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ACONTECENDO

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EXPEDIENTE

EXPEDIENTE

JOAQUIM HAICKEL

Ontem, li uma matéria no Blog do meu amigo jornalista, Jorge Aragão, e resolvi fazer um comentário a respeito dela. Em sua matéria Jorge diz que “o vereador Ribeiro Neto, fez uma proposta inusitada e que rendeu uma polêmica... Ribeiro Neto apresentou o Projeto de Lei 048/22 querendo tornar a brincadeira de “queimado”, como prática esportiva em São Luís. No referido projeto, os praticantes do “queimado” passariam a ser considerados atletas e poderiam ser beneficiados com apoios do poder público, assim como acontece com atletas de outras modalidades esportivas”. A matéria de Jorge Aragão rendeu muitos comentários, quase todos desairosos ao vereador e sua proposta, mas eu resolvi analisar o caso de outra forma e postei o seguinte comentário: “Jorge, meu amigo!… Depois de todos os absurdos que estamos assistindo e vivenciando, até que essa proposta não é tão absurda assim!… Veja, se a brincadeira de queimado for adaptada de forma atlética, com estudos feitos por profissionais da área, não digo que ela venha desde logo se transformar em um esporte que possa ser praticado em competições, mas como é bastante popular nas camadas mais pobres da população, pode ser que um dia tenha seu lugar!.. Muitos das modalidades esportivas dos jogos paraolímpicos foram adaptados pelas dificuldades físicas dos praticantes. Queimado deve ser encarado como uma adaptação financeira e social de seus praticantes, que não têm acesso a outras modalidades esportivas, que necessitam de equipamentos caros para sua prática”. Quase todos os demais comentários foram contrários ao projeto e na maioria ofensivos e deselegantes, o que é uma pena, pois todos têm direito a ter suas opiniões, mas elas devem ter o mínimo de critério e correção. Fiquei intrigado com aquele assunto e fui procurar pesquisar para ver se encontrava alguma referencia sobre ele e descobri uma que dava conta de que “Queimada” já é modalidade esportiva! Vejam o link: https://www.camara.leg.br/.../845110-PROJETO-RECONHECE... Achei também outra matéria que diz que assim como no Brasil existe “Queimada”, em outros países existe “Dodgeball”. Vejam o link: https://www.edublin.com.br/dodgeball/ Essas são provas de que a nossa vida não pode se transformar nesse grande tribunal midiático que são as redes sociais, onde julgamos os fatos e as pessoas baseados em nossas meras e superficiais opiniões, quase sempre movidas por desinformação e preconceito.

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NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO

"As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia Lusitana / Por mares nunca de antes navegados / Passaram ainda além da Taprobana / Em perigos e guerras esforçados / Mais do que prometia a força humana / E entre gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram".

A consagração do direito a uma vida digna, realizada no caminho de perseguição da felicidade, implica a presença acrescida do desporto, a renovação das suas múltiplas práticas e do seu sentido. Sendo a quantidade e qualidade do tempo dedicado ao cultivo do ócio criativo (do qual o desporto é parte) o padrão aferidor do estado de desenvolvimento da civilização e de uma sociedade, podemos afirmar, com base em dados objetivos, que nos encontramos numa era de acentuada regressão civilizacional. Este caminho, que leva ao abismo, tem que ser invertido urgentemente.

MÃE

Cantamos o teu nome e beijamos as tuas mãos. Guardamos o sabor do pão que não levaste à boca e colocaste nas nossas. Lembramos o teu infindável labor para nos manteres asseados e escarolados. E as palavras, beijos, sorrisos e orações que nos ensinaram a acreditar e sonhar. Sem ti não seríamos. Só existiria o abismo. Persistes em nós até ao fim.

