Edição especial
Nós do Coletivo Tantas Letras aderimos à campanha “Índio é nós” e fizemos esta edição especial do zine Lapada Póetica, dedicado à luta e resistência dos povos indígenas. São muitos/as poetas soltando seus versos em defesa da causa, pra fazer coro às outras vozes indiognadas, nessa trincheira, nessa barricada contra 514 anos de opressão e injustiça. Somos todos um e estamos em pé, pintados de urucum. Índio é nós.
ZINE LAPADA POÉTICA Edição especial: Abril de 2014. Capa: Galo/Campanha Índio é nós. Autores: Rogério Kabeça, Bete Rodrigues, Ana Lucia Silva, Lucas Bronzatto, Luiz D Salles, Jémina Diógenes, Jayme Perin Garcia, Valdir Junior, Rosana Camilo, Ricardo Escudeiro, Su Simon, Max Medeiros. Contato: lapadapoetica@gmail.com – São Bernardo do Campo - SP
Selvagens do cérebro de cimento Rogério Kabeça
Vocês conquistaram nossa terra e eu pergunto prá que Vocês dizimaram nossos irmãos e eu pergunto prá que Vocês se acham tão inteligentes e eu pergunto prá que Vocês destroem a natureza e eu sei porque Vocês criam necessidades sem utilidade e eu sei porque Vocês se matam querem sempre mais e eu sei porque Porque vocês são selvagens sem rumo Sem prá que nem porque XAVANTE XXXXXXX AVANTE Sou Tupy sou Guarani mas também sou Ponte-Preta Jabaquara Nhandeara encantado pela Iara Kayowá Yorubá comi mandioca e fubá Sou Krukutu sou Krikati vim lá do Tucuruvi Vi uma Grajau num voo razante arrastar um Cari Deixou sua carcaça lá no Anhangabaú Encontrou um Gavião e passou no Pacaembu Ces seus Avati ficam me Arapuando Vou dançar para mandar uma grande Amanda Procê cai numa Tijuca pega muita Pereba E volta prá sua Biboca bem Jururu Nem me venha com Kaoki nem Ipanema que nessa nóis num cai mais Se faz de Abaré mas é um Jaguaracambé Não disfarça esses oio de furtuna Prá cima da mãe Natureza Vamo te espera de Borduna e te manda uma Acemira bem no meio do seu Puã Cacique ABA AKAG
Índio (Bete Rodrigues) sou a mata, rios, sol e estrelas a liberdade que você não tem a mata me alimenta, veste, protege canto a vida e a esperança e você quer me calar você vive preso em arranha céus e quanto mais alto mora, mais longe das estrelas está você envenena a terra e a água com agrotóxicos e morrerá de câncer , e matará seus filhos e netos eu sou a sua cura mas você me quer morto eu não me entregarei sem luta serei ódio e guerra para defender a terra sagrada das suas garras letais
http://www.indio-eh-nos.eco.br/
Esperança Lucas Bronzatto
Há dias em que o tamanho da tarefa pesa toneladas na cabeça Há dias em que a realidade debocha do sonho e é difícil conjugar verbos no futuro dizer “amanhã” dizer “venceremos” Há dias em que não há onde se agarrar
Desenho por Lara Paixão
- Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes? (Mario Quintana)
Nesses dias – confesso – nunca sei o que fazer enquanto espero pelo retorno dela, meninazinha de olhos verdes da pele negra vestida de farrapos com seu coração que bate por outras meninazinhas sua pintura indígena no rosto ela sempre volta voando fugida de algum jagunço de latifundiário
Âmago
Luiz D Salles Estremece o chão a corrente de aço No ventre da voz Grita a floresta
Respira de medo ofegante a mecânica serra Logo a madeira de lei será corrompida
Escondida em maquinas O caule esmagado Sangue pisado No solo dissoluto Que sufocada engole a raiz Morte no âmago da mata
O dia do índio
Jé m i n a D i ó g e n e s
Na sala de aula A professora em sua ingenuidade fatídica Comemora com suas crianças O que ela acredita ser “o dia do índio” Aquele povo, daquela tribo De muito tempo, de tempo algum Penacho e barulho Flecha, oca e cacique E como se não bastassem os tuiuiús O sinal da escola anuncia o fim do dia Não houve tempo de explicar Que o povo indígena é uma nação Que crê, que sabe, que faz e que é Não houve tempo para relatar sua luta O porque, o quando e onde Ou sobre sua significação política Perdas, ganhos Arte, literatura Pensamentos, pensadores Identidade cultural Brasileiros indígenas. (Quem sabe ano que vem).
