HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO NO PARÁ ATRAVÉS DE IMAGENS: século XX

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HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO NO PARÁ ATRAVÉS DE IMAGENS: PRÁTICAS E EXPERIÊNCIAS ESCOLARES NO SÉCULO XX. Leticia Souto Pantoja1 Resumo: São discutidas alternativas de pesquisa acerca da História da Educação Paraense durante o século XX, com fulcro na análise de fontes imagéticas produzidas por instituições públicas e privadas, bem como por diversos sujeitos históricos que vivenciaram múltiplas experiências de escolarização entre 1905 e 1990. Assim, após a coleta, recuperação e estudo de um vasto acervo de fotografias que albergavam memórias de vida escolar, procuramos identificar aspectos que nortearam as práticas educativas prevalentes na sociedade paraense de outrora. Foram pesquisadas fotografias de três naturezas, a saber: as contidas em documentos oficiais produzidos pelos poderes públicos locais durante a primeira metade do século XX; fotografias pertencentes a coleções privadas de famílias que registravam memórias da vida escolar de seus membros e imagens produzidas por professores de escolas públicas e outros profissionais ligados a escolas confessionais instaladas na região. O acervo foi organizado eixos temáticos, a partir dos quais discutimos as seguintes questões: relações entre educação e civismo; educação e religião; educação e cultura material; cotidiano escolar e práticas de escolarização. A análise das imagens possibilitou refletir acerca de aspectos políticos, culturais e simbólicos que perpassaram a historia da educação paraense, observando-se a estreita vinculação entre as práticas e a construção de um modelo de educando que fosse ordeiro e disciplinado. Palavras-chave: Educação - Fotografia – Memória

Abstract: We discuss alternative research on the History of Education in Pará during the twentieth century, with fulcrum in the analysis of imagery sources produced by public and private institutions, as well as various historical subjects who have taken part in multiple experiences of schooling between 1905 and 1990. So, after collection, recovery and study of a large collection of photographs that harbored memories of school life, we sought to identify aspects that guided educational practices prevalent in Pará’s society of yore. Photographs were surveyed among three groups, namely those contained in official documents produced by local authorities during the first half of the twentieth century; photographs belonging to private collections of families, that recorded school life memories of its members and pictures produced by public schools teachers and other professionals related to denominational schools established in the region. The collection was organized into

1 Doutoranda em História Social, pela PUC-SP. Professora Assistente II, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Pará, Campus de Marabá. E-mail: lspantoja@ufpa.br.

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themes, which discussed the following issues: the relationship between education and civics, education and religion, education and material culture, everyday practices and school enrollment. Image analysis allowed to reflect on the political, cultural and symbolic that have permeated the history of education in Pará, noting the close ties between the practices and the construction of a model of schooling that was orderly and disciplined. Key-words: Education – photograph - Memories

I. Considerações preliminares: Consideradas durante muito tempo como meras “ilustrações” dos trabalhos historiográficos, as fotografias tem adquirido novo status de fontes históricas com a emergência de recentes pesquisas que privilegiam abordagens em que dialogam a história, a antropologia e a semiótica. (KOSSOY: 1989; LEITE:1993; MAUAD: 1996) Na condição de fontes, as fotografias passam a ser vistas e lidas como discursos que são construídos num certo tempo histórico, em articulação com contextos sociais específicos que lhes impõem lógicas próprias de produção e circulação. Neste caso, importa observar que nem sempre a fotografia constituiu uma prática corriqueira e de fácil acesso a maioria dos segmentos sociais brasileiros, sendo que a democratização da prática fotográfica é um fenômeno recente em termos históricos, datando da segunda metade do século XX. Antes disto, fotografar era uma ação restrita a alguns segmentos sociais mais abastados, capazes de arcar com os custos envolvidos na produção desses acervos, que tinham interesse nas novidades técnicas que surgiam, dentre as quais figuravam a fotografia e o cinema. Desse modo, como fato social, o ato de fotografar está imbricado a uma série de processos que envolvem desde a disponibilidade de recursos financeiros para custear a produção e veiculação das imagens até a própria popularização do ato de fotografar em si mesmo. Sem adentrarmos em análises mais profundas acerca das intencionalidades e subjetividades imanentes dessa espécie de fonte, é mister lembrar que a imagem em papel (ou atualmente, em mídias eletrônicas) materializa na verdade, o resultado de um movimento anterior no qual certos cenários, pessoas, eventos e situações foram escolhidas para serem registrados e guardados na memória. É nesse movimento que são determinantes tanto o filtro de quem opera o maquinário fotográfico, quanto os interesses de quem encomenda, por assim dizer, o registro.