DO TEMPO

O tempo é um ilusionista. Os contendores na guerra jogam com ele, esperando que traga a vitória ou uma posição de vantagem na negociação da paz. Estão ambos equivocados e acabam em perdedores. Gastam-no em vão, semeando de ruinas o chão. Outros aguardam que ele sepulte no esquecimento os erros cometidos no trajeto, sem necessidade de pedir desculpa e perdão. Ledo o engano e burro o fingimento! O tempo não torna quentes o frio café e o arrefecido alimento.

SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

O ‘Discurso da Servidão Voluntária’, de Étienne de la Boétie (1530-1563), publicado em 1576, tem validade supratemporal e exala lições eternas. A leitura recomenda-se, pois, em todas as eras, especialmente nesta hora triste e neste Primeiro de Maio. Do que trata o texto? O autor elaborou-o após o povo francês se levantar contra um imposto sobre o sal e ser derrotado pelos fiscais e soldados do rei. Constitui um apelo à indignação, e questiona as causas da dominação e opressão de muitos por poucos. O título expõe a origem da aberração. Boétie pergunta como é possível que nações inteiras se sujeitem à vontade de um; e donde este tira o poder para controlar todos. A resposta é clara e simples: isto deve-se à ‘servidão voluntária’ dos que consentem o mando e sacrificam a liberdade por espontânea vontade. Se quisessem a liberdade de volta, bastar-lhes-ia rebelar-se, sem ser preciso recorrer à violência. A tirania destrói-se por si só, se os oprimidos deixarem a servidão, mediante uma estratégia coletiva de recusa da obediência e da colaboração com os dominadores. O ensaio afigura-se escrito de propósito para interrogar o estado atual da democracia, capturada pelos interesses da minoria, face à demissão cívica da maioria. Agora como sempre, muita gente julga que a proclamação e o desejo da liberdade equivalem à posse dela. Devíamos extrair ilações destas invetivas de Boétie: “Gentes miserandas, povos insensatos, nações apegadas ao mal e cegas para o bem! A vida que levais é tal que (…) nada tendes de vosso. Mas parece que vos sentis felizes por serdes senhores apenas de metade dos vossos haveres, das vossas famílias e das vossas vidas; e todo esse estrago, essa desgraça, essa ruína provém (…) de um só inimigo (…) cuja grandeza lhe é dada só por vós, por amor de quem marchais corajosamente para a guerra, por cuja grandeza não recusais entregar à morte as vossas próprias pessoas (…) Esse que tanto vos humilha (…) tem um só corpo e nada possui que o mais ínfimo entre os ínfimos habitantes das vossas cidades não possua também; uma só coisa ele tem mais do que vós e é o poder de vos destruir, poder que vós lhe concedestes! (…) Onde iria ele buscar os olhos com que vos espia se vós não lhos désseis? Onde teria ele mãos para vos bater se não tivesse as vossas? Os pés com que ele esmaga as vossas cidades de quem são senão vossos? Que poder tem ele sobre vós que de vós não venha? Como ousaria ele perseguir-vos sem a vossa própria conivência? Que poderia ele fazer se vós não fôsseis encobridores do que vos rouba, cúmplices do assassino que vos mata e traidores de vós mesmos?” Não se escrevem, nem pronunciam hoje discursos assim. A cobardia toma a liberdade por amargura e a alienação por doçura; tece loas à ditadura das negociatas financeiras e aos seus validos. Custa a acreditar que estamos em 2022!

MAIO: DE 1968 A 2022

Passaram 54 anos sobre o histórico acontecimento conhecido como ‘Maio 68’. Milhares de jovens estudantes franceses ocuparam então a Universidade de Nanterre, em Paris, originando um levantamento geral. Pertenciam ao sistema; não estavam excluídos dele, almejavam modificá-lo por dentro, não apenas para si, mas para uma sociedade melhor, com lugar condigno para todos. Que lição de utopia e generosidade! Muitos dos jovens de agora, do meu país e da minha universidade, estão arredados e segregados do mercado ultraliberal, enfrentam duras dificuldades e provações para entrar nele; e, quando entram, sofrem a exploração e a precariedade laborais. As ‘queimas das fitas’ podiam e deviam ser uma celebração festiva da meritória obtenção dos diplomas superiores e da consagração destes como estandarte de recusa da servidão.

