar a consciência sobre os pensamentos, emoções melhores se mudarmos” acalma as reações como um e ações e sua conexão com os resultados na vida real. De- placebo alivia a dor. pois de um episódio difícil, por exemplo, você pode se dis• Passo 4: Reorientar a conduta. Aqui é necessário alitanciar e perguntar: “Em que eu estava pensando? nhar hábitos e metas. As práticas a adotar Como me sinto agora? Meu comportasão identificadas e colocadas em prática. mento estava alinhado com meu Nas empresas que navegam por águas objetivo e com o quadro mais A etapa do turbulentas (como em uma crise amplo que tenho?”. econômica), reorientar-se talvez Coletivamente, a etareconhecimento signifique perseguir práticas depa do reconhecimento significa falar sobre liberadas para ativar o espectasignifica falar sobre dor imparcial. Um líder pode as possibilidades de as possibilidades de começar falando abertamente mudança com a premudança com a premissa sobre como se sente, pedir a missa de que a made que a maneira como sua equipe que faça o mesmo neira como fazemos e então ajudá-la a encontrar as coisas não pode fazemos as coisas não uma perspectiva mais ampla. continuar. A prática despode continuar “Ainda estão bem, têm trabasa etapa pode trazer grande lho, suas famílias não sofrecarga emocional, porque significa ram.” Logo trata de gerar um esrecusar ou abandonar ações cômotado emocional mais calmo, levando das, porém contraproducentes. as pessoas a um pensamento premeJim Cracchiolo, presidente-executivo da ditado. Essa é a etapa crucial da sequênAmeriprise, por exemplo, reconheceu a necessicia, por causa de seu poder de impacto no dade de transformação no setor de assessoria financórtex pré-frontal, onde se processam novas condutas ceira e isso influenciou sua rejeição ao programa de que, ao se repetirem, constroem circuitos nos gânglios apoio do governo dos Estados Unidos, após a crise de basais e se convertem em um conjunto de novos hábitos. 2008. Segundo ele, o financiamento do governo impediria a empresa de atingir todo o seu potencial. Essa explicação • Passo 5: Responder com repetição. Significa ser responsáressoou fortemente nos funcionários. vel e tornar os demais responsáveis pondo em prática con• Passo 2: Renomear as reações. Essa etapa foi inspirada dutas apropriadas para a mudança de modo constante. A na terapia de transtorno obsessivo-compulsivo, o conhe- disciplina é necessária para criar novos hábitos. A Cargill, cido TOC. Se uma pessoa com TOC dá um novo nome a por exemplo, usa indicadores para estabelecer prioridades um comportamento inadaptado, ela pode superar pen- de liderança e avaliar o comportamento dos gestores. samentos disfuncionais (“Tenho de lavar as mãos para me assegurar de que estão limpas”) e aprender que são • Passo 6: Revalorizar as escolhas em tempo real. Essa simplesmente pensamentos (“Sinto que a urgência volta, etapa é a da atenção plena. É possível reconhecer os mas é somente um pensamento que me é produzido pela próprios pensamentos no momento em que acontecem, síndrome do TOC”). O ato mental de renomear melhora resistir ao sequestro da amígdala e controlar a crise. a capacidade de distinguir e, portanto, diminui o apego Nas empresas, em vez de reverter automaticamente a ideia da “maneira como fazemos as coisas aqui”, as pessoal ao que se está pensando. pessoas pensam na “maneira como fazíamos as coisas, • Passo 3: Refletir sobre expectativas e valores. Nessa pois agora fazemos melhor”. Quando as respostas autoetapa, as expectativas antigas são suplantadas por uma máticas mudam em um grande grupo de pessoas, surge nova imagem do estado que se deseja alcançar. Tanto a uma nova ética organizacional. A transformação deixa Cargill como a Ameriprise mantêm seções internas de de ser imposta e passa a ser escolhida, instalando-se treinamento para fomentar a capacidade de reflexão co- como um novo hábito. letiva. Os participantes falam sobre o tipo de empresa que estão tentando criar, sobre a liderança que será geHSM Management rada e sobre as necessidades e valores de seus clientes. Nessa reflexão, a companhia emprega as expectativas © strategy+business de condições melhores como ferramenta para reforçar Reproduzido com autorização. padrões neurais produtivos. Experimentos neurocientíTodos os direitos reservados.

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O Brasil e a era do cérebro ‘‘Um assunto de suma importância quando um novo

macaco chega ao laboratório é descobrir qual seu suco de fruta favorito”, ensinou o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis durante esta entrevista, mostrando que mesmo as grandes inovações têm detalhes prosaicos. A macaca Rhesus Aurora, por exemplo, adorava suco de laranja, e foi para beber litros dele que, entre 2002 e 2003, aprendeu a controlar um braço robótico, localizado em outra sala, apenas com a força do pensamento —como se fosse um terceiro braço seu. Em seu laboratório na Duke University, na Carolina do Norte, Estados Unidos, Aurora aprendeu primeiro a controlar mentalmente o joystick de um videogame —os microeletrodos implantados em seu cérebro transmitiam seus impulsos neurais e estes eram convertidos em comandos matemáticos que podiam ser interpretados pelo computador. Sem se mexer, Aurora acertava com o cursor os alvos que apareciam na tela do computador, fazendo a melhor e mais rápida trajetória possível. Quando o joystick foi trocado por um braço mecânico, num intervalo curto, Aurora continuou a fazer a mesma coisa. Detalhe: ela acertava 98% das jogadas. Então, Nicolelis e sua equipe entenderam: assim como a raquete se torna, para o cérebro do tenista, uma extensão de seu braço ou o violão passa a ser uma extensão dos dedos do violonista, aquele braço robótico virou uma extensão do corpo da macaca —só que controlado apenas por sua vontade, sem exigir nenhum trabalho muscular. Uma descoberta impressionante é que os comandos motores para o braço mecânico não vinham só dos neurônios normalmente ativados para mover os braços, mas também de outras áreas do cérebro, comprovando uma incrível capacidade cerebral de adaptação. A entrevista é de Adriana Salles Gomes, editora-executiva de HSM MANAGEMENT.

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Os estudos de Nicolelis nessa fronteira, batizada por ele e seus colegas de “interface cérebro-máquina”, vêm se desenvolvendo velozmente desde então e os impactos potenciais são imensos. O menor deles é que um brasileiro finalmente ganhe um Prêmio Nobel e eleve a autoestima nacional. Outros, sem a pretensão de esgotar a lista, incluem a terapia de doenças como epilepsia e Parkinson, a possibilidade de um tetraplégico voltar a andar, a revolução da educação brasileira, a criação de uma plataforma de inovação importantíssima para o País —a indústria da neurotecnologia, já iniciada, de certa maneira, no Rio Grande do Norte—, a recuperação da vocação científico-tecnológica, que o Brasil perdeu de Alberto Santos Dumont para cá, e, filosoficamente, a libertação do cérebro em relação ao corpo, o que representa “a” mudança de paradigma mundial. Assim, no limiar da substituição da “era do corpo” pela “era do cérebro”, como define Nicolelis, com desdobramentos imprevistos, HSM Management foi discutir todas essas questões com um de seus maiores protagonistas, professor de neurobiologia e engenharia biomédica, codiretor do Center for Neuroengineering, da Duke University, e responsável pelo Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), para citar algumas de suas credenciais. Nesta entrevista exclusiva à editora-executiva Adriana Salles Gomes, ele mostra otimismo em relação ao empresariado brasileiro —“estão mais preocupados com o assunto do que imaginamos”—, pede-lhe mais ambição e, ao mesmo tempo, externa seu temor de que se feche a janela de oportunidade que temos, calculada em mais dois anos. Nossas empresas se dizem ansiosas por inovar. Elas devem perseguir uma vocação científica brasileira? Isso existe? Tem de existir. Acho que precisamos ser capazes de exportar conhecimento tropical, fruto do que eu posso chamar de

Fotos: lolastudio.com.br/Zen

Além de revolucionar o mundo, o neurocientista Miguel Nicolelis conta, em entrevista exclusiva, como pode ajudar a revolucionar o País com sua especialidade


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Saiba mais sobre o cérebro de Miguel Nicolelis

por Adriana Salles Gomes

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“O neurocientista é um astrônomo descobrindo um novo universo: o cérebro.” Essa é a poética definição que Miguel Ângelo Laporta Nicolelis, de 51 anos de idade, dá a sua profissão e que reposicionou o cérebro imediatamente em meu imaginário, muito mais do que suas tão impressionantes credenciais: foi o primeiro brasileiro a ter artigo de capa da revista Science; integra a lista dos 20 maiores cientistas do mundo da década de 2000 no ranking da Scientific American; tem um índice H (métrica de quantas vezes o trabalho de um cientista é citado por outros na literatura mundial) de 57, o que é elevadíssimo; já orientou 20 teses de doutorado e 45 de pós-doutorado em 29 anos de carreira, 18 dos quais na Duke University. Mais que tudo, porém, a hábil analogia levou-me a querer enxergá-lo, e descrevê-lo, da perspectiva de seu cérebro. A neurociência comprovou que a multidisciplinaridade é chave para o cérebro desenvolver-se, e esse médico formado pela Universidade de São Paulo também é múltiplo: seguiu carreira acadêmica (doutorado em fisiologia no Instituto de Ciências Biológicas da USP, professor de medicina da mesma universidade, pós-doutorado na Filadélfia, professor e pesquisador da Duke University, de Durham, Carolina do Norte), mas, ao mesmo tempo, foi empreendendo (como no Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra, IINN-ELS), participando de comissões governamentais (preside a Comissão do Futuro, do Ministério de Ciência e Tecnologia), escrevendo ficção, sendo pintor autodidata, torcendo fanaticamente por futebol (Brasil e Palmeiras) e, quando o Twitter apareceu, participando ativamente desse microblog. Se “ensinar para aprender” é a lógica cerebral, Nicolelis ensina às mais distintas plateias, seja de um programa de TV popular como o dominical Fantástico ou um talk show cool como o de Jon Stewart nos EUA, seja no livro infantil que trabalha com a mãe escritora, Giselda Laporta Nicolelis —uma versão de Muito Além do Nosso Eu (ed. Companhia das Letras)—, ou num evento para gestores como o Fórum Novas Fronteiras da Gestão, organizado pela HSM do Brasil, que ocorrerá em agosto próximo em São Paulo.

Apesar de hoje dividir seu tempo igualmente entre Brasil, Estados Unidos e Suíça, Nicolelis é impregnado de suas memórias de infância, aquelas que moldam o cérebro. Seu conhecido radicalismo pode ser atribuído em grande parte ao convívio estreito com a avó anarquista Lygia Laporta. Esse neurocientista quer não apenas curar doenças consideradas incuráveis, como também ajudar a elaborar uma estratégia para um país sem estratégia e cooperar para criar uma cultura científica em um povo que não a tem, pondo o Brasil no mapa da inovação e da relevância mundial. O radicalismo não o faz de fácil convívio: ele não perdoa quem colaborou com o regime militar, recusa-se a pedir recursos a empresas que ganham dinheiro com produtos nocivos à saúde, como cigarros ou bebidas alcoólicas —“deveriam, no mínimo, financiar pesquisas sobre a cura dos males que causam”—, não poupa de críticas os que chama de “pseudocientistas” e “terroristas”, que atemorizam as pessoas com as ciências. E provocou a ira de um grupo de neurocientistas ligados à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que foi à mídia contra ele [leia mais sobre isso no quadro da página 80]. No entanto, suas memórias tão profundamente brasileiras explicam a paixão pelo País. As saudades que declara sentir de pão de queijo, sanduíche bauru, esfiha paulistana, bombom Sonho de Valsa, chocolate Diamante Negro, goiabada com queijo de minas fortalecem seu comprometimento com o Brasil. Tudo me faz crer que o cérebro de Miguel Nicolelis é bastante complexo. Como a história mostra, contudo, não são cérebros simples que mudam os países —ou o mundo.

ciência tropical. Exemplo disso é o que está acontecendo lá no Fundão, no Rio de Janeiro, em que estão criando provavelmente o maior parque tecnológico industrial da indústria do petróleo e do gás em todo o mundo. Outras frentes? Bio­logia marinha, doenças tropicais, fontes alternativas de energia, farmacologia, botânica e, claro, neurociência. Já fazemos pesquisas de ponta no Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra, no Rio Grande do Norte, relativas a doenças degenerativas, à interface cérebro-máquina e a uma educação revolucionária de

crianças, coisas que o mundo inteiro está observando. Por exemplo, estamos avançando rapidamente no desenvolvimento de uma nova terapia da doença de Parkinson, já em teste com primatas. Temos outras pesquisas que vão ser publicadas este ano também, completamente diferentes do que fizemos até agora: são na área da interface cérebro-máquina e descobertas sobre mecanismos fisiológicos de funcionamento do cérebro, que não têm aplicação prática imediata, mas terão no futuro. Só que, seguindo o protocolo científico, ainda não posso falar sobre elas, que estão sendo revisadas.

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Queremos ampliar o instituto transformando-o no Campus do Cérebro. Seria um parque neurotecnológico, que instalaria no Brasil uma cadeia produtiva de neurotecnologia, e futuramente isso se converteria na Cidade do Cérebro —um modelo a replicar em outras regiões do País.

Como não estamos atrelados a ninguém, podemos dizer a verdade, e ela é chocante. O único remédio é: precisamos formar gente. E nós estamos tratando essa questão com uma dolorosa superficialidade.

Uma parte do empresariado brasileiro parece que já se conformou com o gap que o Brasil tem em relação aos países O que vocês estão fazendo para que isso aconteça? Para dar visibilidade a nosso objetivo, estamos buscando mais inovadores em termos de ciência e tecnologia e desistiu patrocínio para fazer uma demonstração do nosso projeto de tentar diminuí-lo. Outra parte, menor, quer avidamente Walk Again na abertura da Copa do Mundo de Futebol ser “tech”. Se isso fosse um jogo, que time venceria? que será sediada pelo Brasil em 2014. Nosso sonho é que A diferença entre o Brasil e os Estados Unidos nas condições para fazer ciência é realmente grande, uma criança tetraplégica volte a andar utilizana começar pelo fato de que lá a ciência do um terno robótico comandado por faz parte do dia a dia das pessoas e seu cérebro e dê o chute inicial no aqui não. Mas é preciso entender jogo inaugural. que essa situação é produto de Isso, aliás, teria um efeito ex“De acordo com essa lógica um pensamento conformista tremamente benéfico para a atrasada [de parte do como o desses empresários marca Brasil, ao tirar o esdo time número um, que tigma de que aqui só tem empresariado], devemos dominou nossa vida dufutebol e música, conferincontinuar sendo uma rante 400 anos. De acordo do-nos uma imagem ciencom essa lógica atrasada, tífica que ajuda a construir colônia, não de Portugal, devemos continuar sendo a cultura de ciência e inovamas dos países que uma colônia —não mais ção de que tanto precisamos. desenvolvem ciência” de Portugal, mas de outros países que desenvolvem O projeto Walk Again continuaria lá fora ciência e tecnologia. ou seria transferido para cá? Esse conformismo é quase Ele é financiado por um consórcio internaaético, porque nos condena a ser cional e continuaria entre Estados Unidos, Suíça subservientes, seguidores eternos, e Alemanha, mas a gente quer trazer toda essa tecnologia obedecendo às normas científicas para Natal —e eventualmente para São Paulo— para servir ditadas por outra sociedade. Ciência, neste também como alavanca do parque neurotecnológico. século, é uma questão de soberania nacional. E como anda o processo de viabilização, tanto do pontapé iniPor quê? cial como desse cluster de neurotecnologia no Brasil? O patrocínio ao chute inicial temos dois meses para viabili- Se um país não investir em áreas estratégicas, científicas e zar e estamos conversando com muitas empresas —o apoio tecnológicas, ele fica completamente à mercê de quem dedo governo já possuímos, mas é preciso mais do que isso. tém o conhecimento. Hoje, se os fornecedores de microproPor exemplo, em São Paulo, procuramos um hospital par- cessadores decidirem boicotar o Brasil, o País para. Se os satélites internacionais não aceitarem fazer o serviço de que ceiro, para fazer toda a parte clínica, algo bem difícil. Sobre a viabilização do cluster, creio que temos uma jane- o Brasil precisa, já era. Não tenho muita dúvida de que, se la de oportunidade de dois anos, não mais; outros países têm quiserem desligar a internet do Brasil fora daqui, desligam. Por exemplo, eu me orgulho muitíssimo da Embraer, mas se dedicado ao assunto também. ela não faz turbina nem avionics no Brasil; compra fora e, se O governo faz a figura de um planejador central na iniciativa? o fornecimento parar, não terá a quem pedir socorro. Não no projeto do chute inicial, mas o governo é o planejador de um modelo de ciência para o Brasil. Não sei se os lei- Em cenários de guerra ou catástrofes, o fornecimento pode tores da sua revista conhecem a Comissão do Futuro. É uma cessar, de fato. Mas parece impossível reduzir a diferença... comissão de cientistas voluntários e independentes, da qual Outros países a estão reduzindo, por que não o Brasil? Hoje faço parte, que foi convidada pelo Ministério da Ciência e os Estados Unidos enfrentam uma crise tremenda em seu Tecnologia para criar esse modelo. Nos próximos dois a três financiamento científico e no grau de educação científica, e meses devemos terminar um primeiro relatório que trará à outras nações, que há décadas ninguém imaginaria competona, creio eu, a gravidade da situação do País em relação a titivas na área, aparecem com força, como a Coreia do Sul ou a Finlândia, com o melhor ensino de ciência do mundo. seus competidores.

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Saiba mais sobre o Campus do Cérebro Miguel Nicolelis levantou o equivalente a US$ 50 milhões para implementar a primeira fase de sua sonhada Cidade do Cérebro no Rio Grande do Norte: o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra (IINN-ELS). Ele abarca o tripé escola-hospital-centro de pesquisas: • A Escola Alfredo J. Monteverde, com unidades em Natal e em Macaíba, a 20 quilômetros da capital, atende mil alunos que cursam do 6º ao 9º ano do ciclo básico em horários alternativos, em nove oficinas (ciência e tecnologia; robótica; história; química; biologia; física; ciência e arte; ciência e identidade; e ciência e movimento). Os objetivos: (1) dar educação científica a alunos e segundo os preceitos da neurociência, (2) formar cientistas e empreendedores futuros e (3) contribuir para a formação de profissionais de educação científica. • O Centro de Saúde Anita Garibaldi oferece assistência pré-natal, de caráter multidisciplinar, a mulheres grávidas, especialmente em casos de alto risco, incluindo desnutrição. São feitos 12 mil atendimentos por ano. • Dois centros de pesquisa, o de Natal e o de Macaíba, incluem laboratórios de neurobiologia celular e molecular,

Em 2011, começou a fase 2 do projeto, o Campus do Cérebro, que inclui mais escolas, centros de pesquisas e a produção de tecnologias. Porém, em julho, dez pesquisadores romperam com Nicolelis, acusando-o de autocrático, reclamando de seu comportamento imprevisível e alegando que os recursos eram encaminhados mais aos alunos das escolas do que a eles, pós-doutorandos, que teriam maior chance de ser cientistas do futuro. A aparente priorização de cientistas estrangeiros em vez de brasileiros também pode ter sido um motivador do conflito: no ano passado, dos 31 profissionais novos no IINN-ELS, 28 eram estrangeiros. O grupo dissidente criou, em Natal, o Instituto do Cérebro e tentou puxar para si parte da verba de Nicolelis, mas sem êxito.

O que é essa crise científica dos Estados Unidos? Essas universidades maravilhosas dos Estados Unidos só existem porque receberam subsídios gigantescos do governo federal. Harvard, para citar um exemplo, recebe centenas de milhões de dólares por ano em verba para pesquisa, e é isso que faz com que possa funcionar. Na hora em que o dinheiro estatal for removido, elas vão desaparecer; estão se dando conta de que esse é um modelo absolutamente não sustentável. A sociedade norte-americana, mais do que qualquer outra, reconhecia a necessidade do desenvolvimento tecnológico e científico como parte essencial do desenvolvimento econômico do país. Agora não há mais esse pacto social.

a Lua; não tinham a menor ideia de como chegar lá, mas o desafio que eles se impuseram como nação galvanizou a população inteira, e eles encontraram uma forma de ir.

Esse pacto nunca houve no Brasil... Nunca. Ciência e tecnologia aqui sempre foram feitas para uma minoria, de maneira artesanal; você precisava ser filho de família rica para entrar na USP [Universidade de São Paulo], fazer doutorado e virar cientista. Nos Estados Unidos, você sempre pôde ter origem humilde e conseguir uma bolsa de estudos para se dedicar à pesquisa; há estímulo à carreira científica e reconhecimento pela sociedade. Talvez o ponto de partida do Brasil seja uma cultura de ciência e um desafio que galvanize o país inteiro, como o da Copa. Pense em quando os americanos decidiram ir para

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de comportamento animal e de eletrofisiologia, além do criadouro científico de primatas de última geração.

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Como podemos construir uma cultura da ciência no dia a dia? Como nos Estados Unidos, onde você leva seu filho ao Air Space Museum, em Washington, e mostra a conquista do espaço. A criançada vai lá já aos 4 anos de idade e se emociona. Temos de contar histórias da ciência do mundo inteiro e do Brasil, como a de meu orientador, que conto em meu livro, dr. César Timo-Iaria —foi uma pessoa fenomenal. Há um pouco de culpa das nossas universidades na história? Sim, as universidades brasileiras têm um modelo de funcionamento muito arcaico e corporativista, ainda não chegaram ao século 21. Impõem dificuldades imensas a seus pesquisadores: eles têm de fazer múltiplas coisas ao mesmo tempo além de pesquisar, como dar aulas, cuidar das questões administrativas e agora ser empreendedores. Com tantas atribuições, é difícil fazer bem alguma. Mas o sr. teve de ser empreendedor nos Estados Unidos... Sim, mas lá tenho equipe e fui treinado para isso. Reproduzi esse aprendizado aqui, no Instituto de Neurociências de Natal. Conseguimos o terreno, em Macaíba, como doação da


Universidade Federal do Rio Grande do Norte; o governo estadual cuidou de água, luz e estrada; o governo federal contribuiu com os recursos para a construção; e a sra. Lily Safra nos ajudou a equipá-lo e sustentá-lo, fazendo, creio, a maior doação privada para a ciência em toda a história do Brasil. O que precisaria mudar na universidade brasileira? Criar a carreira de pesquisador e treiná-lo para estruturar um negócio são bons começos. Outro ponto de virada seria não ter tanto receio de reconhecer e privilegiar o que tem mérito. Como há muita dificuldade em dizer “não” no Brasil, quando surge um pool de recursos, eles são pulverizados para contentar todo mundo, em vez de concentrados em uma pesquisa que tenha mérito e possa realmente fazer diferença, que é como se faz mundo afora. Além disso, em ciência existe uma premência de apoiar os jovens, que estão iniciando a carreira —a ciência vive dessa renovação contínua. Só que, no Brasil, acontece o oposto: a gente concentra todo nosso apoio financeiro, estratégico e político em quem está no final da carreira. Essa casta do CNPq [Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] não existe em nenhum lugar do mundo. E foi assim que o Brasil exportou Miguel Nicolelis? Não, quando fui embora fazer meu doutorado, no começo de 1989, eu era muito jovem, nem sabia dessas coisas. Por outro lado, quando terminei o doutorado, logo vi que não teria a menor chance de fazer aqui o que eu queria. Só comecei a voltar, ainda parcialmente, em 2003.

Entenda o trabalho de Nicolelis Miguel Nicolelis, com o cientista John Chapin, ajudou a mudar o enfoque dos estudos da fisiologia do cérebro. Eles foram estudar como se comportava o cérebro de animais como ratos quando estes faziam atividades interessantes: “Em vez de olhar uma célula de cada vez, analisamos grandes grupos que nos permitem chegar mais perto da dinâmica de funcionamento dessa estrutura em termos operacionais, o como funciona”. Em 1995, eles começaram a medir os impulsos cerebrais (sinais elétricos) de 50 neurônios ao mesmo tempo, ouvindo o som do cérebro em tempo real. Já estão conseguindo fazê-lo com mil neurônios ao mesmo tempo e, em cinco a dez anos, pretendem fazê-lo com até 100 mil. A partir desse feito, vieram várias descobertas, entre elas: • O cérebro funciona como uma democracia neural, não como a ditadura de um neurônio específico. Cada função é exercida por vários neurônios e cada neurônio tem potencial para exercer várias funções. • Os sinais elétricos emitidos pelos neurônios são caóticos —e devem sê-lo, pois, se ficam muito sincrônicos e disciplinados, ocorre a crise de epilepsia. Desorganizar esses sinais somando-lhes sinais elétricos artificiais no nervo da face faz cessar a crise.

