Diferentes Olhares Lançados Sobre as ZEIS: proposta de intervenções no terceiro espaço do Serviluz

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UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS - CCT CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

DIFERENTES OLHARES LANÇADOS SOBRE AS ZEIS:

proposta de intervenções no terceiro espaço do

SERVILUZ

LETÍCIA CÂNDIDO DE OLIVEIRA Prof.a Dr.a Carla Camila Girão Albuquerque Fortaleza, 2018



desterritorialização

In-Between ESPAÇO limites difusos

TERRITÓRIO

HÍBRIDO

ZEIS

LIVRE CULTURA

ESPAÇO INTERSTICIAL

descentramentos

ENTRE-LUGAR

LUGAR

lugar intervalar ESPAÇO intersticial

ZEIS

DIREITO À CIDADE

tecer espacio

terceiro espaço

THE THIRD SPACE

ZEIS

caminho do meio



LETÍCIA CÂNDIDO DE OLIVEIRA

DIFERENTES OLHARES LANÇADOS SOBRE AS ZEIS: PROPOSTA DE INTERVENÇÕES NO TERCEIRO ESPAÇO DO SERVILUZ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, como requisito parcial para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista. Orientação: Carla Camila Girão Albuquerque

Fortaleza-CE 2018


Ficha catalográfica da obra elaborada pelo autor através do programa de geração automática da Biblioteca Central da Universidade de Fortaleza

Oliveira, Letícia Cândido de . Diferentes olhares lançados sobre as ZEIS: proposta de intervenções no Terceiro Espaço do Serviluz / Letícia Cândido de Oliveira. - 2018 187 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade de Fortaleza. Curso de Arquitetura E Urbanismo, Fortaleza, 2018. Orientação: Carla Camila Girão Albuquerque. 1. ZEIS. 2. HIS. 3. Terceiro Espaço. 4. Direito à cidade. I. Albuquerque, Carla Camila Girão. II. Título.


LETÍCIA CÂNDIDO DE OLIVEIRA

DIFERENTES OLHARES LANÇADOS SOBRE AS ZEIS: proposta de intervenções no terceiro espaço do

SERVILUZ BANCA EXAMINADORA

Profa. Dr.a Carla Camila Girão Albuquerque (orientadora) Universidade de Fortaleza

Prof.a Dr.a Clarissa Figueiredo Sampaio Freitas Universidade Federal do Ceará

Prof.a M.a Simone Farias Cabral de Oliveira Universidade de Fortaleza

Fortaleza, 14 de junho de 2018


AGRADECIMENTOS Para que este trabalho se concretizasse, muitas foram as pessoas que participaram direta ou indiretamente desse caminho. A todos os que me ajudaram e que eventualmente não estão nestes agradecimentos, minha eterna gratidão. A Deus, por tudo. Por saber exatamente o tempo certo das coisas e por não me abandonar nunca. À Nossa Senhora, por me acalentar quando eu mais preciso e interceder por mim. Aos meus pais, mainha e painho, por não medirem esforços para me dar educação, saúde, segurança, conforto. Sou grata pela minha caminhada, reflexo da bondade, simplicidade e amor que sempre compartilharam comigo. Espero ser pra vocês um dia tudo o que são hoje para mim. À Kika, por ser minha melhor amiga e me ajudar a enxergar sutilezas quando eu sou dura demais comigo mesma e com o mundo ao meu redor. Também, por me ajudar a atravessar os momentos mais difíceis. Sua companhia é minha alegria. Ao Ricardo, por te fazer feliz e por fazer parte da nossa família. Ao Junior, por ser meu ponto de apoio nesse árduo percurso da faculdade (e em tantos outros percursos trilhados). Por me fazer rir e por estar sempre presente, mesmo que as vezes não fisicamente. É muito gratificante saber que você está aí por mim, me traz paz. À minha família, Chicô e Cândido. Não há alegria maior do que encontrá-los, confraternizar com vocês, conversar com vocês. Vocês são uma das coisas mais importantes da minha vida e são sinônimo de alegria, alto astral, fé e união. Em muitas vezes, distrações ao período atribulado das aulas. Aos meus amigos da faculdade, em especial Chris, Debora, Fernanda, Pedro, Shai e Victor. A Unifor foi muito mais prazerosa com vocês ao lado, com suas peculiaridades, seja fazendo trabalhos, compartilhando ideais, sonhos, ou mesmo na busca pelo melhor (e mais barato) café do campus. Aos professores do curso de arquitetura e urbanismo da Unifor, pela firmeza e sabedoria. Por todos os ensinamentos compartilhados e pelos debates que abrem o olhar a novas possibilidades. Em especial, à Amíria Brasil, ao Marcelo Capasso e à Aline Barroso, pelas experiências de iniciação na prática docente e em pesquisa, firmando bases sólidas no caminho da faculdade. À minha orientadora, Carla Camila, pelas conversas, pela paciência, pela empolgação com o tema, por ter me guiado até aqui. Certamente o que conversamos nos nossos encontros me acompanharão durante toda a minha trajetória, pois são, numa visão geral das coisas, valores e princípios pelos quais acredito que valha a pena lutar. Obrigada por sempre trazer complexidade às questões postas, foram momentos muito ricos de reflexão. Aos que colaboraram com a construção deste trabalho, seja no compartilhamento de materiais e de experiências, seja pela companhia nas visitas, pelos debates sobre o Serviluz. Agradeço especialmente a Associação dos Moradores do Titanzinho na figura do Pedro Fernandes, por me receber tantas vezes para conversar; ao Projeto de Vida, na figura da Iara Andrade, pela disponibilidade em ajudar sempre que preciso e por realizarem um trabalho tão lindo; ao morador Amocaxe por me acompanhar nas andanças pelo bairro e pela proatividade; à Rebeca Alencar, colega de curso, por se dispor a visitar o Serviluz diversas vezes e pela maioria das fotos deste trabalho; à Synara, colega de curso, pelo compartilhamento das inquietações e pelas boas conversas. A todos os moradores do Serviluz que colaboraram nas etapas de diagnóstico deste trabalho.



RESUMO O presente trabalho tem as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e processos participativos como foco de estudo e proposição. Parte-se de reflexões acerca das políticas urbanas e habitacionais desenvolvidas no Brasil, desde o BNH, incluindo o que o Estatuto da Cidade traz em seu texto, aprofundando-se no instrumento de ZEIS e evidenciando sua inoperância na cidade de Fortaleza diante do que se propõe. O objetivo do trabalho é, portanto, fazer uma crítica a essa inoperância, buscando entender os motivos dessa falha e apontar diretrizes visando seu aproveitamento da melhor forma. Para isso, escolheu-se a ZEIS Serviluz para desenvolver uma proposta de intervenção, exercitando o que se coloca anteriormente como diretrizes gerais propostas para o instrumento. O cenceito da intervenção se relaciona com o espaço público enquanto locus de trocas políticas, culturais e sociais, tendo como premissa a definição de “terceiro espaço”, noção que debate a complexidade, fluidez e constante processo de reconfiguração das territorializações, entendendo o mundo não mais como a junção de territórios antes estabelecidos, mas sim como a confluência desses processos secundários que estão em constante movimento.


ABSTRACT This present work has Zonas Especiais de Interesse Social ( Special Area of Social Importance, or ZEIS in the Portuguese acronym) and participatory process as focus of study and proposition. Starts with reflections about the urban and housing policies in Brazil, from the Banco Nacional da Habitação (Housing National Bank, or BNH in Portuguese acronym), including what Estatuto da Cidade brings in its text, getting deeper on ZEIS instrument and showing its ineffectiveness in the city of Fortaleza. The purpose of the work is, therefore, to criticize this inoperability, trying to understand the reasons of the fails and to indicate possible paths to avail it in a better way. To do this, a ZEIS named Serviluz was selected to develop an intervention proposal, exercising what it was established before in this work as general guidelines for the instrument. The concept of the intervention proposal is related with the public space when it plays the role of locus of political, cultural and social exchange, based on definition of “Third Space”, a notion that discusses complexity, fluidity and constant process of reconfiguration of territorialisations. This notion discusses the wolrd no longer as a junction of established territories, but rather as a confluence of secundary processes, which are in a constant movement.


LISTA DE FIGURAS Figura 1: Distribuição de renda na cidade de Fortaleza............................................................................................................. 28 Figura 2: Localização dos empreendimentos do MCMV........................................................................................................... 46 Figura 3: Empreendimento do MCMV em Rondônia.................................................................................................................... 47 Figura 4: Exemplo de tipologias semelhantes em realidades diferentes - Marabá (PA)....................................................................................................................................................................................... 47 Figura 5: Exemplo de tipologias semelhantes em realidades diferentes - Empreendimento Alterosas em Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de Belo Horizonte) e Conjunto Cosmos na Região Metropolitana de Campinas..................................................................................................................................................... 47 Figura 6: idem............................................................................................................................................................................................................. 47 Figura 7: Mapa dos loteamentos em Fortaleza aprovados por década............................................................................................................................................................................................................................... 52 Figura 8: Loteamentos aprovados até a década de 1970, as favelas identificadas nessa década, e o grandes conjuntos habitacionais BNH..................................................................................................................................................................................................... 55 Figura 9: Produção habitacional por entidades independentes do SFH em Fortaleza (1969-1978)................................................................................................................................................................. 55 Figura 10: Nove maiores conjuntos habitacionais construídos na RMF pelo BNH...................................................................................................................................................................................................... 55 Figura 11: Aerofoto localizando os conjuntos no espaço urbano metropolitano de Fortaleza.............................................................................................................................................................................. 56 Figura 12: Conjuntos Habitacionais Construídos pela Proafa através do Promorar................................................................................................................................................................................................ 58 Figura 13: Evolução dos assentamentos precários em Fortaleza no ano de 1991............................................................................................................................................................................................................. 59 Figura 14: ZEIS do PDPFor 2009................................................................................................................................................................... 63 Figura 15: Assentamentos mapeados nas oficinas após checagem técnica.................................................................................................................................................................................................... 67 Figura 16: Assentamentos mapeados no PLHIS e ZEIS em Fortaleza............................................................................ 67 Figura 17: Interface do software QGIS para análise das ZEIS................................................................................................. 83 Figura 18: Exemplo do tipo de análise realizada na ZEIS a partir das informações disponíveis............................................................................................................................................................................. 83 Figura 19: Dados da ZEIS Pirambu no software QGIS.................................................................................................................. 84 Figura 20: Dados da ZEIS Pirambu sobrepostos no Google Earth..................................................................................... 84 Figura 21: Reunião “Onde está a comunidade que estava aqui?” na Praça Tiago Dias, Serviluz, com apresentação do LEHAB................................................................................................. 103 Figura 22: Ateliê de artesanato na casa de um dos entrevistados..................................................................................... 111 Figura 23: Entrevistas realizadas próximo à área dos pescadores..................................................................................... 111 Figura 24: Morador que nos acompanhou na realização de todas as entrevistas................................................. 111 Figura 25: Imagem captada no percurso das entrevistas......................................................................................................... 111 Figura 26: Aplicação da ferramenta da maquete no segundo dia..................................................................................... 113 Figura 27: Painel de votos após aplicação no primeiro dia...................................................................................................... 115 Figura 28: Interação dos moradores com o painel de votos no primeiro dia............................................................. 115 Figura 29: Crianças desenhando no painel ....................................................................................................................................... 115 Figura 30: Desenhos obtidos com a atividade.................................................................................................................................. 115 Figura 31: Desenhos obtidos com a atividade................................................................................................................................... 115 Figura 32: Esgoto à céu aberto...................................................................................................................................................................... 120 Figura 33: Imagem aérea da área do Farol........................................................................................................................................... 126 Figura 34: Perspectiva da praça do Farol, no Projeto Aldeia da Praia.............................................................................. 126 Figura 35: Maquete com as contribuições do primeiro dia...................................................................................................... 141 Figura 38: Maquete com as contribuições do segundo dia.................................................................................................... 142 Figura 39: Desenho feito pelas crianças................................................................................................................................................. 143 Figura 40: Desenho feito pelas crianças................................................................................................................................................ 143


Figura 41: Desenho feito pelas crianças................................................................................................................................................. 143

LISTA DE DIAGRAMAS Diagrama 1: Problemática inicial................................................................................................................................................................... 27 Diagrama 2: Sequência das decisões econômicas do BNH................................................................................................... 31 Diagrama 3: Graus de participação............................................................................................................................................................ 37 Diagrama 4: Organograma da Política Nacional de Habitação............................................................................................. 41 Diagrama 5: Exemplificação da rede de relações (eixo 1)......................................................................................................... 98 Diagrama 6: Diagrama de problemas, potencialidades e diretrizes................................................................................. 148

LISTA DE QUADROS Quadro 1: Instrumentos de indução no Estatuto da Cidade................................................................................................... 33 Quadro 2: Instrumentos de regularização fundiária no Estatuto da Cidade............................................................... 33 Quadro 3: Instrumentos de democratização da gestão urbana no Estatuto da Cidade................................... 34 Quadro 4: Operacionalidade do PMCMV de 2009 a 2017......................................................................................................... 44 Quadro 5: Composição dos membros participantes do Comitê das ZEIS.................................................................. 68 Quadro 6: Composição dos membros participantes da Comissão das ZEIS........................................................... 69 Quadro 7: Comparação da metodologia original com a metodologia adaptada.................................................. 77 Quadro 8: Resposta ao primeiro tópico da metodologia......................................................................................................... 77 Quadro 9: Resposta ao segundo tópico da metodologia........................................................................................................ 77 Quadro 10: Resposta ao terceiro tópico da metodologia........................................................................................................ 77 Quadro 11: Construção da lista de indicadores................................................................................................................................ 78 Quadro 12: Tabela de priorização para escolha da ZEIS1......................................................................................................... 102 Quadro 13: Tabela de priorização para escolha da ZEIS1.......................................................................................................... 103

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AEIS..................................................................................................................................................................................................................................Área de Interesse Social BNH.................................................................................................................................................................................................................... Banco Nacional da Habitação CEARAH PERIFERIA.............................................................Centro de Estudos, Articulação e Referência sobre Assentamentos Humanos COHAB....................................................................................................................................................................................................................... Companhia de Habitação HABITAFOR....................................................................................................Secretaria Munucipal de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza HIS....................................................................................................................................................................................................................... Habitação de Interesse Social IAP.................................................................................................................................................................................................... Instituto de Aposentadoria e Pensões IBGE..................................................................................................................................................................................Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPLANFOR................................................................................................................................................................................Instituto de Planejamento de Fortaleza LEHAB ...........................................................................................................................................................................................Laboratório de Estudos de Habitação PDPFor.......................................................................................................................................................................................Plano Diretor Participativo de Fortaleza PLHIS............................................................................................................................................................................Plano Local de Habitação de Interesse Social PMCMV...................................................................................................................................................................................................Programa Minha Casa Minha Vida PNH......................................................................................................................................................................................................................Plano Nacional de Habitação PREZEIS.................................................................................................................................................................................................. Plano de Regularização das ZEIS PDDU.................................................................................................................................................................................. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano PDDUA................................................................................................................................................Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental SEUMA..............................................................................................................................................................................Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente SFH............................................................................................................................................................................................................. Sistema Financeiro da Habitação FCP.............................................................................................................................................................................................................................Fundação da Casa Popular ZEIS...........................................................................................................................................................................................................Zona Especial de Interesse Social


SUMÁRIO INTRODUÇÃO APRESENTAÇÃO........................................................................... 16 Formulação do problema e delimitação do tema............ 18 Justificativa...................................................................................................... 22 Objetivos............................................................................................................ 22 Procedimentos de Pesquisa.............................................................. 22

CAPÍTULO

01

A HABITAÇÃO NO CONTEXTO NACIONAL: ..................... 24 HISTÓRICO E FERRAMENTAS................................................. 24 1.1. A formação desigual das cidades: por quem e para quem?..................................................................................................................28 1.2. Marcos de enfrentamento da problemática habitacional: o BNH................................................. 32 1.3. O Estatuto da Cidade: impulso para os debates sobre o espaço urbano.................................. 34 1.4. Instrumentos de regularização fundiária: qual o papel das ZEIS?.................................................... 37 1.5. Instrumentos de democratização da gestão urbana: conceitos básicos de participação..........38 1.6. Marcos de enfrentamento da problemática habitacional: A Política Nacional de Habitação (PNH)................................................................................... 42 1.7. A falsa promessa do Programa Minha Casa Minha Vida e sua consequência para as cidades.......................................... 44

CAPÍTULO

02

O REBATIMENTO DO CONTEXTO NACIONAL NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA..................... 52 2.1. O desenvolvimento de Fortaleza: do BNH à PNH....56 2.2. A iniciativa popular na discussão sobre moradia......63 2.3. A criação das ZEIS em Fortaleza: impedimentos e avanços.....................................................................65 2.4. Há coerência entre as políticas nacional e municipal? E as políticas locais habitacionais e urbanas?........................................................74


CAPÍTULO

CARACTERIZAÇÃO DAS ZEIS EM FORTALEZA................76 3.1. Metodologia de análise.................................................................78 3.2. Análise das ZEIS.................................................................................86 3.3. Reflexões e diretrizes: lançando olhares sobre outras possibilidades............................................................................................. 100 3.4. Escolha do local...............................................................................103

03

CAPÍTULO

CARACTERIZAÇÃO DO SERVILUZ..................................... 106 4.1. Contexto e breve histórico ...................................................... 108 4.2. Metodologia..........................................................................................112 4.3.Serviluz..................................................................................................... 118

04

CAPÍTULO

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO.............................................146 5.1. Reflexões iniciais...............................................................................148 5.2. Conceito da intervenção: o Terceiro Espaço...............148 5.3. Plano de Intervenção....................................................................149 5.4. Diagramas.............................................................................................154

05

CAPÍTULO

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................... 168

BIBLIOGRAFIA.............................................................................172

APÊNDICE......................................................................................178

06


APRESENTAÇÃO - Formulação do problema e delimitação do tema - justificativa - objetivos - procedimentos de pesquisa



Formulação do problema e delimitação do tema Apesar de constitucional, o direito universal à moradia esbarra em diversas barreiras econômicas, sociais, ambientais e políticas que o impedem de ser atendido em sua plenitude. A média de 80% da população vivendo em áreas urbanas, segundo dados do IBGE (2010), juntamente com o número expressivo de assentamentos precários inseridos nos municípios, nos faz refletir sobre alguns pontos relacionados à formação das cidades e para quem elas realmente são construídas. Olhando apenas para os números estatísticos, considerando que grande parte da população brasileira está na área urbana das cidades; considerando também que o número de inserção precária de habitações é igualmente significativo; pode-se imaginar em um primeiro momento que a razão desses dados existirem seja porque as áreas urbanas já não comportam mais essa grande quantidade de pessoas, e que, por isso, os que 18

chegam posteriormente se instalam em habitações inadequadas por falta de opção. Entretanto, essa precipitada conclusão não condiz com a realidade. Os assentamentos precários coexistem com uma grande quantidade de vazios urbanos dentro de áreas dotadas de infraestrutura. Desse modo, o que se pode observar é que o problema habitacional não se justifica pela superlotação populacional urbana ou pela falta de solo urbano, pois este ainda existe em abundância. Um dos principais cernes da questão do acesso à moradia diz respeito ao fator econômico, especificamente a mercantilização da terra. Como explica Brasil: A terra transforma-se em mercadoria a partir do momento em que só se pode acessá-la por meio da compra e venda; consequentemente, ela passa a ter um preço, cada vez mais elevado nas cidades contemporâneas. (BRASIL, 2016, p. 34)


Segundo o IBGE (2010), 51,7% dos fortalezenses possuem uma faixa de renda de até 3 salários mínimos. Então como se espera que essas famílias estejam aptas a adquirir um produto tão oneroso para a renda familiar? Invariavelmente, a população necessita de lugar para morar. Sem a possibilidade de adquirir esse produto, as pessoas de baixa renda optam por medidas alternativas, que vão desde ações legais como o contrato de uso de determinado imóvel mediante pagamento periódico (o aluguel, que compromete também parte da renda familiar), até ações ilegais como a aquisição de terra loteada e vendida clandestinamente (logo, com preços acessíveis), invasão e utilização de terras vazias de particulares, invasão e utilização de terras ambientalmente inapropriadas para habitação, dentre outras alternativas . Em muitos dos eventos citados 1

1 Pessoas de 10 anos ou mais de idade com rendimento nominal mensal de 0 a 3 salários mínimos.

anteriormente, as famílias se configuram em casos de inadequação fundiária, não possuem a posse nem a autorização de utilização da terra onde se encontram. Seguindo a lógica de poucos recursos, portanto, poucos gastos com a concretização da habitação, chega-se ao contexto da autoconstrução. Esta acontece financiada pelo próprio orçamento familiar (ou seja, baixo) e sem acompanhamento técnico profissional, muitas vezes resultando em moradias insalubres e que oferecem risco aos seus moradores. Quando não isso, a moradia também pode acontecer em edificações sem fins residenciais, comprometendo a habitabilidade. Essas duas situações são denominadas: domicílios rústicos e domicílios improvisados, respectivamente, pela Fundação João Pinheiro (2013). Esta Fundação desenvolveu uma metodologia para o cálculo do déficit habitacional no Brasil, levando em conta alguns dados estatísticos levantados. 19


As duas classificações citadas anteriormente, por exemplo, fazem parte do cálculo do déficit, que leva em conta os seguintes componentes: “[...] domicílios precários (soma dos domicílios improvisados e dos rústicos), coabitação familiar (soma dos cômodos e das famílias conviventes secundárias com intenção de constituir um domicílio exclusivo), ônus excessivo com aluguel urbano e adensamento excessivo de domicílios alugados.” (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2013, p.14).

Em Fortaleza, esse déficit habitacional é de 13,4% dos domicílios. Significa que há uma carência de pelo menos um dos componentes citados anteriormente em 95.166 domicílios, gerando a necessidade deste mesmo número no estoque de novas moradias. O Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) de Fortaleza chamou esse déficit de quantitativo, enquanto outras carências como infraestrutura, banheiro exclusivo, adensamento excessivo em domicílio próprio e inadequação fundiária foram incluídas no déficit qualitativo. A diferença desses déficits é que o segundo pode ser equacionado sem a necessidade de novas habitações, enquanto o primeiro, invariavelmente, resultará na contagem para novas moradias. O enfrentamento dessas questões habitacionais diz respeito em grande parte ao Poder Público, que deve buscar soluções aliando políticas de abrangência federal, estadual e municipal. O histórico de ações nesse sentido traz alguns avanços, principalmente institucionais, mas ainda insuficientes na diminuição efetiva do déficit. Fato é que as políticas criadas para isso não tiveram sucesso absoluto em todas as questões propostas. Tanto no período da criação do Banco Nacional da Habitação (BNH), por exemplo, no qual a tentativa de atendimento da questão da moradia não se materializou por completo, pois se priorizou a produção habitacional para o chamado “segmento econômico”2 e não alcançou os grupos de renda inferior; quanto no período da criação do Plano Nacional de Habitação (PlanHab), que aparenta deixar de lado, na prática, as questões fundiárias e de melhorias habitacionais para focar na produção de habitação em massa com o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), nem sempre adequados do ponto de vista arquitetônico ou urbanístico, os números do déficit não diminuíram significativamente. Em paralelo a isso, movimentos populares ganharam força e alcance de debate acerca da questão habitacional em diversas cidades brasileiras, impulsionados, dentre outras coisas, pela criação do Estatuto da Cidade em 2001, que articulou um arcabouço legal para o enfrentamento da problemática da moradia no Brasil. Em Fortaleza, muitos dos instrumentos urbanísticos sugeridos pelo Estatuto da Cidade estão presentes no Plano Diretor Participativo (PDPFor/2009). Entretanto, a maioria não se encontra regularizada em leis específicas, invalidando sua utilização. É o caso das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que segundo o Instituto Polis: “[...] são destinadas primordialmente à produção e manutenção de habitação de interesse social” (INSTITUTO POLIS, 2002). “Produção”, pois pode servir de reserva de terras para HIS, como é o caso das ZEIS 3 em Fortaleza (ZEIS de vazios); “manu-

20

2 Termo adotado por Ferreira (2012) para designar o segmento que envolve a faixa de renda entre 3 a 10 salários mínimos.


tenção”, pois não há necessidade de produção de novas moradias para o déficit qualitativo, mas sim de adequação arquitetônica, urbanística ou fundiária (em Fortaleza, essas melhorias podem ocorrer nas ZEIS 1 e 2, que são ZEIS de assentamentos e de conjuntos habitacionais, respectivamente). Por serem zonas que se sobrepõem as demais do PDPFor, há a possibilidade de flexibilização de seus parâmetros urbanísticos, pelo entendimento de que essa área de interesse social pode estar inserida em vários pontos diferentes da cidade e não necessariamente possuir as mesmas características e necessidades construtivas de seu entorno. As ZEIS se configuram em um instrumento valoroso para a Política Habitacional, entretanto, são pouco exploradas em Fortaleza. Diante das considerações iniciais expostas neste trabalho, questiona-se: Por que as políticas públicas existentes não beneficiam de fato, ou beneficiam em menor escala, a população de renda inferior a 3 salários mínimos com necessidades emergentes de moradia? Quem ganha com a produção prioritária para o chamado setor econômico, ou com a produção em massa de habitação social? Visto que o PMCMV é um programa econômico na sua origem (AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015), de que forma pode se obter benefícios econômicos com a promoção de melhorias habitacionais e urbanísticas, regularização fundiária, e produção para sanar o déficit habitacional atentando para as necessidades locais de cada assentamento? A inserção de processos participativos para HIS pode minimizar as insatisfações e problemas relativos a habitação reivindicados pela população? A partir desses questionamentos, buscará neste trabalho desenvolver uma proposta para essas áreas de habitação de interesse social, partindo de um estudo de caso em uma ZEIS 1 de Fortaleza. Tem-se como intenção se aproximar ao máximo das reais necessidades da população local escolhida, bem como fazer um contraponto crítico com os processos atuais de produção de HIS e as políticas públicas existentes (ou não) de melhorias urbanísticas e fundiárias para essas pessoas. Ainda, explora-se neste trabalho a potencialidade dos processos que envolvem participação social, abordando a importância do espaço público enquanto palco das principais trocas sociais, culturais e políticas cotidianas. Aqui, alinha-se ao conceito de Terceiro Espaço, entendido como lugar (sem a conotação espacial que a palavra sugere) complexo existente entre as dicotomias pré-estabelecidas (certo e errado; os de dentro e os de fora, dentre outros exemplos). Por estar “entre”, acaba por dissolver as fronteiras mais rígidas, pois abre espaço para outras subjetividades, outros pontos de vista. Trazendo a reflexão para o âmbito do espaço físico, na escala da cidade, o Terceiro Lugar foi entendido como o espaço livre e público, que é onde as subjetividades acontecem, abrigando inúmeras e diferentes relações entre os atores sociais, constantemente desfazendo e refazendo novas fronteiras (históricas, pessoais, culturais, espaciais).

21


Justificativa A justificativa da escolha do tema se concretiza pela contribuição, enquanto acadêmica de arquitetura e urbanismo e enquanto cidadã, na discussão acerca das necessidades habitacionais existentes e emergentes nas nossas cidades brasileiras. Sente-se a necessidade de reflexão a partir do momento em que se percebe que as políticas habitacional e urbana não são suficientes para suprimir o problema da moradia no país, além disso, as deficiências arquitetônicas, urbanísticas e paisagísticas presentes nas propostas de enfrentamento do déficit habitacional dos atuais programas brasileiros. A conveniência da utilização do instrumento de ZEIS faz-se presente pela existência do mesmo em Fortaleza, mas não atendimento integral de suas diretrizes estabelecidas no Estatuto da Cidade. A intenção de trazer esse tópico para o debate é lançar possibilidades de como o instrumento (dentre tantos outros possíveis e existentes) poderia ser utilizado de forma eficaz para garantir facilidades no processo de melhorias no âmbito da habitação de interesse social. Vê-se a importância também da incorporação de processos participativos no estudo, pela possibilidade de aproximação de um resultado final (plano ou projeto) mais coerente com o que o cliente final (população de baixa renda) realmente almeja, atendendo as particularidades locais e agregando conhecimentos do saber popular. Por fim, é importante colocar também a experiência da discente com as temáticas de ZEIS e de processos participativos com a participação em dois Projetos de Pesquisa com os respectivos temas na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), despertando o interesse acerca das abordagens de Interesse Social e construção da cidade também para a população de baixa renda.

Objetivos

Tem-se como objetivo geral: Lançar reflexões acerca da ineficácia do instrumento ZEIS e dos processos participativos na cidade de Fortaleza, buscando apontar possíveis diretrizes como forma de releitura do instrumento, e intervir em uma ZEIS de assentamento existente, intencionando aplicar as ideias concluídas na etapa anterior. A partir disso, propõe-se neste trabalho como objetivos específicos: - Levantar a discussão do desfalque do direito constitucional à moradia em ambiente acadêmico; - Refletir sobre processos participativos e sua aproximação aos anseios dos clientes finais; - Estudar acerca do instrumento ZEIS e analisar os aspectos que o leva a não se efetivar na cidade de Fortaleza; - Levantar discussões acerca da força política, social e cultural advinda dos movimentos em favelas.

Procedimentos de Pesquisa Os procedimentos de pesquisa estão divididos em quatro partes principais: a primeira diz respeito ao desenvolvimento teóri22


co e conceitual do trabalho; a segunda se configura em uma etapa de análise, ainda na escala da cidade, na qual se buscou perceber onde estão as principais falhas do instrumento de ZEIS em Fortaleza, resultando no primeiro produto deste trabalho (diretrizes e proposições para uma possível reformulação das ZEIS); a terceira apresenta-se como uma aproximação ao objeto de estudo (o local escolhido para se trabalhar), em forma de diagnóstico, sendo assim o segundo produto do trabalho; e a quarta configura-se no desenvolvimento do Plano e Proposta de Intervenção para o local anteriormente escolhido. Para a primeira etapa foi necessária pesquisa bibliográfica (livros, teses, artigos) e documental (fontes estatísticas e arquivos públicos), caracterizando-se como levantamento indireto de dados, findando na produção textual teórica do trabalho. Na segunda etapa foi realizado o diagnóstico e análise geral do instrumento de ZEIS na cidade de Fortaleza. Foi elencada uma metodologia para avaliar o funcionamento das ZEIS, a fim de possibilitar o apontamento das principais questões que impedem que esse instrumento funcione como deveria na cidade. Na terceira etapa, após a análise das informações obtidas na etapa anterior, foi definida a ZEIS do Serviluz para desenvolvimento da proposta de intervenção a partir de critérios preestabelecidos. Nesse momento, foi realizado o diagnóstico da área em escala local, com a coleta e análise de dados diretos e indiretos. A pesquisa direta foi realizada em forma de entrevistas e visitas em campo. Na quarta e última etapa, após os dados indiretos e diretos estarem organizados, foi desenvolvido o conceito da intervenção, o Plano de Intervenção e as propostas projetuais da área. Tais procedimentos resultaram em seis (6) capítulos, descritos brevemente a seguir.

APRESENTAÇÃO Introdução ao tema do trabalho, apresentação da justificativa, dos objetivos (geral e específicos) e dos procedimentos de pesquisa

A HABITAÇÃO NO CONTEXTO NACIONAL: HISTÓRICO E FERRAMENTAS

O REBATIMENTO DO CONTEXTO NACIONAL NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA

CAP. 01 Referencial Teórico. Busca trazer um histórico das questões relativas à moradia, sobretudo as políticas públicas habitacionais e urbanas no âmbito nacional. Traz abordagens desde a política do Banco Nacional de Habitação (BNH) até programas mais recentes como o Minha Casa Minha Vida, e as importantes ferramentas do Estatuto da Cidade que não são devidamente implantadas, dando destaque para as ZEIS.

CAP. 02 Referencial Teórico. Faz-se o mesmo estudo cronológico realizado no capítulo 01, agora voltando o olhar para a cidade de Fortaleza, intencionando observar o que aconteceu no múnicípio dado o cenário nacional anteriormente posto. Aqui, questões locais e desdobramento de ações do Poder Público municipal são mais aprofundadas, findando na reflexão sobre a coerência entre as políticas nacional e municipal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

CARACTERIZAÇÃO DO SERVILUZ

CARACTERIZAÇÃO DAS ZEIS EM FORTALEZA

CAP. 06

CAP. 05

CAP. 04

CAP. 03

Conclusões resultantes após a construção deste trabalho, análise crítica dos processos e perspectivas possíveis para o instrumento ZEIS.

Traz os conceitos utilizados para construção da proposta de intervenção no espaço público do Serviluz. Aprofunda-se na questão do Terceiro Espaço e apresenta as zonas de aproximação escolhidas para se trabalhar de forma mais detalhada.

Análise diagnóstica do Serviluz, ZEIS do tipo 1 escolhida para realização da proposta de intervenção. Neste capítulo, dados primários e secundários serão reunidos e avaliados em conjunto, visando a compreensão de diversos aspectos que caracterizam o Serviluz e que motivaram as propostas projetuais dos capitulos seguintes.

Análise diagnóstica das ZEIS em Fortaleza, a partir da aplicação de uma metodologia adaptada. O produto se dá em forma de gráficos e mapas que buscam avaliar a aproximação da “justiça socioambiental em ZEIS” em cada uma das categorias de análise elencadas, tendo por base parâmetros estabelecidos.

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CAPITULO 01

A HABITAÇÃO NO CONTEXTO NACIONAL: HISTÓRICO E FERRAMENTAS - A FORMAÇÃO DESIGUAL DAS CIDADES: POR QUEM E PARA QUEM? - MARCOS DE ENFRENTAMENTO DA PROBLEMÁTICA HABITACIONAL: O BNH - O ESTATUTO DA CIDADE: IMPULSO PARA OS DEBATES SOBRE O ESPAÇO URBANO - INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: QUAL O PAPEL DAS ZEIS? - INSTRUMENTOS DE DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO URBANA: CONCEITOS BÁSICOS DE PARTICIPAÇÃO - MARCOS DE ENFRENTAMENTO DA PROBLEMÁTICA HABITACIONAL: A POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO (PNH) - A FALSA PROMESSA DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA E SUA CONSEQUÊNCIA PARA AS CIDADES



Este primeiro capítulo irá tratar de um panorama geral acerca das principais temáticas que se intenciona debater neste trabalho, que são: a habitação de interesse social; as políticas urbanas e fundiária e de que forma elas contemplam o direito constitucional à essa habitação; as ZEIS como possível instrumento facilitador da política habitacional; e os processos participativos nesse contexto de provisão de HIS, validando a democratização da gestão urbana e a aproximação do produto final (moradia) ao contexto local. O principal foco dos subtópicos apresentados a seguir é trazer abordagens teóricas e/ou conceituais de um ou mais autores sobre os temas, além de analisar o que vem ocorrendo na escala nacional, na intenção de dimensionar até que ponto o país se prepara para enfrentar o problema da moradia e posteriormente, no capítulo 2, analisar o reflexo disso no contexto de Fortaleza. Estruturou-se este capítulo da seguinte for26

ma: o tópico “1.1. A formação desigual das cidades: por quem e para quem” traz questionamentos sobre o desenvolvimento das cidades, quais são os motivos que levam a existir famílias desassistidas quanto à moradia adequada e de que forma o planejamento da cidade contribui para acentuar a desigualdade social; a partir da análise da lógica da cidade, os próximos tópicos intencionam traçar um histórico de ações da nação na busca pelo enfrentamento da problemática da moradia, algumas tendo logrado avanços positivos, outras, negativos. Esse panorama histórico se inicia com a análise de uma das primeiras ações abrangentes no território nacional, trazida pelo tópico “1.2. Marcos de enfrentamento da problemática habitacional: o BNH”; dando continuidade ao histórico das ações do Estado, tem-se o tópico “1.3. Estatuto da Cidade: impulso para os debates sobre o espaço urbano”, considerado um momento de grandes conquistas no campo jurídico, após um


período de estagnação com o fim do BNH, que serviram de base legal para outras ações no âmbito social; abre-se posteriormente um parêntese no panorama histórico para destacar dois instrumentos importantes abordados no Estatuto e enfatizados neste trabalho que impactam diretamente na construção de políticas de interesse social, tendo, portanto, os tópicos “1.4. Instrumentos de regularização fundiária: qual o papel das ZEIS” e “1.5. Instrumentos de democratização da gestão urbana: conceitos básicos de participação“; na sequencia, fala-se de outro ponto notável do histórico habitacional e urbano, a PNH e seus desdobramentos institucionais, no tópico “1.6. Marcos de enfrentamento da problemática habitacional: A Política Nacional de Habitação (PNH)”; o último tópico, “1.7. A falsa promessa do Programa Minha Casa Minha Vida e sua consequência para as cidades” traz a ação mais recente do Governo Federal para o setor da habitação, além de uma impor-

tante verificação do rompimento com as diretrizes e princípios construídos anteriormente ao longo da elaboração da PNH e de toda a sua base de planejamento institucional. Faz-se importante destacar esse Programa no trabalho na medida em que, por ser contemporâneo, seus impactos (especialmente os negativos) ainda podem ser sentidos nas cidades.