A CORAGEM DE NÃO AGRADAR

Que falta faz a coragem de desagradar e pensar fora da caixa! Sem ela, não superamos as opiniões impostas, as ansiedades, indecisões e limitações que nos paralisam; enfim, não logramos afirmar quem somos. Para dar o exemplo, declaro que não me satisfaz a narrativa única, em circulação, acerca da guerra atualmente travada em solo europeu. Não aceito ser tomado por mentecapto, e que me impinjam como heróis e santos indivíduos cínicos e sem escrúpulos. São vilões todos os que não hesitam em martirizar os povos da Ucrânia, em transformar a Europa num barril de pólvora e em incendiar o mundo, para dirimir pleitos de hegemonia militar. Cada um tem a sua medida; a minha não quer ser melhor, apenas própria, quiçá ingénua, porém consciente. Partilho da opinião de Noam Chomsky: “A guerra só pode terminar de dois modos. Ou através de negociações ou até que uma das partes seja destruída. E a Rússia não vai ser destruída.” E tendo ainda a concordar com Ronald Silley (A Ucrânia e a Rússia na NATO, jornal Público, 11.05.2022, p. 6): “A aposta belicista em detrimento da via negocial, ostensivamente escolhida pelos EUA e os seus aliados na Europa, tem um ganhador claro: a indústria de armas dos EUA, o poderosíssimo ‘militar industrial complex’. A NATO, que tanto gosta de se expandir, devia convidar a Ucrânia e a Rússia para integrarem aquela aliança. No final de contas, aqueles dois países não são assim tão diferentes um do outro.” Ficaram com urticária por dentro e à flor da pele? Pois é! Mas este conflito não se resolve com estados de alma e orgasmos ideológicos, nem com o esmagamento da teleologia (atribuição de propósitos) pela etiologia (atribuição de causas e culpas). Não é assim que a realidade melhora.

COMUNICADO DO CRUP

“No início da entrada em funções de um novo governo e face à gravidade da situação social e institucional, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas sente-se obrigado a romper o silêncio e a tomar publicamente a seguinte posição: 1. O CRUP recusa a condenação da maioria dos jovens a uma existência de injusta fragilidade profissional e económica, impeditiva da constituição de famílias sólidas. Isso mina a sociedade e o futuro do país e das suas instituições. 2. As Universidades não aceitam mais formar licenciados, mestres e doutores para serem sujeitos a precariedade, exploração, salários de miséria e desemprego. 3. As Universidades declinam manter relações com empresas e organizações que desrespeitem os princípios do contrato social, e não encarem o trabalho como um valor inerente à realização humana. 4. Os Reitores proclamam à Senhora Ministra do setor e ao país que não serão os coveiros da missão da Universidade.”

EDIFICAÇÃO INTEMPORAL DO DESPORTO

Eis o lema do XIX Congresso de Ciências do Desporto e de Educação Física dos Países de Língua Portuguesa! A organização do simpósio incumbe à FCDEF da Universidade de Coimbra e inscreve-se nas comemorações do 30º aniversário da Faculdade. Após dois anos de uma pandemia, que nos intima a rever as modalidades da existência no planeta Terra, vamos acorrer a Coimbra estimulados pela consciência da necessidade de inscrever o desporto no movimento de renovação da vida, e alumiados pelo espírito da convivialidade e fraternidade lusófonas e universais.