Houve um esforço do governo para repatriar cientistas, não foi? Bem, um modelo de ciência que atraia as empresas deve conter uma promessa de lucro. Como garantir isso? No parque neurotecnológico, por exemplo, há essa promessa. Uma fração dessa atividade econômica tem de gerar os recursos para manter e ampliar as ações sociais que iniciamos e o restante fica para o investidor. Se nosso empreendedorismo não fosse tão primitivo em geral, essa promessa de lucro seria enxergada. Não dá para querer ter o máximo possível de lucro daqui a 10 milissegundos. É hora de as empresas brasileiras verem que o resto do mundo está fazendo coisas inovadoras e de longo prazo, aceitando o desafio do complexo, e nós não. Eu acredito no futuro do capitalismo brasileiro como ganha-ganha.

• Com o mal de Parkinson, o cérebro se comporta como numa crise epiléptica de baixa frequência. Então, desorganizar os sinais com estímulos na medula espinhal, por exemplo, melhora sensivelmente os sintomas da doença, que, contudo, não tem cura. Um rato com Parkinson avançado, que já não se movia, conseguiu ir beber água e uma macaca no mesmo estágio da doença escalou a jaula para pegar uma banana.

Só que o sr. fala em não registrar patente e doar tudo para a humanidade, à la Santos Dumont... Isso provoca arrepios. Na Duke University, também sofro uma pressão muito grande para patentear tudo o que eu faço. Em alguns casos, não tive alternativa e patenteei de fato. Veja: eu entendo essa discussão da propriedade intelectual, só que, como muitas coisas, ela é usada de maneira indevida. Em algumas situações, as patentes são aceitáveis; em outras, não. Por exemplo, precisávamos desenvolver, no

• E se os sinais elétricos artificiais forem comandados pelo cérebro? Talvez os tetraplégicos possam voltar a andar, com a ajuda de uma interface cérebro-máquina, o terno robótico do projeto Walk Again. O experimento da macaca Aurora no videogame, descrito no início deste texto, provou isso e somou-se a ele outro, igualmente bem-sucedido, em que a macaca Idoya comandou, com o pensamento, um robô no Japão.

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Uma “fórmula” pessoal para inovar por Miguel Nicolelis

“Eu não acredito em fórmulas. Dou asas à imaginação e penso completamente à vontade. Não acredito em reuniões também. Eu me encontro com meus alunos, individualmente ou com um grupo, e vamos caminhando pelo campus de maneira relaxada e trocando ideias. Ou conversamos pela internet. “Inovação para mim é pensar sem se ater ao que os outros falam. Quando fui para os Estados Unidos, existiam —e ainda existem— vários dogmas da neurociência, que eram como cânones da Igreja. E eu, por minha formação intelectual brasileira, não tinha aquilo como algo sagrado. Eu precisava conseguir reproduzir para acreditar. Então, tentei reproduzir alguns dos cânones e nenhum deles funcionou. Os resultados tinham sido obtidos em animais anestesiados e eu estava registrando animais despertos. “Dei muita sorte com meu orientador de pós-graduação —sorte em encontrar um bom mentor é algo que ajuda a inovar—, porque ele me deu muita liberdade. Ele brincava: ‘Nunca vamos conseguir publicar isso, porque estamos indo contra tudo e todos, mas, se é assim que você vê, vamos em frente’. E trabalhava comigo. Até que começou a ver que eu tinha razão. “Inovar também implica uma briga de foice, já que se desafiam cânones. Por outro lado, uma das mais agradáveis recompensas da carreira de um cientista é, quando a coisa funciona, o reconhecimento daquele que combatia sua ideia. “Eu nunca me dei bem com autoridades que se impõem pela força, até porque cresci nos anos da ditadura brasileira, e reconheço isso em vários cientistas, mesmo os que não viveram sob ditadura. Talvez isso seja importante para a inovação.”

Brasil, vacinas para malária e dengue. Elas não teriam muita utilidade no hemisfério norte, mas seriam cruciais aqui, na África e na Ásia, e, num caso desses, é uma patente que não mereceria existir. Assim como foi com os remédios do coquetel da aids, cujas patentes o Brasil ignorou e assim se transformaram num modelo mundial. Se há milhões de pessoas correndo risco de vida, patentes não se aplicam. O modelo da indústria farmacêutica atual está fadado a desaparecer. Não há como conseguir crescer 8% ao ano, que é o que se tenta fazer, para dar o retorno a seus acionistas, quando se gastam bilhões de dólares para gerar uma única droga. E os pipelines não são tão ricos quanto eram há al-

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gumas décadas. Em todas as reuniões científicas a que vou, fala-se que há muito poucas drogas sendo desenvolvidas com chance de virar algo comercialmente importante. Por outro lado, as pesquisas para tratar certas doenças são engavetadas por não terem interesse comercial. É uma situação dramática para o setor. Hoje o mundo se encaminha para um reequilíbrio com a cooperação. Todos têm de ser remunerados, mas numa medida razoável. O capitalismo “extrativista” não se sustenta. Por que o Brasil não tem inovações como uma vacina contra a malária ou outra coisa de alto impacto, como foi o avião? É por pouca ambição, um problema cultural. Não é só do setor privado; é do setor público também. As pessoas nem querem criar um negócio e, quando querem, é para ficar ricas, não para mudar sua cidade, seu país, o planeta. Quero ver ganhar dinheiro com algo que realmente seja bom para as pessoas e faça diferença para o mundo. Sempre falo para meus alunos: “A gente atira para as estrelas; se acertar a Lua, já valeu a pena”. Temos de querer fazer alguma coisa que ninguém fez. Como seus alunos brasileiros lá fora respondem a isso? A maioria deles tem optado por voltar para o Brasil e fazer essa ambição transformar-se em realidade aqui. Como o sr. sensibilizou o governo? Tinha contatos? Que nada! Começamos nosso projeto-piloto com o centro de saúde e, quando o presidente Lula visitou o projeto, ficou emocionado. Em 2007, vieram os apoios do Ministério da Educação, depois do Ministério da Ciência e Tecnologia e mais tarde do Ministério da Saúde. Nós trabalhamos com esse conceito básico, derivado da neurociência, de que a educação de uma pessoa começa com o pré-natal de sua mãe, uma vez que seu cérebro está sendo formado no útero e deve ser capaz de usar o máximo de seu potencial. Muitas dessas crianças que estão nascendo vão ser nossos alunos e, mais tarde, neurocientistas. É possível perceber se essas crianças são mais inteligentes? Nossos resultados são explosivos. Um dos mais importantes, por exemplo, é que, enquanto no Brasil o índice de evasão entre o ensino fundamental e o médio é de mais de 50% −milhões de crianças desaparecem do sistema educacional todos os anos−, em nosso sistema a evasão fica por volta de 1%. Nós mantemos 99% de nossos alunos interessados em aprender, sabe o que é isso? E a explicação é que eles sabem que são os protagonistas de seu ensino. Aprendem o que têm de aprender em ciência fazendo ciência. Nós mesmos estamos começando a contratar nossos ex-alunos, não só para funções técnicas, mas para trabalhar nos laboratórios como assistentes científicos. E já percebemos que alguns deles, na faixa dos 13 anos, começam a empreender cientificamente. Um, por exemplo, resolveu medir


o conteúdo de gordura de uma semente do semiárido nordestino como possível fonte de biodiesel e já está pensando na possibilidade de abrir um negócio de certificação de óleo vegetal do semiárido, algo que não existe. Ou seja, mesmo que essas crianças não se tornem cientistas, elas se tornam empreendedores... Sim, à medida que pegam o gosto por inovar. Esse é o caminho: inovação se faz com gente que pensa diferente e que quer mudar o mundo. E, se essas crianças, apesar de serem de lugares tão periféricos que quase ninguém sabe que existem, hoje têm certeza de que podem mudar o mundo, há futuro para o Brasil, principalmente se conseguirmos multiplicar essa experiência.

E que, ao fazê-lo, inclui a inovação e o empreendedorismo. Com que empresas o sr. está conversando? Foram várias nos últimos meses e estou animado; tem mais gente preocupada com esse tipo de coisa do que imaginamos. Esse diálogo da ciência com as empresas certamente ainda é mais fácil fora do Brasil, mas começa a melhorar aqui também. Ainda não posso anunciar nada oficialmente, porém tenho a impressão de que nos próximos meses vamos fazer alguns anúncios que chocarão o empresariado brasileiro que ainda não embarcou nessa filosofia.

Esses princípios da neurociência para a educação são bem similares às ideias de educadores como Paulo Freire e Rubem Alves, não? Eu gosto de dizer que nosso cur“Esse diálogo da ciência rículo é produto de um matriEu desconfio que Peter com as empresas mônio de Paulo Freire com Drucker, que é a maior lenSantos Dumont. Porque é da do pensamento de gescertamente ainda é mais importante ter conteúdo tão e gostava particularfácil fora do Brasil, mas também e não apenas insmente do Brasil, vibraria tigar a pensar. Sabe o que é com essa perspectiva. Em começa a melhorar impressionante? A autoessua última entrevista em aqui também” tima dos nossos alunos é vida, que foi concedida a HSM elevadíssima. Pode entrar Management, ele disse que nosa Lady Gaga lá, ou qualquer so real entrave era essa desigualdade outra celebridade, eles não se Norte-Sul... abalam. Continuam focados. Sem dúvida. Nós precisamos de escala —um conceito que qualquer empresário entende— Posso fazer uma provocação? Paulo para ter os grandes talentos necessários à inovação no Freire não era exatamente um fã da Brasil; não pode haver escala só com o Sul e o Sudeste, exciência... E o sr. não acha que a sociedade cluindo todo o resto. atual tenta transformar a ciência num novo deus? Como podemos extrair um Neymar da ciência se concenPaulo Freire tinha um pré-conceito em relação à tramos todo o esforço de recrutamento de cientistas em dois ou três estados do País? Eu sou de São Paulo e adoro isso ciência porque não a praticou, apenas a viu de fora. Mas aqui, mas não tem nenhum cabimento você concentrar 70% fez um trabalho neurocientífico sem saber. Agora, não poda produção científica em São Paulo. Do ponto de vista hu- demos transformar ciência em religião. Ela tem limites mano, ciência é que nem futebol ou arte: precisa de talentos, metodológicos, interpretações, e a gente tem sempre de saber que toda descoberta precisa ser reproduzida antes onde quer que estejam. de ser considerada um fato. E devemos tomar muito cuidado com a pseudociência. Dá para incutir mentalidade científica nas escolas públicas? Sim! Neste instante, minha ambição é criar um currículo que possa ser espalhado por toda a rede federal e estamos Qual o limite dessa popularização da neurociência? Por conversando com o governo a esse respeito. E também es- exemplo, no caso dos negócios, ela tem levado as empresas tamos falando com empresas para que criem as próprias a repensar suas práticas, humanizando-as, o que é bom... escolas baseadas nos princípios da neurociência. Assim, Estou entre os que defendem o entendimento de que tudo o contribuirão duplamente: para o Brasil, porque ajudarão a que fazemos depende do tipo de cérebro que temos. Mas a fazer essa revolução educacional de que tanto precisamos; manipulação com argumentos neurocientíficos é grave. para si, porque vão garantir seu futuro estrategicamente com mão de obra qualificada —as crianças vão ser tão gra- Há terrorismo em relação a essa capacidade que a ciência tas e tão vinculadas a sua filosofia que serão seus melhores teria de nos manipular ou nos dominar? Ou é tudo verdade? e mais leais executivos, engenheiros e técnicos. Seus CEOs A ficção científica, hoje em dia, é dominada pelos cenásairão dessas escolas. É um novo tipo de cadeia produtiva rios aterradores de que a ciência vai nos conduzir ao fim da raça humana e isso cria uma imagem, no inconsciente que inclui a educação.

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Dossiê

NEUROBUSINESS “O Prêmio Nobel é

coletivo, de que cientistas importante para a autoestima são agentes do mal e da de um país como o Brasil, destruição. Ocorre que a vasta maioria dos mas, se a gente fizer cientistas está preocu20 milhões de pessoas pada em fazer coisas que, se derem certo, no mundo voltarem a andar, podem mudar nossa que diferença vida para muito melhor. faz um prêmio?” Uma das motivações que tive para escrever meu livro, Muito Além do Nosso Eu, foi tentar mostrar uma visão muito mais otimista do que pode acontecer em decorrência de todas essas pesquisas atuais. E seu perfil no Twitter também tem esse objetivo? Sim. Os cientistas podem ajudar tanto a mostrar essa visão positiva como a aumentar nossa cultura científica. A cobertura de ciências no Brasil, com raríssimas exceções, é muito pobre e amadora; ela só copia o que sai lá fora. Com os computadores cada vez mais inteligentes, a máquina não vai substituir o homem mesmo? Nunca! O cérebro não pode ser reduzido a um algoritmo. Boa parte do que fazemos em nossa rotina diária até é passível de um tratamento computacional, como escrever um texto, entrar na internet, postar uma fotografia, mas escrever um soneto de Shakespeare nenhum computador escreve. E isso vai ser sempre necessário. O computador não imitará o cérebro a ponto de substituí-lo, que bom! Mas a sociedade imita o cérebro? Essa é uma das questões em que tenho pensado muito nos últimos anos: será que o modo de funcionamento do cérebro ganha escala, tanto para baixo quanto para cima? Traduzindo: será que influencia tanto uma unidade “menor”, como o gene, quanto uma unidade “maior”, como o grupo social? Será que nossos padrões de comportamento social em grupos refletem a maneira como a população de neurônios do cérebro funciona? Mais e mais a biologia tem mostrado que o processamento distribuído por populações pode, sim, vir a ser o algoritmo da biologia para tudo: para gene, para proteína, para como uma membrana das células funciona, para como as células funcionam em cooperação etc. Então, as evidências dessa escalada para baixo têm aumentado muito. Agora, para cima, eu tenho a suspeita, sem nenhuma prova científica, de que existe uma relação entre as coisas de fato. E é uma linha de pesquisa em que gostaria de embarcar: a neurociência social. Descobrir algo assim seria uma revolução. Quanto o cérebro reproduz o passado e cria o futuro? O passado está totalmente registrado em nosso cérebro e determina em grande parte como vamos reagir a um evento

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futuro. Além disso, o cérebro é um sugador de estatísticas, de informações e de padrões do mundo. Quando você vai ao cinema e vê uma atriz que acha fenomenal fazendo um gesto, tende a incorporar aquilo também. Agora, pode-se dizer que ele também cria o futuro, na medida em que os neurônios se movimentam 200 milésimos de segundo antes de o corpo executar o comando correspondente. E ainda não há consenso, mas são fortes as suposições de que, durante o sonho, o cérebro faz simulações de cenários futuros, como se estivesse planejando coisas com grande antecedência. Para terminar: o sr. vai trazer o primeiro Prêmio Nobel para o Brasil, de medicina ou fisiologia? O Prêmio Nobel é importante para a autoestima de um país como o Brasil. Seria uma afirmação da ciência brasileira, que o merece porque tem muita gente talentosa —e algum brasileiro vai acabar ganhando uma hora dessas. Mas eu pessoalmente não posso pautar minha carreira científica por esse tipo de recompensa, porque quem faz isso tende a se frustrar e porque, comparativamente, não tem tanta graça: se a gente conseguir fazer 20 milhões de pessoas no mundo voltarem a andar, que diferença faz um prêmio? Por outro lado, admito que o fato de eu ter sido o primeiro brasileiro a ir a um Simpósio Nobel fez valer meus quase 30 anos de trabalho duro. Acho que os suecos sentiram o baque do projeto Walk Again. Agora, permita-me compartilhar uma lição valiosa que aprendi com os americanos: você tem de “talk the talk” e “walk the walk”. Falar é necessário, mas não basta; precisa correr atrás e fazer. HSM Management


Alta Gerência JOHN DAVIS & ASSOCIADOS

Ilustração: iStockphoto

empresas familiares

Foco no líder que

entra

O especialista em empresas familiares John Davis discute a importância de preparar a sucessão entre líderes Quando se deve fazer a sucessão de comando em uma empresa? levando em conta o ( ) Quando o líder que sai está pronto para deixar o cargo. ( ) Quando seu sucessor está pronto para liderar. momentum da empresa

Na prática, a maioria opta pela pri-

meira alternativa, sobretudo em empresas familiares, nas quais os líderes mais velhos tendem a se “aposentar no trabalho”. No entanto, meu conselho é escolher a segunda: a sucessão deve ser efetivada quando o sucessor estiver pronto, independentemente do líder atual. Talvez alguns receiem que isso seja visto como um sinal de derrota do líder substituí­do ou de inferioridade sua em relação a seu substituto e, por isso, evitam a trilha. Mas, nos casos exemplares de transições bem-sucedidas, o líder sênior ainda é bastante capaz de liderar —mais que o substituto—, e mesmo assim o substituto preparado toma posse. A explicação para isso está em uma palavra quase mágica: “momentum”.

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Usamos muito o termo latino na língua inglesa, sobretudo no jargão dos negócios, porque ele traduz, com força, o contexto que é tão favorável a dada iniciativa que ela receberá impulso se acontecer ali.

Momentum nos negócios Ele é fácil de detectar. É quando cada um na empresa, incluindo a liderança, tem uma noção clara de direção, energia e confiança. Já o antimomentum, em que o negócio começa a ficar para trás, é bem mais difícil de perceber. Nesse caso, as pessoas parecem nervosas e geralmente paralisam, esperando o pior. O aspecto ao qual as companhias precisam mais prestar atenção é o momentum, porque, quando há perda

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dele, todos olham para dentro, com a confiança e o entusiasmo abalados, e ninguém se lembra do ambiente externo, criando um ciclo perverso do qual é difícil sair. Companhias com momentum conseguem suportar baixa demanda, preços maleáveis e outras pressões sobre os resultados por algum tempo, porque sentem que ainda estão inovando, adaptando-se e melhorando. Qual a relação entre momentum e liderança? Bem, o comprometimenJohn Davis, fundador e diretor da firma de consultoria Cambridge Advisors to Family Enterprise e professor da Harvard Business School, é colunista fixo de HSM MANAGEMENT.


Conselhos para quem chega Um líder em ascensão é impaciente por natureza e isso é bom: eu quero sempre que o sucessor deseje o papel de liderança e que esteja ansioso para assumi-lo. Mas ele também não deve superestimar-se nem ter expectativas irrealistas sobre o momento da transição. Costumo dar aos substitutos as seguintes orientações: • Faça agora seus planos para comandar a empresa. Não se pode esperar até estar sentado atrás da mesa de CEO para se perguntar: “O que eu quero fazer agora?”. Isso é um erro clássico e deve ser evitado. • Vácolocandoseusplanosempráticapoucoapouco,mesmoantes de tomar o “trono”, ainda enquanto assume mais responsabilidades na empresa. Nesse caso, só é preciso estar de acordo com a estratégia do líder atual. Você será bem-sucedido quando seus planos e os do líder atual se encaixarem; mantenha-os alinhados. • Saiba que haverá mudanças importantes que somente poderão ser feitas dois ou três anos depois de você assumir o cargo. Conforme-se com isso e prepare-se.

to, a motivação e a capacidade de construir um negócio bem-sucedido e ascendente podem criar ou destruir o momentum entre as pessoas que fazem parte de uma empresa. Tudo isso depende da liderança, e é por essa razão que a escolha do líder e seu desenvolvimento são tão cruciais e que o timing da transição de liderança, com o qual iniciei este texto, tem tanta importância. E não são apenas os funcionários que precisam sentir o momentum; os aspirantes a líder também. Se não sentirem, é como se lhes negassem oportunidades de crescimento e eles sairão de cena, beneficiando os concorrentes. Membros de uma família empresária geralmente não prestam atenção ao momentum na transição de seus líderes. Costumeiramente, os mais velhos se perpetuam no comando, enviando à geração jovem a mensagem de que não precisa se preparar para liderar a empresa (e transformá-la), porque esperará muito de qualquer maneira. Não foram poucas as vezes em que vi isso acontecer, e, quando o líder finalmente estava pronto para se aposentar, seus sucessores tinham perdido o entusiasmo, a motivação ou a capacitação.

• Respeite a delicadeza emocional de uma transição de líderes. Haverá graves consequências se o líder atual se sentir ameaçado, acreditando que está sendo jogado para escanteio —e você deve evitar esse sentimento a todo custo. Ele precisa saber que sua memória será respeitada, que receberá crédito por suas realizações. Se você não respeitar as estratégias do líder atual, certamente ele ficará com um pé atrás e partirá para uma ação defensiva. Essa perturbação pode se tornar uma longa batalha pela estabilidade, que não vale a pena. Evite o conflito para se beneficiar dos conselhos e do apoio do líder que está saindo. • Sempre comece seu discurso com o que terá continuidade, para só depois falar em mudança. Inicie suas conversas com frases como as seguintes: “Vamos conservar esses valores culturais que trabalhamos tão duramente para construir”, “Nossa lealdade aos principais investidores continua”, “Nossa persistência por alta qualidade se mantém”. Só depois de garantir o que permanece fale sobre as coisas que terão de mudar.

O ciclo de vida da liderança Normalmente, a capacidade de uma pessoa de liderar uma organização (ou seja, de ser seu CEO) segue um ciclo de vida: aumenta, chega ao pico e decai ao longo do tempo. Costumo fazer a seguinte pergunta a meus alunos, independentemente da idade: “Se você tivesse de considerar única e exclusivamente os próprios interesses, preferiria se aposentar do cargo de CEO: a) antes de chegar ao auge do ciclo de vida da liderança; b) no auge; c) depois do auge?”. A maioria deles diz que gostaria de se aposentar no pico ou depois de atingi-lo, e apenas cerca de 25%, antes. Quando questiono motivações, os que querem ficar mais tempo apresentam um dos seguintes argumentos: • “Gostaria de ficar até realizar todo meu potencial, demonstrando a mim e aos outros toda minha capacidade.” • “É muito difícil saber quando você chegou ao pico, mas é fácil ver quando suas contribuições como líder estão em declínio. Se eu esperar minhas contribuições caírem por um tempo, terei certeza de que ultrapassei meu auge e estarei pronto para sair.”

Alerto-os de que alguns líderes acham que seus declínios são temporários e que logo vão começar a contribuir novamente, porém de nada adianta. Há uma resistência considerável a passar o bastão a um sucessor.

conselhos para quem sai Cabe a quem sai reconhecer a hora certa de sair, pelo momentum. Eis algumas recomendações: • Não espere muito para dar aos jovens gestores responsabilidades e autoridades significativas. Do contrário, eles ficarão desmotivados e será tarde demais. • Insista para que conversas e planos de transição aconteçam, oferecendo aos futuros líderes experiências desafiadoras que testem suas capacidades. • Ajude a organização a se preparar para a transição da liderança, definindo data e avisando o sucessor: “Esteja pronto”. Não espere até o dia de sua morte para que a sucessão seja feita. O momentum terá morrido também. HSM Management

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INOVAÇÃO

Bernard Meyerson, vice-presidente de inovação da IBM

IBM, a nº 1 EM PATENTES 88

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Fotos: Cortesia IBM

Se houvesse uma olimpíada de ino-

HÁ 19 ANOS, A IBM É A EMPRESA QUE MAIS GERA PATENTES NO MUNDO. DURANTE 2011, SEU EXÉRCITO DE CIENTISTAS E PESQUISADORES REGISTROU NADA MENOS QUE 6.180 INOVAÇÕES. ESTA REPORTAGEM DETALHA COMO TAL CONQUISTA FOI POSSÍVEL A reportagem é de Guillermo Martínez, colaborador de HSM MANAGEMENT.

vação, a IBM seria a campeã mundial recorrente. Assim como os países colecionadores do maior número de medalhas olímpicas fazem com seus atletas, essa empresa, com sede em Nova York, investe muito em seus pesquisadores. O resultado ficou evidente em 2011: ela superou a notável marca de 6 mil patentes registradas em um ano. Nem Microsoft, Sony, Xerox e Apple somadas alcançam tal número. A área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) foi priorizada há duas décadas e hoje conta com mais de 8 mil pesquisadores, entre cientistas e técnicos, em 36 países, e um orçamento que ultrapassou os US$ 6 bilhões no ano passado. Ela sabe que sua inovação constante é a razão de seu valor de mercado ter superado, em abril de 2012, os US$ 230 bilhões. Há oito anos a International Business Machines não faz computadores pessoais, nem está entre seus objetivos criar o substituto para o iPhone ou para o iPad. A visão da companhia tem a ver com o que a maioria chama de “inteligência artificial”, mas que o pessoal ali prefere denominar “cognição automática”. Trata-se de automatizar o processo de adquirir ou gerar conhecimento.