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Portanto, a fotografia não constitui um discurso isento, isolado e muito menos neutro; ela dialoga com seu tempo, com as demandas de seu produtor, com os valores e visões de mundo que ele partilha com certo grupo social. É justamente estribado nesses aportes que ele seleciona os temas, ângulos, sujeitos e cenários que devem ser captados. Assim, a fotografia é um documento que como outras espécies de fontes carrega uma carga significativa de intencionalidade. Segundo BÜRKE (1992: p. 27), o uso crescente de fotografias como fontes históricas pode enriquecer o conhecimento do passado desde que desenvolvamos técnicas de "crítica da fonte" semelhantes às usadas para avaliar depoimentos escritos. Por isso, recai sobre o pesquisador a tarefa de se arvorar nesse universo da memória congelada, identificando o lugar social da imagem em seu próprio contexto, debatendo essa fonte em si mesma e com outros documentos. Nesse sentido, este ensaio originou-se das reflexões construídas no projeto “Histórias e Memórias da Educação nas regiões nordeste, sul e sudeste do Pará”, desenvolvido entre os anos de 2011 e 2012, nos campi Bragança e Marabá, da UFPA, durante as aulas da disciplina História da Educação no Brasil e na Amazônia, junto a alunos de Licenciatura em Pedagogia. O objetivo inicial do projeto consistiu em inventariar a existência de um acervo de fontes imagéticas (fotografias) que auxiliassem e/ou possibilitassem pesquisas no campo da História da Educação da região dos Caetés e Carajás, respectivamente nordeste e sul do Pará. Importa esclarecer que ao final das pesquisas, foi organizada uma exposição intitulada “Histórias e memórias da educação no Pará, século XX”, na qual articulou-se não apenas o mostruário de fotografias, mas também de objetos de cultura material (como por exemplo, livros de ponto de professores, diários de classe no início do século, livros didáticos da década de 1950, etc) que foram encontrados ao longo do processo de investigação. As imagens coletadas são provenientes das seguintes fontes: documentos oficiais produzidos pelos poderes públicos locais (estadual e municipais); álbuns de famílias (de alunos e seus parentes); acervos de professores aposentados; acervos de instituições educacionais de caráter confessional. Observe-se que se buscou durante a captação das imagens manter traços essenciais demarcadores do transcurso do tempo e da forma de preservação do próprio documento, uma vez que consideramos que a imagem e sua conservação contam uma história, marcam o lugar de uma memória que se busca congelar.