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1.1. A formação desigual das cidades: por quem e para quem? Ao se pensar que o resultado final, porém em constante transformação, do que chamamos de “cidade” é fruto de um conjunto de fatores coordenados atuando num determinado momento, fatores esses históricos, econômicos, sociais, ambientais e políticos, consegue-se entender que a prática do desenho urbanístico não deve tentar por si só resolver todas as questões problemáticas da urbe. Ferreira (2012) levanta a questão da polêmica das discussões que, de um lado, empodera o arquiteto urbanista a criar o desenho das cidades idealizadas a partir de conceitos prévios considerados corretos pela época vivida, e de outro, considera que o papel desse profissional é secundário frente à necessária espontaneidade das cidades. O autor, que explana também sobre como o desenho urbano já contribuiu para cidades desiguais e como em outros momentos ele parece buscar enfrentá-las, afirma: “o principal objetivo do urbanismo deve ser, antes de tudo, o de garantir cidades mais justas” (FERREIRA, 2012, p. 12). Pensa-se, portanto, que antes de tentar se manifestar contra e buscar soluções para as cidades injustas, deve-se primeiro entender o que as fazem crescer dessa forma. Trazendo a questão da desigualdade social para o âmbito que se pretende estudar neste trabalho, ou seja, a desigualdade no acesso à habitação, tem-se como pontapé inicial o seguinte questionamento: por que não há habitação digna para todos? Para ilustrar o raciocínio seguido, apresenta-se o Diagrama 1. Não há habitação digna para todos, pois nem todo mundo consegue acessar a terra igualmente, e isso se dá pelo fato da terra não ser um objeto de fácil distribuição, afinal, ela é um produto e só é possível adquiri-la legalmente por meio de compra e venda. Acontece que a terra é um produto atípico, e essa característica acaba por elevar seu valor final, tornando-a inacessível para muitas famílias brasileiras de baixa renda. Neste ponto, onde se constata que há concentração de terra (logo, de poder econômico) na mão de poucos e escassez dessa posse para a maioria, percebe-se a desigualdade social no país. Brasil (2015) afirma que os privilégios e atendimento de interesses concedidos à parte pequena da população, e não à maioria, faz-se necessária para atingir o objetivo final de exploração e estabelecimento das relações de poder. Isso é reflexo das relações políticas e econômicas que ocorrem desde a colonização do Brasil, caracterizando a sociedade como patrimonialista. Se antes, quando a posse das terras ainda pertencia ao Estado, o objeto de poder era determinado pela posse de escravos, hoje, após a abolição da escravatura, pode-se dizer que esse objeto determinante das relações de poder, dentre outras coisas, é a terra (BRASIL, 2015). A formação das cidades, portanto, tem a ver também com o desenvolvimento econômico das mesmas, muitas das relações econômicas são refletidas no espaço na forma das localizações. Foi dito anteriormente que a terra é um produto atípico. Isso acontece porque seu preço não é regulado como outro produto qualquer, já que gira em torno da sua localização no espaço e pode valer muito, antes mesmo de qualquer coisa surgir ali. Segundo Brasil:

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Localização é a diferenciação do espaço, a partir da ação da sociedade, tornando a terra urbana única. Esse caráter é con-


sequência do que acontece ao seu redor, ou seja: infraestrutura existente, proximidade com outras atividades ou equipamentos urbanos e permissividade de construção imobiliária em seu espaço. Por causa desse conjunto de elementos, não é possível a existência de duas localizações iguais. Também não é possível reproduzi-la, o que a torna exclusiva. (BRASIL, 2015, p. 34).

TERRA ENQUANTO PRODUTO

ACESSO DESIGUAL À TERRA

POR QUE NÃO HÁ HABITAÇÃO DIGNA PARA TODOS? ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA VALOR DEPENDE DA LOCALIZAÇÃO PRODUZ INFRAESTRUTURA

REGULA COM

ESTADO PLANEJAMENTO URBANO

PLANEJAMENTO PARA ÁREAS “FORMAIS” (séc. xx)

PERFIL DO ESTADO (CONIVENTE)

“PLANO-DISCURSO” CRESCIMENTO ESPONTÂNEO (NÃO-PLANEJAMENTO)

PERFIL DA SOCIEDADE (PATRIMONIALISTA)

PILARES QUE SUSTENTAM A PROBLEMÁTICA

Diagrama 1: Problemática inicial Fonte: Produção própria, 2017

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Se o valor depende da localização, há a tendência de ordenamento espacial do território pela renda. Quando se fala do acesso da população de baixa renda à moradia, quanto mais afastado do centro infraestruturado da cidade (dentre outras características que agregam valor à terra), mais barata é a terra, logo, mais acessível é para esse público. De fato, de acordo com o Mapa 1, tomando como exemplo a cidade de Fortaleza, quanto mais afastado do centro econômico, menor é a renda familiar1 . Este cenário se repete em grande parte das cidades. Entretanto, essa análise é feita sob a ótica da “cidade legal”. O

Figura 1: Distribuição de renda na cidade de Fortaleza Fonte: CENSO IBGE, 2010. Organizado pela autora

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valor do solo não impede, por exemplo, as invasões e apropriações de terras privadas e não utilizadas para fins de moradia irregular. Dessa forma, há muitas famílias com renda baixa também nas áreas mais privilegiadas da cidade, embora com condições não ideais de moradia. De qualquer forma, é injusto submeter às classes de renda inferior a localizações desprivilegiadas, pois além de diminuir a qualidade de vida dessas pessoas pelas longas distâncias percorridas, pela infraestrutura insuficiente e por tantos outros males das cidades espraiadas, os custos de desenvolvimento de cidades desse tipo são onerosos também para o Estado, consequentemente para toda 1 O Centro de Fortaleza aparece no mapa com predomínio de renda de até 3 S.M. Isso só acontece porque o uso habitacional nessa área de fato é pouco, o que faz com que os dados sofram uma baixa significativa quando espacializados.


a população. Sendo o Estado também um agente produtor (a partir do momento em que disponibiliza infraestrutura, agregando valor ao solo) e principalmente regulador (mediante planejamento urbano) de localizações (BRASIL, 2015), é de responsabilidade dele equilibrar os impactos das ações dos proprietários privados, permitindo a diversidade de renda no espaço. Entretanto, a forte influência dos interesses privados nas ações do Estado o impede de exercer essa função. Em um vídeo divulgado pela TV Boitempo (2016), Ermínia Maricato atenta para essas relações urbanas quando diz que a segregação espacial é necessária para o mercado altamente especulativo; o mix de renda ajuda a controlar e equilibrar o preço do solo; e a segregação leva à explosão do preço desse solo, consequentemente da valorização imobiliária, fazendo a riqueza de muitos capitais (TV BOITEMPO, 2016), corroborando o que foi dito anteriormente acerca da manutenção das relações de poder. Por sua vez, o planejamento urbano, elemento regulador de terras do Estado, no lugar de amenizar as desigualdades geradas pelo capital, ora faz o papel de “Plano-Discurso” (MARICATO, 2000); ora se apresenta apenas com soluções para as cidades formais (os Planos de meados do séc. XX); ora não ampara determinados crescimentos, configurando o “não-planejamento” ou crescimento espontâneo das cidades. Embora o Estado aparente tentar resolver a problemática da moradia em alguns momentos na história, o que ocorre de fato é a divulgação de um “falso problema” para a sociedade, na tentativa de aquietar os anseios da população e afirmar defesa de uma mesma ideologia. Mas, como o nome sugere, o falso problema não apresenta de fato a essência dos problemas da nação. Esse termo foi citado primeiramente por Bolaffi (1976), que explica que: “[...] formulam-se problemas que não se pretende, não se espera e nem seria possível resolver, para legitimar o poder e para justificar medidas destinadas a satisfazer outros propósitos” (BOLAFFI, 1976, p.66). Não quer dizer que a problemática da moradia, colocada como um problema da nação pelo Estado brasileiro, não exista. De fato, há um enorme déficit habitacional, qualitativo e quantitativo no Brasil. Entretanto, não é correto considerar que o problema da moradia esteja na falta de habitação para todos. Este aspecto é, na verdade, uma consequência: do Estado conivente com as ações do poder privado; do perfil patrimonialista da sociedade brasileira; da desigualdade social econômica do país; dentre tantos outras ações correspondentes. Quando se coloca que um problema é a “falta disso, ou daquilo”, tem-se que a resposta seja, consequentemente, “isso, ou aquilo”. Dessa forma, não é correto afirmar que o problema da moradia esteja na “falta de moradia”, pois a solução não é pura e simplesmente “construção de moradias”. Os avanços e, principalmente, retrocessos do Estado para a questão das políticas habitacional e urbana corroboram este pensamento. A partir do próximo tópico deste capítulo será apresentado o histórico de ações para o enfrentamento da problemática da habitação no território brasileiro, partindo do período de criação do Banco Nacional da Habitação (BNH).

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1.2. Marcos de enfrentamento da problemática habitacional: o BNH Pode-se dizer que a questão que gira em torno do BNH e de sua concepção configura-se como um falso problema. O motivo se dá pelo fato de que, embora trate (ou aparente tratar) da questão habitacional de baixa renda no Brasil, o destaque do programa está em seu impacto na economia da nação. Esse também é um dos motivos pelo qual o programa fracassou no quesito social. A criação de um Banco Nacional da Habitação em 19641 no intuito de concentrar fundos para aplicação em moradia popular no Brasil, além de facilitar a construção e aquisição da casa própria, aponta para o início de um período que ficaria conhecido futuramente por ser um dos primeiros a apresentar ações de grande impacto nacional no que diz respeito ao atendimento da problemática da habitação. Outras ações no âmbito da habitação já haviam sido trabalhadas e de certo modo postas em prática, como é o caso do Instituto de Aposentadoria e Pensões (IAPs), em 1930, e da Fundação da Casa Popular (FCP), em 1946. Entretanto, essas iniciativas não foram tão impactantes no território nacional como o BNH, do ponto de vista de investimentos e alcance das ações. Segundo Bolaffi (1976), os objetivos dessa criação até tendem a se confundir com outros tantos Planos anteriores voltados para a habitação de interesse popular, não fosse o volume financeiro investido e os recursos administrativos e publicitários disponibilizados para o momento. O período de criação do BNH coincide com o início do governo militar no Brasil, período também em que o governo no poder precisava se afirmar enquanto instituição capaz de frear as pressões inflacionárias sem afetar demasiadamente a economia. O surgimento do BNH parte como uma solução principalmente econômica e política (AZEVEDO, 1988), a partir do momento em que, de acordo com Bolaffi: [...] a saída mais eficaz para as crises conjunturais, digamos “clássicas”, ao contrário do corte nas despesas governamentais, é o seu aumento, para criar emprego e demanda a partir do investimento em obras de longa maturação e, preferivelmente, desnecessários ou de prioridade secundaria, durante os períodos de expansão econômica. (BOLAFFI, 1976, p. 69).

Acontece que essa forma de driblar os problemas econômicos acabava por realizar acumulação de grandes capitais (o setor da construção civil, o setor imobiliário, os produtores de materiais da construção, dentre outros agentes) retirando dos pequenos fundos (a população de baixa renda que se comprometia com o financiamento da casa). O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) foi criado em vista para o ordenamento dos financiamentos, tendo a opção de recurso de poupança compulsória (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, que em 1967 passou seus depósitos para gestão do BNH), e de poupança voluntária (caderneta de poupança/ letra de câmbio). Muitas outras ações foram repassadas para órgãos e agentes

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1 A partir da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964


privados intermediários, medida desde o início pensada para acontecer. Isso fez do BNH apenas uma instituição reguladora e gestora, ao mesmo tempo em que muitas decisões importantes estavam a cargo da iniciativa privada. Azevedo (1988) aponta alguns avanços alcançados pelo BNH os quais cita: a quantidade superior de unidades habitacionais produzidas, em comparação à produção da FCP; os recursos largamente disponíveis para a iniciativa; o retorno do capital aplicado à economia da nação; o fortalecimento institucional. Como objetivos não alcançados, o autor cita o quesito social, ou seja, o cerne da questão. Diz-se do não alcance do quesito social pelo fato do BNH não atender ao público de menor renda (0 a 3 salários mínimos) na sua provisão habitacional, visto que a aquisição de moradias ainda dependia da possibilidade da família arcar com um financiamento (mesmo com as facilidades concedidas). O bloqueio dessas famílias de menor renda se deu por uma série de tomada de decisões em resposta a situação econômica do momento. O Diagrama 2, a seguir, apresenta uma linha do tempo resumida das principais ações e reações que levaram o programa à limitação do atendimento habitacional.

1964

POLÍTICA DE ARROCHO SALARIAL DA DITADURA MILITAR

SALÁRIOS MENORES

1970-1974

CRESCIMENTO DA INADIMPLÊNCIA NOS FINANCIAMENTOS

INVESTIMENTOS: - FAMÍLIA DE BAIXA RENDA + FAMÍLIA DE MERCADO POPULAR

Após essa série de tomada de decisões, o SFH entrou em crise, atendendo minimamente às camadas de renda inferior. Alguns estudiosos levantaram sugestões para a reformulação do programa, entretanto, o BNH foi extinto em 1986 com a mesma justificativa que levou à sua criação e consequente extinção da FCP: não se encaixava mais na atual conjuntura política (AZEVEDO, 1988). Desde então, o banco foi incorporado pela Caixa Econômica Federal, passando suas atribuições de uma instituição com foco temático, para outra que atendia diversos setores, ou seja, a habitação passou a ser apenas uma das questões tratadas nessa nova organização, e não a principal. Após o encerramento desse período, considerado neste trabalho como um marco expressivo da política habitacional e urbana, passaram-se 15 anos até chegar ao próximo marco que se pretende discutir neste trabalho: o momento de grande organização institucional da política urbana brasileira, a criação da Política Nacional de Habitação (PNH). Mas, antes de discutir sobre o próximo marco político, é importante colocar em pauta um aspecto essencial que o sucedeu: a criação da Lei do Estatuto da Cidade em meados de 2001, discutido mais profundamente no próximo tópico.

1975

ABERTURA PARA HIS

RESOLUÇÃO DAS INADIMPLÊNCIAS

(FINALIDADE: LEGITIMAÇÃO POLÍTICA)

Diagrama 2: Sequência das decisões econômicas do BNH Fonte: Produção própria, 2017

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1.3. O Estatuto da Cidade: impulso para os debates sobre o espaço urbano Com o fim do BNH em 1986, após anos de adormecimento das ações mais significativas do Estado voltadas para atender a população de baixa renda no setor da habitação, mais precisamente 15 anos depois, um novo cenário nacional começou a se desenvolver. Considera-se aqui a promulgação da Lei nº 10.257/2001, chamada de Estatuto da Cidade, o início de uma série de realizações importantes de organização institucional e legal voltadas para a questão urbana e habitacional do Brasil, apesar de não estar inserida no mesmo período de governo que reestruturou na esfera institucional conselhos e políticas da habitação social. O motivo de o Estatuto ter sido considerado, neste trabalho, como o início desse outro período de marco nacional da habitação, no lugar de dividir os acontecimentos pelos momentos que marcam início e fim de governos, justifica-se pela intenção de análise das ações como um todo, sem atribuir valor de movimentos político-partidários no contexto da pesquisa. Por considerar o Estatuto um grande avanço de conquista, sobretudo pública; também por estar dentro de uma margem pequena dos anos que sucederam a reestruturação institucional do governo que se iniciou com o Ministério das Cidades (de 2001 a 2003, apenas dois anos), decidiu-se inseri-lo como pontapé inicial dos avanços obtidos no setor. Isso quer dizer também que, antes mesmo da estruturação de base do governo Lula para as políticas habitacional e urbana, havia movimentação intelectual e discussões sobre o tema. Essa movimentação vem, na verdade, desde a Constituição de 1988, que apresentou em seu texto um capítulo de política urbana. Passaram-se mais de 10 anos para formular uma lei federal que organizasse e legitimasse no campo jurídico uma regulamentação do que havia sido posto em 1988. Mas essa Lei enfim foi aprovada, no ano de 2001, representando um grande progresso jurídico para a questão fundiária e habitacional do país. Segundo o Instituto Polis (2002), o Estatuto buscou atuar em três principais frentes. A primeira diz respeito a um conjunto de instrumentos de indução ao desenvolvimento urbano (fala-se de indução, pois os instrumentos possuem caráter de incentivo, mais do que de normas fixas estabelecidas), suas principais ferramentas estão descritas no Quadro 1. A segunda frente está fortemente ligada com a questão da regulação urbanística e fundiária das cidades. Busca atuação no que Maricato (2011) chama de “nó da terra”, no qual se estima que mais da metade da população não tenha acesso legal do seu local de moradia, incluindo-se aí as favelas, loteamentos clandestinos, cortiços, e todas as formas de assentamentos irregulares existentes. Desse modo, grande parte dos instrumentos aqui tratados faz referência à população de menor renda. O Quadro 2 diz respeito a essa frente de atuação.

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Quadro 1: Instrumentos de indução no Estatuto da Cidade Fonte: Produção própria, 2017

Quadro 2: Instrumentos de regularização fundiária no Estatuto da Cidade Fonte: Produção própria, 2017

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Por fim, a terceira frente sugere o desenvolvimento da cidade democrática, defendendo os princípios de participação e atuação direta e indireta dos cidadãos nos momentos decisórios de intervenção sob o espaço. Abaixo, apresenta-se o quadro dos instrumentos/ ferramentas de democratização da gestão urbana.

INSTRUMENTOS DE DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO URBANA Imagens

Instrumento

(01)

(02)

Definição

CONSELHOS

Órgão administrativo colegiado, composto por sociedade civil e Poder Público (03).

AUDIÊNCIAS E CONSULTAS PÚBLICAS

Instrumento de participação que visa legitimidade à ação administrativa (03).

GESTÃO ORÇAMENTÁRIA PARTICIPATIVA

Debates, audiências e consultas públicas sobre propostas do PPA, LDO e LOA* (03).

GESTÃO PARTICIPATIVA METROPOLITANA

Conselhos, Comitês e outras formas participativas na gestão metropolitana (03).

INICIATIVA POPULAR

Dá direito à população a elaborar leis, planos, programas e projetos de interesse público (03).

CONFERÊNCIAS

Participação da sociedade na elaboração e avaliação de políticas públicas (03).

ESTUDO DE IMPACTO DA VIZINHANÇA

Democratizar as tomadas de decisões sobre grandes empreendimentos na cidade (03).

(01) Iniciativa Popular. Chamada à participação para construção do Plano Popular das ZEIS do Bom Jardim. Disponível em: <https://www.facebook.com/centroherbertdesouza/>. Acesso em: 08 out 2017. (02) Conselhos. Reunião do Comitê Técnico Intersetorial e Comunitário das Zonas Especiais de Interesse Social de Fortaleza. (FORTALEZA, 2015). (03) INSTITUTO POLIS, 2002. * Plano Plurianual; Lei de Diretrizes Orçamentárias; Lei Orçamentária Anual.

Quadro 3: Instrumentos de democratização da gestão urbana no Estatuto da Cidade Fonte: Produção própria, 2017

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Após a conquista da lei do Estatuto, abriu-se espaço para que os municípios implantassem os instrumentos sugeridos em seus respectivos Planos Diretores, principalmente porque a partir da Constituição de 88, o Poder Municipal é incumbido da responsabilidade de fiscalizar e atuar no desenvolvimento urbano das cidades. A adesão dos instrumentos nos Planos Diretores dos municípios ocorreu de forma bem lenta, tendo sido mais significativa apenas posteriormente com a atuação do Ministério das Cidades (MCidades), criado em 2003. Vale ressaltar que a lei do Estatuto não amarra condições para que os instrumentos sejam implementados automaticamente nas cidades. Na verdade, os instrumentos estabelecidos no Estatuto são guias para que os próprios municípios desenvolvam sua aplicação. Talvez este seja um aspecto falho na lei, já que dificilmente as cidades produziram legislação própria de regulamentação dos instrumentos mais significativos no âmbito da reforma urbana. A maioria desses instrumentos pode ser encontrada nos Planos Diretores dos municípios, entretanto, ainda carecem de regulamentação, logo, não são autoaplicáveis. Por ora, cabe abrir espaço no estudo do histórico de ações do Estado para destacar, neste trabalho, dois instrumentos presentes no Estatuto que impactam diretamente na questão da habitação de interesse social (caso sejam implantados corretamente) dos municí-


pios. Esses dois instrumentos serão apresentados a seguir em dois tópicos, sendo o primeiro relativo ao instrumento de Zonas Especiais de Interesse Social, e o segundo relativo aos instrumentos de participação social.

1.4. Instrumentos de regularização fundiária: qual o papel das ZEIS? As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), ou, como são chamadas em alguns municípios, Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), possuem como principal objetivo a inserção e acesso legal e urbanístico da população de baixa renda ao espaço infraestruturado da cidade. Como já citado anteriormente, o mix de renda no espaço ajuda a controlar o preço do solo, abrindo dessa forma o acesso ao direito constitucional à moradia (entendida não só como a habitação física, mas também pelo direito à cidade e acesso à infraestrutura e equipamentos públicos) para aqueles que não possuem condições financeiras de adquiri-la pelos moldes padrões. É, portanto, imprescindível abrir espaço de discussão desse instrumento neste trabalho. Para atingir esse objetivo de inserção urbana, o instrumento busca atacar o problema de duas formas: de um lado, propõe-se a regular a posse e o espaço urbano dos assentamentos irregulares já existentes, geralmente formados espontaneamente por ocupações ilegais, apresentando, portanto, vários problemas urbanísticos e fundiários; de outro lado, destaca espaços vazios na cidade que não cumprem com a função social da propriedade e os destina para a construção de habitação de interesse social, seja para abrigar relocações de uma população anteriormente inserida em áreas de risco, seja para produção visando uma demanda nova por habitações para baixa renda. Chama-se de zona especial, pois admitem outros parâmetros construtivos para essas áreas, diferentes dos parâmetros destinados ao desenvolvimento formal da cidade, sendo uma zona que se sobrepõe às demais zonas do Plano Diretor para o atendimento desses assentamentos informais. Além disso, o Estatuto da Cidade coloca em questão a diversidade de assentamentos existentes no país, e sugere que cada ZEIS possua seu próprio Plano de Regularização, com a finalidade de se aproximar da realidade da população em questão. De acordo com o Instituto Polis: A possibilidade legal de se estabelecer um plano próprio, adequado às especificidades locais, reforça a ideia de que as ZEIS compõem um universo diversificado de assentamentos urbanos, passíveis de tratamentos diferenciados. Tal interpretação agrega uma referência de qualidade ambiental para a requalificação do espaço habitado das favelas, argumento distinto da antiga postura de homogeneização, baseada rigidamente em índices reguladores. (INSTITUTO POLIS, 2002, p.156).

No Brasil, poucas são as aplicações desse instrumento nos municípios, o que nos leva a questionar sobre a sua eficácia. É possível encontrar casos que lograram sucesso, como em Recife, que desenvolveu a primeira experimentação de uma zona como essa antes mesmo da implementação do Estatuto. Conseguiu-se no município uma boa estruturação de base com a organização das Comissões 37


de Urbanização e Legalização da Posse da Terra (COMUL’s) e a implantação de um fundo próprio para o setor, ambas as medidas previstas no plano que regulamenta essas zonas, chamado de Plano de Regularização das ZEIS (PREZEIS), de 1987. O sucesso em Recife foi possível mediante uma intensa mobilização e pressão popular. De acordo com o Instituto Polis (2002), outros municípios também alcançaram resultados positivos, como foi o caso de Natal, Santos e Diadema, apesar de algumas dificuldades ou descontinuidades dos processos. Em Fortaleza, o processo de criação de uma lei regulamentadora caminha a passos lentos prevalecendo os retrocessos frente aos avanços desde a criação das ZEIS em 2009. O caso das ZEIS de Fortaleza será melhor explorado no capítulo 2 deste trabalho, que se propõe a tratar da questão habitacional focando no município em questão. Por ora, admite-se que o instrumento de ZEIS reúne princípios muito importantes para a manutenção e produção de HIS no país, com o foco na regularização fundiária e na inserção de participação direta da população nos processos. Ainda, admite-se também que este instrumento não deve funcionar por si só: deve ser acompanhado dos demais instrumentos de indução do desenvolvimento urbano, também previstos no Estatuto, pois funcionam de maneira coordenada. Por fim, admite-se que o perfil conivente do Estado, nesse caso específico, do Poder Municipal, já discutido anteriormente, funciona como uma barreira para esse instrumento, visto que depende, dentre outras coisas, das ações legitimadas e autorizadas por este setor (como é o caso da criação de uma lei que regulamente as ZEIS e seus Conselhos Gestores) para funcionar. A seguir, discute-se sobre o segundo conjunto de instrumentos importantes para o setor habitacional: os instrumentos de participação.

1.5. Instrumentos de democratização da gestão urbana: conceitos básicos de participação Dando continuidade à discussão acerca dos instrumentos do Estatuto, essenciais para a política habitacional, fala-se agora dos instrumentos de participação popular. Essa discussão se faz necessária porque, além do exercício de democracia que deveria ser experimentado por todos para além da HIS, há a necessidade de inclusão da população de baixa renda diretamente afetada pelas políticas habitacionais e urbanas a fim de devolver a eles um planejamento coerente com as necessidades locais, contrariando a lógica seguida até então pelos planos urbanísticos que negam os processos participativos e acabam por produzir situações completamente descoladas da realidade dos usuários finais. O campo da participação é pouco explorado nos municípios brasileiros e não é uma condição atual. A falta de representatividade popular na condução das decisões que impactam diretamente a população possui um histórico constante no Brasil. O Estatuto prevê em seu texto um conjunto de ações diretamente ligadas à participação, e nele, diversas ferramentas tais como: conselhos de política urbana; debates, audiências e consultas públicas; conferências de desenvolvimento urbano; e a iniciativa popular 38


de projetos de lei e planejamento (INSTITUTO POLIS, 2002). Dessa forma, se está presente na Constituição de 1988, bem como no Estatuto da Cidade, que a participação é necessária dentre outras coisas para a construção de uma gestão democrática - participativa e não só representativa (ROMERO; MESÍAS, 2004) - não é coerente buscar atender apenas os demais instrumentos de indução urbana e regularização fundiária e deixar de lado este, também importante, que se funde e se faz essencial também na implantação das ZEIS nos municípios. Visto que a participação pode admitir conceitos amplos e diferenciados, se buscará entender aqui o conceito básico desse termo, bem como suas possibilidades de níveis e graus diferentes, a partir da análise de autores que dissertam sobre o tema. Romero e Mesías (2004) chamam atenção para a concepção errônea que se tem por participação, quando se acha que só há participação quando todas as questões passam por todos os atores envolvidos antes de ser tomada qualquer decisão. Na verdade, há vários graus de participação possíveis, o que ocorre é um controle maior (quase total) ou menor (quase nulo) por parte dos administradores para com os administrados no que se diz respeito à tomada de decisões. Essa possibilidade de controle se utilizando da boa imagem que os processos participativos trazem consigo abre precedente para a continuidade dessas formas de dominação por parte dos governos, que se vangloriam da utilização de participação efetiva quando na verdade só se é acatada a opinião social quando convém. Segundo Rocha e Bursztyn (2005): Apesar do discurso de participação e empoderamento, os organismos internacionais não deixaram de influenciar, controlar e padronizar as decisões. A interferência de agentes externos na orientação das ações coletivas locais é evidente, transformando a chamada participação em estratégia de dominação, e não como caminho ao exercício pleno da cidadania. (ROCHA; BURSZTYN, 2005, p.46).

Souza (2002) adapta a abordagem que define escalas para a participação popular trazida por Sherry Arnstein e a reorganiza em oito escalas. Essas escalas estão representadas abaixo no Diagrama 3.

ADMINISTRADORES ADMINISTRADOS

Diagrama 3: Graus de participação Fonte: Souza, 2000. Adaptado pela autora, 2017.

COERÇÃO

INFORMAÇÃO COOPTAÇÃO DELEGAÇÃO DE PODER AUTOGESTÃO MANIPULAÇÃO CONSULTA PARCERIA

Dessa forma, segundo a reorganização de Souza (2002), temos que: A coerção trata-se da ausência total de democracia representativa e se equivale a regimes ditatoriais ou totalitários. A manipulação diz respeito a processos nos quais há indução de aceitação por parte dos administradores para com os administra39


dos. Essa indução pode ocorrer de maneira mais discreta, como a manipulação mediante propagandas eleitorais. A informação acontece quando há apenas a divulgação de planos ou projetos já pensados previamente para acontecer pelos administradores. A consulta traz como elemento a opinião da população. Aqui, o chamado “saber popular” também é ouvido. O que pesa nesse grau de participação é que, por muitas vezes, os administradores optam por não acatar a opinião pública utilizando-se de argumentos técnicos e muitas vezes errôneos para contrapor as colocações populares e assim executar apenas o que lhes convém. Dessa forma, essa escala de participação pode ser útil a depender da configuração e interesses políticos em incorporar a opinião pública nas decisões do governo. A cooptação acontece quando indivíduos da sociedade são chamados a participarem de debates por meio da institucionalização da participação, ou seja, líderes e representantes populares participam permanentemente de instâncias dentro da administração pública. Entretanto, não se configura necessariamente em um canal deliberativo, motivo pelo qual a cooptação se assemelha à consulta em certos aspectos. Alguns autores criticam a institucionalização da participação por representar um desmonte da organização popular, em alguns casos, trazendo os principais representantes pra dentro do Poder Público e desarticulando grupos. A parceria ocorre mediante colaboração entre administradores e administrados. O autor considera essa escala o primeiro grau de participação autêntica: “não meramente consultiva ou cooptativa” (SOUZA, 2002, p. 205). Na delegação de poder, o Poder Público concede à população certas responsabilidades e atribuições antes pertencentes a ele. Diz-se da parceria e da delegação de poder modelos de co-gestão Por fim, tem-se a autogestão. Funciona como um poder quase pleno da sociedade civil na tomada de decisões. Fala-se de quase, pois ainda há o Estado representado como instância controladora da sociedade, que impede que as ações sejam tomadas de forma autônoma, configurando-se ainda como uma democracia representativa. Para o autor, esse último grau é o que se pode chegar mais longe em um modelo de sociedade capitalista, mas que isso não impede, por exemplo, de ocorrerem experiências independentes de autogestão plena, às margens do sistema. Souza (2002) defende que os cinco primeiros graus de participação não se configuram em um modelo eficiente e justo de participação democrática, no máximo, apresentam características ilusórias de participação. É importante nesses processos a presença de diversos personagens que procurarão defender seus interesses no desenvolvimento do que se quer executar. Quando o processo participativo diz respeito à HIS, essa necessidade se torna ainda mais clara, pois se trata de um campo temático que impacta desde a população de baixa renda (e dentro dessa população, ainda uma enorme diferenciação de idades, sexo, escolaridade, ocupação, habilidades e necessidades), até os atores que representam as esferas institucional e privada (grandes capitais), possuindo também seus enfoques particulares. Entretanto, segundo Romero e Mesías (2004), não se pode esperar que os conflitos sociais se dissipem apenas por existir um canal 40


participativo. Na verdade, é importante que os conflitos apareçam, visto que são inúmeros interesses e pontos de vista, e a ferramenta da participação se apresenta como equilibrador de forças e interesses diversos, buscando sempre um consenso entre as partes, cabendo aos administradores a tarefa de mediação de conflitos: […] vale la pena señalar que no podemos pretender que la participación sea la panacea que resuelva automáticamente los conflictos sociales. Las ideas que concebían a la participación como una herramienta para el reparto equitativo del poder han demostrado ser excesivamente idealistas. Hoy tenemos que enfrentar el hecho de que los distintos actores involucrados en el proceso de producción del hábitat tienen, en la realidad, niveles de poder y capacidades de decisión diferente, ya sea por cuestiones económicas y políticas, como por niveles distintos de formación. Así pues, debemos tener claro que de lo que se trata es de generar una capacidad de negociación y de generación de consensos para la toma de decisiones dentro de relaciones asimétricas de poder.1 (ROMERO; MESÍAS, 2004, p.37).

Os autores colocam como importantes também os processos de capacitação de alguns atores sociais que não possuem o mesmo nível de formação e entendimento técnico que os representantes institucionais possuem. Isso funciona como nivelador da linguagem a ser utilizada nas reuniões entre as partes, além de uma ferramenta que empodera a população leiga, no sentido de incentivar a luta pelos seus direitos mediante o conhecimento adquirido. Essa capacitação intenciona equilibrar forças assimétricas de poder e conhecimento. Algumas ONGs fazem esse papel didático, oferecendo capacitações para a população, que não são necessariamente profissionais entendidos do assunto que envolve o urbanismo, apenas para reforçar o papel de cidadãos pela reivindicação dos seus direitos. Em Fortaleza, pode-se dizer que o Centro de Estudos, Articulação e Referência sobre Assentamentos Humanos (CEARAH Periferia) cumpriu este papel entre 2007 e 2009 com a Escola de Planejamento Urbano e Pesquisa Popular. Acerca dos possíveis níveis de participação, tem-se que ela pode ocorrer desde em uma escala de planejamento urbano e regional; bem como no uso do solo da cidade com a definição de serviços e equipamentos; na configuração física da sua habitação; ou até mesmo dentro da sua célula familiar. Em suma, é ideal que a participação seja um processo interdisciplinar, multissetorial, organizado e articulado. De acordo com o Instituto Polis: Não se pode inventar um plano, um projeto de cidade, cheio de qualidades, mas absolutamente descolado dos atores reais, da capacidade de organização e das possibilidades reais de implementação e controle dessa política. (INSTITUTO POLIS, 2002, p. 193).

1 Tradução livre: “vale a pena apontar que não podemos pretender que a participação seja a panaceia que resolve automaticamente os conflitos sociais. As ideias que concebiam a participação como ferramenta de partilha equitativa do poder revelaram-se excessivamente idealistas. Hoje, temos que enfrentar o fato de que os diferentes atores envolvidos no processo de produção de habitat de fato possuem níveis de poder e diferentes capacidades de tomada de decisão, seja por razões econômicas e políticas, quanto por diferentes níveis de formação. Assim, devemos ter claro de que se trata de gerar capacidade de negociação e construção de consenso para a tomada de decisões dentro de relações de poder assimétricas”.

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Apesar dessa necessidade, Souza (2002) denuncia que a interdisciplinaridade é muito difícil de ser alcançada. Ele coloca: Muito se clama por interdisciplinaridade na pesquisa cientifica contemporânea, mas o que mais se vê, na melhor das hipóteses, é pluridisciplinaridade (justaposição de conhecimentos disciplinares diversos, agrupados de modo a evidenciar as relações entre eles; cooperação sem coordenação) ou, mesmo, uma mera multidisciplinaridade (conhecimentos disciplinares diversos veiculados sem que haja uma cooperação entre os especialistas). (SOUZA, 2002, p. 100).

Tendo visto até agora dois dos instrumentos essenciais para promover o desenvolvimento urbano de qualidade nas situações que envolvem habitação de interesse social, o próximo tópico dará continuidade à análise do que se percebe como marco histórico na habitação de interesse social, agora tratando na nova Política Nacional de Habitação (PNH) e seus desdobramentos institucionais de base que se iniciaram a partir do ano de 2003.

1.6. Marcos de enfrentamento da problemática habitacional: A Política Nacional de Habitação (PNH) Como foi exposto anteriormente, após a extinção do BNH, a pauta da habitação social voltou a ganhar força quinze anos depois com a aprovação do Estatuto da Cidade. A adesão dos municípios aos instrumentos colocados neste Estatuto não foi imediata, e exatos dois anos depois da aprovação da lei, com o início de um novo governo federal, surge um novo cenário da política habitacional e urbana no Brasil. Segundo uma publicação do Ministério das Cidades, o ano de 2000 também foi um ano de estudos e preparação do Instituto Cidadania (à época presidido por Luís Inácio Lula da Silva), que visava um projeto de política habitacional fixado nos eixos da questão fundiária, do financiamento da habitação e do aspecto organizacional institucional para a questão da moradia (BRASIL, 2010). Lula foi eleito presidente do Brasil em seu primeiro mandato no ano de 2003. No mesmo ano, deu início à organização institucional pensada anteriormente, com a criação do Ministério das Cidades (MCidades), pela Lei nº 10.683/2003. O MCidades trazia como proposta integrar os diferentes setores que permeiam o desenvolvimento urbano. Para isso, dentro do MCidades, foram criadas quatro secretarias nacionais, sendo elas: Secretaria Nacional de Habitação (SNH); Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental; Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade; Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Em 2004, a SNH se organizava para a construção de uma Política Nacional de Habitação (PNH), além de direcionar suas ações também para a construção institucional e legal das ações que estavam por vir. É importante observar que primeiro se tentou fixar as bases para o setor habitacional, estruturando e organizando toda uma lógica de secretarias, conselhos e ministério, focados num mesmo âmbito temático, reforçando e assegurando as futuras ações a serem 42


tomadas no setor urbano. Era um planejamento a médio e longo prazo. Nos anos seguintes, a criação de uma Política Nacional de Habitação, de um Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), e de um Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) (gerido por um Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – CGFNHIS), dava prosseguimento às ações do Estado. Por fim, estruturou-se um Plano Nacional de Habitação (PlanHab) entre os anos de 2007 e 2008, seguindo a recomendação já prevista na Lei nº 11.124/2005, que institui o SNHIS, o FNHIS e o CGFNHIS. A fim de organizar todas essas relações institucionais, suas

}

MINISTÉRIO DAS CIDADES SECRETARIA NACIONAL...