PERFIL DO LÍDER Um dos principais responsáveis pelo sucesso da divisão de P&D da empresa

é Bernard Meyerson, vice-presidente de inovação, chefe do departamento de relacionamento com universidades internacionais e líder da IBM Academy of Technology (organização autogerida composta por executivos e técnicos seniores da empresa), além de membro da equipe de integração e valores com outros altos executivos de diferentes departamentos. Com 32 anos de IBM, Meyerson assina a criação de mais de 40 patentes. Graduado e doutorado em física pela New York University, dos Estados Unidos, entrou na IBM Research para cuidar do desenvolvimento de uma tecnologia de semicondutores que usavam uma mistura inovadora de silício e germânio e outras tecnologias de alto desempenho. Em 1992, foi designado “fellow” da IBM, a mais alta honra técnica da companhia, e, nove anos mais tarde, nomeado chefe do grupo de tecnologia. No final da década de 1990, foi reconhecido como “inventor eminente” pela American Intellectual Property Law Association (Aipla). Em 2003, assumiu a responsabilidade operacional pelos esforços globais de pesquisa e desenvolvimento de semicondutores. Nessa posição, liderou o maior consórcio do mundo em desenvolvimento de semicondutores, integrado por IBM, Sony, Toshiba, AMD, Samsung, Chartered Semi­ conductor Manufacturing e Infineon.

SINOPSE • A percepção é a de que é a Apple a mais inovadora das companhias?

Mas foi a IBM que registrou mais de 6 mil patentes em 2011, nove vezes acima do número da empresa da maçã. Para tanto, investiu mais de US$ 6 bilhões em pesquisa e desenvolvimento.

• A maioria dessas patentes está relacionada com métodos e modelos,

não com engenhos eletrônicos —uma realidade diferente da do Brasil, onde não é o capital intelectual o alvo do patenteamento.

• Bernard Meyerson, VP de inovação da IBM, credita parte do êxito aos gestores da empresa que não dizem como fazer, mas desafiam suas equipes, colocando-as à prova e confiando nelas.

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INOVACÃO INOVAÇÃO

As 10 empresas que obtiveram mais patentes em 2011

Posição Patentes Empresa 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

6.180 4.894 2.821 2.559 2.483 2.311 2.286 1.533 1.514 1.465

País

IBM Samsung Electronics Canon Panasonic Toshiba Microsoft Sony Seiko Epson Hon Hai Precision Industry Hitachi

Estados Unidos Coreia do Sul Japão Japão Japão Estados Unidos Japão Japão Taiwan Japão

Fonte: Patent Intelligence and Technology Report 2011/IFI Claims.

Segundo a IBM, uma nova geração de aplicativos ajudará as pessoas a conseguir uma vida mais saudável

Patentes obtidas pela IBM nos últimos cinco anos

2011 2010 2009 2008 2007

6.180 5.896 4.914 4.186 3.125

Fonte: Research & Development Reports, IBM.

O QUE É SER INOVADOR Meyerson sorri quando alguém lhe pede que defina inovação. Apaixonado pelo tema, a simplicidade de sua resposta comprova o domínio que tem sobre o assunto: “Penso que inovação é a oportunidade que temos para criar um mundo melhor ao tornar tangíveis as ideias que passam por nossa mente”. Líder de projetos destinados a empresas, cidades e universidades, também é responsável pelo Watson, o supercomputador que é a joia tecnológica da IBM, cotado para se tornar o propulsor da nova era da inteligência artificial, ou da cognição automática. O lema da divisão de P&D é: “Além de inventar, inovamos”. Meyerson entende que a inovação é essencial e cita um provérbio árabe: “Há quatro coisas irrecuperáveis: o disparo efetuado, a palavra pronunciada, o tempo passado e a oportunidade desperdiçada”. A IBM se caracteriza por não desperdiçar oportunidades de tomar decisões.

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Em 2004, quando o mercado de microcomputadores estava mais aquecido, ela vendeu sua divisão de computadores pessoais para a chinesa Lenovo, que lhe pagou cerca de US$ 650 milhões em dinheiro e US$ 600 milhões em ações (a IBM ficou com aproximadamente 20% da Lenovo). Hoje, com o auge dos smartphones —no final de 2010 pela primeira vez foram vendidos mais smartphones que computadores—, fica evidente que a organização conhecida como “Big Blue” (por causa do uniforme de seus funcionários) vendeu grande parte de seu negócio no melhor momento. A IBM, então, se transformou e optou por não ficar limitada à produção de hardware ou de software, passando a trabalhar na busca de soluções tecnológicas. Meyerson, melhor testemunha desse processo, garante que a filosofia da companhia motiva a inovação o tempo todo. “Para ter sucesso nos negócios, é necessário olhar adiante dos

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concorrentes, atuar com mais ousadia, e não apenas se aproximar ou se adequar às tendências do mercado, e criar novas tendências, o que certamente demora mais, porém, em longo prazo, traz benefícios maiores.”

VARIEDADE A atividade de seus centros de pesquisa, localizados nos cinco continentes, pode ser compreendida por meio de alguns de seus projetos: • Nos EUA, estão desenvolvendo um sistema de apoio para a tomada de decisões em cardiologia (Vale do Silício, Califórnia); microprocessadores de alta velocidade (Austin, Texas); dispositivos ultrarrápidos e interativos (Nova York e Massachusetts). Além disso, com a National Geographic Society, atuam no Projeto Genográfico, que tem como finalidade registrar novos dados sobre a história migratória da raça humana.


IBM, a nº 1 EM PATENTES

• Na Austrália, em Melbourne, há projetos vinculados às ciências da vida e ao planeta inteligente. • No Brasil, o foco é sustentabilidade. • Na China, priorizam a computação em nuvem. • Em Israel, criam ferramentas analíticas e de verificação. • Na Irlanda, têm um centro de tecnologia para cidades inteligentes. • Na Índia, desenvolvem aplicativos de comunicação móvel e tecnologias de linguagem humana. • No Japão, concentram-se nos campos dos microdispositivos e da interação homem-máquina. • Na Suíça, pesquisam nanotecnologia. “Podemos inovar de muitas formas”, diz Meyerson, “e com muitos parceiros.” Ele cita uma pesquisa que combina a capacidade de processamento de dados do Wat­son, o supercomputador da IBM, com o vasto arquivo de conhecimentos e históricos médicos do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, para criar um sistema de tomada de decisões diagnósticas e indicação de tratamentos —piloto previsto para o final de 2013.

Outra parceria importante foi estabelecida no Brasil, com o Grupo EBX (na figura da Six Automação), para de­ sen­ volver programas de pesquisa e propriedade intelectual com foco em recursos naturais, sustentabilidade e in­fraestrutura. A parceria inclui, entre outras coisas, a criação de um centro de soluções para que clientes realizem testes e provas de conceito e customizem tecnologias [leia entrevista do cientista-chefe da IBM Brasil, Fábio Gandour, na HSM Management nº 88]. As invenções da IBM também foram úteis para o Facebook, que adquiriu mais de 750 patentes da empresa nova-iorquina. Poucos sabem que os códigos de barras saíram de seus centros de pesquisa ou que a cirurgia a laser para a correção de miopia nasceu lá. “Deve-se conseguir que os consumidores não comprem apenas produtos, mas também conceitos úteis e insubstituíveis”, define Meyerson.

PESQUISADORES E GESTORES O VP da IBM tem uma forma peculiar de se referir aos cientistas responsáveis pela criação de um número tão

O supercomputador Watson atrai a atenção de estudantes de todo o mundo; aqui, dois deles com o professor R.P. Raghupathi (centro), ganhador do Smarter Planet Faculty Award da IBM

elevado de patentes. Diz que se trata de “especialistas inovadores com o gene da invenção hiperdesenvolvido”. São profissionais assim que procura atrair. Muitos deles são pesquisadores independentes que atuam em outras instituições e, ao serem incorporados à IBM, recebem apoio para potencializar ao máximo seus conhecimentos. No entanto, a empresa também forma seus futuros inovadores. “Já testemunhei casos de jovens recém-formados que ao cabo de seis anos se tornaram inovadores ‘hardcore’, pessoas que geram grande valor para a organização.” Em 2011, a Fortune elegeu a IBM a melhor companhia do mundo em desenvolvimento de líderes, pelo segundo ano consecutivo. Um de seus polos de talentos é a Academy of Technology, formada por mil cientistas de primeiro nível e mais de 7 mil técnicos e pesquisadores promissores, de várias áreas da companhia. Ao todo, são 44 grupos técnicos ou regionais. Segundo Meyerson, desenvolver talentos em equipes de pesquisa requer compreender a complexa personalidade de seus membros, e o melhor gestor para isso “não diz como fazer o projeto, mas desafia sua equipe, pondo-a à prova e confiando nela”. A nova geração de cientistas não se limita às tarefas tradicionais. Também elabora planos de negócios, participa de reuniões executivas e realiza apresentações para diretores e clientes. “Os novos cientistas aprenderam a colaborar. Hoje temos uma espécie de rede social com a participação de especialistas da IBM e de fora. Todos contribuem com o maior conhecimento possível em seus campos”, explica Meyerson.

O FUTURO

Investimento da IBM em P&D nos últimos cinco anos (em US$ bilhões)

2011 2010 2009 2008 2007

6,258 6,026 5,820 6,337 6,153

Fonte: Relatórios anuais da IBM.

Apesar dos esforços e do sucesso dessa gigante, Meyerson acredita que, cada vez mais, os pequenos empreen­ dimentos determinarão o rumo da sociedade, provando que, para inovar, não são necessários grandes orçamentos, e sim grandes ideias. HSM Management

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Fotos: Cortesia Disney/Pixar

empresas

SINOPSE • Steve Jobs pagou US$ 10 milhões pela Pixar em 1986,

investiu US$ 50 milhões para que produzisse hardware e software de computação gráfica e, como isso não decolou, demitiu um terço do pessoal; sobrou a divisão de animação.

• Só que, desde a criação do Oscar de melhor animação,

em 2001, a Pixar ganhou seis estatuetas, sem mencionar os prêmios conquistados por seus diretores e técnicos, e seus 12 filmes longas-metragens já arrecadaram mais de US$ 6 bilhões (o 13º, Valente, acaba de ser lançado). A Disney a comprou em 2006 por US$ 7,4 bilhões.

• As razões do sucesso? No início, os sócios complementares.

Em geral, a inovação constante e sob medida (que inclui os curtas-metragens de treino), a integração da equipe e não temer fracassar. Dois segredos: ir atrás de pessoas, não de ideias; visar a excelência sempre, sem revezar com o medíocre.

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Ed Catmull, CEO da Pixar


Era uma vez uma lâmpada É uma noite estrelada. Em um barco,

Reportagem HSM Management mostra como a Pixar inaugurou uma nova fronteira na indústria cinematográfica e se transformou em modelo de inovação

no meio do mar, estão um menino, seu pai e seu avô. De repente, a lua ilumina a cena. Assim começa o mais recente curta-metragem da Pixar, que deve ser lançado em julho na América Latina e que HSM Management teve o privilégio de ver em primeira mão na sede da empresa. “O menino acompanha o pai e o avô para trabalhar e descobre que estão envolvidos em algo fantástico, relacionado com a lua”, conta Enrico Casarosa, o diretor, com cuidado para não revelar a trama. “Tentei capturar um pouco da atmosfera italiana. Cresci em Gênova, uma cidade portuária, e sempre tive o mar diante de mim”, diz. Esse é só um exemplo do trabalho da Pixar, marcado por imagens impecáveis, música emocionante, resultado final hipnótico e sinônimo de inovação. Desde a criação do Oscar de melhor animação, em 2001, o estúdio ganhou seis estatuetas, sem mencionar os prêmios conquistados por diretores e técnicos. Seus 12 longas-metragens já arrecadaram mais de US$ 6 bilhões. De onde vem o sucesso? HSM Management visitou a sede da Pixar, em Emeryville, Califórnia, e conversou com animadores, encarregados de efeitos especiais, diretores e seu CEO e encontrou três respostas.

A reportagem é de Viviana Alonso, com o auxílio de Mariana Lima, ambas, colaboradoras de HSM MANAGEMENT.

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empresas

Inovação constante e sob medida Para analistas do setor, o segredo do sucesso da Pixar está na inovação contínua, que lhe permitiu ser pioneira no campo da animação por computador e se manter à frente de seus concorrentes a partir daí. Steve May, diretor de tecnologia do estúdio, confirma: a evolução tecnológica é fragrante de um filme para outro. “Para isso, temos um departamento de pesquisa e desenvolvimento [P&D], com cem pessoas, que sempre desenvolve novos programas, e grupos de sistemas que gerenciam o hardware, assim como a infraestrutura de computadores e redes. Ao mesmo tempo, em cada filme, há equipes de P&D para a criação de softwares específicos para os personagens e cenas daquela história.” Às vezes, conta ele, o novo personagem se parece com algum que a Pixar já colocou na telona e é possível reaproveitar a tecnologia existente. Outras vezes, suas características e os traços obrigam a construir um novo software. Nesses casos, a equipe de desenvolvedores do filme trabalha ao lado de P&D para criar o personagem. Embora na tela pareça simples, com movimentos muito naturais, cada personagem tem grande complexidade e envolve diferentes profissionais, responsáveis, de um lado, por criá-lo e, de outro, por animá-lo. “Os criadores desenham um modelo de formato de rosto, de cabelo,

de corpo e de vestimentas; fazem a pele parecer pele, escolhem a cor dos olhos. É como criar uma marionete no computador. Depois, alguém a faz atuar”, ilustra May.

imperativo de integrar Se a inovação leva ao sucesso, a cultura impulsiona a inovação. Ed Catmull, CEO e cofundador da Pixar, recorda que após o sucesso do primeiro longa-metragem, Toy Story, lançado em 1995, levantou-se uma questão fundamental: como se tornar um estúdio que sempre produz bons filmes? “Muitas vezes, as tentativas seguintes ao êxito não são do mesmo nível e isso leva ao fracasso”, afirma ele. “Por isso, dedicamo-nos a nossas questões culturais. São grupos diferentes, mas tentamos não ter uma estrutura hierarquizada, como muitos estúdios. Promovemos a integração, tanto por meio de nossa arquitetura, que simula o cérebro, como pela Pixar University [veja no Portal HSM], misturando pessoas de diferentes áreas e experiências.”

sem medo do fracasso Encorajar novas ideias é o terceiro ponto. “Criatividade significa fazer o que nunca foi feito e, para isso, é preciso ter um ambiente no qual as pessoas não temam o fracasso. Se fazemos algo novo, às vezes cometemos erros, porém é melhor corrigi-los que evitá-los.” A filosofia de Catmull não se aplica apenas aos produtos, mas também à

escolha dos diretores. Como nenhum filme funciona bem em seus estágios iniciais, como decidir se o diretor é o certo e quando trocar se não for? “Nós o trocamos quando a equipe perde a confiança nele e não por causa de erros cometidos na produção. Erros, a equipe corrige em conjunto; rachas, não”, explica ele. A visão de Catmull deu frutos também fora das telas. Em 1995, a estreia da Pixar na bolsa de valores levantou US$ 140 milhões e quebrou o recorde do ano. Em 2006, prestes a lançar Carros, seu sétimo longa-metragem, a Walt Disney a adquiriu por US$ 7,4 bilhões.

E o FUTURO? Catmull fundou a Pixar com John Lasseter e Steve Jobs [veja quadro ao lado] e 40 funcionários. Catmull se tornou seu CEO (e do estúdio de animação da Disney também), Lasseter, o diretor de criação e a família de Jobs mais do que recuperou seu investimento –seu capital passou de US$ 1 bilhão, o maior acionista individual da Disney. E hoje são 1,2 mil pessoas trabalhando ali. A Pixar continua crescendo e enfrenta o difícil desafio de preservar a essência. Mas um bom sinal é que ela nunca abandonou a produção de curtas-metragens, como o de Casarosa –bons exercícios para formar pessoas. HSM Management

Os Incríveis

Vida de inseto

1998 1995 Toy Story

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Monstros S.A.

1999 2001 2003 Toy Story 2

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Procurando Nemo

2004


Era uma vez uma lâmpada os segredos de

ed catmull

Considerado um dos fundadores do campo da computação gráfica, o CEO Ed Catmull ganhou cinco prêmios da Academia, entre eles o Gordon E. Sawyer de 2008 pelo conjunto da obra e por suas contribuições técnicas na área. Quando Steve Jobs adquiriu a divisão de computação gráfica da Lucasfilm, em 1986, Catmull era o VP e John Lasseter, membro da equipe de animação. O trio, então, fundou a empresa a que chamaram Pixar. Ao lembrar aqueles dias, Catmull conta o papel de cada um: • Lasseter, hoje executivo-chefe de criação da Pixar, contribuiu com os lados criativo e cinematográfico e com um foco muito preciso na história e nos personagens. “John dizia: ‘Uma boa história é muito bem estruturada e gira em torno de um personagem com quem você se relacionaria’.” • Steve, por sua vez, usava uma “barra de aço” para medir a qualidade. “Ele tinha uma inabalável determinação de alcançar a excelência em tudo. Era quem negociava e nos protegia.”

• Catmull lidava com os assuntos internos. Apesar da formação técnica, concentrava-se em questões “culturais” do negócio: como interagir, o que poderia dar errado e como corrigir. Eles se complementavam, como os três olhos do monstrinho de Toy Story. “Havia momentos difíceis em que desanimávamos, mas não os três ao mesmo tempo, e, mantendo a união, encontrávamos a solução.” Os primeiros anos foram os mais difíceis. Jobs pagou US$ 10 milhões pela compra da Pixar, porém teve de investir US$ 50 milhões de seu capital pessoal para mantê-la à tona. Um dos objetivos iniciais era comercializar hardware e software de computação gráfica. Em 1991, como isso não atingiu as metas de receita, ele demitiu um terço do pessoal e manteve só a

Toy Story3

Ratatouille Carros

2006

2007

divisão de animação. Outro período crítico foi em 1996, durante a produção do segundo longa, Vida de Inseto. A Disney, que distribuía e cofinanciava os filmes, pediu uma sequência de Toy Story, para venda em vídeo. Mas Lasseter e a equipe estavam envolvidos em Vida de Inseto e montou-se uma equipe inexperiente. A oito meses do lançamento, o grupo de Lasseter teve de assumir Toy Story 2, e o que levaria 18 meses foi finalizado em tempo recorde. Diz Catmull: “Tiramos daí duas grandes lições: (1) A diferença não está nas ideias, e sim nas pessoas. Em Hollywood, muitos procuram boas ideias para transformá-las em filmes. Nós fazemos o inverso: buscamos boas pessoas e lhes pedimos ideias —um dos segredos de nosso sucesso. (2) Não se devem fazer alguns filmes medíocres e outros extraordinários; todos precisam ser excelentes.”

2010

WALL-E

2008

Up

2009

Valente

2012 Carros 2

2011

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sustentabilidade

A reciclagem compensa Todos os anos, o jornal econômi-

co The Wall Street Journal divulga uma lista das empresas de tecnologia limpa financiadas por capital de risco nos Estados Unidos. Em 2011, o Recyclebank ficou em primeiro lugar, entre cerca de 150 companhias. Ele se autodefine como uma empresa de tecnologia limpa apoiada por capital de risco que mantém o foco em incentivar o comportamento ecologicamente responsável, em grande escala. O Recyclebank surgiu por iniciativa de Ron Gonen, durante seu MBA na Columbia University, em Nova York, quando se interessou pela ideia de criar um banco de reciclagem. Sabia que o modelo deveria ser testado em um município e conseguiu emplacar um projeto-piloto na Filadélfia. Um dos primeiros investidores foi a própria universidade, que possui um fundo de capital de risco para investir em negócios de seus estudantes. Com essa contribuição e a de outros dois investidores, chegou-se à segunda rodada de financiamento,

A reportagem é de Mariana Lima, colaboradora de HSM MANAGEMENT.

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Reportagem HSM Management mostra como o programa Recyclebank implantou a estratégia de recompensar a boa atitude ambiental e desencadeou um círculo virtuoso, dando início a um modelo no qual todos ganham

liderada pela Kleiner Perkins, Caufield & Byers (KPCB), uma das maiores empresas de capital de risco do Vale do Silício, que vinha investindo em tecnologias limpas e apoiando quem colocasse ênfase no comportamento do consumidor. A terceira rodada foi encabeçada pelo Generation Investment Management, fundado por Al Gore.

Fundado em 2004, o Recyclebank tem sede em Nova York e está presen­ te em mais de 30 estados e 300 comunidades norte-americanas. A empresa possui também um escritó­rio na Filadélfia, responsável pelo atendimento ao cliente, e outro em Londres, Inglaterra, onde desembarcou depois que Boris Johnson assumiu a prefeitura pela primeira vez, em 2008. Trata-se de

SINOPSE • O Recyclebank, fundado por Ron Gonen em 2004, atua na

promoção de iniciativas e atitudes ecologicamente responsáveis. Em parceria com prefeituras, organizações privadas e cidadãos comuns, a empresa estabeleceu um programa de pontuação e recompensa para quem é ecocorreto. Quanto mais a pessoa recicla ou economiza energia, mais pontos ganha para trocar por vantagens nas companhias cadastradas no “banco”.

• Com a iniciativa, o município economiza, os moradores lucram com descontos, a comunidade se desenvolve com a troca de pontos nos negócios locais e o meio ambiente melhora.

• Hoje o Recyclebank conta com mais de 3 milhões de membros,

que, em média, poupam, com o programa, mais de US$ 130 por ano cada um, e dele participam mais de 3 mil empresas norte-americanas de setores variados, entre elas marcas famosas como Macy’s, Nestlé, Purina e Coca-Cola.

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FICHA TÉCNICA DO RECYCLEBANK Ano de fundação: 2004 CEO: Jonathan Hsu Investidores: Generation Investment Management; Kleiner Perkins, Caufield & Byers; Paul Capital Investments; Physic Ventures; RRE Ventures; Sigma Partners; The Westly Group; Waste Management Funcionários: 215 Membros: mais de 3 milhões Comunidades atendidas: mais de 300 Membros do programa de pontos: mais de 3 mil Principais prêmios recebidos: primeiro lugar entre as empresas de tecnologia limpa (The Wall Street Journal, em 2011); excelência na associação público-privada (Conferência de Prefeitos dos Estados Unidos, em 2010); pioneira em tecnologia (Fórum Econômico Mundial, em 2009); Campeões da Terra (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em 2009)

Ian Yolles

Fotos: HSM Group/iStock/Divulgação

diretor de sustentabilidade do Recyclebank

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sustentabilidade

um político entusiasmado com a ideia de promover incentivo positivo para fazer com que as pessoas tenham atitudes ecologicamente corretas, em vez de aplicar punições.

