Cazumbá: Uma proposta educativa patrimonial para a casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil

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uma proposta educativa patrimonial para a casa de thomaz pompeu de sousa brasil UNIVERSIDADE

DE

FORTALEZA

LETÍCIA CARVALHO GUERRA

CENTRO

DE

CIÊNCIAS

TECNOLÓGICAS

ARQUITETURA

ORIENTADORA: ANA CECÍLIA SERPA BRAGA VASCONCELOS

E

URBANISMO

FORTALEZA, 2021

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letícia carvalho guerra

UMA PROPOSTA EDUCATIVA PATRIMONIAL PARA A CASA DE THOMAZ POMPEU DE SOUSA BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Coordenação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, como requisito para a obtenção do título de Arquiteta e Urbanista.

Fortaleza, 2021


Ficha catalográfica da obra elaborada pelo autor através do programa de geração automática da Biblioteca Central da Universidade de Fortaleza

Guerra, Letícia Carvalho . Cazumbá: Uma proposta educativa patrimonial para a Casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil / Letícia Carvalho Guerra. 2021 408 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade de Fortaleza. Curso de Arquitetura E Urbanismo, Fortaleza, 2021. Orientação: Ana Cecília Serpa Braga Vasconcelos. 1. patrimônio cultural. 2. mestres da cultura. 3. restauro. 4. conservação. 5. educação patrimonial. I. Vasconcelos, Ana Cecília Serpa Braga. II. Título.


letícia carvalho guerra

UMA PROPOSTA EDUCATIVA PATRIMONIAL PARA A CASA DE THOMAZ POMPEU DE SOUSA BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Coordenação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, como requisito para a obtenção do título de Arquiteta e Urbanista. Fortaleza, 18 de Junho de 2021

banca examinadora

Prof. Dra. Ana Cecília Serpa Braga Vasconcelos

Prof. Ma. Lia Costa Mamede

Prof. Dra. Gérsica Vasconcelos Goes


resumo Este trabalho de conclusão de curso parte de uma série de reflexões acerca da memória e seu lugar na contemporaneidade, e aborda o patrimônio cultural edificado em conjunto com o patrimônio imaterial, tendo como resultado o projeto arquitetônico do Centro de Cultura e Pesquisa dos Saberes Tradicionais Populares, o Cazumbá. Partindo da compreensão sobre as dinâmicas e conflitos entre o patrimônio cultural edificado e imaterial e a indústria de massa, - e analisando os reflexos da grande quantidade de informações disponíveis atualmente na seleção acrítica do que de fato é importante que não seja esquecido numa comunidade - é abordada uma discussão acerca da educação patrimonial como ferramenta de grande importância para a proteção da memória afetiva de uma cidade a longo prazo, protegendo seus bens e prolongando sua existência no meio urbano. O objeto de estudo é a casa de Thomaz Pompeu De Sousa Brasil e um remanescente histórico lateral que ainda preserva muitas características arquitetônicas do período e como atores principais, os mestres e mestras da cultura, detentores dos saberes tradicionais populares.

Palavras-chave: patrimônio cultural, mestres da cultura, restauro, conservação, educação patrimonial.


Abstract This Course Conclusion Paper starts from a series of reflections about memory and its place in contemporary times, and addresses the cultural heritage built together with the intangible heritage, resulting in the architectural project of the Center for Culture and Research of Popular Traditional Knowledge, Cazumbá. Based on the understanding of the dynamics and conflicts between the built and immaterial cultural heritage and the mass industry, and analyzing the reflections of the large amount of information currently available in the uncritical selection of what is in fact important that is not forgotten in a community, it is addressed a discussion about Heritage Education as a tool of great importance for the protection of the affective memory of a city in the long term, protecting its assets and prolonging its existence in the urban environment. The object of study is the home of Thomaz Pompeu de Sousa Brasil and a lateral historical remnant that still preserves many architectural features of the period and as main actors, the masters and masters of culture, holders of popular traditional knowledge.

Key-words: cultural heritage, masters of culture, restoration, conservation, heritage education


Lista de figuras Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura 11 Figura 12 Figura 13 Figura 14 Figura 15 Figura 16 Figura 17 Figura 18 Figura 19 Figura 20 Figura 21 Figura 22 Figura 23 Figura 24 Figura 25 Figura 26 Figura 27 Figura 28 Figura 29 Figura 30 Figura 31 Figura 32 Figura 33 Figura 34 Figura 35 Figura 36 Figura 37 Figura 38 Figura 39

Fotografias na parede na Fundação Casa Grande em Nova Olinda, Ceará, que remete a certa ancestralidade familiar fortemente presente no repasse de saberes. Enfeites coloridos no Encontro Metstres do Mundo em Aquirez, CE. Personagem Mateo no momento da apresentação de um grupo de Reisado do Encontro Mestres do Mundo. Estrutura do Acquário de Fortaleza. Casa Benedito Macêdo sendo demolida. Solar Carvalho Mota. Escola Jesus Maria José. Museu do Ceará. Ruas e Quadras da Vila de Fortaleza. Ateliê do Mestre Espedito Seleiro em Nova Olinda, Ceará. Reisado São Francisco de Juazeiro do Norte. Mestre Aldenir. Celebração do Bumba-meu-boi. Mestre Zé Pio. Mestre Ana Maria. Ciranda no Encontro Mestres Mestra Dona Branca. Mestra Dona Branca. Mestre Pedro Baladeiro. Mestre Espedito Seleiro. Mestra Cacique Pequena. Mestra Maria de Tiê. Encontro Mestres do Mundo 2018. Mário de Andrade. Aloísio de Magalhães. Thomaz Pompeu de Sousza Brasil Filho. Teatro José de Alencar. Imagem Frontal da Casa de Thomaz Pompeu. Imagem Lateral da Casa. Imagem da parte avarandada térrea da Casa de Thomaz Pompeu.Imagem posterior da casa de Thomaz Pompeu. A Rue de Rivoli, 1855, primeiro boulevard construído por Haussman. Edifício da Fênix Caixeiral. Casas Ecléticas tipo Porta e Janela, com acesso direto à rua na Rua Visconde do Rio Branco em Fortaleza, Ceará. Casa Eclética tipo Porta e Janela em Fortaleza, Ceará. Viollet-le-Duc. John Ruskin em 1873 aos 50 anos. Camillo Boito. Gustavo Giovannoni.

28 31 42 49 52 52 53 53 58 67 69 70 70 72 73 73 74 75 75 76 78 78 81 85 86 93 97 98 99 99 100 104 115 115 115 125 125 127 127


Figura 40 Figura 41 Figura 42 Figura 43 Figura 44 Figura 45 Figura 46 Figura 47 Figura 48 Figura 49 Figura 50 Figura 51 Figura 52 Figura 53 Figura 54 Figura 55 Figura 56 Figura 57 Figura 58 Figura 59 Figura 60 Figura 61 Figura 62 Figura 63 Figura 64 Figura 65 Figura 66 Figura 67 Figura 68 Figura 69 Figura 70 Figura 71 Figura 72 Figura 73 Figura 74 Figura 75 Figura 76 Figura 77 Figura 78 Figura 79 Figura 80 Figura 81

Césare Brandi. Oficina de Gravura da Escola. Vista frontal da edificação. Oficina de Bordado. Planta de Implantação da Escola, mostrando os anexos. Fotografia da edificação pré existente. Passarela Museu Rodin Implantação do projeto de restauro. Volume de Circulação Vertical Composição Novo e Antigo. Composição Novo e Antigo. Passarela de conexão. Planta de Implantação. Casa do Benin. Imagem do restaurante. Pátio Interno. Interior do Edifício. Coberta em Palha e Bambu. Centro Comunitário em Cam. Vista diagonal do Centro Comunitário. Ventos e Insolação Fachada Leste mostrando o frontão Escada Poraão Alto Escada que liga o Pavimento Nobre 1 ao Pavimento Nobre 2. Escada da fachada frontal. Escada da fachada posterior. Composição fotográfica dos pisos presentes no Porão Alto. Composição fotográfica com os tipos de pisos presentes no Pavimento Nobre 1. Forro do tipo saia e camisa. Composição fotográfica dos forros presentes no Porão Alto. Tipos de janela da edificação. Tipos de janela da edificação. Moldura externa da janela. Tipologia da porta do Porão Alto. Tipologia de portas presentes no Pavimento Nobre 1 e no Pavimento Nobre 2. Construção anexa de uso do CEREST. Planta Baixa Porão Alto. Planta Baixa Pavimento Nobre 1. Planta Baixa Pavimento Nobre 2. Planta de Coberta. Corte AA. Corte BB.

130 143 143 143 145 149 150 151 152 153 153 153 157 158 159 159 160 164 165 165 169 172 173 173 173 173 174 175 177 177 178 178 178 179 180 181 182 184 186 188 190 192


Figura 82 Figura 83 Figura 84 Figura 85 Figura 86 Figura 87 Figura 88 Figura 89 Figura 90 Figura 91 Figura 92 Figura 93 Figura 94 Figura 95 Figura 96 Figura 97 Figura 98 Figura 99 Figura 100 Figura 101 Figura 102 Figura 103 Figura 104 Figura 105 Figura 106 Figura 107 Figura 108 Figura 109 Figura 110 Figura 111 Figura 112 Figura 113 Figura 114 Figura 115 Figura 116 Figura 117 Figura 118 Figura 119 Figura 120 Figura 121 Figura 122 Figura 123 Figura 124

Corte CC. Elevação Leste. Elevação Norte. Elevação Sul. Elevação Oeste. Manchas escuras por toda a edificação. Desprendimento da tinta da moldura. Desprendimento da tinta do forro da varanda. Forro de PVC. Presença de vegetação na edificação. Perda de ornamento. Perda de Moldura das esquadrias e perfurações na alvenaria. Composição mostrando o estado das esquadrias. Estado de Conservação do forro. Danos nos forros do Porão Alto. Porta Obstruída por pedaços de madeira. Bandeirola obstruída por papel. Porta obstruída.Porta obstruída. Intervenções na alvenaria. Desgaste dos pisos. Mapa de Danos da Fachada Leste. Mapa de Danos da Fachada Oeste. Mapa de Danos da Fachada Norte. Mapa de Danos da Fachada Sul. Comparativo do local em que possivelmente se situou a Fábrica Thomaz Pompeu com o que há hoje. Vista Panorâmica da Avenida do Imperador a partir da Praça da Lagoinha Estacionamento 1 e Casa de Valor Histórico. Estacionamento 2. Comparativo do Hospital do Dr. César Cals. Comparativo da Praça da Lagoinha Antes e Hoje. Imagens da Casa Thomaz Pompeu de Sousa Brasil. Ilustração da Avenida Imperador. Imagem do terreno a ser desapropriado e utilizado para a proposta. Plano de Massas e Fluxos. Perspectiva isométrica do lote com a implantação dos edifícios. Planta de Situação. Imagem perspectiva. Planta de Locação e de Coberta Planta de Demoluir/Construir Pavimento Nobre 1 Planta de Demoluir/Construir Pavimento Nobre 2 Planta de Layout e Técnica Porão Alto Ilustração Museu Pavimento Nobre 1 Planta de Layout e Técnica Pavimento Nobre 1

194 195 196 198 200 201 196 198 200 202 202 204 205 206 207 209 209 209 210 211 213 215 217 219 232 233 233 234 235 238 239 262 264 265 267 270 273 274 274 276 286 289 290


Figura 125 Figura 126 Figura 127 Figura 128 Figura 129 Figura 130 Figura 131 Figura 132 Figura 133 Figura 134 Figura 135 Figura 136 Figura 137 Figura 138 Figura 139 Figura 140 Figura 141 Figura 142 Figura 143 Figura 144 Figura 140 Figura 141 Figura 142 Figura 143 Figura 144 Figura 145 Figura 146 Figura 147 Figura 148 Figura 149 Figura 150 Figura 151 Figura 152 Figura 153 Figura 146 Figura 147 Figura 148 Figura 149 Figura 150 Figura 151 Figura 152 Figura 153 Figura 154

Ilustração Museu Pavimento Nobre 2. Planta de Layout e Técnica Pavimento Nobre 2. Corte AA. Planta de Coberta. Corte BB. Planta Layout e Técnica Café. Perspectiva Café. Perspectiva Externa Café Processo de Concepção do Bloco Anexo. Isometria Estrutural. Perspectiva Bloco Anexo. Perspectiva Externa Setor 1. Planta Layout e Técnica Pavimento Térreo Setor 1. Planta Layout e Técnica Pavimento Superior Setor 1. Perspectiva Externa Setor 1. Perspectiva Externa Setor 1. Planta Técnica Pavimento Térreo Setor 2. Planta Layout Pavimento Térreo Setor 2. Planta Técnica Pavimento Superior Setor 2. Planta Layout Pavimento Superior Setor 2. Planta Técnica Pavimento Térreo Setor 3. Planta Layout Pavimento Térreo Setor 3. Planta Técnica Pavimento Superior Setor 3. Planta Layout Pavimento Superior Setor 3. Planta Técnica Pavimento Térreo Setor 4. Planta Layout Pavimento Térreo Setor 4. Corte CC (Geral). Corte DD. Corte EE (Geral). Corte EE SETOR 1. Corte EE SETOR 2. Detalhe 3 - Brise de Madeira. Corte EE SETOR 3 (CAFÉ). Corte HH SETOR 3 (CAFÉ). Corte FF. Corte GG. Elevação 1. Elevação 2. Elevação 3. Elevação 4. Elevação 5. Planta de Paisagismo. Perspectiva Paisagismo.

293 294 296 298 299 302 304 306 309 310 312 316 318 320 322 324 326 328 330 332 334 336 338 340 342 345 346 348 350 352 354 356 358 359 360 362 364 366 368 370 372 376 380


Lista de MAPAS Mapa 1 Mapa 2 Mapa 3 Mapa 4 Mapa 5 Mapa 6 Mapa 7 Mapa 8 Mapa 9 Mapa 10 Mapa 11 Mapa 12 Mapa 13 Mapa 14 Mapa 15 Mapa 16 Mapa 17 Mapa 18 Mapa 19 Mapa 20 Mapa 21 Mapa 22 Mapa 23

Mapa de Localização da Residência. Mapa de Localização da Casa de Thomaz Pompeu. Mapa de 1858 de Fortaleza sem intervenção. Mapa de 1875 de Fortaleza. Mapa de 1888 de Fortaleza. Mapa de Situação da Casa. Mapa de Localização da Casa de Thomaz Pompeu. Mapa de Localização da Casa de Thomaz Pompeu. Mapa de Localização do Museu Rodin. Mapa de Localização do Museu Rodin. Mapa de Localização da Casa do Benin. Mapa de Localização da Casa do Benin. Mapa de Localização do Centro Comunitário em Cam Than. Mapa de Localização do Centro Comunitário em Cam Than. Implantação da Casa no Lote. Mapa de Uso do Solo. Mapa de Mobilidade. Mapa do Entorno. Mapa mostrando os lotes próximos possíveis de serem utilizado. Mapa Casas Históricas. Mapa de Zoneamento. Mapa de Problemáticas. Mapa de Diretrizes.

94 95 105 106 107 116 141 142 147 148 155 156 162 163 170 227 229 232 237 241 246 258 261

Lista de tabelas Tabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Tabela 6

Quadro Síntese dos Teóricos elaborado pela autora. Quadro Síntese Cartas e Normas elaborado pela autora. Parâmetros Urbanísticos da ZOP 1. Programa de Necessidades. Tabela SWOT. Quadro de Espécies

129 134 244 253 257 378



agradecimentos Pensar em um projeto de arquitetura não é tarefa simples, é um constante processo de se colocar no lugar do outro, de empatia, de expansão de si mesmo e que não se dissocia do coletivo. Portanto para alcançar um resultado que contemple a coletividade é imprescindível que haja contato, diálogo, afeto e compreensão, entendendo a complexidade de cada corpo encantado no mundo e depositando cuidado e atenção no processo. Esse projeto foi feito por muitas mãos, e sob um suporte afetivo e rede de apoio enormes, que chegaram por meio de palavras de força e coragem, mas principalmente por meio de atitudes, em meio a um momento de grande provação pelo qual estamos passando - a pandemia do Corona Vírus - ter uma rede de apoio e cuidado é revolucionário. Dessa forma agradeço primeiramente a Deus pela minha vida e pela manutenção da minha saúde. À minha mãe Lis e ao meu pai Éder, que sempre acreditaram em mim e me incentivaram a correr atrás do que eu quero, além de serem grandes exemplos de profissionais humanos. Ao meu irmão Nilo, que mesmo distante, e nesse momento tão delicado em que passa a saúde pública, se fez presente e forneceu grande apoio emocional e incentivo. À minha avó Idália e ao meu avô Cândido, que mesmo depois de terem se encantado continuam me inspirando. A Obaluaê, orixá de cabeça e a quem constantemente agradeço por manter a saúde da minha família e guiá-los dentro dos hospitais, me fortalecendo nesse momento difícil. Aos Mestres da Cultura, que foram os sujeitos principais dessa pesquisa e um dos grandes motivos por ter optado por um tema que envolvesse patrimônio cultural. À minha mestra da arquitetura, professora Ana Cecília, que me forneceu todo suporte e apoio técnico e muitas vezes afetivo quando precisei. À Gérsica, que esteve comigo no meu contato inicial com patrimônio arquitetônico dentro da faculdade e me inspirou a insistir no meu sonho de ensinar e de educar acerca desse tema que tanto gosto. Ao Marcelo Capasso por agregar muitas reflexões e trazer críticas construtivas ao meu trabalho final.


Ao Robledo, à Lidianne e ao Fred por me inspirarem tanto a seguir estudando o patrimônio da cidade sem esmorecer diante de seu esquecimento ou sua destruição. Ao Alexandre, Vinícius, Natalie, Alênio, Rosana e Ângela, que me acompanharam no meu primeiro estágio, na área do patrimônio cultural na Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, e que me ensinaram bastante sobre trabalho em equipe e sobre amor a nossa cultura e às nossas raizes. Aos meus grandes amigos Hercílio Helton, Natália Coelho, Shaiane Viana, Letícia Ibiapina, Inaê Maciel, Beatriz Tigre, Bárbara Mota, Bárbara Duarte e Júlia Pereira, que acreditaram em mim mais do que eu mesma me ajudando a seguir com essa etapa tão importante da minha formação, e a tantos outros amigos que contribuíram das mais variadas formas mas que não será possível citar aqui. Ao Pingo e a Amélie que com lambidas me acolheram nos melhores e piores momentos. E finalmente a Exu, que abriu os caminhos, tornando possíveis esses encontros na encruzilhada da vida, ensinando que as coisas podem ser reinauguradas a qualquer momento. “Reinventar a memória, reinterpretar o passado, subverter o tempo!”.


SUMÁRIO 1 2

3

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SOBRE INQUIETAÇÕES 1.1 Tema e Justificativa 1.2 Objetivos 1.3 Metodologia

PATRIMÔNIO CULTURAL: RELEVANCIA, TRAJETÓRIAS E RELAÇÕES

P. 21 P. 23 P. 27 P. 29

P. 35

2.1 Patrimônio Cultural: Contextualização 2.2 Os Interesses de Mercado e a Cultura: o exemplo de Fortaleza 2.3 Os Reflexos da Ocupação de Fortaleza na Criação de Vínculos Afetivos 2.4 Os Saberes e Fazeres Culturais 2.5 Breve Trajetória das Políticas Públicas para o Patrimônio Cultural Brasileiro

P. 37 P. 45

SOBRE MEMÓRIA DA ARQUITETURA 3.1 A Casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil como Objeto de Estudo 3.2 Contexto Urbano e Histórico da Avenida Imperador 3.3 A Arquitetura Eclética em Fortaleza 3.4 A Valorização e a Prática da Reutilização 3.5 A Teoria do Restauro e suas Aplicações 3.6 As Cartas Patrimoniais

P.89

P. 59 P. 65 P. 83

P. 91 P. 103 P. 111 P. 119 P. 121 P. 133


6 4 5

SOBRE O QUE INSPIRA 4.1 Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho 4.2 Palacete das Artes 4.3 Casa do Benin 4.4 Centro Comunitário em Cam Than (Vietnam)

P. 139

sobre o estudo do caso: coleta e análise

P. 167

5.1 Levantamento Arquitetônico e Análise Tipológica do Edifício 5.2 Análise do Estado de Conservação e Mapa de Danos do edifício 5.3 Recomendações 5.4 Entrevistas

P. 140 P. 146 P. 154 P. 161

P. 169 P. 201 P. 220 P. 222

7 8 9 10

SOBRE o projeto

P. 225

6.1 Análise do Entorno 6.2 Legislação 6.3 Diretrizes Projetuais 6.4 Descrição do Projeto 6.5 Programa de Necessidades 6.7 Projeto

P. 226 P. 242 P. 249 P. 250 P. 252 P. 269

considerações finais

P. 384

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

P. 387

ANEXOS

P. 395

APÊNDICES

P. 401

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“Há no cazumbá um estado hipnótico, pela sua figura estranha que mistura elementos antropomórficos na sua careta e seu corpo, portando um badalo que toca repetidamente, som que faz relação com o divino, pela lembrança dos sinos de igreja e os ferros utilizados no tambor de mina, uma espécie de alarme.” Juliana Manhães apud. Padre Baúlio Ayres, 1999

“É um personagem que tenta personificar a imagem do mito”. Juliana Manhães apud. Padre Baúlio Ayres, 1999

“Espírito que veio de outro mundo. Fusão dos espíritos dos homens e dos animais”. Juliana Manhães apud. Raul Lody, 1999



No capítulo introdutório deste Trabalho de Conclusão de Curso serão abordadas as justificativas e inquietações que culminaram na criação deste projeto, traçando os principais objetivos e a metodologia abordada, explicando os processos, suas partes positivas mas também os percalços que acompanharam sua elaboração.

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SOBRE INQUIETAÇÕES

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A tradição é o chão onde toda a cultura pisa, pois ninguém pisa no ar, ninguém começa nada a partir do zero. Tudo começa a partir de algum passado, um acúmulo. TAVARES, 2005.

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1.1 tema e justificativa

A

cultura de massa - e do descarte - é intrínseca às vivências urbanas da atualidade, em que muitas decisões são tomadas de forma quase que instantânea e onde é gerada uma quantidade muito grande de informações devido à alta demanda a que as pessoas estão submetidas diariamente. Nesse contexto, a fim de eleger quais informações são mais importantes, é estabelecido um filtro o qual induz a uma seletividade acrítica, culminando no esquecimento. Dessa forma, a relação das pessoas com os bens culturais se vê cada vez mais fragilizada trazendo várias problemáticas no que tange a questão da preservação. Segundo Carlos Lemos (2013) os bens culturais ou o patrimônio cultural pode ser dividido em três setores (natural, saberes tradicionais e bens materiais) e representa tudo aquilo que faz referência a diversos grupos formadores da sociedade brasileira, podendo representar também elementos da natureza. Esse campo é um dos que mais sofre com a problemática do esquecimento dentro do meio urbano e isso se torna ainda mais evidente dentro do contexto da cidade de Fortaleza, que ao longo do tempo, tem perdido gradativamente grandes exemplares arquitetônicos e naturais, dentre tombados e não tombados, registrados ou não registrados. A negligência com o patrimônio cultural da cidade possivelmente se relaciona com a forma com que se deu sua ocupação urbana ao longo do tempo, evidenciando a fragilidade dos vínculos afetivos estabelecidos durante esse processo, que foi tardio e pautado pela lógica econômica estrangeira. Dessa forma, ao visitar o centro de Fortaleza é possível verificar de forma mais intensa o descaso com o patrimônio edificado tomando alguns exemplos, como é o caso do Museu do Ceará, o qual ficou por anos sem nenhuma assistência de conservação e abriga um dos mais importantes acervos da cidade, que conta a história do Ceará e da cidade de Fortaleza e foi tombado em 1973 pela união (IPHAN); e a Escola Jesus Maria José, que hoje se encontra em estado de arruinamento e sem perspectivas de restauro, apesar de ser um bem tombado pelo Município desde 2006.

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É importante citar também o descaso e o esquecimento no campo do natural, com o recorrente apagamento do Riacho Pajeú e Riacho Maceió, além dos diversos ataques que vêm ocorrendo de forma progressiva contra o Parque Natural do Cocó e especificamente com a região da Sabiaguaba, por meio de investidas do mercado imobiliário. Esses exemplos só evidenciam ainda mais o descaso e a fragilidade da identidade fortalezense. Apesar dessas problemáticas, nas últimas décadas, a discussão em torno do patrimônio “intangível” ou “imaterial” vem avançando e ganhando destaque no cenário cultural do estado, um dos exemplos é o caso do evento anual intitulado Encontro Mestres do Mundo o qual acontece desde 2005 e se caracteriza por ser um momento de encontros e um local onde a Cultura Popular tem todo o protagonismo, onde os Tesouros Vivos, ou Mestres da Cultura - pessoas detentoras dos saberes populares nomeados pelo edital da Lei dos Tesouros Vivos - se reúnem para repassar seus conhecimentos dentro do contexto do evento, promovendo oficinas, workshops e se apresentando para o público ao vivo. Esse evento é de grande importância pois representa um momento onde a experiência é o próprio método educacional, e onde existe uma troca rica de saberes. Já em relação ao campo legislativo brasileiro, pode-se afirmar que as práticas preservacionistas estiveram originalmente relacionadas à ideia de afirmação de Estado-Nação. A partir da criação do SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – em 1937 foi instituído junto a ele o Tombamento - um dos instrumentos de salvaguarda para o patrimônio material -, tornando-se um marco dentro do contexto de preservação do Patrimônio Cultural. Entretanto, foi com a Constituição de 1988 - a partir da adição do Artigo 216 e o momento de redemocratização do país - que ocorreram grandes avanços no campo do imaterial, a partir do surgimento da ideia de patrimonialização das diferenças. Posteriormente, em 2000 foi instituído o Registro - um dos instrumentos de salvaguarda para o patrimônio imaterial - e criado o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial. Evidenciando a existência de uma grande quantidade de leis e programas que compreendem a questão do patrimônio cultural material e imaterial.

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Apesar da valorização dessas questões no campo legislativo e na criação de eventos em prol da preservação dos saberes tradicionais - os quais ocorrem em peso no meio rural, onde ainda são praticados tradicionalmente- é notório que ainda existe um caminho longo a ser percorrido para sua valorização efetiva, visto que muitas vezes esses produtos derivados desses saberes e tradições chegam no urbano em forma de mercadoria, vinculados a um valor estritamente de troca e por tanto com sua potência afetiva fragilizada, trazendo reflexos de uma cultura de massa. Essa questão fica ainda mais evidente quando observamos que dentro da cidade existem muitos equipamentos culturais, entretanto são raros os que se propõem a trazer uma valorização, no seu sentido mais amplo, e que se preocupem em educar acerca dos saberes populares, o que dificulta ainda mais o fortalecimento dessa identidade. Dessa forma, exposição desses saberes em forma de mercadoria acaba negligenciando os processos, o contexto social e a carga afetiva com que aquilo foi produzido, o colocando num lugar de mero produto de troca e o esvaziando de sentido. Assim, se faz necessário que esses saberes sejam ainda mais reconhecidos por meio da troca de experiências e do entendimento dos diversos contextos sociais envolvidos, caso contrário situações como a exploração podem se tornar cada vez mais evidentes e trazer reflexos para diversos âmbitos, como é também o caso do turismo exploratório. Ademais, também é importante que desde cedo seja incentivada nessas instituições museais, educacionais e até familiares essa criação da noção de consciência cidadã, a qual deveria ser cultivada desde os primeiros anos de vida. Tendo em vista esta questão é importante salientar que em Fortaleza existe um equipamento educacional e cultural específico que vêm cumprindo a função ensino para o patrimônio cultural, ainda que de forma pouco abrangente. Esse equipamento é a Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, localizado na Jacarecanga e que é um dos projetos de Estudo de Caso deste Trabalho de Conclusão de Curso. Assim, se torna imprescindível a existência de equipamentos e pessoas que colaborem com a Educação Patrimonial nos diversos setores e níveis educacionais, visto que a mesma abre um leque de possibilidades educativas e democráticas com a finalidade de contribuir para o seu reconhecimento e sua proteção.

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Dessa forma foi escolhida a casa Thomaz Pompeu de Sousa Brasil – não foi encontrado seu registro de tombamento, mas atualmente é de posse do estado como objeto de estudo deste trabalho. A edificação, que foi construída por volta de 1916 pelo empresário Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Filho (1852) chama atenção por sua imponência, seu frontão e sua disposição no lote. Abrigou o Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador desde 2005, quando teve seu último projeto de restauro executado pela Secult - CE, de autoria dos arquitetos Domingos Linheiro e Luciano Guimarães, entretanto hoje constata-se que o edifício está subutilizado. A edificação, dessa forma conta bastante sobre um período de ascensão de Fortaleza, um momento de grande embelezamento e avanços tecnológicos na cidade, reflete a influência de uma cultura franco-burguesa que se adaptou às terras alencarinas e merece ser preservada por ser um dos únicos exemplares do período que ainda resistem na região. A via onde se realizará a proposta deste trabalho, Avenida Imperador, representa uma região também esquecida, localizada em frente à Praça da Lagoinha, é uma via de fluxo intenso, conhecida principalmente por seu caráter de passagem. É ali por onde saem muitos ônibus e transportes alternativos que partem para a região metropolitana de Fortaleza e regiões litorâneas. A proposta deste Trabalho de Conclusão de Curso é a de integrar em um projeto de arquitetura questões que contemplem tanto a vertente da educação patrimonial - a partir da criação de um equipamento que procure fortalecer os vínculos com os saberes tradicionais, sejam eles voltados aos meios construtivos, aos saberes manuais ou às oralidades - quanto a vertente do cultural por meio da experimentação e vivência e participação dos processos, trazendo também a preservação da residência da família Pompeu. Dessa forma surge a proposta de criar um Centro de Cultura e Pesquisa dos Saberes Tradicionais Populares cujo o objetivo é unir cultura, pesquisa, educação por meio da troca de experiências, surgindo como uma forma de resistência e proteção para o patrimônio cultural cearense, nordestino e brasileiro.

26


1.2 objetivos

O

Trabalho de Conclusão de Curso teve duas etapas com objetivos distintos mas complementares: a pesquisa e o projeto.

O objetivo da pesquisa consiste em elaborar um documento-base que contenha a fundamentação teórica e técnica para desenvolver uma proposta de intervenção e reutilização da casa Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Filho, com o intuito de preservar o patrimônio cultural material e imaterial de Fortaleza. Já os objetivos específicos visam: •

Compreender a questão da memória na contemporaneidade e sua importância para a preservação do patrimônio cultural;

Compreender os conflitos existentes entre os interesses do mercado imobiliário e turístico e o patrimônio cultural de Fortaleza, e identificar possíveis soluções relacionadas à Educação Patrimonial voltada à sociedade e seus grupos que possam mediar essas relações;

Entender os conceitos e teóricos do restauro aplicáveis ao projeto a ser desenvolvido;

Compreender os tipos de saberes e fazeres cearenses e entender quais se encaixam na proposta;

Analisar projetos referenciais que apoiem a elaboração de programa de necessidades e/ou contenham soluções adequadas para o projeto;

Conceber um programa de necessidades que dialogue com o contexto da educação para o patrimônio cultural e um partido arquitetônico do projeto, atendendo às diretrizes preestabelecidas

Com base na pesquisa produzida, desenvolveu-se um projeto arquitetônico que está explicado no Capítulo 6.