DE HABITAÇÃO (SNH)

DE SANEAMENTO AMBIENTAL

DE MOBILIDADE E TRANSPORTE URBANO

DE PROGRAMAS URBANOS

}

POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO (PNH)

SISTEMA NACIONAL DE HABITAÇÃO (SNH)

SISTEMA NACIONAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL (SNHIS)

2003

SISTEMA NACIONAL DE HABITAÇÃO DE MERCADO (SNHM) SIST. FINANCEIRO DE HABITAÇÃO

FNHIS

CADERNETA DE POUPANÇA

FGTS

MERCADO DE CAPITAIS

OUTROS FUNDOS PLANO NACIONAL DE HABITAÇÃO (PlanHab)

} }

2004

2005

2007/ 2008

INTEGRAR OS DIFERENTES SETORES LIGADOS AO DESENVOLVIMENTO URBANO

PRINCIPAL INSTRUMENTO DE DIRECIONAMENTO DAS ESTRATÉGIAS DO GOVERNO (BRASIL, 2010)

“IMPLEMENTAR POLÍTICAS E PROGRAMAS DE INVESTIMENTOS E SUBSÍDIOS, [...] E ARTICULAR, COMPATIBILIZAR, ACOMPANHAR E APOIAR A ATUAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES E ÓRGÃOS [...]” (BRASIL, 2005) ORIENTAR O PLANEJAMENTO E AÇÕES NO SETOR HABITACIONAL EM PRAZOS DEFINIDOS, ESTABELECE AÇÕES, PROGRAMAS E PROJETOS, DEVENDO SER REVISADO PERIODICAMENTE (BRASIL, 2010)

Diagrama 4: Organograma da Política Nacional de Habitação Fonte: Produção própria, 2017.

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funções e ano de criação, montou-se o organograma do Diagrama 4. O PlanHab foi então lançado em 2008 contendo quatro principais eixos estruturantes para atacar a questão da precariedade habitacional, pois se acreditava que o assunto era suficientemente complexo e abrangente e precisava abraçar diversos campos setoriais. Os quatro eixos são: Financiamento e subsídio; Arranjos institucionais; Estratégias urbanas e fundiárias; e Cadeia Produtiva da Construção Civil (BRASIL, 2009). Dentro desses eixos, estabeleceram-se objetivos e estratégias delimitadas na intenção de serem alcançadas a curto, médio e longo prazo, com um horizonte de quinze anos e com sucessivas revisões em 2011, 2015 e 2019 (coincidindo com os anos de elaboração dos Planos Plurianuais). Os objetivos e estratégias traçadas diziam respeito, dentre outras coisas: à logística dos fundos e subsídios para sustentação de programas para HIS e para maior segurança financeira em caso de financiamentos com risco de crédito, além de melhor controle e expansão dos processos de financiamento para habitação popular; ao fortalecimento a estrutura institucional na esfera federal, estadual e municipal, inclusive contando com capacitação dos agentes técnicos e com um sistema de monitoramento dos resultados do PlanHab (já que o SNHIS se propõe a ser descentralizado, articulado e participativo); à garantia da terra regularizada, urbanizada e bem localizada; à ampliação e modernização dos processos construtivos na cadeia produtiva de HIS, sendo importante destacar que um dos seus pontos estratégicos era também estimular os processos de autogestão e cooperativos. As iniciativas e intenções foram boas, buscavam firmar uma base sólida que tentaria atingir desde a questão fundiária até a produção habitacional no país. As intenções começaram a desviar do caminho inicialmente pensado quando o governo decidiu elaborar ações de curto prazo em resposta a desaceleração do MCidades. Segundo Amore, Shimbo e Rufino: [...] o momento parecia exigir respostas mais rápidas. O contexto da crise econômica, junto com o enfraquecimento do Ministério das Cidades no seu papel de formulador e condutor da política urbana, levou o governo acolher a proposta do setor da construção civil, apostando no potencial econômico da produção de habitação em massa. (AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015, p. 16)

Com isso, surge em 2009 um programa (novamente) econômico, anticíclico (BRASIL, 2010), e que resultou (ainda hoje) em diversos problemas durante sua aplicação: o Programa Minha Casa Minha Vida. A partir do próximo tópico, intenciona-se ampliar a análise do Programa, discutindo sobre sua operacionalidade, seus avanços e, principalmente, seus problemas decorrentes da não conexão com a Política Urbana, do não tratamento da questão fundiária, do não atentamento ao planejamento das cidades, dentre outros fatores urbanísticos/arquitetônicos importantes que deveriam ser atendidos.

1.7. A falsa promessa do Programa Minha Casa Minha Vida e sua consequência para as cidades A Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, que institui o Progra44


ma Minha Casa Minha Vida, curiosamente também dispõe sobre a regularização fundiária, reforma tão necessária e há muito discutida para acontecer no território brasileiro (apesar de nunca cumprida). Ao contrário do que se encontra na lei, o que vem se construindo desde 2009 não busca resolver de fato o “nó da terra” (MARICATO, 2011), mas se configura em uma produção massiva da habitação, descolada do planejamento urbano local e da política montada a partir de 2003. A história do BNH parece se repetir a partir do momento em que, novamente, o Estado elenca uma medida econômica de investimento ligado ao setor da construção civil na tentativa de driblar uma crise econômica. A tendência de uma produção em massa periférica e sem infraestrutura já era mencionada no mesmo ano de criação do Programa (AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015). Amore, Shimbo e Rufino (2015) organizam em um livro um diagnóstico compactuado do programa MCMV, produto de esforços de pesquisadores de várias partes do Brasil, que resultou em uma análise dividida em quatro eixos, relatados nos subtópicos a seguir. Para este trabalho, acrescentou-se um eixo que busca analisar a operacionalidade do Programa. Também neste trabalho, o quarto eixo de Amore, Shimbo e Rufino (2015) foi incorporado ao eixo de número três, por se considerar que tratam de assuntos semelhantes e que podem ser trabalhados em conjunto. Com isso, tem-se que: O primeiro eixo tratará da operacionalidade do Programa relativa às suas fases, faixas de renda e investimentos. O segundo eixo tratará sobre os agentes envolvidos nos processos. Quais são suas representatividades e atuações segundo a lógica do Programa. O terceiro eixo tratará sobre a demanda habitacional e oferta do MCMV, como é feita a distribuição das casas nos municípios. Por fim, o quarto eixo tratará sobre desenho, projeto e produção do Programa, aproximando-se à escala da edificação e de onde ela é inserida, além de explorar também a inserção urbana e segregação socioespacial na maioria dos casos do Programa. Um último subitem será acrescido para resumir as impressões obtidas dos resultados, além de relacionar com o cenário geral da política urbana e fundiária do Brasil. Operacionalidade do PMCMV De 2009 a 2017, o PMCMV passou por três fases (a última anunciada no ano de 2016, pela então presidente Dilma Rousseff, com estimativa de término em 2018). A cada fase anunciada, novos critérios e adaptações se moldaram na tentativa de alcançar melhores resultados com o Programa. O Quadro 4 apresenta as principais informações relativas às fases, às faixas de renda estabelecidas para cada fase, às metas de atendimento do programa e seus respectivos investimentos. Já no início do Programa em 2009, a produção científica de diversos autores já atentava para o risco de se repetirem as mesmas falhas já vivenciadas na época do BNH: a construção das habitações no entorno periférico das cidades, o risco qualitativo da produção em massa, o baixo atendimento para as faixas de renda de zero a três salários mínimos, a não produção de cidade. Embora alguns resultados da primeira fase já tenham de45


monstrado aspectos distantes do caráter regulatório da terra, dentre outras características de qualidade da habitação, as mudanças que ocorreram entre as fases não passaram de mudanças estratégicas

FASE ANO FAIXA 1 FAIXA 1,5

FASE 1

FASE 2

2009-2011

2011-2014

ATÉ R$1.395,00 ATÉ R$1.600,00 -

-

FASE 3 2016-2018**

2017***

ATÉ R$1.800,00 ATÉ R$1.800,00 DE R$1.800,01 DE R$1.800,01 ATÉ R$2.350,00 ATÉ R$2.600,00

FAIXA 2

DE R$1.395,01 DE R$1.600,01 ATÉ R$2.790,00 ATÉ R$3.100,00

DE R$2.350,01 DE R$2.600,01 ATÉ R$3.600,00 ATÉ R$4.000,00

FAIXA 3

DE R$2.790,00 DE R$3.100,01 DE R$3.600,01 DE R$4.000,01 ATÉ R$4.650,00 ATÉ R$5.000,00 ATÉ R$6.500,00 ATÉ R$9.000,00

META (U.H.)*

1 MILHÃO

2 MILHÕES

2 MILHÕES

610 MIL****

INVESTIMENTOS

R$28 bilhões

R$125 bilhões

R$210,6 bilhões

-

* U.H.: Unidades Habitacionais ** O Governo anunciou esses dados no ano 2016, quando divulgou a FASE 3 do PMCMV (SECRETARIA DAS CIDADES, 2016). *** Em 2017, o Governo modificou os limites de faixa de renda, ainda na vigência da FASE 3 (PLANALTO, 2017)

Quadro 4: Operacionalidade do PMCMV de 2009 a 2017 Fonte: Produção própria, 2017

para a questão financeira e de organização interna. Pode-se afirmar que o atendimento ao grupo de renda até 3 S.M. foi ampliado com o tempo, o que não ocorreu, por exemplo, com o atendimento do BNH. Se na primeira fase apenas 40% da meta das habitações que se pretendia construir estava inserida na faixa de renda de até 3 S.M. (onde se encontra 90% do déficit habitacional), essa porcentagem aumentou a partir da segunda fase, quando se dizia pretender destinar 60% das habitações da meta geral para essa faixa. Embora houvesse mudanças no que diz respeito ao volume atendido, ainda não se produzia nada no tocante à regularização fundiária. Agentes envolvidos nos processos São cinco os principais atores na logística da provisão de habitação dentro do PMCMV. São eles: Caixa Econômica Federal; Prefeituras Municipais; Empresas Privadas; Entidades e Governo Federal. Pode-se dizer que o Governo Federal, na figura do Ministério das Cidades, adotou uma posição pouco ativa nos processos do MCMV, visto que todas as outras linhas de ação que se estabelece-

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ram no PlanHab perderam suas forças diante da proposta imediatista adotada pelo Programa, fazendo com que o MCidades só atuasse em casos de escala regional raras vezes. Em contrapartida, a Caixa Econômica se mostra como agente protagonista, visto que opera diretamente com os agentes imobiliários por intermédio dos financiamentos ou pela compra de empreendimentos através do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) (AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015). O Poder Municipal, aquele responsável pelo planejamento e desenvolvimento sustentável da cidade em que atua, também possui pouca atuação do que diz respeito aos empreendimentos do MCMV, até mesmo da conexão entre o Programa e o planejamento municipal. De um lado, em alguns municípios, a Prefeitura foi capaz de agilizar alguns processos do Programa além de doar terrenos públicos para tal fim (AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015). Por outro lado, o papel do Poder Municipal também pode atuar na contramão do atendimento às famílias mais carentes, quando se utiliza do MCMV para justificar reassentamentos provenientes de remoções forçadas para outros fins de utilização da terra. Por fim, sobre a atuação das Entidades, Amore, Shimbo e Rufino relatam: Movimentos e organizações populares também aparecem como agentes do Programa, atuando na modalidade Entidades, na qual são os operadores principais, assinando os contratos com a Caixa, mas também indicando a demanda de empreendimentos produzidos por construtoras, em parceria com as prefeituras. (AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015, p. 58)

E de acordo com a produção nesse setor, afirmam: “trata-se de uma produção absolutamente residual em termos quantitativos que encontra também muitas dificuldades para se diferenciar qualitativamente.” (AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015, p. 58). A liberdade da Caixa Econômica junto com os agentes imobiliários, ainda com a pouca iniciativa do Poder Municipal, reforça o caráter econômico do programa, do qual os dois primeiros atores citados possuem a preocupação com a viabilidade financeira. Isso justifica, dentre outros motivos, o fato de muitos empreendimentos estarem localizados em áreas mais afastadas do Centro (a terra é mais barata), a qualidade das habitações serem baixas em muitos casos (os produtos utilizados são de qualidade inferior) e o aspecto arquitetônico ser pouco explorado pelas construtoras (procura-se atender as necessidades mínimas exigidas para produção dos empreendimentos, a fim de evitar gastos desnecessários). Demanda habitacional e oferta do Programa Há duas formas de demanda a serem contempladas pelo PMCMV. A primeira diz respeito à demanda futura, da qual há produção habitacional pelas construtoras para HIS. O atendimento para esta demanda é feito a partir de um processo de seleção realizado pelos próprios municípios, seja pela prioridade na hierarquização das famílias (estabelecidas a partir de critérios observados pelo cadastro do Programa), seja mediante sorteios. A segunda demanda diz respeito a uma “demanda fechada”, significando que as famílias selecionadas para migrarem a determinado empreendimento se configuram em famílias reassentadas de algum outro assentamento precário.

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Figura 2: Localização dos empreendimentos do MCMV Fonte: Amore, Shimbo e Rufino, 2015. Imagem fornecida pelo LEHAB, DAU-UFC, 2014.

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Houve, neste segundo tipo de demanda, por parte de algumas prefeituras, a utilização do critério de reassentamento de famílias para promover remoções de moradores que estavam habitando algum terreno com alto valor especulativo ou com benefícios de utilização para alguma obra de infraestrutura pública. Essa lógica reversa de uma dita política habitacional vai de encontro aos princípios básicos sociais que deveriam ser atendidos e nos faz questionar acerca das reais intenções dos que detêm poder nas cidades: o Poder Público, influenciado pelo interesse privado. Ainda, com o exemplo de Fortaleza, constatou-se que o grande número do déficit habitacional estaria concentrado nos municípios polos, enquanto a produção massiva dos empreendimentos acontece dentro ou próximo dos municípios periféricos (ver Figura 2), principalmente os empreendimentos que contemplam a menor faixa de renda do Programa. Essa constatação confirma o que foi dito anteriormente na análise dos atores do Programa, que os agentes imobiliários agem com uma certa autonomia no que diz respeito ao planejamento das cidades e, ainda, implantam empreendimentos onde for mais viável economicamente, o que se traduz espacialmente em empreendimentos distantes do centro infraestruturado da cidade. Uma última análise do eixo da demanda e oferta diz respeito ao descolamento dos empreendimentos com a real demanda organizacional, física e comunitária da população atendida. Isso quer dizer que a pessoa beneficiária do PMCMV, aquela cadastrada no sistema, não tem garantias do seu futuro local de moradia, muito menos da tipologia habitacional nem da sua possível vizinhança. Quer dizer também que o Programa não se preocupa em analisar as características e necessidades locais dos assentamentos ou de quem mora neles, o que faz do MCMV um processo de cima para baixo: primeiro se


tem a habitação (padronizada e com a tipologia dependente dos agentes imobiliários), depois se elencam os possíveis moradores. Essa ordem das ações vai de encontro com a necessidade dos processos participativos em HIS para garantir o atendimento a real demanda existente e o cumprimento de uma gestão democrática. Desenho, projeto e produção do Programa As tipologias arquitetônicas do PMCMV variam de acordo com o agente imobiliário, com a localização, com o investimento financeiro aplicado. É possível encontrar tipologias de casas térreas até edificações de até 5 pavimentos. O fator que se repete em todas as situações é a padronização do produto habitação (ver Figuras 3, 4, 5 e 6), tanto no que diz respeito à comparação entre os municípios com realidades distantes, quanto no que diz respeito à própria produção interna ao empreendimento. A tipologia escolhida se repete em todo o empreendimento, às vezes intensificada pela construção de empreendimentos contíguos (quando uma mesma construtora executa empreendimentos similares em terrenos adjacentes, por ve-

zes possuindo também nomes semelhantes). Tem-se ainda que as construções dificilmente estão de acordo com o entorno imediato e a realidade construtiva local. Corroborando isso, tem-se a repetição arquitetônica/estética em regiões diferentes do Brasil. Amore, Shimbo e Rufino (2015) colocam também nesse eixo de análise que a possibilidade de futuras modificações por parte dos moradores nas habitações são quase nulas, pois se adotou um sistema construtivo no qual as vedações admitem caráter estrutural. Como visto em alguns trabalhos de HIS pelo mundo, é importante obter essa flexibilidade construtiva para que as famílias aproximem ainda mais a moradia às necessidades específicas, já que dentro de uma comunidade com características semelhantes

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Figura 3: Empreendimento do MCMV em Rondônia Fonte: Disponível em: < http://g1.globo. com/ceara/noticia/2016/07/moradores-do-crato-recebem-596-residencias-do-minha-casa.html>. Acesso em: 09 out. 2017. Figura 4: Exemplo de tipologias semelhantes em realidades diferentes - Marabá (PA) Fonte: Fornecida pelo Labcam, FAU-UFPA (2013) (apud AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015).

Figura 5: Exemplo de tipologias semelhantes em realidades diferentes - Empreendimento Alterosas em Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de Belo Horizonte) e Conjunto Cosmos na Região Metropolitana de Campinas. Figura 6: idem. Fonte: Fornecidas pelo Práxis, EA-UFMG (2013), e pelo LabCidade, FAU-USP (2013) (apud AMORE; SHIMBO; RUFINO, 2015).

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de necessidades, há anseios específicos nas células familiares. São exemplos de HIS que flexibilizam a construção: a linguagem de padrões, de Christopher Alexander (tendo sido aplicado no Proyecto Experimental de Vivienda – PREVI, no Peru); a aplicação do método de Livingston, de Rodolfo Livingston; e os projetos de habitação social do arquiteto Alejandro Aravena, vencedor do prêmio Pritzker em 2016. Quando inseridos em condições precárias do ponto de vista urbano, abre-se espaço também para a dominação social de grupos organizados detentores de poder, como o tráfico de drogas ou as milícias. Por isso é tão prejudicial a alocação de moradores advindo de diversos assentamentos e comunidades diferentes, em um local desconhecido. O que as atuais ações representam no contexto das políticas habitacional e urbana O caráter populista atingido pelo PMCMV durante seus anos de implantação deu à população a ilusória sensação de resolução de um problema antigo no país: a questão urbana e fundiária da moradia. Aliado a isso, o grande sucesso com o público durante os primeiros anos do Programa maquiou as demais linhas de ação e estratégias estabelecidas anteriormente no PlanHab, fazendo com que essa medida econômica se tornasse prioridade e carro chefe da governança do partido até então eleito. Não se pode negar que, de fato, muito se debateu e em muito se avançou no que diz respeito à temática habitacional da nação desde a época do BNH até atualmente, diversas vezes tendo a questão em pauta graças a frentes sociais que participaram de modo ativo na construção de algumas cidades brasileiras. Entretanto, outros interesses aparentemente mais urgentes à nação prevaleceram, fazendo com que mais uma vez a reforma fundiária não ocorresse, apesar de diversas vezes pautada no discurso, inclusive na lei que dispõe sobre o PMCMV. A possível mudança nessa questão fundamental aparenta necessitar de outro alcance e outras formas de enxergar o problema, talvez na mudança do paradigma que nos faz acreditar em um sentido de ações que parte do Poder Público, a priori, e chega ao povo em forma de decisões já tomadas a nível governamental. Como experimentação e construção de alternativas para a questão da terra e da habitação, busca-se neste trabalho ampliar a escala de análise para uma possível aplicação de um estudo de caso. Nesse sentido, o capítulo 2 trará todas as questões habitacionais anteriormente discutidas agora analisando o município de Fortaleza, quais as consequências do rebatimento das ações do Governo Federal na capital do Ceará. Por fim, almeja-se aproximar a escala para um terreno no qual se trabalhará questões de planejamento e projeto para HIS.

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CAPITULO 02

O REBATIMENTO DO CONTEXTO NACIONAL NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA - O DESENVOLVIMENTO DE FORTALEZA - A INICIATIVA POPULAR NA DISCUSSÃO SOBRE MORADIA - A CRIAÇÃO DAS ZEIS EM FORTALEZA: IMPEDIMENTOS E AVANÇOS - HÁ COERÊNCIA ENTRE AS POLÍTICAS NACIONAL E MUNICIPAL? E AS POLÍTICAS LOCAIS HABITACIONAIS E URBANAS?



Figura 7: Mapa dos loteamentos em Fortaleza aprovados por década Fonte: BRASIL, 2016.

A partir de agora, será tratado neste segundo capítulo sobre o que ocorreu no município de Fortaleza-CE relativo à habitação de interesse social durante o período relatado no capítulo passado. Torna-se importante analisar os caminhos tomados pela administração local a partir de um contexto nacional, assim como as lutas populares que se desenvolveram no município, principalmente para se obter um paralelo de relação entre a política habitacional da nação e o que de fato se consolidou na cidade para esse alcance. Fortaleza, assim como outras cidades do Brasil, contou com um desenvolvimento baseado no perfil patrimonialista da sociedade, no qual poucos detinham grandes porções de terra e assim determinavam o controle social, como também na interferência do interesse privado nas decisões da esfera pública, logo, no crescimento da cidade. Grandes comerciantes se sobressaíram com as atividades desenvolvidas e começaram a possuir grandes pedaços de terra. Foram esses grandes proprietários, influenciando diretamente as ações do Poder Público, que determinaram o desenvolvimento urbano da cidade e ausência de planejamento urbano destinado ao atendimento da sociedade como um todo (BRASIL, 2016). Até então, os Planos anteriores a 1930 existiam com a finalidade de embelezamento e melhoramento da cidade e não contavam explicitamente 54

com a percepção das habitações precárias. Os assentamentos precários só foram citados em legislação municipal de Fortaleza no ano de 1932 com o Código de Obras e Posturas, entretanto, este não os incluía no desenvolvimento formal, mas sim, tentava afastá-los do perímetro urbano. A década de 1950 foi um momento de grande expansão urbana, tanto no ponto de vista da produção de loteamentos (como se pode observar na Figura 7), quanto no crescimento populacional proveniente da intensa migração advinda do interior, causada pelas secas. Há, portanto, nessa década, duas consequências para o desenvolvimento da cidade, uma para a cidade formal e outra para a cidade “informal”. Para a primeira, tem-se como resultado do monopólio de terras nas mãos de poucos, o processo intenso de loteamento da cidade sem um mínimo planejamento de expansão que tenha sido seguido de fato, e a consolidação de um mercado imobiliário restrito às famílias que detinham o poder. Para a segunda, tem-se o crescimento do processo de favelização da cidade por conta da população migrante que não tinha como adquirir moradia pelos meios padrões e passaram a ocupar a cidade de forma espontânea, muitas vezes comprometendo os recursos naturais (FREITAS; PEQUENO, 2011).


Até esse ponto, as iniciativas habitacionais tomadas pelo Estado, como os IAPs e a FCP, não tiveram impacto significativo no déficit habitacional em Fortaleza, visto que a produção foi bem limitada e a cidade continuou a crescer independente do que se montava no cenário nacional. Portanto, conclui-se que Fortaleza foi orientada por muito tempo pelo capital privado e sustentou a rejeição aos assentamentos precários que se formavam espontaneamente. Até se chegar ao momento de grande mobilização social em prol da temática habitacional, algum tempo depois, a cidade já estava consolidada, motivo este por ser tão difícil até hoje transformar o modo de desenvolver as questões sociais no planejamento urbano. Tendo iniciado no capítulo anterior a análise na escala nacional a partir de marcos de ações por parte do Estado quanto ao atendimento à política habitacional e urbana, e sendo o primeiro marco o período definido pela criação do Banco Nacional da Habitação, serão avaliados a partir deste capítulo os acontecimentos em Fortaleza que coincidem com o primeiro marco, ou seja, o ano de 1964. Assim, o primeiro tópico intitulado “2.1. O desenvolvimento de Fortaleza: do BNH à PNH” toma como ponto de partida a década de 60 em Fortaleza, e busca fazer um panorama histórico até o ano de 2008, parando no que se entende como a estagnação de um planejamento até então de

base e includente das questões habitacionais e fundiárias no Brasil, ainda que sem reflexo de ações propriamente ditas, trazendo o que aconteceu na cidade durante esse período; o segundo tópico intitulado “2.2. A iniciativa popular na discussão sobre moradia” faz um resgate das ações de mobilização da sociedade para inserir no debate público as questões emergentes, buscando também destacar a importância dos movimentos populares no que diz respeito principalmente à construção da revisão do Plano Diretor em 2009, incluindo na lei pela primeira vez as Zonas Especiais de Interesse Social da cidade; a partir disso, busca-se no tópico “2.3. A criação das ZEIS em Fortaleza: impedimentos e avanços” destacar como essas zonas foram classificadas no Plano Diretor, além de buscar traçar as ações que se seguiram desde essa inserção social na legislação municipal, analisando o que funcionou e o que não funcionou (inclusive o desmonte da política habitacional a partir desse instrumento, contrariando toda sua lógica de criação); Por fim, o tópico “2.4. Há coerência entre as políticas nacional e a municipal? E as políticas locais habitacionais e urbanas?” mostra dois caminhos do planejamento urbano que não se cruzam na prática, caracterizando um problema para a HIS e seu atendimento na cidade.

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2.1. O desenvolvimento de Fortaleza: do BNH à PNH Como dito anteriormente, o que antecedeu a década de 60 em Fortaleza foi um desenvolvimento urbano pensado por uma camada restrita da sociedade que buscava solucionar apenas seus interesses, ao mesmo tempo em que o Estado possuía pouca ação no setor habitacional com os Planos desenvolvidos, que ou não eram executados ou sequer continham a menção à camada mais carente da sociedade. Esse cenário continuou nos anos seguintes, o que agravou a situação da moradia irregular e firmou bases muito sólidas da dominação do capital imobiliário na cidade de Fortaleza. Brasil (2016) coloca que a década de 60 não contou com tantos loteamentos novos na cidade, mas, em compensação, houve muito parcelamento urbano CONTRÁDITORIO e a criação de espaços vazios entre eles, o que beneficiava a especulação imobiliária e a manutenção das localizações. O primeiro Plano Diretor (assim intitulado) da capital do Ceará foi desenvolvido no ano de 1963 por Hélio Modesto, entretanto, como tantos outros planos da época, houve referência as já numerosas favelas existentes, mas não houve relação entre planejamento e ação do Poder Público, com raras exceções ligadas à infraestrutura viária, o que fez com que o termo Plano Diretor fosse desacreditado e passasse a aparecer posteriormente com outros nomes (BRASIL, 2016): Apesar da identificação da problemática das favelas, já numerosas nesse período [...], o plano não tem propostas de intervenção para essas áreas; dessa forma, o que foi feito em relação à política habitacional esteve descolado do planejamento urbano. (BRASIL, 2016, p.67).

Segundo Freitas e Pequeno (2011), houve uma tentativa de coordenar a política habitacional nacional, até então representada pelos conjuntos habitacionais desenvolvidos através de fundos do BNH, com a política habitacional local do município, guiada através da Fundação do Serviço Social de Fortaleza (FSSF). Essa tentativa resultou num dos primeiros levantamentos de favelas da cidade, em 1973, constatando que cerca de 20% da população vivia em assentamentos precários. É importante observar que o BNH foi criado no ano de 1964, entretanto, uma primeira tentativa de implantação dessa política federal vinculada de fato a uma iniciativa municipal só apareceu na cidade nove anos depois, na qual, segundo Freitas e Pequeno (2011), não logrou sucesso, pois: “[...] grande parte dos conjuntos implantados pelo BNH não teve a população desses assentamentos precários como público-alvo [...]” (FREITAS; PEQUENO, 2011, p.487). No âmbito municipal, a mentalidade da época ainda era guiada pela ideia de “desfavelamento”, resultando muitas vezes no reassentamento de habitações precárias nas periferias, motivado por obras de infraestrutura. Por outro lado, a produção de habitação guiada pela iniciativa federal também era periférica, não necessariamente pelo motivo de “desfavelização” das áreas centrais, mas porque a terra era mais barata; porque não se estava preocupado com o desenvolvimen56


to urbano da cidade como um todo; porque facilitava a viabilização massiva da habitação.

Figura 8: Loteamentos aprovados até a década de 1970, as favelas identificadas nessa década, e o grandes conjuntos habitacionais BNH Fonte: BRASIL, 2016.

A produção habitacional do município era de tal forma desconectada com a política nacional em um dado momento, que a produção de ambas se mostrava independente1 . O que diferenciava a produção municipal em um primeiro momento era a quantidade de unidades habitacionais inferiores e certa aproximação, em alguns casos, das novas habitações com as favelas reassentadas. A mudança desse padrão ocorreu com os conjuntos habitacionais Marechal Rondon e Palmeiras (MÁXIMO, 2012), como se pode perceber na tabela abaixo, que passaram a prover mais UHs e em locais mais afastados, assimilando-se à lógica do BNH. Figura 9: Produção habitacional por entidades independentes do SFH em Fortaleza (1969-1978) Fonte: adaptado de CEARÁ (1978, apud MÁXIMO, 2012)

Figura 10: Nove maiores conjuntos habitacionais construídos na RMF pelo BNH Fonte: adaptado de CEARÁ (1978, apud MÁXIMO, 2012)

1 Com exceção de quatro empreendimentos resultando uma parceria entre FSSF e BNH (MÁXIMO, 2012).

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O órgão público que intermediava as ações em Fortaleza da política de habitação da nação, centrada no funcionamento do BNH, era a Companhia de Habitação do Ceará (COHAB-CE), que tinha como finalidade fazer a conexão com o Banco mediante recolhimento de fundos para empréstimos e contratando as construtoras responsáveis pela produção das habitações na cidade, fazendo posteriormente sua comercialização. Como o foco do programa nacional passou a ser a classe econômica por razão da possibilidade de comprometimento com financiamento, e não mais a classe de menor renda (até 3 S.M.), os conjuntos habitacionais construídos passaram a abrigar não necessariamente a população proveniente de favelas, mas sim a população que não podia arcar com os preços elevados da terra nas outras localizações da cidade e buscavam moradia acessível. Segundo Máximo (2012), essa produção para o setor econômico era enorme, atendendo cerca de 1/5 da população fortalezense da época. Por essa dimensão, o autor coloca que muitos conjuntos habitacionais produzidos se transformaram em grandes núcleos, que, posteriormente, iriam virar o que hoje se entende por alguns bairros da cidade, adotando o mesmo limite do empreendimento para o limite político-administrativo (MÁXIMO, 2012). O autor descreve esses casos como “conjuntos-bairros”. Com a ocupação de áreas mais afastadas do Centro, acelera-se o processo de crescimento da mancha urbana da Região Metropolitana de Fortaleza. Segundo Máximo: A implantação destes conjuntos habitacionais de grande porte como o Conjunto Ceará, localizado no setor sudoeste da cidade, propiciou a conturbação com Caucaia [...]. Na parte Sul de Fortaleza, em grande trecho de seu setor periurbano, outros grandes conjuntos habitacionais, como o Esperança, o Jangurussu e o São Cristóvão, proporcionaram a integração da malha urbana entre Fortaleza e Maracanaú. (MÁXIMO, 2012, p.127).

Figura 11: Aerofoto localizando os conjuntos no espaço urbano metropolitano de Fortaleza Fonte: MÁXIMO, 2012.

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Esta ligação com a malha metropolitana ocorreu também na forma de lei, em 1970, na qual “Fortaleza tornou-se região metropolitana (Região Metropolitana de Fortaleza – RMF) de forma compulsória, através da Lei Complementar nº 14/73” (BRASIL, 2016, p.69). Ainda segundo Brasil (2016), o próximo Plano da cidade foi nomeado Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza (PLANDIRF), de 1972, entretanto, apesar da crescente produção de habitação próxima às cidades limítrofes, o plano não agiu muito baseado no planejamento urbano e habitacional, basicamente teve as ações voltadas para as questões de infraestrutura viária. O Promorar e o Proafa: período final do BNH A partir daqui, analisa-se o rebatimento no município dos anos finais do programa do BNH, equivalente aos anos de 1973 a 1986, que, apesar de seus acontecimentos não terem sido tão significativos na escala da nação, Fortaleza contou com um desenvolvimento diferenciado das outras cidades nesse período, o que permitiu certa ligação entre a política nacional com a municipal e inovação do modo de pensar a habitação na cidade. Essa ligação se deu a partir da criação do Programa de Erradicação da Sub-habitação (Promorar). Este Programa nacional foi pensado ainda dentro da proposta do Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP) e do BNH, quando estes se estruturavam para tentar atender à camada com renda mais baixa da população, ao contrário do que vinha acontecendo até então1 . Segundo Máximo: [...] este programa tinha por finalidade, através da construção de novas moradias, a erradicação de habitações desprovidas de condições mínimas de salubridade, além do estímulo ao desenvolvimento comunitário e da melhoria de infraestrutura urbana. (MÁXIMO, 2012, p. 136).

Segundo o mesmo autor, a diferença entre a atuação do Promorar em Fortaleza e nas demais cidades brasileiras ocorreu na medida em que, em 1979, o Governo do Estado criou um núcleo de secretaria chamado Fundação Programa de Assistência às Favelas da Área Metropolitana de Fortaleza (Proafa), com a finalidade de executar o que havia sido estabelecido pelo Promorar, enquanto outros estados utilizaram a própria estrutura existente das COHABs para realizar tais ações (o que não se mostrou favorável à efetivação da proposta do programa). A estruturação dessa secretaria “ocorreu em virtude de uma conjuntura política local, específica e favorável” (MÁXIMO, 2012, p.137). Isso indica, numa visão bem ampla da questão, que as ações voltadas para a erradicação da habitação precária acontecem, até certo ponto, se contarem com a predisposição do setor da administração pública para viabilizar as ideias pensadas e de mobilização social favorável. Máximo (2012) coloca que, na época, o interesse vinha por parte do Estado, que, além de preocupado com a crescente de favelas na cidade, contava com políticos que almejavam a ocupação de cargos maiores futuramente (caracterizando regime clientelista no estado do Ceará); e por parte da população, que já se organizava internamente em lutas a favor da habitação, não exclusivamente nas 1 Ainda com essa tentativa, a faixa de renda média de 3,5 S.M. predominou nos atendimentos do Promorar (MÁXIMO, 2012).

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áreas periféricas.

Figura 12: Conjuntos Habitacionais Construídos pela Proafa através do Promorar Fonte: Adaptado de BRAGA (1995:167) e COHAB (2000:62) (apud MÁXIMO, 2012).

Um pouco antes do fim do Programa, é importante destacar que o Promorar executou a construção de novas habitações em regime de mutirão, no Conjunto João Paulo II. Os próprios moradores faziam o papel dos construtores e ajudavam na prestação de serviços da construção civil, fazendo fundações, levantando paredes, colocando revestimentos, dentre outras etapas. Com isso, barateavam-se os custos adicionais que iriam ser gastos numa possível contratação de construtoras. Destacam-se também os processos participativos realizados nesse regime, nos quais os moradores eram peças essenciais para definir a configuração habitacional mediante necessidade familiar. Apesar de alguns problemas e inconsistências de planejamento estratégico durante o início do mutirão, foi uma ferramenta de experimentação importante configurando um processo participativo legítimo. Colaborou com o sucesso da ação social o fato de existir uma secretaria especializada (a Proafa) contendo profissionais capacitados que forneceram além de apoio no planejamento de novas moradias, assistência técnica em geral. A atuação dessa secretaria teve fim no ano de 1987, um ano após o fim do BNH. Máximo (2012) afirma que o Promorar, impulsionado pela Proafa, ainda que cheio de inovações e atendimento à camada mais carente, foi pouco expressivo na diminuição do déficit (atendeu apenas cerca de 7,85% das habitações precárias totais). Entretanto, sua lógica de ação, que priorizava o atendimento de melhoramento habitacional e apenas a utilização de reassentamentos quando convinha; juntamente com a mobilização social; ainda, com o impulso institucional na criação de uma secretaria própria e com corpo técnico especializado; serviu de experimentação de uma política habitacional local inclusiva e preocupada com a qualidade da provisão de moradia, mesmo que com o forte aspecto clientelista. Período pós-BNH O que se seguiu, no Brasil, foi um período de estagnação da temática habitacional (que não foi uma completa paralização, mas não teve resultados expressivos). A crise institucional entre os anos de 1985 e 1989, com o fim do BNH e o aperto na economia nacional, fez com que Fortaleza apresentasse uma alta taxa de desemprego, inadimplência com os financiamentos das habitações, aumento das invasões e apropriações do espaço para moradias precárias. A ideia do regime de mutirões permaneceu no planejamento tanto estadual quanto municipal, dentro de um planejamento federal

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intitulado Programas de Mutirões Habitacionais. A escala de atendimento do Governo Estadual foi por vezes maior que o alcance municipal, que não concordou com muitos procedimentos estabelecidos para realização do mutirão. Entretanto, a estrutura institucional da Proafa aos poucos foi sendo esvaziada pelo Governo Estadual seguinte, na intenção da não atribuição ao Governo anterior aos resultados. Apesar de, no contexto nacional, em 1988, ter sido aprovado o texto da Constituição Federal, que como dito anteriormente discorre sobre vários aspectos legais da política urbana e fundiária, ocorreu em Fortaleza nesse período um momento de desmonte das ações mais significativas do município e do estado do Ceará quanto à questão habitacional. Esse desmonte institucional ocorreu nacionalmente, no qual várias secretarias criadas para atender à temática foram desativadas, o que fez com que as ações nesse campo ficassem fragmentadas e pouco significativas. Segundo Pequeno (2011, apud MÁXIMO, 2012, p. 170): Você tem em 1988 a municipalização. Esse processo, no entanto, não acontece da noite para o dia. (...) São treze anos até a aprovação do Estatuto da Cidade que será uma base importante para municipalização da política de habitação. Então, a política de habitação, vai ter nos primeiros anos dificuldade de ser municipalizada porque as COHABs ainda existem. O que vai acontecer é que, na década de 1990, o Estado vai começar a recuar. Vai haver o enxugamento da máquina administrativa. E uma das áreas que o governo federal – assim como os estaduais, que vão seguir essa cartilha – quem promove a municipalização é a habitação. Os governos estaduais vão seguir a cartilha neoliberal, e uma das áreas, um dos setores que vão sumir é o habitacional. As pressões vão para as prefeituras, vão para as cidades. E aí que há essa forçação de barra pras prefeituras assumirem o tema. E nisso de assumir, é o tempo da CAIXA já ir criando os procedimentos pensando nas políticas, pensando no Habitat Brasil BID, que vai ser o primeiro instrumento pra realmente viabilizar tentativas de municipalização da política habitacional. (2011, apud MÁXIMO, 2012, p. 170).