MISSÃO O Recyclebank recompensa as pessoas por reciclar. Para tanto, criou uma plataforma educativa que estimula o aumento da consciência ambiental. Na área de energia, premia quem reduz o uso doméstico de eletricidade. “Por exemplo, se alguém compra um livro na Barnes & Noble, o recompensamos por isso, e o mesmo acontece com quem decide se unir ao green team do eBay. Em outras palavras, o que fazemos é pensar nesses temas da perspectiva do consumidor”, explica Ian Yolles, diretor de sustentabilidade. A essência do negócio do Recyclebank é mudar o comportamento e o comprometimento dos consumidores. Para a empresa, os complexos problemas de nossa época exigem uma política de soluções gradativas e o setor privado deve estar orientado para a inovação radical. A ideia original do Recyclebank foi desviar os resíduos do aterro sanitário para reciclagem. Com essa premissa, os clientes óbvios eram as prefeituras, porque as cidades conseguiriam uma economia substancial. Essa foi a proposta de valor feita aos municípios, baseada na capacidade da empresa de rastrear a taxa de reciclagem de cada família, por meio de um pequeno chip colocado na lata de lixo das casas. Além disso, pesa-se o saco de lixo quando ele entra no caminhão. Então, toda semana, o morador ganha pontos em sua conta pessoal no Recyclebank.com, onde pode verificar sua pontuação e consultar um catálogo para decidir como usá-la.

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“O principal é o programa de recompensas e fidelidade: quanto mais se recicla, mais pontos se obtêm, e esses pontos podem ser trocados por descontos na compra de produtos e serviços das empresas que fazem parte do programa. Nossa função não é falar com quem já está comprometido com o tema, e sim chegar ao público em geral”, destaca Yolles.

MODELO REDONDO O modelo de negócio do Recyclebank está baseado na relação contratual com as prefeituras, porque compartilha com elas a economia que conseguem mediante o incremento das taxas de reciclagem e o aumento do número de participantes do programa. Em resumo, há um cliente que paga (a prefeitura),

mas a empresa envolve também o público em geral para ter impacto em grande escala. “À medida que incorporamos membros e comunidades, as grandes marcas de produtos de consumo em massa, como a Unilever, a Johnson & Johnson e a Coca-Cola, se interessam em participar. Por isso, também é possível pensar no Recyclebank como uma plataforma que aumenta seus rendimentos com base nas relações de marketing com as marcas”, afirma Yolles. O executivo acredita que, atualmente, todas as grandes companhias preocupam-se com o tema da sustentabilidade, seja em sua cadeia de fornecimento, seja no design de seus produtos ou na relação com o consumidor.

POR UM FUTURO SUSTENTÁVEL O Recyclebank recompensa quem adota ações verdes no cotidiano. Sua missão é incentivar os indivíduos e as comunidades a construir um mundo no qual nada seja desperdiçado. Ao educar e envolver mais de 3 milhões de membros on e off-line, o Recyclebank incrementa as taxas de reciclagem, diminui o consumo de água e de energia, promove o transporte inteligente, fortalece as economias locais e ajuda os cidadãos a obter benefícios financeiros ao adotar um modo de vida mais verde. Em média, cada membro poupa mais de US$ 130 por ano com o programa de recompensas. O “banco” é assessorado por um conselho de especialistas em sustentabilidade, executivos de negócios e representantes de organizações não governamentais. Sua rede é composta por mais de 3 mil empresas locais de alimentos e bebidas, cosméticos e saúde, restaurantes, entretenimento, esporte e lazer, vestuário, automóveis, eletroeletrônicos e outras atividades, além de mais de uma centena de grandes marcas, entre elas a Macy’s, a Nestlé, a Purina e a Coca-Cola.

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sustentabilidade

SAIBA MAIS SOBRE IAN YOLLES Não é por acaso que Ian Yolles é um dos principais gestores do Recyclebank. “Sempre me interessei por empresas que têm um propósito mais nobre que o mero fato de ganhar dinheiro e buscam fazer diferença no mundo”, afirma. Ele atuou como diretor de invenções sociais na The Body Shop e como diretor de marketing na Patagonia. Antes, foi cofundador e vice-pre­ sidente de marketing e comunicação da Nau, empresa de vestuário sustentável, consultor sênior da Dialogos, companhia de aprendizado organizacional e liderança coletiva, orientada para promover o capitalismo responsável, e diretor de marketing da Nike. No Recyclebank, supervisiona a agenda de sustentabilidade, visando integrá-la a todos os aspectos fundamentais para a marca, a experiência do consumidor e as parcerias estratégicas. Como executivo verde, aponta que o desafio ambiental mais relevante é a crise climática, mas chama a atenção para outros temas: a mudança climática, as emissões de gases do efeito estufa, o acesso à energia e às fontes renováveis, a pobreza e a segurança nacional. “São tópicos que estão tão interconectados que é difícil separá-los. Portanto, temos de pensar no sistema e em suas interconexões quando tentamos decidir onde intervir”, explica. Yolles acredita que o maior problema é “a ideia de que um empreendimento rentável é contraditório com a proposta de fazer a diferença para o bem” e sustenta que, para conseguir uma mudança significativa, deve-se alterar, mentalmente, essa premissa básica. “Uma história de sustentabilidade associada ao produto implica valor agregado e isso pode ser um diferencial”, garante.

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O recyclebank assina contrato com uma cidade e ganham todos: a prefeitura poupa verba, os moradores têm recompensas, o comércio cresce e o meio ambiente melhora O Recyclebank também está trabalhando, com os responsáveis pelo transporte em Londres, no projeto “Co-Transportation”, que visa promover e recompensar quem optar por fazer a pé ou de bicicleta os trajetos tradicionalmente percorridos em transporte público. Um aplicativo de GPS para smartphones permitirá medir e registrar as viagens. Quando o Recyclebank assina contrato com uma cidade, o prefeito anuncia, por meio da imprensa e de uma carta aos cidadãos, a chegada do “banco” e a oportunidade de participar. Depois, a empresa faz um convite específico para cada morador. Todos saem ganhando com a iniciativa: a prefeitura poupa dinheiro, os moradores geram valor econômico com o programa de recompensas, o desenvolvimento é impulsionado com a troca de pontos nas empresas e nos comércios locais —e o meio ambiente sai no lucro.

EXEMPLOS Ao ver o que está acontecendo no setor privado, Yolles encontra motivos para ser otimista. Ele aponta a Unilever como um “exemplo muito interessante”. Sob o comando de seu CEO, Paul Polman, a companhia lançou, em novembro de 2010, o “Plano para uma Vida Sustentável”, por meio do qual procura reduzir pela metade a pegada ambiental de seus produtos até 2020. Outro exemplo global é a General Electric com sua proposta Ecomagi-

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nation, uma iniciativa que não se limita ao marketing e à comunicação, mas que também está vinculada à agenda de pesquisa e desenvolvimento (P&D), inovação e crescimento da GE [veja entrevista com Beth Comstock, diretora de marketing da GE, em HSM Management nº 92, página 18]. Yolles cita, ainda, a Nike, orientada para iniciativas de sustentabilidade há três décadas, e a GoodGuide. Trata-se de uma empresa com sede em San Francisco, fundada pelo professor Dara O’Rourke, da University of California em Berkeley, onde uma equipe de cientistas desenvolveu uma metodologia para qualificar os produtos segundo seu impacto social e ambiental. Um aplicativo para smartphones permite que a pessoa consulte a pontua­ ção que a GoodGuide deu ao objeto que deseja comprar. A mais recente iniciativa do Recyclebank é a construção de uma plataforma digital para otimizar a participação das pessoas. A intenção não é oferecer mais uma experiência vir­ tual, e sim motivá-las a atuar no mundo real. O diretor exalta as oportunidades da mobilização online, porém reconhece a necessidade de outro tipo de relação para que o ciclo se feche. “A meta do Recyclebank é utilizar o espaço digital para começar a construir a conexão e a participação da comunidade, mas é só isso: o começo do processo.” HSM Management


Alta gerência

Parceira das múltis brasileiras Há cerca de dois anos, a empresa de consultoria em TI francesa Capgemini comprou a CPM Braxis no Brasil. Em entrevista exclusiva, SEU CEO e chairman, Paul Hermelin, fala sobre os desafios aqui, incluindo o de internacionalizar nossas companhias

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ntes dos anos 1960, ninguém vendia serviço na área de informática. Quando se comprava um computador, o serviço —que inclui o software— vinha de graça. Então, os fabricantes perceberam que, se vendessem a máquina “pelada”, poderiam vender serviços. E assim nasceu a indústria de serviços em tecnologia da informação (TI). No final da década, em 1967, fundava-se na França o grupo Capgemini, que oferecia outro negócio: a terceirização dos serviços de TI. Dois anos depois, a empresa já abria seu primeiro escritório em outro país, “globalizando” a ideia. Nesta entrevista concedida com exclusividade a Marcos Braga, presidente da HSM, o CEO e chairman da Capgemini, Paul Hermelin, fala sobre a evolução da terceirização na área de TI —com o multisourcing e a nuvem— e da

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própria globalização e afirma que, embora suas maiores plataformas estejam na Índia e na Polônia, o Brasil tem vantagens como economia emergente e a Capgemini quer ser parceira das multinacionais brasileiras no mundo. Você costuma dizer que, para ser um player importante do mercado, é preciso estar entre seus cinco melhores fornecedores. Por quê? Não queremos, necessariamente, ser grandes, mas queremos ser parceiros de clientes exigentes, porque, se conseguimos, temos acesso ao resto do mercado. Quando escolhemos o mercado por local ou setor, temos de rapidamente ganhar a confiança das pessoas ali para que nos vejam como líderes. A questão-chave nunca é ser grande, e sim ser confiável.

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Foi por isso que vocês adquiriram a CPM Braxis no Brasil? Também, mas foi sobretudo por conta de nossa estratégia. Antes da aquisição da CPM Braxis, éramos principalmente um grupo transatlântico entre Estados Unidos e Europa, com uma plataforma indiana. A aquisição foi o primeiro passo que nos credenciou a uma ambição global. Hoje ocupamos o quarto lugar no Brasil, atrás de três empresas norte-americanas e seguidos por algumas nacionais e latino-americanas. Mas desde o início vocês tinham essa visão de expansão para outros países... É que a globalização evoluiu muito! A entrevista é de Marcos Braga, CEO da HSM do Brasil.


Fotos: lolastudio.com HSMManagement 93 • julho-agosto 2012 hsmmanagement.com.br

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Alta gerência

Você já ouviu dizer que o mundo é plano? É isso. Graças à rede de comunicações, é possível ter colegas indianos, brasileiros e suecos trabalhando cada um durante suas horas de trabalho para que na manhã seguinte você possa atender seu cliente em Atlanta ou Estocolmo. Isso é ser global hoje. Nosso grupo tem sede na Europa, mas um terço de nossos colaboradores está na Índia. São 40 mil pessoas! Elas são responsáveis principalmente por clientes de lugares como Reino Unido, Escandinávia, Benelux, onde se fala inglês como língua de trabalho. Para as Américas, temos estruturas de atendimento no Brasil, onde o custo não é dos menores, Argentina e Guatemala. Nossas maiores plataformas, porém, são a indiana e a polonesa. Na unidade da Polônia falam 19 línguas! Parece que agora se dissemina no mundo essa ideia de que o Brasil é um país caro, infelizmente... Como está sendo o processo de abrasileirar-se? O primeiro desafio é que a economia brasileira é um pouco mais volátil do que as outras —como você deve saber, mas eu não sabia. Aqui as coisas mudam mais rápido e são mais instáveis do que na “Europa adormecida”, e a situação competitiva se altera rapida-

mente. Estamos aprendendo que é preciso ser muito vigilante. O segundo ponto é que os negócios da CPM Braxis não estavam totalmente alinhados com os do grupo; foi necessário haver uma adequação. Por exemplo, a CPM Braxis tem mais negócios na área de infraestrutura, mais de 50%, enquanto no grupo o total desse segmento é 25%. Então precisamos aceitar a diferença e aprender a respeitar uns aos outros. E o terceiro aspecto é aprender a ser fornecedor de marcas globais no Brasil, mas também escolher marcas brasileiras para torná-las globais. Queremos posicionar a CPM Braxis Capgemini para ser parceira da empresa brasileira que pretende globalizar-se —e também para apoiar empresas globais aqui. Diferenças culturais atrapalham? Eu diria que a bandeira francesa ajuda a lidar com isso. Todos sabem que a França não é um centro de tecnologia, então não é essa a questão; respeitar as diferenças culturais é obrigatório na Europa. E nos damos bem em paí­ ses como o Brasil e até mesmo a Índia porque são lugares em que as pessoas gostam de estar juntas. Temos mais respeito pela cultura dos outros do que os ocidentais em geral costumam ter.

“as culturas nas quais é mais difícil trabalhar são aquelas que tentam dominar o mundo”

Além disso, nossa empresa foi construída sobre valores um pouco incomuns. Parecem mais valores indivi­ duais do que corporativos, pois tentamos alcançar a harmonia do grupo respeitando os valores do indivíduo. Normalmente a lista de valores de uma empresa de serviços inclui ousadia e espírito de equipe, enquanto na nossa consta agir com simplicidade. Isso significa que não vamos ser tão arrogantes, tão técnicos —a ideia é não se esconder atrás de jargões tecnológicos que ninguém entende. Outro ponto é a honestidade, tanto no aspecto financeiro como na relação interpessoal. Para nós, as culturas nas quais é mais difícil trabalhar são aquelas que tentam dominar o mundo, como a norte-americana. Agora, de qualquer modo, a Capgemini adotou o inglês como língua de trabalho em 1985. Algumas pessoas dizem que os norte-americanos e os franceses são parecidos. Como você vê isso? Não são tão diferentes quanto franceses e alemães, como quando comparamos o culto do improviso na França com o culto da organização e disciplina na Alemanha. Mas somos, sim, diferentes de uma empresa norte-americana —na França, tanto quanto no Brasil, tendemos a querer combinar a ambição nos negócios com a qualidade de vida pessoal. Por isso é que digo que o difícil é lidar com culturas que querem ser dominantes globalmente ou que desprezam o que é relativo a pessoas. Chineses são difíceis? Muito! Chineses não falam inglês. Aprendem, mas esquecem, pois não usam. E não usam porque não têm a mente aberta para o mundo. O mesmo vale para os Estados Unidos. Você sabia que apenas 40% dos congressistas norte-americanos têm passaporte? Realmente inacreditável. E a cultura brasileira? É fácil trabalhar nela? Eu diria que sim, há o orgulho nacional e algumas características locais, mas é uma cultura aberta aos outros.

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Alta gerência

Saiba mais sobre Paul Hermelin Já CEO da Capgemini, Paul Hermelin também assumiu, em maio de 2012, a presidência do conselho de administração da empresa, no lugar do fundador, Serge Kempf, que, aos 77 anos, passou à vice-presidência. O executivo iniciou a carreira no Ministério das Finanças francês no governo François Miterrand, na gestão de Jacques Delors (1981-1984), que, na época, foi o líder da Comissão Europeia que implantou o euro. Ele também trabalhou no Ministério de Pesquisa e Tecnologia entre 1988 e 1991 e foi chefe de equipe do Ministério da Indústria e Comércio da França de 1991 a 1993. Para Hermelin, essa experiência governamental foi um desafio empolgante, mas difuso. “Em uma empresa, você sabe exatamente seu papel e consegue mensurar seus resultados, o que não acontece em uma equipe de governo.” Ao sair do setor público, começou a trabalhar na Capgemini. Em 2000, a empresa se uniu à Ernst & Young Consulting e ele se tornou seu diretor de operações. Em 2002, já ocupou o cargo de CEO, que mantém até hoje, além de acumular diversas posições diretivas na matriz e em subsidiárias. Em 2011, a Capgemini faturou 9,7 bilhões de euros globalmente. Como você vê o futuro no Brasil? Somos a quarta do setor e nos perguntamos se podemos nos tornar a terceira. Para isso, teríamos de sair de nossos 3,6% de mercado para chegar a 5%, que é a posição do terceiro colocado, o que acho possível. Em relação ao mercado, queremos crescer mais rápido do que ele, progressivamente, tentando galgar essas posições. Vocês trabalham com planejamento de quantos anos adiante? A cada cinco anos, lançamos um documento chamado “Tecnovision”, no qual tentamos prever para onde vai a tecnologia. Com base nisso, fazemos nosso planejamento estratégico, que geralmente é de quatro a cinco anos. Depois vem o ciclo do orçamento, e a cada 12 meses tudo é revisado. Vocês foram capazes de prever algum blockbuster nesses documentos? Vimos alguns, outros deixamos passar. Por exemplo, entendemos a importância da internet em 1994, o que foi muito bom, porém não nos demos conta da

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explosão da mobilidade. Para mim, a grande questão atualmente é se e como seremos capazes de controlar os dados —e de interpretá-los. A terceirização atingiu seu limite ou está apenas se transformando? Acho que a terceirização vai crescer mais no mercado não anglo-saxão, porque ainda é muito nova, considerando Europa e Brasil. E mudará sua natureza para o cloud service [serviço em nuvem], com outro nível de desenvolvimento. Nos Estados Unidos, estão fazendo multisourcing, ou seja, terceirizam para váriios fornecedores. Como um líder deve ser, para você? A primeira coisa é que ele tem de passar tempo suficiente na seleção de gente —é incrível a diferença que a pessoa certa no lugar certo faz no desempenho. E, para construir relações com os outros, o líder deve ser rígido e extremamente amável ao mesmo tempo. Soa estranho, mas é como busco ser. Quando falo em pessoas, eu me refiro a funcionários, clientes, fornecedo-

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res, todos. O difícil é que você tem de conhecer as pessoas para que possa demonstrar alguma empatia. Quando se administra um negócio de pessoas principalmente, conhecê-las está na descrição de cargo do líder. Elas precisam sentir confiança, ainda que um pouco de sentimento de medo também seja necessário. Estamos enfrentando uma guerra por talentos no Brasil e pergunto: qual é a fórmula de sua empresa para encontrar os melhores talentos? Eu me envolvo pessoalmente sempre que existe alguém que valha a pena. Por exemplo, na Índia, onde selecionamos 15 mil pessoas por ano, temos uns cinco headhunters procurando talentos maiores e eles me ligam quando encontram; todo mês conheço até cinco pessoas —são indicações de todos os tipos, de talentos para todos os setores e níveis e de qualquer idade. HSM Management


MINIDOSSIÊ Gestão à brasileira

O novo

empreendedorismo As startups estão renovando o empreendedorismo no Brasil. Reportagem mostra que, em todo o País, jovens motivados desenvolvem novos produtos e novas maneiras de consumir

U

m novo tipo de empreendedorismo está chegando ao Brasil —e mais rápido do que muitos têm conseguido enxergar. Enquanto alguns nem entendem exatamente o termo “startup”, confundindo-o com “spin-off” e outras palavras de língua inglesa faladas aqui e acolá, outros o interpretam ao pé da letra, como referente a uma companhia que acaba de entrar no mundo dos negócios. No entanto, trata-se de um conceito que se tornou específico: tem a ver principalmente com empresas iniciantes que trabalham com tecnologia e inovação. Elas praticam um empreendedorismo gerador de mais empregos e de maior riqueza do que a média, que se convencionou chamar de “empreendedorismo de alto impacto”, por sua grande influência social (ambiciona mudar o mundo ou o modo como o vemos) ou financeira (essas organizações são pensadas para render muito em pouco tempo). No segundo caso, uma startup é uma empresa iniciante com a missão de desenvolver, em pouquíssimo tempo (às vezes uma noite de insônia), um modelo de negócio escalável e replicável, ou seja, com o máximo de lucro, no mínimo de tempo, pelo menor custo unitário de produção possível. Dessas características derivam mais duas: as startups são companhias que atraem capital de risco e, na maioria das vezes, têm em sua base tecnologia inovadora vinculada à internet. Essa relação entre startup e internet é quase uma regra e vem se difundindo nos Estados Unidos desde a década de 1990, período da bolha da internet. No Brasil o fenômeno começou a mostrar seu potencial nos primeiros anos do milênio, mas só em 2010 e 2011 ganhou força e tende a se popularizar em 2012. O cenário propício para esse crescimento em solo brasileiro é constituído de vários fatores. Primeiramente, somos 78 milhões de internautas, segundo pesquisa Ibope/Nielsen. Depois, há o fenômeno da geração Y, pessoas nascidas no final da década de 1980 e nos A reportagem é de Elizabeth Cardoso, colaboradora de HSM MANAGEMENT.

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anos 1990, com intimidade com os recursos tecnológicos e inaptidão para ter chefes, cumprir horários rígidos e lidar com estruturas que as impeçam de ser criativas e inovadoras. Soma-se a isso a tendência dos brasileiros ao empreendedorismo de modo geral. Pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor aponta que em 2009 o empreendedorismo no Brasil cresceu 97% em relação a 2008 e, pelas estimativas do Sebrae, de julho de 2009 para cá, o Brasil ganhou mais de 2 milhões de empreendedores formais. A associação de instituições de ensino ao fenômeno, por meio da oferta de cursos, também o tem fortalecido —isso ocorre com universidades que têm incubadoras de viés tecnológico, em geral, e com faculdades como a Fiap, de São Paulo, que vem selando parcerias com a Singularity University para isso. Por ser um fenômeno recente e mutável por natureza —as empresas abrem, fecham, fundem-se e são vendidas em questão de dias ou meses—, não há dados ou estatísticas suficientes sobre esse boom. No entanto, especialistas da área concordam que, em 2011, esses empreendimentos proliferaram pelo País. “Em 2009, recebíamos cerca de cinco projetos por semana; em 2011 (e até agora), passamos a receber 50. Nos meetups [encontros informais de empreendedores] que realizamos, a cada reunião o número de participantes aumenta consideravelmente”, afirma Yuri Gitahy, investidor-anjo e fundador da Aceleradora, que apoia startups na gestão e com capital semente. A pesquisa Empreendedor Digital Brasil, realizada pelo Prêmio RBS de Empreendedorismo e Inovação em setembro de 2011, indica que há no Brasil algo entre 800 e 1.000 startups [veja quadro na página ao lado]. Para Cristiano Nobrega, diretor de novos negócios digitais do Grupo RBS, o número é bastante representativo. “Levando em conta a amostra da pesquisa, pode-se considerar esse número. Mas é como uma fotografia: esse foi o retrato de setembro de 2011, possivelmente no decorrer de 2012 teremos novos retratos.” Foram realizadas 770 entrevistas, tanto com empreendedores como com universidades e organizações que agregam startups em todo o Brasil.


AND BRAZIL STARTS UP 800 a 1.000

startups existem no Brasil (segundo levantamento de setembro de 2011)

2009

o investidor-anjo Yuri Gitahy recebia

5

projetos por semana

Em 2009, o Buscapé foi um marco; conseguiu US$ 340 milhões ao vender 91% do negócio

91%

2012 o investidor-anjo Yuri Gitahy recebe

700

negócios com startups no Vale do Silício, somando US$ 5 bilhões

50 negócios

50

com startups no Brasil, somando R$ 500 milhões

projetos por semana

Comparação Brasil x Vale do Silício* * Nos nove primeiros meses de 2011.

Fusões, aquisições e aportes de capital em startups tornados públicos:

8

22

63

2009 2010 Sem dúvida, a tendência é de crescimento. “O Brasil tem muita carência, tudo precisa ser feito, por isso as coisas acontecem com muita velocidade. Em um ano e meio o cenário mudou radicalmente e vai continuar intenso nos próximos anos”, avalia Cássio Spina, fundador da Anjos do Brasil, organização que reúne investidores-anjo.