MIM NÃO ÍNDIO (Max Medeiros, poeta do Rio de Janeiro) Índio não, dizem, bicho. Bicho que saiu do mato quando aqui chegamos. Bicho que não sabe o trato de uma catequese. Bicho não, digo, gente. Gente que entesa o arco logo que amanhece. Gente que resiste à posse faz quinhentos anos. Gente não, dizem, morto. Morto vivo ocupa espaço e faz barulho. Morto frio aduba o pasto do meu progresso. Morto não, digo, povo. Vermelho vivo de urucum na cara no dorso no osso. Vermelho o fogo que inflama nosso orgulho. Povo não, dizem, terra. Terra dos meus hectares de gado de cana de soja Terra que suporta o mastro da minha bandeira. Terra não, digo, vida. Vida da seiva que da terra entra-nos à veia Vida do pó que se pega às pisadas da tribo em roda. Vida não, dizem, índio. Índio não, digo, Guarani, Ticuna, Sateré-Mawé, Suruwahá, Pataxó, Uari, Carapanã, Oiampi, Javaé, Macuxi, Culina, Catuquina, Curipaco, Parintintin, Goitacás, Kayapó,
Uanano, Jiahui, Sacurabiate, Siriano, Tapirapé, Caxarari, Cuicuro, Cantaruré, Apolima-arara, Matise, Nauquá, Uaurá, Patamona, Umutina, Chamacoco, Iranxe, Curuaia, Caxixó, Bororo, Bará, Rancocamecra, Xavante, Matipu, Galibi, Jaminauá, Ianomâmi, Uapixana, Nadobe, Nuquini, Bacairi, Apinajé, Guajá, Piratapuia, Pitaguari, Tupinambá, Tumbalalá, Xocó, Pipipã, Pancararé, Caapore, Buriti, Hupdá, Carapotó, Paumari, Hyskariana, Baré, Deni, Jucá, Tenharin, Aconã, Cubeo, Anambé, Gavião-mondé, Jiripancó, Cariri, Uassu, Dou, Tapuia, Guató, Galibi, Suruí, Tuxá, Taurepangue, Pucobié, Caixana, Caiapó, Canamari, Uaiana, Caeté, Tapuracú, Macuna, Crenaque, Marubo, Mura, Baniua, Pareci, Mundurucu, Jenipapo, Guajajara, Jarauara, Oro-uin, Banauá, Caruazu, Fulniô, Apinaié, Arara, Eleotério, Potiguara, Caxinauá, Aricapu, Caimbé, Paiacu, Akwáwa, Aranã, Jabuti, Jamamadi, Aueti, Tsunhun, Turiuara, Euaruiana, Araweté, Uaimir, Tuiúca, Tingui-botó,Caiabi, Tapaxana, Pipipã, Pancaiucá, Tupari, Iaualapiti, Catxuiana, Apaniecra, Cuazá, Terena, Rikbaktsa, Calabaça, Calabaça, Kaingangue, Aicanã, Barasana, Camba, Pancararu, Tembé, Uitoto, Yuhupde, Xetá, Uaiuai, Calapalo, Xerente, EnawenêNawê, Craó, Ajuru, Achaninca, Cambiuá, Quiriri, Tariana, Xingu, Yaminawá, Xambioá, Cricati, Arapaço, Catuquina, Caxagó, Tapeba, SalumãPancaru, Xacriabá, Mirity-Tapúya, Caritiana, Capinauá, Náua, Puri, Xucuru, Cinta-larga, Cocama, Palicur, Trumai, Juruna, Apiacá, Poianaua, Miranha, Caripuna, Caripuna, Uarequena, Tremembé, Trucá, Xoclengue, Campas Kampa, Carajá, Pirarrãs, Iecuana, Cujubin, Torá, Paracanã, Paracatejê, Calancó, Juma, Cariri, Machineri, Canindé, Menqui, Maxacali, Meinaco, Amanayé, Acuntsu, Canoê, Tirió, Xipaia, Coiupancá, Chiquitano, Desano, Zoró, Aticun, Macurape, Matsé, Apurinã, Tupiniquin, Icpengue, Amondaua,Cadiuéu, Avá, Anacé, Gavião-Koykateyê, Panará, Tabajara, Mokuriñ, Tapaiúna, Tucano, Aparaí, Aruá,
Da terra Jayme Perin Garcia
Homens e mulheres da terra, Nativos das florestas, Tupinambás, Yanomamis, Guaranis, Incas, Maias, Astecas... Diferentes culturas, filosofias diversas, Em comum, O respeito a mãe terra, Vida em harmonia, Com os mistérios da selva, Semear sabedoria, Colher a primavera, Folhas, flores, frutos, raízes e ervas Alimento e medicina, Como vestes, a epiderme Arte, danças e ritos, Agradecimentos, pedidos, Resistência e guerra, A civilização moderna, Indústria do concreto, Quer ainda mais terras, Agronegócio, agrotóxico Envenenamento da água, Do alimento e do solo Ganância que cega, Ainda querem catequizar os índios e trazê-los ao inferno.