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1.3 metodologia

Figura 1 Fotografias na parede na Fundação Casa Grande em Nova Olinda, Ceará, que remete a certa ancestralidade familiar fortemente presente no repasse de saberes. Fonte: Acervo da Autora 2017

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desenvolvimento da pesquisa e do projeto arquitetônico parte da identificação de uma edificação constante do patrimônio cultural edificado de Fortaleza, nesse caso a casa Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, localizada no bairro Centro, mais especificamente na Avenida Imperador número 498, a qual se encontra subutilizada, mas com bastante potencial para ser incorporada a um projeto de reconversão de uso, para que seja preservada, bem como trazer uma maior qualidade e infraestrutura para seu entorno. Se caracteriza por ter um viés investigativo onde foram aplicados procedimentos de natureza qualitativa e quantitativa para sua elaboração. Como etapas metodológicas, destacam-se: a pesquisa bibliográfica, que se deu a partir do referencial teórico escolhido relacionado à temática. Pesquisa de campo, pesquisa documental, nas quais foram recolhidos documentos importantes acerca da edificação e seu entorno. Sistematização das informações e Concepção Projetual. •

Pesquisa bibliográfica - Análise de ideias de diversos autores conceituados na temática do patrimônio cultural, discutindo subtemas e grande relevância que abrangem desde a ideia de cultura erudita à cultura popular e também conceitos importantes referentes à teoria do restauro a fim de contextualizar a questão do patrimônio cultural na contemporaneidade, por onde foram embasadas as ideias contidas neste trabalho. Dentre os autores pesquisados estão Camillo Boito, Césare Brandi, Viollet - Le – Duc, Gustavo Giovannonni, Ruskin, Françoise Choay, Nestor García Canclini, Francisco Humberto Cunha Filho, David Harvey, Ailton Krenak, Carlos Lemos, Ulpiano de Meneses, Luciano Patetta, Milton Santos, dentre outros.

Pesquisa de campo – Aplicação de entrevistas que busquem entender a relação das pessoas com o local, trazendo a experiência do usuário para análise.

Pesquisa documental - Pesquisa e análise de documentos importantes como mapas da região, documentos históricos, registro de tombamento do bem, entre outros.

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Análise de dados

Síntese de informações - onde as informações recolhidas foram sintetizadas por meio de textos, quadros e gráficos, mostrando de forma mais resumida o que foi analisado na pesquisa e gerando o diagnóstico.

Concepção Projetual – desenvolvimento do projeto a partir das referências conceituais e projetuais, adequação aos parâmetros urbanísticos e normas técnicas.

Figura 2 Enfeites coloridos no Encontro Mestres do Mundo em Aquiraz, CE. Fonte: Acervo da Autora, 2018.

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O PERCURSO

Pesquisa Bibliográfica

Pesquisa de Campo

Teóricos do Restauro

Entrevistas com os mestres e mestras da cultura.

Teóricos do Patrimônio Cultural

Entrevistas com pedestres

Pedido de Tombamento

Pesquisadores da Temática Cultural

Levantamento das in informações da edificação

Análise de Mapas

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Pesquisa Documental

Documento de Desapropriação da Edificação


PROBLEMÁTICAS DO PERCURSO

Dificuldade para entrar na edificação

SÍNTESE DE DADOS

Dificuldade para entrevistar os mestres e mestras da cultura devido à pandemia do Corona Vírus e a dificuldade de estabelecer contato virtual

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Neste capítulo é iniciada uma breve reflexão acerca da questão da memória na contemporaneidade, abordando principalmente a importância de uma educação diversa para o patrimônio cultural a fim de encontrar mecanismos para protegê-lo a longo prazo. Aborda conceitos e noções sobre a cultura popular e a cultura de massa, na tentativa de justificar historicamente o fato de Fortaleza trazer uma grande fragilidade em relação ao estabelecimento de vínculos afetivos no que se refere a proteção de seus bens culturais e manutenção de sua história. E cria por fim, uma linha do tempo sobre as trajetórias do patrimônio cultural brasileiro, partindo da esfera nacional e chegando a esfera municipal, explicando a partir disso as relações, muitas vezes predatórias entre o patrimônio cultural e os diversos atores presentes no meio urbano como o mercado imobiliário e o setor turístico.

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PATRIMÔNIO CULTURAL: RELEVâNCIA, TRAJETÓRIAS E RELAÇÕES 35


[...] Para liquidar os povos se começa a privá-los da memória. Se destroem os seus livros, a sua cultura, a sua história. E, algum outro escreve outros livros, lhe fornece uma outra cultura, inventa uma outra história; depois disso o povo começa lentamente a esquecer aquilo que é e aquilo que foi. E o mundo ao seu redor esquece ainda mais rápido. Milan Kundera, O Livro do Riso e do Esquecimento, 1978

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2.1 patrimônio cultural: contextualização

L

embrar é um ato político. É por um conjunto de memórias - individuais e/ou coletivas - pelas quais são perpetuadas no íntimo das pessoas as várias histórias, perspectivas, costumes e bens materiais que coexistem hoje, pertencentes aos diversos grupos sociais. Segundo Von Simson (2006, p.1) a memória individual remete às vivências particulares de cada indivíduo, - mas que podem trazer aspectos coletivos, ou seja, do grupo social ao qual pertencem - já a memória coletiva é aquela que foi construída por meio da vivência de fatos relevantes e que geralmente representam os grupos sociais em sua totalidade, trazendo consigo uma possibilidade de reprodução do conhecimento em maior escala, visto que é algo comum a todos que o compõe. O ato de lembrar e/ou rememorar pode trazer reflexos positivos - ou mesmo negativos - no futuro de uma comunidade, pois fortalecem os laços entre passado, presente e futuro que são reproduzidos de geração a geração por meio do repasse de saberes, também chamado de tradição. Dessa forma, é natural do ser humano armazenar conhecimento e repassar o que é aprendido ao longo do tempo, trazendo um crescimento ideológico e perpetuação de costumes. Mas de acordo com Cunha Filho (2004, p.51) para que aconteça esse repasse de saberes é necessário que haja suportes para que se conservem e se reproduzam essas reflexões. Um dos suportes mais antigos que existem é a escrita. E a escrita é abrangente, ela não se limita ao conjunto de palavras ou representações dispostas em uma folha de papel, os edifícios e as construções por exemplo também contam uma história. Os ritos, as festividades e celebrações, as artes feitas com as mãos, os instrumentos utilizados para alimentar-se, tudo isso conta história e é forma de escrita. Foi a partir da criação do SPHAN (1934), com o projeto redigido por Mário de Andrade, - literário, intelectual e modernista - que as primeiras ações educacionais foram implementadas dentro dos museus1, que faz parte dos métodos 1 De acordo com a Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que instituiu o Estatuto de Museus, “Consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento.”

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de educação patrimonial. Atualmente, a CEDUC defende que a Educação Patrimonial se constitui de todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera ainda que os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de Patrimônio Cultural. (FLORÊNCIO, S. R. et al. 2014. p.19)

Dessa forma é de grande importância que as propostas educativas deem aos grupos detentores dos saberes e às comunidades em questão a participação efetiva e principalmente o protagonismo na criação e implementação das atividades, colaborando para uma educação que não seja apenas reprodutora de conhecimentos, mas sim em que a base seja a troca de experiências e vivências. Segundo Luiz Antônio Simas e Luiz Rufino (2018, p 20), a educação que acontece nas universidades e nas escolas expõe muitos limites, por mais que se tenha noção de que existe uma certa pluralidade dentro dessa educação, sabe-se que esse modo dominante trata-se de um projeto que não traz essa diversidade, mas muitas vezes produz tudo o que está fora de seus limites como algo que não mereça valor, ou que seja subalterno. Essa experiência fundamentada por esse colonialismo europeu- ocidental e pelas políticas de conversão da fé cristã muitas vezes corrobora com a perseguição e extermínio de tantos outros saberes. Por tanto, as experiências educativas sem dúvidas são ainda mais eficazes quando inseridas no dia a dia das pessoas que ali residem e circulam, integrada à vida urbana, trazendo essa ideia de que mais eficaz do que preservar um bem ou um saber, é associá-los às práticas cotidianas.

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Não se trata, portanto, de pretender imobilizar, em um tempo presente, um bem, um legado, uma tradição de nossa cultura, cujo suposto valor seja justamente a sua condição de ser anacrônico com o que se cria e o que se pensa e viva agora, ali onde aquilo está ou existe. Trata-se de buscar, na qualidade de uma sempre presente e diversa releitura daquilo que é tradicional, o feixe de relações que ele estabelece com a vida social e simbólica das pessoas de agora. O feixe de significados que a sua presença significante provoca e desafia (BRANDÃO, 1996, p.51 Apud FLORÊNCIO 2014, p. 21).

As ações educativas primam por uma relação de maior proximidade, ainda mais integrada aos contextos e realidades sociopolíticas das comunidades, o processo de educação é muito mais abrangente que a escolarização e a educação a partir de espaços formais. É a partir das referências culturais encontradas nas diversas localidades que se torna possível trabalhar essa diversidade cultural, expondo os processos sociais vinculados a elas. Qualquer tempo/espaço em que o saber é praticado em forma de ritual está a se configurar como um contexto educativo de formações múltiplas. Contextos firmados por educações próprias, inscritas na cultura e nos modos de sociabilidades. Educações que apontam para outras formas de aprendizagens, articuladas a diferentes possibilidades de circulação de experiências. Esses diferentes modos de educação, [...] evidenciam a potência dos saberes de mundo que se assentam sob as perspectivas da corporeidade, oralidade, ancestralidade, circularidade e comunitarismo. (SIMAS, RUFINO, 2018, p. 46)

Segundo Cunha Filho (2004, p.49), os sinais dos diversos momentos vivenciados pelas coletividades ficam encravados nos bens culturais os quais simbolizam as relações, os pensamentos, os modos de criar, fazer e viver estimuladores ou destruidores dos ideais humanitários que se deseja implementar. Para que não seja experimentado mais de uma vez o que já foi vivido, caso não seja agregador, protege-se os bens culturais conhecidos também como Patrimônio Cultural.

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Hoje, no Brasil admite-se o termo “Patrimônio Cultural” o qual é definido pelo artigo 216 da Constituição Federal de 1988, como sendo os bens “de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Nessa definição, além dos patrimônios edificados estão também incluídos os modos de fazer, as formas de expressão, as criações científicas, obras de arte, documentos, festividades, bens naturais entre outros, trazendo uma perspectiva ainda mais abrangente do conceito de patrimônio. A ideia de patrimônio é antiga e possui uma definição geral ligada às estruturas familiares e econômicas, remetendo ao sentido de herança material que é transmitido, segundo as leis, dos pais e das mães aos filhos e assim consecutivamente (CHOAY, 2017, p. 11). Entretanto, a noção de patrimônio tem mudado ao longo dos tempos e continua em constante mudança, inclusive dentro da Constituição Federal Brasileira, que mudou o termo de “Patrimônio Histórico e Artístico” para “Patrimônio Cultural”, a fim de contemplar outras ramificações da ideia. Outra questão que vem ganhando mais perspectivas é a percepção da materialidade/imaterialidade dos bens culturais. Certos autores discutem que todo bem cultural possui dimensões materiais e imateriais, mostrando que não existem conceitos estáticos, mas que existem e continuarão existindo várias perspectivas acerca do termo. Em seu livro, Cunha Filho (2004, p.30) mostra que a ideia de cultura também é antiga, etimologicamente é uma palavra de origem latina que significa “cultivar, cuidar de, tratar” e que em seu contexto original se designava o que é hoje compreendido por agricultura, “lavoura, cultivo dos campos”, trazendo a noção de que cultura seria tudo aquilo que diz respeito à intervenção do homem para modificar o ambiente natural. Entretanto, a ideia de cultura se modifica constantemente e recebe seus complementos, como é o caso da cultura de massa e da cultura popular, que serão discutidos mais à frente. É importante perceber todas essas mudanças em relação ao termo dentro do contexto histórico brasileiro, o qual foi permeado por uma necessidade de “adquirir” uma identidade nacional, não a identidade nacional refletida especifica-

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mente pelos povos originários, mas sim aquela erudita. Essa tal identidade foi perseguida incessantemente pelos intelectuais modernistas e também pelo Estado Varguista, que vislumbraram primeiramente nos bens materiais coloniais a identidade e a aplicação dos ideais preservacionistas, trazendo uma perspectiva elitista e incentivando o culto a uma herança majoritariamente europeia, com o intuito de elevar o Brasil a uma nação “civilizada”, enquanto que o que verdadeiramente trazia o peso da cultura nacional seria esse grande sincretismo entre culturas dos povos originários, africanos e europeus. Na figura 3 temos o personagem Mateo presente na manifestação do reisado, evidenciando que nesse caso o corpo é a própria matéria de dispersão do saber (imaterial).

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Figura 3 Personagem Mateo no momento da apresentação de um grupo de Reisado no Encontro Mestres do Mundo. Acervo da Autora, 2018.

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A aldeia Krenak fica na margem esquerda do rio, na direita tem uma serra. Aprendi que aquela serra tem nome Takukrak, e personalidade. De manhã cedo de lá do terreiro da aldeia as pessoas olham pra ela e sabem se o dia vai ser bom ou se é melhor ficar quieto. Quando ela está com uma cara do tipo “não estou para conversa hoje”, as pessoas já ficam atentas. Quando ela amanhece esplêndida, bonita, com nuvens claras sobrevoando a sua cabeça, toda enfeitada, o pessoal fala: “Pode fazer festa, dançar, pescar, pode fazer o que quiser. [...] Por que essas narrativas não nos entusiasmam? Por que elas vão sendo esquecidas e apagadas em favor de uma narrativa globalizante, superficial, que quer contar a mesma história pra gente? (KRENAK, 2019, p.19)

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2.2 OS INTERESSES DE MERCADO E A CULTURA: O EXEMPLO DE FORTALEZA

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processo de homogeneização cultural na América Latina é percebido muito antes da criação dos novos meios de comunicação. Esses processos etnocidas-colonizadores que incluem a catequização e a necessidade de impor uma única língua para territórios gigantescos, foram algumas das práticas que contribuíram bastante para o início desse processo. Entretanto, é dentro da sociedade capitalista moderna, conhecida também como sociedade 24/7, pela qual se pode mercantilizar as necessidades e desejos, onde se desenvolve uma vida pautada por hábitos de consumo desenfreados. Nos momentos críticos em que a América se encontra comprometida em um grande empenho progressista, que implica a exploração exaustiva de seus recursos naturais e a transformação progressiva das suas estruturas econômico-sociais, os problemas que se relacionam com a defesa, conservação e utilização dos monumentos, sítios e conjuntos monumentais adquirem excepcional importância e atualidade. Todo processo de acelerado desenvolvimento traz consigo a multiplicação de obras de infraestrutura e a ocupação de extensas áreas por instalações industriais e construções imobiliárias que não apenas alteram, mas deformam por completo a paisagem, apagando as marcas e expressões do passado, testemunhos de uma tradição histórica de inestimável valor. (Normas de Quito, 1967, p. 3)

O ritmo acelerado estabelecido na sociedade moderna somado à presença das comunicações digitais e à facilidade dos deslocamentos se tornaram os vetores impulsionadores da mercantilização da vida individual e também da vida social, trazendo por um lado aspectos bastante positivos como facilidade de circulação de informação e rapidez de deslocamentos, mas por outro colocando as pessoas em um lugar de meros receptores de informações, incentivando seu consumo desenfreado e até mesmo acrítico. Segundo Von Simson (2006, p. 2) tais fatos criam no homem contemporâneo uma obrigação em consumir informações sem seletividade e impossibilitando que haja o poder de escolha sobre o que deve ser preservado como lembrança importante, como essencial para sua construção social, e os fatos e vivências que devem ser descartados. É, portanto, a partir desse cuidado seletivo que se constrói também uma iden-

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tidade2, visto que serão retidas apenas aquelas experiências e vivências que foram essenciais para a sobrevivência de determinados grupos sociais em diferentes localidades caracterizando assim a cultura tradicional, mais conhecida também como cultura popular. Cunha Filho (2004, p. 41) define cultura popular da seguinte forma: [...] compreende o conjunto de manifestações particularizadas das diversas comunidades humanas; têm natureza telúrica, nacional e patriótica, entendidas essas palavras na acepção a mais primitiva possível. [...] A cultura popular propicia, por conseguinte a singularização e a unidade dos povos, possibilitando-se conhecer-se de cada um, a identidade cultural, expressão que deve ser apreendida com a cautela de não ensejar a exclusão da diversidade enquanto elemento possível de compor a mesma.

É interessante perceber também que com o advento dos meios de comunicação a necessidade da transmissão oral do conhecimento foi ficando em segundo plano, contribuindo com sua maior permeabilidade, ou seja, facilitando sua transmissão para qualquer lugar do mundo. Apesar de todos os aspectos positivos que a tecnologia trouxe e continua trazendo, é necessário compreender também que é por meio dessa facilidade de transição de informações e crenças que o sentimento de pertença e coletividade de diversas localidades vem enfraquecendo, fortalecendo em contrapartida sentimentos de individualismo, e criando novas noções de cultura, como é o caso da cultura de massas: As expressões cultura de massa e indústria cultural não raro são tidas como sinônimas por que os pensadores identificam em ambos os conceitos algumas similaridades: a origem, ocorrida no século XX; as relações socioeconômicas decorrentes do capitalismo; a influência da tecnologia, que produziu efeitos sobre todas as dinâmicas produtivas, inclusive culturais e particularmente

2 As identidades são representações marcadas pelo confronto com o outro; por se ter de estar em contato, por ser obrigado a se opor, a dominar ou ser dominado, a se tornar mais ou menos livre, a poder ou não construir por conta própria o seu mundo de símbolos. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade e Etnia: construção da pessoa e resistência cultural. São Paulo: Brasiliense, 1986.

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nestas sobre o rádio, o cinema e outros bens culturais cujos suportes materiais podem ser reproduzidos em escala industrial, como os livros e discos. Os termos revelam o anseio da padronização dos bens retirando dos mesmos o caráter de singularidade dos quais são revestidos na esfera da cultura popular. Esta padronização tem objetivos claros e definidos: construir uma massa de consumidores e, além disso, influenciar no próprio gosto artístico de cada um, de maneira a controlá-lo e direcioná-lo à lógica do mercado capitalista em geral, e do mercado cultural em particular. (CUNHA FILHO, 2004, p. 42)

Antes de adentrar no contexto da cidade de Fortaleza, é importante tratar de um caso bastante específico e que trouxe reflexos grandes no contexto cearense: é o caso da indústria calçadista de Juazeiro do Norte. Segundo Santos (2002 Apud Gomes, 2018) na década de 90, a partir da concorrência comercial externa, o setor de calçados no Brasil passou a investir em uma mão de obra mais barata do que a que já era utilizada, pensando nisso, houve um grande deslocamento dessas fábricas para o nordeste, visando esse barateamento de mão de obra e consequentemente o barateamento do preço dos calçados, melhorando sua competitividade no mercado internacional. Ademais, inúmeras outras políticas públicas do estado primavam por essa vinda da indústria para o interior do estado do Ceará, principalmente durante o governo de Tasso Jereissati. Tasso fazia parte do CIC (Centro Industrial do Ceará), um grupo de empresários que vislumbrava impulsionar o desenvolvimento capitalista no estado, dessa forma vários planos para investimento e fomento da indústria no interior do Ceará foram criados, priorizando trazer para a região interiorana o potencial industrial do estado. Muitas dessas indústrias se estabeleceram no Cariri, principalmente em Juazeiro do Norte, que também é um pólo cultural e religioso riquíssimo. Essas iniciativas foram de extrema importância para o desenvolvimento capitalista do estado, entretanto trazem inúmeros reflexos e questionamentos pertinentes quando se percebe a forma que a cultura e os saberes e fazeres são afetados pela chegada dessas indústrias nas terras que detém saberes ances-

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trais. É certo que a economia pode ser uma grande aliada da cultura, entretanto, no caso de grandes indústrias que se instalam no interior como a Grendene, captam boa parte da população interiorana para esse trabalho industrializado, atraindo quem precisa urgentemente de emprego, e oferecendo remuneração e condições de trabalho precárias e desgastantes, um exemplo disso é o emprego sazonal onde a empresa contrata o trabalhador por 8 meses e depois o demite como especifica GOMES (2018). Dessa forma se faz importante mostrar que além das duvidosas condições de trabalho essas empresas pegam um grupo social de grande potência de produção cultural, e ao invés de investir de forma sustentável nos saberes tradicionais daquela região, desvaloriza esse potencial, primando um trabalho industrializado. Trazendo essa discussão para o contexto de Fortaleza se faz necessário mostrar por meio de exemplos como a cultura de massa vem causando impactos em inúmeros setores. Um dos principais setores onde esse impacto é sentido é o setor turístico, onde em muitas situações, deixa de ter uma função educativa, sustentável e positiva para a cidade e para as comunidades e passa a ser nocivo e exploratório. Esse tipo de turismo3 traz consigo uma certa falta de controle, onde quem visita usufrui dos recursos locais de forma irresponsável, ignorando os contextos sociais em que está inserido e trazendo muitas vezes prejuízos à população local. Um exemplo importante que tem relação direta ao turismo nocivo e exploratório endossado pelo Poder Público é o Aquário de Fortaleza (Figura 4), que não foi finalizado. Criado para ser mais uma atração, dentre muitas que já existem, o aquário foi implantado ao lado de uma comunidade histórica da cidade, o Poço da Draga, o equipamento não se propunha a trazer nenhuma conexão com a mesma, excluindo ainda mais o seu acesso e ligação com a cidade formal. 3 As definições ora apresentadas fundamentam-se no conceito de turismo estabelecido pela Organização Mundial de Turismo - OMT, adotado oficialmente pelo Brasil, que compreende “as atividades que as pessoas realizam durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras”. Organização Mundial do Turismo. Introdução ao Turismo. Madrid, 2001.

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Figura 4 Estrutura do Acquário de Fortaleza. Fonte: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ regiao/aquarios-e-conservacao-ambiental-1.1321861

Sua estrutura encontra-se hoje abandonada, portanto não cumpre sua função social4. Ainda sobre o setor turístico, que está diretamente ligado ao comércio de produtos locais, temos a mercantilização de produtos que trazem consigo certa regionalidade. É comum encontrar no interior do estado do Ceará artesãos que produzem manualmente e vendem para grandes empresas por preços ínfimos, em contrapartida, essas empresas se aproveitam da originalidade e regionalis-

4 Na atual ordem jurídico-constitucional, a função social é parte integrante do conteúdo da propriedade privada. A propriedade tende a traduzir uma relação entre sujeito e bem cujo exercício em prol da sociedade apresenta interesse público relevante, traduzindo um direito-meio, e não um direito-fim, não sendo garantia em si mesma, só se justificando como instrumento de viabilização de valores fundamentais, dentre os quais sobressai o da dignidade da pessoa humana.[...] As faculdades decorrentes do direito de propriedade não podem ser exercidas ilimitadamente, porque coexistem com direitos alheios e porque existem interesses públicos maiores no Estado Social. JELINEK, Rochelle. O Princípio da Função Social da Propriedade e sua Repercussão sobre o Sistema do Código Civil. Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 1-41, mai./2006. Disponível em: https://www.mprs.mp.br/media/ areas/urbanistico/arquivos/rochelle.pdf. Acesso em: 13 out. 2020.

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mo desses mesmos produtos para comercializá-los a preços exorbitantes dentro dos meios urbanos, como Fortaleza, e até mesmo fora do país de origem, focados sempre na questão de que o produto possui um valor regional - que está diretamente ligado ao valor de troca - criando um valor estético regional, trazendo a ideia de que aquele produto seria único, e fazendo seu preço subir em localidades que não possuem esse tipo de produção. É o que Harvey (2005, p. 222) chama de renda monopolista: Toda renda se baseia no poder monopolista dos proprietários privados de determinadas porções do planeta. A renda monopolista surge por que os atores sociais podem aumentar seu fluxo de renda por muito tempo, em virtude do controle exclusivo sobre algum item, direta ou indiretamente, comercializável, que é em alguns aspectos, crucial, único e irreplicável.

Ainda segundo Harvey (2005, p. 229) existe um tipo de prática dentro da renda monopolista que transforma a regionalidade num modo de vida marcada por estruturas distintivas de sentimento. Dentro dessa lógica, portanto, se perde o valor afetivo do saber fazer, dentro do recorte do Ceará por exemplo, a valorização de determinado produto traz reflexos muitas vezes da exploração de quem detém esses saberes, que recai sobre a individualidade de cada peça produzida, que acaba se resumindo ao valor regional mas ligado diretamente ao valor de troca. Harvey (2005, p. 229) ainda afirma que a ideia de ‘cultura’ se relaciona cada vez mais com as tentativas de reassegurar esse poder monopolista, exatamente por que as alegações de singularidade e autenticidade podem ser melhor articuladas enquanto alegações culturais distintivas e irreplicáveis de cada região. Em contrapartida, quando esses produtores locais tentam vender por conta própria muitas vezes têm seus produtos desvalorizados. Por isso se torna de extrema importância a aplicação de uma dinâmica educacional, onde junto com o valor de troca venha a valorização do saber fazer específico de cada comunidade, valorizando os processos e as pessoas que estão por trás daquele artesanato, artefato ou produto no geral. Canclini (1998) explica que “Essa fascinação pelos produtos, o descaso pelos processos e agentes sociais que os geram, pelos usos que os modificam, leva a valorizar nos objetos mais

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sua repetição que sua transformação” Outro setor diretamente atingido dentro dessa questão é o do patrimônio cultural edificado. Quando se coloca a discussão da cultura de massa e do capitalismo dentro da questão patrimônio cultural e sua valorização, consegue-se perceber o quanto se estabelece uma relação predadora dentro do meio urbano, botando em questão também a noção de valor e de quem valoriza. E em Fortaleza isso não seria diferente. Existem inúmeros exemplares arquitetônicos que vêm sendo marginalizados dentro da cidade em nome da “modernidade e da inovação” propagada pelas grandes empresas imobiliárias e também pelo Estado. Dentre exemplos recentes temos a Casa Benedito Macêdo (Figura 5), que não representa um bem tombado, mas possui uma grande importância para a história da arquitetura moderna de Fortaleza e foi completamente demolida em pleno isolamento rígido durante a pandemia do Coronavírus em 2020, como tantos outros bens não tombados. Outro bem que está correndo o risco de não existir mais daqui há alguns anos é o Edifício São Pedro, que apesar de tombado ainda se encontra marginalizado. Temos também exemplos de abandono por muito tempo de bens tombados pelo estado como é o caso do Museu do Ceará (Figura 8) - que teve suas obras iniciadas recentemente -, A escola Jesus Maria José (Figura 7) que há anos está em situação precária - já está em fase de arruinamento - e sem nenhuma proposta à vista de recuperação, além do Solar Carvalho Mota (Figura 6), também tombado - pela união (IPHAN) - mas que hoje abriga o arquivo do DNOCS, tratando-se de um uso inferior ao seu valor cultural e ainda em estado deteriorado. É necessário trazer juntamente a essas reflexões - sobre esses impactos negativos e também positivos - as noções de valor cultural. Ulpiano de Meneses (2009, p.33) discorre um pouco sobre isso, sem atribuir a separação entre material e imaterial como se fez ao longo de toda a história, e propondo os seguintes questionamentos: “quem atribui valor?”, “quem cria valor?”. Contrapõe o Artigo 216 da Constituição federal de 1988 com o De-

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Figura 5 Casa Benedito Macêdo sendo demolida. Fonte: https://projetobatente. com.br/cronica-de-uma-morte-anunciada-residencia-benedito-macedo

Figura 6 Solar Carvalho Mota. Fonte: https://www.opovo.com. br/jornal/vidaearte/2017/08/ fechado-ha-14-anos-museu-das-secas-padece-com-falta-de-manutencao.html

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Figura 7 Escola Jesus Maria José. Fonte: https://www.opovo. com.br/noticias/fortaleza/2019/04/30/familias-sao-removidas-de-escola-tombada-pelo-municipio-no-centro. html

Figura 8 Museu do Ceará. Fonte: http://www.conhecendomuseus.com.br/museus/ museu-do-ceara/

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creto-Lei 25/1937, que mostra que era o poder público quem determinava o que poderia ser considerado patrimônio cultural, dos quais seriam compostos apenas por bens tombados. Ou seja, o tombamento estaria vinculado diretamente ao valor cultural atribuído àquele bem. Já pelo artigo 216 reconhece que os valores culturais não são determinados pelo poder público, mas sim pelos diversos grupos sociais. Também pontua que a noção de valor constitucional parece ser aplicável apenas para os bens imateriais, enquanto que os bens materiais continuam presos à noção de que quem atribui valor é o poder público e onde pode-se perceber grande desinteresse e resistência no que tange à proteção e importância social dos bens ditos materiais, que são cotidianamente destruídos. Segundo Meneses (2009) “a força da especulação imobiliária, neste último caso, não é razão única e suficiente para gerar tal resistência. Desconhecer os mecanismos de funcionamento da sociedade também tem parte na responsabilidade.”. A partir disso, também traz a subdivisão do valor cultural em: valores cognitivos, valores formais, valores afetivos, valores pragmáticos, valores éticos. O valor cognitivo seria aquele que relaciona o valor à sua importância documental, que promove a fruição intelectual, que pode ser atrelado ao seu padrão estilístico, técnico e que tem a capacidade de informar; já o valor cognitivo traz a estreita relação com o sensorial, onde as percepções e sensações sobre determinado objeto determinam seu valor. O valor afetivo está diretamente relacionado a memória, traz um reforço da identidade, traz consigo vinculações subjetivas de cada indivíduo. O valor pragmático está relacionado ao valor de uso percebidos como qualidade, onde arquitetos e urbanistas tentam trazê-lo de volta à dinâmica urbana requalificando-o diante da especulação imobiliária. Por último se tem o valor ético, onde o valor não está associado ao bem, mas sim às interações sociais as quais serão destinados e postos a funcionar. Para finalizar essas reflexões sobre valor penso oportuno dizer algo sobre antinomia corrente que opõe valor cultural a valor econômico (valor de troca). Na perspectiva que desenvolvi não

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há qualquer antagonismo. Há uma dimensão econômica no bem cultural, assim como uma dimensão cultural no bem econômico. [...] A oposição existe, sim, entre a lógica da cultura (que é uma lógica de finalidade, em que a produção do sentido e da comunicação é que constitui a prioridade, como acentua García Canclini) e a lógica de mercado (que tende a instrumentalizar a cultura, na obtenção do lucro). (MENESES, 2009, p. 38)

Se faz importante frisar, portanto, que, apesar de todas essas questões envolvendo os setores imobiliários e econômicos, o valor cultural e sua relação com o patrimônio histórico, as possibilidades de valorização e preservação do patrimônio histórico urbano podem ser atravessadas pelo valor econômico. O desafio na contemporaneidade na questão da preservação dos monumentos históricos é justamente este, associar o valor cultural ao valor econômico para preservar o que se tem de bem cultural. Entretanto as raízes dessa problemática no contexto da cidade de Fortaleza são muito mais profundas e complexas do que culpabilizar apenas o mercado imobiliário e o poder público. Existe uma questão afetiva e identitária muito mais profunda dentro do contexto da cidade desde o período colonial.