61%

2011 são jovens (61% têm entre 20 e 30 anos)

Empreendedor e investidor, um (des)casamento Cristiano Nobrega chama a atenção para o descasamento entre empreendedor e investidor. “Só 20% dos empreendedores de startups apresentaram projetos para investidores e a maioria se banca sozinho. O cenário econômico brasileiro dos últimos 15 anos não favoreceu os investimentos no setor, mas com a estabilidade financeira do País isso deve mudar.” No entanto, se de um lado os jovens empreendedores não estão preparados para conquistar recursos, de outro faltam investidores que acreditem no talento brasileiro. De modo geral, o caminho para conseguir financiamento é linear, começando com aceleradoras, que apoiam o desenvolvimento da ideia e do projeto oferecendo mentores, conselheiros. Quando há investimento financeiro, porém, dificilmente é superior a R$ 50 mil. Na segunda etapa, entra em cena o investidor-anjo, pessoa física, em geral um executivo, que ajuda a transformar protótipos em empresas, e os investimentos ficam em torno de R$ 100 mil. Na terceira etapa, as startups conseguem ajuda de capital semente para encontrar um modelo de negócio escalável e aumentar a equipe, e então os aportes chegam a cerca de R$ 500 mil. Da quarta etapa em diante, os investimentos ultrapassam R$ 1 milhão. A partir daí, os empreendedores começam a ter dificuldade para encontrar apoio financeiro. “Estamos apenas começando, o mercado de venture capital é muito pequeno e carecemos de profissionais aptos para gerir os

75%

do sexo masculino (75%)

de alto poder aquisitivo (86% vêm das classes A e B)

86%

95%

1%

com boa escolaridade (95% estão cursando ou possuem curso superior) de 100 startups, 1 recebe investimentos

Fontes: Empreendedor Digital Brasil, pesquisa realizada pelo Prêmio RBS de Empreendedorismo e Inovação (setembro de 2011), e Diego Gomes, blogueiro especializado no setor e cofundador da EverWrite.

O perfil do empreendedor HSMManagement 93 • julho-agosto 2012 hsmmanagement.com.br

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MINIDOSSIÊ Gestão à brasileira

Ledface: potencializando a inteligência coletiva Você quer saber como começar e se dar bem como empreendedor? A resposta pode estar no Ledface (www.ledface.com), startup criada por quatro engenheiros formados pela Unicamp e estabelecida em Campinas. O serviço, lançado no final de 2011, pretende responder a perguntas específicas dos usuários com a inteligência coletiva. Algoritmos selecionam perfis de usuários cadastrados e enviam as questões aos mais capacitados a responder. Ao contrário dos sites de perguntas e respostas já existentes, nos quais qualquer um pode dar seu “pitaco” e se identificar, a ideia aqui é propor uma única resposta, anônima, que seria mais confiável do que se lançada aleatoriamente na rede. O fato de as respostas serem anônimas, segundo seus criadores, é importante para evitar a exposição de egos. Em contrapartida, isso pode afastar pessoas interessadas em ter crédito sobre seu conhecimento. O Ledface foi lançado a partir de um investimento dos sócios de US$ 30 mil, em português e inglês, já visando o mercado internacional. O serviço é inspirado no Aardvark, comprado pelo Google e por enquanto desativado, mas concorre com o Quora, que tem a mesma pretensão de dar respostas mais precisas e corretas com base no conhecimento dos usuários da rede., porém identificando os respondentes.

fundos. Por outro lado, buscamos mais pessoas empreendedoras e capacitadas para valorizar seus negócios do que boas ideias, por isso o mercado trabalha com a proporção de 100 para 1, ou seja, de cada cem startups, uma vai receber investimentos —isso explica por que alguns empreendedores brasileiros têm preferido ir tentar a sorte nos Estados Unidos, especialmente no Vale do Silício”, diz Humberto Matsuda, da Performa Investimentos. O que investidores locais como ele argumentam? “Os novos empreendedores têm propostas criativas, mas ainda falta provar potencial de valorização, porque para os fundos interessa mais que a empresa se valorize do que cresça, pois visam a venda do em­ preendimento”, afirma Matsuda. (É diferente, por exemplo, da postura de Guy Kawasaki, que, na HSM Management nº 92, disse que a criatividade do empreendedor é o que mais conta.) De acordo com Matsuda, os fundos profissionais, com registro na Comissão de Valores Mobiliários, não chegam a 30 e a maioria está sediada —e fecha negócios— em São Paulo. Tal cenário financeiro pode explicar o segundo aspecto a ser destacado da pesquisa Empreendedor Digital Brasil: 93% das startups estão nas regiões Sul e Sudeste, com maior concentração em São Paulo (62% delas) e forte presença em Belo Horizonte (MG) e Florianópolis (SC). Na região Nordeste, Recife (PE) desponta com potencial tecnológico. Outras localidades apresentam tendência de crescimento, como Brasília, Campina Grande (PB) e cidades que possuem importantes cursos universitários em engenharia e ciências da computação.

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Investidor-anjo e fundador da Aceleradora, Yuri Gitahy trabalha na gestão das startups e fornece capital semente para novos empreendedores

No Brasil inteiro Segundo a Associação Brasileira de Startups (ABS), fundada em outubro de 2011, 30% das startups estão em São Paulo (capital e Campinas), 20% em Minas Gerais, 15% no Rio de Janeiro e 35% espalhadas por outros estados. “Há startups em Florianópolis, Porto Alegre, Curitiba, Recife, e com menos intensidade em cidades do Amazonas e de Rondônia”, confirma Gustavo Caetano, presidente da ABS e cofundador da Samba Tech, ambas sediadas em Belo Horizonte. “O cenário está diluído pelo litoral brasileiro e no interior do País por causa de dois fatores principais: a internet e a presença de núcleos de educação fortes, como a Universidade Federal de Pernambuco [UFPB], a Universidade Federal de Santa Catarina [UFSC], a Universidade de São Paulo [USP], a Universidade Estadual de Campinas [Unicamp] e a Universidade Federal de Minas Gerais [UFMG]”, completa. A proliferação de startups no bairro de São Pedro, na zona sul de Belo Horizonte, fez com que ele ficasse conhecido como San Pedro Valley, numa referência ao Vale do Silício. “Não foi planejado, aconteceu. Um foi chamando o outro, dando dica de casas disponíveis, e quando vimos éramos todos vizinhos”, conta Diego Gomes, da EverWrite, que compartilha as redondezas com a Deskmetrics, a Omnilogic, a Hotmart, a Anuncie.la e muitas outras startups mineiras. Além da proximidade com a UFMG, quase todos os empreendedores do San Pedro Valley estudaram lá, e a atuação de vários fundos de investimento também ajuda no enraizamento das em-


presas; Insight Venture Partners, Benchmark Capital, Tiger Global, BV Capital, Accel Partners e Rocket Internet são alguns dos mais atuantes. Soma-se a isso a presença do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Google e de startups que já se provaram no mercado, como a Samba Tech. Fundada em 2005 por Gustavo Caetano, então com 22 anos de idade, a Samba Tech surgiu para sanar um problema pessoal: a falta de jogos disponíveis para celular. Em 2006, mudou de foco para atuar no negócio de soluções de vídeos online, ou webTV —eles gerenciam e distribuem vídeos para empresas. Em 2008, veio o primeiro cliente de peso, o portal de notícias do Grupo Bandeirantes, acompanhado do investimento de R$ 5 milhões, e, em 2009, a Samba Tech já possuía 80% do mercado nacional de soluções de vídeos online para organizações. Hoje, com 60 funcionários, estima-se que valha R$ 50 milhões —faturou R$ 15 milhões no ano passado e a previsão é de R$ 20 milhões em 2012. E começou o ano com muitas novidades:

selou joint venture com a Adstream, líder mundial em soluções digitais para o mercado publicitário, iniciou a operação da Samba Ads, unidade de negócios focada em publicidade em vídeos online, abriu escritório na Argentina e já tem clientes como El Comércio no Equador, Telethon na Colômbia e America TV na Argentina. A capital mineira também abriga a sede do Grupo Instituto Inovação, mais conhecido como o organizador do Startup Farm, programa de aceleração de negócios digitais em um mês de imersão. O instituto oferece, ainda, consultoria de inovação e transferência de tecnologia para empresas e governos em geral e atua como fundo de investimento. Fundado em 2002, abriu escritório em Campinas (SP), atraído pela Unicamp, e em Bogotá, Colômbia. “Não acredito que haja especificidades regionais; a essência gestora de uma startup é a mesma em Minas Gerais, Santa Catarina ou Pernambuco”, afirma Felipe Matos, cofundador do Grupo Instituto Inovação. “O que há é vocação regional: Recife tem viés mais tec-

As 10 características de nossa startup

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Tem modelo de negócio replicável e escalável. Isso minimiza o custo unitário de produção e facilita gerar o máximo de receita com o mínimo de custo.

Não se preocupa em “morrer” precocemente. O modelo tradicional se constrange e evita a qualquer preço não durar ou falir; este, não.

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Entre o mapa e o terreno, fica com o terreno. Esse é um dos lemas das startups. Se o modelo tradicional investe anos em planejamentos (as incubadoras chegam a incubar as empresas iniciantes por quatro anos), as startups fazem acontecer rápido.

Cresce rápido, obrigatoriamente. Em cinco anos, uma startup já quer estar registrando um faturamento anual de R$ 50 milhões. A meta é ambiciosa, mas a ambição é parte importante do conceito “startup”.

5

Seu empreendedor é desapegado. Se o empreendedor tradicional é passional, este não pensa no longo prazo; empreende em série e, geralmente, vende sua empresa em cinco ou dez anos.

Faz validação de baixo custo. Rejeita as custosas pesquisas de mercado para comprovar suas ideias; a internet e outras ferramentas criativas é que lhe dão insights.

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Não acredita no valor de uma ideia em si, mas na execução. O exemplo clássico é a disputa jurídica sobre quem inventou o Facebook —não importa; o que vale é quem o executou.

Libera a equipe para inovar. As equipes das startups não buscam diferencial de mercado, e sim a inovação, o desenvolvimento de um novo produto ou de um novo modo de consumir. Para isso, têm total liberdade para criar e um ambiente profissional propício.

Não possui hierarquia de fato. Os escritórios deixam tudo plano, ou seja, presidentes, sócios e funcionários trabalham no mesmo espaço, o que facilita a comunicação constante, e a melhor solução pode vir de qualquer membro da equipe, o que aumenta a confiança.

Colabora até com concorrentes e desconhecidos. A troca de ideias e serviços entre colegas de trabalho, concorrentes e até desconhecidos é frequente no ambiente startup.

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Fontes: Yuri Gitahy, da Aceleradora, Gustavo Caetano, da ABS, e Felipe Matos, do Grupo Instituto Inovação, entre outros.

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O escritório comunitário The Hub, em São Paulo: startup e plataforma para a colaboração de outras startups

casos: We Do Logos + The Hub Duas características predominantes dos empreendedores de startups são a juventude e a colaboração constante nos negócios. Os dois fenômenos estão ligados por um terceiro, a geração Y. Os que nasceram no final da década de 1980 e durante os anos 1990 são a maioria nas startups. “Provavelmente isso acontece porque eles têm mais intimidade com o mundo digital, são multitarefas por definição, buscam um sentido para a vida —ou seja, não trabalham apenas para ganhar dinheiro—, estão acostumados a viver em ambientes de baixo nível hierárquico —as famílias e as escolas modernas são mais abertas—, têm uma ansiedade enorme e, especialmente, são menos individualistas, gostam de trabalhar coletivamente. Tudo isso é muito bem-vindo nas startups”, avalia Bob Wollheim, cofundador da Sixpix Content, produtora de conteúdo especializada na geração Y, e autor do livro Empreender Não É Brincadeira (ed. Negócio). A ação colaborativa não é, contudo, pessoas trabalhando juntas, como alguns pensam. “Negócio colaborativo é quando o empreendedor conta com a participação de associados que contribuem com parte do negócio”, explica Wollheim. A plataforma We Do Logos é um exemplo. O cliente do site ingressa com uma necessidade, como uma logomarca, um site institucional ou uma ilustração, e imediatamente centenas de profissionais têm acesso à demanda e apresentam projetos. Ao final, consegue-se, por exemplo, um logotipo por um valor inicial de cerca de R$ 250. “Todo mundo ganha: o designer consegue trabalho, o cliente realiza sua meta a um custo baixo e o site fica com uma pequena porcentagem do valor do serviço”, aponta Wollheim. Outro caso de negócio colaborativo é a rede The Hub, uma espécie de escritório comunitário. Cada empreendedor

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paga um aluguel, com planos a partir de R$ 60, para utilizar o espaço e sua infraestrutura e fazer parte da rede. A iniciativa surgiu em Londres, Inglaterra, em 2006 e chegou a São Paulo em 2008, com a proposta de proporcionar ambiente colaborativo para empreendedores sociais, pessoas que buscam gerar impacto social positivo por meio de seu trabalho e produto. Também estão no The Hub Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. No mundo são quase 30 cidades com redes semelhantes. “Cada empresa pode ter no máximo quatro integrantes e, quando cresce, acaba mudando-se para um lugar próprio, mas continua ligada à rede. O principal diferencial é essa participação, pois ela representa o nascimento de novos negócios e parcerias. Aqui predomina a geração Y, pessoas entre 20 e 30 anos de idade. Isso é o normal no The Hub no mundo, pois os Ys não se afirmam pela posse, e sim pela realização”, explica Henrique Bussacos, cofundador do The Hub São Paulo, que hoje tem 210 membros e reúne 2 mil pessoas. A sinergia entre os negócios da rede é garantida por um anfitrião, que observa o potencial colaborativo do grupo e indica as possibilidades para os envolvidos. Por exemplo, um contador presta serviços com custo menor para os integrantes da rede, um designer ajuda um assessor de imprensa, que, por sua vez, o auxilia com produção de texto, e assim infinitamente.


Foto: Divulgação

João Bernartt, um dos sócios da Chaordic Systems, de Florianópolis

nológico; São Paulo é mais forte em negócios; Belo Horizonte tenta unir tecnologia e negócios e começa a apresentar talento para biotecnologia; Brasília se destaca com os portais educacionais voltados para concursos; Florianópolis trabalha com a questão do fluxo de informação; e Rio de Janeiro é mais forte em B2B [business-to-business], moda e entretenimento. Ou seja, tem mais a ver com o mercado local onde as startups estão inseridas. Em geral, elas nascem localmente e crescem globalmente e, muito cedo, acabam buscando o mercado de São Paulo e Rio de Janeiro.” Bruno Inojosa concorda. Com 24 anos, recém-formado em ciências da computação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele é cofundador da MobiClub. A startup, com um ano de vida, divide espaço com mais 12 incubadas no Porto Digital de Recife e oferece dois produtos principais: desenvolvimento de aplicativos de acordo com a demanda dos clientes e o MobiClub. Este é um aplicativo para pagar a conta em bares e restaurantes: quando chega ao estabelecimento, o cliente informa o número de seu celular para o garçom e acompanha as somas parciais de seu consumo, fecha e paga a fatura sem sair da mesa, enfrentar filas ou falar com um atendente. “O produto é muito bem-aceito pelos estabelecimentos e pelos clientes, só que temos de esperar a legislação de nota fiscal eletrônica ser aprovada e implantada”, conta Inojosa que, no entanto, quer mudar para São Paulo. “Quase todas as startups daqui acabam indo.”

Assim como a MobiClub, as dezenas de startups de Recife têm como referência o Porto Digital, que acaba de lançar sua aceleradora. Situado na ilha que deu origem à cidade, é focado no desenvolvimento de software. São cerca de 200 organizações e duas incubadoras (com 16 incubadas) gerando 6,5 mil empregos e faturamento estimado em R$ 1 bilhão, 3,5% do PIB de Pernambuco, incluindo empresas como a Microsoft, a Oi e a IBM. “As startups se favorecem muito da estrutura do Porto, e a gente entra por meio dos convênios com a universidade federal. É um bom começo”, avalia Inojosa. Campina Grande deve seguir o mesmo caminho de Recife, pois sua forte tradição tecnológica propicia o surgimento de startups. “A Fundação Parque Tecnológico da Paraíba atua há 25 anos na região e já formou 83 empresas. Hoje temos 37 incubadas em parceria com universidades, o governo, o Sebrae e entidades federais de pesquisa. Nosso tempo de incubação leva de três a quatro anos”, explica Francilene Procópio Garcia, diretora-geral da fundação e secretária-executiva de Ciência e Tecnologia do Estado da Paraíba. Florianópolis vem ganhando repercussão nacional. Tornou-se referência de inovação em tecnologia por necessidade, pois a legislação ambiental proíbe o estabelecimento de indústrias na região e foi necessário encontrar alternativas para gerar renda e postos de trabalho. Outro fator importante foi a fundação de um poderoso curso de engenharia na UFSC há 45 anos. Com o apoio dos governos locais e de empresas privadas, a universidade estabeleceu no balneário, em 1984, a Fundação Centro de Referência em Tecnologia Inovadora (Certi), que, por sua vez, deu origem à primeira incubadora de empresas de tecnologia do Brasil. Hoje, a capital catarinense abriga 600 empresas de tecnologia, 80% delas micro e pequenas, que geram 6 mil empregos e receita anual de cerca de R$ 1 bilhão. A Chaordic Systems, startup de Florianópolis fundada em 2008, levantou R$ 1 milhão de investimentos iniciais por meio de editais públicos de fomento à pesquisa e inovação. “Um de nossos produtos é o Chaordic OnSite, software de recomendações para suporte, mediação e automação do processo de escolha de produtos e serviços pelo consumidor de lojas virtuais”, explica João Bernartt, um dos sócios. Ícones do e-commerce mundial, como a Amazon e a Netflix, há anos utilizam tecnologia similar; no Brasil, a Livraria Saraiva foi uma das primeiras redes de lojas a adquiri-la da Chaordic. “Editais de concorrência pública e duas incubadoras criam em Florianópolis um cenário favorável para os jovens empreendedores. E temos gente com ótima formação tecnológica, mas carecemos de aptidões gerenciais e de mais fundos de investimento”, avalia Eric Santos, engenheiro, fundador da Resultados Digitais e mentor da Aceleradora. No Brasil, ainda sempre parece faltar uma peça, mas estamos evoluindo.

Recife tem viés tecnológico e Campina Grande vai pelo mesmo caminho

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FNQ

foco na = qualidade

Q

uem colabora com a Fundação Nacional de Qualidade adora usar a palavra “causa”. E, dependendo do contexto, o termo chega a significar “cruzada”. “É isso mesmo. A gente procura elevar o nível de gestão para que o Brasil seja um país melhor —mais competitivo, mais rentável, que gere valor para a sociedade”, observa Jairo Martins, pernambucano de 61 anos, superintendente-geral da entidade, que, em 2011, completou 20 anos. A missão da FNQ é disseminar os fundamentos da excelência em gestão e assim aprimorar a qualidade dos processos de produção no Brasil. Nascida da necessidade de buscar a excelência na administração de empresas, passou pela criação do Prêmio Nacional de Qualidade e se expandiu como centro de conhecimento para companhias de grande, médio e pequeno portes e profissionais. Hoje, na área de gestão, quase nada escapa ao escopo da fundação, que já mira os benefícios estruturais decorrentes de grandes eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada. “Serão oportunidades de ouro. Temos de nos preocupar com o que vai acontecer antes, durante e depois de cada evento. E podemos ajudar, porque os problemas atuais são principalmente de gestão”, vaticina Martins. A reportagem é de Alex Sabino, colaborador de HSM MANAGEMENT.

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com seu método “MEG”, a Fundação Nacional de Qualidade mostra o empreendedorismo de um celeiro de conhecimento que serve a empresas em busca de excelência gerencial, como revela esta reportagem

Jairo Martins, superintendente-geral da Fundação Nacional de Qualidade

E O MEG gera desempenho Uma pesquisa feita em 2011 pela Serasa Experian avaliou a gestão de 202 empresas que aderiram ao Modelo de Excelência em Gestão (MEG) da FNQ. A pesquisa levou em conta o desempenho das empresas em 2000 e em 2010 e comparou os resultados com a média do mercado.

Crescimento de empresas do setor comercial Empresas pesquisadas

102,6%

Média do mercado

74,9%


Ele fala com entusiasmo sobre o trabalho que faz —como gosta de ressaltar— pela “causa”. Engenheiro eletrônico formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), aposentou-se na multinacional Siemens, após 35 anos de carreira —sete como executivo de negócios na Alemanha. Assim que soube que a FNQ procurava um superintendente, candidatou-se e assumiu o posto em março de 2011.

Quando a entidade foi criada, em 1991, muitos executivos falavam sobre qualidade, excelência e sinônimos. No entanto, não sabiam bem do que se tratava, nem tinham muita ideia do que a sistematização do processo de produção poderia fazer pelas empresas. “São duas décadas em que a FNQ desempenhou relevante papel na disseminação de conceitos e geração de conteúdo para a promoção da melhoria da gestão em organizações de todos os portes e segmentos da sociedade”, resume Mauro Figueiredo, presidente do conselho curador. Atualmente reunindo 260 companhias dos setores público e privado, a Fundação Nacional de Qualidade é uma instituição sem fins lucrativos. Desenvolve atividades visando a capacitação, cooperação, mobilização, inovação e premiação vinculadas ao planejamento estratégico e operacional. Também promove práticas de excelência por meio de cursos, seminários, publicações, webchats e programas de benchmarking e oferece o Prêmio Nacional de Qualidade (PNQ), considerado o maior reconhecimento à qualidade na gestão corporativa brasileira. A fundação também está envolvida no MPE Brasil — Prêmio de Competitividade para Micro e Pequenas Empresas, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Em 2011, mais de 32 mil organizações participaram da primeira fase para concorrer à premiação de 2012, um crescimento de 43% em relação ao ano anterior. A cada 12 meses, 3 mil pessoas são capacitadas em workshops e cursos promovidos pela FNQ. Em duas décadas, 490 mil critérios de excelência foram distribuídos e 250 mil pessoas conseguiram capacitação no Modelo de Excelência em Gestão (MEG), o pilar da estratégia [veja quadro abaixo]. “Dobramos de tamanho nos últimos cinco anos com a adoção dos fundamentos e práticas da FNQ”, informa Jaime José Vergani, diretor

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Reconhecimento da qualidade

Entrega do Prêmio Nacional de Qualidade de 2011, realizada em dezembro, que destacou a qualidade da gestão de empresas de energia elétrica

de suprimentos, administrativo e financeiro da Randon Implementos. A companhia segue os critérios de excelência da fundação desde 1992 e foi finalista do Prêmio Nacional de Qualidade de 2011.

Empresas de energia dominam Nos últimos anos, a premiação tem sido dominada por empresas de energia. Os resultados são atribuídos ao planejamento de longo prazo e à dedicação a uma estratégia organizacional e de busca da excelência. Das 15 homenageadas, dez foram do ramo energético. Essa hegemonia não surpreende os que acompanharam o processo de perto. Ao contrário, é vista como exemplo para outros setores da economia. “Queremos que sirva de modelo. As empresas de energia, quando se começou a falar em privatização, olharam

Margem Ebtida (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização)

Endividamento de empresas da área de serviços

Margem de lucro ajustada nas empresas de serviços

Dívidas bancárias de empresas industriais

Indicador de investimentos no setor de serviços

Indicador de investimentos na indústria

27,7%

51%

12,4% sobre o faturamento líquido

37%

14,5% do faturamento

12,1% do faturamento

19,5%

58%

11,1%

46%

12%

7,5%

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A 19ª edição do Seminário Internacional em Busca da Excelência, que aconteceu em junho de 2011, destacou o tema “Gestão da inovação para sustentabilidade”

A FNQ está pronta para atacar nossos problemas estruturais

as necessidades dos usuários, fizeram programas estruturados para todos os distribuidores. Isso começou há dez anos, quando deram início ao processo de capacitação do pessoal”, ressalta Martins. Quatro foram premiadas e seis, consideradas destaques pelos critérios estabelecidos pela FNQ. Todas elas são organizações que aderiram ao MEG. “Precisamos estar preparados porque nossa atividade vai mudar ainda mais nos próximos dez anos. Desde a década de 1990, as empresas de energia se envolveram profundamente com a causa da qualidade [na gestão]. O reconhecimento prova que estamos cumprindo a obrigação de oferecer eficiência nos serviços prestados à população”, comemora Hélio Viana Pereira, presidente da CPFL Piratininga, uma das premiadas em 2011.