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A partir do conjunto do material coletado, organizou-se as fotográficas com base em três eixos temáticos, que permitiram problematizar algumas questões políticas, culturais e simbólicas que perpassaram a educação escolar paraense ao longo do século XX. O primeiro eixo norteador se referiu ao registro das comemorações cívicas realizadas no espaço escolar. Neste caso, tratam-se dos festejos e celebrações que no curso do século passado constituíram importantes marcos para firmar o papel das instituições escolares públicas enquanto locus de formação de cidadãos republicanos, patrióticos e disciplinados, em sintonia com os valores nacionais. O segundo grupo de imagens apontou indícios das relações mantidas entre educação e religião durante várias décadas do século XX. Sob este enfoque, priorizou-se tanto a percepção da presença de certos componentes de uma religiosidade cristã e católica no cotidiano da escola estatal, pública e laica quanto as evidencias da atuação educacional da Igreja no Pará, através das escolas confessionais privadas e/ou em regime de convênio com os poderes públicos dos municípios. Aquilo que intitulamos “cotidiano e práticas de escolarização” correspondeu ao terceiro eixo contemplado na pesquisa. Na verdade, trata-se de um conjunto de imagens que rememoram cenas do cotidiano escolar, indiciando práticas de escolarização de crianças e jovens; ao mesmo tempo em que apontam novas percepções da educação escolar associadas à mensuração quantitativa do saber e uma visão conteudista do fazer educacional. O quarto conjunto de fotografias destaca o patrimônio material do sistema escolar paraense, direcionando seu olhar especialmente sobre a arquitetura e o mobiliário de algumas instituições de ensino. Ao constituir um acervo de imagens produzidas em diferentes décadas e que envolve espaços de natura diversa (públicos e privados), tais registros permitem refletir sobre as similaridades e os distanciamentos existentes entre o universo escolar da capital e do interior do estado, dentre outras questões possíveis. A seguir pinçamos algumas temáticas para discutir o potencial do trabalho com fotografias na pesquisa em História da Educação na Amazônia.

II. Em nome da ordem e do progresso: relações entre educação e civismo. A construção de uma imagem da escola como espaço privilegiado para o ensinamento de valores, comportamentos e atitudes que reforçavam os ideais patrióticos fica explícita nas fotografias coletadas em diferentes momentos históricos: dos primeiros anos da república até meados da década de 1990.

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Por um lado, as comemorações das datas cívicas nacionais são incorporadas ao calendário escolar, tornando esses momentos importantes sinalizadores do comprometimento ideológico da escola pública com o Estado nacional. Paralelamente, são introduzidos no espaço escolar e nas práticas pedagógicas cotidianas, objetos, ritos e procedimentos que criavam conexões entre a escola e a nação; indicando as ligações que existiam entre o fazer educativo e as necessidades de formar cidadãos patrióticos, ordeiros e disciplinados. Nesse processo, destacam-se os festejos da “Semana da Pátria”, celebrada anualmente entre os dias 05 e 07 de setembro; período em que a escola se mobilizava para desfiles públicos, competições escolares de fanfarras, bandas e gincanas de conhecimento, dentre outras ações que evocavam um passado nacional de glórias e reafirmavam o significado histórico do processo de emancipação política brasileira. Das imagens contidas em documentos oficiais da secretaria estadual de educação (19021930) aos retratos pertencentes a acervos particulares de famílias de diferentes cidades paraenses (1960-1990), é possível perceber o quanto o registro da participação dos escolares nessas comemorações era importante para o Estado e para a sociedade civil. Nesta perspectiva, a preocupação fundamental é formar um sentido de brasilidade por meio da evocação idealizada de personagens e datas históricas consideradas importantes no processo de construção de uma identidade nacional. A partir da criação de uma espécie de calendário oficial, organizado pelo poder público federal, ampliado e executado pelos diferentes níveis federativos (estados e municípios), as instituições escolares demarcam momentos ritualizados em que se apresentam perante a sociedade civil para homenagear a pátria e seus grandes heróis. Grandes desfiles e/ou festejos utilizando-se de recursos cenográficos, vestuário diferenciado, bandas e fanfaras faziam parte do processo de conformação das mentes dos escolares em favor dos ideais patrióticos; contribuindo para a constituição de um imaginário político, histórico e social

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Imagem: Membros do carro estandarte do Grupo Escolar de Belém. Desfiles escolares em comemoração à Semana da Pátria. As crianças representam a Educação (menina com a mãe que carrega a caneta tinteiro); a República (escolar, carregando espada) e os nacionais (meninas representantes os índios). Observamos ausente da alegoria, o elemento negro como constituinte na nação brasileira. Fonte: Álbum da Festa das Creanças. Governo do Município de Belém. 1905.

