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NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO
"As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia Lusitana / Por mares nunca de antes navegados / Passaram ainda além da Taprobana / Em perigos e guerras esforçados / Mais do que prometia a força humana / E entre gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram".
A consagração do direito a uma vida digna, realizada no caminho de perseguição da felicidade, implica a presença acrescida do desporto, a renovação das suas múltiplas práticas e do seu sentido.
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Sendo a quantidade e qualidade do tempo dedicado ao cultivo do ócio criativo (do qual o desporto é parte) o padrão aferidor do estado de desenvolvimento da civilização e de uma sociedade, podemos afirmar, com base em dados objetivos, que nos encontramos numa era de acentuada regressão civilizacional. Este caminho, que leva ao abismo, tem que ser invertido urgentemente.
Carta Aos Primeiros Professores
Caros pais e avós:
Sei que desejais a melhor educação possível para os vossos filhos e netos. Naturalmente, não sois imunes ao tom do discurso em alta: quereis que eles obtenham as mais altas classificações e competências. Poderão assim escolher um curso promissor de avultadas remunerações na vida profissional. Nada tenho a opor à vossa aspiração. Mas creio que vós também não recusais ler e ouvir algumas recomendações.
Transmiti-lhes a noção de que ser bem educado e sucedido implica o bom trato dos outros, sentar ao lado deles quando estão sozinhos, oferecer-lhes ajuda e solidariedade nas horas de dificuldade, encorajá-los nos momentos de angústia e tentação de desistir, colocar-se no lugar deles para compreender os seus estados de alma. Sim, dizei-lhes que os outros não são adversários com os quais é forçoso competir arduamente, mas antes companheiros da aventura existencial com os quais é curial cooperar e compartilhar, para, em conjunto, imprimir uma pegada do bem no trânsito terreno. Se eles já andarem na Universidade, sugeri-lhes que procurem familiarizar-se com a visão axiológica do mundo de Kant. Alertai-os para não se deixarem apanhar pela rede de falsários que, subrepticiamente, reduzem a sociedade a dois grupos: o dos predadores e o das presas. Por favor, falai destas coisas com o coração!
SERÁ ACEITÁVEL?
Será aceitável trabalhar a tempo inteiro e não auferir um salário suficiente para ter uma vida decente, com direito ao pão, à saúde, à habitação e educação?
Será aceitável que um professor ande, anos a fio, de Anás para Caifás, com a família dividida, e não consiga a devida efetivação? Será isto benéfico para a escola?
Será aceitável a resposta – ‘ninguém te manda ter filhos!’ – dada, muitas vezes, a alguém que afirma não ganhar o necessário para sustentar e educar a prole?
Será aceitável que um regime se diga democrático e promova a extensão da pobreza à maioria e a acumulação da riqueza por uma minoria? Será obrigatório aceitar o sistema vigente como uma vaca sagrada, assente em dogmas incontestáveis e inamovíveis?
Será aceitável que os órgãos mediáticos sejam a caixa-de-ressonância dos interesses das oligarquias e uma fábrica da opinião desfavorável aos prejudicados e humilhados?
Será aceitável que pessoas dotadas de instrução superior pactuem com tanta aberração e degradação civilizacional? Cumprirão a missão as escolas e universidades que servem para propagar a conformidade a tão obsceno padrão de injustiça e desumanidade?
Será aceitável que te consideres cidadão e cales e engulas as indignidades da situação?
Na Hora Do Crep Sculo
Sentado na ocidental praia lusitana, onde a luz da Europa se afoga no começo do mar universal, tento, em vão, aliviar-me das notícias falsificadoras da podre realidade. Sinto dentro de mim a inquietude de Fernando Pessoa, perante o estado de uma civilização que deixou de o ser para dar rédea solta ao cultivo da barbárie latente em nós. De braços abertos ao mundo e fitando o infinito, proclamo em voz alta, à terra e ao céu: Ó senhores da guerra e da predação, do mercado e do esbulho, não me representais; sois estrume do passado, sem qualquer préstimo para uma nova Humanidade!
GERONTICÍDIO: MISERÁVEIS FDPS!
Têm da vida dos outros, sobretudo dos idosos e frágeis, uma visão sacrificial e de austeridade. Sentem-se tão à vontade que já não dissimulam as diabólicas intenções com palavras envernizadas. As depravadas criaturas passeiam à vontade no mundo; e também estão entre nós, ávidas umas de voltar ao poder, outras de lá chegar. Compraram o deus da justiça e a voz da indignação dos cidadãos.