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Em diferentes lugares do mundo, nos afastamos de uma maneira tão radical dos lugares de origem que o trânsito dos povos já nem é percebido. Atravessamos continentes como se estivéssemos indo ali ao lado. Se é certo que o desenvolvimento de tecnologias eficazes nos permite viajar de um lugar para o outro, que as comodidades tornaram fácil a nossa movimentação pelo planeta, também é certo que essas facilidades são acompanhadas por uma perda de sentido dos nossos deslocamentos. (KRENAK 2019, p.43)

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T

endo em vista os atuais prejuízos que vem sofrendo o patrimônio cultural da cidade de Fortaleza, se faz necessário discutir e tratar sobre a questão dos vínculos afetivos estabelecidos com a terra no contexto da cidade, principalmente no que tange os edifícios históricos e os costumes, os quais foram sendo moldados e direcionados ao longo de sua história. A fragilidade dos vínculos socioambientais no contexto de Fortaleza possivelmente tem início ainda no período colonial, quando a então chamada Vila do Forte não apresentava inicialmente relevância aos interesses econômicos da Coroa Portuguesa. Diante disso, a ocupação de Fortaleza acontece de forma tardia, visto que no Ceará naquela época - finais do século XVII e inícios do século XIX - a principal atividade econômica na região foi a criação de gado, Andrade (2012, p.31) explica que: A pecuária condiciona uma ocupação bastante rarefeita do território cearense com as povoações concentrando-se inicialmente nos sertões e não no litoral desencadeando uma rede de caminhos da qual Fortaleza estava apartada. Fortaleza, mesmo elevada à condição de Vila em 1726 não passava de um pequeno núcleo distante da atividade pastoril desenvolvida no interior da Capitania.

Segundo Andrade (2012, p.32) foi a partir da “Abertura dos Portos” brasileiros às nações amigas que a Vila do Forte, - implantada no litoral - começou a ser efetivamente ocupada, devido principalmente à demanda externa por algodão matéria prima que passou a ser valorizada no Brasil e impulsionou a economia da região Nordeste - que passou a ter maior importância para a Coroa. Foi aí que o Ceará começou a comercializar diretamente com a Europa, sem intermediação de Pernambuco, da qual antes era dependente. Como reflexo dessa ocupação vieram os primeiros prédios da cidade, principalmente de uso institucional e voltados para o comércio algodoeiro, evidenciando um vínculo com a terra estritamente comercial. A partir de 1811 também chegaram empresas estrangeiras que vislumbraram na localidade a possibilidade de impulsionar ainda mais seus negócios. O Mapa de 1813 mostra a composi-

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2.3 OS REFLEXOS DA OCUPAÇÃO DE FORTALEZA NA CRIAÇÃO DE VÍNCULOS AFETIVOS


Figura 9 Ruas e Quadras da Vila de Fortaleza. 1- Rua paralela ao Mar, 2 - Quadras, 3- Riacho Pajeú, 4- Rua Aberta por Silva Paulet. Fonte: Margarida Júlia

ção urbana na época (Figura 9). Segundo Andrade (2012, p. 34) “Àquela altura a cidade cresceu e mereceu investimentos em infraestrutura para realizar as transações comerciais externas e internas então em curso. Nessa época foram realizados estudos sobre a situação do porto, e para a instalação da alfândega e do mercado público.” A Vila do Forte foi elevada à categoria de cidade no ano de 1823, e na década de 1830, Fortaleza supera Aracati no que se refere à importância econômica. Foi a partir do vislumbre a essa hegemonia econômica que começaram as intervenções urbanas, infra estruturais e sanitárias na cidade. Fortaleza, nessa época, já concentrava grupos sociais importantes, responsáveis pelo comércio do algodão. No decorrer do século XIX e até meados do século XX a população continuou

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a se estabelecer no território, mas dessa vez oriunda do interior do estado. É importante destacar que essas movimentações populacionais eram bastante recorrentes nos períodos de seca visto que sobrevivência no campo era bastante difícil devido à falta de políticas públicas que amenizassem os impactos da seca. (COSTA, 2008) De modo geral, a história do Ceará foi marcada pelas migrações, pelas secas, quase sempre acompanhadas por epidemias e grande mortandade. Das muitas secas, a responsável pelo maior número de vítimas foi a “seca dos dois setes”, que durou de 1877 a 1879. Esta seca foi acompanhada por grande movimento da população. Fortaleza, à época com uma população de 20.098 habitantes, segundo o censo de 1872, atingiu em dezembro de 1878 160.000. Isto significou falta de alojamentos, de água, de alimentos, de remédios, de infraestrutura urbana e sanitária. Enfim, inúmeros problemas de saúde pública. Em agosto de 1878, Fortaleza tinha 113.900 indigentes abarracados em seus subúrbios. (COSTA, 2008 Apud BARROS LEAL, 1978, p. 185).

A chegada desses migrantes representou não só o período de expansão urbana e aumento da população, mas também a chegada de pessoas desprovidas de vínculos afetivos com a localidade, mas que buscavam melhores condições de vida diante da problemática da seca. Ao chegarem na cidade mantiveram inclusive seus costumes rurais criando gado, lavando suas roupas nos cursos d’água, tomando banho despidos, entre outras práticas. Foi dessa forma que desrespeitaram a “civilidade” que a sociedade abastada - e também forasteira - tanto defendia, sendo tratados com repugnância por essas classes, que os isolaram. Ao mesmo tempo a cidade se desenvolvia e crescia Assim, fica ainda mais evidente o fato de que os vínculos socioambientais estabelecidos eram frágeis, visto que a cidade já abrigava forasteiros, os quais diferentemente dos outros, chegaram com finalidades econômicas e comerciais, donos de empresas estrangeiras que haviam se estabelecido na cidade. Segundo Milton Santos (2006, p. 222) Vir para a cidade grande é, certamente, deixar atrás uma cultura

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herdada para se encontrar com uma outra. Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação.

Além disso, Costa (2008, p. 189) ainda destaca que ao se deslocarem para o meio urbano os sertanejos ainda encontram dificuldades em diferenciar o que era público e privado, assim começaram as investidas por parte da Câmara Municipal por meio do Código de Obras e Posturas para que alguns desses hábitos fossem proibidos -como o tomar banho nu nos recursos hídricos, impedir a criação de gado e a plantação de hortas e o contato com a terra - impedindo que alguns de seus costumes e modos de viver continuassem naturalmente dentro do meio urbano. Segundo Maia Neto (2014) é importante destacar que os recursos hídricos foram também a partir de certo momento privatizados por grandes empresas de distribuição de água como foi o caso da Ceará Water Company, a qual canalizou as águas da cidade e iniciou a mercantilização da mesma principalmente para a classe nobre, que possuía poder aquisitivo para isso, detendo o monopólio da exploração. Segundo Krenak (2019) “Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista.” Desse modo, fica evidente que a forma como Fortaleza foi ocupada desde seus primórdios orientou em alguns aspectos o modo como seus cidadãos lidam hoje com o patrimônio da cidade, além de evidenciar a forma como o mercado imobiliário e as grandes empresas agem, pautados na lógica do capital, mercantilizando recursos naturais e tirando proveito da fragilidade dos vínculos afetivos para concretizar metas de destruição do patrimônio. Apesar disso, hoje podemos destacar algumas políticas públicas e principalmente ações independentes preocupadas em reestabelecer esses vínculos, mesmo que insuficientemente, como é o caso do Projeto Acervo Mucuripe, um projeto de documentação da memória comunitária dos bairros e comunidades o

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Grande Mucuripe organizada pelo pesquisador Diego de forma independente, que recebe visitas ao acervo com hora marcada. É o caso também dos Editais Culturais promovidos pelas Secretarias de Cultura, organizados pelo Instituto Iracema, os quais viabilizam propostas artísticas e afetivas dentro da cidade de Fortaleza, promovendo essa conexão e dando autonomia para que artistas e pessoas da sociedade civil possam intervir afetivamente na cidade. Outro Projeto muito importante é o Excursão Pajeú, proposto por Cecília de Andrade, no qual a proposta é levar o usuário a uma viagem “pelas dimensões físicas e simbólicas de um rio que está em processo de apagamento.” Além da existência também do Free Walking Tour Fortaleza, uma excursão histórica pela cidade promovendo uma educação sobre o patrimônio cultural, promovido pelos Arquitetos e Urbanistas e pesquisadores José Otávio e Larissa Muniz.

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Alquimia remete ao dom de combinar matéria ao invisível e torná-los metal precioso. [...] Ver a riqueza e a potência na miudeza das ruas e no povo que, supostamente derrotado, carrega o piano e constrói a história. Flávia Oliveira, jornalista

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2.4 OS SABERES E FAZERES TRADICIONAIS

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noção de tradição é ampla e, portanto, seria um grande equívoco tratá-la como algo estático. A partir disso a acepção da palavra que mais se encaixa no sentido tratado neste trabalho é aquela que remete ao ato ou ao efeito de transmitir ou entregar algo a alguém segundo o dicionário físico Aurélio (2001) e também aquele que diz que tradição representa uma herança cultural, legado de crenças e técnicas passadas de uma geração para outra, como se define pelo dicionário virtual Oxford (2020). Diante disso, é importante relembrar que a ocupação do Brasil foi fortemente marcada pela presença da cultura ibérica. Entretanto, sabe-se que antes do suposto “descobrimento” do país por Portugal, essas terras já estavam habitadas. Assim, ao invadirem o território brasileiro, desencadearam uma forte confluência cultural, social e religiosa com a população que ali habitava. Esse intenso contato entre essas culturas (ameríndias já existentes e, logo depois africanas, vindas por meio do tráfico negreiro) trouxe um grande reflexo para o que se reconhece hoje como cultura popular brasileira, pois está representada fortemente pelo sincretismo religioso e cultural. Por muitas vezes, esse sincretismo religioso é tratado com desgosto por remeter ao sentido de imposição de um colonialismo, outras vezes é tratado como uma forma de resistência e de fenômeno de fé praticados pelos povos que vindos dos países africanos desembarcaram nos portos brasileiros e também por aqueles que aqui já habitavam antes da nação ibérica chegar. Dentre reisados, bois, congadas, festejos juninos, celebra-se a diversidade cultural do país. As festas católicas normalmente transitam em torno dos eventos da vida,da paixão e da ressurreição de Jesus Cristo; do culto aos santos e beatos e da adoração da Virgem Maria. Já os fundamentos das celebrações indígenas e africanas celebram a força da ancestralidade e a divinização da natureza. Da interseção desses fundamentos e da circulação das culturas que o tempo todo se influenciam, surgiram os nossos modos de celebrar o mistério: a fé é festa. (SIMAS, 2018, p. 11)

Neste capítulo serão trazidas algumas das principais manifestações culturais e

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práticas de artes e ofícios presentes no recorte do território cearense e também algumas que ainda resistem no recorte de Fortaleza, principalmente nas periferias. Por isso se faz necessário adiantar a existência da importante política de estado voltada para o reconhecimento e valorização dos saberes e fazeres dos mestres e mestras da cultura popular, no qual o estado do Ceará foi o primeiro a estabelecer um marco legal para sua salvaguarda: A partir da convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial da UNESCO, de 2003, o Ceará, com seu pioneirismo, foi o primeiro estado a estabelecer um marco legal por meio da Lei número 13.351, de 22 de agosto de 2003, dos mestres da cultura e por sua revisão ampliada na Lei número 13.842 de 27 de novembro de 2006, dos Tesouros Vivos, que inclui a manutenção de Grupos e Coletividades. Imediatamente a Secretaria da Cultura do Estado lançou seu primeiro edital, em 2004, selecionando assim, a primeira geração com 12 mestres e mestras da cultura do Ceará. E assim inauguraram o livro do registro dos Mestres da Cultura Tradicional Popular, que se encontra sob a guarda da Coordenadoria de Patrimônio Histórico e Cultural da Secult. Este é o documento onde estão inscritos senhores e senhoras guardiões de memórias, manifestações e expressões artísticas culturais de nosso patrimônio cultural imaterial. (CASTRO, S. O. D. et al. 2018, p. 4)

Dentre as inúmeras formas de se manifestar, serão apresentadas neste trabalho de conclusão de curso, algumas em específico, pois hoje se tem uma quantidade enorme de registros tanto de coletividades e grupos quanto de mestres e não seria possível abordar apenas neste trabalho todas elas, devido à riqueza de detalhes que cada uma guarda consigo. Ademais, podemos separá-las em algumas categorias, assim como estão divididas nos catálogos de Mestres do Mundo, como: Festas e Folguedos; Artífices e Artesãos; Músicos e Construtores de Instrumentos; Poetas, Improvisadores e Contadores de histórias, e Práticas Religiosas e Animistas. Serão citadas neste trabalho representações de algumas dessas categorias com o intuito de mostrar um pouco da riqueza que cada uma traz. A seguir temos uma imagem da confecção de um calçado em couro no ateliê do mestre Espedito Seleiro em Nova Olinda, no Ceará.

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Figura 10 Ateliê do Mestre Espedito Seleiro em Nova Olinda, Ceará. Fonte: Acervo da Autora, 2017.


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O ofício do Couro, o reisado, o bumba meu boi, os dramas, a arte da louça, o ofício do balaio, o coco, a renda, a xilogravura, a cacicagem e o toré. Essas são algumas das inúmeras manifestações e ofícios existentes no Brasil, que exemplificam a riqueza cultural presente no território. A Festa de Reis carrega consigo muito fortemente a cultura ibérica, e representa uma das principais manifestações do ciclo natalino. De acordo com Simas (2019) a festa do Natal marca o encerramento do período do advento - que representam as quatros semanas que antecedem o nascimento de Jesus - e logo depois tem início a epifania, que marca manifestação de Cristo aos Reis Magos do Oriente. A Festa de Reis (Figura 11) tem início com a formação de grupos de foliões que saem pelas ruas visitando as casas com estandartes, enfeites e instrumentos musicais. Simas ainda comenta que as folias se formam geralmente em consequência das promessas feitas e as graças alcançadas pelas ações dos Reis. No Ceará, um dos reisados registrados é o do Mestre Aldenir (Figura 12), que hoje conta com três grupos de reisado: o das moças, o das crianças e o dos homens. Em tudo o que faz traz a participação de sua família e vizinhos, dentre eles, quarenta e oito netos e oito bisnetos. Mestre Aldenir foi ensinado pelo tio e hoje transmite seus saberes a quem quiser brincar junto. A Festa de Bumba-meu-boi (Figura 13) também faz parte dos festejos natalinos, é importante ressaltar que as manifestações desses festejos se relacionam, pois muitas vezes são formadas pelos mesmos grupos familiares. A relação dos homens com certos animais se fez bastante presente nas civilizações. Esses animais representam no geral, poder, força, entidades míticas e sacrifícios. O Bumba- meu-boi traz consigo o aspecto sobrenatural que envolve a morte e a ressurreição. O Bumba-meu-boi surgiu da união de elementos das culturas europeia, africana e indígenas, com maior ou menor influência de cada uma dessas culturas nas diversas variações regionais. Notamos em todas as suas variantes, a presença dos colonizadores europeus representados como donos da fazenda, senhor de engenho, e do boi (Capitão-Marinho ou Cavalo-Marinho); do africano, escravo, como o trabalhador - é ele (Mateus) quem rouba o boi

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Figura 11 Reisado São Francisco de Juazeiro do Norte Fonte: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ regiao/curta-metragem-sobre-os-bastidores-do-reisado-em-juazeiro-do-norte-sera-lancado-hoje-10-1.2196841


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Figura 12 Mestre Aldenir. Fonte: Acervo da Autora, 2018.

Figura 13 Celebração do Bumba-meu-boi. Fonte: https://robertorocha. com.br/senado-aprova-sao-luis-como-capital-nacional-do-bumba-meu-boi-2/

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e mata-o junto com seu assistente, outro escravo (Bastião), para satisfazer sua esposa (Catirina), caracterizada como “mestiça” ou morena; do índio aparece (figura do Pajé e caboclos de pena) que aparece para ressuscitar o animal [...] e por fim a grande comemoração do renascimento do boi, com o baile de galantes e damas. (SANTOS, 2008, p. 41)

Segundo Castro (et al.), um dos bois mais conhecidos no estado é o Boi Ceará, hoje comandado pelo Mestre Zé Pio (Figura 14). Seu boi tem hoje vinte brincantes, além de seis batuqueiros e o mestre costuma repassar seus conhecimentos e os fundamentos do boi para os jovens na igrejinha do Senhor São José. Outra celebração que merece destaque é o drama. O drama é uma tradição oral, uma mistura de música cantada pelas dramistas e acompanhadas por tocadores - que são instrumentistas sem conhecimentos teóricos - e danças, como resultado tem-se um conjunto de práticas que envolvem expressão corporal e representação dramática, como diz Pontes (2011). Dona Ana Maria (Figura 15) é mestra dramista e conta que o drama estava presente na família por influência da mãe, que também era rezadeira. Segundo Castro (et al. 2018) Ana Maria diz que foi tomando gosto pelo Drama, que foi aprendendo as músicas e crescendo em casa junto com a mãe, conta ela que o drama era a maior e quase única diversão para os jovens de sua cidade, chamada Tianguá, no Ceará. Hoje a mestra se dedica a repassar seus conhecimentos para as gerações posteriores, mantendo o costume por gerações. Adentrando o âmbito das artes e ofícios temos figuras importantíssimas, mestres que perpetuam os saberes dos utensílios de barro, do entrelaço das redes, trançado do cipó, a renda, a xilogravura, o bilro entre outros tantos importantes. Mestra Dona Branca (Figuras 17 e 18), que detém os saberes da modelagem do barro para o feitio de louças, nasceu na comunidade de Alegre no município de Ipu em 1941 e começou a fazer louça ainda criança, aos 10 anos de idade sob influência da avó materna. Seu pai inicialmente não gostava que trabalhasse, mas certo dia foi a uma feira e vendeu cerca de 20 peças, contribuindo para a renda da casa, o que fez que seu pai permitisse seu trabalho. O barro com que trabalha é retirado de sua própria terra, e é com ele que a mestra faz

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Figura 15 Mestra Ana Maria. Fonte: http://porronca.com.br/ mulheres-mestras-do-drama/

Figura 14 Mestre Zé Pio Fonte: https://tomgurgel. blogspot.com/2017/08/a-paixao-do-mestre-ze-pio-em-ensinar.html

Figura 16 Ciranda no Encontro Mestres do Mundo de 2018. Fonte: Natallie Skeff, 2018.

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Figura 17 Mestra Dona Branca. Fonte: Alberto Melo Viana, O Baiano

Figura 18 Mestra Dona Branca. Fonte: Alberto Melo Viana, O Baiano

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filtros, jarras, potes, panelas, pratos entre outros utensílios. Hoje mestra Branca participa de feiras, mostrando seu trabalho por onde passa. (CASTRO, 2018) Assim como Mestra Dona Branca existem vários outros mestres que detém os saberes manuais. Mestre Pedro Balaieiro (Figura 19) é conhecido como o mestre dos trançados, a partir do entrelaço do cipó mais especificamente chamado de Imbé, ele executa seus balaios para vender na Feira de Pacoti. A partir do trançado do Imbé, fez Guaramiranga adentrar o circuito do artesanato cearense. Hoje Seu Pedro inicia os jovens na arte do cipó de Imbé, num centro profissionalizante da cidade. (CASTRO, 2018) É importantíssimo salientar que hoje alguns mestres do estado do Ceará já são reconhecidos em âmbito nacional, como é o caso do Mestre Espedito Seleiro (Figura 20). O mestre começou fazendo selas, gibão, perneiras, que se faziam importantes para os vaqueiros que ali viviam. Nascido na Região dos Inhamuns local que ainda guarda fortes marcas do ciclo do gado, e onde iniciou-se no ofício do couro. Hoje Espedito trabalha fazendo móveis, bolsas, carteiras, tamboretes, sendo reconhecido Brasil afora pelo seu trabalho com o couro. (CASTRO, 2018)

Figura 19 Mestre Pedro Balaieiro. Fonte: Lili Rodrigues, Felipe Abud e Thiago Nozi

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Dentro do rol das manifestações religiosas temos também figuras de grandes mulheres, dentre elas estão a Mestra Cacique Pequena (Figura 21), que representa o povo Jenipapo-Kanindé o e a mestra Maria de Tiê, é mulher Quilombola do Quilombo de Souza. A Mestra Cacique Pequena traz uma história de muita luta em defesa da existência de seu povo, e para além disso é a primeira mulher Cacique que se tem notícia até então em terras próximas. Cacique Pequena organizou em todo o seu tempo de luta inúmeros atos de resistência, devido à enormes investidas para tirarem-lhes suas terras, dentre esses atos houve a criação de uma associação composta por povos indígenas local e brancos para lutar pela proteção das terras do seu povo. Quando Cacique Tio Aldorico fez sua passagem, Pequena foi nomeada pela sua própria comunidade como Cacique e impôs se como liderança feminina de seu povo. (CASTRO, 2018) Maria Josefa da Conceição, mais conhecida como Mestra Maria de Tiê (Figura 22) é mulher quilombola do Quilombo de Souza no município de Porteiras no Ceará, mestra Tiê trabalha como mestra da cultura do estado do Ceará ensinando a dança do Coco, mais conhecido como Coco dos Souza para crianças e idosos e também com o Maneira-pau. Seu bisavô foi ex-escravo e Tiê faz questão de contar toda sua história e origens para quem chega, além de ensinar os saberes de seus antepassados para reafirmar essa cultura que resiste no estado. (CASTRO, 2018)

Figura 20 Mestre Espedito Seleiro. Fonte: https://www2. jornalcruzeiro.com.br/materia/464688/mestre-espedito-seleiro-do-cariri-as-passarelas-da-moda

Aproximando-se mais do meio urbano e aplicando outro recorte, o de Fortaleza, foi possível mapear também alguns festejos que ainda se mantém ativos, apesar da intensa presença da cultura de massa e do turismo exploratório: São eles o Reisado de Nossa Senhora da Saúde, Brincantes do Cordão do Coroá, Reisado da Escuta, O Bumba-meu-boi, arte ensinada há décadas pelo já mencionado mestre Zé Pio. O Reisado Nossa Senhora da Saúde que acontece no Grande Mucuripe, completa 17 anos agora no ano de 2021, e seu cortejo passa por diversos bairros como Castelo Encantado, Santa Terezinha e Serviluz, se concentrando principalmente nas periferias da cidade. Já no Bairro Benfica, existe hoje um projeto de extensão chamado Brincantes do Cordão do Caroá, trazendo a tradição do Reisado de Congo, que é fortemente transmitida em Juazeiro do Norte, como já foi mencionado. No Pici também acontece o Reisado

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Figura 21 Mestra Cacique Pequena. Fonte: http://jrconta.blogspot. com/2016/07/04072016_16. html

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Figura 22 Mestra Maria de Tiê. Fonte: Diário do Nordeste


da Escuta, que se encontra ativo há cerca de 30 anos, constituído por cerca de 10 brincantes. Na Barra do Ceará e Pirambu temos o Mestre Zé Pio que ensina para crianças há muitos anos a arte do Bumba-meu-boi e do Reisado no SESC Iparana e que foi citado anteriormente na pesquisa. É importante salientar que é dessa forma que as ruas incorporam os movimentos, representando um palco e podendo se fazer também como escola, lugar de aprendizados e de conexão, que reivindica a riqueza das práticas populares, dos saberes e dos modos de vida de quem ainda mantêm em si viva a tradição. Além dos já citados, é importante também se buscarem novos meios de disseminação desses saberes e fazeres populares principalmente quando se trata da repercussão dentro do meio urbano. Atualmente existem diversas maneiras de educar acerca do patrimônio cultural, uma delas é por meio da criação de acervos museais, reunindo peças e utilitários utilizados das manifestações, com descrições do acervo, e uma equipe de educadores que trabalhem com esse tipo de educação museal. Por meio da promoção de oficinas, como de balaio, de louça de barro, de bordado, bilro, renda. Além disso, está previsto na Lei Estadual 13.842, de 27 de novembro de 2006 a qual implementou o registro dos “Tesouros Vivos” que os Mestres têm a liberdade de adentrar os espaços educativos formais como Universidades e escolas, mas pouco se vê isso se concretizar nos meios urbanos. As tradições orais ajudam a construir as visões de mundo diante de cada cultura e é extremamente importante para alicerçar e justificar muito do que é produzido manualmente, dos festejos e celebrações, existe uma relação diferenciada entre quem conta a história e quem ouve, é diferente de ler um livro pois cada contador interpreta a história de uma forma diferente dando várias perspectivas e posicionamentos envolvendo sua expressão corporal. Segundo Janice Thiel (2018) “Em muitas culturas crianças e jovens costumam ouvir histórias contadas pelos mais velhos. Diversas culturas mantêm a contação de histórias para sustentar as bases sociais da comunidade, assegurar a continuidade de conhecimentos e construir uma unidade que entrelaça diferentes gerações.” Além disso é muito importante que haja dentro desses processos

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educativos a contextualização da lógica atual das relações sociais, para que seja compreendido a atual situação dos grupos detentores dos saberes e as dificuldades pelas quais passam. A oralidade pode ser classificada como uma das características mais primárias da raça humana. Oralidade no sentido de que tudo começa pela própria boca. As primeiras relações com o mundo externo, por exemplo, acontecem na fase oral, ainda na infância. (CUNHA, 1999)

Dessa forma, com bastante fé e festa, permeando o sagrado e o profano, com muita alegria e como ato de resistência, os saberes e fazeres vão sendo repassados pelas gerações, para que com isso seja reforçada ainda mais a ideia de preservação e manutenção desses processos dentro do contexto moderno massificador.

Figura 23 Encontro Mestres do Mundo 2018. Fonte: Acervo da Autora, 2018

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“Cultura é tudo aquilo que, no uso de qualquer coisa, se manifesta para além do mero valor de uso. Cultura como aquilo que, em cada objeto que produzimos, transcende o meramente técnico. Cultura como usina de símbolos de um povo. Cultura como conjunto de signos de cada comunidade e de toda nação. Cultura como o sentido de nossos atos, a soma de nossos gestos, o senso de nossos jeitos.” Gilberto Gil. Discurso de posse Ministério da Cultura, 2003

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2.5 UMA BREVE TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO

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s primeiros acontecimentos que marcam uma preocupação em proteger a memória coletiva em âmbito nacional são percebidos ainda no século XIX, a partir da criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e o Arquivo Nacional. Juntamente a isso se destaca também o crescimento do já citado movimento modernista, que se mostrava preocupado em buscar uma singularidade nacional, algo que representasse uma certa “brasilidade”. Esses fatos também evidenciam a necessidade do Poder Público juntamente com esse setor em fortalecer a ideia de um Estado Nacional, com a criação de um lugar de memória e com o intuito de inserir o Brasil dentro do rol de nações civilizadas, para que assim fosse aceito enquanto nação. (NOGUEIRA, 2014) Segundo Antônio Nogueira (2014), nas representações da brasilidade procurada, o passado reelaborado é o tempo de origem da nação e de suas diversas temporalidades constituintes. Foi a partir do engajamento dos intelectuais modernistas, liderados por Mário de Andrade (Figura 24), que surgiu um movimento de defesa dos monumentos históricos e artísticos nacionais, que culminou no decreto-lei 25/37 para a criação do Serviço do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (SPHAN) e que a partir dos anos 1970, passou a ser Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (IPHAN). Entretanto antes desse feito, outras iniciativas nesse sentido já haviam acontecido, como é o caso da fundação do Museu Histórico Nacional (1922) e da criação das Inspetorias nacionais de Monumentos Históricos (1926). Nessa trajetória houve ainda marcos importantes para o país, como a elevação de Ouro Preto à categoria de Monumento Nacional no mandato de Getúlio Vargas, por meio da promulgação do decreto 22.298, de 12 de julho de 1933. Segundo Nogueira (2014): A ideia de nação civilizada manifestada no barroco colonial mineiro colocou, no centro do debate, a natureza mesma do “ser histórico” e os usos do passado na construção de um Brasil moderno. No período entre 1936 e 1938 foi organizada por Mário de Andrade a Missão de Pesquisas Folclóricas, que foi uma iniciativa que culminou numa busca etnográfica, que representou um dos maiores investimentos no sentido de criar

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um inventário cultural. Foi nesse mesmo período, durante o mandato de Vargas que foram incentivadas e executadas várias ações que marcaram o projeto ideológico de construção da nação e da “brasilidade”. Entretanto, nesse período ficou evidente a prioridade dada aos bens materiais e eruditos, os quais ganharam protagonismo. O inventário dos bens imateriais - tradições, festividades e saberes -, apesar de instigados por Mário de Andrade no decreto-lei 25/37 não foram tão contemplados, marcando uma supervalorização e proteção dos bens de pedra e cal e restringindo aos bens pertencentes à população mais abastada. Juntamente com esse decreto foram estabelecidos alguns instrumentos de proteção como é o caso do Tombamento5 e do Restauro. Para Mário de Andrade (1981 Apud CHUVA, 2012), a cultura brasileira deveria ser apreendida como uma totalidade coesa, ainda que constituída pela mais ampla diversidade de práticas possível: “Uma unidade cultural amalgamada pela diferença, que escapava, nessa perspectiva, a qualquer tipo de regionalismo”. Um marco importante em âmbito internacional foi a criação da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, mais conhecida como (UNESCO) em 1940, a qual adotou o conceito antropológico de cultura. De acordo com Márcia Chuva (2009 Apud NOGUEIRA 2014, p. 154) costurou-se uma perspectiva elitista e redutora desenhada pela herança europeia decorrente da seleção dos exemplares arquitetônicos e artísticos do período colonial. 5 A palavra tombamento originou-se do verbo tombar que - no Direito, em Portugal - tem o sentido de registrar, inventariar, arrolar e inscrever bens. O inventário era inscrito em livro próprio que era guardado na Torre do Tombo, em Lisboa. O termo passou a ser utilizado no Direito brasileiro para designar os bens registrados e tutelados pelo poder público. Assim, o tombamento é um dos dispositivos legais que o poder público federal, estadual e municipal dispõe para preservar a memória nacional. Também pode ser definido como o ato administrativo que tem por finalidade proteger - por intermédio da aplicação de leis específicas - bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados.Entre as diversas formas de proteção, o tombamento é o instrumento mais conhecido e utilizado. O tombamento de um bem cultural significa proteção integral, sendo uma das ações mais importantes relacionadas à preservação de um patrimônio de natureza material. O Iphan atua de acordo com o Decreto Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, na preservação e difusão dos bens culturais materiais. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E HISTÓRICO NACIONAL. O que é Tombamento. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/perguntasFrequentes?categoria=9#:~:text=O%20tombamento%20de%20um%20bem,difus%C3%A3o%20dos%20 bens%20culturais%20materiais.. Acesso em: 5 out. 2020

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Figura 24 Mario de Andrade Fonte: https://istoe.com. br/363424_CARTAS+PARA+MARIO+DE+ANDRADE/

Dessa forma foram excluídos da ideia de civilização as diversas etnias e culturas que constituem a identidade brasileira. Assim, ficaram de fora as contribuições de índios, africanos que compunham em peso a nação e definitivamente traziam imensa contribuição para o que se tem hoje e denomina-se cultura. Na administração pública, o distanciamento entre as vertentes do patrimônio e do folclore tornou-se evidente com a criação da Comissão Nacional do Folclore, em 1947, no Ministério das Relações Exteriores (MRE), por um grupo de intelectuais que almejava o reconhecimento do folclore como saber científico. Eles ramificaram o movimento em comissões estaduais, promoveram congressos e viabilizaram, em 1958, a criação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB), vinculada ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), criado em 1953, por Getúlio Vargas, ao qual ficou vinculada também a Dphan (Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, antigo Sphan). (CHUVA, 2009 Apud NOGUEIRA, 2014, p. 155)

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Em 1975 foi criada a Política Nacional da Cultura, que foi o primeiro plano oficial que teve abrangência para coordenar políticas de governo para a cultura, nessa época a gestão do Ministério da educação e Cultura estava sendo liderado por Ney Braga. Esse foi o primeiro projeto político que previu colaborações entre os diversos níveis administrativos. Nessa época também ficou mais perceptível a divisão entre materialidades e imaterialidades devido a algumas políticas públicas aplicadas. No campo do Imaterial foi criada a Funarte a qual incorporou vários projetos os quais envolviam o folclore e a cultura popular, que culminou na criação do Instituto Nacional do Folclore, o qual substituiu o CDFB. Já a frente material era dominada pelo Iphan. Outra frente, segundo Chuva se instaurou na época e se caracterizou pelo surgimento do Centro nacional de Referência Cultural (CRNC) sob liderança de Aloísio de Magalhães, reconhecido designer pernambucano. O CNRC não trabalhava com a noção de patrimônio cultural, mas sim de bem cultural; nem com a ideia de folclore, mas de cultura popular. Em confronto com a perspectiva do folclore da CDFB, também se colocava reticente com relação à prática de preservação do patrimônio histórico e artístico conduzida pelo Iphan. (CHUVA, 2009, p.158)

Figura 25 Aloísio de Magalhães Fonte: https://pt.wikipedia. org/wiki/Alo%C3%ADsio_ Magalh%C3%A3es

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Em determinado momento, Aloísio de Magalhães (Figura 25) articulou-se e conseguiu dirigir a presidência do Iphan, fundindo-o ao CRNC, e a partir daí deu-se início a uma reforma institucional, que focava na proposição de uma ideia integral da cultura, assim como havia pensado Mário de Andrade tempos antes. A ideia se desenvolveu chegando a impactar até a Constituição Federal, que adotou finalmente uma política voltada aos bens imateriais. Segundo Nogueira (2000), a partir da Carta de Fortaleza (1997) - ano que também ocorre o primeiro Seminário Internacional do patrimônio Imaterial - e dos resultados do Grupo de Trabalho do Patrimônio Imaterial e da Comissão de Assessoramento ao Grupo de Trabalho, ambos criados pelo Ministério da Cultura, em 1988, ocorre da assinatura do decreto 3551 quando acontece a instituição do instrumento de Registro de bens de Natureza Imaterial e cria o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial. As políticas públicas relacionadas ao patrimônio imaterial também são fortalecidas no Brasil por meio da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial (2003) e a Convenção de Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005), iniciativas da Unesco. Outras políticas públicas importantíssimas que compõe hoje o rol de iniciativas públicas para proteção do patrimônio cultural são o programa Monumenta6 e a Lei dos Tesouros Vivos. Segundo a Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, em 2006 foi criada a Lei

6 O Monumenta é um programa estratégico do Ministério da Cultura. Seu conceito é inovador e procura conjugar recuperação e preservação do patrimônio histórico com desenvolvimento econômico e social. Ele atua em cidades históricas protegidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Sua proposta é de agir de forma integrada em cada um desses locais, promovendo obras de restauração e recuperação dos bens tombados e edificações localizadas nas áreas de projeto. Além de atividades de capacitação de mão de obra especializada em restauro, formação de agentes locais de cultura e turismo, promoção de atividades econômicas e programas educativos. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL DA BAHIA. Monumenta. Disponível em: http://www.ipac.ba.gov.br/preservacao/monumenta#:~:text=O%20Monumenta%20%C3%A9%20um%20 programa,e%20Art%C3%ADstico%20Nacional%20(Iphan).