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Imagem: Desfile escolar do 07 de setembro de 1966. Breves - PA. Escolares representando respectivamente da esquerda para a direita: Princesa Izabel, libertadora dos escravos; Rainha dos Estudantes, que adquiria o direito de carregar a Bandeira da escola no desfile e aluno uniformizado. Fonte: acervo doado pela família Pinheiro Souto.

Por outro lado, observamos também certas práticas cotidianas que envolviam desde as filas de entrada para as aulas, quando então eram entoados os Hinos Nacional, à Bandeira e do município (em alguns casos); os ritos de formatura do ABC, do primário e do ginásio quando eram prestados juramentos à bandeira e aos professores; os retratos posados para fotógrafos pagos pelas famílias, em que se fixava a memória sobre a vida escolar da criança; além de outras ações que conjuntamente às celebrações do calendário cívico projetavam imagens, incutiam valores e reafirmavam a função da escola como formadora de mentes e de corpos. As filas eram utilizadas em quase todas as ocasiões do cotidiano escolar: no início das aulas para se organizar a entrada de alunos nas salas; na hora do recreio para conter os ânimos dos escolares ávidos pelo lazer, ordenando o fluxo de crianças entre as salas e os pátios; nos momentos de inspeção escolar, para verificação dos uniformes e estado geral de higiene das crianças; até mesmo nas aulas de educação física, para evitar a dispersão dos alunos e assegurar que todos participavam os exercícios propostos.

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Além de uma questão prática, a fila nasce dos interesses da escola em controlar o ritmo dos alunos (correr, pular, se movimentar), garantindo a hegemonia da ordem coletiva-social sobre a liberdade individual.

Imagem: Fila das turmas do primário, organizadas no início das aulas, para entoar o hino nacional brasileiro. 1946. Fonte: Instituto Santa Terezinha. Bragança - PA. Acervo da escola.

Sob as bençãos da bandeira brasileira (símbolo maior da pátria), do Brasão Nacional, do globo terrestre, estrategicamente a mostrar a América Latina e o Brasil e em meios aos livros, canetas e outros objetos indicativos de uma cultura letrada e ilustrada, os retratos de lembrança escolar feitos sob encomenda da escola e/ou das famílias dos escolares, asseguravam a fixação da memória em papel, ocupando uma posição de destaque nos álbuns de família e indicando a importância do acesso a educação formal, no contexto de uma sociedade que até bem poucas décadas era majoritariamente analfabeta.

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Imagem: Escola Estadual de 1º e 2º Graus Argentina Pereira. Bragança, PA. 1990. Retrato pago, comumente tirado por estúdios e fotógrafos que percorriam as escolas oferecendo ás famílias a oportunidade de terem uma lembrança da vida escolar de seus filhos. Costumeiramente chamado “Lembrança de minha vida escolar”. Fonte: doação de aluna do curso de graduação em Pedagogia da UFPA. Bragança - PA.

Imagem: Lembrança Escolar. Outra forma de apresentação do mesmo retrato “Lembrança Escolar”, distanciado mais de uma década da imagem anterior. Optamos por explicitar a maioria dos detalhes do retrato (excetuando o nome da escolar) e não apenas a fotografia da aluna, visto que no todo temos revelados outros elementos que fazem apologia à pátria e aos símbolos nacionais. Fonte: doação de aluna do curso de graduação em Pedagogia da UFPA. Bragança - PA.