Em 1991, a população que habitava as favelas de Fortaleza já representava 30% da população total (BRASIL et al, 2016) (ver Figura 13). Figura 13: Evolução dos assentamentos precários em Fortaleza no ano de 1991 Fonte: BRASIL et al, 2016.

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Seguindo as tendências dessa municipalização, em 1992, Fortaleza aprova o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Fortaleza (PDDU-FOR), que segundo BRASIL (2016): [...] assegurou, em suas diretrizes gerais, o cumprimento da função social da terra urbana, a regularização fundiária, a participação popular a partir de conselhos, o fundo de terras municipal, entre outros assuntos. Para garantir isso, tratou da regulamentação da produção do espaço, abordando o zoneamento com seus indicadores de ocupação e tipos de usos permitidos, os vazios urbanos, o sistema de transporte e os sistemas viário e de circulação, a infraestrutura urbana e o sistema de planejamento e gestão. (BRASIL, 2016, p.75)

Além disso, definiu as Secretarias Regionais e incluiu no seu texto alguns instrumentos do Estatuto, antes mesmo dele ser aprovado (o que vem a ocorrer no ano de 2001). Apesar da abrangência, as ações que se consolidaram de fato não condiziam com as ideias brandas do PDDU expostas no papel. Desse modo, o que vinha enfraquecendo no cenário do município sobre a questão da moradia, permaneceu dessa forma, até que um novo cenário nacional de estruturação de bases surgiu, em 2001, e influenciou as cidades brasileiras com o passar dos anos. A partir do Estatuto da Cidade Após esse período de não-avanços no que diz respeito a política habitacional do município, a cidade volta a se organizar internamente a partir da aprovação da lei federal que dispõe sobre o Estatuto da Cidade. De fato, muitas cidades brasileiras seguiram o mesmo caminho, revisando seus planos diretores a fim de inserir os instrumentos citados pelo Estatuto. Essa fase é caracterizada por Villaça (2004, apud BRASIL, 2016) como o período dos planejamentos participativos nas cidades brasileiras, como forma de reação à fase anterior que caracterizava o planejamento urbano como “a ideologia dos planos diretores”. No contexto nacional, a lei do Estatuto da Cidade foi aprovada em 2001, o MCidades foi implantado em 2003, e uma sucessão de eventos institucionais aconteciam no país a fim de estabelecer uma Política Nacional da Habitação até meados de 2008. A partir daí, vários municípios brasileiros iniciaram o processo de revisão de seus planos diretores, inclusive Fortaleza, que o iniciou no ano de 2002. Apesar da aprovação do Estatuto, os processos de retomada da luta pela habitação foram retornando de forma bem lenta, pelo menos no que diz respeito às ações do Poder Municipal. Enquanto isso, a mobilização social era intensa e aumentava cada vez mais em Fortaleza, impulsionada dentre outras coisas pela mobilização do país em geral e do sentimento de democracia influenciado pela Constituição e pelo Estatuto. Como prova, tem-se a manifestação de insatisfação do caráter tecnicista da revisão do PDDU de Fortaleza, fazendo com que ele só fosse de fato aprovado no ano de 2009 com o nome de Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDPFor) após incluir em seu texto algumas reivindicações públicas. Relativo a esse período, optou-se por destaca-lo da narrativa geral e colocá-lo em outro tópico, para enfatizar a representação da luta popular pelo direito à moradia, fato este que permitiu à socieda62


de o atendimento de diversas demandas e a possibilidade de organização, mobilização, pressão e planejamento que lograram alguns benefícios para os fortalezenses em geral.

2.2. A iniciativa popular na discussão sobre moradia Algumas manifestações pulverizadas de organização popular podem ser percebidas ao longo da história em Fortaleza. Esses grupos refletem uma necessidade social de organização e busca de equacionamento das problemáticas que atingem principalmente a população de baixa renda, historicamente não atendida em suas necessidades básicas e não incluídas no planejamento urbano. Em 1982 surge na cidade uma frente de luta chamada Federação de Entidades de Bairros e Favelas de Fortaleza (FBFF), com a finalidade de: [...] contribuir com a mobilização e a organização do movimento comunitário, objetivando levar os moradores dos bairros a resgatar seus direitos de cidadania e engajar-se de forma prepositiva na elaboração das políticas públicas da cidade e, em nível maior, nas próprias decisões nacionais. (FEDERAÇÃO DE BAIRROS E FAVELAS DE FORTALEZA, 2011).

Daí em diante, o movimento popular cresceu, principalmente no período que coincide com a aprovação da Constituição de 1988 e demais mobilizações pela habitação no território nacional. Em março de 1991, surgiu em Fortaleza uma ONG chamada Centro de Estudos, Articulação e Referência sobre Assentamentos Humanos (CEARAH Periferia), que foi durante muito tempo responsável pelo debate popular no âmbito do urbanismo e da habitação, mobilizando grupos e reivindicando direitos junto à população de baixa renda. O CEARAH Periferia foi muito importante nesses anos que seguiram a revisão do Plano Diretor de Fortaleza principalmente por se fazer ativo no exercício de democracia e por unir luta de frentes similares. Dentre as ações que obtiveram ganhos significativos para a população, cita-se aqui a criação da Escola de Planejamento Urbano e Pesquisa Popular, que articulou e formou: [...] lideranças atuantes na questão habitacional e urbana [...] um processo longo de formação e informação, de capacitação e discussão sobre a cidade que [...] não surgiu repentinamente. As pessoas ali capacitadas saíram capazes de atuar em frentes para elaborações de projetos sociais, além de muitas lideranças formadas na época que atuam hoje nas frentes mais recentes de discussão do acesso à moradia. (BRASIL et al, 2016, p. 5).

Percebe-se que as organizações sociais surgiram de uma necessidade de luta por direitos, já que estes não eram atendidos naturalmente no processo de construção da cidade. O fato de ter existido em um dado momento uma Escola de Planejamento que capacitou diversos atores sociais, por iniciativa própria da população, enfatiza ainda mais o poder mobilizador que a sociedade possui para atingir seus objetivos de democracia, e remete ainda ao que foi citado no capítulo anterior deste trabalho sobre a necessidade de disseminação do conhecimento para equilibrar forças que atualmente 63


se mostram assimétricas de poder. O que se via na Escola de Planejamento não era nada avançado no que diz respeito aos setores de arquitetura, urbanismo e economia, mas sim conteúdos básicos que permitiam aos envolvidos ter respaldo na exigência de seus direitos estabelecidos pela lei. Desse modo, quando o Poder Público se propôs a revisar o PDDU em 2002, em um processo fechado, sem participação e apresentando conteúdo fraco (BRASIL, 2016), houve movimentação por parte da sociedade civil para impedir o avanço do mesmo. A revisão do Plano já havia sido vetada pelas autoridades, em uma primeira tentativa de entrega, por não constar participação pública em seu processo (MÁXIMO, 2012), ainda que a Constituição e o Estatuto deixassem bem clara a importância dessa ferramenta. Mesmo assim, em 2004, a revisão foi entregue à Câmara Municipal para aprovação como Projeto de Lei do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Fortaleza (PDDUA-FOR). Devido às diversas inconsistências, também graças à organização popular que estava bastante intensa e atuante na época, influenciada pela ideologia posta no Estatuto da Cidade, foi feita uma denúncia formal ao Ministério Público das diversas irregularidades contidas no Projeto de Lei. Como narra Brasil (et al, 2016): Uma ação da sociedade civil (representada pela Federação de Entidades de Bairros e Favelas de Fortaleza – FBFF) junto ao Ministério Público suspendeu a votação do Plano na Câmara. Foi o primeiro caso no Brasil sobre um processo de votação ser barrado pela população, atraindo olhares de pesquisadores e estudiosos do assunto, segundo conta a Entrevistada 2. Após a suspensão, já na gestão da prefeita Luizianne Lins (2005-2008), o PDDUA foi retirado da pauta e começou-se a elaboração de um novo Plano Diretor Participativo. (BRASIL et al, 2016, p. 5).

Dessa forma, um novo processo de revisão foi montado, com a contratação de novos técnicos e a intensa pressão popular para que se fizessem presentes as reivindicações pautadas. O Plano enfim foi aprovado no ano de 2009 com o nome de Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDPFor), tendo algumas pautas sido colocadas graças à pressão da sociedade, na qual se destaca as ZEIS, citadas pela primeira vez em Fortaleza dentro da estrutura do Plano Diretor. Cabe aqui fazer algumas observações do que se entende como conquistas alcançadas e não alcançadas na aprovação do PDPFor. De início, enfatiza-se a vitória de ter inserido no PDPFor o instrumento das ZEIS, aproximando a cidade ainda mais (em tese) de um planejamento includente e integrado entre o setor habitacional e urbanístico. Apesar de óbvia, a delimitação dessas Zonas espacialmente também se apresenta como uma conquista, visto que algumas cidades chegaram a citar as ZEIS em seus respectivos Planos, mas não definiram seus limites, o que freou ainda mais o processo de regularização e implantação desse instrumento. Por outro lado, Brasil (et al, 2016) cita: [...] segundo a Entrevistada 2, nas duas audiências finais de fechamento do Plano, ainda era possível encontrar erros relacionados ao macrozoneamento da cidade. Ela lamenta dos acordos que foram feitos para que as ZEIS fossem consideradas no Plano em detrimento das demais reivindicações populares, bem como o não fortalecimento da pauta dos demais instrumentos urbanísticos que servem como apoio às ZEIS, como o

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IPTU Progressivo no Tempo. (BRASIL et al, 2016, p. 5).

Portanto, os demais instrumentos que deveriam servir de apoio às ZEIS não foram tratados com a devida importância. Até mesmo a própria ZEIS, embora definida pelo PDPFor, levou anos para avançar de fato na sua regularização, estando atualmente em andamento num processo lento e burocrático. A seguir, a temática das ZEIS será melhor estudada, a fim de buscar entender os impasses existentes que as impedem de transformar a lógica habitacional e urbana na cidade de Fortaleza para atender as camadas sociais mais baixas da população.

2.3. A criação das ZEIS em Fortaleza: impedimentos e avanços Como já dito anteriormente, quando o PDPFor foi enfim publicado em 2009, seu texto apresentava o instrumento de ZEIS e, em anexo, um mapa com os limites de cada ZEIS estabelecida. Ao todo, são três tipos de ZEIS em Fortaleza: Art. 126 - As Zonas Especiais de Interesse Social 1 (ZEIS 1) são compostas por assentamentos irregulares com ocupação desordenada, em áreas públicas ou particulares, constituídos por população de baixa renda, precários do ponto de vista urbanístico e habitacional, destinados à regularização fundiária, urbanística e ambiental. Art. 129 - As Zonas Especiais de Interesse Social 2 (ZEIS 2) são compostas por loteamentos clandestinos ou irregulares e conjuntos habitacionais, públicos ou privados, que estejam parcialmente urbanizados, ocupados por população de baixa renda, destinados à regularização fundiária e urbanística. Art. 133 - As Zonas Especiais de Interesse Social 3 - ZEIS 3 - são compostas de áreas dotadas de infraestrutura, com concentração de terrenos não edificados ou imóveis subutilizados ou não utilizados, devendo ser destinadas à implementação de empreendimentos habitacionais de interesse social, bem como aos demais usos válidos para a Zona onde estiverem localizadas, a partir de elaboração de plano específico. (FORTALEZA, 2009). Figura 14: ZEIS do PDPFor 2009 Fonte: BRASIL, 2016.

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A inserção desse instrumento no Plano Diretor significou para a cidade, principalmente àqueles inseridos em áreas de assentamentos irregulares, maior segurança no que diz respeito à dinâmica imobiliária que ameaça constantemente esses locais. Diz-se de segurança, pois, apesar de não ter ocorrido um processo que regulamentasse essas zonas, só o fato de estarem situadas nessa delimitação respalda a população para lutar contra remoções forçadas, a partir do que se estabelece no Estatuto da Cidade. Foi o que aconteceu com o caso do Lagamar, uma ZEIS com localização privilegiada na cidade e constantemente ameaçada por estar em local estratégico. Acerca desses conflitos, segundo o Observatório das Metrópoles (2016, apud BRASIL et al, 2016): A mais recente e emblemática foi a tentativa de desapropriação de mais de 300 famílias por conta das obras de mobilidade na época da Copa do Mundo de 2014: a previsão de implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e a construção de uma rotatória próxima à comunidade (OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES apud BRASIL et al, 2016, p. 7).

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Mas, por estar inserida em terreno de ZEIS, também pela organização e mobilização popular que negou as medidas que estavam sendo tomadas pelo poder público a partir dos interesses privados, as 300 famílias não foram desapropriadas na totalidade, mas sim um pouco mais de 10. Ainda mais recente, tem-se o caso da Comunidade Vila Vicentina da Estância, ZEIS 1 que possui como terreno o equivalente a uma quadra no bairro Dionísio Torres (delimitação oficial da Prefeitura de Fortaleza). Essa ZEIS foi alvo de ameaça de remoção no ano de 2016. O motivo seria a reintegração de posse para o Conselho Central de Fortaleza da Sociedade São Vicente de Paulo, que se afirmava proprietário daquele local, o qual havia vendido para uma construtora. A incoerência do discurso chegou ao ponto de ser assinada uma ordem judicial para cumprimento das desapropriações em ZEIS (DEFENSORIA PÚBLICA GERAL DO ESTADO DO CEARÁ, 2016), bem como a emissão de um parecer da Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA), desfazendo a particularidade da delimitação de ZEIS daquela quadra (BRASIL; CAVALCANTI; CAPASSO, 2017). Ambas as medidas foram futuramente barradas com auxílio da defensoria pública, do Escritório Frei Tito e outros representantes do meio acadêmico e da sociedade civil. O saldo final foi de 25% dos moradores retirados antes que se conseguisse barrar as ações de remoção. A postergação do processo de criação de uma lei que regulamentasse as ZEIS em Fortaleza impactou negativamente a política urbana e fundiária local. Isso porque, enquanto esse momento não chegava, o setor imobiliário e a própria prefeitura aproveitavam brechas para permitir a efetivação de ações que vão de encontro com a lógica do atendimento, mediante planejamento urbano, da sociedade fragilizada pelo desenvolvimento desigual da cidade. Na verdade, levando em consideração que a Constituição e o Estatuto, quando trouxeram capítulos que defendiam integralmente a segurança fundiária e urbanística dessa população, indo de encontro com os interesses até então defendidos, era de se prever que algo como o desmonte desse instrumento tão importante acontecesse nas cidades, como foi o caso de Fortaleza. A seguir, busca-se trazer um panorama geral dessas perdas


contabilizadas para essa população. Período de estagnação das ZEIS e retrocessos Brasil (et al, 2016) expõe três momentos em que a falta da regulamentação das ZEIS trouxe perdas para esse instrumento na cidade. a) Perda Progressiva para ZEIS 3 Primeiro, fala-se da perda progressiva de terreno em ZEIS do tipo 3 (ZEIS de vazio) estabelecida no próprio Plano Diretor. Coloca-se que: “[...] passados seis meses da publicação dessa Lei (PDPFor), a cada um ano em que a ZEIS 3 não for regulamentada pelo Executivo Municipal, perde-se 5% dos terrenos vazios contidos nessas áreas.” (BRASIL et al, 2016, p. 7). Na realidade, pela ausência de lei específica e pela carência de fiscalização voltada para esse assunto, perdeu-se em Fortaleza muito mais do que se deveria a partir do que está descrito em lei. É um retrocesso a partir do momento em que esses terrenos são de suma importância para reserva de terras para construção de HIS o mais próximo possível da sua habitação de origem, quando se propõe a abrigar reassentamentos, ou em áreas minimamente dotadas de infraestrutura, quando se propõe a atender a demanda futura por habitação. É curioso observar que uma dessas supressões de terrenos em ZEIS 3 ocorreu para abrigar uma secretaria municipal que trata justamente do aspecto urbano: a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA) (BRASIL et al, 2016). b) Destituição de vazios em ZEIS 1 Em segundo lugar, fala-se da Lei Complementar de nº 0108/2012 que dispõe sobre a destituição de terrenos vazios quando estes estiverem inseridos em ZEIS 1, passando a obedecer aos parâmetros da Zona Urbana que estiver inserido de acordo com o macrozoneamento do PDPFor. Essa medida vai de encontro com toda a lógica da zona especial que busca proteger a população ali assentada da influência do mercado imobiliário, inclusive determinando parâmetros não atrativos para esse setor comercial. Com a destituição desses vazios em ZEIS 1, o instrumento passa a ser incubador da valorização imobiliária, lógica extremamente cruel do ponto de vista econômico, urbanístico e fundiário, demonstrando o desmonte que o instrumento vem sofrendo com o tempo na cidade. c) Desapropriações Por último, Brasil (et al, 2016) cita as desapropriações do Lagamar por conta das obras de infraestrutura viária no período da Copa do Mundo de 2014. Apesar de terem sido minimizadas pela intensa pressão popular, essas desapropriações demonstram que o Poder Público compactua com certas ações excludentes e que, se não houvesse população mobilizada, seria provável a execução de tais ações. 67


Acrescenta-se para esse ponto também o caso da Vila Vicentina, que ainda não havia ocorrido à época da publicação do trabalho de Brasil (et al, 2016). Elementos de fortalecimento da luta das ZEIS em Fortaleza Apesar dos retrocessos, alguns aspectos positivos ocorreram no município e fizeram com que a pauta da moradia popular estivesse constantemente em curso, em maior ou menor intensidade, seja pelas ações do Poder Público, seja pelas pressões exercidas pela sociedade organizada (apesar da primeira constantemente ter relação de efeito pela segunda). Dessa forma, serão pautados neste trabalho três pontos importantes que configuram a luta pelo direito à moradia na cidade de Fortaleza: a elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), produto essencial que montou um diagnóstico dos assentamentos precários em Fortaleza no ano de 2012; as etapas alcançadas por parte do Poder Público, com ajuda da sociedade civil, para se chegar à regulamentação das ZEIS, ainda que o processo não tenha sido finalizado; e a atual movimentação de um Plano Popular para as ZEIS do Bom Jardim, configurando uma importante frente de ação que incentiva a população, com apoio de profissionais principalmente do meio acadêmico, à protagonizar essas frentes de defesa do direito à cidade. a)A elaboração do PLHIS O PLHIS é uma importante ferramenta para o planejamento urbano das cidades e é também um dos objetos mínimos exigidos pelo SNHIS para que os municípios acessem o FNHIS, além da criação de um Fundo Municipal e de um Conselho Gestor desse fundo local. Nesse sentido de captação dos recursos federais para atuar na questão da moradia, Fortaleza instituiu o Conselho Municipal de Habitação Popular (COMHAP) e o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS) no ano de 2006. O COMHAP, entretanto, não é uma estrutura de atuação regular. A elaboração de um PLHIS exigia um esforço maior, principalmente institucional, pois é necessária uma equipe técnica capacitada e tempo hábil para um diagnóstico preciso da situação habitacional e o apontamento de prioridades para o atendimento das necessidades de moradia da população. Dessa forma, o processo de elaboração do Plano se iniciou em 2010 e teve a Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (HABITAFOR) à frente da coordenação, que entregou o Plano no ano de 2012 contendo cinco produtos. Esses produtos foram elaborados em três etapas, na qual a primeira dizia a respeito da elaboração e proposta metodológica; a segunda dizia a respeito ao diagnóstico das necessidades habitacionais de Fortaleza bem como do quadro político-institucional do governo local; e a terceira dizia respeito ao plano de ação e estratégias a partir do que se constatou nas etapas anteriores.

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Figura 15: Assentamentos mapeados nas oficinas após checagem técnica Fonte: FORTALEZA, 2012.

LEGENDA PLHIS Assentamentos Precários

ZEIS ZEIS de ocupação ZEIS de conjuntos habitacionais ZEIS de vazios

2.5

0

2.5

Figura 16: Assentamentos mapeados no PLHIS e ZEIS em Fortaleza Fonte: Produção própria.

5 km

A metodologia de diagnóstico das informações foi sistematizada em duas leituras: a leitura técnica e a leitura social. Com isso, conseguiu-se chegar a uma aproximação da realidade dos assentamentos precários em Fortaleza, que foram estimados em aproximadamente 843 unidades. b) O processo de regulamentação das ZEIS Em 2013, o então prefeito Roberto Cláudio (2013-2016) institui o Comitê Técnico Intersetorial e Comunitário das Zonas Especiais de Interesse Social, por meio do Decreto de nº 13.241/2013. Essa formação, de acordo com o texto da lei, vem na intenção de reunir informações que deveria resultar em um relatório, uma espécie de diag-

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nóstico, servindo para subsidiar o prefeito na tomada de decisões quanto à regulamentação das ZEIS em Fortaleza. Segundo o Decreto, o Comitê deveria ser composto por 29 membros, dos quais 18 seriam representantes das instâncias governamentais e os demais seriam parte da sociedade civil, incluindo representantes de nove ZEIS de Fortaleza (Lagamar, Pirambu, Poço da Draga, Praia do Futuro, Moura Brasil, Mucuripe, Serviluz, Pici e Bom Jardim) (ver Quadro 5, relativo aos membros do Comitê segundo o Decreto). O Órgão Municipal responsável pela coordenação das atividaCOMPOSIÇÃO DE REPRESENTAÇÃO DO COMITÊ TÉCNICO INTERSSETORIAL E COMUNITÁRIO DAS ZEIS a) 1 (um) representante do Instituto de Planejamento de Fortaleza (IPLANFOR); b) 1(um) representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Habitacional (HABITAFOR); c) 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente – SEUMA; d) 1 (um) Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão (SEPOG); e) 7 (sete) representantes das Secretarias Regionais, sendo um por regional; f) 1 (um) representante da Secretaria Municipal da Infraestrutura – SEINF. g) 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Saúde; h) 1 (um) representante da Secretaria de Educação; i) 1 (um) representante da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE); j) 1 (um) representante da Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho e Combate à Fome; k) 2 (dois) representantes da Secretaria da Segurança Cidadã, sendo um deles da Defesa Civil; l) 1 (um) representante da Coordenadoria de Participação Popular; m) 1 (um) representante da Secretaria de Direitos Humanos; n) 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Finanças (SEFIN); o) 1 (um) representante da Secretaria de Serviços Públicos e Conservação; p) 1 (um) representante da Procuradoria Geral do Município; q) 1 (um) representante da Empresa de Transportes Urbanos de Fortaleza (ETUFOR); r) 09 (nove) representantes das ZEIS, convidados pelo Prefeito Municipal; s) 1 (um) representante da organização não governamental Centro de Estudos, Articulação e Referência sobre Assentamentos Humanos (CEARAH Periferia); t) 1 (um) da Federação de Entidades de Bairros e Favelas de Fortaleza; REPRESENTANTES DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL: 18 REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL: 11

Quadro 5: Composição dos membros participantes do Comitê das ZEIS Fonte: Decreto Nº 13.241/2013, organizado pela autora, 2012).

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des do Comitê foi o Instituto de Planejamento de Fortaleza (IPLANFOR), com a colaboração da HABITAFOR, apesar de se dizer da não representatividade intensa dessa última secretaria, denunciando a desconexão da política habitacional e urbana da cidade (BRASIL et al, 2016). Participaram também membros do meio acadêmico e organizações não governamentais que foram se inserindo no debate nas reuniões mesmo sem estarem contemplados na listagem de representantes convocada em decreto pelo prefeito de Fortaleza, como foi o caso do Laboratório de Estudos de Habitação da Universidade Federal do Ceará (LEHAB/UFC). Dessa forma, as reuniões foram iniciadas em 2014 e finalizadas em 2015, ultrapassando o prazo preestabelecido em Decreto de 120 dias para a geração do Relatório das ZEIS. O atraso se deu por solicitação da própria sociedade civil integrante do Comitê, que considerou o prazo dado demasiadamente curto para gerar um relatório completo e analisar com precisão o que lhes seria repassado como diagnóstico das ZEIS atualmente. Também, mostrou-se necessária uma capacitação do Comitê para equilibrar o conhecimento técnico


de todos acerca de algumas temáticas, como, por exemplo, o conteúdo do PLHIS, que foi a principal fonte para banco de dados na geração do diagnóstico. Outra reivindicação da sociedade foi o fato de não haver equipe técnica suficiente para realização de atualizações desse diagnóstico em campo, visto que a fonte principal (o PLHIS) havia sido confeccionada nos anos de 2010-2012. Foi desenvolvida uma metodologia específica para a sistematização desses dados, levando em consideração as informações mínimas solicitadas em Decreto que o Relatório deveria contemplar, bem como o fato de o PLHIS ter reunido dados acerca dos assentamentos precários em Fortaleza, não configurando ou diferenciando necessariamente as áreas de ZEIS, como também a inclusão de novos dados a partir de informações disponibilizadas por outras secretarias municipais. O Comitê, portanto, desenvolveu-se como uma instância participativa, da qual foram acatadas diversas proposições sugeridas através das reuniões. Como produto, foi gerado o Relatório das ZEIS, que segundo Brasil (et al, 2016), teve como proposições de destaque: Criação da Comissão de Proposição e Acompanhamento da Regulamentação das ZEIS, de caráter temporário, vinculada ao gabinete do prefeito”; “Definição de instância de governo responsável pela coordenação definitiva da implementação das ZEIS”; “Instituição de um fundo público para as ZEIS”; “Inclusão de programas e ações destinados às ZEIS nos instrumentos de planejamento (LOA, LDO e PPA)”; “Criação de novas ZEIS 1 e ZEIS 3, a partir dos dados do PLHIS/Relatório das ZEIS, atendendo aos critérios do Plano Diretor Participativo de Fortaleza-2009. (BRASIL, et al 2016, p. 9).

A criação dessa Comissão elencada no Relatório tinha como COMPOSIÇÃO DE REPRESENTAÇÃO DA COMISSÃO DE PROPOSIÇÃO E ACOMPANHAMENTO DA REGULAMENTAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DAS ZEIS I Do Poder Público Municipal: a) 1 (um) representante do Instituto de Planejamento de Fortaleza (IPLANFOR); b) 1(um) representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Habitacional (HABITAFOR); c) 1 (um) representante da Secretaria Municipal do Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome – SETRA; d) 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente – SEUMA; e) 7 (sete) representantes das Secretarias Regionais, sendo um por regional; f) 1 (um) representante do Gabinete do Prefeito de Fortaleza; g) 1 (um) representante da Secretaria Municipal da Infraestrutura – SEINF. h) 1 (um) representante da Coordenadoria Especial de Participação Social. i) 1 (um) representante da Secretaria Municipal do Planejamento, Orçamento e Gestão - SEPOG; j) 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos – SCDH.

Quadro 6: Composição dos membros participantes da Comissão das ZEIS Fonte: Decreto Nº 13.827/2016, organizado pela autora.

II – da Sociedade Civil: a) 3 (três) representantes de Universidades, que desenvolvam atividades de pesquisa ou extesão diretamente ligado ao tema do planejamento urbano; b) 1 (um) representante de organizações não governamentais com experiência em assessoria comunitária; c) 3 (três) representantes dos movimentos sociais; d) 9 (nove) representantes das comunidades que integraram o Comitê Técnico Intersetorial e Comunitário das ZEIS instituído pelo Decreto 13.241, de 21 de outubro 2013. REPRESENTANTES DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL: 16 REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL: 16

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visão a continuação do processo para a regulamentação das ZEIS em Fortaleza, já que o Comitê até então só havia sido criado para reunir e desenvolver um produto de diagnóstico situacional. Em julho de 2016 a Comissão foi criada oficialmente, a partir do Decreto Nº 13.827/2016 após um período de postergação da assinatura por parte do prefeito, demonstrando o processo demorado e burocrático em relação a essas zonas em Fortaleza. Em relação aos representantes da Comissão, segundo a Entrevistada D2 , permaneceu-se parte dos representantes do Comitê, contando com o acréscimo da ZEIS Vila Vicentina como a décima ZEIS prioritária para acompanhamento das reuniões no meio da vigência da Comissão, fato que aconteceu logo após a tentativa de remoção dos moradores daquela ZEIS. Ainda de acordo com a entrevistada D, contrariando o que foi dito pelo Poder Público na fala da entrevistada C, a participação de algumas secretarias, em destaque a HABITAFOR, não foi constante, tanto no sentido da frequência da participação quanto da própria preparação de alguns servidores públicos que iam representando os devidos órgãos municipais. Dessa forma, as reuniões da Comissão aconteceram entre agosto e setembro do ano de 2016, tendo como pautas as pendências deixadas pelo Relatório das ZEIS, anteriormente concluído, bem como pelo decreto que cria a Comissão. Algumas delas são: a criação de um fundo próprio para as ZEIS; a criação da lei que discorre sobre o Plano Integrado de Regularização Fundiária (PIRF); a criação da lei que discorre sobre as ZEIS de vazios; a criação de lei para estabelecer o Conselho Gestor de cada ZEIS; a criação de um edital para contratação de escritórios que seriam os responsáveis técnicos pela elaboração das etapas do PIRF; dentre outras particularidades da cada assunto aqui listado. Ao final, as reuniões resultaram em cinco (05) produtos, dentre eles Termos de Referência, Minutas e Decretos, a serem aprovados pelo prefeito de Fortaleza. Até o momento da finalização deste capítulo, o IPLANFOR, responsável pela coordenação de todo o processo, estava encarregado de finalizar o Relatório da Comissão para publicação e de realizar as últimas correções para a entrega dos produtos ao prefeito. Contabiliza-se, portanto, um período de quatro (04) anos desde a publicação do primeiro decreto que instituiu o Comitê das ZEIS. Percebe-se que a temática das ZEIS não parece um assunto urgente da administração local e que a mesma se fortalece em grande parte devido à mobilização popular. Apesar de lento, é necessário reconhecer que esse avanço no que diz respeito à regulamentação dessas zonas se configura em ganhos para a população, a partir do momento em que: se possibilitou abrir espaço de discussão no âmbito institucional; serviu de

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2 Optou-se por preservar os nomes dos entrevistados, sendo atribuída a identificação por meio de letras (Ex.: Entrevistado A). Foram realizadas entrevistas presenciais com a Entrevistada A, representante do Laboratório de Estudos da Habitação da Universidade Federal do Ceará – LEHAB/UFC, bem como com o Entrevistado B, representante da ZEIS do Bom Jardim e integrante do Centro de Defesa da Vida Hebert de Souza (CDVHS), e com a Entrevistada C, servidora do Instituto de Planejamento de Fortaleza (IPLANFOR). Por meios eletrônicos, foi concedida uma breve entrevista pela Entrevistada D, ex servidora pública pelo Instituto de Planejamento de Fortaleza (IPLANFOR) que acompanhou parte das etapas do Comitê e da Comissão das ZEIS.


elemento de coesão de parte das dez (10) ZEIS prioritárias, escolhidas para comporem o grupo do Comitê e da Comissão (segundo o Entrevistado B); foi um momento de participação popular, do qual várias reivindicações advindas de representantes da sociedade civil foram acatadas, apesar de outras não. c) O Plano Popular da ZEIS do Bom Jardim: reação popular frente à lentidão dos meios formais Em um processo paralelo aos últimos acontecimentos relativos à Comissão das ZEIS, a ZEIS Bom Jardim se organizou internamente, com o apoio posterior da Universidade na figura do Programa de Educação Tutorial do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC (ARQPET/UFC), para elaborar o Plano Popular da ZEIS Bom Jardim. Em entrevista ao representante dessa ZEIS, integrante do CDVHS, o mesmo cita que a mobilização pela luta dos direitos urbanos se iniciou, na verdade, tempos atrás, com a revisão do Plano Diretor de 2009 e a consequente aglutinação de esforços de diversas comunidades para que seus anseios de inclusão no planejamento e na política urbana e habitacional fossem atendidos. Antes da revisão do PDPFor, a CDVHS havia juntado esforços para uma tentativa de regularização fundiária das famílias que ali viviam desde 1994. Entretanto, essa tentativa não gerou resultados, o que fez com que os assentamentos buscassem fazer parte das ZEIS demarcadas no PDPFor, na esperança de serem incluídos em um futuro planejamento habitacional e urbano na cidade. O Entrevistado B cita também a oportunidade de inclusão do CDVHS nas capacitações da então Escola de Planejamento do CEARAH Periferia, mais um fator que impulsionou a demarcação da atual ZEIS Bom Jardim, já que contribuiu para a mobilização e luta por parte dos representantes. Segundo Entrevistado B, para muitos moradores que não estão diretamente envolvidos com a luta pelo direito à moradia, “ser ZEIS” significa “ter o papel da casa”. Para os líderes comunitários que estão à frente das ações, essa nomenclatura vai muito além: é a possibilidade de organização por meio de um Conselho Gestor; é ter a prioridade no atendimento das políticas públicas. Dessa forma, entendidos os direitos que possuem por fazerem parte dessa zona especial da cidade, bem como pela demora na concretização de planos para que seus direitos sejam atendidos e pela ausência de uma política local habitacional mais efetiva, a própria população decidiu iniciar um processo de Plano Popular. Configura-se numa estratégia de pressão política, deixando consequentemente as comunidades mais mobilizadas, bem como uma forma de preparação e antecipação ao PIRF, pois quando chegar o momento de confecção desse plano, a comunidade já estará minimamente preparada e ciente das suas necessidades e anseios. Essa iniciativa aponta para algumas tendências quando o Estado se mostra ausente no atendimento das necessidades da população: primeiro, a capacidade de organização que as comunidades possuem quando não se tem no município uma política habitacional efetiva; a possibilidade de agregar outros atores, como o meio acadêmico, nessa produção, tendo auxílio técnico/teórico no que diz respeito à construção popular; a possibilidade de coesão de grupos com interesses semelhantes, nesse caso, as ZEIS 1 existentes em 73


Fortaleza (essa afirmação aparece na fala do Entrevistado B, quando cita outras 5 ZEIS que se tornaram mais unidas no processo de luta).

2.4. Há coerência entre as políticas nacional e municipal? E as políticas locais habitacionais e urbanas? Diante do que foi exposto anteriormente, o cenário nacional não se mostra favorável no que diz respeito à garantia de uma reforma urbana e fundiária. Isso porque, o que deveria ser uma reforma de bases importantes no início de 2003 com a criação do Ministério das Cidades e todas as etapas que sucederam, acabou não tendo continuidade institucionalmente e o que prevaleceu foi a concentração de esforços em um programa com finalidades duvidosas e operacionalidade falha (MCMV). Junto a isso, soma-se o papel municipal de conivência com a má aplicação desse programa federal e a má gestão no que diz respeito a políticas públicas para a habitação. Programa esse que foi parcialmente esvaziado em meio às últimas ações do governo Temer (2016-2018), deixando o país com uma política nula de habitação (na prática). Quando se analisa a cidade de Fortaleza, o cenário é ainda mais preocupante. Isso porque a cidade não conta de fato com uma política urbana e de habitação, que não deve ser somente a produção habitacional descolada com outras necessidades básicas, mas sim: a garantia da função social da propriedade para os imóveis que estão vazios ou subutilizados; a garantia de reinserção social daquela população de baixa renda no contexto da cidade, assegurando também a permanência daquela comunidade, economicamente falando, com a disponibilidade de empregos; a manutenção do diálogo e de janelas de participação dessa população nas decisões que as impacta; a garantia da regularização fundiária para assentamentos já consolidados na malha urbana e que não estão localizados em área de risco ambiental; uma política que sistematize a lógica das desapropriações de ocupações irregulares, apenas quando necessário e sem ir de encontro à integridade física da população ocupante, prevendo também as medidas assistenciais pós remoção; dentre outras garantias necessárias. No tocante ao último ponto colocado anteriormente, é importante destacar que o LEHAB/UFC vem conduzindo um estudo recente acerca da investigação das remoções ou ameaças de remoções de ocupações habitacionais no município, que muitas vezes são conduzidas de forma violenta ou ilegal. Ao todo, desde 2009, foram contabilizadas cerca de 126 remoções, muitas das quais se denuncia o caráter violento e sem os devidos encaminhamentos assistenciais para as famílias desapropriadas. Ainda assim, alguns membros da esfera pública afirmam que o município de Fortaleza possui sim uma agenda política para a habitação, citando o MCMV e atribuindo a essas habitações produzidas o caráter de política habitacional local 3 . Entretanto, o que se percebe é que a dita “política habitacio-

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3 Essas alegações foram proferidas, inclusive, na Audiência Pública sobre Remoções realizada na Câmara Municipal de Fortaleza, em 01 de dezembro de 2017, na qual a autora esteve presente.


nal” do município é desarticulada, desorganizada e não eficaz. Isso porque, enquanto a esfera pública não tem contabilizado em suas secretarias os dados resultantes das remoções e das atuais ocupações em Fortaleza, ocorrem de forma desencontrada outros planos, revisões de legislação e ações que não parecem estar centradas em um objetivo comum. A revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo – LUOS (1996) foi realizada em 2017 sob a coordenação da SEUMA. O Plano Fortaleza 2040 foi entregue em dezembro de 2016, coordenado pelo IPLANFOR. O mesmo Instituto entregou ao Prefeito em outubro de 2015 o Relatório das ZEIS, bem como deu início à revisão do PDPFor no ano de 2017. As seguidas ações vindas do Poder Público trazem consigo algumas contradições e, de certa forma, algumas inclinações ao planejamento urbano voltado a interesses econômicos. É o que denuncia Góis (2017), quando analisa as especificidades da revisão da LUOS (plano normativo) e do Plano Fortaleza 2040 (plano estratégico). Considerando a proposta de novas demarcações de Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS) no texto da nova LUOS, assim como a proposta da criação de corredores urbanos no Fortaleza 2040, o autor afirma: Com base nas análises até aqui apresentadas é possível apontar a possibilidade de conflitos de usos entre os corredores de urbanização orientados pelo transporte público e as ZEDUS na medida em que ambos foram pensados com intenções diferentes. [...] Os corredores de urbanização orientados pelo transporte público apontam no direcionamento de projetos pautados em um mix de uso do solo associado com alta densidade populacional. [...]Por sua vez a ZEDUS, é um zoneamento que concebe a cidade pela particularidade de determinadas áreas de Fortaleza onde a finalidade é a concentração de ações do setor privado na dinamização econômica, assim sendo as intervenções no espaço urbano terão uma abrangência reduzida. (GÓIS, 2017, p.17).