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13.842, a qual instituiu o instrumento de Registro dos “Tesouros Vivos da Cultura” no estado, por meio dessa lei, os mestres da cultura são reconhecidos como difusores das tradições, atuando no repasse dos saberes pelas gerações. São selecionados pela Coordenadoria do Patrimônio Cultural e Memória (COPAM), antes chamada de Coordenadoria do Patrimônio Artístico Histórico Cultural (COPAHC), e recebem um subsídio mensal em valor de um salário mínimo e vitalício. No Ceará também podemos destacar a criação do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural do Estado do Ceará (COEPA), o qual foi criado em 20 de dezembro de 2000 pela implementação da Lei 13.078. O COEPA é um órgão vinculado à Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, o conselho é composto por 24 conselheiros de diversas entidades reconhecidas e é liderado pelo Secretário da Cultura do Estado. Algumas das funções do COEPA são criar reuniões deliberativas sobre o tombamento de bens de valor reconhecidos no estado do Ceará, sejam eles móveis ou imóveis e formular diretrizes a serem obedecidas na política de preservação dos bens culturais. Assim, fica evidente nas últimas duas décadas a preocupação com a questão da preservação do patrimônio edificado e não edificado e seus avanços, apesar de que nos últimos dois anos (2019 e 2020) foram tomadas decisões no âmbito federal, que podem vir a ferir e pôr a perder muitos dos avanços na área do patrimônio, como é o caso da nomeação (em âmbito federal) de pessoas para cargos importantes dentro de órgãos que possuem poder de decisão quanto a questão da preservação.

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O presente capítulo aborda um panorama da memória da arquitetura da cidade de Fortaleza, partindo de uma abordagem histórica do edifício e seguindo por uma abordagem também urbanística. Além disso de aprofunda sobre a influência da arquitetura eclética no edifício de estudo, a prática da reutilização e os teóricos do restauro, direcionando as intervenções e as ideias que culminarão no projeto.

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sobre A MEMÓRIA DA ARQUITETURA 91


“Há uma memória indissolúvel que guarda desejos abraços prazeres” (Gildemar Pontes)

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3.1 A CASA DE THOMAZ Pompeu de Sousa BRASIL COMO OBJETO DE ESTUDO

C

om sua localização em uma das avenidas que delimita o centro da cidade de Fortaleza, A Casa Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, construída “por volta de 1916” traz consigo o nome de seu primeiro proprietário, o médico Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Filho (Figura 26), nascido em 1852, e sobrevive pela passagem do tempo naquele que já foi reconhecido como um dos grandes boulevards de Fortaleza, a avenida Imperador. (ALBUQUERQUE et al, 2015). Ali próximo à antiga residência, foi fundada a Fábrica de Thomaz Pompeu, uma fábrica do ramo têxtil especializada na produção de redes de dormir.

Figura 26 Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Filho. Fonte: https://pt.wikipedia. org/wiki/Tom%C3%A1s_Pompeu_de_Sousa_Brasil_(II)

Localizada no lote de número 498, em frente à Praça da Lagoinha (Mapa 1 e 2) –oficialmente nomeada Praça Capistrano de Abreu, mas que também já se chamou Praça Comendador Teodorico. Essa casa é bastante representativa de um período de ascensão da cidade, quando se diversos bairros de alto prestígio começaram a se desenvolver, como é o caso da Jacarecanga. A edificação chama atenção por sua imponência, caracterizando uma nova forma de morar para a época e trazendo uma nova forma de ocupar o lote, tendo como características, o jardim frontal e os recuos laterais.

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Mapa 01 Mapa de Localização da Residência. Fonte: Acervo da Autora com base em Arquivo Cartográfico

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Mapa 02 Mapa de Localização da Casa de Thomaz Pompeu. Fonte: Acervo da autora com base em Arquivo Cartográfico

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750 m

1500m

Rua Guilherme Rocha

Avenida do Imperador Rua Princesa Isabel

Rua Liberato Barroso

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25 m

50 m

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Com uma área de aproximadamente 881,37m², medida lateral de 56,55m e 15,51m de medida frontal o edifício teve influência europeia. Atualmente a casa se encontra sob propriedade de José Pompeu, neto de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Filho. A edificação, teve seu último projeto de restauro executado pela SECULT-CE em 2005, com projeto de Domingos Linheiro e Luciano Guimarães para abrigar o Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST). A edificação tem semelhanças com muitas outras como é o caso do Theatro José de Alencar (Figura 27), Com base em documentos cedidos pela Secretaria da Cultura do Estado foram analisados alguns processos que envolveram a casa. Segundo esses documentos, o Governo do Estado do Ceará, durante a gestão de Lúcio Gonçalo de Alcântara publicou por meio do Diário oficial do Estado em 30 de março de 2004 o Decreto Número 27.407 de 26 de março de 2004 (Apêndice A) que trata sobre a desapropriação do imóvel da casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Filho. Segundo o documento o ato de desapropriar o imóvel teria como objetivo a implantação de um novo uso, para o posterior tombamento da edificação pelo estado, transformando o mesmo em Patrimônio Histórico do Ceará. O decreto, entretanto, não traz nenhuma justificativa para tal. Entre março e outubro deste mesmo ano a Direção do Hospital Dr. César Cals ocupou a casa e promoveu obras em seu porão alto. Apesar da falta de justificativa no documento do decreto-lei foi coletado também um documento datado de outubro de 2004 que traz o pedido da abertura do processo de tombamento (Apêndice B) da edificação, solicitado pelo Diretor Geral do Hospital César Cals na época, Dr. Ernani Ximenes Rodrigues e informando que custeariam a obra de restauro, juntamente sob a justificativa de que “trata-se de um imóvel de grande mérito arquitetônico produzida no período da chamada “Belle Époque” com todas as características do ecletismo” e também “ considerando a sua qualidade arquitetônica, sua relevância histórica como remanescente de uma época de grande expressão da vida cultural, social e política do Estado, bem como pelo seu estado de conservação, como manutenção de seus elementos mais característicos sem alterações [...]”.Em outubro do mesmo ano foi verificada a existência de uma declaração (Apêndice C) emitida pela Coordenadora

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Figura 27 Theatro José de Alencar. Fonte: Fortaleza em Fotos

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da COPAHC, Maria Eveline Vasconcelos, que informa que o bem encontra-se em processo de tombamento. Entretanto quando solicitado à COPAM (antiga COPAHC) o acesso ao processo de tombamento, informaram que ele não estava nas posses da Secretaria ou que ele não existiria. A casa encontra-se implantada em um terreno de grande profundidade, mas de fachada estreita e possui um total de três pavimentos, dentre eles temos o porão alto habitável, o primeiro piso nobre e o segundo piso também nobre. A entrada frontal permite o acesso ao primeiro pavimento enquanto que a entrada de fundos da edificação permite acesso tanto ao porão alto como também ao primeiro pavimento. Conta ainda com uma entrada lateral, que do acesso ao porão alto e onde se localiza uma das escadas da edificação. (Figuras 28, 29, 30 e 31)

Figura 28 Imagem frontal da Casa de Thomaz Pompeu. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

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Figura 29 Imagem Lateral da Casa. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

Figura 30 Imagem da parte avarandada térrea da Casa de Thomaz Pompeu. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

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Figura 31 Imagem posterior da casa de Thomaz Pompeu. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

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“As ruas pensam, têm ideias, filosofia e religião. Como tal, nascem, crescem, mudam de caráter. E, eventualmente, morrem.” João do Rio, A Alma Encantadora das Ruas

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3.2 O CONTEXTO URBANO E HISTÓRICO DA AVENIDA IMPERADOR

C

om o intuito de modernizar a cidade tendo como parâmetro a arquitetura europeia, verifica-se no período entre fins do século XIX e início do século XX um grande avanço no que tange os aspectos tecnológicos no Brasil, os quais estavam diretamente ligados à ideia de modernidade daquele tempo, onde a França representava o padrão sociocultural almejado. Segundo Castro (1926) “[...] Paris, resultante da forte centralização política e econômica do País, aparece como a própria imagem da França, reduzida a termos urbanos, o que tornava a cidade o centro universal da vida social, da cultura e das artes, a verdadeira Capital do Século XIX”. O período de remodelação de Paris entre os anos de 1870 e 1914, por meio de mudanças urbanísticas implementadas por Napoleão III e Barão de Haussmann, teve reflexos em todo o mundo ocidental, visto que aquela era a nação exemplo tanto para as colônias quanto para os países europeus. Os boulevards (Figura 32) por exemplo, se caracterizaram por ser um grande sistema de avenidas implementadas pelo Barão nesse período, exibindo um estilo de vida burguês, cheio de novidades e trazendo maior conforto para quem passava pelos corredores de Paris com suas grandes árvores e calçadas, período historicamente conhecido como belle époque. Esse ideal de modernização se espalhou rapidamente por todos os países ocidentais. De acordo com Castro, “Países como o Brasil, “atrasados” no ciclo de evolução, restaria forçar as etapas, esquecendo ou escamoteando, os cercamentos deterministas de “raça” e “meio”, na busca de conseguir ascender aos padrões superiores da “civilização” pela escada do “progresso”.” Dentro do contexto de Fortaleza por exemplo foram analisados três mapas para que fosse possível comparar esse desenvolvimento: um de meados do século XIX (Mapa 3), outro dois dos fins do século XIX como A Planta da Cidade de Fortaleza e Subúrbios (Mapa 4) organizada por Adolfo Herbster (1875), e a Planta de 1888 (Mapa 5) as quais representavam composições com boulevards, completamente influenciados pelas inovações parisienses - entretanto em escala e proporção menores - e dentre os quais estavam o do Imperador, o do Livramento (atual Duque de Caxias) e o da Conceição (atual Dom Manuel), os quais delimitavam o centro da cidade. No Mapa 4 já é possível observar a linha do bonde. No mapa

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Figura 32 A Rue de Rivoli, 1855, primeiro boulevard construído por Haussmann. Fonte: https:// parisdouxreves.blogspot. com/2015/03/sessao-historia-nova-paris-barao.html

da Mapa 5 já é possível verificar uma construção na quadra que corresponde à quadra da Casa de Thomaz Pompeu, que está ocupada com apenas um lote. Entretanto naquela época, Fortaleza possuía diversas limitações econômicas, impedindo a concretização de muitas propostas de modernização. A ação dos administradores do começo do século se voltará para o aformoseamento da cidade, o que significa dizer o ajardinamento de praças e a aparência urbana. O Código de Posturas aprovado pela Câmara Municipal fortalezense em 09/10/1893, mostrava seguidas preocupações quanto á imagem da cidade, qual a adoção de certa padronização formal nas platibandas, obrigatórias nas fachadas de frente, bem como nos vãos de portas e janelas externas. Para manter a harmonia do conjunto urbano, tenta mesmo impedir as construções que não se integrassem nas linhas gerais definidas pelo código. (CASTRO, 1926, p. 216)

Foi nessa época e no comando de Guilherme Rocha que várias praças tiveram reformas concretizadas, como é o caso da Praça do Ferreira, do mercado de Ferro e da Praça Marquês de Herval, atualmente conhecida como Praça José de Alencar.

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Mapa 03 Mapa de 1858 de Fortaleza com intervenção. Fonte: Blog Fortaleza Nobre Alterado pela Autora.

Legenda Local onde hoje se situa a Avenida do Imperador Local onde hoje se situa a Avenida Duque de Caixias Local onde hoje se situa a Avenida Dom Manuel Possível localização da Casa Thomaz Pompeu Praça do Ferreira


Local onde hoje se situa a Avenida do Imperador Local onde hoje se situa a Avenida Duque de Caxias Local onde hoje se situa a Avenida Dom Manuel Possível localização da Casa de Thomaz Pompeu Praça do Ferreira

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Local onde hoje se situa a Avenida do Imperador hoje Duque de Caxias Local onde hoje seLocal situaonde a Avenida situaa aAvenida AvenidaDom Manuel Local onde hoje sesesitua Local onde hoje se situa Dom localização da Manuel Casa de Thomaz Pompeu a Avenida do Possível Imperador Possível localização da Praça do Ferreira Local onde hoje Casa Thomaz Pompeu se situa a Avenida

Legenda

Duque de Caixias

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Praça do Ferreira

Mapa 04 Mapa de 1875 de Fortaleza. Fonte: Blog Fortaleza Nobre alterado pela Autora.


Legenda

Local onde hoje se situa a Avenida do Imperador Local onde hoje se situa a Avenida Duque de Caxias Mapa 05 Local onde hoje se situa a Avenida Dom Manuel Mapa de 1888 de Fortaleza. Fonte: Blog FortalezaPossível Nobre localização da Casa de Thomaz Pompeu alterado pela Autora. Praça do Ferreira

Local onde hoje se situa a Avenida do Imperador Local onde hoje se situa a Avenida Duque de Caixias

Local onde hoje se situa a Avenida Dom Manuel Possível localização da Casa Thomaz Pompeu Praça do Ferreira

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Até esse momento apenas o Passeio Público tinha características de urbanização e embelezamento. Concomitante a esse processo também se dava a expansão urbana da cidade, que tinha como causa principal uma necessidade de distanciamento do centro da cidade que, naquele momento, se caracterizava por ser uma região comercial e ponto de chegada dos chamados “flagelados”, pessoas que vieram do interior fugidos das secas, que cada vez mais ocupavam a localidade. Esse fato gerou um grande movimento da classe mais rica para fora da cidade, levando os mesmos a partirem rumo a oeste, fazendo surgir os bairros Benfica, Jacarecanga, Alagadiço e Caucaia, bairros de elite. Entrando no século XX, a Praça do Ferreira torna-se o principal local de exercício cívico e com uma vida intelectual marcante. O centro da cidade congregava os principais cinemas da cidade, como é o caso do Majestic, Moderno, Diogo e o São Luiz, além dos diversos cafés. Segundo Capasso (2007): A localização do Theatro José de Alencar nessa praça (Praça Marquês de Herval) em 1910 é uma excelente pista para a compreensão do processo de expansão dos territórios da classe dominante em Fortaleza quanto do centro tradicional para o oeste da Praça do Ferreira. O teatro que é um equipamento eminentemente elitista, foi erguido exatamente no logradouro de confluência dos principais eixos de ligação do Benfica e Jacarecanga ao Centro. Assim, o equipamento viera marcar, de modo notável, esse ponto físico em comum de acesso das classes altas ao centro da cidade.

É importante salientar que a Avenida Imperador, um dos boulevards de Herbster, nesse período também se encontrava próximo a essa confluência, trazendo por sua vez ares aristocráticos com a implementação de largas calçadas de pedra tosca e a construção de grandes casarões, fábricas e escolas, representando um local de grandes investimentos nos fins do século XIX. A Avenida Imperador abrigou importantes edificações da cidade como é o caso da Casa de Saúde César Cals (1935), que posteriormente deu origem ao Hospital Dr. César Cals, a Fábrica de Thomaz Pompeu (1899), e também da Escola Doméstica São Rafael (1936).

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Fortaleza era provinciana era menina Cadeiras nas calçadas E a tristeza dos lampiões a gás em cada esquina. (Moreira Campos)

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3.3 A ARQUITETURA ECLÉTICA EM FORTALEZA

A

arquitetura cearense e mais especificamente a arquitetura fortalezense, sofreu influências de diversas correntes arquitetônicas ao longo do tempo, desde a arquitetura com características coloniais, passando pelo neoclássico, pelo neogótico e ecletismo até chegar à arquitetura moderna. O recorte de tempo em que vigorou com mais intensidade a influência do ecletismo em Fortaleza foi o período entre a Proclamação da República (1889) e os anos de 1930. E é desse período arquitetônico o qual será tratado. Castro no capítulo Arquitetura Eclética no Ceará – do Livro “Ecletismo na Arquitetura Brasileira” da autora Annateresa Fabris - divide o período de vigor arquitetônico do ecletismo em duas partes: o período de domínio da oligarquia dos Accioly, enquanto o outro período seria o momento entre a deposição dos mesmos e a Revolução de 1930. No primeiro período a arquitetura eclética aparece de forma ainda reduzida, e restrita à classe mais abastada da cidade. Já no segundo momento essa arquitetura já aparecia de uma forma mais abrangente, democrática e não se restringiria a apenas às classes mais elitizadas, inclusive existem hoje na cidade remanescentes de arquitetura eclética em casas mais humildes, como será visto mais adiante. Com a proclamação da República (1889) as várias “facções políticas” - segundo Castro (1926) - começam a se conciliar em alianças, uma delas é a dos Accioly, encabeçada por Antônio Pinto Nogueira Accioly, que entra no comando do estado entre os anos de 1896 e 1900 (nessa mesma época Guilherme Rocha era intendente) e reassume alguns anos depois, entre 1904 e 1912. No final do século XIX aconteceram inúmeros fatos que trouxeram certa efervescência intelectual para o período. O primeiro fato foi a campanha para libertação dos escravos, que finalmente foram soltos em 1884, quatro anos antes da proclamação da Lei Áurea; o segundo fato consistiu numa vida cultural ativa da cidade de Fortaleza, algumas instituições importantes nesse sentido se destacaram como foi o caso da Academia Francesa7, a Academia Cearense8 e a Padaria

7 Movimento intelectual de cunho filosófico e literário fundado na cidade de Fortaleza em 1872 FORTALEZA EM FOTOS. Academia Francesa do Ceará. Disponível em: http://www.fortalezaemfotos.com. br/2012/12/academia-francesa-do-ceara.html. Acesso em: 9 out. 2020.

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Espiritual9 e o terceiro fato representou a criação do Colégio Militar. A organização espacial das novas residências dos grupos sociais mais favorecidos foi intensamente afetada pelas transformações sociais e expansão urbana da cidade. Dessa forma, o modelo de residência não se assemelhava mais ao tipo casa-corredor. Antes dessas alterações formais das residências, a cidade era marcada por casas térreas, palhoças e alguns poucos sobrados. As condições de disposição das residências atreladas ao plano ortogonal fizeram que os lotes do lado oeste da cidade fossem mais valorizados, pois eram reconhecidos como lotes que ficavam do lado sombreado em detrimento das travessas que ficavam no sentido leste e oeste. Com o intuito de romper com o plano tradicional da casa-corredor foram introduzidos acessos laterais de modo a eliminar a necessidade do longo corredor das casas. Também começou a ser comum encontrar casas situadas no centro do lote e com recuos. Algumas das obras mais significativas que representam o ecletismo cearense construídos nesse período foram a Fênix Caixeiral10 (Figura 33) e o Theatro José de Alencar11 segundo Castro (1926):

8 A Academia Cearense de Letras, fundada em 15 de agosto de 1894, é a mais antiga de todas as academias de letras do País, anterior mesmo a Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897. ACADEMIA CEARENSE DE LETRAS. História. Disponível em: http://www.academiacearensedeletras.org.br/. Acesso em: 9 out. 2020. 9 Durante seis anos, uma sociedade de “rapazes de Letras e Artes” daria o que falar. Bem-humorados, ousados, sobretudo talentosos, os membros da Padaria Espiritual protagonizaram, na acanhada província, um movimento literário modernista que antecedeu em muitos anos a Semana de Arte Moderna. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ EDIÇÕES UFC. Breve História da Padaria Espiritual. Disponível em: http://www.editora.ufc.br/catalogo/32-literatura/322-breve-historia-da-padaria-espiritual. Acesso em: 24 out. 2020. 10 “A Fênix Caixeiral era uma sociedade assistencial e cultural fundada em 1891, que congregava o pessoal do comércio, mas controlada pelas figuras de maiores aspirações sociais no segmento, geralmente guarda-livros” CASTRO, J. L. D. Arquitetura Eclética no Ceará. 1. ed. Fortaleza: SECULT, 1926. p. 1-48. 11 No final do século XIX, o Ceará vivia uma economia próspera com a cultura do algodão. Ao mesmo tempo, a atividade intelectual efervescia em Fortaleza. Foi nesse cenário econômico e cultural que a sociedade cearense propôs ao governo de Nogueira Accioly construir uma grande casa de espetáculos, o Theatro José de Alencar. THEATRO JOSÉ DE ALENCAR. História. Disponível em: https://theatrojosedealencar. secult.ce.gov.br/sobre/historia-do-tja/. Acesso em: 24 out. 2020.

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O prédio da Fênix mostrava um andar nobre sobre porão habitável e reproduzia o plano das novas casas de esquina com entrada lateral, sem corredor. Havia uma grande sala para festas, biblioteca e salas de aula. O “quintal” ficava transformado em pátio para exercícios de ginástica e cercado por um muro perfurado por seteiras, de modo a mostrar os passantes o que ocorria no interior. A carga decorativa impressa às fachadas, os pisos de tabuado formando desenhos e o forro de chapas de metal prensado davam um novo aspecto à arquitetura do prédio, que avultava pelas novidades ornamentais, pela implantação e pela localização.

É importante salientar que Castro também comenta que os palacetes situados na periferia do centro também possuíam um tratamento que trazia as novidades formais do ecletismo, ele cita o Palacete Carvalho Motta, e comenta que o plano da casa também era composto por um andar nobre sobre um porão habitável e com uma entrada lateral. Segundo Luciano Patteta (1987): O Ecletismo era a cultura arquitetônica própria de uma classe burguesa que dava primazia ao conforto, amava o progresso (especialmente quando melhorava suas condições de vida), amava as novidades, mas rebaixava a produção artística e arquitetônica ao nível da moda e do gosto. [...] Deleitou-se, por mais de cem anos, com o fato de ter acolhido os mais variados elementos lexicais, extraindo-os de todas as épocas e regiões, recompondo-os de diferentes maneiras, de acordo com princípios ideológicos, nos quais podem ser distinguidos, pelo menos, três correntes principais: a da composição estilística, -baseada na adoção imitativa coerente e “correta” de formas que, no passado, haviam pertencido a um estilo arquitetônico único e preciso (a esta corrente pertenceram as mais destacadas tendências neogregas, neo-egípcias e neogóticas); a do historicismo tipológico; voltado, predominantemente, a escolhas apriorísticas de cunho analógico que deviam orientar o estilo quanto à finalidade a que se destinava cada um dos edifícios, reencontrando, na Idade Média, os traços místicos e a religiosidade para as novas igrejas; na Renascença, as características áulicas elegantes para os edifícios públicos, no Barroco, ou nos estilos orientais, a festividade exigida pelos equipamentos de lazer, no Classicismo pesado do coríntio romano, o caráter apropriado aos solenes edificios do Parlamen-

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to, dos Museus e dos Ministérios; a dos pastiches compositivo; Já que, com uma maior margem de liberdade, “inventava” soluções estilísticas historicamente inadmissíveis e, às vezes, beirando o mau gosto (mas que, muitas vezes, escondiam soluções estruturais interessantes e avançadas).

Apesar de ser um estilo arquitetônico que inicialmente foi adotado pela burguesia, o ecletismo logo se popularizou, atingindo também camadas menos nobres da sociedade como se pode ver nas figuras 34 e 35, é importante citar que muitas casas de cidadãos de classe menos favorecida também possuíam elementos estilísticos que se caracterizavam dentro do ecletismo. Boa parte das residências populares do período colonial - e do período em questão - eram construídas em terrenos estreitos e de grande profundidade, impedindo que os espaços residenciais fossem melhor distribuídos e diversos, predominava na época a composição casa-corredor, por onde todos os cômodos eram acessados entre si. Na parte da frente da residência, alinhada ao eixo da rua e composta por janela e porta, ficava a sala, já na parte intermediária ficavam os quartos, e posterior a isso a cozinha e área de serviço alpendrada, que dava acesso a um quintal que geralmente possuía uma instalação sanitária (LEMOS, 2002). Essa tipologia de residência foi uma das mais comuns na sociedade brasileiras por muito tempo. Já as casas conhecidas por serem residências da população mais abastada eram chamadas de sobrados (edificações com ais de um andar). Costumavam ser de propriedade de comerciantes, que faziam de seu pavimento térreo o ambiente comercial e dos superiores suas residências. A profundidade do terreno e sua largura limitada podem ser exemplificadas a partir da planta de situação do objeto de estudo deste trabalho (Mapa 6). O constante aumento populacional nos centros urbanos e o surgimento dos serviços, trazem reflexos diante do progresso, incentivando também um desenvolvimento quanto a forma de morar, com tentativas de mesclar as antigas composições com as mais atuais. Dessa forma, começaram a surgir bairros mais ricos e abastados com composições arquitetônicas diferenciadas, ado-

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Figura 33 Edificio da Fênix Caixeiral. Fonte: Fortaleza em Fotos. Figura 34 Casas ecléticas tipo Porta e Janela, com acesso direto á rua na Rua Visconde do Rio Branco em Fortaleza Ceará. Fonte: Acervo fotográfico do grupo de pesquisa A Casa Cearense.

Figura 35 Casa Eclética tipo Porta e Janela em Fortaleza, Ceará. Fonte: Acervo fotográfico do grupo de pesquisa A Casa Cearense.

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Mapa 06 Mapa de Situação da Casa. Fonte: Acervo da Autora com base em documento cartográfico

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Rua Guilherme Rocha

Avenida do Imperador Rua Princesa Isabel

Rua Liberato Barroso

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tando jardins, porão alto e programas mais diversos, mesclando a tipologia de chácaras (geralmente rurais) às de sobrados. (REIS FILHO, 2002). Boa parte dos materiais de construção eram importados, não possuíam tanta relação com o que já havia em território brasileiro. Dessa forma, novidades começaram a surgir trazendo reflexos para as residências: a área de serviço e a cozinha passavam a se concentrar no porão alto e as refeições seriam servidas no andar de cima. Entretanto, é importante destacar que essa tipologia interna não se popularizou, dessa forma começaram a surgir casas com mais de uma cozinha, uma no porão e outra no piso superior.

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Essa expressão-chave [valorização] que deveria tranquilizar, é na realidade, inquietante por sua ambiguidade. Ela remete a valores do patrimônio que é preciso fazer reconhecer. Contém igualmente a noção de mais-valia. É verdade que se trata de mais-valia de interesse, de encanto, de beleza, mas também de capacidade de atrair, cujas conotações econômicas nem é preciso salientar. (CHOAY, 2017 p. 212)

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3.4 A VALORIZAÇÃO E A PRÁTICA DA REUTILIZAÇÃO

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pesar das legislações existentes e de todas as políticas públicas que os envolvem, o patrimônio edificado ainda sofre bastante com o descaso, como mostrado em capítulos anteriores, principalmente nos meios urbanos, os quais carregam intensamente o pretexto da modernização. Portanto, dentro do contexto da valorização desses bens históricos edificados, é primordial que essas edificações cumpram sua função social e também tragam reflexos positivos dentro do setor econômico, para que sejam integradas à vida urbana, caso contrário, podem vir a ser destruídas ou descaracterizadas. Dessa forma, é importante estar ciente de que, ao abrir um monumento para o uso público ou até mesmo turístico, estão pressupostas intervenções, as quais podem trazer tanto reflexos positivos quanto negativos. O risco existe, mas é papel do responsável pela obra, considerando sua competência técnica, e do poder público, a partir da fiscalização, fazer que os reflexos da intervenção não tragam prejuízos ao bem e à sociedade. Demolições arbitrárias, restaurações sem se ater às diretrizes existentes são algumas das “valorizações” frequentemente vistas nas cidades. A partir disso, dentre as inúmeras operações destinadas a valorizar o monumento histórico serão abordadas duas, a conservação e a restauração e suas diferenças, trazendo também a abordagem da noção de reutilização. Segundo Delphim (2005), a conservação se caracteriza por abranger o conjunto de ações que tem como finalidade prolongar o tempo de vida ou a integridade física dos bens: As ações de conservação podem ser destinadas a recuperar, refazer ou restaurar partes danificadas, devendo as obras de reabilitação destinadas a aumentar os níveis de qualidade para novo uso do sítio serem objeto do projeto de restauração. A conservação inclui a prevenção contra deterioração, de modo a manter o estado existente de um bem cultural livre de danos ou mudanças. O conceito geral da conservação implica em vários tipos de tratamentos que buscam salvaguardar o sítio, suas edificações, a vegetação, o traçado dos jardins. A conservação inclui manutenção, consolidação, reparação, reforços. O objetivo primordial da conservação é preservar a autenticidade e integridade do bem cultural. (DELPHIM, 2005, p.33)

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A conservação compõe um conjunto de intervenções que se caracterizam por ser mínimas e também por serem as primeiras a serem adotadas em casos de danos aos bens. Em contrapartida, a Restauração representa o conjunto de intervenções destinadas a restabelecer a unidade da edificação e deve ser uma das últimas alternativas para se recuperar um bem. Segundo Delphim (2005), “a restauração é a ação que designa recuperar e reintegrar partes ou todos os elementos de um bem cultural móvel ou imóvel. Envolve todas as outras formas de intervenção física em bens culturais que tenham como objetivo a preservação.” Mais complexo do que conservar a restauração precisa vir em conjunto com o estudo histórico da edificação para que não seja descaracterizada, já que representa um processo ainda mais complexo que a conservação. Ademais, é importante salientar um processo bastante presente na sociedade contemporânea: a reutilização. A Reutilização consiste em dar àquele edifício subutilizado um novo uso, culminando no cumprimento de sua função social e possibilitando sua sobrevivência nesse meio de conflitos, segundo Choay (2017, p.219): A reutilização consiste em reintegrar um edifício desativado a um uso normal, subtraí-lo a um destino de museu, é certamente a forma mais paradoxal, audaciosa e difícil da valorização do patrimônio. [...] o monumento é assim poupado aos riscos do desuso para ser exposto ao desgaste e usurpações do uso: dar-lhe uma nova destinação é uma operação difícil e complexa, que não deve se basear apenas em uma homologia com sua destinação original. Ela deve antes de mais nada, levar em conta o estado material do edifício, o que requer uma avaliação do fluxo dos usuários potenciais.