DO TAMANHO DO MUNDO E DO NOSSO

O mundo é deveras grande. Não conseguimos habitá-lo, se formos demasiado pequenos e não tivermos a medida dele. Somente a liberdade, de direito e de facto, poderá ajudar-nos a adquirir esse estalão. Porque

ela amplia e expande-nos. Os cidadãos com acesso ao trabalho e ao pão, à habitação, à saúde e educação são mais livres do que aqueles a quem faltam estes bens. Conheci muitas pessoas e situações como as retratadas na imagem em baixo. Moviam montanhas com a amargura e a dor engolidas em silêncio. Nao admira que, aos 40 anos de idade, o seu corpo apresentasse sinais de adiantada velhice. Hoje anda por aí gente banal e aperaltada que nunca moveu uma palha, mas fala como se tivesse movido serranias. Os mesquinhos palradores das iniciativas ultraliberais deviam experimentar um mês de vida como o das criaturas de antanho na minha aldeia e o de tantas outras das vilas e cidades. Talvez descobrissem o genuíno teor da liberdade e dignidade, e deixassem de apregoar um credo ‘libertário’, desejoso de soterrar o melhor que a Humanidade, em todas as culturas, idealizou e concretizou ao longo da lenta marcha civilizacional.

OS OLIGARCAS E DA SEM-VERGONHICE

Na generalidade dos países, os milionários são designados ‘empresários’ de sucesso. No nosso também. Há hoje uma exceção, zelosamente promovida pela comunicação social: se a proveniência deles for russa, recebem o rótulo pejorativo de ‘oligarcas’. Nas últimas décadas, os plutocratas russos foram convidados pelos governos europeus a investir adrede; contaram com facilidades e portas abertas para depositar dinheiro, comprar imóveis (e até clubes desportivos!) e criar negócios. Ninguém questionou as fontes e modos de obtenção da fortuna. Agora os magnatas são execrados e os seus bens arrestados. Em linguagem do direito e da ética, isto configura um roubo e evidencia a canalhice, a farsa, hipocrisia e o caráter corrupto e amoral dos governantes, padrinhos e afilhados que ontem lhes lambiam o rabo. Uma vergonha! Muita gente aplaude com baba bovina.

DAS CERTEZAS

Os conhecimentos e saberes, mesmo sendo científicos ou empíricos e exatamente por isso, são apenas convicções e conjeturas questionáveis e refutáveis. As certezas não; subtraem-se ao confronto com argumentos lógicos, metódicos e racionais, porquanto vivem entrincheiradas e inatingíveis no condomínio amuralhado e inexpugnável da fé, dos dogmas e fanatismos. Logo é perda de tempo e fonte de incómodo discutir com ayatollahs. Em vez de responder a estultices e, quiçá, a insultos, ponhamos um sorriso no rosto. Os problemas do mundo resultam dos relacionamentos interpessoais; são tantos que não é curial acrescentá-los.

MASSACRE DE BUCHA

Sempre que revejo o vídeo, divulgado nas redes sociais, sobre o macabro cenário de Bucha, sinto arrepios no corpo e na alma. Como é possível tamanha monstruosidade? São muitas as interrogações e perplexidades; e nenhuma resposta é suficiente. No entanto deixou de se falar na barbaridade. Urge que as investigações e as perícias sejam levadas até ao fim, a verdade apurada e amplamente anunciada. Gente tão diabólica não pode ficar impune; tem que ser nomeada e responsabilizada. Nas últimas décadas aconteceram, noutros locais, perversidades similares; sobre elas e os seus autores desceram cortinas de fumo e silêncio. A Humanidade exige mais, nomeadamente outro jornalismo.

RÚSSIA VERSUS UCRÂNIA

São algumas e significativas as diferenças entre os dois países. A primeira é que a Rússia violou a lei internacional e invadiu a Ucrânia, causando devastação, horror e morte; a Ucrânia não invadiu os vizinhos, mas perseguiu populações russas e russófonas, segundo a insuspeita Human Rights Watch. A segunda reside no facto de o Presidente russo ser autocrata; o ucraniano não é como se pinta. A terceira, conforme relatam as agências de noticias, consiste no apoio dado pelo Kremlin às forças da extrema-direita; estas são numerosas na Ucrânia e, paradoxalmente, constituem alvo dos invasores.