Essas e outras contradições são fruto de processos desconectados e de secretarias desarticuladas no município. Ainda, denuncia-se o fato de algumas ZEDUS coincidirem com ZEIS, configurando em possíveis ameaças para a população de assentamentos precários, visto que o processo de regulamentação ainda não foi concluído. Somam-se a isso as transformações espontâneas da cidade, muitas vezes valorizando o capital imobiliário, aumentando o acúmulo de alguns capitais já privilegiados e diminuindo os ganhos da população de menor poder aquisitivo. Novamente, é a cidade do crescimento urbano guiado pelo interesse imobiliário e do Estado conivente com os privilégios de poucos.

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CAPITULO 03

CARACTERIZAÇÃO DAS ZEIS EM FORTALEZA - metodologia de análise - análise das zeis - reflexões e diretrizes: lançando olhares sobre outras possibilidades - escolha do local



3.1. Metodologia de análise Antes de partir para a escolha de um local de estudo e futura proposta de intervenção, optou-se por realizar uma análise diagnóstica das ZEIS em Fortaleza, no sentido de investigar em quais pontos a lógica da criação dessas zonas não funcionam na cidade, partindo do princípio que elas estão demarcadas no PDPFor mas estão longe de atenderem aos anseios pelos quais foram concebidas. A opção de inserir essa etapa inicial ao trabalho se deu, dentre outras coisas, pela inquietação frente a alguns trabalhos que denunciam a ineficácia da aplicação das ZEIS como pede o Estatuto da Cidade em Fortaleza, com destaque à tese de doutorado de Brasil (2016). Dessa forma, viu-se a necessidade de apontar novas diretrizes para uma possível formulação da lógica atualmente seguida. Optou-se por trabalhar com indicadores, adaptando a metodologia de Deponti (et al, 2002) que, por sua vez, adaptou seu trabalho a partir do MESMIS (Marco de Avaliação de Sistemas de Manejo de Recursos Naturais Incorporando Indicadores). Ambas as metodologias trabalham originalmente com a avaliação da sustentabilidade em determinado sistema utilizando-se dos indicadores. A escolha dessa metodologia para embasar a que será aqui trabalhada aconteceu por dois principais motivos: primeiramente, a necessidade de se avaliar uma questão, a priori, não quantificável (o porquê e em que pontos as ZEIS são ineficazes em Fortaleza), aproximando-se da proposta de avaliação da sustentabilidade, elemento igualmente difícil de mensurar; em segundo lugar, a metodologia de Deponti (et al, 2002) trabalha com a sustentabilidade, ao mesmo tempo em que Ferreira e Ferrara (2015), quando refletem acerca do que seria uma cidade sustentável, destacam: As especificidades do pro¬cesso de urbanização brasileiro, muito semelhante entre os países marcados pelo subdesenvolvimento, constituído a partir de desigualdades econômicas e sociais e da restrição ao acesso à propriedade da terra, fazem com que o enfrentamento da precariedade habitacional, da informalidade urbana e do passivo ambiental e social, seja o desafio ambiental urbano prioritário. (FERRERA;FERRARA, 2015, p.11).

Dessa forma, a questão sustentável das cidades está diretamente ligada à forma com que ela é planejada e ocupada, cabendo inserir as ZEIS como uma forma de planejamento que busca também a ocupação justa e equilibrada do espaço. As adaptações à metodologia escolhida ocorrem no sentido de retirar as etapas que dizem respeito à participação popular e a pontos que acabariam se tornando redundantes para a presente pesquisa. A retirada das etapas de participação aconteceu principalmente pela impossibilidade de se aprofundar mais no assunto pelo tempo disponível, mas guarda possibilidades para pesquisas futuras. O Quadro 7 mostra o que foi retirado ou adaptado do passo a passo de Deponti (et al, 2002).

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METODOLOGIA DEPONTI (2002)

METODOLOGIA ADAPTADA

1) Identificação do público envolvido

1) Identificação do público envolvido

2) Determinação do objeto de estudo do tipo de avaliação

1) Determinação do objeto de estudo do tipo de avaliação

3) Definição de Desenvolvimento Sustentável e Unidade Produtiva Sustentável

2) Definição de Desenvolvimento Sustentável e Unidade Produtiva Sustentável justiça socioambiental no contexto das ZEIS

É nessa fase que se determina a escala espacial, a localização geográfica, a escala de análise temporal.

Onde se quer chegar. O padrão sustentável para o sistema.

4) Determinação dos atributos ou características da sustentabilidade

Quadro 7: Comparação da metodologia original com a metodologia adaptada Fonte: Deponti (et al, 2002), organizado pela autora.

3) Determinação dos atributos ou características da sustentabilidade das Categorias de Análise

Aponta atributos ou características desejáveis da sustentabilidade.

5) Definição de pontos críticos (estrangulamentos)

5) Definição de pontos críticos (estrangulamentos)

Pontos que limitam ou fortalecem a capacidade dos sistemas de sustentar-se no tempo.

6) Definição dos descritores

6) Definição dos descritores

7) Levantamento da lista de indicadores 8) Seleção de indicadores estratégicos 9) Determinação de parâmetros

4) Levantamento da lista de indicadores 8) Seleção de indicadores estratégicos 5) Determinação de parâmetros

10) Medição e monitoramento

10) Medição e monitoramento

11) Apresentaçao, integração e validação dos resultados

11) Apresentaçao, integração e validação dos resultados

A partir de então, os tópicos foram sendo respondidos, resultando nos quadros 8, 9 e 10. RESPOSTAS AOS TÓPICOS 1) Determinação do objeto de estudo do tipo de avaliação Objeto de estudo: Análise da justiça socioambiental nas ZEIS de Fortaleza. a) Escala espacial: Escala de ZEIS (varia de quadra até bairros), sempre recorrendo à análise da cidade de Fortaleza como um todo. c) Escala de análise temporal: de 2009 a 2017.

Quadro 8: Resposta ao primeiro tópico da metodologia Fonte: Organizado pela autora.

RESPOSTAS AOS TÓPICOS 2) Definição de justiça socioambiental no contexto das ZEIS Regulamentação urbanística e fundiária dos assentamentos em ZEIS (segurança jurídica) Atendimento básico das necessidades de aspectos físicos/urbanos da ZEIS Inclusão das ZEIS no contexto da cidade e garantia do desenvolvimento econômico e social da população residente Funcionamento de mecanismos de participação popular e construção coletiva Existência de reserva de terras para produção de HIS mediante demanda por reassentamentos e demanda futura

Quadro 9: Resposta ao segundo tópico da metodologia Fonte: Organizado pela autora.

RESPOSTAS AOS TÓPICOS 3) Determinação das Categorias de Análise Facilitadores do aspecto jurídico/legal e do aspecto urbano para regulação fundiária Aspectos físico-territoriais das ZEIS Aspectos ameaçadores da inclusão das ZEIS em seu entorno Organização comunitária e atores influentes Reserva de terras

Quadro 10: Resposta ao terceiro tópico da metodologia Fonte: Organizado pela autora.

As respostas para o tópico 2 estão diretamente relacionadas com as respostas do tópico 3, sendo essas últimas desenvolvidas a partir do que se colocou na definição de justiça socioambiental, seguindo o entendimento de que, se eu preciso desse determinado 79


item para se atingir a justiça socioambiental nas ZEIS, dentre outras coisas, preciso analisar até que ponto essa categoria está se aproximando da situação ideal. Com isso, montou-se o Quadro 11, que é a junção das respostas anteriores, juntamente com os indicadores que se pretende avaliar e os parâmetros positivos e negativos estabelecidos a partir da opinião da autora. Os parâmetros irão funcionar como uma espécie de termômetro para estabelecer se determinado indicador está próximo ou não da situação ideal. As principais fontes dos dados utilizados para compor os indicadores selecionados foram: PLHIS (2012), Relatório das ZEIS (2016), IBGE Censo 2010, LUOS (2017), SEFIN, e arquivos da Prefeitura de Fortaleza em geral.

Quadro 11: Construção da lista de indicadores Fonte: Organizado pela autora.

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A partir de então, a análise que seguiu foi feita observando cada uma das 41 ZEIS 1 em Fortaleza, com o auxílio do software QGIS (ver Figura 17).

Figura 17: Interface do software QGIS para análise das ZEIS Fonte: Organizado pela autora.

Em alguns casos, como o exemplificado na Figura 18, as informações não existiam para a totalidade da ZEIS. Nesses casos, foram consideradas apenas as informações existentes e, quando havia mais de um dado dentro da mesma ZEIS, adotaram-se duas medidas, a depender do indicador analisado: na primeira, o dado que mais se repetia era considerado o correto; e na segunda, caso houvesse pelo menos um dado que representasse o parâmetro negativo, a ZEIS se encaixaria toda no parâmetro negativo. Figura 18: Exemplo do tipo de análise realizada na ZEIS a partir das informações disponíveis Fonte: Organizado pela autora.

Por exemplo, na Figura 18 o indicador avaliado é o de abastecimento de água. Foi determinado que se os dados existentes forem equivalentes a “rede geral parcial”, “outros” ou “não”, a ZEIS se encaixaria no parâmetro negativo; enquanto que se os dados existentes forem equivalentes a “rede geral pública”, a ZEIS se encaixaria no parâmetro positivo. Tomando por base o exemplo da ZEIS Bom Jardim, pode-se 85


perceber que há alguns assentamentos classificados em azul, equivalentes ao dado “rede geral pública”. Entretanto, devido à presença de um assentamento representando o parâmetro “rede geral parcial”, toda a ZEIS foi classificada como parâmetro negativo, já que o que está em análise neste trabalho não são os assentamentos, particularmente, mas sim o conjunto que delimita cada ZEIS. Os resultados da sistematização desses dados coletados e organizados estão presentes no próximo tópico, no qual se buscou trabalhar com a leitura de gráficos e mapas para um entendimento amplo do que se obteve até então com a pesquisa realizada.

3.2. Análise das ZEIS Com as tabelas de resultados montadas, parte-se agora para a análise síntese das ZEIS, dentro do que se propôs na metodologia aplicada anteriormente. Assim, a temática de análise foi dividida de acordo com as categorias já elencadas. Primeiro, optou-se por produzir gráficos para cada indicador, havendo um pequeno parágrafo de comentários dos dados quando necessário. Ao fim de cada categoria, foi confeccionado um mapa síntese, na tentativa de fazer um resumo e de rebater os dados espacialmente, investigando se havia algum tipo de relação dos resultados com a localização ou a dimensão física das ZEIS.

Figura 19: Dados da ZEIS Pirambu no software QGIS Figura 20: Dados da ZEIS Pirambu sobrepostos no Google Earth Fonte: Organizado pela autora.

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Categoria de análise 01 - Facilitadores do aspecto jurídico/legal e do aspecto urbano para a regulação fundiária

01: Área mínima do lote ZEIS com mais de 50% dos lotes medindo até 60m² ZEIS com 50% a 20% dos lotes medindo até 60m² ZEIS com menos de 20% dos lotes medindo até 60m² Sem informação

20% 2% 51% 27%

Segundo a Minuta de Lei elaborada pelo grupo da Comissão das ZEIS que discorre sobre novos empreendimentos para HIS, 60m2 seria a área mínima do lote para HIS unifamiliar. Considerando que esse parâmetro foi pensado para novos processos de parcelamento do solo e não necessariamente para regular assentamentos já existentes, pensou-se que seria interessante avaliar de forma comparativa até que ponto os assentamentos em ZEIS estão equivalentes com essa medida. É importante deixar claro que cada PIRF produzido terá parâmetros próprios para cada ZEIS, mas entende-se a análise dessa variável como sendo uma base estabelecida para o município de Fortaleza. Dessa forma, tem-se que mais da metade das ZEIS possuem menos de 20% de seus lotes com área de até 60m2, ou seja, menores que o mínimo da Minuta de Lei. É um dado positivo a partir do momento que se conclui uma necessidade menor de retirada de habitações por inadequação dessa natureza. Entretanto, 29% das ZEIS possuem mais de 20% dos lotes com área menor que 60m2, indicando possíves futuras remoções. É importante destacar, nesta variável, a inexistência de dados de muitas ZEIS pelo fato de que, por se configurarem em assentamentos ditos informais, não possuem o processo de loteamento bem delimitado. A imagem XX exemplifica esse tipo de situação, quando não há existencia de dados de loteamento mas claramente se vê algum tipo de ocupação na área.

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Categoria de análise 01 - Facilitadores do aspecto jurídico/legal e do aspecto urbano para a regulação fundiária

02: Área das edificações Sob a mesma justificativa de análise do primeiro indicador, tem-se neste trabalho o segundo indicador, sugerindo a adequação à área mínima de edificação proposta na mesma Minuta de Lei citada anteriormente. 90% das ZEIS de Fortaleza possuem entre 50 a 20% de suas edificações medindo até 30m2, o mínimo estabelecido na Minuta.

ZEIS com mais de 50% das edificações medindo até 30m² ZEIS com 50% a 20% das edificações medindo até 30m² ZEIS com menos de 20% das edificações medindo até 30m²

10%

90%

03: Área/Extensão Territorial das ZEIS grande ou muito grande média pequena

15%

56%

88

29%

O Relatório das ZEIS (FORTALEZA, 2015) sugere a relação entre a dimensão territorial das ZEIS e a facilidade de iniciar um processo de elaboração do PIRF, indicando que quanto menor for a ZEIS, mais facilidade teria para captar recursos financeiros para execução dos planos. Segundo a análise realizada, 56% das ZEIS (23 ao total) de Fortaleza foram consideradas pequenas pelo Relatório, possuindo dimensão entre 4.000 e 100.000m2 (FORTALEZA, 2015). Em contrapartida, 15% (6 ZEIS) foram consideradas como “grande” ou “muito grande”, possuindo dimensão acima de 400.001m2. Podemos perceber, com a ZEIS Bom Jardim, considerada “muito grande” por esses dados, que não é correto estabelecer dimensão territorial ou número da população como uma constante que signifique impossibilidade de organização e de aplicação de planos pra área. É apenas uma suposição lógica relacionada com experiências no campo da participação e relacionada com os repasses financeiros do Poder Público, mas não é de fato um impedimento, como bem demonstra a ZEIS Bom Jardim, pela sua mobilização e alcance.


Categoria de análise 01 - Facilitadores do aspecto jurídico/legal e do aspecto urbano para a regulação fundiária

04: Tempo de moradia/ Existência do assentamento até 10 anos de existência de 11 a 30 anos de existência mais de 30 anos de existência sem informação

0% 15%

51%

34%

A análise deste indicador sugere uma maior ou menor facilidade em se obter a regularização fundiária da ZEIS a partir do tempo de existência da moradia. Essa facilidade aparece por dois motivos: o primeiro de base legal, pois há maior possibilidade de aplicação de instrumentos reguladores da situação fundiária como o Usucapião, que exige pelo menos 5 anos de uso do imóvel de até 250m2 para fins de moradia para disponibilizar a segurança de uso do mesmo; o segundo motivo, de base prática, sugere que quanto maior for o tempo de moradia da população em ZEIS, maior possibilidade daqueles assentamentos estarem consolidados, economicamente falando e até mesmo esteticamente falando (pessoas que vão melhorando a situação financeira e continuam residindo na ZEIS, consequentemente executam melhorias nas suas próprias residências, refletindo diretamente no aspecto estético da ZEIS como um todo). Para os casos de maior tempo de existência, entende-se que há maior facilidade de integração com o entorno, bem como facilidade na regularização fundiária. Para este dado, encontrou-se dificuldade na análise visto que a fonte dos dados carecia de informações (utilizou-se os dados levantados pelo PLHISFor). Ainda, entende-se para este indicador que o que esteve em análise foi o conjunto de assentamentos internos às ZEIS, e não o polígono da ZEIS como um todo. Isso porque as ZEIS foram delimitadas apenas em 2009, enquanto que este indicador sugere uma avaliação para além do instrumento. Portanto, todas as ZEIS tem, no mínimo, 8 anos de existência. 34% das ZEIS possuem mais de 30 anos de existência, enquanto 15% possuem de 11 a 30 anos.

05: Domínio dos terrenos em ZEIS 1 mix de 3 ou mais domínios de diferentes partes mix de 2 domínios de diferentes partes apenas 1 domínio identificado sem informação

3%

34%

29%

O indicador de domínio busca mensurar a possível facilidade em se obter a regularização fundiária sem maiores impedimentos dos donos dos terrenos. Dessa forma, entendendo que quanto maior for o número de proprietários das terras, maior será a burocracia e a dificuldade em se chegar a um acordo que viabilize a posse do mesmo para fins de moradia das ZEIS. As informações utilizadas foram escassas, na maioria das vezes só existiam para parte da ZEIS e não para sua totalidade. De qualquer forma, analisou-se apenas o que estava disponível. 29% das ZEIS apresentaram 3 ou mais domínios dos terrenos, indicando maior propensão a dificuldades no processo de acordo para a regularização fundiária. 34% apresentaram 2 domínios diferentes dos terrenos, o que pode ser um fator igualmente negativo comparado ao parâmetro de 3 ou mais domínios. Ao todo, tem-se que pelo menos 63% das ZEIS de Fortaleza possuem propensão de enfrentar impasses na tentativa de regularização fundiária, indicando, indiretamente, fragilidade quanto à permanência dessa população nesses espaços.

34%

89


Categoria de análise 01 - Facilitadores do aspecto jurídico/legal e do aspecto urbano para a regulação fundiária

06: Domínio dos terrenos em ZEIS 3 mix de 3 ou mais domínios de diferentes partes mix de 2 domínios de diferentes partes apenas 1 domínio identificado sem informação

3% 9%

50%

38%

No que diz respeito a ZEIS 3, igualmente importante para a produção de novas HIS e reassentamento de unidades habitacionais quando necessário, analisou-se também o domínio dos terrenos para mensurar a mesma facilidade ou dificuldade do indicador anterior. Apesar de, assim como nas ZEIS 1, haver dificuldade na existência das informações, cosntatou-se que 50% das ZEIS 3 possuem apenas 1 domínio identificado. Entretanto, todas as ZEIS 3 inclusas nesses 50% são de propriedade particular, contrariando a estimativa do Relatório (FORTALEZA, 2015) quando sugere que sendo o terreno pertencente à administração pública local, haveria maior facilidade nesses processos de reassentamento ou novas produções de HIS. Um total de 47 ZEIS possuem pelo menos 2 domínios diferentes, acarretando maior dificuldade e burocracia nos processos.

QUADRO RESUMO DA CATEGORIA 01 MAPA DE ANÁLISE DAS ZEIS CATEGORIA 01 - FACILITADORES DO ASPECTO JURÍDICO/LEGAL E DO ASPECTO URBANO PARA REGULAÇÃO FUNDIÁRIA EM ZEIS 2.5

0

2.5

5 km

LEGENDA - GRADUAÇÃO

Próximo ao parâmetro negativo

Próximo ao parâmetro positivo

Para uma análise geral de cada categoria, optou-se por confeccionar mapas a fim de possibilitar uma leitura facilitada tanto do atendimento das ZEIS como um todo à presente categoria, quanto das localizações e dos resultados gerados, permitindo fazer uma análise também se os dados possuem ou não relação com o fator espacial. Para a produção do mapa, a estratégia aplicada foi se utilizar das mesmas cores dos gráficos apresentados anteriormente, com transparência de 50% nas camadas. Sendo assim, o polígono que se aproximar mais da cor laranja, estará mais próximo do parâmetro negativo dos indicadores, enquanto o polígono que se aproximar da cor azul, estará mais próximo do parâmetro positivo dos indicadores. Ainda, quanto mais nítido for o polígono, indica que mais informações ele possui, enquanto os mais apagados indicam carência de informação, logo, menos sobreposições e menos nitidez. Por último, cabe destacar que a depender da ordem dos indicadores, o resultado da coloração final do polígono poderia mudar. Sendo assim, a ordem das camadas foi estabelecida pela autora a partir do que se achou coerente na ordem de importância dentre os indicadores da referida categoria. Na categoria 01, a ordem crescente dos indicadores estabelecida foi: Domínio em ZEIS 1 > Área/Extensão territorial > Tempo de moradia/existência do assentamento > Área das edificações > Área dos lotes. Dessa forma, pode-se perceber que as ZEIS de menor dimensão territorial possuem resultados mais próximos à cor azul, indicando melhores resultados no que diz respeito a propensão de futura regularização urbanística e/ou fundiária. Não se percebeu nenhum resultado possivelmente influenciado pela posição geográfica no município de Fortaleza.

90


Categoria de análise 02 - Aspectos físico-territoriais das ZEIS

01: % Esgotamento sanitário parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

2% 22%

2

76%

sem informação 1 - Os que forem classificados em "rede geral parcial", "não", "outros"

Assim como a totalidade do território de Fortaleza, no qual o atendimento de esgotamento sanitário deixa a desejar em muitas áreas, a maioria das ZEIS possuem atendimento parcial da rede sanitária ou ausência da mesma. 76%, ou seja, 31 ZEIS 1, possuem carência nesse tipo de atendimento básico. Esse dado afirma, de certa forma, o caráter improvisado e não assistencializado de muitos assentamentos, justamente pelo fato de serem “informais”.

2- Os que forem classificados em "rede geral pública"

02: % Abastecimento de água Quanto ao indicador “% abastecimento de água”, percebe-se uma melhora relativa ao atendimento em ZEIS, sendo 64% das ZEIS contempladas com a rede geral pública de água. Entretanto, se compararmos esse número com a média de atendimento do município de Fortaleza, que é de 98,52% (segundo dados do Plano Fortaleza 2040), o alcance dessa infraestrutura básica em ZEIS ainda é baixa.

parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

2

sem informação 1 - Os que forem classificados em "rede geral parcial", "não", "outros" 2- Os que forem classificados em "rede geral pública"

12% 24%

64%

03: % Iluminação pública parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

Assim como o abastecimento de água, os dados referentes à iluminação pública em ZEIS também são positivos. Isso porque pelo menos 73% dessas áreas são contempladas com iluminação, sendo ela fornecida pela rede oficial ou não.

2

12% 15%

sem informação 1 - Os que forem classificados em "parcial", "não"

73%

2- Os que forem classificados em "rede oficial", "rede não oficial"

04: Drenagem fluvial parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

17% 7%

2

sem informação 1 - Os que forem classificados em "superficial", "não" 2- Os que forem classificados em "rede oficial"

76%

O indicador de drenagem fluvial reflete, de certo modo, o que acontece no município de Fortaleza em sua totalidade no que diz respeito a mà qualidade do sistema de drenagem das águas pluviais. Cerca de 76% (equivalente a 31 ZEIS) não possui sistema de drenagem ou o tem de modo superficial. Junta-se isso com as características construtivas das edificações e dos espaços públicos, que muitas vezes são improvisados e carecem de infraestrutura correta, amplificando o risco de imprevistos negativos por conta do mau escoamento da água da chuva.

91


Categoria de análise 02 - Aspectos físico-territoriais das ZEIS

05: Manejo dos resíduos sólidos parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

O indicador de manejo de resíduos sólidos apresenta 44% das ZEIS sem coleta ou parcialmente com coleta pública. Apesar de não ser mais que a metade, está bem próximo desse número, configurando-se em uma situação longe da ideal.

2

12%

sem informação 1 - Os que forem classificados em "coleta pública parcial", "sem coleta" 2 - Os que forem classificados em "coleta pública"

44%

44%

06: Transporte público (ponto de ônibus) parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

2

32%

1 - Possui espaço sem atendimento do raio 2- Todos os espaços são preenchidos pelo raio de abrangência

68%

Pelo menos 68% das ZEIS possuem atendimento total no que diz respeito à acessibilidade ao transporte público. Isso quer dizer que em qualquer ponto dessas ZEIS, o morador consegue caminhar de 300m ou menos para ter acesso a um ponto de ônibus. Para se chegar a esse dado, foi posto um raio de 300m em cada ponto de ônibus, considerando o raio de caminhabilidade do pedestre tido por alguns autores. Assim, a ZEIS que tivesse a totalidade do atendimento desses raios estaria encaixada no parâmetro positivo.

07: Equipamento de educação parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

2

O indicador de equipamento de educação foi o que atingiu maior quantidade de ZEIS que atendiam ao parâmetro positivo. Como fonte de dados, utilizou-se dos pontos relativos a escolas tanto do Município quanto do Estado.

10%

1 - Possui espaço sem atendimento do raio 2- Todos os espaços são preenchidos pelo raio de abrangência

90%

08: Equipamento de saúde parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

2

1 - Possui espaço sem atendimento do raio 2- Todos os espaços são preenchidos pelo raio de abrangência

92

22% 78%


Categoria de análise 02 - Aspectos físico-territoriais das ZEIS

09: Equipamento de lazer e cultura parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

2

sem informação 1 - possui espaço sem atendimento do raio

49%

51%

2- todos os espaços são preenchidos pelo raio de abrangência

2%

10: Áreas livres

Em alguns casos, as ZEIS são todas preenchidas pelas unidades habitacionais, com uma ocupação territorial por vezes em leito de vias, ou até mesmo nas próprias áreas livres. Dessa forma, são poucas as que possuem áreas livres públicas no interior da zona, como comprova o gráfico ao lado.

pouca ou nenhuma quantidade de áreas livres média quantidade de áreas livres

98%

grande quantidade de áreas livres

11: Localização em APP parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

2

7%

29% 64%

sem informação 1 - "parcial" ou "total" 2- "não"

12: Localização em área de risco parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

7%

2

49%

sem informação 1 - "parcial" ou "total" 2- "não"

44%

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Categoria de análise 02 - Aspectos físico-territoriais das ZEIS

13: Acabamento construtivo da U.H. material improvisado alvenaria sem acabamento alvenaria com acabamento Sem informação

27%

2% 10%

61%

Optou-se por inserir este indicador para identificar os padrões construtivos das ZEIS em geral. Pode indicar, também, o nível de consolidação das habitações em ZEIS, pois se imagina que quanto melhor o acabamento da habitação, mais condições financeiras a família possui, ou mais tempo se teve para concluir aos poucos as etapas de melhoramento habitacional. Dessa forma, 61% dos assentamentos em ZEIS possuem alvenaria com acabamento. Apenas 2% possuem material improvisado, apresentando risco de destabilidade e insalubridade para as habitações.

QUADRO RESUMO DA CATEGORIA 02 MAPA DE ANÁLISE DAS ZEIS CATEGORIA 02 - ASPECTOS FÍSICO-TERRITORIAIS DAS ZEIS FORTALEZA/CE 2.5

0

2.5

5 km

LEGENDA - GRADUAÇÃO

Próximo ao parâmetro negativo Próximo ao parâmetro positivo

Na categoria 02, sentiu-se a necessidade de elaborar um mapa com apenas alguns indicadores devido à divergência dos padrões de análise e que não podiam portanto serem sobrepostos. Alguns indicadores possuíam parâmetros de caráter mais qualitativo, sendo separados por “parâmetro positivo” ou “parâmetro negativo”, outros seguiram a mesma lógica dos indicadores da categoria 01 de análise, ou seja, foram classificados em 3 escalas, configurando-se em uma análise mais subjetiva. Desse modo, levou-se em conta para o mapa de análise espacial o seguinte conjunto de indicadores: % Esgotamento sanitário; % Abastecimento de água; % de Iluminação publica; Drenagem fluvial; Manejo dos resíduos sólidos; Raio de abrangencia ponto de onibus; Equipamento de educação; Equipamento de saúde; Lazer e cultura; Localização em app; Localização em área de risco. Com o resultado desse mapa, pode-se perceber a tendência de maior qualidade no atendimento das infraestruturas básicas quando a ZEIS está mais próxima à área considerada “nobre” da cidade, de maior renda (também sendo a área mais próxima ao Centro, portanto, mais propensa a ter infraestrutura mais adequada). Entretanto, apesar de igualmente próximo ao Centro, o Pirambu apresenta coloração muito próxima ao parâmetro negativo. Pode-se imaginar que a infraestrutura chega mais facilmente àquelas ZEIS com dimensão territorial menor, já que mesmo próximo ao Centro, o Pirambu e outras ZEIS maiores possuem coloração avermelhada, mas essa suposição não pôde ser comprovada. Na análise geral, há de fato uma deficiência no atendimento de infraestrutura básica (incluindo equipamentos públicos) para a população residente em ZEIS. Essa categoria de análise vem, na verdade, para corroborar o que já se espera encontrar em uma Zona Especial de Interesse Social. Os indicadores que não foram incluídos no mapa (áreas livres e acabamento construtivo da U.H.) podem ser avaliados separadamente pelos gráficos produzidos anteriormente, pois sentiu-se uma variação muito grande da sobreposição dessas informações a depender da ordem das camadas, além de não estarem necessariamente conectados entre si, mas sim fazendo parte de um todo.

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Categoria de análise 03 - Aspectos ameaçadores da inclusão das ZEIS em seu entorno

01: Uso do solo pouca variação de uso do solo média variação de uso do solo alta variação de uso do solo sem informação

27%

19%

27%

27%

A variedade do uso do solo também pode se tornar um importante instrumento no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e social da população em ZEIS. Isso permite que a população não precise se locomover em grandes distâncias para atender a certas necessidades de serviço, comércio, lazer, dentre outros usos, além de viabilizar o que alguns autores chamam de “cidade viva e sustentável”. Assim, pelo menos 54% das ZEIS possuem variação média ou alta de usos, indicando um bom cenário geral.

02: Valor da terra R$2.001 a R$8.716 R$500 a R$2.000

17% 7%

0 a R$500

29%

sem informação

47%

Achou-se importante inserir este indicador pois, tendo em vista que as ZEIS ainda não foram regulamentadas, a alta valorização da terra nesses territórios pode apresentar uma forte ameaça de remoção dessa população. Vários são os casos de remoções ou tentativa de remoção, mesmo tendo a ZEIS delimitada no Plano Diretor. Sendo assim, viu-se que 47% das ZEIS estão inseridas no que se considera um alto valor da terra. 29%, estão inseridas no parâmetro intermediário. Para este dado específico, optou-se por apresentar um mapa individual para corroborar a ideia de que as ZEIS mais próximas à área de maior renda da cidade estão inseridas no parâmetro de alto valor da terra. Pode-se inferir, também, que talvez essas zonas sejam as mais ameaçadas pelo capital imobiliário, precisando de maior urgência no que diz respeito à execução de projetos urbano-fundiários e de proteção legal dessa população.

MAPA DE ANÁLISE DAS ZEIS INDICADOR - VALOR DA TERRA FORTALEZA/CE 2.5

0

2.5

5 km

R$2.001 a R$8.716 R$500 a R$2.000 0 a R$500

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Categoria de análise 03 - Aspectos ameaçadores da inclusão das ZEIS em seu entorno

03: Renda 0 a 2 S.M. 2 a 3 S.M. mais que 3 S.M. sem informação

17% 7% 54% 22%

No que diz respeito à renda, corrobora-se a necessidade de viabilização de um plano de desenvolvimento econômico para que a população em ZEIS possa se capacitar, conseguir emprego e sobreviver no entorno que estiver inserida sem maiores dificuldades. Com mais de 54% das ZEIS com população até 2 salários mínimos, pensa-se que seria coerente pensar na ZEIS como uma comunidade autossuficiente, no sentido de que a renda daquela população resulte de esforços internos e que o resultado disso gere benefícios para a própria comunidade, num ciclo autogerido. No mais, os dados deste indicador apenas corroboram uma característica da população residente em ZEIS, que é a baixa renda.

04: ZEDUS - LUOS a área coincide integralmente ou parcialmente com a ZEDUS a área coincide integralmente ou parcialmente com o raio de abrangência da ZEDUS (500m) a área não é afetada pela ZEDUS 24%

20%

56%

A necessidade de se analisar a ZEDUS em relação às ZEIS é a mesma do indicador “valor da terra”, ou seja, estando as ZEIS ainda sem a regulamentação, caso as ZEDUS sejam de fato consolidadas, podem-se configurar em ameaças às Zonas de Interesse Social. Isso porque as ZEDUS buscam intensificar a dinamização econômica, o que pode atrair grandes investidores que podem se beneficiar da inércia do Poder Público no que diz respeito à proteção da população mais carente. Sendo assim, para cada polígono da ZEDUS, estabeleceu-se um buffer de 500m, considerado o impacto possível que poderia causar em seu entorno. 56% das ZEIS seriam possivelmente afetadas por estarem integralmente ou parcialmente em contato com o buffer de 500m. 20%, ou seja, 8 ZEIS, seriam diretamente afetadas pois estão em contato parcialmente ou integralmente com a própria área delimitada para as ZEDUS acontecerem. Toma-se as ZEDUS, portanto, como um indicador preocupante de ameaça à permanência dessa população em ZEIS e possívelmente a disparidade dessa comunidade em relação ao seu entorno imediato.

QUADRO RESUMO DA CATEGORIA 03 MAPA DE ANÁLISE DAS ZEIS CATEGORIA 03 - ASPECTOS AMEAÇADORES DA INCLUSÃO DAS ZEIS EM SEU ENTORNO FORTALEZA/CE 2.5

0

2.5

5 km

LEGENDA - GRADUAÇÃO

Próximo ao parâmetro negativo

Próximo ao parâmetro positivo

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Categoria de análise 03 - Aspectos ameaçadores da inclusão das ZEIS em seu entorno

QUADRO RESUMO DA CATEGORIA 03 A inclusão das ZEIS no contexto da cidade se mostra dificultada em alguns pontos do mapa, como por exemplo o entorno imediato dos bairros nobres da cidade, como Alde ota, Meireles, Papicu, Praia de Iracema, mas também aparece em bairros como Sapiranga Coité e Conjunto Ceará. Talvez caiba também avaliar em relação ao tempo de existência, pois, como já citado, quanto maior é o tempo de moradia da população de uma ZEIS, possivelmente mais consolidada, mobilizada e menos ameaçada essa ZEIS poderá ser.

Categoria de análise 04 - Organização comunitária e atores influentes

01: Participação no processo de regulamentação das ZEIS na prefeitura (Comissões) parâmetro negativo 1 parâmetro positivo

2

24%

1 - “não participou” 2- "participou"

76%

No que diz respeito à renda, corrobora-se a necessidade de viabilização de um plano de desenvolvimento econômico para que a população em ZEIS possa se capacitar, conseguir emprego e sobreviver no entorno que estiver inserida sem maiores dificuldades. Com mais de 54% das ZEIS com população até 2 salários mínimos, pensa-se que seria coerente pensar na ZEIS como uma comunidade autossuficiente, no sentido de que a renda daquela população resulte de esforços internos e que o resultado disso gere benefícios para a própria comunidade, num ciclo autogerido. No mais, os dados deste indicador apenas corroboram uma característica da população residente em ZEIS, que é a baixa renda.

QUADRO RESUMO DA CATEGORIA 04 MAPA DE ANÁLISE DAS ZEIS CATEGORIA 04 - ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA E ATORES INFLUENTES FORTALEZA/CE

2.5 0 2.5 5 km LEGENDA parâmetro negativo 1 2 parâmetro positivo 1 - “não participou” 2- "participou" Para esta categoria 04, encontrou-se dificuldade na obtenção de alguns dados que pudessem de alguma forma mensurar o grau de participação dentro das ZEIS. Portanto, optou-se por inserir apenas um indicador, relativo à participação ou não no processo de regularização das ZEIS iniciado pela prefeitura, já que em Relatório (FORTALEZA, 2015) se afirma que a escolha foi motivada pela reconhecida mobilização política e social no tocante à discussão dessas áreas (mesmo que a inclusão da ZEIS 1 Moura Brasil seja questionada por alguns pesquisadores da área). Sendo assim, a planificação dessa participação em mapa nos serve apenas para avaliar se essa escolha também não foi influenciada por aspectos físico-territoriais. Das sete secretarias regionais, foram escolhidas ZEIS integrantes de cinco delas, indicando que a escolha não dependeu de interesses relacionados ao território e que foi, de fato, uma escolha legítima sobre a capacidade de mobilizaçaõ política e social.