Apesar de complexa e difícil, reutilizar um edifício é uma das formas atuais mais utilizadas para incorporá-los às novas dinâmicas urbanas. Visto que quando um edifício cai em desuso ele perde sua função social.

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O restauro constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consciência física e na sua dupla polaridade estética e histórica, com vistas a sua transmissão ao futuro. Césare Brandi.

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3.5 A TEORIA DO RESTAURO E SUAS APLICAÇÕES

A

ntigamente as intervenções efetivadas em edificações preexistentes resultavam de necessidades funcionais da época, voltadas à adaptação a usos, sem teor cultural ou de preservação histórica. “A restauração, até se consolidar como prática cultural, passou por um processo lento de maturação.” (Boito, 2002, p.15). A história da preservação dos edifícios e a importância dada à memória material passou por diversas fases até chegar ao que temos hoje, sempre influenciadas por momentos históricos significativos como é o caso do Iluminismo e a Revolução Francesa e com isso passando por mudanças significativas no sentido de sua valorização e preservação Ao longo desse tempo, arquitetos, intelectuais, colecionadores, historiadores e artistas pensaram sobre a temática e desenvolveram seus questionamentos e até mesmo criaram teorias sobre o restauro e a preservação. Hoje, é com base no estudo dessas teorias, desenvolvidas ao longo dos séculos, que os restauradores/arquitetos conseguem intervir de forma mais responsável sobre a memória das cidades, visto que uma série de reflexões e ideias elaboradas há tempos foram contestadas e discutidas até se chegar à noção de preservação que se tem hoje, uma preservação com intervenções que respeitem as edificações e os monumentos históricos sem descaracterizá-los. É a partir da análise de algumas dessas teorias e cartas, portanto, que as intervenções presentes nesse trabalho vão se direcionar, primando sempre por intervenções respeitosas no edifício e trazendo ideias que corroboram com esse objetivo. Dessa forma foram escolhidos alguns teóricos restauradores importantes para a criação da noção de preservação do patrimônio histórico, são eles: Camillo Boito, Cesare Brandi e Gustavo Giovannoni. Serão traçadas também as contribuições de Ruskin e Viollet-le-Duc. Viollet-le-Duc (Figura 36) foi um arquiteto nascido em 1814 na França. Atuou em uma época em que a restauração estava se alinhando como uma ciência, e onde seu trabalho teve grande importância para o que temos hoje acerca desses processos. Foi a partir do renascimento, por meio da Revolução Francesa e dos ideais iluministas que foi alterada de forma drástica o modo como as pessoas se relacionavam com a cultura. Segundo Viollet-le-Duc (2006) “[...]

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provocando o despertar da noção de ruptura entre passado e presente e produzindo um sentimento de proteção a edifícios e ambientes históricos em vários estados europeus.” Dentre as principais contribuições desse arquiteto para as noções que hoje existem ao restaurar edifícios podemos citar uma instrução técnica elaborada por ele e por Mérimée onde recomendam manutenções periódicas para que sejam evitadas as restaurações - ou seja, obras de conservação - e também onde orientam a forma como devem ser feitos os levantamentos, para a análise das causas de degradação e tecem explicações sobre as técnicas de construção medievais. Além disso foi um grande defensor do conceito de forma e função, deixando de lado a ideia de restaurar apenas a aparência do edifício. É importante destacar que Le-Duc ficou reconhecido por suas contribuições à área do restauro, mas também por suas intervenções que traziam consigo reconstituições fantasiosas, e gerando como produto de suas intervenções elementos que podem ser caracterizados como falsos históricos, e trazendo também questionamentos quanto à autenticidade dos edifícios. “A palavra e o assunto são modernos. Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento.” (VIOLLET LE DUC, 2006, p.17) Não se contenta unicamente em fazer uma reconstituição hipotética do estado de origem, mas procura fazer uma reconstituição daquilo que teria sido feito se, quando da construção, detivessem todos os conhecimentos e experiências de suas próprias épocas, ou seja, uma reformulação ideal de dado projeto. O procedimento se caracterizava por, inicialmente, procurar entender profundamente um sistema, concebendo então um modelo ideal e impondo, a seguir, sobre a obra, o esquema idealizado. (VIOLLET LE DUC, 2006, p. 18)

Em contraste aos pensamentos e ideias de Le-Duc temos John Ruskin (Figura 37). Um crítico de arte que trazia a ideia da não intervenção, defendeu com grande afinco a ideia da autenticidade e da conservação dos edifícios:

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Figura 36 Viollet-le-Duc. Fonte: https://www.e-cultura. pt/efemeride/392

Figura 37 John Ruskin em 1873 aos 50 anos.Fonte: Wikipédia

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[...] Ruskin era o expoente de um movimento que pregava absoluto respeito pela matéria original, que levava em consideração as transformações feitas em uma obra no decorrer do tempo, sendo a atitude a tomar a de simples trabalhos de conservação, para evitar degradações, ou, até mesmo a de pura contemplação. (VIOLLET LE DUC, 2006, p.19)

Segundo Ruskin (2008), no que diz no aforismo 31 do Livro A Lâmpada da Memória, “[...] a restauração é uma destruição acompanhada da falsa descrição da coisa que destruímos. [...] restaurar é impossível pois é a destruição do edifício, é como ressuscitar um morto, sendo melhor manter uma ruína, do que restaurá-la” trazendo a ideia de que estava de acordo com conservações periódicas, mas não com a ideia de restaurar. Também traz a ideia da arquitetura como dimensão histórica, primando por sua preservação. Com um posicionamento moderado entre Viollet-le-Duc e Ruskin temos Camillo Boito (1836) nascido em Roma, formou-se arquiteto em Veneza, período em que também estavam acontecendo inúmeras tentativas de unificação da Itália e quando a arquitetura medieval era vista como expressão do nacionalismo. Boito (Figura 38) opunha-se drasticamente à apropriação de estilos de forma acrítica, prezava pela análise compositiva de estilos, para alcançar o mais próximo da verdade em relação às formas, materiais e função. Seu pensamento teve bastante influência de Le-Duc, visto que buscava certa unidade de estilo e fazia projetos calcados no estudo da obra, analisando a arquitetura do período. (BOITO, 2008) [...] várias noções ligadas ao restauro, que floresceram sobretudo a partir do Renascimento, amadureceram gradualmente no período que se estende dos séculos XV ao XVIII, e foram conjugadas no estabelecimento da teoria da restauração: o respeito pela matéria original, a ideia de reversibilidade e distinguibilidade, a importância da documentação e de uma metodologia científica, o interesse por aspectos conservativos e de mínima intervenção, a noção de ruptura entre passado e presente. (BOITO, 2008, p. 16)

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Figura 38 Camillo Boito. Fonte: Collection Montrasio Monza, 1880

Figura 39 Gustavo Giovannoni. Fonte: https:// br.pinterest.com/ pin/63965257186426445/?nic_v2=1ap4IzL2n

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A partir da metade do século XVIII a prática da restauração ganhou conotações fundamentalmente culturais, onde as intervenções aplicadas se preocupavam como conhecimento da história do edifício e análises formais. Em 1883, durante o Congresso dos Engenheiros e Arquitetos Italianos, ocorrido em Roma, Boito propôs critérios de intervenção nos monumentos, os quais depois foram adotados pelo Ministério da Educação, foram sete princípios que fundamentaram essas intervenções, dentre esses estavam: o foco no valor do monumento como um documento, evitar a adição de acréscimos, mas se fossem necessários não deveriam se confundir nem destoar do conjunto, deveria ser uma união harmoniosa, os materiais acrescentados deveriam ser novos, ou caso fossem antigos deveriam vir datados com o dia da intervenção; o respeito ás diversas fases do monumento, caso houvesse algum elemento que possuísse qualidade inferior ao todo, poderia ser retirado; identificar e documentar as intervenções, seja por meio de textos, descrições, justificativas e fotos. Boito também salientou em seus escritos “a importância da distinguibilidade e da mínima intervenção, princípios que permanecem até os dias atuais”. (BOITO, 2008) Dentre os teóricos do restauro, outra figura que tem grande importância para esta pesquisa é Gustavo Giovannoni (Figura 39). Nascido em 1873 na Itália, foi um dos responsáveis por a implementação do urbanismo como disciplina na Itália, junto com o “restauro urbano” particularmente. “[...]ao prover aos bairros ampliações e artérias de circulação, deve ser tão vasto quanto minucioso e limitado o estudo da sistematização das zonas internas, feito com enorme cuidado, ponto por ponto. É necessário, antes de mais nada, determinar, a partir do conhecimento preciso dos elementos mais variados relativos às ruas e às casas, à arte e às vicissitudes históricas, quais os marcos imutáveis, a saber, os edifícios de caráter histórico e artístico que devem ser conservados, as obras e os grupos para os quais deve ser respeitado o ambiente.” (GIOVANNONI, 2013)

Giovannoni trouxe inúmeras contribuições para o restauro contemporâneo, a principal foi a grande compreensão entre o edifício e o meio urbano. Em 1930 Giovannoni, reforçou a importância do registro histórico, dando a entender a

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importância do mesmo até maior que os próprios elementos arquitetônicos, teoria conhecida como “Restauro Científico”. Com isso, teve grande influência na criação da Carta Italiana do Restauro (1932). Além de Giovannoni, temos também Cesare Brandi (1906) que teve grande importância no âmbito das artes no século XX, foi crítico de arte e trabalhou também com histórica da arte. Assim como Ruskin, para brandi as marcas do tempo tem sim valor histórico. Defende a ideia de restaurar o edifício primando pela autenticidade do mesmo e traz a ideia do estabelecimento da unidade potencial consigo. Para Brandi (Figura 40), restabelecer a unidade potencial significa que restaurar vai muito além de trazer um uso/função ao edifício, mas também dar a devida importância ao valor artístico, respeitando a história do edifício. Segundo Brandi (2019, p. 46) “[...] dever limitar-se a desenvolver as sugestões implícitas nos próprios fragmentos ou encontráveis em testemunhos autênticos do estado originário”. Mas, de fato, a essa coma, que se liga ao proprio inicio do ato de restauração, apresentam-se as duas instâncias, a instância histórica e a instância estética, que deverão, na recíproca contemporização, nortear aquilo que pode ser o restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, sem que se venha a constituir um falso histórico ou a perpetuar uma ofensa estética. (BRANDI, 2019, p. 47)

Para Brandi, a integração deve ser sempre reconhecível, ou seja, deverá ser invisível à distância, mas trazer um reconhecimento rápido quando olhada de perto, sem a necessidade de utilizar instrumentos que facilitem a visualização - princípio da distinguibilidade. - Também traz a ideia de que qualquer intervenção de restauro deve facilitar intervenções futuras - trazendo o princípio da reversibilidade. (BRANDI, 2019). Associado às ideias dos teóricos citados temos também os ideais de continuidade, uniformidade e justaposição que são categorias de intervenção criadas por Tiesdell, Oc e Heat. Esses ideais tem relação com a forma de intervenção que traz reflexos na interação entre o antigo e o moderno no contexto do restauro. Nesse contexto

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não existe uma receita a ser seguida e nem fórmula fixa, é necessário que sejam seguidos princípios calcados no estudo da história e da filosofia. Por tanto, a ideia de uniformidade traz a ideia de manutenção do que já existe, pode representar uma cópia de estilos da vizinhança, tem grande relação com as ideias de Viollet-le-Duc. Assim, deve-se ter cuidado ao intervir no bem no sentido de não incentivar a criação de falsos históricos, o que poderia enfraquecer o valor original da edificação “a noção de uniformidade pode converter-se num superficial e pouco desafiador pastiche” (TIESDELL, OC, HEATH, 1996, p. 188) e onde a integridade do bem acaba se sobrepondo à ideia da autenticidade. Já a continuidade traz a ideia de uma intervenção onde a integridade da edificação seja tão importante quanto a preservação de sua autenticidade, trazendo consigo os preceitos de Brandi, que defende: A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo. (Brandi, 2019, p.33)

Ademais, se tem hoje outros documentos que hoje embasam as restaurações mundo afora, como é o caso das cartas patrimoniais, que serão abordadas no próximo capítulo. A seguir foi elaborada uma tabela que sintetiza os posicionamentos de cada teórico.

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Figura 40 Césare Brandi. Fonte: https://alchetron.com/ Cesare-Brandi#cesare-brandi-3e13de29-ea70-4114-a3e3-2b6d0242832-resize-750. jpeg


QUADRO SÍNTESE

Tabela 1 Quadro Síntese dos Teóricos elaborado pela autora. Fonte: Acervo pessoal com base em referências bibliográficas

Violet Le-Duc

Defendia manutenções periódicas, o restauro do edifício em sua totalidade e priorizava a integridade do edifício em detrimento de sua autenticidade

Ruskin

Primava o absoluto respeito à material original; Defendia simples trabalhos de conservação, se posiciona contra a restauração priorizando a autenticidade em dentrimento da integridade.

Boito

Prezava pelo respeito às diversas fases do edifício defendendo a mínima intervenção, trazendo a ideia da reversibilidade e da distinguibilidade; Defendia também a documentação de qualquer intervenção e uma metologia científica.

Giovannoni

Defendia um restauro para além dos edifícios, trazendo à importância do estudo do contexto histórico-urbano para a preservação da arquitetura em si.

Brandi

Valorizava as diversas fases do edifício assim como Boito assimilava algumas características de Ruskin visto que para Brandi as marcas do tempo teriam valor histórico. Defendia o estabelecimento da “Unidade Potencial. Restaurando só até onde fosse possível para não criar um falso histórico. Também defendia os princípios da distinguibilidade e reversibilidade

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“A reunião dessas cartas em ordem cronológica, permite uma leitura da evolução do pensamento preservacionista através dos tempos e do seu rebatimento nas tarefas contemporâneas, possibilitando assim, uma avaliação do que foi ou não assimilado e transportado para a nossa realidade” Isabelle Cury

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3.6 as cartas patrimoniais

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o decorrer da história mundial da restauração foram elaborados inúmeros documentos que estabelecem diretrizes para a intervenção em bens culturais materiais. Vale salientar que esses documentos não tem função de legislar sobre a questão do patrimônio cultural, mas sim trazer embasamentos filosóficos para essas intervenções. Serão abordadas neste trabalho de conclusão de curso três delas: a Carta de Veneza (1964), as Normas de Quito (1967) e a Carta Italiana de Restauro (1972) e cruzadas com pensamentos relativos aos teóricos apresentados no capítulo anterior. Antes de adentrar às especificidades de cada carta é importante trazer um pouco do contexto em que foram criadas. A carta de Atenas de 1931, trouxe as primeiras formas, que contribuíram para a propagação internacional da preservação do patrimônio traduzidas em cartas com diretrizes. Dessa forma à medida que o tempo passa novas questões aparecem e trazem maior complexidade para essa discussão trazendo a necessidade do surgimento de outras cartas, com um alcance maior. A Carta de Veneza teve seu texto aprovado durante o Segundo Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de Monumentos Históricos, que aconteceu em Veneza, Itália em 1964. Essa carta traz consigo as definições relativas às intervenções e é bastante influenciada pelo pensamento de Cesare Brandi. Ela define monumento histórico como: [...] compreende a criação arquitetônica isolada, bem como um sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações mas também às obras modestas, que tenham adquirido com o tempo, uma significação cultural. (VENEZA, 1964) Traz como finalidade a salvaguarda tanto da obra de arte como do testemunho histórico por meio da conservação e restauração dos monumentos. Diante dos princípios da conservação, a carta dispõe que a destinação à uma função útil à sociedade é um dos aspectos importantes a serem tratados, mas sem trazer alterações à disposição e à decoração dos edifícios. Se posiciona contra

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o deslocamento do monumento ou de parte dele, como esculturas de arte, adornos, a não ser que o deslocamento seja a única solução para conservá-lo. “O monumento é inseparável da história de que é testemunho e do meio em que se situa.” (VENEZA, 1964) Os princípios brandianos estão bastante presentes na Carta de Veneza, é possível perceber isso com mais clareza quando se adtentra às diretrizes relativas à restauração, onde a carta a traz como método de intervenção de caráter excepcional, alinhando também à ideia de que a intervenção termina onde começa a hipótese. Determina também que todo trabalho complementar deverá trazer a marcas de nosso tempo, ou seja, trazer certa diferenciação, mas sem destoar do conjunto. Além disso traz também a importância da documentação das intervenções. Quando as técnicas tradicionais se revelarem inadequadas, a consolidação do monumento pode ser assegurada com o emprego de todas as técnicas modernas de conservação e construção cuja eficácia tenha sido demonstrada por dados científicos e comprovada pela experiência. (VENEZA, 1964, p.3)

As Normas de Quito foram aprovadas em 1967 durante a Reunião sobre Conservação e Utilização de Monumentos e Lugares de Interesse Histórico e Artístico pela Organização dos estados Americanos. São normas que se direcionam principalmente aos países das Américas, mas que também podem ser aplicados a países subdesenvolvidos no geral, e que trazem uma abordagem emergencial para a proteção desses bens em função de um desenvolvimento econômico e social. Todo, monumento nacional está implicitamente destinado a cumprir sua função social cabe ao estado fazer com que ela prevaleça e determinar nos diferentes casos, a medida em que a referida função social é compatível com a propriedade privada e com o interesse dos particulares. (QUITO, 1967)

Juntamente à importância dada à referida função social, a presente norma também defende a valorização econômica dos monumentos. “Em suma tra-

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ta-se de mobilizar os esforços nacionais no sentido de procurar o melhor aproveitamento dos recursos monumentais de que se disponha como meio indireto de favorecer o desenvolvimento econômico do país” (QUITO, 1967). Ou seja, é a valorização por meio da função que traz reflexos na economia. A norma de Quito também se dedica a tratar sobre a questão turística, fator bastante presente nos países em questão. Defende que o turismo pode ser um fator importante para a proteção dos bens culturais, trazendo o turismo como um aliado em sua preservação. Mas não deixa de apresentar que o progresso e a economia sem a função social podem prejudicar o patrimônio: É presumível que os primeiros esforços dirigidos a revalorizar o patrimônio monumental encontrem uma ampla zona de resistência na órbita dos interesses privados. Anos de incúria social e um impulsivo afã de renovação que caracteriza as nações em processo de desenvolvimento contribuem para difundir o menosprezo por todas as manifestações do passado que não se ajustam ao molde ideal de um moderno estilo de vida. Carentes da suficiente formação cívica para julgar o interesse social como uma expressão decantada do próprio interesse individual, incapazes de apreciar o que mais convém a comunidade a partir do remoto ponto de vista do bem público, os habitantes de uma população contagiada pela febre do progresso não podem medir as consequências dos atos de vandalismo urbanístico que realizam alegremente com a indiferença ou a cumplicidade das autoridades locais. (QUITO, 1967)

Além das normas de Quito tem-se também a Carta Italiana do Restauro, a qual teve seu texto divulgado em 1972 pelo governo italiano. Instrui sobre a intervenção em sítios históricos, edificações, esculturas e bens arqueológicos. Se posiciona contra remoções ou demolições que apaguem as marcas do tempo do bem ou seja, sua trajetória; com um posicionamento contrário ao deslocamento de suas partes ou todo e também contra traslados. Aborda pontos favoráveis a adição de partes acessórias de função sustentadora da edificação, a limpeza e pintura dos bens culturais, a anastilose documentada e a nova ambientação da obra, apenas quando ainda não estiverem sido destruídas as am-

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bientações tradicionais. O Artigo 8 mostra claramente princípios condizentes com os princípios de Cesare Brandi onde defende que “Qualquer intervenção na obra ou em seu entorno [...] deve ser realizada de tal modo com tais técnicas e materiais que fique assegurado que, no futuro, não ficará inviabilizada outra eventual intervenção para salvaguarda ou restauração.” A seguir foi elaborada uma tabela que sintetiza as abordagens gerais de cada carta/norma criada.

QUADRO SÍNTESE \

Carta de Veneza (1964)

\

Normas de Quito (1967)

\

Carta Italiana do Restauro (1972)

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Propõe a destinação do edifício à uma função útil à sociedade; Se posiciona contra o deslocamento do monumento; Defende que o trabalho complementar deverá trazer as marcas dos tempos atuais sem trazer grandes contrastes que tirem o protagonismo da edificição pré-existente; Traz a importância da documentação dentro do contexto da restauração. Carta elaborada para países da américa principalmente países que sofrem com a questão do subdesenvolvimento. Todos os monumentos devem cumprir sua função social: Os monumentos devem ser valorizados economicamente alinhados á sua funcionalidade; Defende o turismo sustentável como proposta à proteção dos edifícios. Se posiciona contra remoções ou devoluções que apaguem as marcas do tempo, traz posicionamento favoráveis às técnicas de conservação dos edifícios defende a anastilose documentada: defende também os preceitos da reversibilidade.

Tabela 2 Quadro Síntese Cartas e Normas elaborado pela autora. Fonte: Acervo da autora com base em informações do IPHAN


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O presente capítulo buscar trazer algumas referências projetuais sobre o patrimônio edificado a fim de orientar as tomadas de decisões acerca do projeto, analisando intervenções já existentes e seus impactos positivos ou até negativos sobre o que pré-existe e seu papel social.

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DAS REFERÊNCIAS ARQUITETÔNICAS 139


A

Casa Thomaz Pompeu Sobrinho, construída pelo antropólogo e engenheiro Thomaz Pompeu Sobrinho se localiza na Avenida Francisco Sá, no bairro Jacarecanga, na zona oeste da cidade de Fortaleza (Mapas 7 e 8). Foi construída no ano de 1929, período em que a cidade, passava por um momento de grande desenvolvimento sócio cultural. Hoje em dia na casa funciona a Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (Figura 41 e 42), a qual foi inaugurada em 2002 e que a partir de 2006 começou a ser administrada pelo Instituto Dragão do Mar.

4.1 ESCOLA DE ARTES E OFÍCIOS THOMAZ POMPEU SOBRINHO

Ficha Técnica: Local: Fortaleza, Ceará. Bairro Jacarecanga Projeto Original: Não identificado. Projeto de Restauro: José Capelo Filho (2000) Robledo Duarte (2003) Ano: 1929 Arquitetura: Italiana estilo Art Nouveau A Escola foi escolhida para ser uma referência de uso pois cumpre perfeitamente sua função social dentro do contexto de Fortaleza, trazendo fortemente os princípios da Norma de Quito, que defende esse uso social para a edificação, por meio da promoção de cursos de capacitação gratuitos, incentivando que pessoas em situação de vulnerabilidade social possam ter uma chance de melhorar de vida por meio da capacitação. Ou seja, além de ajudar no contexto social, sua função também capacita a população para o mercado de trabalho no âmbito do restauro e das artes, possibilitando essa mobilidade socioeconômica e trazendo a ideia de educação para o patrimônio cultural atrelado à valorização de sua produção visto que também promove feiras, a principal, chamada de “Fuxico na Escola”. Segundo informações do site da escola ela “Tem como missão realizar atividades de capacitação em restauração e conservação do patrimônio cultural material, bem como da valorização e recuperação do patrimônio imaterial, ressaltando sua importância e relevo histórico” (Figura 43)

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Mapa 7 Mapa de Localização da Casa de Thomaz Pompeu. Fonte: Acervo pessoal da autora com base em informações do Google Maps. Mapa 8 (página 142) Mapa de Localização da Casa de Thomaz Pompeu. Fonte: Acervo pessoal da autora com base em informações do Google Maps.


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meno Avenida Filo

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Gomes

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Figura 41 Oficina de Gravura da Escola. Fonte: http://eao.org.br/ areas/#restauro

Figura 43 Oficina de Bordado. Fonte: Site da escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho. Figura 42 Vista frontal da edificação. Fonte: Site da escola de Artes e ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho.

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O edifício que antes era uma residência passou por diversas modificações para finalmente receber a função que tem hoje. Ao adentrá-lo fica perceptível que o arquiteto tentou ao máximo adequar a edificação às novas necessidades inserindo materiais que possibilitam que haja intervenções futuras trazendo o conceito da reversibilidade onde foi utilizado vidro para separar alguns ambientes que precisariam ser fechados devido às demandas atuais, e também trouxe os princípios da distinguibilidade, visto que o vidro é um material muito utilizado nos dias atuais. Além disso em vários setores da edificação é possível perceber a preocupação em documentar as intervenções como é o caso da janela de prospecção pictórica aberta no alpendre do edifício mostrando a pintura pré-existente. Segundo Guerra et. al. (2019) a edificação também possui três anexos (Figura 44), todos posteriores à sua criação, o arquiteto optou por utilizar materiais recentes no projeto como cobogós e elementos retilíneos, o que traz a ideia de diferenciação entre novo e antigo, idéia defendida principalmente por Boito e se adequando ao conceito de continuidade de Tiesdell (1996). Por tanto fica perceptível a intenção do arquiteto de mostrar e documentar as intervenções feitas, se apresentando como uma intervenção que agrega à edificação e não prejudica sua história, preservando o patrimônio da cidade. Um ponto negativo, entretanto, é que a escola não possui um desenho universal, o que dificulta o usufruto do espaço por todos.

Figura 44 Planta de Implantação da Escola, mostrando os anexos. Fonte: Acervo da Autora.

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palacete, inicialmente conhecido como o palacete do Comendador Bernardo Martins Catharino, teve seu projeto elaborado por Rossi Baptista e decorado por Oreste Sercelli, tendo sua conclusão em 1912, foi construído em um momento em que a alta burguesia baiana via nos modelos ingleses e franceses arquitetônicos a inspiração para a construção de suas residências. O palacete, situado no bairro da Graça (Mapa 9 e 10), evidencia o poder e a grandeza da arquitetura do setor mais abastado da sociedade. Atualmente o palacete ainda se encontra em uma região nobre da cidade de Salvador, tendo passado por um projeto de restauro.

4.2 PALACETE DAS ARTES MUSEU RODIn

Ficha Técnica: Local: Salvador, Bahia. Bairro Graça. Projeto Original: Rossi Baptista Projeto de Restauro: Brasil Arquitetura (2002) Ano: 1912 O restauro do palacete teve como principal objetivo adequar a edificação - que antes era uma habitação - ao novo uso, de museu, adicionando a infraestrutura que fosse necessária para o desenvolvimento das ações educativas e também da recepção. Foi criado um novo lance de escadas que daria acesso ao sótão e onde funcionaria a administração do museu. O pavimento térreo abrigaria o setor educativo do museu. O acervo de obras de Rodin seria colocado no palacete, em seu primeiro e segundo andar, enquanto que no seu anexo ocorreriam exposições temporárias. Uma solução importante para dar continuidade entre o edifício pré-existente e o anexo foi a criação de uma passarela metálica (Figura 46) que liga os dois prédios. A necessidade de implantar um anexo veio da importância de diversificar ainda mais os usos por meio da criação de um café-restaurante e também instalação dessas salas para as exposições temporárias e também para a reserva técnica. O edifício histórico se encontra implantado no centro do lote, atrás dele está o

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Mapa 9 Mapa de Localização do Museu Rodin. Fonte: Acervo da autora com base em informações do Google Maps. Mapa 10 (página 146) Mapa de Localização do Museu Rodin. Fonte: Acervo da autora com base em informações do Google Maps.


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Ru

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Figura 45 Fotografia da edificação pré-existente. Fonte: Nelson Kon

Mapa 10 Mapa de Localização do Museu Rodin. Fonte: Acervo da autora com base em informações do Google Maps.

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anexo, essa composição onde o edifício moderno aparece atrás do edifício traz uma ideia de respeito para com o pré-existente, além disso sua altura mais baixa que o edifício histórico reforça este sentimento de respeito, entretanto sem reproduzir a sensação de submissão, o edifício moderno está ali, mas o protagonismo é do palacete. Outro fator importante é que a edificação anexa (moderna) vem com uma coloração similar à do palacete, entretanto traz materiais modernos o que faz ficar evidente a ideia da distinguibilidade mas que não tira o protagonismo do edifício histórico, por ser uma distinção sutil porém perceptível. Além disso os dois edifícios estão devidamente alinhados e distanciados, como mostra a Figura 55. Novos elementos foram inseridos no interior da edificação para que ocorresse essa adaptação ao novo uso como é o caso dos equipamentos para climatização e luminotécnicos especializados para o uso de museu. Foram utilizados no projeto materiais como concreto representando os maiores volumes, como é o caso do bloco da circulação vertical e da lâmina da passarela além dos vidros e das treliças de madeira. Outro ponto importante a ser destacado neste projeto é a inserção do volume da circulação vertical que gera alguns questionamentos no que tange a questão da reversibilidade, visto que o volume moderno está anexado ao palacete de forma que não deixa nenhum “respiro” para que aquela intervenção no futuro possa dar espaço para outras sem interferir na matéria pré-existente.

Figura 46 Passarela Museu Rodin. Fonte: Nelson Kon

150

Figura 47 Implantação do projeto de restauro. Fonte: Acervo da Autora com base em Planta Baixa disponível no Archidaily


Planta Baixa 1. Bilheteria 2. Museu 3. Rampa de acesso ao subsolo 4. Jardim vertical 5. Salas de Exposições e Restaurante 6. Pátio de Esculturas 7. Esculturas Rodin 8. Porta do Inferno 9. Utilidades

4

8

9

5 5

2

Rua da Graça

3

7 7

6 7

7 1

Edifício Pré-Existente

0

7,5 m

14 m

Edifício Anexo Circulação Horizontal Circulação Vertical

151


Apesar disso, o edifício se adequa a outros materiais dispostos e discutidos neste trabalho, que serão de grande importância para a intervenção na casa Thomaz Pompeu, como é o caso do que está presente nas Normas de Quito, visto que a edificação cumpre sua função social e implementa ao mesmo tempo uma função econômica por meio da implantação de um café-restaurante, que também diversificam seus usos. Na imagem abaixo é perceptível que apesar das críticas referentes ao volume da circulação vertical, o respeito entre a relação antigo-moderno ainda predomina. O distanciamento entre as duas edificações, os materiais, as cores o contraste sutil permite trazer essa contemplação por inteiro de cada edifício, se relacionando com o conceito da continuidade de Tiesdell (Figuras 48, 49, 50 e 51).