EUROPA: PERDIDA NA FLORESTA DE INTERROGAÇÕES
Como queres ser farol do mundo, se reeditas a história de frequentes perdas da razão e de quedas no abismo da absurdidade e autodestruição? Quem te salva de ti mesma, da voracidade autofágica? Quem te concede a remissão dos pecados e livra das cobras que emergem nos ninhos das sombras? Qual é a tua cara verdadeira: a larga de outrora ou a afiada de agora? Quem ainda confia nela? Abres as portas aos milhões de pessoas evadidas da guerra na Ucrânia e fechas as mesmas, de consciência impávida e serena, aos milhares que se afogam no Mediterrâneo, fugindo de países de cuja desestabilização és corresponsável e até autora. Que nome se dá a esta discriminação? Se não partilhares a visão multipolar do mundo, deixarás de ser vista pelos olhos do respeito. Se persistires com o discurso económico, assente numa gramática da acumulação do capital pelos poderosos e de exploração dos frágeis, deitarás fora o teu mais valioso património: o dos ideais, princípios e valores humanistas. Quo vadis?! Sentes-te bem na hibernação?
Jogar Bola
As crianças precisam de coisas simples, como brincar e jogar à bola. Uma bola não é um mero artefacto de couro, porquanto faz e tinge os humanos de humanidade. As crianças precisam de uma bola sagrada, carregada de bênçãos e do quanto lhes queremos bem. De uma bola feita dos afagos que amenizam o gelo e a secura da indiferença, da lonjura e distância e transmitem a proximidade e o calor doce dos afetos. De uma bola que não seja objeto de adulto astuto, calculista, interesseiro e cinzento, mas que rasgue e ilumine a escuridão dos dias e das noites com o clarão de um luar de prata.
A bola põe nos pés e nas mãos os pincéis que pintam as telas onde se antecipam as flores e corolas da cidadania alada. Ela é portadora do que ficou da infância: a inocência e ingenuidade, o altruísmo e solidariedade, a desmedida do sonho e da generosidade. Por via disso, mete golos na baliza da arrogância e desesperança, traz de volta o júbilo nas palavras e ações e restitui a fé nos filhos do Homem. A bola edifica no coração o formato da Terra e os sinais de que ninguém pode ser feliz e salvar-se sozinho. Redonda e sem arestas, configura a fraternidade universal.
Nenhuma criança precisa de sofrer e chorar. Todas necessitam de pão, roupa, calçado e de um teto para se alimentar, aconchegar e albergar. De uma cama quente e suave para se deitar e dormir. De uma bola para fintar a errância e criar o porvir. De um pretexto e razão para sorrir e florir.
Do Estado Da Justi A
Desde Sólon (638-558 a.C.), estadista e poeta grego, até ao presente nada mudou no tocante à administração da justiça: “As leis são como as teias de aranha que apanham os pequenos insetos e são rasgadas pelos grandes.” Por isso, os figurões proeminentes continuam a violá-las e a exibir-se na cidade, montados em cavalos luzidios.
É falso este mundo ‘democrático’ onde o ambiente judicial se assemelha a um jogo, com regras mutáveis e interpretáveis ao sabor das circunstâncias e de quem nelas mais pesa. Se tens alguma pendência em tribunal e estás carregado de razão, mesmo assim precisas de muita sorte; o desfecho depende do juiz que te calhar na rifa.
Da Solidariedade Com Os Professores
Não, não venho proferir uma elegia. Sou realista: os professores não operam milagres, embora muitos esgotem o possível. Laboram e lançam a semente da esperança no terreno da incerteza, sem a garantia de que a sementeira alcance o propósito almejado. Ou seja, os semeadores não decidem inteiramente o decurso e o resultado do cultivo, mas são um fator importante da qualidade da colheita. Para tanto não bastam a paixão e o sentido de missão; carecem de condições propícias ao desempenho do mister. Entre elas contam-se a valorização e a estabilidade da carreira. Ademais, a pedra relacional constitui o alicerce do ensino e da comunidade escolar. Ora, quando a moldura profissional é feita com tábuas de nomadismo e precariedade, não é possível criar relações sadias e frutuosas. O atual quadro circunstancial não concede aos professores tempo, ânimo e oportunidades para cuidar da melhoria da sua formação, competência e personalidade, para integrar grupos consistentes e produtivos, partilhar experiências e ideias, desenvolver projetos renovadores da instituição educativa. Não é desta feição que ela corresponde às exigências do nosso tempo. Estou, pois, solidário com eles. É civicamente inaceitável e leva a escola para mau fim o descaso de que são alvo. Todavia, atrevo-me a fazer um pedido: não encarem o Estado como inimigo, nem se vejam como grupo 'especial', fechado em torno de si e à margem de quantos lutam pela dignidade que lhes é devida!