III. Educação e religião: laicidade educativa e presença da igreja na educação amazônida. A Igreja sempre se mostrou atuante na educação brasileira, desde os primórdios da colonização portuguesa, através da criação de instituições e projetos de catequização dos

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nativos; como também em outros períodos históricos em que mesmo separada politicamente do Estado, interferia significativamente nos rumos educacionais da nação, como por exemplo na década de 1920 nos debates em torno da afirmação da Educação Nova. Na Amazônia esta forte presença é assinalada pelas fotografias em que se observa a atuação de diferentes ordens religiosas na propagação de uma educação assistencial, voltada para o ensino da cultura letrada, mas também direcionada para a formação moral e religiosa dos escolares, bem como para disciplinarização dos comportamentos consoante a lógica de uma educação branca e ilustrada.

Imagem: Alunos da Missão do Araguaia. Ordem dos Franciscanos. 1909. Araguaia - PA. Fonte: Álbum do Estado do Pará. 1901-1909. Organizado na Administração de Augusto Montenegro.

Nas chamadas “escolas confessionais”, instaladas nos mais diversos pontos do território amazônico que atendiam tanto em regime particular quanto por meio de convênios com os poderes públicos ou de forma filantrópica as camadas pobres da região; educava-se para a vida, para o desenvolvimento de habilidades entre escolares do gênero masculino e feminino |objetivando corresponder as expectativas sociais e as demandas do mundo do trabalho.

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Imagem: Alunas do Curso Normal. Década de 1950. Instituto Santa Terezinha, Bragança - PA. Fonte: Acervo do IST.

A presença dos mestres e mestras ao lado dos escolares, tanto em situações pedagógicas quanto fora do espaço escolar propriamente dito, a estreita vigilância sobre a rotina escolar e ainda, a preocupação em firmar uma imagem das escolas religiosas como espaços coletivos de ordem, homogêneos e sem conflitos são aspectos constantes nas fotografias pesquisadas.

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Imagem: Missão de Evangelização na cidade Portel - PA, promovida pelo Colégio Santo Agostinho, de Breves - PA. 1968. Fonte: Acervo pessoal de M. N. das G. P. S.

Mesmo nas instituições laicas e públicas, consoante percebido nas imagens, as interrelações entre sociedade, Igreja e Estado parecem ter sido evidentes. Bom exemplo dessas conexões vislumbramos em uma imagem extraída de um álbum de família, que capta o momento de comemoração ao lado da professora, da primeira comunhão realizada por dois alunos de uma escola pública de educação primária, no nordeste do Pará.

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Imagem: Primeira comunhão realizada no espaço da escola, após aulas de catequese. 1981. Augusto Corrêa - PA. Fonte: Acervo pessoal de M.M. Doado ao projeto.

IV. Educação e cultura material: As imagens que têm o espaço escolar como temática primária da cena fotográfica, aparecem principalmente nos acervos institucionais públicos e privados. Neste caso, nas coleções de família, o espaço escolar surge de modo indireto como pano de fundo das fotografias e/ou panorama em que se desenvolve a cena intencionalmente captada. Nesses acervos institucionais, o intuito das imagens é fixar na memória visual aquilo que os poderes públicos ou as instituições particulares desejam que seja lembrado num contexto social mais amplo. Assim, projetam-se discursos implícitos que corroboram a ideia de que na História da Educação na Amazônia, tudo sempre transcorreu muito bem; havendo excelentes instituições com arquitetura modelar, investimentos públicos suficientes tanto nas escolas rurais quanto urbanas e interesse em oferecer uma educação qualitativa, com equipamentos e materiais pedagógicos condizentes com as mais modernas tendências pedagógicas.

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Imagem: Sala de aula do Instituto Orfanológico. Outeiro - PA. 1909. É possível observar que o primeiro plano da fotografia procura captar os aspectos gerais das condições físicas e materiais da sala, destacando-se o mobiliário escolar, os mapas, quadros e outros materiais pedagógicos presentes no ambiente, além das próprias luminárias e austeridade do prédio, com portas e janelas altas. Fonte: Álbum do Pará. 1901-1909. Org. na Adm. do Gov. Augusto Montenegro.