Figura 48 Volume de Circulação vertical. Fonte: https://www.vitruvius. com.br/revistas/read/projetos/06.070/2721

152


Figura 49 Composição Novo e Antigo. Fonte: Nelson Kon

Figura 50 Composição Novo e Antigo. Fonte: Nelson Kon

Figura 51 Passarela de conexão. Fonte: Nelson Kon

153


A

Casa do Benin se localiza em Salvador, na Bahia, no Largo do Pelourinho (Mapas 11 e 12) e nasceu da restauração de dois imóveis ajustados às duas esquinas existentes: dois sobrados do século XVIII que estão implantados conforme mostra a figura 52. Foi escolhida como projeto de referência devido à sua capacidade de trazer essa conexão entre o material e o imaterial de forma a valorizar a cultura existentes e suas influências. O ponto inicial para a criação do Museu da Casa do Benin foi a existência de uma relação muito forte entre América Latina e África, trazendo o reconhecimento da irmandade existente.

4.3 Casa do benin

Ficha Técnica: Local: Salvador, Bahia. Largo do Pelourinho. Projeto Original: Não Identificado Projeto de Restauro: Lina Bo Bardi. Ano: 1988 Segundo as fontes estudadas também estava prevista a criação de uma Casa do Brasil no Benin, representando uma ação bilateral de respeito entre a cultura dos países, que se cruzava. Os sobrados sofreram um incêndio na década de 1970, dessa forma, antes de ser restaurado por Lina Bo Bardi, passou por uma reforma onde foi construída uma estrutura de concreto substituindo a estrutura de madeira antes existente. Hoje no espaço funciona um espaço cultural importantíssimo para a cidade, com um acervo que é composto por mais de 200 peças originárias do Golfo do Benin. (Figura 53)

A maior parte desse acervo foi colecionada por Pierre Verger em suas viagens para entender as relações afro diaspóricas com o Brasil e mais especificamente a Bahia. O projeto trouxe um programa de necessidades que contempla esse centro de estudos e intercâmbio cultural, além de um restaurante (Figuras 54 e 55) - que está localizado no pátio interno contando também com um jardim, se caracterizando por um local que promove também encontros - e da residência

154

Mapa 11 Mapa de Localização da Casa do Benin. Fonte: Acervo da autora com base em informações do Google Maps. Mapa 12 (página 156) Mapa de localização da Casa do Benin. Fonte: Acervo da autora com base em informações do Google Maps. Figura 52 (página 157) Planta de Implantação. Fonte:Acervo da autora com base em pesquisa existente OLIVEIRA, 2003. p. 160


155


m o ar do C La de ira

Rua Pe. Agostinho

156

Gomes


9

157


Figura 53 Casa do Benin. Fonte:http://pelourinhodiaenoite.salvador.ba.gov.br/ index.php/24-onde-visitar/ museus/473-museu-casa-do-benin

do representante do Benin na Bahia. O Projeto de Lina, traz a reconstituição das fachadas dos sobrados assim como eram no início, se apoiando nas premissas do restauro clássico. A preservação dessas características traz uma certa continuidade no que se refere à linguagem local, visto que as fachadas foram preservadas e conversam com o ambiente em que estão inseridas, trazendo um dos princípios de Giovannoni. Já no projeto interno fica evidente a vontade de Lina de aplicar elementos modernos, mas sem deixar de lado os materiais tradicionais que lembram o país de enfoque. Ela toma a iniciativa de cobrir os pilares com palha de coqueiro trançada, mas também se utiliza de elementos pré-fabricados para compor a estrutura (esses mesmos pilares) e as paredes do edifício. Segundo a Carta de Veneza, quando os materiais antigos não são mais eficazes para suprir a demanda existente poderão ser adotados materiais modernos, até mesmo com a intenção de documentar essas intervenções. A documentação foi uma premissa defendida também por Camillo Boito.

158


Figura 54 Imagem do restaurante. Fonte: https://www.academia. edu/3997011/Estudos_sobre_a_Casa_do_Benin_Bahia

Figura 55 Pátio Interno. Fonte: Patricia Viceconti Nahas

159


Na parte da edificação que fica na esquina com a rua Padre Agostinho Gomes foi aberto um vazio (Figura 56) que faz a ligação vertical entre todos os andares do sobrado e neste vazio uma escada de ferro que acompanha os demais andares, os conectando desde o pavimento térreo, onde se localiza a sala de exposições, passando pelo segundo pavimento onde fica a biblioteca, administração e banheiros e indo até o terceiro pavimento onde ficam os alojamentos dos estudantes. Fica bastante perceptível também pelas fotos que existe uma diversidade de aplicação de texturas, fazendo que o visitante fique imerso em uma experiência cultural. Além disso, ao descascar as paredes Lina abre as portas para mostra os elementos pré-existentes da edificação, fazendo a conexão com o ambiente interno ser ainda mais intensa (Figura 57).

Figura 56 Interior do Edifício. Fonte: https://www.salvadordabahia.com/experiencias/ casa-do-benin/

160


4.4 CENTRO COMUNITÁRIO EM CAM THANH

L

ocalizado no sudesde de Hoi An, o Centro Comunitário em Cam Thanh (Mapas 13 e 14) foi escolhido como projeto de referência para este trabalho devido principalmente aos materiais e técnicas utilizados para a sua execução visto que neste projeto são reinterpretadas algumas técnicas vernaculares de construção de edificações que se adequariam facilmente ao contexto de Fortaleza, devido à similaridade entre as condicionantes ambientais por ser um país também de clima Tropical e onde será implementado o projeto. O Tijolo utilizado no projeto é de terra encontrada no próprio local. Uma dos pontos importantes desse projeto, que se adequariam ao projeto da presente pesquisa, é a cor do material, que é um cinza claro (cor da terra local e que não traz grande contraste) e o mix com o uso de madeira nas esquadrias e na estrutura trazendo a ideia de conexão com a natureza (Figura 57). Ficha Técnica: Local: Cam Thanh,Vietnam. Projeto: 1+1>2 International Architecture Este centro comunitário tem como objetivo incentivar o turismo com o intuito de promover a economia local. O edifício é composto por três pavilhões conectados que possuem também partes móveis ajudando nessa flexibilidade desses espaços para sua adaptação para diversos usos com: sala de reuniões, exposições e eventos, além da criação de uma cafeteria e de uma pequena biblioteca, que também representa um ponto importante para o partido do projeto desta pesquisa visto que a flexibilidade é um dos pontos mais importantes do partido. É necessário salientar, que a ideia do Projeto para a casa de Thomaz Pompeu também traz a proposta de uma arquitetura pavilhonar. O conjunto se inspira na arquitetura vernacular, reinterpretando o esquema de casa em torno de um pátio (cultura vietnamita) e trazendo os materiais e sistemas tradicionais, como a construção com bambu, o uso de cobertas inclinadas, o recolhimento de águas pluviais e a ventilação cruzada (Figura 57). As cores e materiais utilizados também se adequariam a proposta do projeto desta pesquisa. A adoção de uma coloração acinzentada para o edifício anexo, a escolha de materiais que

161


Cam Than, Vietnã

Mapa 13 Mapa de Localização do centro Comunitário em Cam Than. Fonte: Acervo da autora com base em informações do Google Maps.

0

162

250 km

500 km

0

0,5km

1 km


Cam Than, Vietnã

Mapa 14 Mapa de Localização do centro Comunitário em Cam Than. Fonte: Acervo da autora com base em informações do Google Maps.

0

25 m

50 m

163


remetam a regionalidade como a madeira, são pontos importantes a serem considerados, visto que o projeto fortalece a ideia de valorização da cultura local. (Figura 58) A edificação está permeada por vegetação, trazendo essa grande conexão coma natureza, esse ponto também é de grande importância para a presente pesquisa visto que ao analisar as entrevistas, o calor foi bastante pontuado, e a adoção de uma vegetação mais densa na parte posterior do terreno pode ajudar a criar microclimas amenizando o calor no local (Figura 59).

Figura 57 Coberta em Palha e Bambu. Fonte: Hoang Thuc Hao

164


Figura 58 Centro Comunitário em Cam Thanh. Fonte: Hoang Thuc Hao

Figura 59 Vista diagonal do Centro Comunitário. Fonte: Hoang Thuc Hao

165


Para dar continuidade ao diagnóstico da pesquisa foram coletadas informações in loco com a finalidade de enriquecer as análises e embasar melhor as intervenções arquitetônicas. Dessa forma, foram feitos levantamentos: fotográfico e arquitetônico, e anexados juntamente ao texto de identificação tipológica da edificação e seus sistemas construtivos. Além do diagnóstico da edificação, da análise do estado de conservação do edifício e da coleta de entrevistas, que ajudam na criação das diretrizes projetuais.

166


sobre o estudo do caso: coleta e análise

167


“Seguir a sensibilidade, observar os sinais, compreender os rumos.” Isabel Muellen

168


5.1 LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO E ANÁLISE TIPOLÓGICA DO EDIFÍCIO

A

partir do levantamento arquitetônico, da análise tipológica do edifício e de seus materiais de construção, é possível observar as particularidades da Casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil e entender um pouco de sua história refletidas no estilo arquitetônico e em sua forma. No início do século XX, época em que a casa provavelmente surgiu, a forma de construir usual ainda refletia contextos sociais de tempos anteriores. Dessa forma, ainda era comum a construção de residências baseadas na dinâmica colonial e consequentemente escravista e servil. (REIS FILHO, 2002). Se faz oportuno neste momento salientar também que o objeto de estudo possui uma topografia com leve declive em relação a sua profundidade, representando um desnível de cerca de um metro e meio entre a Avenida do Imperador e a Rua Princesa Isabel, assim como mostra a Figura 60. Fortaleza possui um clima tropical úmido, com ventos vindos prioritariamente de leste e sudeste como mostra o gráfico do software SOL-AR (Figura 61). No caso da Casa Thomaz Pompeu pode-se dizer que a edificação possui uma boa ventilação, que a atravessa, visto que sua implantação no terreno se dá em sentido leste e oeste, onde a parte posterior fica no poente (oeste) e a frontal na nascente (leste) como mostra na figura a baixo e comprova-se na Figura 61 fazendo que as fachadas de menor área recebam maior incidência solar.

Figura 60 Ventos e Insolação. Fonte: SOL-AR

169


Mapa 15 Implantação da Casa no Lote. Fonte: Acervo da Autora

170


Pode-se perceber ao analisar as plantas do objeto de estudo que a residência não se adequa a composição casa-corredor, presentes nas típicas residências da época colonial, e ainda adotadas no período. Entretanto apresenta, o porão alto e o jardim. Diferentemente da casa alinhada à rua, agora a residência possui certo afastamento tanto lateral quanto frontal, localizando-se no centro do lote e se adequando à representação física do progresso do século XX. Ao analisar os elementos estilísticos da Casa de Thomaz Pompeu, pode-se perceber algumas particularidades que a diferencia das demais do período, tanto externamente quanto internamente. Na parte externa, uma das diferenças marcantes é a presença das varandas frontais, tanto no primeiro pavimento quanto no segundo. Essa varanda aparenta saltar do plano da fachada trazendo uma sensação volumétrica diferenciada das demais edificações da época. Também é composta por um frontão que segue no mesmo plano da parte avarandada (Figura 62). Além disso, a edificação possui três acessos: um lateral pela fachada norte, um frontal pela fachada leste e outro posterior pela fachada oeste. Existe hoje uma pequena porta lateral na fachada sul que dá acesso ao porão, entretanto aparenta ter sido criada posteriormente. A entrada lateral norte que dá acesso ao porão alto, é também o local onde se situam as escadas de madeira internas, que compõe a circulação vertical do edifício (Figura 63 e 64), já as escadas externas posterior e frontal dão acesso ao primeiro pavimento nobre e são compostas aparentemente de alvenaria de tijolo com uma cobertura de argamassa de pó de pedra (Figura 65 e 66). Quanto ao sistema construtivo do edifício, é possível perceber por meio de intervenções anteriores nas paredes que a edificação é composta de alvenaria estrutural de tijolo e argamassa e seu revestimento externo composto por uma massa espessa, que aparenta ser feita de pequenos pedriscos misturados a cal e areia, argamassa muito utilizada na época que promovia proteção e resistência a edificação. Segundo o arquiteto e restaurador Robledo Duarte, na época em que a edificação foi construída (por volta de 1916) ainda não se vendia cimento

171


Figura 61 Fachada Leste mostrando o frontão. Fonte: Acervo da Autora, 2020

172


Figura 62 Escada Porão Alto. Fonte: Acervo da Autora, 2020

Figura 63 Escada que liga o Pavimento Nobre 1 ao Pavimento Nobre 2. Fonte: Acervo da Autora. Figura 64 Escada da fachada frontal. Fonte: Acervo da Autora, 2020

Figura 65 Escada da fachada posterior. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

173


comercialmente. O mesmo só chegou a ser comercializado a partir da década de 30, entretanto o setor mais abastado da população que possuía mais condição financeira, conseguia importar cimento ou componentes de cimento para adornar suas casas, como provavelmente foi o caso dos balaústres que compõe a fachada frontal da Casa de Thomaz Pompeu. O piso da edificação passou por diversas modificações ao longo do tempo, no porão alto o piso predominante é o de tijoleira, entretanto ao analisá-lo surgiu o questionamento se o mesmo foi o pré-existente devido ao fato de estar muito bem alinhado entre si. Além disso também consta a presença de revestimento cerâmico nos pisos e nas paredes do porão alto, representando intervenções posteriores como na composição a baixo (Figura 67)

Figura 66 Composição fotográfica dos pisos presentes no Porão Alto. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

174


Figura 67 Composição fotográfica com os tipos de pisos presentes no Pavimento Nobre 1.Fonte: Acervo da Autora, 2020

175


No piso dos pavimentos nobre 1 e 2 além do piso de madeira também foi verificado pisos cerâmicos possivelmente posteriores, na parte avarandada notou-se a presença de uma laje aparentemente de cimento, possivelmente o material foi importado na época da construção da residência. Já em relação ao forro tem-se no pavimento nobre 1 e no pavimento nobre 2 o forro do tipo saia e camisa que aparenta ser o forro pré-existente (Figura 69). No porão alto tem-se aparentemente um forro atual que parece ser de gesso pintado de branco, visto que foram verificadas diversas intervenções posteriores no edifício para a instalação de fiação elétrica, possivelmente para a adaptação ao uso administrativo do Hospital Cesar Cals (uso anterior ao agora proposto como verificado na composição fotográfica da Figura 70). Uma das suposições é que esse forro (localizado na foto superior à esquerda) seja composto originalmente por trilho de trem assim como o caso da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, visto que existem muitas semelhanças com a tipologia da Casa de Thomaz Pompeu, tendo sido construída apenas alguns anos depois. Algumas das semelhanças são, fachada frontal avarandada e a existência de recuos laterais e do porão alto. As janelas da edificação são todas em madeira com vidro. Ao todo são contabilizadas 32 janelas, constando dois tipos diferentes, uma tipologia maior de quatro folhas acopladas, duas folhas com venezianas e vidro e mais duas folhas apenas de madeira, na cor bege; e a outra uma tipologia menor composta de duas folhas, venezianas e vidro, e na cor verde (Figura 71). As janelas maiores possuem uma moldura externa provavelmente composta por argamassa de pó de pedra. (Figura 72). Neste trabalho não foi possível fazer prospecções exploratórias nem pictóricas para entender melhor o esquema de cores e a estrutura interna da edificação, entretanto ao analisar as janelas pode-se perceber que todas são em arco abatido, as maiores possuem pequenas bandeirolas e as menores não. As ombreiras de algumas delas são chanfradas internamente outras possivelmente foram modificadas por ações posteriores, visto que em algumas não existe o chanfro.

176


Figura 68 Forro do tipo saia e camisa. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

Figura 69 Composição fotográfica dos forros presentes no Porão Alto. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

177


Figura 70 Tipos de janela da edificação. Acervo da Autora, 2020.

Figura 71 Tipos de janela da edificação. Acervo da Autora, 2020.

Figura 72 Moldura externa da janela. Acervo da Autora, 2020.

178


Figura 73 Tipologia de porta do porão alto.Fonte: Acervo da Autora, 2020.

Já sobre as portas, foram verificadas várias tipologias diferentes. As portas internas e externas que correspondem ao pavimento do porão alto são com-

179


postas por duas folhas de madeira simples e sem bandeirolas. Elas possuem uma altura menor devido ao pé direito do porão alto ser bem menor que o dos outros pavimentos, trazem também assim como nas janelas, ombreiras chanfradas internamente, e suas vergas são retilíneas. (Figura 73)

Figura 74 Tipologia de portas presentes no pavimento nobre 1 e no pavimento nobre 2. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

No pavimento nobre 1 e no pavimento nobre 2 existem dois tipos de portas: as internas são portas de duas folhas de madeira e compostas por bandeirolas também em madeira possuem verga retilínea e são dotadas de ombreiras chanfradas. Já as portas que dão acesso às varandas e à parte externa são portas de quatro folhas acopladas, possuem verga em arco abatido, mas sem bandeirola, e trazem ombreiras chanfradas internamente como mostra a Figura 74. Para finalizar tem-se a coberta, que inicialmente foi composta por telha do tipo francesa, não foi possível ter acesso à visual da coberta para descrever um pouco sua estrutura já que a edificação se apresenta completamente forrada, mas observando os cortes e a partir de conversas com técnicos pode-se perceber que sua estrutura é toda em madeira. Para melhor compreensão da análise construtiva da edificação foi anexado abaixo o levantamento da mesma.

180


Nos fundos do terreno da edificação tem-se uma construção anexa que compôs o antigo uso do Edifício, que abrigava o Centro Estadual de Referência em Saúde do /CEREST, como já foi mencionado, representando edifícios posteriores à construção da residência de Thomaz Pompeu, como é mostrado nas imagens a seguir. O Levantamento da Edificação foi cedido pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará e corrigido pela graduanda do presente trabalho. Vale salientar que a modelagem do Casarão e da Casa Amarela Histórica ao seu lado são de autoria de Marina Câmara e de posse do Poder Público visto que foram cedidos pela Secretaria da Cultura do Estado.

Figura 75 Construção anexa de uso do CEREST. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

181


0,05

0,05

0,05 0,05

0,05

Figura 76 Planta Baixa Porão Alto. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020.

182


0,05

0,05

0,05

0,05

183


Planta do Pavimento Nobre 1

N

+ 2, 48

+ 2, 48 + 0, 18

B

A

+ 2, 48

+ 2, 48

+ 2, 48

O

+ 2, 48 + 2, 48

S Figura 77 Planta Baixa Pavimento Nobre 1. . Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020.

184

C


+ 2, 48

+ 2, 48

+ 2, 48

L

0

1

2m

185


Planta do Pavimento Nobre 2

N

+6,83

+6,83 + 0, 18

B

A

+6,83

+6,83

+6,83

+6,83

O +6,83

S Figura 78 Planta Baixa Pavimento Nobre 2. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020.

186

C


+6,83

+6,83

+6,83

L

0

1

2m

187


Planta de Coberta

N

+6,83

+6,83 + 0, 18

B

A

+6,83

+6,83

+6,83

+6,83

O +6,83

S Figura 79 Planta de Coberta. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020

188

C


+6,83

+6,83

L

0

1

2m

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Corte AA

+ 6,83

+ 2,48

+0,05

Figura 80 Corte AA. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020

190

+ 6,83

+ 2,48

+0,05


+ 6,83

+ 6,83

+ 2,48

+ 2,48

+0,05

+0,05

0

1

2m

191


0,05

Figura 81 Corte BB. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020

192

0,05


05

05

193


0,05 Figura 82 Corte CC. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020.

194

0,05


Figura 83 Elevação Leste. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020

195


Elevação Norte

+0,18

Figura 84 Elevação Figura 84Norte. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020 Elevação Norte. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020

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+0,18

+0,18

0

1

2m

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Elevação Sul

+0,18

Figura 85 Elevação Figura 85Sul. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedidoAcervo pela SECULT-CE, 2020base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020 Elevação Sul. Fonte: da Autora com

198


+0,18

+0,18

0

1

2m

199


Figura 86 Elevação Oeste. Fonte: Acervo da Autora com base em levantamento cedido pela SECULT-CE, 2020 200


5.2 ANÁLISE DO ESTADO DE CONSERVAÇÃO DO EDIFÍCIO E MAPA DE DANOS

A

o passar do tempo as edificações vão sofrendo a ação de vários agentes, sejam eles ambientais ou humanos. Com a Casa de Thomaz Pompeu não foi diferente. Apesar de não estar completamente negligenciada, a casa, por estar sem uso, acaba caindo também em processo de degradação. Dessa forma, se faz necessária uma análise de seu estado de conservação, para

Figura 87 Manchas escuras por toda a edificação. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

201


que possam ser propostas soluções diante dos diversos problemas gerados pela falta de manutenção e obras de conservação regulares. Para facilitar a análise e compreensão, a edificação foi dividida em duas partes: área externa e área interna. Externamente foram observadas por toda a área do edifício manchas escuras, provavelmente derivadas da umidade combinadas com poluição atmosférica, e que recebem o nome também de “crosta negra”. Esse tipo de dano pode gerar a proliferação de fungos e bolores acarretando também o surgimento de focos de vegetação pela edificação. Na Figura 87 podem ser percebidas essas manchas. Uma característica do edifício que facilita que essas manchas tenham maior aderência é o fato de ser revestido com argamassa de pó de pedra por todo seu comprimento, como já foi comentado anteriormente. Continuando a análise, em alguns setores do forro externo pode-se perceber o desprendimento da pintura, bem como em algumas molduras das portas externas, que pode se dar por algumas razões: umidade, má aplicação da pintura no local, além da falta de manutenção regular. Nas Figuras 88 e 89 pode-se perceber nitidamente o desprendimento da tinta. Figura 88 Desprendimento de tinta da moldura. Fonte: Acervo da Autora, 2020

Figura 89 Desprendimento de tinta do forro da varanda. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

202


Ainda sobre forros, nota-se que um deles, presente na parte avarandada do pavimento nobre 2 é de PVC, representando um material adicionado posteriormente (Figura 90). A presença de vegetação na edificação também é visível (Figura 91), como já mencionado, uma das causas é a umidade, entretanto existem outras formas que favorecem o surgimento de vegetação nas edificações antigas, uma delas é a existência de pássaros no local, que podem carregar consigo sementes e depositar na edificação. O problema pode se agravar quando a vegetação começa a adentrar a estrutura da edificação causando uma patologia mais grave, podendo interferir na estrutura do edifício. Em relação aos balaústres nota-se a perda de um componente da fachada norte da edificação como mostrado na Figura 92. Percebe-se também que por toda a parte avarandada os balaústres estão repletos de manchas escuras. Figura 90 Forro de PVC. Fonte: Acervo da Autora, 2020

Figura 91 Presença de vegetação na edificação. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

Figura 92 Perda de ornamento. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

203


Além disso, foi verificada a existência de algumas perfurações externas na edificação, não foi identificado o motivo que pode ter levado a essas perfurações, mas houve a suposição de terem sido intervenções humanas para a instalação de descida d’água ou mesmo instalação de ar condicionado e fiação elétrica, devido ao fato de já ter pertencido ao Hospital Dr. César Cals e ter sido adaptada para o uso do CEREST. Na Figura 93, além das perfurações pode se observar que algumas esquadrias perderam suas molduras na parte superior.

Figura 93 Perda de Moldura das esquadrias e perfurações na alvenaria. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

Apesar disso nota-se que as esquadrias no geral estão em boas condições, os vidros estão em bom estado e a madeira aparentemente precisa de reparos pontuais, a nível dos olhos, como retoque de pintura (Figura 94). Entretanto precisariam passar por uma análise minuciosa de sua estrutura para que fosse verificado a necessidade de troca, visto que podem estar tomadas por cupim

204


internamente. Nessa foto também é possível observar intervenções com fios na parte externa da edificação. Além de pequenas fissuras no revestimento da casa, as quais não parecem ser estruturais, mas é importante que antes das intervenções sejam analisadas minuciosamente por meio de prospecções, pois eventualmente pode representar um perigo a edificação.

Figura 94 Composição mostrando o estado das esquadrias. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

Ao adentrar a parte interna da edificação pode-se observar também que a mesma está em um bom estado, é importante salientar que não foi possível verificar o estado de conservação da cobertura da edificação visto que está composta com forro por toda sua área. No primeiro e no segundo pavimentos o forro é aquele de saia e camisa e apresenta-se em um estado regular, sua pintura está descascando por toda a área e precisa de reparos de conservação, como pode-se observar na Figura 95.

205


Figura 95 Estado de conservação do forro. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

206


Figura 96 Danos nos forros do porão alto. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

207


É importante verificar se há presença ou não de cupim nos forros tanto do pavimento nobre 1 quanto do pavimento nobre 2 vistos que no forro do porão alto elas estão presentes pontualmente, como mostrado no forro do tipo 1 na composição da Figura 96. Nessa composição é possível observar danos no forro tipo 2 e no forro tipo 3. No forro tipo 2 pode-se perceber em algumas partes certa umidade, mostrando que a pintura está próxima de descascar. No forro tipo 3 também pode-se notar que a pintura está descascando, a umidade, a má aplicação da pintura e a falta de manutenção regular são algumas das possibilidades que resultam na pintura descascada. Não foi observado nenhum entaipamento com alvenaria na residência, entretanto há portas que estão obstruídas com pedaços de madeira para que não sejam abertas. Algumas bandeirolas também estão obstruídas, mas com papel e fita adesiva como mostram as figuras 97, 98 e 99. Na edificação também foi observado o desgaste da pintura, possivelmente derivadas da umidade, pintura má executada e também como consequências da falta de medidas conservativas como mostrado como mostras nas figuras ao lado. Além disso, em alguns ambientes da edificação é possível perceber algumas intervenções na alvenaria do edifício para a inserção da fiação elétrica, provavelmente para adequar a edificação ao seu uso anterior. Como na composição da Figura 100. Sobre os pisos percebe-se que em algumas partes do porão alto eles estão faltantes, entretanto o que mais se nota em relação ao piso da casa é que o mesmo está bastante sujo e em algumas partes foi substituído por pisos atuais. O piso em madeira apresenta-se um pouco desgastado por toda sua área necessitando principalmente de limpeza e possivelmente de verniz que o proteja (Figura 101). É possível perceber também que a pintura de algumas paredes internas está descascada, apresentando-se em todos os pavimentos.

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Figura 97 Porta Obstruída por pedaços de madeira. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

Figura 98 Bandeirola obstruída por papel. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

Figura 99 Porta obstruída. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

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Figura 100 Intervenções na alvenaria. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

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Figura 101 Desgaste dos pisos. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

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Figura 102 Mapa de Danos da Fachada Leste. Fonte: Acervo da Autora, 2020

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Figura 103 Mapa de Danos da Fachada Oeste. Fonte: Acervo da Autora, 2020

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Figura 104 Mapa de Danos da Fachada Norte. Fonte: Acervo da Autora, 2020

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Figura 105 Mapa de Danos da Fachada Sul. Fonte: Acervo da Autora, 2020

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D

iante do exposto nota-se que a edificação não está em uma situação tão precária quando comparada a outras edificações históricas urbanas, entretanto é de extrema importância a definição de algumas recomendações no que se refere à questões de manutenção e outras de restauro para que seu novo uso possa acontecer sem demais interferências. Dessa forma, é recomendado que inicialmente se faça a limpeza da pintura da edificação em sua completude retirando todos os resquícios de crosta negra presentes, isso é importante pois facilita a aderência da tinta a qual virá posteriormente ser pintada a edificação, em seguida indica-se a realização de prospecções pictóricas por todo o perímetro da edificação para que sejam descobertas as cores pré-existentes e compatibilizadas em todas as suas laterais com base em uma cartela CMYK, visando a manutenção da autenticidade da edificação quanto à escolha das tintas posteriores e sua aplicação no edifício. Caso a parte externa da edificação não seja adequadamente limpa dos resquícios de sujeira, haverá possibilidade da tinta posterior descascar facilmente devido à má aderência, necessitando de manutenções ainda mais frequentes. No que diz respeito o forro externo, primeiramente se faz necessário descobrir os motivos principais do descasque para que a partir daí possa ser limpo e pintado novamente. Caso seja uma questão de infiltração se faz necessário primeiramente resolver esse problema e posteriormente realizar a limpeza e repintura. Sobre o forro de PVC presente no segundo pavimento avarandado recomenda-se a realização de uma prospecção exploratória para entender como se comporta, caso não seja encontrado nenhum resquício preexistente recomenda-se que seja documentada a intervenção com o novo forro, apresentando possibilidades de reversibilidade, no caso do forro de PVC existente, ele já representa um material que ao ser aplicado traz a noção da reversibilidade. No que se refere à presença de vegetação na edificação serão necessárias análises arquitetônicas e estruturais mais aprofundadas, pois pode ser que hajam raízes fortes presas á sua estrutura, evidenciando a importância de uma prospecção exploratória para entender como essa vegetação se comporta em relação ao edifício. Já sobre a perda do elemento da fachada, o balaústre, recomenda-se sua reconstrução com materiais novos, processo conhecido tam-

220

5.3 recomendações


bém como anastilose, isto é, identificando a intervenção e documentando-a por meio da aplicação de um novo material, reestabelecendo a integridade da edificação sem comprometer sua autenticidade. Sobre as perfurações externas recomenda-se sua cobertura interna com argamassa e externamente na parte que seria o revestimento, a aplicação de um revestimento similar mas que se diferencie pela cor (uma cor que não destoe tanto da edificação), para que a intervenção seja documentada e a integridade preservada.Partindo para a parte interna do edifício, se faz necessária a limpeza e tratamento de toda a área do forro interno de todos os pavimentos visto que os dos pavimentos nobres estão descascando e há possibilidade de haver presença de cupins já que no forro do porão alto sua presença foi verificada, dessa forma além da limpeza e tratamento da madeira, recomenda-se sua pintura, atentando-se principalmente para as cores CMYK encontradas nos forros dos pavimentos nobres, por meio de prospecções pictóricas escolhendo a cor que melhor se adequaria. Recomenda-se também a retirada dos materiais que atualmente obstruem as portas da edificação, permitindo que elas forneçam variados acessos. Sobre as intervenções para instalação de fiação elétrica, as existentes serão preservadas e utilizadas principalmente para a instalação de ar condicionados, quando forem necessários, entretanto as novas serão instaladas de forma externa à alvenaria e expostas para a instalação de mecanismos específicos do museu, como televisores e equipamentos de som que ajudarão na parte da educação museal. A decisão por serem instalações expostas veio devido ao respeito a integridade da edificação visto que já sofreu bastante com intervenções passadas, trazendo certa descaracterização. Sobre os pisos internos recomenda-se a limpeza e tratamento dos pisos amadeirados presentes principalmente nos pavimentos nobres. No porão alto recomenda-se a realização de prospecções exploratórias já que em muitos ambientes o piso foi substituído ou sobreposto por pisos novos. O piso que atualmente está nesses ambientes precisaria ser trocado visto que está bastante quebrado e não se adequaria a proposta visto que representa grande contraste com os pisos pré-existentes não sendo ideal para o projeto arquitetônico deste trabalho de conclusão de curso.