Além das empresas No decorrer dos 20 anos, a FNQ conseguiu aprofundar seu viés de centro de conhecimento. Aos filiados, oferece uma gama de recursos que conta até com softwares de autoavaliação e banco de boas práticas. Compartilha mais de 500 exemplos de gestão, abrangendo liderança, estratégias, clientes, sociedade, responsabilidade socioambiental, informações, pessoas, processos e resultados, temas também abordados nas publicações produzidas pela entidade regularmente. Um dos desafios que enfrenta é se adequar às mudanças não apenas empresariais, mas também do cotidiano das pessoas, aspectos que se refletem na rotina de gestão. “Antes, a gente tinha um cenário de globalização. Hoje, é de rapidez e redes de relacionamentos. O

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cliente está aqui dentro, a volatilidade é muito grande. Vivemos um momento em que influências climáticas interferem nos negócios. O modelo acompanha a evolução do cenário. É preciso se adaptar rapidamente”, analisa Martins. Para ele, a FNQ está pronta para influir em questões maiores no Brasil. Chegou o momento em que a fundação entrará no campo de batalha dos problemas estruturais. Alguns gargalos seculares, como educação e saúde públicas, estarão no centro do debate, passando também por questões de infraestrutura, qualificação de funcionários e combate à cultura do desperdício. Já foram feitos contatos com a Confederação Nacional da Indústria e a Câmara de Gestão criada pela Presidência da República. “Esses problemas são grandes. A construção civil é uma das áreas onde existe maior desperdício. Somos procurados [para discutir o assunto] e temos planos para colaborar. O País estará muito exposto com os eventos esportivos dos próximos anos”, lembra Martins. É um trabalho gigantesco, assim como é manter e eventualmente elevar o padrão de excelência para quem acredita no MEG. Quando completar 25 anos, em 2016, a FNQ espera estar inserida em contexto bem mais favorável para o País, estruturalmente. “Os fundamentos de excelência, ética empresarial e gestão são importantes para qualquer empresa”, defende Ricardo Corrêa Martins, diretor institucional da FNQ. Não só para as empresas, mas para o Brasil.

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Amil em Harvard

e o empreendedorismo contínuo reportagem HSM Management mostra como e por que A líder do mercado de saúde brasileiro virou case de sucesso da prestigiosa harvard business school. A autora do estudo, professora Regina Herzlinger, atirou no que viu e acertou também no que não viu

E

m 1982, o médico Jorge da Rocha foi aos Estados Unidos em busca de um professor brasileiro da Boston University que, segundo lhe contaram, poderia ajudá-lo a resolver um problema insolúvel no Brasil: montar um sistema de informações gerenciais para sua empresa, a Amil, algo então inédito em nosso mercado de saúde —ainda mais para uma companhia de assistência à saúde de pequeno porte, como era a sua então. A viagem rendeu: não só ele conseguiu o que procurava, como ainda teve um valioso insight, que dividiu, na volta, com o fundador da Amil, Edson Bueno. Para Rocha, ficara nítido que a verdadeira razão da riqueza da sociedade norte-americana é o conhecimento. Bueno quis ir conferir ele mesmo a ideia. No início de 1983, os dois aterrissaram no aeroporto de Boston em uma fria noite de domingo, passaram de táxi pela biblioteca da Harvard Business School e pararam: ela chamava a atenção pela imponênA reportagem é de Adriana Salles Gomes, editora-executiva de HSM MANAGEMENT.

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O INTERESSE E A PRODUÇÃO O case começou a nascer em novembro de 2010, quando Regina Herzlinger fez uma palestra no Health Summit, em São Paulo, a convite da Amil e da HSM, sobre sua especialidade: “health care privado com foco no paciente”. Crítica voraz da maioria das instituições de saúde dos EUA por não serem voltadas para os clientes, ela se queixa da falta de poder de escolha destes; seu próprio plano de saúde lhe é imposto pela Harvard University. No almoço da palestrante com executivos da Amil após a apresentação, eles confessaram admirar suas ideias e contaram que tinham implementado algumas delas no Brasil, como a verticalização seletiva, em que, além da operação, a empresa oferece médicos, clínicas, hospitais e laboratórios próprios, mas não obriga o paciente, em boa parte dos planos, a ir a eles —há livre escolha na rede credenciada. “Nossos executivos mostraram à Regina que, enquanto cada player especializado nos EUA vê e atende uma parte do elefante, a Amil consegue ver e atender o elefante inteiro —e mantendo o poder

de escolha do usuário”, explica Dulce Pugliese, cofundadora do Grupo Amil e vice-presidente do conselho de administração da Amilpar, usando o “elefante” como metáfora para o negócio da saúde. Herzlinger voltou para Boston e, em fevereiro de 2011, propôs à Amil desenvolver o estudo, avisando que a empresa não poderia interferir em nada. O trabalho de coleta foi feito, em quatro intensos meses, pelo pesquisador sênior da HBS para a América Latina, Ricardo Reisen de Pinho, que foi executivo do setor financeiro e é membro do conselho de administração de várias companhias. Pinho entrevistou gestores da Amil e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) —que deu informações sobre os clientes e a concorrência— e consultou uma série de fontes secundárias. A professora escreveu o caso e, em junho de 2011, a Amil recebeu-o para revisão de números. Pugliese até achou que a prática de reduzir preços aumentando a qualidade precisava ser mais bem explicada para não parecer artificial —“reduzir infecção hospitalar corta custo”—, mas Herzlinger não autorizou a empresa a fazê-lo. De qualquer modo, como todos na Amil concordaram, a essência de sua gestão estava ali.

O ESTUDO DE CASO Após um panorama inicial do mercado de saúde no Brasil —público e privado— e uma breve história da Amil, o estudo destacou: • Cultura. Como Herzlinger escreve, “durante anos, os gestores mais graduados eram médicos, com pouca ou nenhuma formação em gestão” (ainda são, mas agora têm formação complementar em gestão). O sensibilizador convívio com o sofrimento dos pacientes teria levado a Amil a desenvolver uma cultura voltada para os clientes e também para os colaboradores, a fim de que estes cuidem dos clientes, “pautada pela qualidade da saúde e pela acessibilidade”. • Essência do modelo de negócio. Enquanto a maioria das operadoras brasileiras se concentra nos clientes corporativos, de markup inferior, porém mais “seguros”, a Amil tem ampla gama de produtos de atendimento voltados tanto para clientes corporativos quanto para pessoas físicas de renda variada por meio de marcas

Foto: lolastudio.com.br

cia e por ter todas as luzes acesas às 10 horas da noite. Estava lotada de executivos estudando. “Essa imagem nos marcou para sempre”, disse Jorge da Rocha, presidente da Amil Assistência Médica Internacional, em um depoimento emocionado no vídeo que está circulando no que hoje é um grupo de empresas enorme, formado por cerca de 22,3 mil funcionários. “Ali percebemos que, se quiséssemos realmente construir uma grande empresa, teríamos de nos apoiar no conhecimento”, afirmou. O vídeo foi produzido para comunicar a todos os colaboradores que a Amil se tornara um estudo de caso em Harvard, “Amil and the Health Care System in Brazil”, pelas mãos de sua mais importante professora de gestão de saúde, Regina Herzlinger. E, embora esse tipo de vídeo tenha função motivacional, a razão para orgulho é real. Virar estudo de caso em Harvard pode ser considerado o equivalente empresarial do Oscar de melhor filme. Trata-se do método de estudo mais tradicional e consagrado do mundo dos negócios, e entre as brasileiras que tiveram tal honraria estão Ambev, Embraer e Vale. Em gestão de saúde, isso ganha contornos especiais, porque Herzlinger, cujo mais recente livro tem o sugestivo título “Quem matou o health ­care”, veio buscar inspiração para a saúde dos EUA em um país emergente tanto quanto o procura no sistema suíço. Como, porém, Harvard descobre uma empresa? Por sorte? Dinheiro importa? Como apura as informações? O que acontece depois? HSM Management foi investigar esses bastidores, descritos a seguir, e igualmente fez uma descoberta: Harvard atirou no que viu e acertou também no que não viu. Em outras palavras, Herzlinger foi atraí­ da pelo Sistema Integrado de Saúde que a Amil montou nos últimos três anos, mas, ao descrever suas causas e consequências, revelou o raro empreendedorismo contínuo de uma empresa estabelecida.

enquanto cada player vê e atende uma parte do elefante, a Amil consegue ver e atender o elefante inteiro.” Dulce Pugliese, cofundadora e acionista do Grupo Amil, VP do conselho da Amilpar

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Uma cidade da medicina Uma “medical city” é como os gestores da Amil descrevem seu Hospital das Américas, erguido no bairro carioca da Barra da Tijuca e previsto para abrir parcialmente este ano. O complexo englobará dois blocos de hospital, um de consultórios médicos (só com grandes especialistas), um de serviços complementares e um de auditório —incluirá uma sala de simulação para cirurgia robótica que o Brasil não tem. A expectativa é de que se torne um centro de referência nacional e, talvez, internacional. Vale acrescentar que a edificação é “verde”, ou seja, segue os padrões de sustentabilidade estabelecidos pelo Green Building Council para redução dos impactos ambientais. Embora ainda em discussão, pode ser montado, no mesmo local ou próximo, um centro de treinamento Amil também para profissionais de enfermagem, tanto internos como externos.

como OneHealth, Amil, Medial e Dix. Vende também serviços adicionais, como o Amil Resgate Saúde e a assistência internacional. • Expansão horizontal e vertical. Como cerca de 75% dos custos fixos de uma prestadora de saúde são despesas com hospitais, centros médicos, laboratórios e médicos, a empresa vem fazendo uma série de aquisições e promoveu a integração vertical para reduzi-los, entre outras coisas, com mais eficientes rotinas apoiadas em tecnologia e processos e o reforço de seu poder de compra com os fornecedores de materiais. • Sistema Integrado de Saúde. Em 2009, a Amil apresentou o conceito, um modelo de assistência que permite a transferência de pacientes entre hospitais gerais e especializados e centros médicos conforme suas necessidades. Isso garante tanto um serviço mais preciso e rápido ao paciente como um uso melhor e mais eficiente de recursos. Os pacientes são segmentados em três níveis, o que, por sua vez, determina as condições dos contratos com os médicos: I (emergências e primeiros socorros), II (consultas por especialidade) e III (doenças crônicas ou probabilidade de desenvolvê-las; são 12%

1972 O médico cirurgião Edson de Godoy Bueno e a pediatra Dulce Pugliese compram a Casa de Saúde São José, maternidade de Duque de Caxias (RJ).

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1978 Bueno funda a Amil Assistência Médica e convida o cardiologista Jorge Ferreira da Rocha para sócio.

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aprendemos que é a medicina de alta qualidade que gera os melhores resultados financeiros.” Edson Bueno, cofundador e maior acionista do Grupo Amil, presidente do conselho da Amilpar

da base de clientes e respondem por 60% das despesas médicas). “Os profissionais dos níveis I e II, por exemplo, devem encaminhar os pacientes de nível III para profissionais de nível III, e estes podem receber bônus associados a metas”, escreve Herzlinger (se, na frequente pesquisa de satisfação que a Amil faz com os pacientes, estes não souberem o telefone celular de seus médicos, perdem pontos). • PAQV e GPAR. O sistema integrado é acompanhado por estratégias de prevenção de doenças e pelo Programa Amil Qualidade de Vida (PAQV), em que são feitos perfis dos usuários dos planos corporativos para tomar medidas preventivas a distúrbios cardíacos, diabetes e câncer de próstata e de mama. Como relata

1980

A linha telefônica “dois, três, um, mil” vira mantra; aviões e helicópteros de resgate simbolizam a Amil; é a década do marketing —e da expansão nacional.

1993 A Amil torna-se a primeira prestadora de serviços de saúde do País a oferecer cobertura para clientes fora do território brasileiro.


Foto: Divulgação

aprendemos que, enquanto um hospital requer escala, uma empresa de saúde exige maior foco na qualidade e na capacidade de se diferenciar.” Jorge da Rocha, CEO da Amil Assistência Médica Internacional

prêmios, além de tomar medidas preventivas). O risco de uma má exposição na mídia, que preocupa toda empresa, é prevenido com ferramentas de mídia como o portal www.podtersaude.com.br, “no qual médicos e jornalistas discutem qualidade de vida e questões de saúde”, e com iniciativas de responsabilidade social, como a abordagem de “surtos de doenças como a dengue, normalmente não cobertos por planos de saúde”, cujas vítimas ela fez questão de atender e o divulgou em campanhas publicitárias. • Operações. Herzlinger enfatiza que a rede própria é grande, mas a rede de terceiros responde por 70% das despesas médicas. O case mostra o esforço da Amil para otimizar recursos e servir melhor os clientes, ilustrando-o com a criação de pequenas redes regionais dentro das cidades maiores e o incentivo aos médicos a utilizar seus consultórios como “sedes”, com ferramentas gerenciais da empresa. Herzlinger, a Amil ainda desenvolveu o software chamado Gestão de Pacientes de Alto Risco (GPAR), para identificar grupos de clientes com esse perfil e “monitorá-los de acordo com os protocolos existentes”. Entre os nove grupos de risco identificados estão idosos e mulheres grávidas. • Gestão de riscos. Segundo o case HBS, investimentos em tecnologia da informação e em processos são fundamentais para explicar a abordagem da Amil. A empresa gerencia o risco médico com base no conceito de “liberdade assistida”, conferindo poder de decisão a funcionários e associados, mas monitorando-os e controlando-os com processos —e vai “tomando medidas preventivas e corretivas sempre que necessário”. Um exemplo é sua telemedicina, que permite a médicos de nível I em áreas remotas trocar ideias com especialistas de São Paulo. Já o risco de cobrar o preço fixo por um evento desconhecido é diluído, por exemplo, pelo rastreamento dos funcionários dos clientes corporativos (análise do trabalho, hábitos e estilo de vida de cada um para ajustar os

1999-2000

Surge o Total Care, centro de medicina preventiva para quem tem doenças crônicas.

2007 É criada a holding Amilpar e a empresa lança cerca de 27% de suas ações na Bovespa.

A AULA INAUGURAL A aula inaugural de 2011 do MBA de gestão de saúde da professora Regina Herzlinger na Harvard Business School seria sobre o case Amil e foi marcada para o final de agosto de 2011, com a presença de executivos da empresa. Na véspera, já era nítido o interesse despertado pelo estudo, quando representantes de vários clubes de Harvard quiseram encontrar-se com Pugliese para saber mais da empresa —o clube das mulheres, o latino-americano, o de health care. E a aula, com mais de 40 alunos do mundo inteiro, levou duas horas. Como é próprio do método “case study”, Herzlinger pedira aos alunos que lessem o texto antes para responder a uma pergunta em sala: “Há duas potenciais aquisições de operadoras de saúde para a Amil fazer no Brasil —a Lynx e a Samcil. Qual ela deve escolher e por quê?”. A professora também instigou a turma a avaliar se a Amil possuía as seis forças que geram inovação no setor de saúde: players, recursos, políticas públicas, tecnologia, clientes e accountability.

2009 A Amil adquire o controle da Medial Saúde, maior empresa de assistência médica do estado de São Paulo.

2010-2011 Os laboratórios da Amil se fundem com os da DASA (Delboni Auriemo), criando a maior empresa de diagnósticos do Brasil. A Amil vira case de Regina Herzlinger (foto), uma das maiores autoridades em health care.

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As respostas dos estudantes foram interessantíssimas, assim como as perguntas que fizeram a Pugliese, nas palavras do diretor Paulo Marcos Senra Souza: “Eles nos deram muitas ideias, inclusive, e mencionaram coisas que já estamos fazendo”. O que queriam saber? Por exemplo, se a Amil não se interessaria em vender sua tecnologia, até em outros países, ou se, dada a escassez de profissionais —médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem— no País, ela não planejava montar centros de ensino, e assim por diante. Uma curiosidade: a Amil acabou comprando a Lynx, só que, naquele momento, tratava-se de uma negociação sigilosa.

O caso da Amil é muito empreendedorismo, o tempo todo, associado à coragem de mexer em time que está ganhando.” Paulo Marcos Senra Souza, diretor e assessor da presidência do Grupo Amil

os sinais do empreendEDorismo Na iniciativa do sistema integrado de saúde

1 Saber • Acesso ao conhecimento • Promoção de eventos médicos e científicos • Participação em eventos nacionais e internacionais • Integração com centros médicos nacionais e estrangeiros

2 Prever • Tecnologia da informação avançada • Análise de dados e expertise em cruzamento de dados • Padrões para avaliação de riscos • Definição do perfil dos associados

3 Prevenir • Prevenção primária: em grupos saudáveis em estado de risco • Prevenção secundária: populações contaminadas, mas sem sintomas • Monitoramento de riscos e aumento da consciência de hábitos saudáveis

nos resultados

10,1%

R$

de market share nacional

3

centros de tratamento do Resgate Saúde

9,3

5,8

milhões de clientes

Fontes: Amil e Harvard Business School.

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4 Tratar • Iniciativas eficientes no sistema de excelência da Amil • Programa intensivo para pacientes crônicos e pacientes em condições sérias • Centros de referência (centros de excelência) para procedimentos de alta complexidade • Qualificação, tecnologia e aspecto humanitário

8,6% bilhões de receita anual (em 2011)

de Ebitda (ajustado, em 2011)

7 600 cidades brasileiras atendidas

22

hospitais próprios centros ambulatoriais Total Care

44

centros médicos


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Há dois anos, a Amil adquiriu o hospital Pró-Cardíaco (RJ), e com ele veio essa empresa de pesquisas de células-tronco e terapia celular. Trata-se do único laboratório do Brasil autorizado a fazer, além da manipulação, a multiplicação celular, necessária à terapia. A Excellion Serviços Biomédicos representará o início das pesquisas para a empresa, que pretende focar tecnologias órfãs (que não geram patentes e, portanto, tendem a ser abandonadas pela indústria farmacêutica em geral, mas causam benefício imenso aos pacientes

DEPOIS DA AULA Regina Herzlinger pareceu gostar muito do novo relacionamento que inaugurou com a Amil. Avisou que reescreveria o caso em breve para contemplar questões levantadas pelos estudantes, pediu que a mantivessem informada de toda e qualquer evolução do modelo de negócio da empresa, disse que voltaria ao Brasil mais vezes. Mais significativo de tudo, no entanto, foi sua sugestão de a Amil fazer uma fellowship, ou seja, estruturar um programa para receber alunos do MBA de health care da HBS. Empresas como o Google fazem isso. E, assim, a Amil, que se aproximou de Herzlinger com base em sua vontade de aprender, transforma-se em escola. No início de julho, a empresa recebe seu primeiro fellow norte-americano para um programa de dez semanas focado em inovação estratégica em serviços de saúde. O custo corre inteiramente por conta da Amil, mas vale a pena, segundo Paulo Marcos. “Isso nos obriga a organizar e entender melhor nossas forças”, diz ele. “Já valeria a pena só pela felicidade que isso causou aos gestores que criaram e gerenciam os programas”, complementa Dulce Pugliese.

O OUTRO ALVO ACERTADO O “empreendedorismo” contínuo e eficiente da Amil é insinuado ao longo de todo o case, embora não nomeado. Fica evidente, por exemplo, no item “cultura”, porque esta é ativamente construí­ da, com treinamento e campanhas publicitárias. Ou na vontade de aprender, citada várias vezes. Ou na gestão de risco, já que a Amil implantou o primeiro sistema de underwriting do setor no Brasil (a ciência de calcular um risco e criar preço adequado para ele em um sistema eletrônico), depois de aprender sobre ele nos EUA. Nem é preciso explicar o empreendedorismo por trás do Sistema Integrado de Saúde, que, com muita tecnologia e inteligência médica, reduziu custos e abriu portas para planos para a classe média emergente. A maior evidência do empreendedorismo contínuo da Amil, porém, é que, menos de um ano depois do estudo de caso de Harvard, já há um grande número de novidades na empresa. Pugliese não quer falar muito delas, mas suas atuais funções na corporação são reveladoras: ela é a responsável pelo comitê de ensino e pesquisa e pelo de sustentabilidade —esta, entendida no sentido amplo de garantir o futuro da organização. O laboratório Excellion e o Hospital das Américas ilustram bem isso [veja quadro acima e na página 122].

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A Excellion e a área de pesquisas

e ao sistema de saúde). O diferencial da Amil é poder oferecer a aplicação da pesquisa a pacientes de 30 hospitais (somando os da empresa e os de Edson Bueno).

A Amil evita personalizações, mas Dulce Pugliese é, sem dúvida, um “peso-pesado” empreendedor para essas áreas. Responsável pela operação norte-americana da Amil até seu encerramento, estava ligada diretamente a uma das maiores fontes de aprendizado do negócio, e em seu currículo constam desde a criação do primeiro CTI (centro de terapia intensiva) pediátrico da América Latina, no Hospital Somicol de Duque de Caxias (RJ), até o primeiro atendimento telefônico 24 horas de uma operadora de health care nos EUA. Se a internacionalização está nos planos empreendedores? “Nunca deixou de estar”, apressa-se a responder Pugliese, sem pormenores, mas ressalvando que o mercado brasileiro também tem muito por fazer (74% da base de clientes está em quatro estados). Na Amil, contudo, o empreendedorismo não é só o das grandes iniciativas. Como diz Paulo Marcos, parafraseando o arquiteto Mies van der Rohe, “o diabo está nos detalhes” e é preciso ser empreendedor para lidar com cada um deles. “Por exemplo, um desafio é resolver o problema de ausência nas consultas sem fazer o que a concorrência faz, de marcar três pacientes para o mesmo horário, porque o overbooking é tão ruim quanto a ociosidade”, explica o executivo. Ele resume: “O caso da Amil é muito empreendedorismo, o tempo todo, associado à coragem de mexer em time que está ganhando”.

LEGADO DO CASO O modelo de health care dos sonhos de Herzlinger é o suíço: todos os cidadãos são obrigados a comprar seguro de operadoras privadas e estas pagam os hospitais, governamentais, para atendê-los. Seria ele replicável em países com população superior a 7,8 milhões de habitantes e sem uma renda per capita tão elevada como a suíça? Dificilmente. Uma comparação como essa e um distanciamento como o de Harvard podem mesmo trazer à tona qualidades de gestão que, segundo Peter Drucker dizia, a “autocrítica excessiva” dos brasileiros impede de ver. O estudo de caso já valeria por isso, porém tem mais subprodutos: o fortalecimento das marcas Amil e Brasil diante de formadores de opinião, a estruturação da empresa para ensinar (e aprender), o orgulho da equipe —itens que geram mais empreendedorismo.

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Meta x gestão os megaeventos de 2014 e 2016, com a ambiciosa meta de serem verdes, exigem das empresas aprendizado e gestão criativa para superar restrições de prazo e orçamento, conforme reportagem

P

or maiores que sejam os problemas em torno da realização da Copa do Mundo e da Olimpíada, alguns até mesmo em âmbito judicial, a mobilização que provocam gerou um processo interessante do ponto de vista gerencial. Em primeiro lugar, o País estabeleceu uma meta realmente ambiciosa para 2014 e 2016 —quer ser o primeiro país a seguir as melhores práticas de sustentabilidade em eventos desse porte—, e isso, por si só, já deixaria qualquer especialista em estratégia orgulhoso. “A Copa Verde não foi imposta pela Fifa [Federação Internacional de Futebol]; é um desejo e um esforço de todos nós”, como explica a designer de iluminação Luciana Constantin, responsável pelos projetos de iluminação de algumas arenas. Em segundo lugar, as mais diferentes empresas estão sendo obrigadas a inovar para conseguir atender às limitações de orçamento e de prazo. No caso da Copa do Mundo, a meta se materializou assim: os 12 estádios que estão sendo construídos ou reformados terão de receber o certificado Leed (Leadership in Energy and Environmental Design), o sistema de certificação ambiental de edificações mais usado no mundo. “A ideia é o Brasil fazer uma ‘Copa Verde’ mesmo”, conta João Alberto Viol, presidente nacional do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco).