97


Categoria de análise 05 - Reserva de terras

01: Existência de vazios em ZEIS 1 maior que 400m2 20%

parâmetro negativo1 parâmetro positivo

2

80%

1 - “não existe” 2- "existe"

A importância da existência dos vazios em ZEIS 1 é tão significativa quando a existência das ZEIS 3, pois podem servir de reserva de terra para possíveis reassentamentos dentro da própria ZEIS, sem necessidade de grandes deslocamentos para locação das famílias. Ainda, oferece mais oportunidades de urbanização do espaço para viabilizar novas áreas livres, vistas anteriormente como um indicador deficitário em ZEIS. De qualquer forma, a existência desses vazios em ZEIS 1 acontece de forma tímida, com apenas 20% das ZEIS possuindo pelo menos um vazio com no mínimo 400m2 disponível.

02: Quantidade e qualidade dos vazios do PLHIS em raio de 2.000m da ZEIS 1 pouca quantidade de vazios ou vazios mais aptos estão mais distantes no raio média quantidade de vazios e proximidade relativa com os vazios mais aptos alta quantidade de vazios, incluindo proximidade dos mais aptos

32%

49%

19%

O PLHISFor (2012) mapeou os vazios em Fortaleza e os classificou a partir de critérios para identificar a aptidão na produção de HIS. Esses vazios mapeados vao além da localização em ZEIS e identificam a grande quantidade de terrenos ociosos no município. Este indicador avalia a potencialidade desses terrenos vazios para possível utilização correlacionada com as ZEIS 1, já que não é sempre que uma ZEIS 3 próxima tem a capacidade de abrigar a demanda por reassentamento da ZEIS 1. Assim, identificou-se que pelo menos 49% das ZEIS 1 possuem pouca proximidade desses vazios, principamente os que foram classificados como aptos, o que acaba ratificando a necessidade de regulamentação das ZEIS 3 como reserva mínima necessária, antes que estratégias do mercado imobiliário acabem por se aproveitarem dessas áreas ociosas da cidade, por vezes bem localizadas. É importante destacar também que 32% das ZEIS 1 possuem proximidade com vazios aptos, o que alerta para a possibilidade de utilização dos mesmos e necessidade de um planejamento para esse fim.

03: ZEIS 3 comportanto U.H. reassentadas de ZEIS 1 próximas Apenas 7% (3 ZEIS) das ZEIS de vazios urbanos não comporta reassentamento calculado das ZEIS 1 próximas. Este indicador avalia apenas de modo quantitativo, deixando de lado aspectos burocráticos e econômicos que dificultam o processo de construção nessas ZEIS 3, ainda não regulamentadas.

parâmetro negativo1 parâmetro positivo sem informação 1 - “não comporta” 2- "comporta"

98

2

10% 7% 83%


Categoria de análise 05 - Reserva de terras

04: Demanza x oferta para HIS em vazios de ZEIS 1 parâmetro negativo1 parâmetro positivo

A intenção neste indicador era de utilizar o cálculo de demanda habitacional para avaliar se a necessidade de reassentamento de U.H. poderia se resolver em grande parte no interior da própria ZEIS 1. O resultado surgiu similar ao indicador de existência de vazios em ZEIS 1, apesar de nele não estar quantificado se esses vazios suportariam ou não unidades reassentadas. Dessa forma, apenas 20% das ZEIS conseguem reassentar no interior da própria ZEIS 1 mais de 50% das unidades habitacionais com inadequação.

20%

2

80%

1 - Comporta menos que 50% das U.H. com inadequação 2- Comporta mais que 50% das U.H. com inadequação

QUADRO RESUMO DA CATEGORIA 05 MAPA DE ANÁLISE DAS ZEIS CATEGORIA 05 - RESERVA DE TERRAS FORTALEZA/CE 2.5

ZEIS Pirambu

0

2.5

5 km

LEGENDA - GRADUAÇÃO

Próximo ao parâmetro negativo ZEIS Lagamar

Próximo ao parâmetro positivo

ZEIS Bom Jardim

Bairro José Walter

Por fim, utilizou-se 3 dos 4 indicadores para compor o mapa resumo desta categoria, foram eles: Existência de vazios em ZEIS 1 maior que 400m2 > ZEIS 3 comportanto U.H. reassentadas de ZEIS 1 próximas > Demanda x oferta para HIS em vazios de ZEIS 1. Não se percebe nenhum padrão de favorecimento da reserva de terras ligado ao tamanho da ZEIS, visto que a ZEIS Bom Jardim e a ZEIS Pirambu, igualmente extensas, possuem colorações distoantes. Ainda, pode-se observar que a ZEIS Lagamar possui a coloração mais nítida e aproximada da cor vermelha, representando parâmetros negativos no que diz respeito á reserva de terras em seu entorno. Por essas e outras justificativas (além de estar inserida em uma área altamente valorizada do capital imobiliário e ser um importante eixo de ligação entre o aeroporto com a parte nobre da cidade), a prefeitura tentou reassentar diversas famílias da ZEIS Lagamar em um empreendimento do MCMV no bairro José Walter devido a obras do VLT. O mapa mostra quão periférica seria essa relocação, evidenciando mais uma vez a falha na política de habitação do município.

99


3.3. Reflexões e diretrizes: lançando olhares sobre outras possibilidades

Diagrama 5: Exemplificação da rede de relações (eixo 1) Fonte: Produção própria, 2017.

Ao fim das análises, parte-se agora para o que se propõe no que diz respeito a uma possível reformulação da lógica, sobretudo política, das ZEIS em Fortaleza. É importante destacar que, apesar de serem zonas inicialmente deficitárias nos quesitos de moradia, de atendimento básico da infraestrutura e equipamentos públicos, e de aspectos socioeconômicos, o maior entrave que se percebe para a não regulamentação (logo, a não existência de projetos governamentais que priorizem o bem-estar dessas áreas) das ZEIS está presente na própria estrutura política institucional, que protela as ações nesse campo. Dessa forma, considerando que o Estado é ausente e diretamente influenciado por interesses privados, as diretrizes, estratégias e ações aqui propostas permeiam a ideia de organização de base dessas comunidades visando a resistência e a mobilização. As justificativas para esse fio condutor adotado para as propostas são: primeiro, porque essas áreas já estão resguardadas legalmente de seus direitos pelo fato de estarem demarcadas como ZEIS em legislação municipal vigente; segundo, ainda vinculada com a primeira justificativa, porque uma população organizada que luta em prol de algo possui maiores perspectivas de alcançar suas reivindicações se comparado com uma população pouco ativa, já que tira da inércia o status quo regido pela lógica dos interesses de uma minoria e mostra a atores diversos demandas existentes (nesse caso, a demanda latente da questão habitacional e fundiária); terceiro, pela potencialidade em desenvolver outro aspecto que o Estatuto da Cidade traz em seu texto, a participação popular. Centros, Núcleos, Organizações, Grupos (NACIONAIS E INTERNACIONAIS)

Associações ONGs Movimentos Sociais

Núcleo de Articulação Popular sobre Habitação de Interesse Social (NAPHIS)

Representação de Ass. Precario (PLHIS)

Grupo Gestor Popular ZEIS 1 A Técnicos

Professores Pesquisadores Alunos Pesquisadores Profissionais

Grupo Gestor Popular ZEIS 1 B Grupo Gestor Popular ZEIS 1 ... Movimentos Sociais

População

Movimentos Sociais

População

Movimentos Sociais População

As propostas, portanto, vêm no sentido de fortalecer uma rede de relações, tendo como atores a população envolvida no âmbito da habitação social, profissionais e pesquisadores, como contribuintes, formulando assim uma nova estratégia de posicionamento, sobretudo, de caráter político. 100


Não se pretende, com isso, pensar em propostas definitivas para a ZEIS em Fortaleza. O principal intuito das questões abordadas a seguir é de provocar e convidar o leitor a um pensamento crítico do que se entende por violação dos direitos básicos de uma população economicamente fragilizada, ao ponto de se considerar que as ações e iniciativas partam da população e não do poder público, contrariando a ideia de representatividade que o mesmo deveria ter. DIRETRIZ GERAL Conectar os esforços da população, através de uma rede de relação e debate, unindo contribuições das várias partes direta ou indiretamente ligadas à questão da habitação de interesse social na cidade de Fortaleza, a fim de fortalecer o poder de diálogo e mobilização na cobrança dos direitos estabelecidos pela Constituição, de forma não institucionalizada; EIXO 1 – ORGANIZAÇÃO E REDE Estratégia 1.1. Criar canais de participação popular e agregar as diversas frentes/iniciativas que tratam sobre HIS, para que o debate aconteça em diversos níveis e escalas; Ação a) Criar em cada ZEIS um Grupo Gestor Popular. Este Grupo servirá de espaço para debate e deliberação acerca de assuntos relacionados a ZEIS em questão, além de representa-la em outras instâncias municipais através de representantes elegidos. Poderá ser formado ou não pelos mesmos membros do Conselho Gestor (instância institucional vinculada à Prefeitura); Ação b) Criar, na escala municipal, um Núcleo de Articulação Popular sobre Habitação de Interesse Social (NAPHIS), para discutir e deliberar acerca dos assuntos gerais no que diz respeito à Habitação de Interesse Social no município de Fortaleza. Este núcleo deverá ser composto, majoritariamente, por representantes dos assentamentos precários mapeados pelo PLHISFor (2012) (quando estes estiverem inseridos em ZEIS, a representação se dará mediante representante do Grupo Gestor Popular), seguido por representantes de associações comunitárias, ONGs, movimentos sociais, e, por fim, por profissionais do meio acadêmico que desenvolvam pesquisa ou extensão ligada à temática de HIS, e/ou profissionais que exerçam atividade de assessoria comunitária para HIS; Estratégia 1.2. Buscar parcerias e auxílio com outras redes nacionais e/ou internacionais, na tentativa de atrair subsídios e troca de experiências com outras iniciativas exitosas no âmbito da HIS. Ação a) Realizar congressos, encontros, rodas de debate, a fim de atrair participação de demais organizações nacionais e/ou internacionais; Ação b) Buscar inserir projetos em andamento em editais de 101


financiamento para iniciativas no âmbito da HIS; EIXO 2 – EDUCAÇÃO E CAPACITAÇÃO Estratégia 2.1. Promover capacitação para a população inserida em contexto de HIS, para que a luta pelos direitos básicos ocorra de forma simétrica de poder, no que diz respeito ao entendimento das pautas abordadas; Ação a) Retomar a ideia da antiga Escola de Planejamento do CEARAH Periferia, criando um centro de capacitação vinculado ao Núcleo de Articulação Popular sobre Habitação de Interesse Social (NAPHIS). Firmar parcerias com grupos acadêmicos e profissionais que pesquisam sobre ou trabalham com a temática de HIS; Ação b) Criar e divulgar financiamentos coletivos para arrecadar fundos que subsidiem as capacitações diversas realizadas no âmbito da discussão sobre HIS. Estratégia 2.2. Buscar atingir diferentes faixas etárias e grupos sociais no processo de educação acerca do meio em que estão inseridos, relacionados a moradia, apropriação do espaço, reconhecimento dos direitos, sentimento de comunidade; Ação a) Fixar parcerias, sobretudo com os grupos que trabalham com setores específicos da sociedade (crianças, adolescentes, idosos), para que sejam realizadas atividades de autoconhecimento, dinâmicas interativas e trocas de saber. EIXO 3 – REBATIMENTOS URBANO-FUNDIÁRIOS Estratégia 3.1. Acionar mecanismos legais para a obtenção da Regularização Fundiária das HIS; Ação a) Nas ocupações mais antigas, realizar levantamento fundiário das unidades habitacionais existentes na ZEIS em questão, em parceria com grupos acadêmicos, para facilitar o processo de Regularização Fundiária mediante Usucapião Especial do Imóvel Urbano ou Concessão de Direito Real de Uso (CDRU); Estratégia 3.2. Promover pequenas intervenções urbanas a fim de melhorar a qualidade paisagística do espaço; Ação a) Firmar parcerias com grupos de extensão universitária e coletivos sociais para realização de ações pontuais de melhorias urbanas no interior da ZEIS em questão; Estratégia 3.3. Firmar parcerias com grupos de extensão e/ou pesquisa universitária para realização de um Plano Popular das ZEIS, a exemplo da ZEIS Bom Jardim, na intenção de adiantar o diagnóstico e as principais necessidades da população local, podendo vir a se tornar um material útil para a confecção do Plano Integrado de 102


Regularização Fundiária; Ação a) Realizar reuniões, encontros, em parceria com grupos de pesquisa e extensão acadêmica, com a finalidade de promover debate sobre o ambiente urbano em que se está inserido, gerando produtos no que diz respeito ao desenvolvimento urbano e regularizações fundiárias no local; EIXO 4 – DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Estratégia 4.1. Instituir uma economia própria local para estimular as trocas econômicas entre as ZEIS existentes; Ação a) Criar moeda local de usufruto das ZEIS de Fortaleza; Ação b) Criar circuito de eventos periódicos a serem realizados em cada ZEIS, de cunho cultural e econômico, como forma de celebração da cultura popular, também como meio de dinamização da economia local. Estratégia 4.2. Incentivar o desenvolvimento de habilidades diversas para facilitar a entrada no mercado de trabalho, ou mesmo o desenvolvimento de negócio próprio; Ação a) Criar parcerias com coletivos e grupos com comprometimento social, a realizarem capacitações e workshops nas comunidades. Após lançadas as diretrizes, estratégias e ações para as ZEIS como um todo, encerra-se a etapa macro deste trabalho. A partir do próximo capítulo se buscará uma aproximação maior a uma ZEIS do tipo 1 em Fortaleza, no sentido de analisar e propor intervenções mais pontuais e formais, sempre buscando correlacionar com as reflexões tidas ao longo de todo o processo até então. O tópico 3.4 deste trabalho explana a metodologia adotada para se chegar à ZEIS 1 escolhida.

3.4. Escolha do local Nesta etapa, foram selecionados alguns indicadores (13, dos 28 totais) anteriormente utilizados para que esses pudessem facilitar o apontamento para a escolha da ZEIS a ser trabalhada. Os indicadores foram escolhidos a partir de uma visão pessoal da autora, ora levando em conta a criticidade de alguns dados, significando urgência de intervenção naquela ZEIS, ora levando em conta aspectos que facilitariam a aproximação e a resolução de algumas questões neste trabalho. Dessa forma, foram estabelecidos os critérios para que as ZEIS fossem pontuadas, podendo estas receber uma maior pontuação quando consideradas contempladas com critérios mais urgentes (150 pontos), pontuação média para critérios intermediários (100 pontos) ou pontuação mínima para critérios menos urgentes, mas ainda assim importantes (50 pontos). O Quadro 12 resume a metodologia pretendida. 103


PONTUAÇÃO

MAIORES ACÚMULOS

-

-

100

100

-

-

200

Caso seja pontuado com o nível "3"...

50

Caso seja pontuado com os níveis "2"...

25

250

Domínio dos terrenos em ZEIS 1

Caso seja pontuado com o nível "3"...

150

-

-

400

% de esgotamento sanitário

Caso se encaixe no Parâmetro Positivo...

50

-

-

450

% de abastecimento de água

Caso se encaixe no Parâmetro Positivo...

50

-

-

500

Localização em APP

Caso se encaixe no Parâmetro Negativo...

150

-

-

650

Valor da terra

Caso seja pontuado com o nível "3"...

100

Caso seja pontuado com o nível "2"...

50

750

ZEDUS-LUOS

Caso seja pontuado com o nível "1"...

100

Caso seja pontuado com o nível "2"...

50

850

Participação no processo de regulamentação das Caso se encaixe no Parâmetro Positivo... ZEIS na prefeitura

100

-

-

950

Quantidade e qualidade dos vazios do PLHIS em Caso seja pontuado com o nível "3"... raio de 2000m da ZEIS 1

150

-

-

1100

INDICADOR SELECIONADO

CRITÉRIO DE PRIORIZAÇÃO MÁXIMO

PONTUAÇÃO

Área mínima do lote

Caso seja pontuado com o nível "3"...

100

Área mínima da edificação

Caso seja pontuado com o nível "3"...

Tempo de moradia/existência do assentamento

CRITÉRIO DE PRIORIZAÇÃO INTERMEDIÁRIA

Existência de vazios em ZEIS 1 maior que 400m²

Caso se encaixe no Parâmetro Positivo...

150

Caso seja pontuado com os níveis "2"...

75

1250

ZEIS 3 comportando UH reassentadas de ZEIS 1 próximas

Caso se encaixe no Parâmetro Positivo...

150

-

-

1400

Vazio em ZEIS 1 comportando UH reassentadas da mesma ZEIS

Caso seja pontuado com o nível "3"...

150

Caso seja pontuado com os níveis "2"...

75

1550

Quadro 12: Tabela de priorização para escolha da ZEIS1 Fonte: Organizado pela autora.

104

A ideia inicial era destacar as três primeiras ZEIS resultantes da aplicação dessa metodologia para então escolher o local de intervenção. Entretanto, ao aplicar as pontuações, perceberam-se empates no resultado final, findando em cinco ZEIS com as três pontuações mais altas da tabela, são elas: ZEIS Bom Jardim, ZEIS Mondubim, ZEIS Sapiranga/Coité D, ZEIS Praia do Futuro II, ZEIS Serviluz, ZEIS Vicente Pinzon C (ver Quadro 13). Foi possível contactar apenas representantes/moradores socialmente ativos das ZEIS Bom Jardim e ZEIS Serviluz. A escolha da ZEIS Serviluz para estudo mais aprofundado se deu pela identificação pessoal com alguns grupos atuantes no bairro, identificação também com o potencial mobilizador dos moradores, bem como as recentes reuniões populares (ver Figura 21) ocorridas com a finalidade de discutir sobre a ZEIS, mais especificamente os interesses da


população do Serviluz, frente a recente movimentação por parte da Prefeitura com a revisão do Projeto Orla . Essa identificação pessoal e percepção de mobilização popular também ocorreu com a ZEIS Bom Jardim. Entretanto, por essa ZEIS já se encontrar no meio de um processo de elaboração de um Plano Popular (quando houve o primeiro contato com representantes), com a colaboração de diversos moradores e de grupos do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará, optou-se pela ZEIS Serviluz.

TABELA DE PRIORIZAÇÃO DE INTERVENÇÃO DIONÍSIO TORRES (500pts)

1

BOM JARDIM (950pts)

7

SAPIRANGA/COITÉ B (650pts)

12

2

MONDUBIM (800pts)

8

CANINDEZINHO A (625pts)

12

FÁTIMA (500pts)

2

SAPIRANGA/COITÉ D (800pts)

8

CANINDEZINHO B (625pts)

12

LAGAMAR (500pts)

3

PRAIA DO FUTURO II A (750pts)

9

ALDEOTA (600pts)

12

PARANGABA (500pts)

3

SERVILUZ (750pts)

9

JACARECANGA B (600pts)

13

CAIS DO PORTO (450pts)

3

VICENTE PIZON C (750pts)

9

MOURA BRASIL (600pts)

13

SAPIRANGA COITÉ A (450pts)

4

PAPICU C (725pts)

9

VICENTE PIZON B (600pts)

14

SAPIRANGA COITÉ E (425pts)

10

PICI (575pts)

15

5

POÇO DA DRAGA (700pts)

JACARECANGA A (400pts)

5

PRAIA DO FUTURO II B (700pts)

11

FARIAS BRITO B (550pts)

15

SAPIRANGA COITÉ C (400pts)

6

MUCURIPE (675pts)

11

GENIBAÚ (550pts)

16

COUTO FERNANDES (300pts)

7

FARIAS BRITO A (650pts)

11

VICENTE PIZON A (550pts)

16

PRAIA DE IRACEMA (300pts)

7

MEIRELES (650pts)

12

ANCURI (500pts)

17

SAPIRANGA COITÉ F (200pts)

7

PAPICU A (650pts)

12

CAJAZEIRAS (500pts)

12

DAMAS (500pts)

7

PAPICU B (650pts)

Quadro 13: Tabela de priorização para escolha da ZEIS1 Fonte: Organizado pela autora.

Figura 21: Reunião “Onde está a comunidade que estava aqui?” na Praça Tiago Dias, Serviluz, com apresentação do LEHAB. Fonte: Acervo pessoal.

105


CAPITULO 04

CARACTERIZAÇÃO DO SERVILUZ - CONTEXTO E BREVE HISTÓRICO - METODOLOGIA - SERVILUZ



4.1. Contexto e breve histórico Antes de iniciar este capítulo, cabe ressaltar o que se entende quando se fala de “Serviluz”. O Serviluz não é oficialmente um bairro, apesar de seus moradores se referirem a este como tal. Relativo a demarcação das ZEIS, dá-se o nome Serviluz à ZEIS do tipo 1 localizada no bairro Cais do Porto, na Secretaria Regional II, em Fortaleza. Ainda nesse mesmo bairro, está demarcada logo ao lado da ZEIS Serviluz, outra ZEIS do tipo 1 chamada Cais do Porto/Titanzinho. Trabalhos como o de Vasconcelos (2013) indicam que os moradores das ZEIS Serviluz e ZEIS Cais do Porto/Titanzinho sentem-se pertencentes, na verdade, ao bairro Serviluz, mesmo este não existindo nos registros da Prefeitura. Dessa forma, o trabalho que se segue irá tomar como referência a poligonal estabelecida por Vasconcelos (2013) ao que a autora entende como “Serviluz simbólico”, apenas acrescentando o restante referente à ZEIS Cais do Porto/ Titanzinho. Juntam-se, portanto, as duas ZEIS do tipo 1 localizadas no bairro Cais do Porto e a área que compreende hoje o Campo do Paulista, sempre que se referir ao Serviluz neste trabalho. O Serviluz faz fronteira a norte e leste com o litoral cearense, a oeste com o Porto do Mucuripe e a sul com uma grande área industrial de tancagem de combustíveis, associada ao porto, e aos assentamentos Morro Santa Terezinha e Castelo Encantado (outras áreas de ocupação de habitação de interesse social, pertencentes a duas ZEIS distintas: Vicente Pinzon A e Mucuripe, respectivamente). Esta localização faz com que o Serviluz se encontre em uma situação parcial de isolamento no que diz respeito ao restante da malha urbana da cidade de Fortaleza. Relativo aos bairros, está próximo ao Vicente Pinzon, ao Mucuripe e a Praia do Futuro, sendo esses dois últimos conhecidos por suas orlas planejadas para atender as demandas do turismo local, fazendo dessa área litorânea um potencial atrativo para grandes investidores, sobretudo do ramo da hotelaria e comércio. Pode-se dizer que as ocupações nesse pedaço do território foram resultado de inúmeros processos sociais, econômicos e políticos, findando em uma grande diversidade de público ligada a questões como as desapropriações de outras áreas de Fortaleza, a construção do Porto do Mucuripe, as migrações do interior do estado, as atividades relacionadas a pesca, dentre outras procedências. Segundo Nogueira (2006), o nome Serviluz deriva de uma antiga empresa de distribuição de energia elétrica dos anos 1950, extinta na década seguinte, chamada Serviço de Luz e Força de Fortaleza. Já havia, antes dessa extinção, ocupações no entorno do Farol, construção erguida em meados de 1846 com a finalidade de proteção estratégica da cidade. Essas ocupações se resumiam a pequenas habitações de pescadores e a zonas de meretricio1 . Posteriormente, ao fim da década de 1970, ocorreu a primeira grande migração advinda do interior do Ceará devido ao período de estiagem. Parte dos migrantes acabaram se instalando próximo a 1 Haviam movimentações de embarque e desembarque na área do Mucuripe (antes, Mocoripe). As zonas portuárias eram conhecidas por abrigarem atividades relacionadas ao meretrício, sendo, portanto, áreas estigmatizadas pela sociedade em geral e constantemente relacionadas a desvirtuação da moral e dos bons costumes (NOGUEIRA, 2006).

108


CONTEXTO URBANO Terminal Marítimo de Passageiros CEARÁ

ZEIS Cais do Porto

FORTALEZA

CAIS DO PORTO

Poligonal “Serviluz Simbólico” ( VA S C O N C E LO S , 2013) ZEIS Serviluz

Porto do Mucuripe

Campo do Paulista

Mucuripe Meireles Praia de Iracema Centro

Morro Santa Terezinha Castelo Encantado

Área industrial e de tancagem

Vicente Pinzon

Praia do Futuro


área do farol por esta possuir empregos relacionados principalmente com as industrias ali perto e com atividades ligadas ao porto (estivadores e outras categorias). O Porto, inclusive, que iniciou sua primeira etapa de construção nos anos de 1940, foi um grande elemento atrativo para que a população ocupasse aquele entorno, como explana Nogueira (2006): É a partir do novo porto - elemento central no processo de expansão e reordenação espacial da tradicional enseada de pescadores do Mucuripe - que a região vai experimentar uma série de mudanças: nas suas reservas geográficas, no tipo de ocupação territorial e uso do solo, na funcionalidade econômica, na expansão demográfica e na vivência social do seu espaço. (NOGUEIRA, 2006, p.13) Além disso, a partir do momento em que a orla se torna um lugar desejado pela camada da alta sociedade2 , a ocupação e urbanização da costa de Fortaleza passa por um intenso processo de planejamento voltado ao turismo e ocupações privilegiadas. Houve, nessa dinâmica, a remoção de população tradicional de áreas como o Mucuripe e Beira mar, tendo sido realizada posteriormente relocação em outros lugares da cidade menos visados pelo mercado imobiliário na época, como por exemplo, a área onde hoje se encontra o Serviluz. Essa região recebeu também reassentamentos dos pescadores que antes habitavam onde hoje se encontra o Porto do Mucuripe, local conhecido como Praia Mansa. O Serviluz se mostra, portanto, abrigo de uma grande diversidade de pessoas, advindas de contextos diferentes, mas que se encontraram e hoje dão vida e personalidade a essa comunidade. Foi por muito tempo (perdurando ainda nos dias atuais) conhecida pelo estigma da violência, apesar de possuir em sua história uma forte identidade positiva relacionada a prática do surfe e da pesca tradicional. Enquanto a pesca remete a uma característica histórica dos ocupantes, dos quais seus antepassados possuiam ligação com essa prática para própria sobrevivência (configurando-se uma profissão), o surfe aparece nas relações mais atuais da população, muito difundido entre os mais jovens, sendo ao mesmo tempo vinculado à cultura, ao esporte e ao trabalho, quando esse passa a ser fruto de sustento com a acumulação financeira proveniente das vitórias em campeonatos, dentre outras fontes. Apesar de ser fonte de sustento para alguns, no geral, o surfe se mostra como um estilo de vida da população do Serviluz, que está rotineiramente em contato com esse aspecto do meio ambiente natural, como cita Nogueira: “O surfe é muitas vezes um ato de diversão que engloba homens e mulheres nas horas de folga do trabalho. Cair na água é procurar esquecer os problemas do dia-a-dia, é reavaliar o passado, o presente e o futuro” (NOGUEIRA, 2006, p.138). Apesar de fazer parte de uma forte identidade do local, não é apenas o surfe que simboliza os moradores do Serviluz. É possível perceber também influências de outros esportes, como o futebol praticado no Campo do Paulista e na faixa de areia da praia, bem como atividades ligadas ao cinema e audiovisual em colaboração com alunos e professores da Universidade Federal do Ceará, e as expressivas artes de rua como o graffiti e o lambe lambe. O Serviluz é local também de muita resistência, por vezes pal-

110

2 Esse processo foi percebido não só em Fortaleza, mas em boa parte das áreas litorâneas do Brasil


100

0

100

200

300 m

MAPA - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SERVILUZ LEGENDA Até ano de 1900 1901 a 1960 1961 a 1990

2015 - Projeto do novo Terminal de Passageiros

1846 - Instalação do Farol 1957 - Desativação do Farol 1980 - Bem é recuperado por reformas e abriga o Museu do Jangadeiro 1983 - Bem tombado

1970 - Remoção dos moradores da Praia Mansa e migração para onde hoje de encontra o Serviluz

1991 a atualmente 1940 (década) Estimativa das primeiras ocupações do Serviluz

1970 (década) Serviluz fica internacionalmen te conhecido pela prática do surfe

2009 - Delimitação das ZEIS em Fortaleza no Plano Diretor Participativo

1940 - Início do projeto do Porto do Mucuripe 1965 - Finalização das obras do Porto 1980 Grande incêndio na empresa Shell

1930 (fim) - Remoção e migração de antigos moradores da Rua da Frente (Beira-Mar) 1947 - Migração de moradores para a área próxima ao Farol, antes localizados em áreas valorizadas do Mucuripe, desapropriados por consequência de projetos urbanos 1980 Grande incêndio na Empresa Gas Butano

1950 (década)- Processo migratório para a capital devido a seca, bem como devido a atração pela industrialização


co de conflitos relativos a desapropriações e projetos pensados para a área. Por terem localização privilegiada, é constante o medo de serem despejados. Supõe-se que o retardamento dessa aproximação mais acelerada do mercado imobiliário naquela zona seja, dentre outros fatores, também em consequência da existência da área de tancagem que armazena produtos químicos explosivos, representando risco de incêndios para o entorno3 , como reflete Nogueira (2006): Devido ao fogo, muitas pessoas do bairro foram embora, o incêndio na verdade aparece como ponto limite de uma contradição: aqueles que conseguissem com o fogo conviver teriam um sono relativamente tranqüilo, pelo menos em relação à ameaçadora especulação imobiliária. (NOGUEIRA, 2006, p.51)

e Vasconcelos (2013) complementa: Embora não tenha sido o zoneamento de usos que de fato retardou o interesse do mercado pela área, a própria presença das indústrias provavelmente também contribuiu para esse retardamento. As indústrias que ali funcionam representam um fator hostil para as áreas adiantes, pois existem riscos de explosões e incêndios pelas atividades ligadas ao manuseio do petróleo e do gás pelas indústrias da Nacional Gás Butano e Petrobrás. (VASCONCELOS, 2013, p. 80).

Nogueira (2006), quando fala da concepção de comunidade, destaca a diversidade cultural que convergiu no Serviluz exemplificada pela diversidade religiosa, e como esta é o principal exemplo de práticas sociais e agregadoras no bairro. O autor aponta ainda que a noção do termo comunidade não deve ser entendida como uma harmonia geral e ausência de conflitos (até porque, o Serviluz ao ser formado por atores com uma grande diversidade cultural, por si só já se mostra complexo nas suas relações), nem mesmo ter uma denominação automática a partir do histórico de ocupação dado pela migração e pela busca de trabalho e moradia (esses não necessariamente irão formar uma comunidade apenas pelo fato da ocupação comum em um mesmo espaço). A definição desse termo vem, na verdade, com uma série de ações da própria população que formam as redes e articulações internas em prol de objetivos sociais, sendo eles diversos ou não. Em suma, pode-se observar a complexidade das relações e construções internas ao “bairro Serviluz”, ao mesmo tempo em que se nota unidade quando abordadas temáticas relativas à habitação e aos direitos básicos dos que ali habitam, configurando-se em uma potencialidade local no que diz respeito à resistência e mobilização da comunidade.

4.2. Metodologia A metodologia utilizada para investigação das principais características urbanas, sociais, econômicas e políticas do Serviluz pode ser subdividida em três blocos para melhor compreensão dos processos, complementares entre si, e que foram desenvolvidos paralelamente durante a aproximação da autora com o local.

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3 Tem-se notícia de dois grandes incêndios ocorridos nas áreas industriais de tancagem. O primeiro ocorreu no ano de 1980 na empresa Shell, e o segundo, em 1993, na empresa Gás Butano


O primeiro bloco diz respeito à pesquisa e organização de dados indiretos e secundários, como fontes estatísticas, arquivos públicos e fontes bibliográficas. Essa investigação consiste na necessidade de se familiarizar com informações já processadas sobre o local, fazendo-se necessária a mistura desses dados para análise de diferentes aspectos referentes ao Serviluz. O segundo bloco diz respeito a uma primeira aproximação da autora ao local de estudo. Essa aproximação se deu por meio de entrevistas semi-estruturadas a moradores do Serviluz, as vezes gravadas, as vezes não, sendo a principal contribuição dessa ferramenta a percepção e contato direto com dinâmicas e pessoas que fazem parte do dia a dia do local. Portanto, os tópicos abordados diziam respeito as vivências pessoais dos entrevistados, o tempo de moradia no Serviluz, as percepções acerca das mudanças ocorridas no bairro, os locais frequentados (sobretudo para lazer), as formas de locomoção, a vizinhança e interação com outros moradores, o reconhecimento do Serviluz como uma ZEIS, a percepção da mobilização política e resistência comunitária. Obteve-se uma amostra de dez (10) entrevistados, sem restrições acerca de idade, gênero, profissão ou local (apesar de a maioria ter sido realizada nas proximidades do Titanzinho).

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Figura 22: Ateliê de artesanato na casa de um dos entrevistados Figura 23: Entrevistas realizadas próximo à área dos pescadores Figura 24: Morador que nos acompanhou na realização de todas as entrevistas Figura 25: Imagem captada no percurso das entrevistas Fonte: Acervo pessoal.

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Por fim, o terceiro bloco de investigação do local se configura em uma aproximação ainda mais aprofundada nas dinâmicas sociais do espaço. Apesar de também ocorrer de forma paralela com outras etapas, este bloco surgiu posteriormente, da necessidade de direcionamento da investigação em curso a partir de algumas conclusões já resultantes do diagnóstico iniciado anteriormente. A principal premissa desse bloco foi a de se aproximar da população através de ferramentas mais lúdicas e participativas, nas quais o entrevistado pudesse interagir visualmente e fisicamente com o material. Além do resultado concreto, essa forma de investigação foi importante também para a captação de algumas falas durante o processo, que serviam para enfatizar posições e confirmar suposições da autora. A forma escolhida para essa aproximação se deu por três meios: - o primeiro, uma maquete impressa em isopor do Serviluz simbólico e alfinetes coloridos. Aqui, pedia-se para que o entrevistado apontasse, com o alfinete de cor roxa, o local aproximado onde morava. Depois, pedia-se para que apontasse, com o alfinete de cor laranja, o local que mais gostava de frequentar no Serviluz. A motivação para esses questionamentos se deu, principalmente, a partir de relatos e leituras acerca das diversas territorialidades e disputa de territórios existentes, assunto aprofundado mais a frente neste trabalho. A realização dessa atividade durou dois dias, dos quais no primeiro dia a autora concentrou seu percurso no entorno da Praça São Francisco, localizada a sul do Serviluz, e no segundo dia o percurso foi mais abrangente, indo desde o Titanzinho, passando pelo Campo do Paulista, até a Praça da Estiva. O mesmo morador que nos acompanhou nas entrevistas semi-estruturadas, acompanhou também a atividade da maquete no primeiro dia, ajudando com a aproximação aos entrevistados e, quan-

Figura 26: Aplicação da ferramenta da maquete no segundo dia Fonte: Acervo pessoal.

do havia dificuldade em se localizar espacialmente na maquete, ele indicava o local ao qual o entrevistado se referia, a partir dos relatos de pontos de referência. No segundo dia, a atividade foi realizada 115



pela autora com a colaboração e acompanhamento de outra aluna do curso de arquitetura e urbanismo da Unifor, Rebeca Alencar. Foram utilizados também mapas impressos como auxílio de referência espacial para os entrevistados. - o segundo meio utilizado foi o que chamarei aqui de “painel de votos”. A intenção nessa ferramenta foi de tentar perceber os anseios dos moradores em relação ao espaço público no qual estavam inseridos. A aplicação desse método foi realizada em paralelo com a aplicação do método da maquete, por isso a necessidade de ter outra pessoa acompanhando no percurso realizado, para auxiliar no transporte dos itens utilizados. A pergunta no painel era “Como você gostaria de usar este espaço?”, enquanto as possíveis respostas a serem votadas eram

“esporte”; “conversar com amigos”; “descansar”; “caminhar”; “escreva aqui outras opções”. O entrevistado era convidado a colar um adesivo na opção que mais se aproximava da sua resposta à pergunta escrita no painel. Os resultados desta e de outras ferramentas serão discutidos nos próximos tópico deste trabalho, simultaneamente as outras formas de diagnostico. - o terceiro e último meio foi o desenho como forma de leitu-

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Figura 27: Painel de votos após aplicação no primeiro dia Figura 28: Interação dos moradores com o painel de votos no primeiro dia Fonte: Acervo pessoal.

Figura 29: Crianças desenhando no painel Figura 30: Desenhos obtidos com a atividade Figura 31: Desenhos obtidos com a atividade Fonte: Acervo pessoal.

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ra do espaço e das vivências pelas crianças do Serviluz. Essa ferramenta foi trabalhada de forma mais livre, pois se aproveitou o espaço em branco existente no cartaz que continha o Painel de Votos para que as crianças pudesse expressar suas percepções em relação a pergunta feita. Pedia-se para que elas desenhassem “O que mais gostavam no Serviluz”. Não houve nenhum critério de seleção das crianças, nem tempo estipulado para que o desenho fosse finalizado.