Da Solidariedade Com Os Professores
Não, não venho proferir uma elegia. Sou realista: os professores não operam milagres, embora muitos esgotem o possível. Laboram e lançam a semente da esperança no terreno da incerteza, sem a garantia de que a sementeira alcance o propósito almejado. Ou seja, os semeadores não decidem inteiramente o decurso e o resultado do cultivo, mas são um fator importante da qualidade da colheita. Para tanto não bastam a paixão e o sentido de missão; carecem de condições propícias ao desempenho do mister. Entre elas contam-se a valorização e a estabilidade da carreira. Ademais, a pedra relacional constitui o alicerce do ensino e da comunidade escolar. Ora, quando a moldura profissional é feita com tábuas de nomadismo e precariedade, não é possível criar relações sadias e frutuosas. O atual quadro circunstancial não concede aos professores tempo, ânimo e oportunidades para cuidar da melhoria da sua formação, competência e personalidade, para integrar grupos consistentes e produtivos, partilhar experiências e ideias, desenvolver projetos renovadores da instituição educativa. Não é desta feição que ela corresponde às exigências do nosso tempo. Estou, pois, solidário com eles. É civicamente inaceitável e leva a escola para mau fim o descaso de que são alvo. Todavia, atrevo-me a fazer um pedido: não encarem o Estado como inimigo, nem se vejam como grupo 'especial', fechado em torno de si e à margem de quantos lutam pela dignidade que lhes é devida!
No Dia Da Mulher
Hoje é um dia especial. Não se trata somente de uma formalidade inscrita no calendário das obrigações cívicas. Cumpre-nos reconhecer e exaltar a criatura inaugural. A mulher é o protagonista e garante confiável da Ética do Cuidado que zela pelo mundo, por todos e cada um de nós. Quem iguala as mulheres no magistério do amor e carinho, do desvelo e da ternura infinita?! Vejo e sinto assim quando me lembro da minha mãe. E também confirmo isso diariamente no benefício que recebo da esposa, da filha e da neta. Sem olvidar as atenções vindas de perto e de longe, das irmãs e amigas. A mulher configura a Professora da Escola Primária, onde aprendemos o que é essencial à vida e qualifica a nossa existência.
A GUERRA NÃO É UM JOGO!
A generalidade dos órgãos de comunicação social e dos analistas encara a guerra na Ucrânia de modo igual ao de muitos espectadores do futebol. Torce por um contendor e farta-se de insultar o adversário. Não vê diferenças entre o mundo da bola e a guerra. Quando um jogo de futebol termina, os jogadores, juízes, técnicos, dirigentes e adeptos, independentemente do resultado (vitória, derrota ou empate), vão para casa; o estádio permanece de pé e a competição prossegue no fim-de-semana próximo. Na guerra não é assim. Mesmo que se atribua o triunfo a uns e o fracasso a outros, todos perdem. Os campos de batalha enchem-se diariamente de cadáveres que jamais regressarão à vida. Isso parece não importar; a maioria dos jornalistas e comentadores continua a relatar a tragédia, como se fosse um espetáculo, indiferente aos inúmeros mortos que partem e aos milhões de vivos que choram e sofrem. Quão insano é criar um labirinto, sem ter o fio para sair dele!
Jogar E Brincar
Constitui o cenário mágico onde todas as gerações se encontram, onde todas as idades convivem, partilham e renovam a alegria e a vontade de viver. É também o princípio existencial e a categoria antropológica onde todas as culturas convergem. Um fenómeno universal e supratemporal, polissémico e polimórfico, de extensão da imaginação até ao infinito e de fruição gratuita do ócio. Um arquivo de memórias e de pontes entre o passado e o presente. Nesta era tão soturna e trágica joguemos e brinquemos, contra o pasmo, o tédio e o negócio de existir sempre no fio da navalha!
Liberdade Generosa E Nica
Não há outra que a iguale nas conjunturas de apertos e dificuldades. É por isso que Eduardo Galeano a enaltece e lhe presta justiça:
"A liberdade de mercado permite que tu aceites os preços que te são impostos."