Imagem: Escola Rural Santa Lúcia - PA. 1939. Fonte: Álbum do Pará. 1939. Org. na Administração do Gov. José Carneiro Gama Malcher. Belém, Typ. Novidades. 1939.

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Como visto na primeira imagem deste segmento, a ênfase no mobiliário, objetos e utensílios utilizados como apoio da prática pedagógica são recorrentes nas fotografias, principalmente naquelas oriundas de instituições particulares e/ou confessionais. Sob este enfoque mostram-se salas de aula, laboratórios, ginásios e outros espaços, onde o cenário é estático e destituído da ação humana; procurando evidenciar o caráter técnico do processo educacional, em que a escola precisa estar atualizada e informada sobre as tendências pedagógicas emergentes.

Imagem: Sala de Ciências e Laboratório do Instituto Santa Terezinha. Bragança - PA. 1956. Fonte: Acervo do Instituto Santa Terezinha.

Para os poderes públicos estadual e municipal, em diferentes períodos históricos, as imagens funcionam como espécie de propaganda que comprova os feitos políticos na área de educação realizados pelos governantes; enfatizando mais a arquitetura escolar como um todo do que propriamente, os espaços internos das escolas.

V. Conclusões: Nosso objetivo neste trabalho foi tão somente redimensionar o modo como a fotografia têm sido utilizada nas pesquisas em história da educação na região amazônica; possibilitando novas incursões investigativas para além do registro escrito; oportunizando o conhecimento das representações imagéticas imbricadas nas práticas educativas entretecidas na região, ao

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longo do século XX. A fotografia permite materializar o que vivenciamos diretamente em suporte físico, assegurando uma memória que ao mesmo tempo em que é estática (o que passou, passou) se reconstrói através de nossas lembranças do passado, articuladas no presente. Dessa feita, as fotografias constituem em si mesmas fontes que merecem um trabalho de leitura histórica específico por parte do pesquisador. Por isso, ao estudioso que tem acesso a uma vasta coleções de imagens sobre vida escolar existentes na região amazônica, convém problematizar o uso que faz desses documentos, considerando os discursos que se encontram subjacentes às imagens e que se expressam nos símbolos gráficos, escolhas temáticas, objetos captados, expressões dos sujeitos, dentre outros aspectos. No caso concreto, a pesquisa que originou este artigo localizou um contingente expressivo de imagens de vida escolar (em torno de 300 imagens), oriundas de diferentes acervos (públicos e privados), indiciando práticas educativas que permearam quase nove décadas do século XX (1905-1990). Nesse bojo, observou-se a concentração das imagens produzidas pelos poderes públicos locais, na primeira metade do século XX; existindo um acervo reduzido de imagens relativas as escolas e eventos escolares a partir da década de 1940, oriundos de documentação oficial. Em relação aos acervos privados de famílias, a situação é oposta; notando-se o crescimento significativo do número de imagens de vida escolar nos álbuns pessoais, a partir dos anos 1980. Talvez em virtude processo de popularização da prática fotográfica que se iniciou nos anos 1960, mas que efetivamente parece ter alcançado a região amazônica, mais tardiamente. Principalmente em se tratando de famílias moradoras de cidades do interior do estado, como por exemplo Breves, Bragança, Viseu, onde predominam famílias de baixo poder aquisitivo ou caracterizadas por constantes deslocamentos migratórios. Notou-se ainda, um certo desconhecimento da potencialidade dos acervos escolares das instituições confessionais da região, os quais albergam grande volume de registros imagéticos, todavia os mesmos não estão facilmente acessíveis aos pesquisadores. Em termos temáticos, a questão da relação entre civismo e educação mostrou-se latente, bem como, a peculiaridade da forte presença da Igreja na construção da educação pública e privada na região amazônica; acentuando-se ademais a preocupação do registro imagético produzido pelas próprias escolas e/ou pelo público em referendar a imagem de uma educação modelar, sem problemas ou conflitos.

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