Também há semelhanças. Na Rússia imperam uma oligarquia e plutocracia e há controlo da informação e limitação da liberdade individual e política, bem como da circulação de jornalistas. Na Ucrânia acontece o mesmo. A democracia e o estado de direito inexistem em ambos os países; diz-se que as mafias abundam nos dois.

PORQUE ESCREVO?

É famoso o quadro de Francisco José de Goya (1746-1828) que mostra um indivíduo dormindo, com vampiros e outros animais da noite pairando ao redor dele. O artista escreveu, por baixo da pintura, o seguinte: “O sono da razão produz monstros.” É sempre assim, em todas as eras e de modo evidente nos nossos dias. As sociedades atuais, adverte o filósofo Jürgen Habermas, vão em alta velocidade sem maquinista (e este só pode ser a razão). Logo, correm para o desastre. O que nos compete fazer? Ser sentinelas da razão! Não podemos delegar a tarefa em muitos comentadores coroados nos jornais e televisões; eles não velam pela razão, mas sim pela nossa alienação e domesticação. Ser sentinela da razão é uma obrigação de todos nós. O que é que ela exige? Assumir a cidadania, o dever de tomar e proclamar posições. Tão simples de dizer, mas difícil de cumprir. É isso que me leva ao exercício diário da escrita, como quem estende o fio-do-prumo para orientar e avaliar a correção do agir. Eis um hábito e rotina que se tornaram parte da minha segunda natureza. Escrevo todos os dias, como exercício de recriação de mim e diálogo com o mundo. É um ato de teimosia e resistência contra a corrente. A barbárie foi sempre inimiga dos livros. Não teve pejo em queimá-los em várias eras, na inquisição, no nazismo e nos múltiplos fascismos. O livro continua a ter inimigos, que o combatem objetivamente, uns de maneira sofisticada, outros de modo ostensivo. A lista de prejuízos é extensa e amarga. Os livros são formas de evasão, de pausas e respirações para pensar e questionar. São dialogantes e inquietantes, inauguram conversas e reflexões sobre temas conducentes para além da superficialidade, buscando compreender o que acontece ao nosso redor e a nós mesmos. Livram da ignorância, fizeram e fazem a Humanidade. Acredito no poder mágico das palavras; têm mãos de Midas. No princípio era o Verbo; tudo surgiu após ser dito. Assim consta no relato verídico da criação. Donde se conclui que as palavras são fiadoras da vida. Somos crias delas e é com elas que andamos na terra e subimos ao céu. As palavras são ferramentas. Com elas projetamos o não existente e edificamos pontes para o desconhecido e Outro. São lentes e asas que nos mostram a incompletude e retiram da rasura do que somos para a altura de quem podemos ser. Devemos a elas não ficar reféns do ofício ou função que desempenhamos ou da ordem em que estamos inscritos. Sendo autores delas, de palavras não utilitárias, conseguimos tocar a ilusão de deixar de estar sujeitos aos confins da sujeição. Tudo são palavras, pronunciadas ou não. As deste texto também o são. Escrevo-aspara o meu ‘descontentamento’, livres das tenazes da astúcia, e despidas de sugestões práticas. Por vezes, há quem as tome para si; e não fico ciumento. Com elas toco o alto das montanhas; teço mentiras bonitas, tingidas das cores do luar, desejando que sejam verdades. Por isso gosto de as partilhar. Escolho-as para pôr acendalhas e névoas azuis no céu cinzento, sonhos e sorrisos em plagas de gemidos, lágrimas, soluços, tédio e náusea. São estados de alma, rastos e auras das distâncias percorridas em busca do diferente. Têm raízes fincadas na memória e saudade, no relato e antecipação. Do que vivi e anseio viver. Basta uma palavra simples ou frase curta para abrir a autoestrada das nostalgias e aventuras, das recordações e esperanças. O meu vocabulário é umdialeto autobiográfico, familiar e pessoal; conta, de modo repetido e variado, a minha vida. Não invento nada, mas sou original. Amo as palavras e o que elas dão, o ‘resto do resto’. Devia amá-las ainda mais, porque oferecem tudo: os tempos idos e os futuros. São fecundas e abrigo-me nelas; contra o pavor de perder a identidade nesta era de ‘expulsão do outro’ e ‘inferno do idêntico’. No recanto da solidão e do pensamento escuto nitidamente os clamores e vozes do universo, o estertor das contradições e soluções gastas, o silvo urgente da radicalidade, os gritos desesperados por justiça social, as