Identidade Indígena
Identidade indígena Antes ....... Em sintonia Com a terra, a água e o ar Vivendo sem pensar No passado, no presente e no futuro Respeitando e celebrando O Velho, o moço e a criança Isso tudo era o que interessava Hoje... !!!! Terra, a água e o ar Não mais Hoje ... !!! Viver o presente Sonhar com um futuro Aos poucos, perdendo o passado Hoje ... !!! São muito poucos Velho, moço, criança Isso é o que resta Indígena Nativo Etnia Ser Humano Homem, mulher Com o orgulho de ser Índio Antes Hoje Amanha Com direito de ser
Valdir Junior
Toré Ana Lúcia Silva quem há de saber kaiabi, , aruá, baré guató, kanoê,javaé siriano, trumai, kaimbé homem branco não sabe o que é a roda do toré korubo,torá,ofaié pankaru,uruin,tapirapé manoki,koiaiá,tembé homem branco não sabe o que é dançar nessa roda do toré o mundo de caber todo mundo foi o que disse o pajé
Terenas
(Rosana Camilo)
Filha de operário, vida de viajante Na infância, pequena nômade De muitas paragens, das tantas moradas e inúmeros amigos Poucos deixaram tanta saudade Quanto os terenas Mirins Saudade do quintal, tão perto do pantanal... O caminho da escola era longo O sol nos rachava a moringa, que Logo se refrescava à margem do rio Miranda... Correr com índio e macaco era tudo que eu queria Era tudo que eu esperava. Quando chegava tal dia, Juntava os amigos da vila e o mato atravessava Até que a aldeia alcançava Catar coquinho, chupar manga, era a maior alegria Brincadeira de criança, só vale se tem fantasia Às vezes a gente fugia, fugia, corria o dia inteiro, Em busca de um paradeiro que a nós transformaria Quem chegasse lá primeiro, onde nasce o colorido Recebia o seu prêmio: menina virava menino e guri virava guria... O desejo não engana, e pensando na mudança Virar menino não era, o que a mim me bastaria Mas eu tinha esperança, na idéia de criança Que completando a andança: um índio eu viraria!
pátria adubada com nativo (Ricardo Escudeiro)
“Noel, tu o disseste: A civilização que sacrifica povos e culturas antiquíssimas é uma farsa amoral.” (Entre Noel e os índios – Carlos Drummond de Andrade)
gigantinho sonolento o sono o leito eternamente o berço esplêndido berçário exclusivo seletivo pra não sujar pezinho dos bercinhos estendido tapete tecido de carcaça de negro e de índio e ainda tem hino de ninar otário tem letra que mente bem pra caralho
A grande Taba ficou na história Histórias que ouvíamos desde pequenos, E faziam com que pensássemos. Que os Índios eram todos bonzinhos Que viviam pra pesca, pra caça e pra tribo... Que andavam livres pelas matas, sem destruí-las. De inocência tamanha, entregaram-nas aos estrangeiros em troca de bugigangas ... Agora lutam por terras que já foram suas por direito. Perderam a inocência, do rosto pintado pra guerra, Do banho de rio, do canto da chuva... Perderam sua língua Tupi/guarani Pra falar o Português (Herança do Padre Anchieta) Vivem em terras caiçaras, Mas lutam por seus ideais, São conhecedores de direitos, Su Simon Democracia, República e Justiça. Elegem representantes Participam de decisões Ainda pintam seus rostos pra guerra, Que travam contra o Planalto. É hora de resgatar sua cultura, querem respeito e dignidade E tecnologia na mata. O Índio não pode ser só uma memória. Tem direito a futuro... Como seria bonito Se respeitassem os índios Como cidadãos brasileiros.
Índio! Sim Senhor
MANIFESTO: ÍNDIO É NÓS Índio é nós: não somos um grupo, somos vários. Agimos porque, neste ano do cinquentenário do golpe de 1964, permanecem os ataques às terras e às vidas dos índios no Brasil. Além da realização de projetos hidrelétricos da ditadura militar, como a usina de Belo Monte, assiste-se hoje à ofensiva, com franco apoio dos três Poderes, do agronegócio e dos grandes eventos esportivos contra o meio ambiente, as populações indígenas e as tradicionais. Normas constitucionais e internacionais vêm sendo flagrantemente desrespeitadas, ignorando a necessidade de consulta às populações interessadas e o cumprimento das condicionantes ambientais, em uma escalada autoritária e plutocrática incompatível com a democracia. Na escalada dessa ofensiva, ocorreu o inominável “leilão da resistência” para financiar a apropriação de terras pelo agronegócio. Desde o nome, ele quis roubar dos índios até mesmo a posição que ocupam: a de resistir. Em resposta ao genocídio dos povos indígenas, propõe-se a realização de uma rede de eventos autônomos, de natureza variada, porém sempre relacionados pelo mote da resistência contra o etnocídio e o genocídio, em prol dos índios e dos mortos e desaparecidos de ontem e de hoje. As atividades, em diferentes lugares do Brasil e também no exterior, mostrarão, ao contrário do que apregoam os arautos do agronegócio e do desenvolvimentismo, que os índios não estão isolados e não representam o “atraso”. Contra as barragens dos rios na Amazônia, os projetos antiindígenas no Congresso Nacional e as milícias armadas que atacam impunemente as tribos; pela urgente demarcação das terras indígenas segundo critérios técnicos e não os interesses do agronegócio; pela real implementação dos direitos constitucionais e internacionais dos índios; pelos projetos de futuro inspirados pela indianidade, convidamos todos a se agregarem a esta campanha: Índio é nós.