221


A

s entrevistas são parte compositiva da metodologia e do diagnóstico do presente Trabalho de Conclusão de Curso. Dessa forma, inicialmente surgiu a ideia de elaborar duas entrevistas qualitativas, sendo que a primeira delas consistiria na análise do recorte territorial em questão, que corresponde a ao setor da avenida Imperador na qual está localizada a Casa Thomaz Pompeu de Sousa Brasil. Já a segunda consistiria em uma análise das opiniões dos Mestres da Cultura, detentores dos saberes culturais tradicionais, sobre a implementação deste equipamento. A primeira entrevista foi concluída com a adesão de sete pessoas. Infelizmente, a segunda entrevista não foi aplicada devido a algumas complicações referentes ao momento atual do país e a particularidades sobre os canais de comunicação com os mestres, além do caso específico de doença de uma mestra. A Mestra Cacique Pequena foi a única que respondeu ao contato, entretanto estava doente na época da aplicação das entrevistas e não pôde contribuir e os outros mestres por precisarem ser contactados por meios virtuais, até o momento não deram respostas acerca de sua participação neste trabalho. A entrevista territorial, que representa um recorte do centro foi composta por sete perguntas que abrangiam questões referentes a edificação, que é o objeto de estudo e também à avenida Imperador. As perguntas elaboradas foram anexadas ao trabalho. ANEXO 1. Ao analisar às respostas pode-se perceber que a maioria dos entrevistados, em relação a primeira pergunta, trazem a ideia forte e unânime de que a avenida Imperador funciona como local de rota de passagem, ou percurso para chegar em outro local, apesar de algumas comentarem que também vão às compras no local, nenhuma fala sobre permanecer. Este fato só fortalece a ideia apresentada no início deste trabalho de que a avenida funciona apenas como corredor de ônibus e rota de passagem para a grande maioria das pessoas, entretanto possui enorme potencial para abrigar uma diversidade de usos que traga de volta a vontade de permanecer no local e a possibilidade de contemplação. Em relação à segunda pergunta nota-se uma grande diversidade em no que tange às respostas, entretanto duas palavras bastante presentes chamam atenção: Insegurança e Nostalgia. Em relação à nostalgia percebe-se ao analisá-las que prevalece o grande apreço por coisas que não foram vividas, mas que trazem o sentimento de fortalecimento da identidade local, e uma noção de pertencimento, trazendo em conjunto a ideia de antiguidade e que por ser um

222

5.4 análise das entrevistas


dos únicos edifícios da época que ainda resistem, deve ser rememorado e preservado. Já ao sentimento de insegurança prevalece entre os entrevistados do sexo feminino, onde também foi citado o medo de sofrer assédio e assaltos. Apesar de ser um local de intenso movimento a insegurança pode prevalecer devido a qualidade do espaço, que se apresenta como local precário e de passagem. Sentimentos relacionados ao clima também foram citados, como o calor. É interessante analisar também a questão do microclima estabelecido pois se trata de uma via pouco arborizada e bastante larga, o que favorece bastante a insolação oferecendo pouca proteção dos raios solares. Na terceira pergunta são propostas pelos participantes algumas ideias de como melhorar a qualidade desse espaço, dentre as sugestões apontadas temos uma grande ocorrência de “arborização”, “sombra” e “melhoria das calçadas”. A limpeza urbana também foi uma palavra mencionada. No local existem muitos ambulantes e poucos locais para depositar lixo, inclusive dentro do próprio terreno do objeto verifica-se inúmeros objetos plásticos, poluindo o ambiente. A partir da análise dessas respostas e pela observação de campo percebe-se que a falta de sombras é um determinante para a não permanência das pessoas no local, além da pavimentação, que traz reflexos negativos, fazendo que a experiência de caminhar no local seja dificultada. A partir da quarta pergunta começam alguns questionamentos referentes à edificação. Nessa pergunta muitos participantes comentaram que não conhecem a edificação. Isso mostra que apesar das características marcantes a casa ainda passa invisibilizada pela população, durante as conversas muitos associaram a semelhança a uma casa de filme de terror, possivelmente pela questão de sua subutilização. Já ao analisar as respostas da pergunta número cinco percebe-se a vontade de entrar na edificação, pelo fato de passar um sentimento de mistério e por vezes vazio, como também foi citado, entende-se a vontade dos entrevistados para que seja atribuído um uso a esse edifício, que desperta tanta curiosidade nos passantes. Ademais, sobre a última pergunta foi formulada a fim de entender se na visão de quem passa a região ainda dispões de certa ambiência ou locais históricos que façam algum vínculo com a edificação, um dos locais citados foi a praça José de Alencar, que fica próximo à edificação, entretanto a a maioria dos entrevistados não percebeu nenhuma outra edificação com características semelhantes ou que fosse um marco no entorno imediato.

223


Neste capítulo se dará a elaboração do projeto, onde toda a pesquisa estará refletida formalmente, levando em conta as condicionantes, legais, ambientais, as entrevistas e as problemáticas verificadas ao longo do estudo, resultando no produto final projetual.

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do projeto

225


A

ntes de propor intervenções no objeto de estudo e nas suas proximidades é essencial fazer uma análise de seu entorno, nesse caso como o projeto é de restauro e de reconversão de uso da casa de Thomaz Pompeu, o foco será no entorno imediato, visto que para que uma edificação seja restaurada é imprescindível que haja uma análise e estudo de sua ambiência, principalmente pelo forte protagonismo do centro na história da cidade de Fortaleza, abordando os usos, os acessos, a mobilidade, os equipamentos e os terrenos que se localizam nas proximidades e que tem a possibilidade de serem usados na proposta e também sua ambiência atual e a que preexistiu. Dessa forma foram elaborados alguns mapas para que fosse possível completar a análise. O primeiro mapa (Mapa 15) elaborado foi o de uso do solo, é a partir de sua análise que é possível ter uma noção dos tipos de usos presentes na região e com isso tornar mais compreensíveis algumas problemáticas locais, tanto relatadas nas entrevistas quanto observadas nas visitas de campo, como é o caso da questão da insegurança. Esse sentimento possivelmente está associado à predominância de apenas dois usos, o residencial e o comercial na região, visto que ambos não fornecem tantos incentivos à permanência no local durante o dia, - que muitas vezes se dá por usos culturais ou de lazer-, associados à falta de árvores e ao grande fluxo, contribuindo para que as experiências sejam rápidas e por vezes esvaziadas de sentido. Além disso, a Praça da Lagoinha atualmente está tomada por ambulantes, segundo relatos, vindos da Praça José de Alencar que em 2020 estava passando por reformas mas já foram concluidas, fazendo da praça, que deveria ser um local de lazer e consequentemente de permanência, um local de passagem e compras. Outro fator importante é que o Centro Comercial só funciona até as 17 horas fazendo que todas as atividades se encerrem antes do anoitecer e trazendo como consequência o esvaziamento local. O comercio informal presente na região também compromete a circulação de pedestres e traz certa poluição visual dentro do contexto paisagístico do bem. Outro mapa de grande importância para a análise é o de mobilidade e equipamentos culturais (Mapa 16), este mapa traz a relação entre bens culturais e

226

6.1 ANÁLISE DO entorno e proposição de uso

Mapa 16 Mapa de Uso do Solo. Fonte: Acervo da Autora, 2020.


227


os meios de transporte existentes na região. Com ele percebe-se que a região é bem suprida de meios de transporte coletivos, como ônibus e o metrô, que possui sua estação localizada ao lado da praça José de Alencar, entretanto, não é possível verificar a presença de estações do bicicletar e nem ciclofaixas, que além de ser mais sustentável por não poluir o meio ambiente ainda permite uma vivência mais atenciosa na região. Ademais é importante salientar que a Avenida Imperador possui espaço para a implantação de ciclo faixas visto que é bastante larga. Boa parte dos equipamentos culturais se encontram a leste do Centro Histórico, monopolizando esse setor. É importante também fazer um apanhado das edificações históricas as quais se situaram e ainda se situam no entorno da Casa Thomaz Pompeu, já que a casas em conjunto compunham a ambiência do entorno imediato a casa. Uma das edificações importantes que existiram nas proximidades da residência, que é objeto de estudo deste trabalho, foi a Fábrica do Dr. Thomaz Pompeu, segunda fábrica da família criada em 1904 na Avenida Imperador (VIANA, 2006) representada no mapa 17 pelo número 2. A motivação para a criação desta fábrica foi a mesma da fundação da Fábrica Progresso (primeira fábrica da família): o aumento da demanda por redes de dormir, o que é de bastante interesse deste trabalho visto que traz certo foco para uma valorização dos saberes e fazeres regionais. Hoje no local onde existia a fábrica se situa o equipamento conhecido popularmente como Beco da Poeira. No site Fortaleza Nobre a foto da fábrica está legendada como Fábrica Progresso, entretanto fontes que retratam a vida empresarial de Pompeu afirmam que a Fábrica que se situava na Avenida Imperador não foi a Progresso, mas sim a Fábrica de Thomaz Pompeu. Na página 230 temos um comparativo. É importante salientar que a Fábrica do Dr. Thomaz Pompeu possivelmente se situou imediatamente ao lado da edificação da Casa de Thomaz Pompeu, já que foram verificadas semelhanças arquitetônicas entre a edificação da Figura 106 e a da contornada em marrom na Figura 107. Ao lado esquerdo da casa Thomaz Pompeu e direito de quem olha para a foto

228

Mapa 17 Mapa de Mobilidade. Fonte: Acervo da Autora, 2020. Via Arterial Linha Sul Estação de Metrô Equipamentos Culturais Pontos de Ônibus Edificações Quadras Casa de Thomaz Pompeu


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2

3

4

1

6 1. Praça da Lagoinha 2. Casa de Saúde Dr. César Cals 3. Fábrica de Thomaz Pompeu 4. Casa de Thomaz Pompeu 5. Possívelmente uma Residência 6. Possivelmente uma zona comercial

5 Mapa 18 Mapa do entorno. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

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Figura 106 Comparativo do local em que possivelmente se situou a Fábrica de Thomaz Pompeu com o que há hoje.Fonte: Acervo Fortaleza Nobre e Acervo da Autora, 2020.

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Legenda 1. Casa de Saúde Dr. César Cals 2. Fábrica de Thomaz Pompeu 3. Possivelmente uma residências 4. Possivelmenete um zona comercial 5. Praça da Lagoinha 6. Casa Thomaz Pompeu

Figura 107 Vista Panorâmica da Avenida do Imperador a partir da Praça da Lagoinha. Fonte: Acervo Fortaleza Nobre alterado pela Autora, 2020.

107 existe uma edificação do tipo porta e janela, aparentemente se adequando aos moldes de casa-corredor, tipologia comum na época. Essa edificação permanece na avenida até os dias de hoje e faz parte de um estacionamento localizado na Avenida Imperador. Apesar de bastante descaracterizada ainda apresenta alguns ornamentos nas laterais que compõe o oitão, e é possível ver os ritmos das portas (Figura 108).

Figura 108 Estacionamento 1 e Casa de Valor Histórico. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

233


Do outro lado da Casa Thomaz Pompeu onde antes era a Fábrica se localiza outro estacionamento, entre o Beco da Poeira e a Casa, que também é composto por um volume maior que funciona como galpão, como mostrado na Figura 109. Pode-se perceber também o grande movimento de ambulantes e carrinhos de venda, os quais impactam na visibilidade das edificações e também no espaço disponível para caminhar, causando certa poluição visual, juntamente com a fiação elétrica.

Figura 109 Estacionamento 2. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

234


Os terrenos que compreendem esses dois lotes se localizam imediatamente ao lado do objeto de estudo, o prédio número 1 mostrado no mapa a seguir prejudica a visibilidade da Casa de Thomaz Pompeu e não representa nenhum valor arquitetônico ou histórico, possuindo função apenas de galpão e representando uma boa possibilidade de anexação visto que representam lotes subutilizados em uma zona de desenvolvimento econômico e cultural e que possui bastante valor histórico para a cidade. O Lote 1 possui 20 metros de frente por 57 metros de profundidade, já o Lote 2 mostrado possui 11 metros de frente por 59 metros de profundidade. Logo à frente da Casa de Thomaz Pompeu estava situada a Casa de Saúde Dr. César Cals que permanece até os dias de hoje chamando-se agora de Hospital Dr. César Cals. Como mostra o comparativo de fotos na Figura 110.

Figura 110 Comparativo do Hospital Dr César Cals. Fonte: Acervo Fortaleza Nobre e Acervo da Autora, 2020.

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236


01 Estacionamento

02 Estacionamento

03 Estacionamento

04 Uso Misto

Mapa 19 Mapa mostrando os lotes próximos possíveis de serem utilizados. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

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Ao lado do que hoje é o Hospital situa-se a Praça da Lagoinha, a seguir duas fotos, uma possivelmente de inícios de 1900 e outra dos dias atuais, ambas vistas da Avenida Imperador. Nessa foto pode-se perceber a horizontalidade do gabarito das edificações e a similaridade da linguagem delas. Boa parte seguindo a dinâmica de fachadas porta e janela (Figura 112) Com a reforma da praça José de Alencar, antiga Praça Marquês de Herval boa parte dos ambulantes passaram a vender seus produtos na Praça da Lagoinha e hoje ela encontra-se bastante movimentada, como na foto a baixo.

Figura 111 Comparativo da Praça da Lagoinha Antes e Hoje. Fonte: Acervo Fortaleza Nobre e Acervo da Autora, 2020.

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Figura 112 Imagens da Casa Thomaz Pompeu de Sousa Brasil. Fonte: Fortaleza Nobre

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Se faz importante mostrar que ainda nos dias de hoje existem muitos remanescentes históricos na região, apesar de muitos estarem em uma situação precária no que tange sua preservação, o mapeamento dessas edificações pode fornecer informações para um banco de dados que futuramente venha a culminar na implantação de uma poligonal por exemplo, protegendo a região das investidas do mercado imobiliário, incentivadas pela implementação das ZEDUS como será mostrado mais à frente. Abaixo o mapeamento das edificações remanescentes da Rua Princesa Isabel, evidenciando o potencial histórico da região. 5

1

2

12

3

6

7

11

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4

10 9

Mapa 20 Mapa Casas Históricas. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

240


1

2 3 4 5

6 7

8 12

9

10

11

241


É

no bairro centro onde está localizada a Casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, segundo informações retiradas do site do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará, a partir de 2020 a cidade de Fortaleza passa a ser dividida de forma diferente no que tange suas regionais. Antes existiam apenas seis regionais, entretanto a Câmara Municipal de Fortaleza aprovou em 18 de Dezembro de 2019 a nova divisão da área que agora será dividida em 12. A nova divisão considerou critérios como a quantidade de habitantes de cada localidade, a área de cada bairro e a aproximação cultural entre eles, como consta também na notícia do site do G1. Dessa forma atualmente o Centro está localizado na Regional 1, a qual contempla o Centro, Moura Brasil e Praia de Iracema. Segundo a lei de Uso e Ocupação do Solo de 2017 (LUOS), o bairro Centro está localizado dentro da Macrozona de Ocupação Urbana, que corresponde às áreas que se caracterizam pela significativa presença do ambiente construído. No caso específico do Centro tem-se a Zona de Ocupação Preferencial 1. A Seção I do Capítulo III da Lei de Uso e Ocupação do Solo, traz algumas características específicas desse tipo de zoneamento: Art. 20. A Zona de Ocupação Preferencial 1 (ZOP 1) caracteriza-se pela disponibilidade de infraestrutura e serviços urbanos e pela presença de imóveis não utilizados e subutilizados; destinando-se à intensificação e dinamização do uso e ocupação do solo. Art. 21. São objetivos da Zona de Ocupação Preferencial 1 (ZOP 1): I - Possibilitar a intensificação do uso e ocupação do solo e a ampliação dos níveis de adensamento construtivo, condicionadas à disponibilidade de infraestrutura e serviços e à sustentabilidade urbanística e ambiental; II - Implementar instrumentos de indução do uso e ocupação do solo, para o cumprimento da função social da propriedade; III - Incentivar a valorização, a preservação, a recuperação e a conservação dos imóveis e dos elementos característicos da

242

6.2 legislação


paisagem e do patrimônio histórico, cultural, artístico ou arqueológico, turístico e paisagístico; IV - Prever a ampliação da disponibilidade e recuperação de equipamentos e espaços públicos; V - Prever a elaboração e a implementação de planos específicos, visando à dinamização socioeconômica de áreas históricas e áreas que concentram atividades de comércio e serviços; VI - Promover a integração e a regularização urbanística e fundiária dos núcleos habitacionais de interesse social existentes; VII - promover programas e projetos de habitação de interesse social e mercado popular.

Ao cruzar as características da ZOP 1 e os objetivos deste trabalho pode-se perceber o quanto as dinâmicas comerciais e culturais podem se combinar para trazer maior vivacidade para certas regiões. Isso confirma e da força à ideia de ressignificação dos lotes referidos no mapa 18, visto que estão subutilizados, pois funcionam unicamente como local de depósito de carros, mas possuem potencial para se adequar a uma função que contemple a sociedade no geral e cumpra sua função social. Essa dinamização entre as áreas históricas que ainda resistem e as áreas que concentram comércios e serviços é de grande importância visto que é preciso que haja uma abordagem educacional e cultural nesses setores históricos que ainda estão marginalizados e subutilizados, combinados ao comércio podem impulsionar e trazer tanto a valorização cultural e preservação quanto a valorização financeira. Ao trazer o viés cultural diversificam-se os usos e induzem a permanência. A baixo se tem o conjunto de parâmetros que regulam as limitações as quais as edificações devem estar alinhadas correspondendo à especificidade de cada zona, no caso da Casa de Thomaz Pompeu é a ZOP1 A Taxa de Permeabilidade informa o percentual de área que obrigatoriamente não pode ser edificada do terreno, ou seja, o percentual do terreno onde deve obrigatoriamente ser permeável. A Taxa de Ocupação corresponde a porcen-

243


Parâmetros Urbanísticos Taxa de Permeabilidade (%) Taxa de Ocupação (%)

Índice de Aproveitamento

30 Solo

60

Subolo

60

Básico

3

Mínimo

0,25

Máximo

3

Altura Máxima da Edificação (m) Dimensões Mínimas do Lote (m)

72 Testado

5

Profundidade

25

Área

125

tagem de terreno que pode ser ocupada pela projeção da edificação construída ou que será construída, tem como objetivo limitar o crescimento urbano de forma desenfreada nas cidades. Já o Índice de Aproveitamento corresponde a um número cujo multiplicado pela área do terreno vai se igualar a quantidade de metros quadrados permitidos serem construídos no lote, somando todos os seus pavimentos. Esse parâmetro também é bastante importante pois limita verticalmente a construção dessas edificações. No caso da localização da Casa Thomaz Pompeu esses parâmetros ajudam a proteger a visual paisagística, ajudando a manter certa ambiência, já que corresponde a uma região histórica que deve ser respeitada apesar de não estar inserida em nenhuma poligonal de

244

Tabela 3 Parâmetros Urbanísticos da ZOP 1.Fonte: LUOS.


proteção do patrimônio. Tem-se também a Altura máxima da edificação, outro limitante para a área apesar de acreditar ainda assim ser bastante alto para essa região em específico e por último as Dimensões Mínimas do Lote. Dentro da ZOP 1 tem-se outros tipos de zoneamento que correspondem às Zonas Especiais, essas zonas são porções do território que necessitam de tratamento especial devido à algumas particularidades, se sobrepondo ao zoneamento, como é o caso da Zonas Especiais de Dinamização Urbanística (ZEDUS) e das Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Paisagístico, Histórico, Cultural e Arqueológico (ZEPH). A Casa de Thomaz Pompeu está situada entre duas ZEPH’s, a ZEPH Jacarecanga a oeste e a ZEPH Centro a leste, e está localizada em uma região que corresponde a uma ZEDUS. A Seção IV do Capítulo IV traz as características das ZEDUS: Art. 52. As Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS) são porções do território destinadas à implantação e/ou intensificação de atividades sociais e econômicas, com respeito à diversidade local, e visando ao atendimento do princípio da sustentabilidade. Art. 53. São objetivos das Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS): I - Promover a requalificação urbanística e a dinamização socioeconômica; II - Promover a utilização de terrenos ou glebas considerados não utilizados ou subutilizados para a instalação de atividades econômicas em áreas com condições adequadas de infraestrutura urbana e de mobilidade; III - Evitar os conflitos de usos e incômodos de vizinhança; IV -Elaborar planos e projetos urbanísticos de desenvolvimento socioeconômico, propondo usos e ocupações do solo e intervenções urbanísticas com o objetivo de melhorar as condições de mobilidade e acessibilidade da zona.

245


246


No Artigo 154 têm-se uma das Normas específicas das ZEDUS: Art. 154. Nas vias comerciais das Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS), o Índice de Aproveitamento (I.A.) permitido da Macrozona na qual estão inseridas será acrescido de 0,5 (zero vírgula cinco) para o subgrupo Comércio e Serviços Múltiplos (CSM), respeitadas as disposições que regulamentam o Solo Criado na Lei Complementar nº 062/2009 (Plano Diretor Participativo de Fortaleza - PDPFOR) e desde que não ultrapasse o Índice de Aproveitamento Máximo permitido para a Zona.

Nos Artigos 155, 156, 157 e 158 têm-se as normas específicas da ZEDUS Centro: Art. 155. As edificações situadas na Zona Especial de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS) Centro - Trecho 1 - estão sujeitas às seguintes restrições: I - para os lotes lindeiros às ruas e avenidas de sentido norte-sul, o pavimento térreo deverá ser recuado até liberar um passeio mínimo de 4,00m (quatro metros) e sem qualquer fechamento, inclusive na lateral; II - para os lotes lindeiros às ruas de sentido leste-oeste, o pavimento térreo deverá ser recuado até liberar um passeio mínimo de 3,00m (três metros) e sem qualquer fechamento, inclusive na lateral;

Mapa 21 Mapa de Zoneamento. Fonte: Acervo da Autora com base em dados da prefeitura, 2020 Equipamentos Culturais ZEDUS Centro Trecho 1 ZEPH Casa de Thomaz Pompeu

III - para os lotes lindeiros às avenidas de sentido leste-oeste, o pavimento térreo deverá ser recuado até liberar um passeio mínimo de 4,00m (quatro metros) e sem qualquer fechamento, inclusive na lateral. Art. 156. A ocupação do Trecho 1 especificado no artigo anterior poderá utilizar-se dos seguintes incentivos: I - em terreno de esquina, a dispensa dos recuos de fundo, até o quarto pavimento; II - a dispensa dos recuos laterais até o quarto pavimento;

247


III - o avanço em balanço, até o alinhamento, dos três primeiros pavimentos acima do térreo, desde que o nível do piso pronto do quarto pavimento não ultrapasse a cota dos 12,00m (doze metros) contados do nível médio do passeio por onde existe acesso. Art. 157. Acima do quarto pavimento, exceto para o Grupo de Uso Residencial, Subgrupo Residencial, os recuos são: frente - 6,00m (seis metros), para as vias de sentido norte/sul e avenidas de sentido norte/sul e leste/oeste; 3,00m (três metros) para as demais vias; lateral - 3,00m (três metros) e fundos - 3,00m (três metros). Art. 158. É opcional a reserva de espaços destinados ao estacionamento de veículos vinculada às atividades nas edificações situadas dentro do perímetro definido pela Av. Presidente Castelo Branco, Av. Alberto Nepomuceno, Rua Conde D’Eu, Rua Sena Madureira, Av. Visconde do Rio Branco, Av. Duque de Caxias e Av. Tristão Gonçalves.

Ao analisar as normas específicas das ZEDUS e do recorte da mesma no centro pode-se perceber que é um tipo de zoneamento que colabora com um maior potencial construtivo na região, maior até mesmo do que o proposto pela ZOP1. Ademais, surgem alguns questionamentos cabíveis nesse sentido, já que, por ser um tipo de zoneamento que favorece o setor mercadológico, poderia abrir espaço para talvez uma contradição entre a privatização dos espaços e sua democratização. A sobreposição dos parâmetros urbanísticos da ZEDUS sobre a ZOP1 por incentivar o setor privado e consequentemente o mercado imobiliário pode ser prejudicial à essa região que ainda a possui exemplares históricos importantes já que traz também maior potencial construtivo e isso pode interferir na paisagem local, camuflando os exemplares de valor histórico existentes na área como é o caso do presente objeto de estudo. Uma das medidas que poderiam ser tomadas quanto a isso seria propor uma poligonal de proteção pelo menos no quarteirão do lote da Casa de Thomaz Pompeu, para que sua ambiência fosse protegida desse potencial construtivo aumentado pela ZEDUS.

248


6.3 DIRETRIZES PROJETUAIS

P

ara que no processo de projeto haja um direcionamento melhor na tomada das decisões são determinadas algumas diretrizes que servem como guia de tudo que foi posposto ao longo do trabalho permitindo que haja congruência com o conceito e o projeto. Dentre as Diretrizes projetuais deste trabalho estão: •

Diversificar os usos na região da Avenida Imperador, trazendo a proposta de um equipamento cultural e integração com espaços públicos, diminuindo a sensação de insegurança.

Diversificar ainda mais as opções de locomoção da região, inserindo a bicicleta no rol de opções.

Criar um atrativo noturno para dinamizar a região, que no período da noite fica sem movimentações.

Valorizar a ventilação e a iluminação natural.

Desapropriar terrenos subutilizados para fazer que cumpram sua função social.

Criar um equipamento democrático que contemple a valorização da história local

Preservar a casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil propondo o uso educacional voltado para o patrimônio cultural, que traga consigo o ensino, a pesquisa e a experimentação sobre a questão do patrimônio, conscientizando e sensibilizando a sociedade civil sobre a temática dentro do contexto de Fortaleza e do Brasil.

249


A

escolha do nome Cazumbá (personagem do bumba-meu-boi maranhense) veio de uma necessidade de trazer um pouco do encantamento e misticismo que envolvem as manifestações culturais brasileiras, unindo o corpo à espiritualidade e ao invisível, trazendo consigo a força dos saberes corporais e orais. Há no cazumbá um estado hipnótico, pela sua figura estranha, que mistura elementos antropomórficos na sua careta e seu corpo, portando um badalo que toca repetidamente, som que faz relação com o divino, pela lembrança dos sinos de igreja e os ferros utilizados no tambor de mina, uma espécie de alarme. Padre Bráulio Ayres diz que “é um personagem que tenta personificar a imagem do mito” (MANHÃES, 2009) A proposta do Centro de Cultura e Pesquisa dos Saberes Tradicionais Populares Cazumbá abrange um grande espectro de atividades e objetivos no que tange a preservação dos bens patrimoniais nacionais e traz um protagonismo especial àqueles saberes e oralidades que sofreram certo apagamento ao longo dos tempos, relegados a um local de pouca importância, quando deveriam representar o alicerce do que se conhece como cultura popular brasileira. Além do viés preservacionista voltado para os bens culturais intangíveis, aqueles do imaginário que justificam os fazeres manuais, o equipamento se volta também para a questão do restauro e reutilização de um edifício de valor histórico atualmente subutilizado - contemplando assim os bens tangíveis - tendo a casa Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Filho, antigo exemplar residencial de elite como objeto de estudo e intervenção. Com o intuito de agregar um equipamento cultural e de ensino a uma avenida que ao longo dos anos se tornou local preferencialmente de passagem e sem atrativos que fortaleçam o sentido da permanência, a ideia primordial do Cazumbá é promover o ensino voltado aos saberes tradicionais brasileiros, congregando a desde o aprendizado sobre as festividades, os trabalhos manuais, as brincadeiras, os cantos, as religiosidades, os misticismos e as ancestralidades até os métodos mais tecnicistas, como os métodos construtivos adotados pelo povo que aqui residiu dentro das características naturais da região, que é

250

6.4 DESCRIÇÃO DO PROJETO


tão ampla e diversa. Trazendo atividades que promovam sustentabilidade no repasse dos saberes e a valorização de técnicas tradicionais e alicerçada em parte, já no recorte cearense, pela Lei Estadual de Tesouros Vivos, não impedindo que mestres e mestras de outros estados venham a colaborar com a proposta. O equipamento funcionará como uma escola cultural, onde também receberá pesquisadores e terão como professores e sujeitos principais os Mestres e Mestras da cultura, grupos e coletividades, que com seus saberes fortalecem a identidade não só do povo cearense e nordestino como do povo brasileiro no geral. Além de encontros voltados para a troca de saberes como no caso das festividades, religiosidades e brincadeiras, serão ministrados cursos de formação em Mediação do Patrimônio, além de cursos de Restauro e Cursos de Reinterpretação de Métodos Construtivos Tradicionais, como no caso da arquitetura vernacular. Além de local de aprendizado e trocas, também será um equipamento cultural, onde ocorrerão eventos e apresentações, mostrando os bastidores das celebrações. Ademais o seguinte projeto funcionará como uma contraproposta para uma iniciativa da Secretaria da Cultura do Estado que prevê a criação de um equipamento voltado para a preservação da cultura popular com foco no Teatro, chamado Teatro de Cultura Tradicional Popular Carlos Câmara, utilizando-se da estrutura já existente do Teatro Carlos Câmara.

251


A

partir do conceito e descrição do projeto foi desenvolvido um programa de necessidades que trouxesse o viés cultural juntamente com o educativo, dividindo-se em alguns setores considerando também uma certa diversidade e dinamização dessa região do centro que carece de usos de serviço, de ensino e de cultura. Dessa forma o projeto está dividido em três setores: cultural, educacional e de pesquisa e serviços.

6.5 PROGRAMA DE NECESSIDADES

CULTURAL: Corresponde a um setor que muitas vezes se confunde com o educacional, esse setor surge a partir da necessidade de ativar culturalmente a região, que hoje apresenta poucos equipamentos voltado pro setor, tornando-se ponto de encontro e de conhecimento na parte oeste do centro. EDUCACIONAL/PESQUISA: Corresponde a um setor que traz o viés da criação e da educação para o patrimônio, onde os principais atores serão os mestres da cultura, atuando como educadores do patrimônio no edifício. Além disso também terá uma região de pesquisa, para que sejam produzidos estudos acerca da cidade de Fortaleza, incentivando a pesquisa acadêmica, contemplando além dos saberes populares, os saberes eruditos. SERVIÇOS: Corresponde a um setor carente na região, correspondendo a locais que oferecem serviços como é o caso de restaurantes, cafés etc. Nesse caso, no setor de serviços do projeto será implementado um Café, que terá o intuito de ativar esse recorte do centro no final da tarde, procurando fortalecer o sentimento de segurança na região, que tem seus serviços encerrados a partir das 17h.

Tabela 4 Programa de Necessidades. Fonte: LUOS.