4.3.Serviluz A partir deste tópico, encontram-se os dados reunidos e coletados em campo, interpretados pela autora, a fim de entender melhor as complexas relações que se estabelecem no espaço do Serviluz. Inadequação habitacional No que diz respeito ao déficit habitacional, o Serviluz possui moradias com déficits qualitativos e quantitativos, situação comum em ZEIS 1. Tal realidade coexiste com a presença de vazios urbanos no entorno imediato dos assentamentos, alguns classificados no PDPFor (2009) como ZEIS do tipo 3, de vazios urbanos, mas sem legislação própria para regulamentação e utilização dos mesmos ou política urbana e habitacional que pense num uso para essas áreas ociosas. Ainda, se levarmos em consideração a possível (e já muitas vezes anunciada) saída da área de tancagem localizada logo ao sul das ZEIS Titanzinho/Serviluz, tem-se disponível um banco de terras ainda maior, com grande potencial para servir às necessidades habitacionais da população próxima sem necessariamente deslocá-los para grandes distâncias, longe da sociabilidade e da vida que já conhecem. A partir dos números colhidos no levantamento de dados feitos para o diagnóstico, fez-se uma simulação de até que ponto os vazios existentes nas proximidades conseguem sanar o déficit quantitativo, aquele que necessita de novas unidades habitacionais para ser resolvido. Para fins avaliativos, cruzaram-se as seguintes informações num mesmo mapa: edificações com área menor que 30m²; números de coabitação dados pelo PLHIS (2012); vazios urbanos definidos também pelo PLHIS (2012); ZEIS 3; vazios urbanos internos à ZEIS 3; e área de risco demarcada pela Defesa Civil. Cabe ressaltar que a opção de se definir a área mínima construída em 30m² ocorreu apenas para se ter um parâmetro de análise e não representa necessariamente o perfil dessas ZEIS. Essa escolha foi feita tomando por base a experiência do PREZEIS e trabalhos não publicados relacionados à temática em Fortaleza. Caberia um estudo mais aprofundado de cada unidade habitacional para se definir esse dado. Ainda, não foram incluidas as habitações que não possuem acesso direto à via, estudo que pode ser encontrado em Vasconcelos (2013). Foram estipulados 4 cenários relacionados a essa questão habitacional, apresentados a seguir. Para realização dos cálculos, foi utilizada a mesma metodologia que o PLHIS quando esse calcula a estimativa de área necessária para abrigar U.H. verticais e horizontais. No cenário um, se fosse para reassentar as unidades habitacionais passíveis de remoção apenas nos vazios existentes em ZEIS 3 próximos às ZEIS trabalhadas, apenas 3,27% da demanda seria aten118


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MAPA - INADEQUAÇÃO HABITACIONAL LEGENDA Limite Assentamento (PLHIS, 2012) Area de risco (defesa civil) Edificações com dimensão =< 30m

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N. Cohabitação (PLHIS, 2012) Vazios urbanos (PLHIS/ Tipo 1) Vazios urbanos em ZEIS 3 ZEIS 3

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dida, utilizando as U.H. verticais, aquelas que permitem maior quantidade de unidades por área de terreno livre. No cenário dois, além dos vazios em ZEIS 3, acrescentou-se também no cálculo os vazios estabelecidos pelo PLHIS (2012), com exceção da área do Campo do Paulista por se considerar que é uma área de lazer para a população que não deveria ser extraída. Nesse caso, 77,15% da demanda seria atendida, considerando ainda U.H. verticais. No cenário três, incluiu-se o Campo do Paulista, apenas para verificação dos números. Aqui, 100% da demanda vertical seria atendida. Se considerarmos construção de habitações horizontais, 35% da demanda seria atendida. No quarto e último cenário, incluiu-se no cálculo toda a área de tancagem localizada logo abaixo das ZEIS, pois se há a promessa de que esse uso do solo seja transferido para o Pecém, liberando a área existente. Nesse caso, daria para atender 2,79 vezes a demanda horizontal, aquela que necessita de mais terreno livre para abrigar as U.H. Domínios Ocorreu, ao final do ano de 2017, um episódio na política local em Fortaleza que influencia diretamente as áreas de orla da cidade e, consequentemente, o Serviluz. A Prefeitura de Fortaleza, sendo representada pela SEUMA, assinou um termo juntamente à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) formalizando a cessão de posse da orla marítima da cidade, que antes era atribuída à União. Isso significa que o planejamento da Prefeitura local para as áreas de orla, que antes devia passar pela análise e critérios mais rígidos da União, agora tem mais liberdade e flexibilidade para acontecer, não precisando mais de algumas burocracias anteriormente exigidas. Tal medida deveria ser vista como positiva, a priori, considerando a quantidade de assuntos pendentes e urgentes existentes na orla de Fortaleza e que poderiam ser sanados com essa iniciativa, como, por exemplo, a regulação fundiária de inúmeras unidades habitacionais sem a segurança de posse existentes nessas áreas e as melhorias urbanísticas para assentamentos precários. É o caso das ZEIS Pirambu, Poço da Draga, Moura Brasil, Serviluz. Entretanto, essa medida é vista pela população que vive nessas áreas como ameaçadora. Isso porque o histórico do tratamento dado pelo Poder Público Municipal a essas zonas não se mostra favorável, com vários casos de remoções e reassentamentos desnecessários, assim como a priorização dada aos interesses privados, sobretudo os imobiliários, que ainda se configuram como ameaça para a população que mora em áreas tão valorizadas como a orla. Essa assinatura ocorreu quase que em paralelo com o processo de revisão do Plano de Gestão Integrada da Orla, datado de 2006 e explorado mais a frente, Nas visitas em campo, é possível perceber o receio dos moradores com as desapropriações na área. Relatos de cartas recebidas e de casas marcadas são compartilhados, assim como olhares desconfiados quando percorríamos as ruas para realizar as entrevistas. O questionamento sobre possíveis desapropriações e sobre do que se tratava meu trabalho surgiram duas ou três vezes nas conversas. Isso mostra que a comunidade não se sente confortável com a situação atual e vive em constante estado de alerta. 120


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MAPA - DOMÍNIOS LEGENDA Limite Assentamento Polígono de Cessão para gestão da orla pela prefeitura de Fortaleza2 Linha preamar1 33m em direção ao continente Domínio1 Privado Público Estadual Público Federal Público Municipal Religioso

Fonte: 1- Prefeitura Municipal de Fortaleza 2- Art.14 da Lei Federal No 13.240/2015


Infraestrutura básica Relativo a infraestrutura básica, o Serviluz é bem abastecido de água, possui a rede de esgotamento sanitário, mas não é suficiente para atender a demanda local, gerando situações semelhantes a da Figura 32. Segundo relato de um morador, a rede de esgotamento foi implantada ainda no início das ocupações do Serviluz, fazendo com que, ao passar dos anos, essa rede fosse se tornando insuficiente pois o contigente habitacional foi aumentando. Constantemente é necessário que um carro especializado vá desentupir a rede do bairro, gerando, além do transtorno dessa manutenção frequente, o risco de poluição do mar e das reservas de água subterrâneas. Enquanto a autora visitava o local, foi possível presenciar um desses carros desentupindo a rede próximo à faixa de praia, na Av. Pontamar. De qualquer modo, ao pesquisar essas informações em dados secundários da Prefeitura, dá-se a impressão de que a área é suprida desses serviços de infraestrutura básica, como mostra o Mapa ao lado, construído a partir de dados da Prefeitura de Fortaleza. Figura 32: Esgoto à céu aberto Fonte: Acervo pessoal.

Equipamentos O Serviluz conta com seis escolas, quatro associações comunitárias, um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), um bem edificado tombado (o Farol do Mucuripe, tombado em 1983) e dois equipamentos de saúde, dentro das suas imediações. Não consta em registros oficiais a existência de praças nessas ZEIS, com exceção da Praça São Francisco. Entretanto, a utilização do espaço público pela própria população é intensa, de forma que alguns pontos do assentamento são utilizados e por vezes denominados “praça”, como é o caso da Praça Tiago Dias (um remanescente de quadra com aproximadamente 395m² localizado próximo das associações do Serviluz e do Titanzinho, em frente ao mar), da Praça Nezita (um cruzamento no qual as esquinas possuem as edificações 122


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MAPA - INFRAESTRUTURA BÁSICA LEGENDA Esgotamento sanitário Abastecimento de água Linhas Topográficas 1.0m

56.0m Fonte: Prefeitura Municipal de Fortaleza


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MAPA - ÁREAS LIVRES DE USO COMUM

Farol LEGENDA Espaços livres e públicos utilizados com frequência pelos moradores

praça Tiago Dias

Campo do Paulista

praça da Estiva

praça Nezita

praça são francisco


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MAPA - EQUIPAMENTOS LEGENDA ZEIS Linhas de ônibus Pontos de ônibus Escolas Municipais Escolas Estaduais CRAS Posto de saúde


um pouco recuadas, dando espaço para bancos nas calçadas ampliadas) e da Praça da Estiva (de dimensão um pouco maior, configurando uma quadra triangular). Utilizam ainda como área livre de lazer o Campo do Paulista (terreno livre privado, próximo à área de tancagem, que é utilizado pela população para prática do futebol), a própria faixa de praia (que por vezes é local de lazer das crianças que a utilizam para brincar e jogar futebol), e o Farol (que apesar de não receber a manutenção e restauro necessários por parte do Poder Público, além de passar a maior parte do tempo sem utilização ou com a presença de usuários de drogas, como narram os moradores, é palco de eventos organizados pela própria população, como será explanado mais a frente, e é um objeto de forte pertencimento cultural e sentimental dos moradores). Ainda que esses espaços livres tenham sido adotados pela população para uso comum, atribuindo valores semelhantes ao de praça, a rua, que também é espaço livre e público, exerce também o papel do encontro e das trocas sociais, não só de passagem. Nota-se essa forte característica ao andar nas ruas do Serlivuz, percebendo pessoas sentadas ao lado de fora das casas, conversando, jogando baralho, estendendo roupas, crianças brincando no meio da rua, e outras interações diversas. No que diz respeito ao atendimento do transporte público, o local é bem servido, possuindo linhas que conectam ao Terminal da Parangaba, ao Terminal do Papicu, ao Centro da cidade e, com pontos de ônibus mais distantes da maior parte da ZEIS, mas ainda acessíveis, ao Terminal do Antonio Bezerra, ao Terminal do Siqueira e à Barra do Ceará. Ameaças [do mercado imobiliário e do Poder Público] Como dito anteriormente, apesar de não receber as pressões do mercado imobiliário de forma tão voraz como se percebe em outras partes de orla da cidade, como é o caso da Beira Mar e da Praia do Futuro, a presença de novos empreendimentos bem próximos ao Serviluz é alarmante. O mapa da página 127, que é uma releitura do mapa apresentado pelo LEHAB na reunião “Onde está a comunidade que estava aqui?”, ilustra a proximidade dos novos empreendimentos imobiliários ao Serviluz. Simultaneamente a essa movimentação do capital privado, tem-se os planos e projetos pensados para a área por parte dos entes governamentais. Apesar de ser uma situação desejosa o fato de se ter intervenções do Poder Publico para o melhoramento urbano da região, nem sempre essas proposições intencionam o real benefício da população ali inserida. Como foi o exemplo da tentativa de instalação de um Estaleiro, entre os anos de 2009 e 2010, nas proximidades do Serviluz com a promessa de desenvolvimento e geração de empregos para a população, que acabou não se concretizando após forte resistência por parte da comunidade. Ainda, o Projeto Aldeia da Praia, anunciado em 2011 e tido como prosseguimento do Plano de Gestão Integrada da Orla de 2006 (que será comentado mais a frente neste trabalho), foi pensado para beneficiar a área nos âmbitos urbanos e habitacionais, com o restauro do Farol e a construção de uma grande praça ao redor, 126


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MAPA - NÃO ATENDIMENTO DOS RAIOS DE ABRANGÊNCIA LEGENDA ZEIS Linhas de ônibus Buffer Área não atendida pelo raio de ponto de ônibus Área não atendida pelo raio de escola municipal Área não atendida pelo raio de escola estadual Área não atendida pelo raio de equipamento de saude


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Figura 33: Imagem aérea da área do Farol Fonte: Google Earth. Figura 34: Perspectiva da praça do Farol, no Projeto Aldeia da Praia Fonte: Vasconcelos (2013, p.135)

alargamento das principais vias de acesso, construção de novas unidades habitacionais no vazio urbano inserido próximo à comunidade do Castelo Encantado, dentre outros pontos elencados. Entretanto, Vasconcelos (2013) faz em seu trabalho uma extensa análise criteriosa sobre o Aldeia da Praia, na qual questionou várias decisões de projeto que ou não refletiam exatamente o perfil da comunidade ali apresentada, ou eram duvidosos quanto a que interesses se visava realmente contemplar. Em suma, a autora aponta para: a ausência de soluções relativas a temática do assoreamento das casas, tendo essa problemática sido largamente apontada nos documentos do Projeto Orla; o superdimensionamento da praça em torno do Farol, resultando em um grande número de remoções as quais a autora considera desnecessárias e denuncia o interesse voltado a “limpeza” da paisagem para esta servir ao turismo; a distância do reassentamento das habitações que seriam removidas, apontando que alguns vazios urbanos existentes no entorno, incluindo ZEIS de vazios, não estavam sendo cogitadas.

Em 2014, foi a vez da Praia Mansa receber o projeto do Governo do Estado referente ao Terminal Marítimo de Passageiros, que prometia a geração de empregos na região e tinha pretensão de funcionar como um receptivo de estrangeiros que vinham nos cruzeiros à Fortaleza. Entretanto, sua principal função acontece de modo mais secundário, e o caráter predominante atualmente é o de abrigar grandes eventos como shows e desfiles. Ao que se pode perceber durante as visitas ao Serviluz, alguns moradores não parecem muito satisfeitos com as atividades atualmente ralizadas no Terminal. Em 2016, foram publicados os volumes do Plano Fortaleza 2040, que tentou construir durante uma média de quatro anos proposições, a curto, médio e longo prazo, interligadas e trabalhadas em três eixos principais: plano de desenvolvimento econômico e social, plano de mobilidade urbana, e plano mestre urbanístico. O que se pretende neste trabalho não é explorar a totalidade das propostas pensadas nesse Plano, mas sim trazer à tona algumas proposições no que diz respeito à área do Serviluz. O Plano deixa clara a intenção de aproveitar a área do Titanzinho/Serviluz como forma de conectivo entre o Meireles e a Praia do Futuro e tem o cuidado de preservar a comunidade ali presente. Cita a não pretensão de remover a comunidade local para lugares 128



distantes, colocando da seguinte maneira: Os estudos urbanísticos e de mobilidade realizados identificaram oportunidades para urbanização da Praia do Futuro e melhoria da sua conectividade à orla do Meireles, apoiando a inserção das comunidades do Titanzinho/Serviluz com a cidade, preservando suas autonomias espaciais e beneficiando-as economicamente a partir da nova urbanização proposta e da nova rede de acessibilidade, sem remoção de residentes para locais distantes. (FORTALEZA, 2016, p.300)

Embora essa intensão esteja expressa, o que se vê nos desenhos de mapas não é necessariamente a busca da conservação da comunidade existente. Existe sim uma grande parte da ZEIS Serviluz mantida no seu local de origem, mas nota-se que o mesmo cuidado não foi destinado à ZEIS ao lado, Cais do Porto/Titanzinho, que aparece completamente removida nas figuras. Para que houvesse a maior conectividade das orlas de Fortaleza, considerou-se a transferência da área de tancagem ali existente para o Pecém, medida há muito anunciada e aguardada para ocorrer. Entretanto, o que se vê nos mapas de implantação é um avanço claro de tipologias habitacionais de perfil econômico mais elevado do que atualmente se encontra no local, abrindo precedentes para um possível processo de gentrificação da comunidade do Serviluz. Ainda, a comunidade parece ficar isolada dessas novas implantações com a previsão de uma grande praça onde hoje se encontra o Campo do Paulista, fora as unidades habitacionais que deverão ser removidas para o terreno localidado no Alto da Paz devido ao alargamento de vias e implantação desses grandes largos. É possível perceber a ideia geral do Projeto Aldeia da Praia implantado nas previsões do Fortaleza 2040, consolidando o que foi pensado no ano de 2011 para a área. Por fim, em 2018, foi dado início ao processo de revisão do Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima (PGI), ou ainda, como abreviado por alguns de Projeto Orla. Esse Plano é uma iniciativa do Governo Federal, na figura do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que tem como escopo atuar no ordenamento do uso e ocupação das orlas no território brasileiro (PREFEITURA DE FORTALEZA, 2006). Em Fortaleza, a construção do Projeto Orla foi realizada em 2006, se propondo a identificar os problemas da orla marítima do município, fazendo isso com a atuação de várias secretarias, além de buscar a descentralização das ações do planejamento, integrando entes municipais, estaduais e federais, entendendo a necessidade de mobilização das áreas ligadas ao urbanismo, ao meio ambiente, ao judiciário e a sociedade como um todo. Segundo o documento, o processo foi uma construção coletiva e resultou em um extenso diagnóstico, no qual divide a orla de Fortaleza em cinco (5) unidades da paisagem, existindo dentro dessas unidades subdivisões menores chamadas de trechos. O Serviluz, objeto de estudo deste trabalho, está localizado na Unidade da Paisagem III, que é subdividida em quatro trechos menores. A área de ocupação dos assentamentos precários em ZEIS está presente nos trechos dois e quatro (sendo o trecho três relativo à Praia Mansa, onde hoje se encontra o Terminal Marítimo de Passageiros). Ao final do processo em 2006, obteve-se o produto do diagnóstico, os cenários atuais, tendenciais e desejáveis, seguidos de 130



Imagem da delimitação da Unidade da Paisagem III, em amarelo Fonte: PREFEITURA DE FORTALEZA, 2006, p. 24.

diretrizes e ações para que as áreas pudessem alcançar o cenário colocado como “desejado”. Entretanto, não se obteve muito avanço no que diz respeito às ações até os dias de hoje. Em 2018 se iniciou o processo de revisão do Projeto Orla em Fortaleza, seguindo as seguintes etapas: primeiro, buscou-se a articulação e instrumentalização na esfera municipal para dar início à revisão; em momentos seguintes, foram iniciadas oficinas e reuniões objetivando a obtenção do diagnóstico, classificação e delimitação dos cenários; após realizadas as primeiras oficinas, foram agendadas outras, agora com o objetivo de planejamento das ações; por último, houve a consolidação da versão preliminar do Plano de Gestão Integrada (PREFEITURA DE FORTALEZA, 2018). Ainda na segunda etapa, foram realizados seminários a partir da necessidade percebida de aproximar o processo de revisão à população local, tendo sido realizado um (1) seminário para cada Unidade existente, sendo, portanto, cinco no total (PREFEITURA DE FORTALEZA, 2018). Segundo a Prefeitura de Fortaleza (2018), pôde-se extrair dos seminários, principalmente: “[...] a identificação dos principais problemas existentes na unidade e possíveis soluções pelos participantes.” (PREFEITURA DE FORTALEZA, 2018, p.24). A grande crítica que se faz ao processo de revisão do PGI, principalmente tomando por base algumas declarações que foram feitas na reunião popular “Onde está a comunidade que estava aqui?” no Serviluz, foi a metodologia utilizada por parte do Poder Público. Questiona-se o motivo pelo qual se revisou todo o processo, inclusive as etapas de diagnóstico e cenários, já que as diretrizes e ações resultantes de 2006 sequer foram cumpridas. Do mesmo modo, questiona-se a forma abrangente na qual essas reuniões foram realizadas, pois, ainda que estejam divididas em Unidades da Paisagem, cada Unidade da orla contempla trechos, que são complementares, mas que possuem suas particularidades, não sendo ideal tratá-los de forma conjunta em todos os aspectos. Como já citado no tópico sobre domínios, houve recentemente a concessão, por parte da União, da posse da orla de Fortaleza para a Prefeitura Municipal, facilitando assim os trâmites burocráticos para que algumas ações sejam efetuadas. O que preocupa essa 132


população inserida em assentamentos precários (assim como tantas outras possíveis de se encontrar na orla de Fortaleza) é a grande valorização imobiliária gerada pelo turismo e serviços presentes na zona costeira, oferecendo um elevado grau de ameaça para as famílias que não tem a segurança de posse de suas moradias, pois, uma vez tomadas as suas casas, não possuem condições para permanecerem ali, já que não conseguem arcar com o custo da terra no mesmo local. Protagonismo da população Enquanto planos e projetos são pensados na esfera pública mas nada de fato é feito com e para a população do Serviluz, esta, por outro lado, movimenta-se e se mobiliza, culturamente, politicamente, socialmente. Por se ter escolhido o local de aprofundamento para este trabalho mediante uma série de critérios e pontuações a partir dos indicadores da pesquisa inicial, não era de conhecimento da autora o perfil atuante dos moradores do Serviluz que se percebeu desde o primeiro contato. De fato, talvez por surgir de uma necessidade atrelada a própria sobrevivencia e permanência no local, a comunidade que ali reside possui uma boa compreensão política e são ativos no que diz respeito a movimentos de arte e cultura. Essa percepção ocorreu nas conversas com os moradores e quando se tomou conhecimento das associações existentes (Associação dos Moradores do Titanzinho, Associação dos Moradores do Serviluz, Associação de Catadores Brisamar, Associação Boca do Golfinho), bem como dos coletivos como o Servilost e o Coletivo Audiovisual do Titanzinho. Fala-se de alguns desses a seguir. A Associação dos Moradores do Serviluz é a mais antiga dentre esses, tendo iniciado suas atividades por volta de 1975 e tendo a Dona Mariazinha como figura importante da representatividade local. Atualmente, a sede abriga o Instituto Povo do Mar (IPOM), organização sem fins lucrativos fundada em 2010 por surfistas que buscavam impactar positivamente a vida de pessoas socialmente desfavorecidas. A Associação dos Moradores do Serviluz fica espacialmente bem próxima a Associação dos Moradores do Titanzinho, essa última, por sua vez, tendo sido fundada posteriormente. É bastante atuante e por vezes apoia ou realiza eventos e formações sociais relacionadas á arte e cultura, se destacando projetos como os Saraus, Mostras Audiovisuais do Titanzinho, Cineclube SER VER LUZ, Serviluz das Artes, Surf das Manas, além de promover graffitis, lambes e stencil pelas ruas do Serviluz. A grande característica desses eventos é que, em sua maioria, utilizam-se dos espaços livres e públicos existentes na ZEIS, mesmo não havendo muitas praças oficiais ou boa infraestrutura para os receber. Por exemplo, nas atividades que envolvem mostras de filmes ou documentários, por vezes se realiza as projeções gráficas em paredes (como é o caso de eventos no Farol do Mucuripe, no qual se é projetado na própria edificação tombada, voltando simbolicamente o olhar para esse elemento abandonado por parte do Poder Público no sentido de receber os devidos processos de restauro e preservação), ou pendura-se uma tela de projeção na árvore quando o evento é realizado na praça Tiago Dias (que não é praça oficialmente, mas que 133


assim é adotada pela população local). Trazer essas atividades para o espaço público potencializa a visão desses espaços enquanto lugar de usufruto da própria população, mostrando as oportunidades existentes neles, fortalecendo a apropriação do espaço pela própria comunidade e integrando grupos e pessoas distintas, resultando em uma rica troca social. A ZEIS também recebe projetos como o Projeto de Vida, idealizado por psicólogas e estudantes de psicologia, que levam às crianças e jovens da comunidade encontros para debater assuntos com as temáticas de direitos humanos, autoconhecimento, visão de futuro, dentre outros tópicos. Além desse, recebe também projetos sociais diversos realizados por membros de igrejas presentes no bairro. Percebeu-se que, apesar de haver essa intensa movimentação no que diz respeito as atividades culturais no bairro, e que essas movimentações de uma forma ou outra impactam muitas pessoas direta ou indiretamente, a iniciativa de promoção dessas ações acontece apenas por parte de um pequeno grupo específico de pessoas, são figuras que se repetem em vários desses coletivos ao mesmo tempo. Essas pessoas, mais pontuais, estão a par das questões que envolvem o fato da comunidade ser ZEIS e do que isso implica, enquanto que a maioria dos entrevistados para este trabalho mostrou desconhecimento do que seria uma Zona Especial de Interesse Social, ou que o Serviluz estava inserido em uma, ou até mesmo de alguns eventos ou reuniões realizadas para defender algo de interesse do Serviluz como um todo. Alguns chegaram a alegar que a informação não chegou até eles, que não estiveram presentes por não saber que iria ocorrer. É normal esse desconhecimento do pertencimento a essa zona por parte da população em geral, mas é importante que esse entendimento aconteça, mesmo que da forma mais simplificada possível. Isso porque, a propagação da informação relativa aos direitos resguardados àquela população permite paridade do saber de cunho mais técnico, contrariando a tendência de aceitação a tudo o que se é imposto pelas camadas detentoras do poder e do conhecimento. Estabelece, dessa forma, uma igualdade, ou pelo menos algo perto disso, no diálogo. De todo modo, mesmo muitas pessoas não sabendo o significado desses termos mais técnicos, mostram-se lúcidas politicamente falando, entendidas do quanto a área em que estão inseridas é visada pelo mercado imobiliário e o quanto precisam exigir seus direitos para morar dignamente. O protagonismo dos moradores no processo de ressignificação dos espaços do bairro resultou em um produto muito valioso para o presente trabalho, Trata-se de um mapa, feito a partir de uma parceria entre a Associação de Moradores do Titanzinho, o Coletivo Servilost e o Coletivo Audiovisual do Titanzinho, no qual foram identificados diversos pontos importantes no espaço, sejam eles fixos como comércios ou escolas, sejam eles móveis como eventos ou meios de divulgação. A parte gráfica foi feita por um ilustrador morador do Serviluz, chamado Spote. O mapa ajuda a identificar alguns equipamentos de utilização da população, além de pontuar onde as principais atividades de arte e cultura acontecem naquele espaço. É importante perceber que, mesmo sem possuir investimentos dos órgãos públicos na manu134



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0

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MAPA - CONCENTRAÇÃO DAS ATIVIDADES POPULARES LEGENDA Carrim das artes Linha de ônibus Intensidade comercial intensa Atividades sociais Mobilização - Arte Concentração das atividades


tenção dos espaços livres, encontram-se espaços remanescentes potenciais e os transformam em espaços de uso intenso, podendo-se perceber também o grande potencial da rua para as expressões artísticas e sociais. Com esse mapa, foi possível confeccionar outro na intenção de visualizar espacialmente onde acontecem, no bairro, as maiores concentrações dessas atividades sociais. Para isso, foram inseridas também as informações de intensidade comercial de Vasconcelos (2013), além das linhas de ônibus, para visualizar a movimentação de público no dia a dia e os principais acessos do restante da cidade. De fato, a concentração desses eventos sociais e culturais acontecem nos espaços tido como praças pelos seus moradores, sendo eles: Praça Tiago Dias, Farol do Mucuripe, Praça São Francisco, Praça da Estiva, Praça Nezita. Além desses, sobressaem-se mais dois pontos no mapa, um localizado na Avenida Pontamar e outro localizado na Avenida Leite Barbosa. O Campo do Paulista Territorialidades e territórios Optou-se em incluir este tópico sobre territorialidades por perceber a presença desses diversos territórios que se configuram dentro do espaço das ZEIS, sendo essas, por sua vez, igualmente territórios dentro do contexto do bairro em que se inserem e do município. Essas subdivisões, mesmo que por vezes não possuam limites precisos ou até mesmo denominações precisas, podem ser encontradas na fala de diversos autores que realizaram trabalho sobre esse espaço, como Vasconcelos (2013), Nogueira (2006) e Aguiar (2017). Antes de iniciar a discussão sobre o que ocorre no Serviluz, cabe tecer algumas reflexões sobre o que implica esse termo “território”. Para isso, apoiou-se nos autores Souza (1995) e Haesbaert (2004), buscando fazer sempre um paralelo de seus pensamentos. Segundo Souza (1995): “O território [...] é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 1995, p.78). Dessa forma, não se interessa isoladamente, na configuração de um território, os aspectos naturais do sítio, as formas edificadas, a história por si só da evolução local. É necessário que haja algum tipo de relação social projetada em um espaço para que ele se configure em um território. Sobre esse “poder”, Haesbaert (2004) coloca que: Território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas ao tradicional “poder político”. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de apropriação. (HAESBAERT, 2004, p. 1).

Trazendo para a realidade do Serviluz, podemos interpretar e exemplificar da seguinte forma: o bairro Cais do Porto, no qual o Serviluz está inserido, é um território no qual o Município estabeleceu seus limites para exercer seu papel de controle das atividades do executivo municipal. Funciona, portanto, com limites precisos e foi implantado de cima pra baixo. Há, dentro do Serviluz, outros territórios identificados que configuram o que Haesbaert (2004) coloca como simbólicos, pois existem mediante apropriação e relações que não necessariamente 137


estabelecem vínculo de dominação, como é o caso das subdivisões internas que se criou no Serviluz, devido a motivações diversas, mas que funcionam de certo modo como referências das segmentações do bairro. Entretanto, percebeu-se que essas segmentações não são fixas, muito menos possuem limites bem definidos como o território do bairro ou da ZEIS Serviluz e da ZEIS Titantinho/Cais do Porto. Percebeu-se também que as motivações para essa segmentação também variam, acontecem seja pela dominação de alguma área por um segmento do tráfico de drogas, seja pelo simbolismo que algum lugar representa e fez com que a população se apropriasse da área como tal. Nas referências estudadas, quando se falava dessas subdivisões internas, em nenhum momento o resultado da listagem de um autor foi igual ao outro, e foi possível até mesmo encontrar diferenciação na escrita em alguns casos. Vasconcelos (2013), por exemplo, cita os seguintes territórios: Favela, Farol, Canefor, Estiva, Titanzinho, Boca do Golfinho, Pracinha, Chez Pierre. Enquanto que Aguiar (2017) cita: Farol Velho ou Favela, Titanzinho, Estiva, Campo do Paulista, Rua do Bagulho, Portão, Boca do Golfinho, Rastro, Pracinha e Sardinha. Por fim, Nogueira (2006) fala de: Estiva, Farol, Fronteira, Favela, Titanzinho, Rastro, Final da Linha, Pracinha, Chespierre. Como é difícil de precisar as limitações de cada território identificado, é possível também que um mesmo território citado por mais de um autor possua diferentes fronteiras e áreas de abrangência nas suas visões. Segundo Nogueira (2006), essas subdivisões são resultado de um processo de ocupação diverso e caracterizado por um grande contingente de pessoas. Ainda, na visão de Aguiar (2017), a partir dos contatos que obteve com moradores do bairro, é nítido o destaque dentre essas divisões os segmentos referentes ao domínio do tráfico, evidenciando-se três deles, tidos como rivais: Titanzinho, Estiva e Pracinha. Na visão de Souza (1995), é possível que haja territórios sem a necessidade de um engessamento no que diz respeito a sua configuração espacial, chamando esses de “territórios flexíveis” ou “territórios flutuantes”. Como exemplo desse tipo de classificação, fala-se dos territórios da prostituição, dos quais o aspecto simbolico de apropriação do espaço é relativo, por vezes prevalecendo o aspecto funcional ao emocional. Como houve no Serviluz uma época na qual eram conhecidos os espaços de prática do meretrício, essa zona hoje é reconhecida como um território, talvez não tão explicito quanto a seus limites ou motivações, pois sofre influencias ao longo do tempo de outros aspectos que foram se configurando no espaço. Traz-se aqui o pensamento de Haesbaert (2004), que coloca: “[...] é interessante observar que, enquanto “espaço-tempo vivido”, o território é sempre múltiplo, “diverso e complexo”, ao contrário do território “unifuncional” proposto pela lógica capitalista hegemônica” (HAESBAERT, 2004, p. 2). O mesmo autor defende que, apesar de haver essa dicotomia na identificação dos recursos que determinam o território, ou seja, territorio motivado por aspecto funcional e territorio motivado por aspecto simbolico/emocional, admite-se que não existe de fato uma pureza e desassociação desses dois tipos. O que ocorre é que sempre um território possuirá cargas funcionais e simbólicas, havendo apenas a variação de peso dessas em cada caso (HAESBAERT, 2004). 138


Dito isso, no lugar de tentar identificar e demarcar os territórios com limites ou manchas de atuação no espaço do Serviluz, buscou-se identificar o que influencia direta ou inderetamente à apropriação dos espaços e conformações de territórios diversos e variantes. Para isso, buscou pontuar no mapa os símbolos, as barreiras sensoriais ou físicas identificadas, as localidades influenciadas por questões ligadar ao mar, os espaços de encontros sociais e culturais, as áreas de conflito ou dominação de facções, percursos e vias significantes para o cotidiano daquela população, além dos territórios que possuem fronteiras bem delimitadas e impostas como as ZEIS e os assentamentos classificados pelo PLHIS (2012). Esses fatores são influenciadores diretos ou indiretos da criação de territórios na percepção pessoal de cada indivíduo, assim como a combinação diversa entre eles. O Farol, tido no mapa como símbolo, dá nome a uma área, território, que já foi associado ao meretrício, ou às primeiras ocupações do assentamento, ou ao aspecto simbolico e cultural que de certa forma dá identidade única à comunidade como um todo. As relações com o mar também configuram e transformam territórios, seja eles dentro do próprio mar, com a separação e nomenclatura de diferentes secções a partir dos picos de onda, como mostra o mapa a seguir, bem como influenciam simbolicamente o espaço construido imediatamente adjacente as atividades que ocorrem nele, como se pode perceber a relação mais intensa com a pesca das edificações ao lado leste do Serviluz, enquando o lado norte possui fortes laços com a prática do surf. Ou ainda, a forma como dão nome a alguns territórios baseados nos seus espaços livres de uso público, como é o caso do território da Pracinha, fazendo referência à praça São Francisco presente nas imediações, ou do Campo do Paulista.

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LEGENDA relações com o mar conflitos símbolos encontros percursos coletores percursos secundários barreiras ZEIS assentamentos (PLHIS)

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MAPA - TERRITORIALIDADES E TERRITÓRIOS IDENTIFICADOS


PORTÃO

HAVAIZINHO MEIO

TITANZINHO

VIZINHO

BOCA DO GOLFINHO

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MAPA - TERRITÓRIOS DO MAR


Com essas percepções, optou-se por realizar a atividade da maquete em campo, já explicada anteriormente. Discute-se aqui os resultados obtidos. Desejava-se perceber nesse contato com o público se havia algum tipo de impedimento das pessoas que moravam em um lado da ZEIS no sentido de frequentar o outro lado para lazer. No primeiro dia, o percurso realizado foi o da praça São Francisco. Os pinos roxos indicam o local onde as pessoas entrevistadas moram, enquanto os pinos laranja indicam o local que mais gostam de frequentar no Serviluz. Com essa primeira aproximação, foi possível perceber duas coisas: primeiro, que existiam pessoas usufruindo a praça a sul do Serviluz mas que moravam distante do local, mais a norte do assentamento; segundo, que pessoas que moravam no entorno imediato da praça por vezes apontaram o mar como melhor opção de lazer, mesmo que houvesse distância muito grande a ser percorrida como é o caso dos que apontaram para as imediações do Titanzinho. Isso pode ser percebido como uma grande ligação com o mar em todo o Serviluz, não só com as pessoas que se encontram mais próximas ao Titanzinho. Ainda, não foi percebido nenhum tipo de estranhamento em relação a frequentar diferentes pontos do Serviluz, corroborando o que Aguiar (2017) coloca quando diz que os moradores afirmam que só existe receio nessa transposição de territórios para quem é diretamente envolvido com as questões do tráfico, indicando que a população que não possui essa conexão circula livremente entre as áreas. No segundo dia, entretanto, essas percepções de maior permeabilidade entre as áreas foram menos percebidas. No geral, por ter sido realizado em um percurso maior, portanto abrangendo mais áreas, o resultado final foi mais pulverizado entre os territórios. Entretanto, o que se percebeu foi a seguinte situação: as pessoas entrevistadas próximo à área do Titanzinho recorreram, na maioria das vezes, à praia como espaço preferido de lazer, com exceção apenas de uma pessoa que escolheu o Farol. Percebe-se portanto uma baixa pulverização no espaço, ao longo das ZEIS, para aquelas pessoas que moram nas proximidades do Titanzinho. Enquanto que as pessoas entrevistadas na área da Estiva, a maioria, não escolheram a praça da Estiva, que é fisicamente mais próxima de suas habitações, como espaço preferencial de lazer. A grande maioria escolheu também a praia no Titanzinho, indicando, novamente, a forte ligação com o mar de toda a comunidade. Por fim, no que diz respeito aos desenhos solicitados às crianças, quando perguntado o que mais gostavam do Serviluz, a grande maioria desenhou atividades relacionadas ao esporte (surfe e futebol) e à brincadeiras que são realizadas no meio da rua (brincar de carimba, jogar peão, andar de bicicleta). Isso reflete a vitalidade que pode ser encontrada nas ruas do Serviluz como um todo, sendo constante a utilização dessas pelas crianças para brincadeiras e encontro com os amigos, como também pelos adultos, sentando na calçada, conversando, encontrando amigos, jogando baralho, estendendo roupas, caminhando. Sobre a simbologia afetiva dos espaços, uma criança desenhou o Farol, enquanto que muitas delas desenharam o mar, por vezes identificado com peixes ou com o molhe de pedra existente.