doridas súplicas por misericórdia, os pedidos pungentes de salvação da Terra, os últimos suspiros de quem parte, o choro inicial e jubiloso de quem nasce. É essa audição que fica vertida nos meus escritos. Movo-me por causas, não contra alguém. Sei que desagrado a não pouca gente. Talvez por pensar e escrever 'fora da caixa' e por ser crítico; e os críticos, disse Vinícius de Moraes, têm mau hálito. Estou muito grato a quem lê e publica o que escrevo.

DOS CONDICIONANTES E DA SUPERIORIDADE DA DEMOCRACIA

A democracia não tem o condão de assegurar que os seus dirigentes sejam melhores seres humanos do que os chefes de sistemas autocráticos. Quem dera que assegurasse! Sobejam os exemplos que refutam a hipótese de semelhante milagre. Não faltam, em países democráticos, políticos que agem com a amoralidade e prepotência próprias de figurões imperiais. Sim, invadem países, aplicam políticas objetivamente voltadas para o depauperamento, a miséria, a fome e até a morte dos frágeis. E há um número, não pequeno, de praticantes de variadas ilicitudes e corrupções. Ou seja, a democracia não logra aplicar as garantias, os direitos e princípios consagrados no texto constitucional, nem pôr freios efetivos às perversões e prevaricações cometidas pelos seus líderes. Digamos claramente, embora com sabor amargo: uma sociedade não se torna virtuosa, somente por nela vigorar um regime democrático. É verdade que este outorga institutos e mecanismos destinados a colocar travões à crueldade, à injustiça e à exploração. Mas há um longo caminho a percorrer entre a formulação e a concretização plena desta aspiração. Qual a razão para o desfasamento? A democracia não gera automaticamente políticos eticamente superiores, com sensibilidade acrescida no tocante ao bem público, à dignidade da pessoa e à inviolabilidade das leis. Isto não constitui pressuposto devidamente escrutinado para o exercício de funções políticas. Dito de outro modo, ela não impede atitudes e decisões que contrariam a sua inspiração e vocação. Em países fundadores e apologistas da democracia, esta conviveu e convive com práticas que a negam. O caso dos EUA é assaz paradigmático neste capítulo; cito-o apenas por ser exemplar no aspeto aqui em apreço, ciente de que não é único. Tudo isto nos revela que a democracia não é portadora de uma essência congénita, miraculosa e salvífica. Não configura um estado acabado, perfeito e ideal; é antes uma via aperfeiçoável, carecidade constante reinvenção e renovação, visando encontrar a harmonia, o consenso e o compromisso, num contexto de pluralismo de interesses e valores, que exaltem e não ameacem e asfixiem as diferenças. Infelizmente, este fim não se atinge de maneira insofismável, porquanto os atores cívicos são sujeitos da imperfeição. Para desfazer equívocos, afirmo, sem titubear, que a democracia nos deu e vai continuar a dar infinitamente mais do que as ditaduras. Não obstante as promessas que lhe falta cumprir, devemos a ela mananciais donde jorram a esperança e a possibilidade de liberdade. Vivemos nela muito mais íntimos e vizinhos da Civilização e da Humanidade do que nas ditaduras. É curial enfatizar que os défices apontados à democracia não são atribuíveis a ela, mas sim aos que nela exercem responsabilidades. Afinal, a democracia não nos foi ou é oferecida em forma pura e definitiva; são os cidadãos que a edificam com os seus defeitos e virtudes. Oxalá cresça a consciência desta linha de causalidade!