As exigências mínimas para a certificação Leed são as mesmas para todas as construções, que poderão obter o selo prata, ouro ou platina, conforme a pontuação obtida, como explica Felipe Faria, gerente de relações institucionais e governamentais do Green Building Council Brasil (GBC Brasil). Os créditos se dividem entre: espaço sustentável; eficiência do uso da água; energia e atmosfera; materiais e recursos; qualidade ambiental interna; inovação e processos; e créditos regionais. “A maioria dos estádios deve alcançar o nível prata, mas o de Brasília tem a ambição de obter o selo platina”, revela. O resultado prático disso? Um estádio como o Castelão, de Fortaleza, economizará 69% de água reaproveitando água da chuva. Os critérios para concessão de financiamento foram o empurrão do governo para que as empresas abraçassem a estratégia. O Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) criou uma linha de financiamento —BNDES ProCopa Arenas— para algumas obras em estádios, como as arenas das Dunas (RN), Fonte Nova (BA) e da Amazônia, definindo, como obrigação contratual, que as obras financiadas atendam às exigências do GBC Brasil. Outro programa do banco, o BNDES ProCopa Turismo, é dirigido a hotéis que consigam certificação de eficiência energética nível “A” dentro do Programa de Eficiência Energética nas Edificações (Procel Edifica). Além disso, o GBC

Maquete da Arena Pantanal, em Cuiabá (MT), e, no detalhe, o projeto do lounge, em arquivos digitais; essa arena substitui o antigo Estádio José Fragelli, que foi demolido

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Fotos: Divulgação/GCP Arquitetura

A reportagem é de Weruska Goeking, colaboradora de HSM MANAGEMENT.


Inovação 1: lâmpadas LED + fluorescentes O escritório Acenda Projeto de Iluminação, sob a batuta de Luciana Constantin, é responsável por quatro projetos luminotécnicos da Copa de 2014: as arenas Pantanal, das Dunas, da Amazônia e de Pernambuco. O que está sendo criado em cada caso engloba os estádios, praças e restaurantes, a fim de garantir a continuidade de uso após o fim do evento. A inspiração para os projetos luminotécnicos veio das arenas na Alemanha e na África do Sul. Entre os itens que constam dos projetos estão o desligamento automático do sistema de iluminação e as luminárias das áreas externas com potência maior que 100 W, que devem ter eficiência mínima de 60 lm/W (lúmen por watt). A inovação? Para vencer o desafio do prazo e do aperto orçamentário, Constantin usará lâmpadas fluo­rescentes e de descarga na maior parte dos espaços internos, para deixar uma “folga orçamentária” para o uso de LED nas fachadas e no pódio, onde os critérios de poluição luminosa do Leed são mais rígidos.

Inovação 2: estrutura metálica e processo O público está acostumado a ver cobertura de concreto em estádios de futebol como o Maracanã, mas o que predominará agora são as estruturas metálicas, que são mais duráveis (mais sustentáveis, portanto), mais limpas e não geram desperdício, já que são produzidas no tamanho exato. Além disso, modernizam o visual das construções, driblam a escassez de mão de obra e ajudam a cumprir o cronograma. “O sistema não é inédito, mas ainda é pouco aplicado”, explica Sérgio Coelho, diretor da GCP Arquitetos, do projeto da Arena Pantanal, em Cuiabá. “Com o setor aquecido e a consequente falta de mão de obra, fomos obrigados a mudar a lógica, mesmo com a estrutura metálica tendo um custo elevado. E não vale só para ela; quem não tiver todo o processo construtivo inovador, não consegue cumprir os prazos”, complementa José Carlos Martins, VP da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Em muitos casos, parte é feita em estrutura de concreto e outra parte, em estrutura metálica. A fachada do estádio de Cuiabá, por exemplo, será feita de estrutura metálica e fechada com tecido de PVC, o que permite a passagem de ventilação e de luz —o tecido de PVC já existe, mas nunca foi usado na escala em que se está usando no Brasil. “Essa é, sem dúvida, uma de nossas grandes inovações arquitetônicas”, garante Gisleine Coelho de Campos, diretora do Centro de Tecnologia de Obras de Infraestrutura do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Já as estruturas de concreto usadas terão versões especiais e de alta resistência, permitindo a construção de grandes vãos.

Gisleine Coelho de Campos, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT); Felipe Faria, do Green Building Council Brasil (GBC Brasil); e Luciana Constantin, do Acenda Projeto de Iluminação

Fotos: Arquivos pessoais

Brasil, em parceria com o Projeto Aliah, faz concursos para escolher projetos de hotéis sustentáveis desenvolvidos por jovens arquitetos. Os vencedores serão construídos no Rio de Janeiro, sede dos Jogos Olímpicos, e nas outras cidades da Copa. Como as empresas brasileiras estão conduzindo esse processo?

“Nosso projeto é flexível e a capacidade pode cair até 27 mil com a desmontagem de parte das arquibancadas do anel superior. Elas serão remontadas em outros equipamentos esportivos, provavelmente em dois estádios menores”, explica Sérgio Coelho. Afinal, a proposta é que o legado da Copa não seja exclusivo da Arena Pantanal, mas se estenda a outras áreas da capital mato-grossense, provavelmente dois estádios com capacidade de 10 mil pessoas cada um. “A estrutura metálica é o que permite desmontar e remontar”, diz Coelho. Outra peculiaridade da Arena Pantanal é o fato de a arquibancada não seguir o típico formato elíptico contínuo dos estádios, mas ter quatro módulos separados, viabilizando estruturas que, além de independentes e desmontáveis, terão ventilação cruzada, melhorando a sensação térmica da arquibancada coberta. Espelhos d’água na área externa, sob o público, umidificarão o ar.

O modelo Mineirão e a Olimpíada Um dos casos mais interessantes é o do Mineirão. Além do reuso da água da chuva e da parceria com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) para a geração de energia solar fotovoltaica suficiente para abastecer 70 casas, o estádio reaproveitou boa parte dos materiais resultantes da demolição de seus anéis inferiores. Também usou aço doado para reciclagem por sucateiros e o concreto triturado no terreno do canteiro de obras durante as chuvas de verão, dispensando o uso de brita, como conta Ricardo Barra, diretor-presidente do Minas Arena. Até as árvores cortadas foram reaproveitadas —por artesãos locais. E a cobertura, com estrutura tubular, terá uma membrana feita de politetrafluoretileno (PTFE), que parece teflon. “A própria chuva ou o uso de esguichos tirará a sujeira”, diz Barra. Para a Olimpíada, o mesmo fenômeno deve ocorrer: as metas verdes estão nas licitações e foi contratada a consultoria do inglês Dan Stein, responsável pela sustentabilidade dos Jogos de Londres.

Inovação 3: arena desmontável Outra inovação trazida pelos projetos das arenas está nas arquibancadas. No estádio de Cuiabá, alguns lugares serão desmontáveis.

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O pós-empreendedor

do Brasil

Cada vez mais empresas estabelecidas adquirem o controle de jovens negócios empreendedores no Brasil. Reportagem investiga o que acontece com o empreendedorismo do fundador quando ele se torna funcionário e com a empresa adquirida, por meio de três estudos de caso

S

e você acompanha o noticiário, sabe que o Brasil está vivendo um movimento aparentemente infindável de fusões e aquisições e que os pequenos negócios de empreendedores têm sido alvo preferencial nessa onda, seja por servirem como porta de entrada para quem vem de fora e quer instalar-se nesse mercado emergente, seja com o objetivo de injetar vitalidade em negócios mais maduros. O que acontecerá, no entanto, com esses empreendedores quando forem “adquiridos”? Eles se dobrarão ao establishment ou desafiarão os novos chefes? Vão se adaptar a uma burocracia ou fazer com que os outros se adaptem a seu dinamismo? Nossos empreendedores saberão encaixar-se em uma gestão mais bem formatada? HSM Management investigou situações similares no passado e descobriu três casos emblemáticos que antecipam o que virá: o da Meri Sistemas e Tecnologia, adquirida pelo grupo alemão Voith; o da Informed, comprada pela Diasonics e depois pela GE; e o da HOTWords, incorporada pelo grupo espanhol Canalmail. Com base nesses depoimentos, nós até nos permitimos inventar uma palavra: “pós-empreendedor”.

Meri: sorte de voltar às origens O engenheiro mecânico Silvio Roberto Romero iniciou sua carreira em 1986 como estagiário da Voith, primeira grande multinacional no Brasil fornecedora de equipamentos na área de A reportagem é de Mônica Trevisan, redatora de HSM MANAGEMENT.

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papel e celulose. Em 1992, foi transferido para a matriz, em Heidenhein, na Alemanha, conheceu a Meri, empresa especializada em meio ambiente, e viu aí uma oportunidade de empreender por conta própria. Em 1997, Romero montava a Meri Sistemas e Tecnologia, em São Paulo, uma joint venture 15% sua e 85% da matriz alemã, dedicada a fabricar sistemas de tratamento primário para recuperação e reuso de águas e para reutilização de fibras de papel. “A Meri Alemanha fornecia a tecnologia e eu implantei um modelo de gestão de baixo custo, alta performance e muito focado no negócio, sem desperdício. Eu era o sócio diretor, tinha uma secretária e a gente terceirizava tudo: contador, advogado, fabricação”, conta o empreendedor, que gerenciava seu negócio com total liberdade. Segundo ele, a empresa manteve crescimento anual médio em faturamento na ordem de 20% a 25%, movimentava aproximadamente R$ 7 milhões por ano em equipamentos de tratamento de água e possuía market share de 85%, com apenas dez funcionários —uma situação bem confortável. Em 2006, contudo, nessas voltas que o mundo dá, o Grupo Voith adquiriu 60% da matriz da Meri Alemanha para iniciar sua divisão de meio ambiente. E, da noite para o dia, Romero tornou-se sócio de seu primeiro empregador —ele manteve a participação de 15%—, agora com o cargo de diretor-comercial. Primeira novidade: o modelo de negócio da Meri Brasil havia sido muito ampliado. “Meu negócio, até 2006, era vender máquina, na faixa de R$ 500 mil, e passou a ser vender instalação, por R$ 5 milhões”, diz. A companhia começou a atuar também no mercado de non paper business (agronegócio, cervejarias, sucos e refrigerantes)


e empresas de outros setores além de papel e celulose passaram a integrar sua carteira de clientes, como Citrosuco, Cargill e Cervejaria Itaipava. Hoje a Meri Brasil contabiliza 350 instalações em 15 anos de existência. O maior crescimento foi a principal e feliz consequência da aquisição. Romero conta que de 2006 a 2008 o crescimento anual médio em faturamento da Meri ficou na faixa de 30% a 35% e atingiu 100% de 2011 aos primeiros meses deste ano, com a mesma equipe. O que mudou? “Tivemos mais estrutura com o novo sócio, respaldo financeiro do grupo e transferência de know-how da matriz com os treinamentos e a participação em projetos de outras empresas do grupo em todo o mundo. Houve um amadurecimento geral da equipe que está comigo desde o início, que é um pessoal treinado e que me dá uma eficiência muito forte.” Romero afirma que prevê um faturamento de R$ 20 milhões no ano fiscal alemão, que vai de outubro de 2011 a setembro de 2012. Por enquanto, só vantagens. Ele não perdeu autonomia? O empreendedor garante que não. Para ele, o único impacto complicado da chegada da Voith foi ter de se adequar aos sistemas administrativos e operacionais, mas isso foi superado logo no primeiro ano. Romero parece ter dado sorte, na verdade. “Minha formação profissional foi na Voith. Eu cresci dentro da cultura dessa empresa e da cultura corporativa alemã de modo geral, e levei essa filosofia e forma de trabalhar para a minha empresa; isso facilitou muito nossa integração”, conclui.

Foto: Divulgação

A Meri Brasil, de Silvio Romero, foi adquirida pelo Grupo Voith, seu primeiro empregador e um velho conhecido

Informed e o status de gestor ousado O engenheiro eletrônico Edson Lopes iniciou sua trajetória profissional na área da eletromedicina, como estagiário da Siemens, no final da década de 1970. Em 1980, partiu para a Toshiba e ficou lá por quase quatro anos, chegando a gerente nacional de vendas. Mas a recessão e as demissões inerentes o levaram a empreender, e ele abriu primeiro uma empresa de lobby, por causa dos relacionamentos que havia travado durante suas incursões profissionais. Foi ao participar do maior encontro de radiologia do mundo, a Radiological Society of North America, que encontrou sua vocação: Lopes viu um pequeno projetor da Shimadzu que permitia a impressão do ultrassom, uma novidade na época, e quis fornecer isso no Brasil. Passou a comprar aparelhos de ultrassom em desuso, que reformava e vendia. E assim surgiu a empresa que em breve se chamaria Informed e acabou firmando contrato de 13 anos com a Shimadzu, inicialmente para vender aquele projetor aqui. A Informed se tornou o maior dealer mundial da companhia japonesa. “Fomos, por cinco anos, líderes de mercado no País vendendo tomografia computadorizada, ressonância magnética, raio X, ultrassom. Competíamos com a GE, a Siemens e a Philips e chegamos a ter 130 funcionários e filiais pelo Brasil.” Em 1992, a Informed assinou contrato com a norte-americana Diasonics, agregando mais um produto a seu portfólio, e, em julho de 1997, Lopes a vendeu para essa empresa, mantendo-se à frente da operação brasileira, como CEO. A perda aí foi da repre-

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sentação da Shimadzu, mas ele tinha autonomia. Só que, sete meses depois, a Diasonics foi adquirida pela GE e o executivo não gostou: discordava de aspectos relativos à cultura e ao modo de atuação da multinacional e não quis aceitar o convite de continuar a dirigi-la. Em abril de 1998, contudo, após intensa negociação que incluiu a exigência da permanência da equipe, Lopes assinou contrato e se manteve como CEO da área de negócios GE Ultrassom para a América Latina por nove anos. “Claro que o início da operação com a GE foi difícil, mas éramos um grupo pequeno, unido, bem desenvolvido e deu tudo certo.” E ele complementa: “A Informed possuía aquele ímpeto, aquela pujança de uma empresa jovem e ousada, só que obviamente não tinha nem um milésimo da retaguarda de uma GE. As pessoas desenvolveram-se muito na GE, intelectual, profissional e financeiramente”. A GE Ultrassom cresceu muito, e a filial brasileira com ela: o faturamento anual subiu de US$ 270 milhões em 1998 para US$ 1 bilhão em 2005 —US$ 110 milhões saíram do Brasil. Para Lopes, a GE foi uma escola fantástica, porém ele admite que ficou “cansado” a partir de determinado momento e que tentou deixar a empresa “algumas vezes”. Nem a perspectiva de ser, no Brasil, o country manager de todas as áreas da companhia relacionadas com medicina o demoveu da ideia de ir embora. Talvez fosse um caso de empreendedor serial, entediado e

ansiando pela aventura de empreender. O fato é que, depois, ele capitaneou um negócio próprio, implementou outro e se aventurou num desafio regional: após um ano de quarentena, em que cumpriu a cláusula de não competir, comprou, com um ex-colega da GE, uma empresa de ultrassom norte-americana, que manteve até a recessão de 2008, quando iniciou negociações com a italiana Esaote Healthcare, quarta maior fabricante mundial de ultrassom, para juntos montarem uma filial brasileira. Abriu-a em maio de 2009 e, em 2010, ela já faturava cerca de US$ 24 milhões. Em meados de 2012, foi contratado por outra italiana, a Bracco, que produz contrastes radiológicos, para presidir toda sua operação latino-americana.

HOTWords: velocidade da internet Hiperativo, aos 20 anos Gustavo Morale ingressou na SATS Global Media como contato publicitário e logo se tornou estagiário de criação. Seu objetivo era trabalhar com desenho e ganhar bem, e foi cursar publicidade e propaganda na Pontifícia Universidade Católica (PUC). Mudou-se para outra pequena agência, de publicidade online, viu que “ganhavam dinheiro com certa facilidade” e pensou que queria ter a própria agência. Aos 21 anos, no segundo ano de faculdade, fundava, com um amigo, a agência digital White Cat, que funcionou de 1999 a 2005, atendendo cerca de 40 clientes, entre eles Troller, Bavaria e Kaiser.

Edson Lopes, que teve sua Informed comprada pela GE, em foto tirada na Esaote; agora preside a Bracco na América Latina

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“O início da operação com a GE foi difícil, mas deu tudo certo”


Morale foi “aprender a fazer business” na pós-graduação em gestão empresarial e inovação tecnológica da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Fez outra tentativa, frustrada, de emplacar um negócio no mercado de comunicação, até unir-se com três sócios para montar, em 2006, a HOTWords In-text Advertising, que já tem uma rede de 35 mil sites parceiros (portais, revistas, jornais, blogs...), onde são realizadas as ações de comunicação online da empresa para “os maiores anunciantes do País, como Itaú, Bradesco, Fiat, Volkswagen e Unilever”. Para quem não conhece, o sistema HOTWords identifica as palavras que podem ser grifadas de acordo com os objetivos de cada campanha de comunicação, e o usuário vê o anúncio ao passar o mouse sobre elas (mouseover). “Oferecemos uma capacidade de segmentação altíssima. O anunciante investe de R$ 20 mil a R$ 30 mil mensais e fala exatamente com o público-alvo”, afirma Morale, vendendo seu peixe. Em 2008, a HOTWords já tinha operação na Argentina e no México e, em 2009, foi vendida para o grupo Canalmail, líder no segmento de e-mail marketing na Espanha. Mas o que mudou? Basicamente, o poder de fogo, o que combinou muito com a personalidade irrequieta, ambiciosa e empreendedora de Morale, que continua podendo aproveitá-la à vontade. A HOTWords foi para o mundo —é líder na América Latina (está entrando na Colômbia, no Chile e nos Estados Unidos latinos), em Portugal e na Espanha em seu segmento. Morale se mantém como CEO, além de acionista minoritário, e isso ampliou sua atuação —e seu poder. Ele não tem só 20 funcionários sob seu comando; já são 60 e provavelmente serão 100 até o final de 2012. Não é apenas CEO da HOTWords no Brasil, mas global, e é membro do board do grupo Media Response, holding da qual fazem parte tanto a HOTWords como

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Gustavo Morale, da HOTWords, tornou-se um CEO e seu negócio ganhou alcance mundial

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a adquirente Canalmail. Seu negócio atinge mais de 140 milhões de usuários em língua portuguesa e espanhola, segundo a Quantcast, e, em 2012, o executivo prevê aumento de aproximadamente 50% no faturamento da empresa. Ele também está passando de comprado a comprador: “Este ano, devemos adquirir outras operações”. Esse crescimento não seria possível sem a parceria, e não apenas pelas novas oportunidades abertas, como reconhece Morale. Por mais empreendedor que ele fosse, precisava de estrutura e know-how. “Está sendo fundamental o aporte de know-how que os executivos do grupo Media Response me fazem: em gestão de negócios, controles, aquisições, fusões”, diz.

Visão de sucesso Parece não haver dúvida sobre a mudança que uma fusão ou aquisição, e toda a estrutura e as oportunidades que vêm com isso, provoca no tipo de empreendedorismo existente: o empreendedor de uma startup é um, o empreendedor que vai ser líder corporativo é outro. Gustavo Morale resume assim a figura desse “pós-empreendedor”: “Temos de virar CEOs de verdade”. O gosto por empreender, contudo, não morre. Edson Lopes, que se tornou um gestor disputado por multinacionais, é enfático: “Onde eu estiver, gosto é de fazer acontecer”. Romero concorda. Se tem um negócio, prepare-se: você pode ser o próximo pós-empreendedor.

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FORMAÇÃO

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Osenso comum ensina que basta você

Em entrevista exclusiva, Derek Abell, dean internacional da HSM Educação e fundador da European School of Management, discute a relação entre educação executiva e estratégia, mostrando que esta se sustenta sobre o aprendizado prático estruturado

aprender a andar de bicicleta uma vez e nunca desaprenderá e, nos campos da gestão e da estratégia de empresas, a crença de muitos executivos parece ser idêntica. Na vida real, contudo, se o ciclista que não treina constantemente não tem resistência ou velocidade e muito menos encara terrenos acidentados e descidas íngremes, o mesmo acontece com o gestor e, especialmente, no que se refere a estratégia. Essa é a crença de Derek Abell, ex-presidente do prestigiado IMD, fundador da European School of Management, em Berlim, Alemanha, e referência na área de estratégia empresarial desde que lançou ao mundo sua teoria de dupla estratégia (como sua “dual strategy” foi traduzida no Brasil), em 1993. Em sua concepção, as empresas devem sempre ter duas estratégias, uma para o presente e outra, mais visionária, para o futuro. Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, Abell, que assumiu recentemente o cargo de dean internacional da HSM Educação, atualiza seu pensamento dizendo que se tornou necessário adaptar a estratégia e desdobrá-la a cada momento, o que depende do aprendizado constante dos gestores. E, para ele, o aprendizado gerencial tem de se assemelhar a aprender a pedalar: não se pode aprender só em livros; é preciso cair, ralar o joelho e até quebrar a perna, se necessário. Se essa experiência puder ser proporcionada pela educação executiva como simulação, melhor. Há quase 20 anos, você falou em dupla estratégia, mas mesmo uma boa estratégia simples é rara hoje. Por quê? A explicação está na distribuição da liderança pela empresa. Entre os líderes segmentados, cada um acha que a empresa está em boas mãos por causa de todos os outros e que, por isso, não precisa externar sua visão e seus valores e, assim, mobilizar as pessoas; ele acredita que tudo acontecerá com e-mails. Mesmo não cuidando de tudo como antigamente, os dirigentes continuam

tendo de se envolver com as pes­soas, olhando-as nos olhos, cumprimentando-as e explicando-lhes no que creem. Sem isso não há estratégia. Fracassar ficou mais fácil hoje? Acho que os fracassos aumentaram, sim, mas não necessariamente fracassos definitivos. O maior fracasso é permanecer imóvel enquanto o mundo se move. Parece mais seguro não arriscar, porém são as empresas que as­sumem mais riscos —e se movem— as mais bem-sucedidas. Pesquisadores como Jim Collins insistem na cautela... Como o risco se relaciona com sua dupla estratégia? Quando escrevi o livro sobre a dupla estratégia, em 1993, não dominava completamente o conceito; tive um insight apenas. Entendia a necessidade de dualidade —mudar e, ao mesmo tempo, ser operacional— e até falava sobre dirigir um negócio e inová-lo ao mesmo tempo, mas ainda não sabia como se faz isso. Aprendi muito desde então. Hoje posso dizer que são necessárias três iniciativas: (1) a companhia deve construir uma plataforma nova para o futuro, e não confiar só no que tem hoje; (2) deve obrigatoriamente enfatizar a inovação, porque é isso que conduz ao futuro; (3) deve fazer a transformação contínua da estratégia. As pessoas que são boas em mover as empresas para o futuro fazem essas três coisas o tempo todo. E, quando se tem de fazer uma fundação para o futuro, não se pode espremer demais os recursos, reduzindo demais o pessoal e os orçamentos, porque essa plataforma vai diminuir. Isso tudo aterroriza os “burocratas”, que querem se agarrar ao que têm hoje.

A entrevista é de Fernando Serra, dean nacional da HSM Educação e especialista em estratégia, e Jorge Carvalho, associado de conteúdo da HSM do Brasil.

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FORMACÃO FORMAÇÃO

Você tem exemplos reais para nos dar? A IBM é uma organização que constrói permanentemente, assim como a Nestlé. Vejo também muitas empresas familiares que constroem sempre.

zado” no contexto empresarial, pois existem diferentes tipos de aprendizado, embora a palavra seja uma só. Por exemplo, se você quisesse aprender a andar de bicicleta, mesmo que eu lhe indicasse 5 mil livros sobre isso, você não conseguiria andar de bicicleta lendo os livros. Infelizmente, ou felizmente, existem partes da liderança e da gestão que, assim como andar de bicicleta, exigem ação e não conhecimento de livros. E quem pensa que pode ensinar isso só distribuindo pedaços de papel e pedindo que as pessoas leiam está cometendo um grave erro.