Que liberalidade ímpar!
Ela permite-nos ainda outra coisa extraordinária: salvar bancos e ser parvo. Quando há lucros, são para os acionistas; quando algo corre mal, somos elevados à exaltante categoria de salvadores.
Gaudeamus igitur!
Escurid O E Guerra
Nietzsche alertou: se olharmos durante tempo excessivo para a escuridão, ela passa a olhar-nos, acaba por entrar em nós e moldar-nos ao seu jeito. Sucede o mesmo com a guerra. Sabemos isso e temos noção das consequências. Porém não conseguimos despregar os olhos dela; os jornais, as televisões, as intervenções públicas dos dirigentes políticos e os efeitos gravosas do quotidiano não consentem que desviemos da tragédia a nossa atenção. Já estamos contaminados por ela; isto nota-se nas palavras que dizemos, na máscara façanhuda que pomos no rosto, nos sorrisos que nos faltam, na afabilidade que se ausenta, na desconfiança e crispação que se instalam. Sentimos as bombas de fragmentação a cair e percebemos que muitas outras cairão, sem saber bem donde vêm e para onde nos obrigam a fugir. Ao cabo e ao resto, fugimos de quem devíamos ser. Vamos a caminho de uma pessoa pior, por mais competentes que sejamos na arte do disfarce.
Aprendizagens Tardias
A idade ensina coisas essenciais. Com o passar dos anos aprendemos que o "viver é um rasgar-se e remendar-se", como disse Guimarães Rosa. Percebemos que a dignidade não se perde, antes se ganha, quando caímos e nos levantamos com elegância e determinação. E constatamos, sem desilusão e acrimónia, que há muita gente à nossa volta nos dias soalheiros e pouca nos dias chuvosos e escuros. A última é a que devemos estimar; hoje saúdo-a de braços erguidos ao céu.
Em Campo Maior
Dobram os sinos e ressoa o cante dolente na planície alentejana. Os homens de idade têm a cabeça descoberta e o chapéu na mão, em sinal de respeito. As mulheres pararam a monda das ervas daninhas e entregam-se ao recolhimento e à prece. Calaram-se os chilreios dos pássaros. As searas e as papoilas no meio delas ondulam e reclinam-se em jeito de despedida. Os rebentos das vinhas choram, já com incontida saudade do criador do milagre da multiplicação e partilha. O filho e pai da terra campomaiorense desce hoje à sepultura. Esta não tem epitáfio, mas ele deixou-nos um lema para afixar nos olhos e na consciência, extraído dos ensinamentos que praticou ao longo da sua vida: “Onde e quando a Humanidade definhar, esforçai-vos por agir como Seres Humanos, cuidadores, cúmplices e fraternos uns dos outros.” No céu brilha o sol; logo à noite, a lua e as estrelas darão um concerto de boas-vindas.
Aprendizagens Tardias
A idade ensina coisas essenciais. Com o passar dos anos aprendemos que o "viver é um rasgar-se e remendar-se", como disse Guimarães Rosa. Percebemos que a dignidade não se perde, antes se ganha, quando tropeçamos em nós mesmos e na traição, caímos com fragor e nos levantamos com elegância e determinação. E constatamos, sem desilusão e acrimónia, que há muita gente à nossa volta nos dias soalheiros e pouca nos chuvosos e escuros. A última é a que devemos estimar; hoje saúdo-a de braços erguidos ao céu.
Exclus O Dos Jogos Ol Mpicos
Há um problema grave no panorama olímpico, que não se resolve com o passar dos dias. Exige clarificação urgente, sopesando bem os riscos assumidos.
A invocação da invasão da Ucrânia, para vedar aos atletas russos e bielorussos as portas dos Jogos de Paris, encontra acolhimento e aplauso nos meandros políticos ocidentais; todavia, não tem respaldo na Carta Olímpica. Para seguir por aí, é preciso introduzir na Carta uma nova cláusula, com teor semelhante a este: “A qualquer país, causador de um conflito militar, fica interdita a participação em competições internacionais.” Mas não fechemos os olhos e a razão às consequências! Se o COI der este passo, deixa de ser organização desportiva e torna-se organismo político. Mais, não se esqueça que há uma vintena de confrontos armados, atualmente ativos no mundo. A penalização exclusiva da guerra na Ucrânia leva para mau caminho o Movimento Olímpico; este é universal e não apenas europeu.