ORGASMO DA LEVIANDADE

Detém-te um instante! Cuidas que a romantização da guerra e a criação de heróis com pés de barro, o apelo inflamado a bravatas, a exaltação do sofrimento, o fervor da crença na propaganda e em notícias falsas, a demonização de um lado e o branqueamento total do outro, a substituição de comentadores militares por tiazonas, por fala-baratos ávidos de palco e por fedelhos graduados em relações internacionais, sim, cuidas que isto vai decidir a sorte do conflito. Estás redondamente enganado. A guerrasó se resolve com cabeça fria, com a intermediação de gente conhecedora do que está em causa, das razões dos contendores e da evolução do cenário bélico. A gritaria proselitista e a obliteração do sentido crítico não impedem o crescimento do número das vítimas a lamentar e da fatura a pagar.

Devias ser cético; duvidar do que dizem e mostram. Mas não queres ir por aí; preferes o orgasmo dos insultos verbais a quem não te acompanha na ladainha da loucura. Sabes, não existe o mundo ideal; somos obrigados a contribuir para o melhor possível.

ORGASMO DA LEVIANDADE

Detém-te um instante! Cuidas que a romantização da guerra e a criação de heróis com pés de barro, o apelo inflamado a bravatas, a exaltação do sofrimento, o fervor da crença na propaganda e em notícias falsas, a demonização de um lado e o branqueamento total do outro, a substituição de comentadores militares por tiazonas, por fala-baratos ávidos de palco e por fedelhos graduados em relações internacionais, sim, cuidas que isto vai decidir a sorte do conflito. Estás redondamente enganado. A guerra só se resolve com cabeça fria, com a intermediação de gente conhecedora do que está em causa, das razões dos contendores e da evolução do cenário bélico. A gritaria proselitista e a obliteração do sentido crítico não impedem o crescimento do número das vítimas a lamentar e da fatura a pagar. Devias ser cético; duvidar do que dizem e mostram. Mas não queres ir por aí; preferes o orgasmo dos insultos verbais a quem não te acompanha na ladainha da loucura. Sabes, não existe o mundo ideal; somos obrigados a contribuir para o melhor possível.

DO QUE PARECE

Parece que a NATO tem um enorme ganho com a entrada da Suécia e Finlândia, por se tratar de povos política e democraticamente maduros. Não parece que os dois países ganhem em igual medida. Talvez ganhe mais a Turquia com as contrapartidas que exige para não inviabilizar a candidatura dos nórdicos. O sultão Erdogan sai assim do recobro e entra ativamente na configuração do novo tabuleiro da geoestratégia mundial que vai esboçando os primeiros contornos. Parece que, neste jogo, a União Europeia renuncia a desempenhar um papel autónomo. Ela devia fundir-se formalmente com a NATO, e o Secretário-Geral desta acumular a presidência das duas organizações, como Procônsul do império unipolar. Deste jeito poupavam-se confusões e acrescia a eficiência.

CULPADOS SÃO OS PROFESSORES!

O derrame de sangue voltou a acontecer numa escola do Texas. Já não causa surpresa, tão habituados estamos à frequente repetição do cenário macabro. Desta vez a maioria das vítimas (mais de uma vintena) tem idades entre os 6 e os 10 anos. Não é novidade, nem suscita inquietude. O acesso às armas é direito fundamental nos EUA; e a culpa do massacre não é dessa garantia constitucional. É, pois, impensável abolir essa liberdade! Assim proclama o credo vigente no Senado e no Supremo Tribunal. Claro que há culpados destes horrores! Obviamente, são os professores; deviam andar armados nas escolas. Eis a proposta dos ‘republicanos’, e as imanentes noções de escola, de educação e do papel do professor. Eis também a mentalidade civilizatória que policia o mundo e concita o aplauso de muita gente na ocidental praia lusitana.

ACONTECENDO...

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