Fotos: Jonas Tucci

Seu foco passou da estratégia à educação executiva. Por quê? Ela é importante para a estratégia das empresas? Sim. Não basta preparar as pessoas para que gerenciem as empresas adequadamente, como sempre fizemos, a fim de que sejam boas gestoras e implementadoras. Agora também temos de prepará-las para mudanças maci-

analítico do momento, mas a saber como mobilizar os outros a fim de que façam alguma coisa, pois sozinho não se vai longe. É necessário inspirar as pessoas. E as visões inspiradoras não são fáceis, já que têm a ver com a criação de tensões: com elas, as pessoas se dão conta de que existem coisas que gostariam de ter, mas não têm. Por exemplo, um ponto fundamental nisso tudo é que a educação executiva trabalhe a habilidade de comunicação. Não acredito que façamos o suficiente nesse aspecto. E

“A inovação tem essa função de ser um motor que conduz ao futuro: se você não ligá-lo, a organização nunca sairá do lugar” ças, o que, para ser franco, temos feito pouco nas escolas de negócios; trata-se menos de análise e conhecimento e mais de execução de estratégia. Ou seja, a estratégia precisa da execução —esta é parte da transformação contínua de que você falou— e a execução precisa da educação executiva...­­ É bem por aí. Nas escolas de negócios, precisamos ajudar as pessoas não apenas em planejamento

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veja bem: não falo em manipulação. Mentes limpas e bem-intencionadas, que poderiam convencer as pessoas a abraçar algo novo, não o conseguem porque lhes falta habilidade —ou paixão—, e, assim, sua ideia de construção de futuro fica adormecida. Você está escrevendo um livro sobre aprendizado? Conte-nos a respeito. Comecei a pensar sobre o que queremos dizer ao usar a palavra “aprendi-

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Os gestores precisam tentar, treinar e treinar, como quando as crianças aprendem a andar de bicicleta, e muitas escolas de negócios ainda insistem na leitura de livros. As escolas têm de trazer projetos de laboratório para a sala de aula e trabalhar com professores que tenham a prática administrativa. Como é possível ser um professor de administração sem nunca ter tido experiência prática em algum negócio? Para mim, não é. Agora, devo dizer que a educação executiva está mudando muito, e rápido, e alguns alunos potenciais se sentem tão assustados com isso que preferem se trancar em seus escritórios, como se um tigre os ameaçasse.


A estratégia, a educação e a bicicleta

Como você vê a atual pesquisa acadêmica em gestão? Faltam mais expe­ riências com as empresas, não? Com certeza! Deveríamos aprender algo com os cursos de medicina: investigar o desenvolvimento de uma empresa como se investiga o histórico e o contexto de um paciente com câncer. Isso nos dirá onde estão os sinais de perigo antes que o pior aconteça e significa que não podemos analisar só o fim da linha; temos de olhar o que veio antes. Deve-se entender quando a companhia não pratica a inovação, quando não tem políticas de recursos humanos adequadas, quando não desenvolve a próxima geração de líderes, e assim por diante. Nenhum declínio acontece da noite para o dia; é um longo processo cancerígeno que fornece alguns indicativos, e a ideia de entender esses sinais precocemente e analisá-los como uma espécie de ciclo é muito importante. Você tem três filhas. Se uma delas quisesse se tornar executiva, que conselho você lhe daria? Muitos colegas meus, que são pais, me perguntam o que fazer com filhos e filhas. Alguns jovens não querem nem ir à faculdade, nem desejam escolher uma carreira. Bem, o que reparei é que as pessoas que se apoiam em duas pernas são mais estáveis do que as que se apoiam em uma. É ótimo estudar qualquer coisa, mas, se você só souber essa coisa, é menos ótimo. Em qualquer atividade, as pessoas que parecem estar bem no mundo são aquelas que têm bases amplas. Podem ser engenheiros, mas também estudaram um pouco de administração;

podem ser arquitetos, mas entendem coisas sobre o mercado imobiliário ou sobre liderança. Acredito que estamos em um mundo em que a especialização está crescendo e não deveria. Muitos jovens ficam presos em caixas cada vez mais estreitas por sua educação e de repente precisam saber muitas coisas. Sou a favor do intercâmbio de jovens; isso muda a vida deles, se eles o fizerem com 17 ou 18 anos de idade. Viagens alargam muito a visão. Minhas filhas não me ouvem muito [risos], mas eu sempre lhes recomendei coisas como: “Se você for visitar uma cidade diferente, leve seus tênis e explore-a, indo a museus, vendo o que está acontecendo, sendo humilde para

muito cuidadoso com o chefe, não só no relacionamento, mas na escolha dele. Quando vai a uma entrevista de emprego, o jovem deve ser tanto o entrevistado como o entrevistador. Ele precisa perceber se aquela pessoa vai ajudá-lo ou espremê-lo.

“nenhum declínio [de uma empresa] acontece da noite para o dia; é um longo processo cancerígeno” entender as diferenças de local para local”. Duas delas trabalharam e estudaram na Índia, e lhes fez muito bem entender que nem tudo é alemão, francês ou inglês.

Foto: Ana Paula Paiva

O que dizer para os gestores que odeiam a perspectiva de estudar? Digo que já há executivos que se sentem tão confortáveis com o presidente de uma empresa como no ambiente acadêmico, movimentando-se felizes entre as diferentes instituições, descobrindo que professores e gestores formam um ótimo time. Esses tendem a se dar bem melhor na dupla estratégia.

Existe alguma fórmula básica para os jovens gestores que querem avançar na carreira executiva? Não, tanto que nem todos precisam de MBA, por exemplo, por mais que vendamos isso; tudo depende da empresa em que o jovem está e do que ele faz. O único ponto que creio ser comum a todos é: ser

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FORMACÃO FORMAÇÃO

abell e A HSM Educação Dean internacional da HSM Educação e professor emérito da European School of Management and Technology (ESMT), da qual foi fundador, Derek Abell integrou o corpo docente da Harvard Business School de 1969 a 1981 e foi professor de estratégia e marketing no IMD, em Lausanne, Suíça, de 1981 a 2003. É autor de livros clássicos como Administrando com a Dupla Estratégia (ed. Pioneira) e Definição do Negócio (ed. Atlas). Também publicou, entre outros, Strategic Market Planning (ed. Prentice Hall), Competitive Market Strategies e Alternative Strategies for Strategy Research in Marketing (ambos, ed. Marketing Science Institute).

Como será o futuro da estratégia? Sobre o futuro, ninguém sabe responder. Para eu dizer como será a estratégia no futuro, teria de começar me perguntando como foi a estratégia no passado, como está se modificando e então pensar no que pode acontecer. Vale a pena prestar atenção, talvez, a cinco tendências do mundo atual: 1) Nem todas as estratégias vêm dos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. Em outras palavras, algumas das novas coisas e oportunidades para a diferenciação não têm a ver com produtos, e sim com design, como vários produtos da Apple. As estratégias de muitas empresas não são dependentes de tecnologias, mas de serviços. 2) Na maneira como definimos o negócio, o escopo, embora continue a ser um dos aspectos mais importantes, de algum modo anda negligenciado. Na verdade, algumas companhias são bem-sucedidas porque definem seus negócios diferenciadamente, levando em conta o escopo, desde o começo. 2) Estratégia não tem relação apenas com os clientes ou com o que fazemos para eles, mas com como nos definimos verticalmente. Temos de conhecer

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A escola de negócios da HSM Conforme explicam Abell e Fernando Serra, seu dean nacional, a HSM Educação foi concebida para ser um modelo educacional inovador, um hub que integra conteúdos gerados por uma rede de conhecimento global, formada por executivos, professores com experiência corporativa, empresários, empresas e os maiores experts internacionais nas áreas de negócios. Em parceria com universidades brasileiras como PUC-RS, PUC-PR e Mackenzie, ela busca um programa de educação executiva que, mais que em conhecimento, baseie-se no tripé compartilhamento-saber fazer-saber ser.

nosso lugar na cadeia de valor. Muitas empresas estão terceirizando coisas que antes possuíam para se livrar dos custos fixos, e isso parece funcionar. As melhores organizações do mundo procuram pelas melhores pessoas, independentemente de onde venham. 4) É com o empreendedorismo e a tomada de decisões que as pessoas podem vencer ou perder nos negócios. Isso difere da tradição corporativa que rezava que a estratégia reside em entender aquilo em que somos bons e usá-lo. Os empreendedores nos ensinam o contrário: se você reconhecer as oportunidades antes dos outros, pode entrar no mercado antes, conseguir os recursos mais rapidamente, achar o dinheiro, encontrar a tecnologia em algum lugar e dar conta do serviço. 5) As boas estratégias resultarão não só do que se faz, mas também da paixão por fazer coisas importantes para a sociedade como um todo. Nós sabíamos isso até 50 anos atrás, porém esquecemos nos últimos 20. Nessa lista você mal citou “valor”, que é a palavra do momento —alguns gestores se agarram a ela como a uma tábua de salvação porque veem maior

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valor como sinônimo de preço e lucro maiores. O que você pensa disso? Penso que esses gestores se esquecem de pensar no comportamento do consumidor. Eles acham que o consumidor quer cada vez mais e fazem produtos exageradamente desenvolvidos. O que o consumidor quer é uma solução que funcione, para ele ou ela, e o que pode ser de mais valor para o cliente pode custar menos para a empresa —e para o cliente. Vocês conhecem aquelas grandes máquinas amarelas da Caterpillar? Em alguns dos mercados da empresa, aquele maquinário pesado não é mais necessário, porque o sistema rodoviário já está construído e as minas, cavadas. Máquinas pequenas e bem mais baratas são muito mais necessárias. Um equipamento caro não traduz as necessidades desses mercados e, assim, não lhes proporciona valor. Muitas empresas alemãs têm dificuldade em competir com as chinesas hoje por isso: os clientes veem valor em ofertas simples que resolvam seu problema, não complexas. HSM Management


assunto

pessoal

Você sabia?

AUTODESENVOLVIMENTO

Os hábitos não podem ser eliminados; eles devem ser substituídos.

Livre-se do hábito ruim

Os processos de negócios são hábitos executados em grande escala.

O homem é um animal de costumes. Muitas de nossas atividades diárias não são respostas a decisões deliberadas, mas a ações inconscientes, isto é, hábitos. Desde o de preparar o primeiro café pela manhã até o de seguir sempre pelo mesmo caminho para o escritório, todo dia levamos a cabo um sem-número de ações como atos reflexos. Algumas delas são inócuas; outras podem constituir obstáculo a nosso desempenho, como chegar sistematicamente atrasado ao trabalho. Charles Duhigg, jornalista do New York Times e autor de The Power of Habits: Why We Do What We Do in Life and Business (ed. Random House), garimpou a psicologia experimental e a neurologia para entender como o cérebro cria hábitos e como alguém pode desfazer-se daqueles que minam a produtividade.

Como autômatos Quando executamos um hábito, pensamos menos. Nossa atividade neurológica se reduz até quase se apagar , explica Duhigg. Apesar de não estarmos condenados a realizar essas ações habituais perpetuamente, elas não podem ser eliminadas, mas apenas substituídas por outras. A chave para dominá-las é entender como funcionam. Os cientistas explicam que os hábitos compõem-se de um gatilho, uma rotina e uma recompensa. O gatilho dá a 142

ordem para o cérebro passar ao modo automático e indica que hábito precisará lançar mão em cada situação. A rotina é o comportamento em si, que pode ser físico, mental ou emocional. Finalmente, a recompensa ensina ao cérebro se vale a pena guardar um hábito particular para execução futura. Com o tempo, o circuito gatilho-rotina-recompensa-gatilho-rotina-recompensa torna-se mecânico. Duhigg revela que as pessoas que identificam gatilhos simples e recompensas claras podem estabelecer hábitos de treinamento mais consistentes. Por exemplo, se você não quer faltar à academia pela manhã, deve escolher um gatilho óbvio, como calçar os tênis antes do café ou deixar a roupa de ginástica perto da cama toda noite. O prêmio será a satisfação pela tarefa cumprida em seu plano de vida saudável. Depois de um tempo, seu cérebro se antecipará à recompensa e emitirá um impulso que fará com que não queira mais faltar à academia. Se o que você quer é eliminar maus hábitos, o segredo é modificar um componente do circuito por vez. Para mudar uma rotina, é preciso manter o velho gatilho e substituir o comportamento por algo cujo prêmio seja também uma velha recompensa. Não tente mudar tudo de uma vez , alerta o pesquisador. Você não consegue deixar de fumar toda tarde à mesma hora? Que desejo o gatilho (o momento do dia) e a re-

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Desfazer-se de comportamentos improdutivos exige transferir ações inconscientes para o terreno da tomada de decisões, segundo o autor Charles Duhigg

Há momentos em que as pessoas são mais flexíveis diante de mudanças de hábitos de consumo, como quando se mudam, casam ou têm filhos. As empre sas que conhecem seus clientes aproveitam para estimular novos hábitos.

compensa satisfazem? Talvez não seja a vontade de fumar, mas de socializar. Substitua o cigarro por um bate-papo com os colegas e veja se surte efeito. Se praticar com frequência, é provável que chegue lá. HSM Management Reportagem de Florencia Lafuente


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CARREIRA Da esquerda para a direita: Leo Apotheker (ex-CEO da HP), John Corzine (ex-MF Global), Reed Hasting (atual Netflix), William Weldon (ex-Johnson & Johnson), Mike Lazaridis e Jim Balsillie (ex-codiretores da RIM)

NÃO FAÇA O QUE Eles fazem O pesquisador Sydney Finkelstein estudou erros de CEOs que devem ser evitados Sydney Finkelstein, professor de ges­­tão da Tuck School of Business, do Dart­ mouth College, Estados Unidos, estuda, há 12 anos, os deslizes que acabam com a carreira de líderes renomados e disso fez o livro Por Que Executivos Inteligentes Falham (ed. M.Books). Mesmo sabendo que um erro geralmente não é responsa­ bilidade de uma única pessoa, e que re­ flete ainda o contexto e as circunstâncias em que tomou suas decisões, vale repas­ sar cinco erros que o estudioso apontou em 2011 para aprender com eles. Leo Apotheker. Decidiu vender o ne­ gócio de computadores pessoais da empresa e se arrependeu; recuou quanto ao lançamento de um tablet para concorrer com o iPad. Em me­ nos de 11 meses, a HP perdeu mais

de US$ 30 bilhões em valor de ações e demitiu muita gente. John Corzine. O ex-número um do ban­ co Goldman Sachs e ex-governador de Nova Jersey assumiu o comando da MF Global para transformá-la em uma corretora que desafiasse e superasse os riscos, mas os riscos que assumiu foram enormes, como se Corzine fos­ se um “caubói das finanças”, conforme Finkelstein. Em outubro de 2011, a em­ presa entrou em concordata e Corzine ainda conseguiu explicar o desapareci­ mento de US$ 1,2 bilhão. Reed Hastings. A Netflix deixou de oferecer aluguel de filmes e de operar ape­ nas nos EUA para ser um serviço de vídeo online e expandir-se para outros

dá para evitar o pior a tempo? É mais fácil culpar os CEOs e falar sobre o que deveria ter sido feito depois que tudo desmorona do que expor as falhas a tempo de evitar o desastre. É o que afirma o pesquisador Paul Schoemaker, da Wharton School, que dirige lá o programa “Executive Education’s Critical Thinking: Real-World, Real-Time Decisions”. Essas falhas, que Schoemaker define como “cenários tabus”, são os sinais de catástrofes que seriam evitadas se recebessem a atenção organizacional, mas calar-se a respeito deles serve para manter a harmonia. Por que os funcionários se calam? Porque duvidam da própria capacidade de compreender um problema por completo, segundo Kristin Smith-Crowe, professora de gestão da David Eccles School of Business, da University of Utah, ou porque na empresa onde trabalham costuma-se “matar o mensageiro” das más notícias, especialmente se o problema envolve líderes. Com frequência, o funcionário tenta se eximir da culpa procurando ficar distante das consequências morais de seu comportamento. Também há os que decidem falar e cometem dois erros usuais: culpam ou julgam, o que aumenta o estresse, ou usam uma linguagem ambígua, dando subsídios para que os outros coloquem o problema de lado. Os antídotos? Transparência, diversidade cultural e incentivo para que todos tracem cenários tabus.

países, o Brasil incluído. O CEO decidiu aumentar os preços do serviço tradicio­ nal e separar, no site, o negócio de alu­ guel de filmes da divisão de streaming [forma de distribuição multimídia], e a manobra de expansão, mal comunicada, despertou a fúria dos clientes. William Weldon. A Johnson & Johnson teve de retirar uma quantidade enorme de produtos do mercado em 2011 por problemas de qualidade e segurança. Para uma multinacional de renome, que fabrica de equipamentos médicos a xam­ pu para bebês, isso é imperdoável. “Pou­ co se falou sobre isso, porque Weldon é um líder tipo Teflon”, diz Finkelstein. Mike Lazaridis e Jim Balsillie. A empre­ sa canadense faz um dos smart­phones mais populares do mundo, o Black­ berry, e seus líderes permitiram que concorrentes como a Apple, fabricante do iPhone, e o Google, programador do sistema operacional Android, abo­ canhassem parte de seu negócio, por incapacidade de adaptar seu produto aos novos desafios do mercado, se­ gundo Finkelstein. Como resultado, as ações da RIM perderam 70% de seu valor em 2011. O fato de ser lide­ rada por duas pessoas só gerou mais confusão em torno da companhia. A estrutura de codireção é quase uma garantia de fracasso, segundo o espe­ cialista da Tuck School. HSM Management Reportagem de Florencia Lafuente

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Assunto

pessoal leitura

Inovação é aqui? O novo fluxo de migração da inovação, dos países emergentes para o restante do globo, é o tema abordado por Vijay Govindarajan e Chris Trimble em Reverse innovation A distância entre as economias ricas e as emergentes está diminuindo. Com isso, a dinâmica global da inovação apresenta mudanças: a inovação flui não apenas dos países desenvolvidos para os que estão em desenvolvimento, mas também no sentido contrário. Reverse Innovation explica onde, quando e por que a inovação reversa continua aumentando, assim como suas profundas consequências para as nações, as empresas e os indivíduos. As credenciais dos autores motivam a leitura: Govindarajan é professor de comércio internacional da Tuck School of Business, do Dartmouth College, Estados Unidos, e o primeiro professor residente e consultor-chefe em inovação da General Electric, além de ocupar o

terceiro lugar no último Thinkers 50, o ranking dos maiores pensadores da gestão mundial; Trimble, também professor da Tuck, é palestrante de sucesso e consultor de inovação. Ambos focam um ponto tradicional da economia do mundo desenvolvido: as poderosas e bem estabelecidas corporações multinacionais.

UMA MUDANÇA DE SISTEMA Não faz muito tempo, grande parte dos negócios nos Estados Unidos e em outras nações desenvolvidas estava centrada na exportação dos produtos mais populares em seus mercados domésticos. Tal abordagem tende a não render bons resultados, especialmente porque há um abismo entre as necessidades dos países ricos e as dos pobres, e, se-

Vijay Govindarajan e Chris Trimble Harvard Business Review Press, abril 2012

gundo os autores, o sucesso das empresas dependerá da capacidade de entender essas diferenças. Reverse Innovation conta como os líderes e gestores seniores inovam nos mercados emergentes e de que maneira essas inovações podem desencadear oportunidades no mundo todo. O livro lança luz sobre os desafios e os triunfos de algumas das companhias líderes mundiais (GE, Deere & Company, P&G e PepsiCo, entre outras) e mostra em detalhe o que funciona e o que não. A verdade é que o futuro está longe de casa para essas empresas. Todos das matrizes devem saber que a inovação reversa é um fenômeno que precisa ser compreendido com urgência. Esse livro certamente ajuda na empreitada.

OUTRAS NOVIDADES Terry Leahy

Susan Cain

Crown Business, junho de 2012

Agir, maio de 2012

Clayton M. Christensen, James Allworth, Karen Dillon HarperBusiness, maio de 2012

Durante 14 anos, Terry Leahy foi CEO da Tesco, tornando-a a maior rede de supermercados do Reino Unido. Nesse livro, o admirado líder aponta as dez qualidades vitais dos gestores de sucesso e aborda, de modo pessoal, provocativo, realista e, sobretudo, muito prático, os desafios que os executivos enfrentam.

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Uma de cada três pessoas que conhecemos é introvertida: prefere escutar a falar, trabalhar sozinha a discutir em equipe. A esses “silenciosos” devemos desde Os Girassóis, de Van Gogh, até a invenção do microcomputador. O livro de Cain apresenta introvertidos de sucesso e nos convida a valorizar seu potencial de liderança e a mudar nossa visão sobre eles.

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Baseado em um premiado artigo com o mesmo nome, publicado na Harvard Business Review, Christensen, professor da Harvard Business School e “guru” em inovação, propõe, com Allworth e Dillon, pensar no que é verdadeiramente importante em nossa vida para além dos negócios e em como nos manter fiéis a nossas metas e valores.


LÍDERES

Tão proeminente quanto polêmico, Oliver Cromwell teve participação crucial na derrota do regime autoritário do rei Carlos I da Inglaterra e na consequente instauração da república. Imbuído de propósito místico e providencialista, produto do ambiente protestante e profundamente anticatólico em que fora criado, foi implacável com inimigos e chegou a concentrar mais poder que o próprio soberano. Oriundo de Huntingdon, no sudeste da Inglaterra, foi eleito membro da Câmara dos Comuns em 1628 e criticou a tolerância da Igreja Anglicana em relação às práticas católicas. No ano seguinte, Carlos I dissolveu o parlamento e impôs uma política absolutista que privilegiava a aristocracia em prejuízo da nascente burguesia. Em 1640, quando o rei se viu obrigado a reinstituir o parlamento, Cromwell mostrou-se defensor ferrenho do puritanismo e condenou a arbitrariedade das medidas do monarca. Dois anos mais tarde, as diferenças entre o parlamento, dominado pelos puritanos, e o rei, tendente à tirania, desencadearam uma cruel guerra civil. Cromwell, prático e dotado de grande talento militar, apesar de inexperiente, em pouco tempo conseguiu converter-se em general do New Model Army, o exército a serviço da causa parlamentarista. As vitórias que obteve foram cruciais para a derrota das forças reais e, somadas a sua capacidade instintiva de liderança, conferiram-lhe muito prestígio em uma época em que o sucesso no campo de batalha anunciava uma próspera carreira política. Cromwell também teve papel decisivo no julgamento e na execução de Carlos I, em 1649, e no processo político que se seguiu à morte do rei. A monarquia foi extinta e a república, proclamada, sob a forma de Commonwealth (Comunidade Britânica de Nações), que incorporou a Irlanda e a Escócia por meio de uma terrível matança. Nomeado presidente do conselho de Estado em 1653, Cromwell dissolveu o parlamento para instalar o protetorado e, como lorde protetor da Commonwealth, assumiu o poder, com direito até mesmo de nomear seu sucessor. Ainda que, em 1657, tenha rechaçado a possibilidade de tornar-se rei —um grande dilema para quem tinha sido peça-chave na abolição da monarquia—, aceitou ser reempossado em uma cerimônia que se assemelhou a uma coroação. Personagem envolto em grandes contradições, Cromwell foi, para alguns, o herói da revolução puritana e, para outros, um traidor da causa libertária que se transformou em tirano. Líder forte e com características de estadista, devolveu à Inglaterra, graças a uma enérgica política exterior, o status de potência europeia e conquistou respeito internacional. Internamente, fomentou a liberalização do comércio e defendeu mais tolerância religiosa. No entan-

Ilustração: Hugo Horita

Oliver Cromwell, o rei sem coroa

to, não deixou de perseguir grupos católicos e garantiu um governo estável, mas distante dos valores republicanos que havia defendido anteriormente. Cromwell morreu em 3 de setembro de 1658, aos 59 anos. Seu protetorado personalista não conseguiu sobreviver a sua morte, e a república entrou em um período de caos que culminou com a restauração da monarquia. Os historiadores concordam com o fato de ele ter sido o dirigente militar e político de mais destaque na Grã-Bretanha de sua época, porém seu valor continua controverso. HSM Management

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o que eles dizem

sobre verdade

“Se você realmente buscar a verdade, é necessário que ao menos uma vez na vida duvide de todas as coisas, do modo mais profundo possível.”

“A verdade triunfa sozinha; a mentira sempre precisa de cumplicidade.” Epíteto (50-135), filósofo grego

René Descartes (1596-1650), filósofo e matemático francês

“Os que não querem ser vencidos pela verdade serão vencidos pelo erro.” Santo Agostinho (354-430), bispo e filósofo

“toda empresa precisa de método, que é A busca da verdade para gerar resultados.”

“A astúcia tem muitos vestidos; a verdade gosta de andar nua.” Thomas Fuller (1610-1661), historiador e religioso inglês

Vicente Falconi, professor e consultor brasileiro, seguidor de Descartes e seu livro O Discurso do Método

“Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga.” Denis Diderot (1713-1784), escritor e filósofo francês

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