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Figura 35: Maquete com as contribuições do primeiro dia Fonte: Acervo pessoal da autora.

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Figura 36: Maquete com as contribuições do segundo dia Fonte: Acervo pessoal da autora.

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Figura 37: Desenho feito pelas crianças Figura 38: Desenho feito pelas crianças Figura 39: Desenho feito pelas crianças Fonte: Acervo pessoal.

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CAPITULO 05

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO - reflexões iniciais - conceito da intervenção: o terceiro espaço - plano de intervenção - diagramas - projeto



5.1. Reflexões iniciais A partir de agora, busca-se neste trabalho voltar o olhar para a proposta de intervenção pensada para o Serviluz. Ela será resultado de um apanhado de reflexões feitas desde o início deste trabalho, formando aqui um pensamento contínio e ao mesmo tempo descontínuo, ao qual se pode recorrer e interligar os tópicos abordados constantemente. Da ordem que foi posta aqui, temos os seguintes e importantes questionamentos: a precariedade do acesso a moradia para muitas famílias brasileiras, os programas e políticas públicas que não resolvem de fato o déficit da moradia (que é, para além do limite físico da habitação, também inúmeros aspectos qualitativos do entorno que impactam diretamente a qualidade de vida da população), o que são e como estão postas atualmente as ZEIS, instrumento essencial para a manutenção da regularização urbanística e fundiária, posterior a isso reflexões sobre o porque esse instrumento tão importante não parece funcionar e de que forma se pode pensá-lo como ferramenta de luta política de base e mobilização das comunidades, adotando uma significação mais profunda no que diz respeito a participação popular. Ainda, reflexões feitas sobre o Serviluz, local escolhido para intervenção, do qual se descobriu no meio dos estudo um lugar fortemente fecundo para as mobilizações de base pensadas nos tópicos anteriores deste trabalho, pois se mostra ativo nas interações interpessoais e cheio de simbolos e apropriações do espaço por parte da população, mostrando forte sentimento de pertencimento e apego ao local. Ao mesmo tempo, sofre com entraves das territorializações e da precariedade do espaço público, local esse de suma importância para configurar o encontro social entre semelhantes e diferentes. Portanto, com todas essas questões postas, escolheu-se trabalhar justamente com o espaço público no Serviluz, na tentativa de contribuir com uma proposta projetual que reforce essas apropriações do espaço por parte da comunidade, ao mesmo tempo que busca ser o meio das trocas e do cruzamento de vários segmentos hoje existentes, com intuito de fortalecer as mobilizações de base para lutas em comum daquela população. Entende-se que, se o espaço já é utilizado da maneira precária em que se encontra, a partir do momento que se lança propostas de intervenções que buscam reforçar essa característica, ele se torna ainda mais propenso a utilização, podendo até mesmo servir para os constantes processos de reterritorializações.

5.2. Conceito da intervenção: o Terceiro Espaço “Nessa dimensão coloca-se o debate a respeito das categorias presentes na nova temporalidade, a do mundo globalizado. Nele as fronteiras se apagam, dissolvem os localismos e/ou acirram as questões identitárias. Figurando um ir-e-vir não apenas de lugar, mas também de situação ou época, a dimensão de fronteira postulada por Pesavento possibilita – pelo contato e permeabilidade – o surgimento de algo novo, híbrido, diferente, mestiço, um “terceiro”, que se insinua na situação de passagem.” (HANCIAU, 2005, p. 9)

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O conceito do Terceiro Espaço, que motivou as escolhas desde a confecção do Plano de Intervenção (mostrado no tópico a seguir), está ligado com a questão do território. Na verdade, esse conceito é adotado e estudado em diferentes vertentes do saber, seja a linguistica, a geografia, a psicologia, etc. Como bem traduz Hanciau (2005) Entre-lugar (S. Santiago), lugar intervalar (E. Glissant), tercer espacio (A. Moreiras), espaço intersticial (H. K. Bhabha), the thirdspace (revista Chora), in-between (Walter Mignolo e S. Gruzinski), caminho do meio (Z. Bernd), zona de contato (M. L. Pratt) ou de fronteira (Ana Pizarro e S. Pesavento), o que para Régine Robin representa o hors-lieu, eis algumas entre as muitas variantes para denominar, na virada de século, as “zonas” criadas pelos descentramentos, quando da debilitação dos esquemas cristalizados de unidade, pureza e autenticidade, que vêm testemunhar a heterogeneidade das culturas nacionais no contexto das Américas e deslocar a única referência, atribuída à cultura européia. (HANCIAU, 2005, p. 3).

Ora, se o espaço é locus de multiterritorializações e se o que acontece não são as desterritorializações, impostas por um raciocínio que busca engessar e controlar essas barreiras sociais que não servem à lógica do capital financeiro, mas sim processos complexos de (re)territorializações diversas, o espaço público se torna incubador dessas relações com forte potencial para as trocas sociais, das articulações e desarticulações diversas que ocorrem entre os individuos, continuamente ou em rede. Alia-se a essa conceituação o que Scheifer (2013) coloca: “O terceiro espaço é o locus onde os saberes se desterritorializam em direção a uma nova reterritorialização” (SCHEIFER, 2013, p. 16). Considerar o desejo de mobilização de base de uma ZEIS em prol da união pela luta ao direito de moradia não diz respeito, portanto, a alcançar uma unidade intelectual ou de opiniões partilhadas semelhantes. É desejável inclusive que haja o conflito de ideias, pois a partir daí, desse compartilhamento de diferentes visões, é possível que haja a construção coletiva que vise atender a diversos interesses existentes em comunidades tão plurais. É o exercício da cidadania na forma mais simplória possível. E o espaço livre e público aparece nesse trabalho como palco dessas relações, de maneira mais forte ainda nas ruas, na calçada de casa, no “terceiro espaço”, onde acontecem, além dos deslocamentos, as constantes trocas e territorializações flutuantes. Trazendo para o que se foi discutido neste trabalho como proposições e diretrizes gerais no capítulo 3, esse espaço público mais local pode aparecer sendo ambiente de debate do Grupo Gestor ou de reuniões abertas à comunidade, ser agregador de diferentes grupos sociais, inclusive grupos externos à ZEIS em questão, ser elemento de resistência quando apropriado e utilizado pela população, ser parte dos circuitos de eventos que visem a dinâmica econômica do local.

5.3. Plano de Intervenção Com as considerações anteriormente colocadas, fala-se agora do Plano de Intervenção. Esse Plano aparece neste trabalho como uma espécie de resumo das intenções de intervenção, futuramente 149


intenções projetuais, a partir de uma leitura da autora dos problemas e potencialidades identificados no Serviluz. Para facilitar a compreensão dos pontos considerados na confecção do Plano, elaborou-se o Diagrama 6. Tem-se de um lado os problemas e potencialidades, a partir disso se estabelecem as diretrizes para lidar com as questões colocadas e, por fim, os usos identificados no espaço público e a relação com a diretriz correspondente. A forma que se encontrou de intervir nos espaços do Serviluz guiou-se muito mais pelas potencialidades percebidas do que pelos problemas encontrados. Isso porque se entendeu que o desenho de projeto nas áreas públicas poderia agir como atenuante das problemáticas quando esse tivesse como proposta a potencialização dos aspectos positivos que já existentes no local. Para a intervenção, foram classificados quatro tipos de espaços públicos nos quais se gostaria de atuar. Esses espaços foram chamados neste trabalho de aglomeradores, quando esses se re-

Diagrama 6: Diagrama de problemas, potencialidades e diretrizes Fonte: Produção própria, 2017.

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feriam as praças ou lugares potenciais de grandes encontros na comunidade; Percurso maior, quando esses se referiam a vias de grande extensão que possuem a característica de interligar diversos espaços dentro das ZEIS ou até mesmo a ZEIS com o restante da malha urbana da cidade; Percurso menor, quando esses se referiam a vias de menores proporções, que ligam um espaço maior a outro; Esquinas, ocorrendo no encontro de dois percursos menores. Com as classificações estabelecidas, intenciona-se aqui desenvolver mais detalhadamente um projeto para cada item anteriormente colocado, ou seja, determinou-se uma zona de aproximação de um aglomerador; uma zona de aproximação de uma esquina, uma zona de aproximação de um percurso maior, e uma zona de aproximação de um percurso menor. Essas zonas são trabalhadas de forma mais precisa no tópico seguinte.

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MAPA - PLANO GERAL DA INTERVENÇÃO

Aglomeradores Percurso maior

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INTERVENÇÃO 3

INTERVENÇÃO 1

INTERVENÇÃO 2


5.4. Diagramas Para contribuir na construção metodológica a respeito do diagnóstico mais aproximado das áreas selecionadas, foi utilizado como referência bibliográfica a publicação de Rosa (2011), que analisa alguns projetos em São Paulo a partir do que se chama de “estrutura-padrão” de análise. Utilizou-se um recorte dessa metodologia para aplicar neste trabalho, além de se achar necessário inserir a variável da porosidade, explicada a seguir, devido à inserção das ideias de terceiro espaço na conceituação da intervenção no espaço do Serviluz. A seguir, demonstra-se como se pretende utilizar a metodologia acima citada, fazendo uma espécie de cartão-resumo dos elementos explorados em cada zona de aproximação selecionada. Logo após o cartão-resumo, inicia-se a análise dos espaços e a proposta projetual na seguinte ordem: Praça Tiago Dias, Cruzamento da Rua Murilo Borges com a Rua São Gerardo; Rua Vicente de Castro. No geral, como se classificou os espaços de intervenção em quatro tipologias, adotou-se para as que vão ser objeto de estudo uma linguagem semelhante que pudesse servir de identificação imediata dos espaços. Estratégias de projeto

ESQUINAS

AGLOMERADORES

PERCURSO MENOR 154


1

Nome / Característica da forma: i.

ii.

iii.

iv.

i. Aglomeradores: Espaços livres, geralmente identificados como “praças” pelos moradores, com potencialidade para concentrar várias atividades ao mesmo tempo e/ou atividades de grande porte. ii. Esquinas: Encontro de duas vias. Espaço potencial e simbólico do encontro e do direcionamento a outras partes da ZEIS. iii. Percurso Menor: Ligações internas na ZEIS. As vias se tornam espaços fecundos da atividade cotidiana e das desterritorializações e reterritorializações diversas. iv. Percurso Maior: Ligações entre ZEIS e restante da malha urbana da cidade. Apresenta também potencial de conexão de um grande número de espaços internos.

2

Espaço concreto / Conexto:

Descrição do espaço construído através de um parágrafo breve.

3

Base Google Earth:

Imagem aérea retirada do software Google Earth, no ano de 2017. Necessária para visualização do entorno do espaço discutido, além da ocorrência de cheios e vazios, massas de vegetação, forma e distribuição das edificações.

4

6

5

Diagrama de densidade de ocorrência Camada 3 Ações Geradas Camada 2 Objetos Relacionais Camada 1 Morfologia

Porosidade: Consideradas neste trabalho como as aberturas e possibilidade de trocas sociais e passagem, seja na relação edifício/rua, seja na identificação dos diversos acessos ao espaço analisado. A análise é feita a partir da planta baixa no AutoCAD com as fachadas rebatidas na própria planta. Tática:

Adicionar

Ativar

Camada 1: estrutura formada pelas edificações, vias e espaços livres; Camada 2: objetos que, quando fazem parte de interações cotidianas, acrescentam na arquitetura e significação do lugar; Camada 3: interações cotidianas, ações, usuários ativos no espaço; Camada extra: alguma camada julgada necessaria para formação e composição do espaço existente.

Desenho tático (MICHAEL DE CERTEAU apud ROSA, 2011) é aqui proposto como intervenções guiadas a partir de circunstâncias já existentes. Pode-se, portanto, ativar algumas ferramentas já presentes no espaço, de forma a aproveitar suas potencialidades, bem como sugerir a adição de novas ferramentas, sempre relacionadas com a observação do que acontece no campo inspecionado. Ao lado esquerdo, encontram-se as ferramentas a serem ativadas ou adicionadas em forma de ícones. Ao lado direito, um texto explicativo. 155


1

Praça Tiago Dias

2

Espaço concreto / Contexto: Espaço remanescente de uma quadra, pouca arborização, piso em concreto e terra, meio-fio, mobiliário urbano . Edificações próximas até 3 pavimentos, compostas por associações (do Serviluz e do Titanzinho), residências e comércio. Possui relação direta com o mar e a prática de surf.

5

3

Diagrama de densidade de ocorrência

fotografar

encontrar amigos apoiar objetos

sentar-se à sombra discutir transitar graffitar assistir

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Ações geradas

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comércio

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mesas

varanda

cadeira + arvore

Base Google Earth (2017) pedras

4

escorrega projetor bancos

mar

pedra c/ graffiti

Objetos Relacionais casas casas

pedaço de quadra

viela

Porosidade rua

Morfologia

6

Ferramentas

Tática: Aproveita-se o uso existente do espaço para atividades de audiovisuais e reuniões comunitárias, trazendo as projeções de data-show para a parede da Associação de Moradores do Serviluz (IPOM). Cria-se uma espécie de arquibancada aproveitando o desnível entre a praça e as edificações, unificando a leitura daquele espaço. Insere-se mobiliário urbano de apoio e de descanso, além de uma estrutura nas pedras do molhe para contemplação dos surfistas e banhistas do Titanzinho. As expressões artísticas são potencializadas e valorizadas nessa praça.


BLOCOS DE CONCRETO POROSO PRE-MOLDADO COM PINTURA VERMELHA (3x2)m

ESCADA/ARQUIBANCADA

PLATAFORMA DE OBERVAÇÃO FIXADA NAS PEDRAS

MOBILIARIO: BLOCO/BANCO DE CONCRETO

CHEGADA DO ESPAÇO AGLOMERADOR

PLANTA BAIXA DA PROPOSTA PRAÇA TIAGO DIAS

2,5m

0m

2,5m

5m

157


ESTRUTURA FIXA DE OBSERVAÇÃO ESTRUTURA FIXA DE OBSERVAÇÃO

A intervenção na praça Tiago Dias foi pensada como sugestão de melhoramento do espaço, que já é amplamente utilizado pela população, seja para suporte ao esporte do surfe, havendo pessoas que constantemente param para observar os surfistas; seja para suporte as reuniões comunitárias, que se utilizam da rua e da árvore como apoio para a tela do projetor; seja para encontro entre amigos, que atualmente contam com quatro bancos em mau estado logo abaixo da maior árvore existente. Assim, pensou-se em unificar a paginação da rua e da praça, transformando o espaço pequeno e trazendo a sensação de amplidão da praça disponível. Manteve-se, entretanto, o desnível existente de 60cm de altura entre a praça e o IPOM, transformando-o em uma extensa escada que possui potencial para se tornar uma arquibancada, com propósito de que as pessoas sentem nos próprios degraus ou utilizando-se de cadeiras plásticas, como já é observado atualmente. Quando houver necessidade de utilizar recursos audiovisuais, a fachada da Associação dos Moradores do Serviluz, que possui muro cego, pode servir como apoio para as projeções. Os degraus possuem 30cm de espelho e 60cm de profundidade. O nível é equacionado, nas ruas, pelo declive das mesmas. Para o mobiliário, optou-se por repetir mobiliários usados em outras localizações propostas do Serviluz, na busca pela similaridade da linguagem das intervenções no espaço. Ainda, visando a valorização do surfe, tão simbólico e representativo para os moradores, a intervenção pensada foi uma plataforma revestida de chapas de compensado naval, apoiada em estrutura metálica fixada nas pedras, avançando sobre uma parte do mar. O propósito dessa intervenção é sobretudo a contemplação da paisagem.


MOBILIARIO

VASO

LIXEIRA

APOIO PARA MESA

TOPO EM MADEIRA RIPADA PARA BANCO

159


1

Cruzamento Rua Murilo Borges x Rua São Gerardo

2

Espaço concreto / Contexto: Cruzamento de duas vias locais, com caixa média de 5,50m de largura. Proporciona sensação de ampliação quando se chega no espaço, devido uma das esquinas possuir um recuo maior nas habitações, proporcionando essa diferença de perspectiva. Edificações de um ou dois pavimentos, de uso habitacional predominante. Grandes áreas de fachada cega.

5

a Ru

3

ri Mu

Diagrama de densidade de ocorrência

lo s

rge Bo

conversar na calçada comprar brincar conversar na calçada

do rar

a Ru

passar

pedalar

e oG

atravessar

janela com comércio

Base Google Earth (2017)

4

Ações geradas batente de porta fachada cega

calçada grande

fachadas

Objetos Relacionais casas varanda casas esquinas

Porosidade casas

passagem apertada

6

Morfologia

Tática: Inserção de mobiliário com características de permanência, como mesas e bancos, espaço lúdico. Inserção do painel de informações. Disposição dos elementos para possibilitar a projeção de tela na empena cega logo a frente do comércio existente, podendo reconfigurar o espaço de diferenes formas possibilitanto diversos usos. Pintura de piso na rua, subindo 80cm nas paredes adjacentes, para identificar visualmente um elemento de chegada durante o percurso. Ferramentas


MESAS (MOBILIÁRIO MOVEL)

BANCO EM CONCRETO MOLDADO IN-LOCO

0m

PNEU FIXADO NA PAREDE

3m

BANCO EM CONCRETO MOLDADO IN-LOCO COM MESMA PINTURA QUE O PISO

PLANTA BAIXA DA PROPOSTA CRUZAMENTO RUA MURILO BORGES X RUA SAO GERARDO


sentar na calçada

pneus fixados na parede para uso lúdico

mesas comercio local CENÁRIO 1 - ESQUINA pneu com vegetação

audiovisual

lousa de avisos

plateia

CENÁRIO 2 - ESQUINA

pneu com vegetação

comércio local

mesas comercio local CENÁRIO 3 - ESQUINA 162


PEÇA DE SUPORTE CHUMBADA NA PAREDE

DESENHO ARREDONDADO NA BORDA PARA EVITAR QUEBRAS 5cm 5cm

Nas esquinas, a principal premissa para intervenção foi a configuração do espaço para que este também se torne, em alguns momentos necessários, lugar do convívio político, cultural e social. Para isso, precisou-se mitigar a ideia da esquina apenas como passagem. A estratégia utilizada foi a demarcação integral do piso com uma camada de pintura uniforme, subindo com a pintura 80cm nas paredes adjacentes na busca pela sensação de acolhimento e de estar. Aproveitando uma fachada um pouco maior que dois pavimentos, inteiramente cega, em uma das esquinas, buscou-se instalar, como estratégia, elementos de convívio, como um mural com pneus coloridos, servindo para brincadeira de crianças ou para apoio de vegetação. Também foi pensado um espaço para projeções audiovisuais, quando houver necessidade de reuniões locais. Logo em frente a esse grande muro, há um pequeno comércio, portanto, sugere-se a colocação de mesas e cadeiras para criar uma área de estar, já que essa edificação é mais recuada. Essas mesas possuem mobilidade para que, quando necessária uma reunião de mais pessoas ou ainda momentos de exibição de filmes, com os eventos de audiovisual, seja possível reconfigurar o espaço. Uma lousa foi instalada acima dos bancos, na intenção de servir como linguagem simples e direta quando for necessário comunicar sobre alguma reunião ou evento importante para a comunidade.


1

Rua Vicente de Castro

2

Espaço concreto / Contexto: Rua local com caixa média de 5m de largura, uso do entorno predominantemente residencial. Casas com um ou dois pavimentos, calçadas irregulares, edificações que avançam nas calçadas de vez em quando. Pouca ou nenhuma vegetação existente.

5

Diagrama de densidade de ocorrência

stro

Cas tro

de Ca

sentar na frente de casa

atravessar

brincar na rua

R. Vic ente

Av. Vice nte de

3

sentar no batente

Ações geradas

sentar-se à sombra

muro

Base Google Earth (2017)

transição suave de casa

4

varanda

porta c/ batente espaço aberto à sombra da árvore

Porosidade

6

Ferramentas 164

casas

rua

Objetos Relacionais

casas

passagem

Morfologia

Tática: Mobiliários que possuem linguagem em comum com o restante dos projetos são replicados nessa rua, a fim de dar unidade de leitura do projeto geral. Toma-se partido nas fachadas cegas para locação de painel de informações ou de mobiliário mais lúdico. As paredes das casas que não são totalmente cegas são utilizadas para apoiar o varal, ou suporte para vasos de planta, ou mobiliário de banco, que serão chumbados nas paredes. Ainda, admite-se o mesmo mobiliário anteriormente citado solto no espaço, quando necessário espaço de varal maior. A iluminação pública também é explorada.


A VARAL MÓVEL

B A BANCO DE CONCRETO MOLDADO IN-LOCO

B

ILUMINAÇÃO NA PASSAGEM

Para os percursos locais, o piso é padronizado sem desníveis e a paginação vermelha acontece por todo o contorno das edificações, adotando medida mínima de 80cm. Ao centro, tem-se concreto moldado in-loco com juntas de dilatação a cada 5m. Repetiu-se o mobiliário do banco fixado na parede quando foi possível encontrar fachada cega, além de aderir ao mobiliário do varal, explicado mais a frente. Os mobiliários sugeridos dão suporte aos usos observados nas vias locais durante a visita ao Serviluz.

PLANTA BAIXA DA PROPOSTA RUA VICENTE DE CASTRO

165


CORTES

0.80m

5m

0.80m

CORTE AA

CORTE BB

0m

166

>0.80m

2,5 m

5m

5m

>0.80m


PERSPECTIVA PERCURSO MENOR

MOBILIARIO - ESTUDOS

Pensou-se em duas tipologias de mobiliário, uma que fosse fixa, ancorado nos locais propostos, e outra que funcionasse de forma mais móvel, adaptável a qualquer ambiente. Esta última prevaleceu sobre a primeira, pensando na dinâmica que ocorre nas ruas do Serviluz e a velocidade com que se pode perceber novas apropriações, novas adaptações de um mesmo local. Dessa forma, tem-se o banco em concreto que pode ser movido no espaço, embora com menor facilidade que outros, mas que mostra-se adaptável a algumas situações diferentes, como servindo de banco, ou de lixeira, ou de vaso, ou até mesmo, quando empilhado, de base para mesa de trabalho. Adotou-se o banco para variados espaços de intervenção, seja aglomeradores, percursos menores, percursos maiores ou esquinas. Isso ocorreu para trazer uma linguagem/identidade comum dentro da comunidade como um todo. Por sua vez, o mobiliário em formato de escada foi pensado para atender principalmente à demanda do varal de roupas, podendo este ser fixo, quando serve como banco, como porta-vasos, ou como varal para pequenas peças, ou móvel, quando este serve de varal para maior quantidade de roupas. 167


CAPITULO 06

CONSIDERAÇÕES FINAIS 168



O presente trabalho foi pensado inicialmente para ocorrer como uma constante construção, na qual não se foram estabelecidos objetivos ou metas muito rígidas para se alcançar ao final da trajetória, havendo flexibilidade nos caminhos da pesquisa, que foram se desdobrando a partir das descobertas e reflexões feitas ao longo do processo. O que se sabia era que o ponto de partida para o estudo seria o instrumento ZEIS, mais do que isso, o fato de ser tão valoroso em uma lógica de políticas públicas que atendam a comunidades mais vulneráveis socialmente e economicamente, mas que na prática não cumpre com diretrizes essenciais políticas, urbanas e fundiárias que se pode encontrar em seu texto. As inquietações frente a trabalhos que denunciam essa ineficácia impulsionaram para que, mais do que nunca, houvesse o desejo de que ele funcionasse de alguma forma. Precisava-se então investigar as temáticas que estavam diretamente ligadas a ZEIS, na tentativa de resgatar o histórico de ações e influências às possíveis justificativas para essa falha. Para isso, estudar sobre as dinâmicas da unidade habitacional, sobretudo o que diz respeito ao “nó da terra” e as tentativas para equacionar a problemática do déficit, fez com que se abrissem os olhos para questões muito mais enraizadas na cultura brasileira e que fogem do escopo específico da habitação, o que chamamos aqui de “pilares que sustentam a problemática”. De fato, no que diz respeito a figura do Estado, este aparece no cenário da luta pelo direito à moradia como ator inerte, que protela as ações nesse campo e agiliza outras menos urgentes, muitas vezes ligadas mais a interesses particulares do que interesses de uma maioria. Ainda, tem-se que o planejamento da cidade e as intervenções no espaço urbano são calculadas e coordenadas, e que nada do que acontece no espaço público pela iniciativa governamental é aleatório, principalmente observando as recentes movimentações por parte da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Espanta-se perceber que esse planejamento, para que algumas coisas se concretizem, por vezes passam por cima da legislação vigente, como é o caso das remoções ou tentativas de remoções de habitações que estão inseridas em ZEIS 1, resguardadas, na teoria, dessas ações e presentes em um espaço que deveria receber prioridade no tratamento das melhorias urbanas, econômicas, sociais, fundiárias. Deveriamos, portanto, assumir a ineficácia desse instrumento e considerar que ele não é aplicável, visto a lógica que se segue atualmente nas relações políticas governamentais e no seio da sociedade? Seria o caso de se pensar outros instrumentos, ferramentas, estratégias novas, que caminhem por outras medidas, mas que tenham como objetivo final o mesmo do instrumento ZEIS e de tantos outros não aplicados na política urbana e habitacional atual? A presente pesquisa considerou que não. A lei existe, é coerente com a tentativa de diminuição desse abismo social e econômico existente na maioria das cidades brasileiras e possui importantes pontos que vão justamente de encontro com a massiva produção imobiliária voltada a interesses particulares e com a lógica da mercantilização da terra. Acha-se necessário, portanto, que o conhecimento dos direitos básicos ligados à habitação chegue para as pessoas que são diretamente atingidas por essas questões, para que se possa exigir 170


e, nesse processo de exigência, tirar da inércia o Poder Público, que historicamente não se movimenta nesse mesmo sentido. A organização e luta por esses direitos já alcançou muitos avanços para essas populações em Fortaleza, com a própria inserção do instrumento no Plano Diretor, mostrando o quanto é importante que essas resistências e discussões aconteçam. Percebeu-se que, quando o Estado se ausenta da sua responsabilidade representativa nos interesses básicos constitucionais de um grande público, esse tem a capacidade de se organizar, de aumentar o alcance da disseminação dos saberes. Não se pretende, neste estudo, colocar de forma definitiva as diretrizes propostas de reformulação do instrumento, muito menos sugerir que o Estado se exima da sua responsabilidade de prover o direito constitucional à moradia, a segurança jurídica e fundiária para famílias em vulnerabilidade social, e todos os âmbitos ligados à habitação que estão diretamente relacionados com a qualidade de vida de comunidades como um todo. Busca-se, com as sugestões propostas, tentar enxergar alternativas para esse instrumento, de forma que não se percam os avanços tidos até hoje nesse sentido. Mas, sobretudo, essas propostas funcionam como uma dura crítica à ineficácia do Poder Público quando este não ampara os anseios básicos de uma população, sugerindo que haja a tentativa de desprendimentos aos nós que amarram os avanços para as áreas de ZEIS. Para que isso ocorra, considera-se a importância das parcerias com grupos, acadêmicos e sociais, que estudam e interveem diretamente nessas questões. Também de suma importância, a conexão entre as populações que estão inseridas nesse contexto de ZEIS, fortalecendo as trocas e o exercício cidadão. Percebe-se recentemente uma movimentação nesse sentido, de mobilização de atores, de capacitações, de encontros para discussões sobre moradia. É reflexo do momento político instável e da lentidão dos processos, prejudicando quem vive em situação vulnerável. Quando se aproxima o olhar para uma ZEIS específica, entende-se que, para que esta faça parte dessa lógica de mobilização, precisa que seus moradores estejam igualmente mobilizados. É o que se chama neste trabalho de mobilização de base. Entendeu=se o espaço livre e público, o Terceiro Espaço, como forte incubador e potencializador desses encontros, que podem vir a se transformar em mobilizações e resistência. Desse modo, considera-se que o espaço público apropriado, utilizado, compartilhado, é um elemento fortificador dessa lógica de luta pelos direitos, e que essas relações ocorrem até mesmo nos usos comuns do dia a dia que proporcionam o encontro.

171


BIBLIOGRAFIA

172



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176


177


APÊNDICE - TABELA DE RESULTADO DA APLICAÇÃO DE METODOLOGIA PARA AS ZEIS EM FORTALEZA

178



180

não atende atende atende atende atende não atende atende não atende não atende 1 não atende 3 não atende s.i. 2 1 1

atende atende atende não atende não atende atende não atende atende atende 1 atende 3 atende 1 3 1 2

atende 3 atende atende

2 não atende não atende

atende

não atende não atende não atende não atende não atende não atende atende não atende não atende 1 não atende 3 não atende 3 2 1 2

1

3

2 1

3

BOM JARDIM

não atende

não atende

3

3

não atende

s.i.

s.i. 2 3

ANCURI

3

2 3

1

Existência de vazios em ZEIS 1 maior que não atende 400m² Quantidade de vazios do plhis em raio de 1 2000M da zeis 1 ZEIS 3 comportando UH reassentadas de atende ZEIS 1 próximas* Demanda x Oferta para HIS em vazios de não atende ZEIS 1

Participação no processo de regulamentação das ZEIS na prefeitura

INDICADORES

Área mínima do lote Área das edificações Área/extensão territorial Tempo de moradia/existencia do assentamento Dominio dos terrenos em ZEIS 1 Dominio dos terrenos em ZEIS 3 % de esgotamento sanitário % de Abastecimento de água % de Iluminação publica Drenagem fluvial Manejo dos resíduos sólidos Raio de abrangencia ponto de onibus Educação Saúde Lazer e cultura Áreas livres Localização em app Acabamento construtivo Localização em área de risco Diversidade do Uso do solo VALOR DA TERRA Renda ZEDUS - LUOS

ALDEOTA

não atende

atende

2

não atende

não atende

não atende não atende atende não atende atende atende atende quase nada atende 1 atende 3 não atende 3 3 1 3

1

3

2 2

2

CAIS DO PORTO

não atende

atende

1

não atende

não atende

1

não atende s.i. s.i.

atende não atende atende atende não atende 1 atende

não atende não atende atende

2

s.i.

2 2

3

CAJAZEIRAS

não atende

atende

1

não atende

não atende

não atende atende atende não atende não atende atende atende não atende não atende 1 não atende 3 não atende 1 2 1 3

2

2

3 2

3

CANINDEZINHO A


181

s.i.

1

não atende atende atende não atende não atende não atende atende atende atende 1 atende 3 atende 3 2 1 2

não atende

não atende

1

atende

não atende

2

3

não atende atende atende não atende atende atende atende não atende não atende 1 não atende 3 não atende s.i. 1 1 3

não atende

não atende

1

atende

não atende

2 2

2

3

2 3

COUTO FERNANDES

CANINDEZINHO B 2

não atende

atende

1

não atende

não atende

não atende atende atende atende atende atende atende atende não atende 1 não atende 3 não atende s.i. 3 1 2

2

s.i.

2 3

DAMAS

não atende

1

não atende

atende

não atende

atende

1

não atende

não atende

atende 2 3 3 2

s.i. 1 3 s.i. 2

atende atende atende atende 1 s.i.

s.i. s.i.

não atende atende atende não atende atende não atende atende atende atende 1 atende

3

3

2 3

3

FARIAS BRITO A

atende

2

s.i.

3 3

3

DIONISIO TORRES

não atende

atende

1

não atende

não atende

atende 2 3 2 2

atende atende atende não atende atende atende atende atende atende 1 atende

2

3

2 3

3

FARIAS BRITO B 3

não atende

1

não atende

não atende

s.i. 3 3 s.i. 1

atende atende atende atende 1 s.i.

s.i. s.i.

atende

3

s.i.

2 3

FÁTIMA

atende

não atende

2

atende

não atende

não atende não atende atende não atende não atende atende atende atende não atende 1 não atende 2 não atende s.i. s.i. 1 1

2

3

2 1

3

GENIBAÚ


3

3

não atende não atende atende não atende atende não atende atende atende atende 1 atende 3 atende s.i. 3 3 2

não atende

não atende

1

atende

não atende

1

não atende atende atende não atende atende atende atende atende não atende 1 atende

não atende

não atende

1

atende

não atende

atende 2 3 1 2

3

3

2 3

2

2 3

JACARECANGA B

JACARECANGA A 2

não atende

não atende

1

não atende

atende

não atende atende atende não atende atende atende atende atende não atende 1 atende 3 não atende 3 3 1 1

1

s.i.

2 1

LAGAMAR 3

não atende

atende

1

não atende

não atende

atende atende atende não atende não atende atende atende não atende atende 1 atende 3 atende 2 3 2 2

3

s.i.

2 3

MEIRELES

não atende

atende

3

não atende

não atende

não atende atende atende não atende atende atende atende quase nada não atende 1 não atende 3 não atende s.i. s.i. 1 2

3

s.i.

s.i. 3 3

MONDUBIM

não atende

atende

1

não atende

atende

atende 2 3 1 1

atende atende atende não atende não atende atende atende atende não atende 1 atende

1

3

2 2

2

MOURA BRASIL 3

não atende

atende

2

não atende

atende

não atende não atende não atende não atende não atende não atende atende atende atende 1 não atende 3 não atende 3 3 2 2

1

2

2 1

MUCURIPE

não atende

atende

3

não atende

não atende

não atende atende atende não atende atende atende atende atende atende 1 atende 2 atende 2 3 1 2

3

s.i.

s.i. 2 3

PAPICU A 2

não atende

atende

3

não atende

não atende

atende não atende atende não atende atende atende atende atende atende 1 atende 3 atende 2 3 1 2

3

s.i.

2 3

PAPICU B

não atende

atende

3

não atende

não atende

atende atende atende não atende atende não atende atende atende atende 1 atende 3 atende 2 3 2 2

3

2

s.i. 2 3

PAPICU C


1

não atende atende atende não atende não atende atende atende atende não atende 1 atende 3 atende 3 2 2 2

atende

não atende

3

atende

não atende

2

não atende atende atende não atende não atende atende atende atende atende 1 atende 3 atende 2 3 1 2

não atende

não atende

3

atende

não atende

2

2

2 1

PICI

s.i.

2 3

2

PARANGABA

não atende

atende

1

não atende

atende

não atende não atende não atende não atende não atende atende atende atende não atende 1 não atende 3 não atende 3 2 1 2

1

3

2 1

2

PIRAMBU

não atende

atende

1

não atende

atende

não atende atende atende não atende atende atende atende atende atende 1 não atende 2 não atende s.i. s.i. 2 2

3

3

s.i. 2 3

POÇO DA DRAGA

não atende

1

não atende

não atende

atende atende atende atende 1 s.i. s.i. s.i. 3 3 s.i. 2

s.i. s.i.

atende

2

s.i.

2 3

3

PRAIA DE IRACEMA

não atende

atende

1

não atende

atende

não atende atende atende não atende não atende atende atende atende não atende 1 atende 3 não atende 1 1 s.i. 3

3

3

2 3

3

PRAIA DO FUTURO A

atende

atende

1

atende

atende

não atende atende atende não atende não atende não atende não atende não atende não atende 1 não atende 3 atende 1 2 2 3

2

s.i.

3 2

3

PRAIA DO FUTURO B


3

1

não atende atende atende não atende atende atende atende atende não atende 2 atende 3 atende 3 3 3 1

não atende

não atende

3

atende

não atende

s.i.

S.I.

não atende

não atende

não atende

3

atende

não atende

atende não atende atende atende 1 atende s.i. atende s.i. s.i. s.i. 1

s.i. s.i.

2 2

3

SAPIRANGA COITÉ B

s.i. 2 3

SAPIRANGA COITÉ A

atende

atende

2

atende

não atende

não atende atende atende atende não atende atende atende atende não atende 1 atende 3 atende 2 s.i. 1 2

2

s.i.

2 3

2

SAPIRANGA COITÉ C 3

atende

atende

2

atende

não atende

não atende não atende atende s.i. não atende não atende atende atende atende 1 atende s.i. não atende 1 2 2 2

3

s.i.

atende

s.i.

2

atende

não atende

não atende atende atende não atende não atende atende atende atende não atende 1 não atende 2 atende 1 2 1 2

2

2

2 2

3

2 2

SAPIRANGA COITÉ E

SAPIRANGA COITÉ D

não atende

atende

2

não atende

não atende

s.i. s.i. s.i. não atende não atende atende não atende 1 atende s.i. atende s.i. 2 s.i. 3

s.i.

2

s.i.

s.i. 2 3

SAPIRANGA COITÉ F


3

2

não atende atende não atende não atende atende atende atende atende atende 1 atende 3 atende 2 2 2 3

não atende

não atende

3

atende

não atende

s.i.

1

não atende atende atende não atende atende atende atende não atende não atende 1 atende 3 não atende 3 2 1 3

atende

não atende

3

atende

não atende

2 3

3

3

2 2

VICENTE PIZON A

SERVILUZ

atende

atende

3

atende

não atende

não atende não atende não atende não atende não atende não atende atende atende atende 1 atende 1 não atende s.i. s.i. 1 3

2

s.i.

s.i. 2 2

atende

atende

3

atende

não atende

não atende atende não atende não atende não atende não atende atende atende não atende 1 atende 3 não atende 1 1 1 3

1

s.i.

2 2

3

VICENTE PIZON B VICENTE PIZON C




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