252


Ambiente

Área (m)

Quantidade

Sala de pesquisa e estudo

82,71

1

Acervo especial de pesquisa científica

37,04

1

Sala de conservação e restauro dos livros

28,77

1

Sala de aula conservação e restauro

47,48

1

Laboratório de técnicas de arquitetura tradicional

34,98

1

Sala de aula teórica/conservação

93,17

3

Laboratório de confeção de caretas

42,37

1

Laboratório de cerâmica

34,29

1

Laboratório de gravura

34,51

1

Laboratório de escultura de gesso e madeira

34,95

1

Sala de cantos e instrumentos musicas tradicionais

36,59

1

Sala de audiovisual

21,4

1

Auditório

68

1

WC Feminino

80

6 (2 PCD)

Vestiário

27

1

WC Masculino

80

6 (2 PCD)

Cozinha

173,19

1

Refeitório

173,19

1

Tipo

Estudo e Pesquisa

Uso Geral

253


254

Carga e Descarga

25

1

Recepção Anexo

70

1

Secretaria

9,82

1

Sala dos mestres

35,5

1

DML Anexo

4,81

1

Copa Anexo

6,66

1

Sala reunião

23,67

1

Sala direção

11,5

1

Terreiro

47,88

1

Recepção e DML Casarão

24,63

1

Guarda-volumes

14,8

1

Hall de entrada

16,9

1

Sala de Exposições

218,57

1

Sala de oficinas do educativo

22

1

Sala do educativo

26,12

1

Reserva técnica

16,47

1

Cozinha Café

13,85

1

Dispensa

6

1

Portaria para subsolo

12,61

1

Subsolo

587,74

1

DML

3,18

1

Administrativa

Cultural


Pátio das Ervas

-

1

Pátio das oralidades

-

1

Pátio dos ofícios

-

1

Espaço Livre

255


D

urante o processo de concepção do projeto arquitetônico e de restauro, o entorno imediato da edificação foi bastante importante para direcionar algumas decisões no que se refere à arquitetura, apesar do foco não ser no projeto urbanístico. Dessa forma foram analisadas algumas questões externas a edificação que caso solucionadas ou direcionadas à solução favoreceriam o bom uso e a valorização de bens remanescentes locais. A partir dos conflitos verificados tanto nas entrevistas quando na análise dos mapas de mobilidade, uso do solo e zoneamento foi possível criar uma tabela SWOT com a finalidade de propor algumas diretrizes que poderiam solucionar problemas do entorno que interferem diretamente no bom aproveitamento do uso da Casa de Thomaz Pompeu. Dessa forma, foi possível sintetizar as problemáticas no mapa 20, tornando-as mais palpáveis os problemas, culminando em um mapa de diretrizes (Mapa 21). Nesse mapa, como o próprio nome já diz, foram propostas algumas modificações nas vias que circundam o bem, onde o intuito é oferecer uma experiência agradável desde a parte externa à edificação alvo do restauro até sua parte interna. Dessa forma foram propostos corredores culturais em três vias, com a diminuição da velocidade dos veículos tornando esse espaço externo um espaço mais agradável e menos agressivo à caminhabilidade. Nesses espaços teriam totens informativos contando a história da expansão de Fortaleza para Jacarecanga e Benfica. Na Avenida Princesa Isabel foram propostos horários de funcionamento para carga e descarga visto que a via, além de comportar alguns estacionamentos, também abriga o espaço de carga e descarga do Beco da Poeira. A fim de solucionar a poluição visual ocasionada pelas paradas de ônibus localizadas próximas à fachada do bem foi proposta sua mudança da mesma para próximo à esquina do lote do Beco da Poeira, tirando proveito da parada obrigatória em decorrência da presença do sinal. Outras propostas para favorecer a caminhabilidade local foram a elevação da faixa de pedestres na Avenida Imperador e elevação de um trecho da via, favorecendo os fluxos de quem se desloca da praça da lagoinha em direção ao Beco

256


6.6 PARTIDO CONCEITUAL

Tabela 5 Tabela Swot. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

257


258


da Poeira além do aumento da largura das calçadas, permitindo uma caminhada mais agradável e favorecendo as visuais da edificação. Também foi proposta a permanência da arborização do canteiro central da Avenida Imperador, mas sem prejudicar as visuais do bem. As fachadas dos remanescentes arquitetônicos da Rua Princesa Isabel foram evidenciados nos mapas, isso por que também serão utilizados na proposta de reutilização como objetos de estudo e para atividades de prospecção, favorecendo a educação para o patrimônio. Algumas dessas edificações estão também subutilizadas, dessa forma haverá um incentivo à ocupação desses espaços.

Legenda

Mapa 22 Mapa de Problemáticas. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

259


260


Legenda Adoção de Casas Históricas como objeto de estudo do Centro de Cultura e Pesquisa. Requalificação da Rua Princesa Isabel: Arborização e criação de via pedonal com horarios específicos para carga e descarga Criação de Corredores Culturais no quarteirão da edificação com elevação da Avenida Imperador e das vias do entorno. Propor também uma diminuição de velocidade. Elevação da faixa de pedestre já existente Aumento das calçadas na Av. do Imperador Criação de um planejamento de locação dos comerciantes informais na praça da lagoinha, para que seja possível comportar também as atividades do Centro de Cultura e Pesquisa. Criação de Ciclofaixa Cri Mapa 23 Mapa de Diretrizes. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

Relocação da parada de ônibus

261


Figura 113 Ilustração da Avenida Imperador. Fonte: Elaborado pela Autora, 2020.

262


A partir das análises feitas e levando em consideração o entorno da edificação, ou seja, a ideia do restauro pensado juntamente com o contexto social e urbanistico local, somado ao que foi determinado no programa de necessidades, foi possível pensar em soluções formais e funcionais adequadas à necessidade do projeto de restauro e reutilização. A valorização dos espaços livres, da presença de jardins e o contato com a natureza é um dos pontos fortes pensados para o partido, visto que a presença de espaços livres e com vegetação, além de colaborar para a criação de um microclima agradável – ponto intensamente requisitado nas entrevistas - e favorecer a permanência, preserva as principais visuais da edificação a ser restaurada. Na figura 114 temos o terreno final a ser utilizado, desapropriando os terrenos já citados e apresentando sua composição perspectivada. A Partir da adoção desses espaços livres dentro do lote foi pensada a composição formal da edificação anexa, de forma a respeitar toda a visual dos edifícios pré-existentes. Nesse caso, duas edificações remanescentes foram utilizadas, a casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil e a Casa amarela localizada exatamente ao seu lado, por guardar características fortes da arquitetura local além de representar um bem de valor histórico. Na Figura 114 pode-se perceber a implantação dos fluxos e dos usos dentro do lote. Foram determinados três tipos de fluxos, o fluxo principal, que corresponde ao fluxo cotidiano, permitindo a permeabilidade do terreno e conectando facilmente a Rua Princesa Isabel à Avenida do Imperador. O fluxo secundário, que corresponde ao fluxo de manutenção e carga e descarga de materiais, que funcionará em horários predeterminados. E finalmente o fluxo terciário, que representa um fluxo eventual, que será utilizado apenas quando forem acontecer atividades ou apresentações abertas ao público. A partir da implementação dos fluxos e das massas de uso começou-se a pensar nas características formais do edifício anexo, e também nos materiais a serem utilizados em sua composição. O material principal escolhido para a edificação anexa é o concreto armado aparente, a escolha se deu devido a sua coloração acinzentada que não representa grandes contrastes com a coloração da Casa de Thomaz Pompeu mas deixa perceptível a diferença de textura e tempo entre

263


Figura 114 Imagem do terreno a ser desapropriado e utilizado para a proposta. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

264


Figura 115 Plano de Massas e Fluxos. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

265


eles, mostrando que são materiais diferentes. Enquanto o material que reveste a casa é possivelmente composto por uma argamassa de pedra e cal, utilizado bastante antigamente, dando uma textura específica para o edifício, o prédio anexo apresenta uma textura mais linear e lisa, um acabamento mais “polido”. Além disso o concreto já é um material bastante utilizado na construção civil local, possuindo mão de obra de fácil acesso e especializada, facilitando sua concepção. Foram escolhidos também materiais mais naturais para compor, que remetesse a esse contato entre o homem e a natureza, aplicando nas esquadrias e em outros elementos formais a madeira, trazendo dessa forma uma leve associação com a arquitetura vernacular. Os vazios foram pensados nas laterais dos edifícios históricos, trazendo o enfoque para as mesmas. O Estacionamento, direcionado apenas aos funcionários, está localizado na parte posterior do lote na Rua Princesa Isabel, que representa menor fluxo automotivo. Foi pensado também um mirante no edifício anexo, para que no momento em que as pessoas subissem no edifício pudessem ter um contato visual e experiência completa de vivência dentro do mesmo.

266


Figura 116 Perspectiva isométrica do lote com a implantação dos edifícios. Fonte: Acervo da Autora, 2020.

267


268


6.7 O PROJETO

O

presente projeto surge da necessidade de restaurar e propor um novo uso para a Casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, adequando todo o lote ao uso de um Centro Cultural e de Pesquisa dos Saberes Tradicionais Populares, colaborando para a educação patrimonial e fazendo cumprir a função social do lote inicial da casa e seus agregados que antes estavam sem uso ou, em sua maioria, ocupados por estacionamentos. A edificação principal pré-existente sofreu poucas modificações, dentre elas pode-se destacar a inserção de uma circulação vertical por meio de uma plataforma elevatória no interior da edificação e a retirada da passarela existente, derivada do último restauro. Uma edificação lateral, como já foi mostrada, também foi agregada ao projeto e sofreu poucas intervenções, sendo elas principalmente de manuteção e conservação, visto que também possui valor arquitetônico e histórico. Ademais foi inserido um anexo moderno. Todas as intervenções serão detalhadas a seguir.

269


Praça da Lagoinha

1

Planta de Situação 270

1/1000


271


272


273


3,30

CC

DD

4,50

BB

AA

2 6,07

Telha Francesa

HH 24,00

EE

Telha Cerâmica

3,93

Telha Cerâmica

22,28

1

Planta de Locação e de Coberta 1274

1/300


GG

14,79

4,04

4

FF

3

Laje Impermeabilizada

5

3,66

275


A intervenção na edificação pré-existente que representa a Casa de Thomaz Pompeu, busca trazer maior acessibilidade e conforto para quem virá a utilizar esse espaço. O intuito é de abrigar em seu espaço um total de três exposições permanentes: a exposição Sobre as Oralidades, a exposição sobre a História da Casa de Thomaz Pompeu e a exposição da História da Rede. Dentre as principais modificações na edificação tem-se a implantação e uma plataforma elevatória, afim de adequar o projeto às normas de acessibilidade, e a retirada de uma parte adicionada, que se assemelha a uma ponte na lateral do edifício, que provavelmente foi inserida em seu último restauro. As práticas adotadas no edifício foram em peso conservativas, visto que o edifício ainda encontra-se em um bom estado, sem necessidade de um grande restauro ou grandes intervenções.

276


277


0,05

0,05

0,05 0,05

278

0,05


0,05

0,05

0,05

0,05

279


Demolir/ Construir Pavimento Nobre 1

Legenda Construir

280

Demolir


Fechamento da porta, impedindo a passagem, a fim de que haja um melhor direcionamento de circulação dentro da exposição.

281


282


283


No pavimento que representa o Porão Alto será instalada a exposição das oralidades, essa exposição irá explicar conceitos como o de Tradição, o de Repasse de Saberes e o de Patrimônio Cultural, além de trazer a história de alguns mestres que tem a oralidade como mecanismo principal de repasse. Também contará com a instalação de televisões para a mostra de áudio-vídeos produzidos na própria escola em conjunto com os mestres onde serão expostos alguns saberes de forma rotativa, ou seja os áudio-videos estarão em constante produção mas também em constante circulação, favorecendo maior diversidade e novidade a cada visita. Além dessa exposição será implantado um espaço para guarda-volumes -onde ficará também a circulação vertical - e uma recepção, onde poderão ser distribuídos áudios explicativos nas mais variadas línguas para que qualquer pessoa possa ter acesso às informações, o hall de entrada contará com uma maquete tátil com explicações em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) trazendo maior acessibilidade ao museu.

284


285


Legenda -------- Fluxo da Exposição

BB

AA

Planta de Layout Porão Alto 1286

1/125


2

Planta Técnica Porão Alto

Aplicação do adesivo Vinilico

1/125

Instalação de maquete tátil

Instalação de equipamento audiovisual

287


No pavimento que representa o Pavimento Nobre 1 será implantada a exposição sobre a história da Casa de Thomaz Pompeu, o intuito dessa exposição é conectar o visitante à edificação, explicando a história da casa desde sua construção, ao contexto urbano em que foi construída até seus métodos construtivos e justificando sua importância para a história da cidade. Além disso, é nesse andar que contará com uma sala de educação, essa sala tem o intuito de comportar oficinas referentes às exposições e promovidas pelos Arte-Educadores do museu, contribuindo ainda mais com o aprendizado dentro do espaço.

288


289


Legenda -------- Fluxo da Exposição

BB

AA

Planta de Layout Pavimento Nobre 1 1 290

1/125


2

Planta Técnica Pavimento Nobre 1 1/125

291


No último pavimento, que corresponde ao Pavimento Nobre 2 será implementada uma exposição contando e aprofundando o saber do trançado da rede, contando com a história das principais mestras do trançado de rede e fazendo a relação entre esses saberes e as fábricas de rede de dormir da família de Thomaz Pompeu. Esse andar também contará com a sala do Educativo, uma sala criada para reuniões, planejamento e criação de oficinas por parte dos educadores.

292


293


Legenda -------- Fluxo da Exposição

BB

AA

1

294

Recorte de um setor do piso, preservação da viga metálica existente (do restauro anterior) e insercção de outra viga perpendicular à existente e um pilar metálico

Planta de Layout Pavimento Nobre 2 1/125


2

2

Planta Técnica Pavimento Nobre 2 1/125

295


Coberta 10,55

Pav. Nobre 2 6,83

Pav. Nobre 1 2,48

Porão Alto 0,05

1

Corte AA

296

1/125


297


BB

AA

1

Planta de Coberta

298

1/125


Coberta 10,55

Pav. Nobre 2 6,83

Pav. Nobre 1 43

2,48

5

Porão Alto 0,05

2

Corte BB 1/125 299


A edificação que abrigará o uso do Café também é uma edificação de valor histórico e que merece atenção. Diferente da Casa de Thomaz Pompeu, ela foi bastante descaracterizada, apesar disso, duas de suas aberturas frontais foram mantidas devido à necessidade de fornecer uma boa ventilação dentro dos ambientes internos. O Levantamento interno da edificação foi cedido por Marina Câmara e foi com base no documento elaborado por ela, que foi possível readequar o uso da casa. Esse espaço conta com uma cozinha, uma despensa, banheiros acessíveis e um depósito de materiais de limpeza para servir o bloco, o intuito de implementar um café nesta área do lote é o de ativar a região, que é considerada insegura na parte do final da tarde e noite.

300


301


CAFÉ HH

EE

1

Planta Layout Café

302

1/125


2

Planta Técnica Café 1/125 303


304


305


306


307


O pavilhão anexo comporta o setor educacional e o setor administrativo do Centro de Cultura e Pesquisa dos Saberes Tradicionais Populares. Esse bloco funcionará como um espaço educativo que abrigará principalmente atividades formais, visto que para a aplicação de técnicas tradicionais, são necessários espaços com determinadas especificidades supridos de materiais e ferramentas para cada atividade de ofício a ser proposta. Entretanto o pavilhão possui uma composição modular de 6 por 8 metros, que permite que os espaços se adequem a diversos tipos de atividades, promovendo maior liberdade e conexão ao meio externo, possibilitando encontros e trocas mais ricas e impedindo que a estrutura se torne engessada e se restrinja a quatro paredes, se adequando também a atividades mais espontâneas e informais. Essa conexão fluida foi pensada a partir da dinâmica das manifestações e celebrações populares, que não acontecem em espaços fechados e rígidos mas sim em contato direto com a natureza, um dos partidos do projeto, em grandes e amplos espaços externos. O trecho a seguir, retirado do Livro Fogo no Mato, de Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino, reforça esse pensamento: “Certa vez em uma conversa com um mestre jongueiro, ele narrou sobre o convite que recebeu de uma escola de sua região para ensinar o jongo: “Eu fiquei muito feliz do convite e logo me arrumei para conhecer a escola, que até então eu não conhecia. Fiquei mais contente ainda quando cheguei por lá e me dei com um lugar, dentro da escola, que lembrava o quintal la de casa nos tempos que eu era menino. O chão era de terra e isso para o jongo é importante e tinha até umas folhas de bananeira que caíam do terreno vizinho para dentro da escola. Pronto, é aqui que eu vou armar a roda com os meninos. Mas, sabe meu filho, acabou que o jongo por lá não vingou. A escola já tinha planos pra mim e queria me colocar um bocado de tempo em cada sala de aula, como fazem com os outros professores diplomados. E aí eu te pergunto, como se faz um negócio que é redondo em um lugar que é quadrado?”

O Edifício anexo por comportar grandes vãos possui uma estrutura toda em concreto armado com laje nervurada unidirecional apoiados sobre pilares de 20x30 cm e vigas-faixa de 1,20cm de largura.

308

Figura 133 Processo de Concepção do Bloco Anexo. Fonte: Acervo da Autora, 2020.


1. Continuidade e alinhamento respeitando a visual da edificação pré-existente

2. Inicio da adoção de cheios e vazios para uma ventilação mais eficiente dos blocos

3. Diminuição de impacto visual na edificação pré-existente com o rebaixamento de um dos blocos

4. Implantação de uma circulação horizontal, trazendo uma maior conectividade entre os blocos e criando um local de contemplação

5. Finalizando a adoção de cheios e vazios criando um balanço que permite uma proteção maior contra a insolação no andar inferior e favorecendo aspectos da ventilação

6. Concepção final do bloco anexo.

309


A estrutura do edifício anexo é bastante robusta devido principalmente aos seus grandes vãos e balanços. Dessa forma, é composto por estruturas modulares de 6 m por 8 m, o que permite certa flxibilidade na composição dos ambientes levando em consideração mudanças futuras caso seja necessária uma readequação de uso. Para suportar essa estrutura foi adotada a solução de laje nervurada e viga-faixa.

Viga-Faixa de 1,20 x 0,30 m Laje nervurada Sapatas isoladas de 1m x 1m

310

Pilares de concreto armado de 0,20x0,30 m


311


312


313


Na parte térrea, como já foi dito, estão presentes os usos administrativo e educacional, enquanto que a parte superior comporta parte do setor educativo, o setor de pesquisa, como biblioteca, sala de pesquisa e sala de restauro de livros e o setor de atividades gerais, como o refeitório e a cozinha. Além disso o edifício permite uma visual ampla para o bem patrimonial, permitindo seu maior protagonismo também com a implementação de um mirante. As turmas serão pequenas, de aproximadamente 15 alunos por sala de aula trazendo um caráter mais intimista e as aulas acontecerão no turno da tarde e da manhã. Entre os turnos de manhã e tarde poderão ser recebidos até 100 alunos na escola. Seu público alvo serão jovens de 15 a 25 anos, sem excluir a possibilidade de receber crianças pontualmente para atividades educativas museais e experimentações da escola e aceitando também faixas etárias mais altas caso haja demanda. Esse pavilhão também comporta um pequeno estacionamento para os funcionários da escola, totalizando 15 vagas e atingindo a meta de 10% das vagas para pessoas com dificuldade de locomoção. Os elevadores da escola foram locados em pontos estratégicos da edificação, um deles é uma plataforma elevatória, fica próximo à sala dos mestres da cultura e sua função é servir apenas a este público com mobilidade reduzida. O outro elevador, posterior ao lote, funciona como carga e descarga e pode ser usado de forma mais frequente, por ser maior e comportar maior quantidade de pessoas.

314


315


316


317


CC

SETOR 1 TÉRREO

DD

1

318

Planta Layout Pavimento Terreo Setor 1 1/125


2

Planta Técnica Pavimento Térreo Setor 1 1/125 319


Criação de um ladrilho de 30x30 cm para que o usuário possa apoiar o pé completo remetendo às brincadeiras da infância como a amarelinha

1

320

Planta Técnica Pavimento Superior Setor 1 1/125

2


2

Junta de dilatação de 1cm

CC

Ladrilho Arruda 1/10 Junta de dilatação de 1cm

DD

Ladrilho Espada 1,10

Det 1 Junta de dilatação de 1cm

Ladrilho Alecrim

1/10

Planta Layout Pavimento Superior Setor 1 1/125

3

Det. 1 - Paginação 1/50 321


322


323


324


325


CC

SETOR 2 TÉRREO

EE

Planta Técnica Pavimento Térreo Setor 2 1 326 1/125


FF

327


CC

SETOR 2 TÉRREO

EE

1

Planta Layout Pavimento Terreo Setor 2 328

1/125


FF

329


CC

Parede de Tijolinho

EE

Planta Técnica Pavimento Superior Setor 2 1 330

1/125


FF

331


CC

SETOR 2 SUPERIOR

EE

1

Planta Layout Pavimento Superior Setor 2 332 1/125


FF

333


SETOR 3 TÉRREO

EE

Planta Técnica Pavimento Térreo Setor 3 1 334 1/125


GG

Carga e Descarga

335


SETOR 3 TÉRREO

EE

Planta Layout Pavimento Térreo Setor 3 1 336

1/125


GG

337


SETOR 3 SUPERIOR

EE

Planta Técnico Pavimento Superior Setor 3 1 338 1/125


GG Jardim Interno

339


SETOR 3 SUPERIOR

EE

Planta Layout Pavimento Superior Setor 3 1 340 1/125


GG

9 8 7 6 5 4 3 2

10 11 12 13 14 15 16 17 18

s

341


342


343


EE

344


GG

S

345


Coberta 6,70

Pav Superior 3,20

Pav Térreo 0,05

346

1

Corte CC (Geral) 1/125


347


Pergolado de Madeira

1 348

Corte DD 1/125


349


Caixa D’agua

Parte 1

10,70

Coberta 6,70

Pav Superior 3,20

Pav Térreo 0,05

1 350

Corte EE (Geral) 1/300


Parte 2

Parte 3

0

3

6

9

12m

351


Caixa D’água 10,70

Coberta 6,70

Pav. Superior 3,20

- 3,20

1 352

Corte EE SETOR 1 1/125


353


3,20

0,0

1 354

Corte EE SETOR 2 1/125


0

03

Coberta 6,70

Det. 3 +3,23

Pav. Superior 3,20

+0,05

- 3,20

355


Peça horizontal com perfurações para chumbador

S3

S2

Peça vertical encaixada na peça horizontal

2

Seção 1 - Det. 3 1/10 S1

Detalhe 2 - Jardim Interno

1

Detalhe 3 - Brise de Madeira 1/10


Peça de madeira vertical

Placa de madeira para vedação das perfurações Perfuração de dois cm de diâmetro para introdução do chumbador Chumbador Peça de madeira horizontal chumbada no concreto Parede de Concreto

4 Encaixe da peça vertical na peça horizontal

Madeira chumbada no concreto

3

Seção 2 - Det. 3 1/10

Parede de concreto

4

Seção 3 - Det. 3 1/10

Isométrica Sem Escala


0,05

1

358

Corte EE SETOR 3 (CAFÉ) 1/125


Coberta

Coberta

6,05

3,69

10,00

6,05

1,09

Pav. Superior

Pav. Superior

+0,05

0,05

0,05

2

Corte HH (CAFÉ) 1/125

359


Caixa D’água 10,70

+6,70

Coberta 6,70

Pav. Superior 3,20

Pav. Térreo 0,05

360


361


Coberta 6,70

Pav. Superior 3,20

- 3,20

1 362

Corte GG 1/125


363


Portão de correr de Madeira Guarda-corpo de madeira com impermeabilizador Fechamento de madeira com vegetação

1

364

ELEVAÇÃO 1 1/125


Aberturas preexistentes preservadas com fechamento em vidro

Letreiro de Acrílico

Brise de Madeira

Concreto Aparente

365


Árvore preexistente

Guarda-corpo em madeira impermeabilizada Esquadrias em madeira

1

366

ELEVAÇÃO 2 1/125


Brise de Madeira Concreto aparente

367


Concreto aparente

Esquadrias em madeira

1

368

ELEVAÇÃO 3 1/125


Cancela Estacionamento

369


Jardim Interno

Esquadrias em madeira

1

370

ELEVAÇÃO 4 1/300

Brise de Madeira


Concreto aparente Peitoril em madeira

371


Brise de Madeira

1

372

ELEVAÇÃO 5 1/300


Concreto aparente Esquadrias em Madeira

373


Pensando na logística das atividades a serem propostas pelo projeto e das corporalidades e performances que virão a acontecer no equipamento, foi elaborada uma proposta de paisagismo que abraçasse a causa dos saberes e fazeres tradicionais, incentivando ao máximo a espontaneidade dessas práticas e o não engessamento das estruturas. Dessa forma foram propostos três espaços externos às edificações que se mostrassem convidativos para seu uso, tanto pelos mestres quanto pelos alunos, e os quais apresentassem possibilidades de ensino das práticas tradicionais, como o reisado, o jongo, contações de histórias e até mesmo os dramas. Ao entrar no equipamento o usuário se depara primeiramente com um corredor de buquês de espada de São Jorge, essa planta é uma planta herbácea que representa bastante o sincretismo cultural e religioso presente no Brasil. Nas religiões de matriz africana ela simboliza a espada de Ogum, sincretizado como São Jorge nas religiões cristãs. São Jorge segundo a mitologia que o cerca e suas histórias, num embate com um dragão, saca uma espada que mata a fera, a espada portanto representa proteção, e muitas vezes é colocada na porta de entrada das casas como símbolo contra o mau olhado e às más energias. Logo após a passagem pelo corredor de São Jorge/Ogum, abre-se um espaço chamado de Pátio Herbal, que guarda uma experiência olfativa e visual no que se refere aos saberes medicinais atrelados à memória dos povos originários, comportando algumas plantas herbáceas como a Arruda, a Erva Cidreira e novamente Espada de São Jorge, trazendo maior sensibilidade para quem usufrui do local, se caracterizando por ser um espaço onde os cheiros guiam o usuário para experiências singulares. Após a passagem pelo Pátio Herbal tem-se uma bifurcação, pela qual o usuário pode ser direcionado para os pátios educo-culturais, onde acontecem as trocas educativas entre mestres da cultura e usuários/alunos. O primeiro deles chama-se Pátio das Oralidades que comporta dois ambientes ao ar livre, o primeiro ambiente trata-se de um “palco” amadeirado onde é possível que aconteçam as feiras mensais dos mestres, onde serão expostos os objetos produzidos pelos mesmos, como também ocorrerão nesse espaço mostras educativas sobre o Drama, e tudo o que está por trás dessa prática sócio-cultural familiar.

374


O segundo ambiente do Pátio das Oralidades representa uma área livre onde ocorrerão as mostras e performances educativas acerca das manifestações sócio-culturais, como brincadeiras de reisado, do boi, o jongo, entre tantas outras, esse espaço tem contato direto com a rua, mostrando que a cidade está intimamente relacionada com o equipamento e os dois não se diferenciam, representando a mesma encruzilhada. Esses dois ambientes possuem poucas espécies arbóreas, visto que são espaços que favorecem e protegem a visual da Casa de Thomaz Pompeu, dessa forma foi pensado um espaço com maior presença de vegetação rasteira, como é o caso da forração de Hera e a presença de uma espécie arbustiva, a Norantea. A presença de espécies arbóreas não é forte nesse espaço, entretanto não é inexistente visto que se localizam nas extremidades do terreno em respeito ao visual do edifício a ser preservado, como é o caso do Pau-Branco e do Cajueiro. O Cajueiro está fortemente presente na memória afetiva e cotidiano do cearense, dessa forma é imprescindível sua presença e a possibilidade de colher um caju para consumo próprio durante alguma atividade. Por último, na parte posterior do lote tem-se o Pátio dos Ofícios, que também se divide em dois ambientes. O primeiro deles representa uma área bastante suprida de vegetação arbórea de médio porte como o Ipê amarelo (espécie escolhida como símbolo da cidade de Fortaleza), o Cajueiro e o Pau- Branco. Nesse ambiente existe um palco que tem a função de abrigar e expor o que foi produzido pelos alunos da escola, além de também funcionar como local de contemplação da fauna. O segundo ambiente representa uma região esvaziada, que funcionará como local de aplicação de técnicas vernaculares e exteriorização de alguma atividade que necessite de um espaço mais amplo para ser executada. No terreno foram preservadas três espécies de árvores: dentre elas oito palmeiras, que se localizam na parte frontal do lote e segundo o Manual de Intervenção em Jardins Históricos, as palmeiras eram bastante simbólicas visto que na Europa representavam privilégio real, evidenciando seu caráter elitista aqui no Brasil; Uma árvore de grande porte na parte mediana do lote, que aparenta representar uma mangueira, pelas suas folhas e seu tamanho; e cinco Paus-Branco localizados na parte posterior do lote.

375


Planta de Paisagismo

376


Legenda Vegetação Pré-existente

377


QUADRO DE ESPÉCIES N. Popular Espada de São Jorge

Bouganville

Tipo

Sansevieria guineensis

Arbusto

1,5

Arbusto/ Trepadeira

-

Bougainvillea spectabilis

Altura

Norantea

Norantea brasiliensis

Arbusto

1,5 a 4 m

Palma

Opuntia cochenillifera

Cacto

Até 3 m

Xique-xique

Pilocereus gounellei

Cacto

Até 4 m

Arruda

Ruta graveolens

Herbácea

Até 1 m

Erva Cidreira

Lippia Alba

Herbácea

Até 1 m

Tabebuia chrystricha (Mart EX. DC)

Árvore

Entre 4 e 8 m

Anacardium ocidentale

Árvore

Entre 4 e 8 m

Auxema oncocalix

Árvore

Entre 1,5 e 4 m

Hedera canariensis Willd.

Forração

Rasteira

Ipê Amarelo

Cajueiro

Pau Branco

Hera

378

N. Científico

Imagem

Ilustração


379


380


381


“É nas cidades e é através da escrita que se registram os acúmulos e os conhecimentos. Na cidade-escrita, habitar ganha uma dimensão completamente nova, uma vez que se fixa em uma memória que, ao contrário da lembrança, não se dissipa com a morte. [...] A Arquitetura é ao mesmo tempo continente e registro da vida social. Quando um palacete se transforma num cortiço confere-se um novo significado para o território, escreve-se um novo texto. É como se a cidade fosse um imenso alfabeto com o qual se montam e se desmontam palavras, frases, poemas.” Camila Assad, Desterro, 2019.

382


considerações finais

383


R

estaurar um edifício em uma região como o centro da cidade de Fortaleza requer cautela, visto que é imprescindível que sejam levados em consideração todos os fatores externos que repercutem naquele imóvel. Dessa forma, foi a partir da ideia do restauro da casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil que surgiu a proposta do Centro de Estudo e Pesquisa dos Saberes Tradicionais Populares: Cazumbá. Percebeu-se ao longo do processo metodológico que o contato afetuoso com a história de um local é fator determinante em sua preservação a longo prazo. É um dos principais caminhos para recriar a relação entre o patrimônio cultural e seus cidadãos, reconectando-o à vida urbana e criando novos laços afetivos com quem se utiliza de determinada localidade. Ademais com todo o processo, fortaleceu-se a importância de uma educação diversa e inclusiva, que perpasse os meios formais de ensino e adentre a vida social, os contextos sociais de cada comunidade, observando com encantamento como tudo se comporta no espaço e a importância de cada agente dentro daquele contexto. Dessa forma, o Projeto do Centro de Cultura e Pesquisa dos Saberes Tradicionais Populares gera uma contrapartida social favorável à preservação da história da cidade, sem se distanciar da cultura de rua, incentivando a valorização da educação patrimonial como ferramenta primordial de mudança de uma realidade que insiste em negar a história que a cidade quer contar, pois construir cidades é também uma forma de escrita.

384


385


386


referências bibliográficas

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ENTREVISTA 1 Mulher, entre 18 e 30 anos. Pesquisadora (Pq) - Com que frequência você passa pela avenida Imperador? Por que motivo? (lazer, apenas rota de passagem, trabalho, compras) Entrevistado (En) - Semanalmente, como rota de passagem e para fazer compras. Pq - Quais sentimentos te despertam o caminhar pela Avenida Imperador? podem ser sentimentos bons ou ruins. En - Insegurança. Medo de sofrer assédio ou ser assaltada. Pq - O que você acha que poderia ser melhorado na Avenida imperador e seu entorno? En - Investimento em Iluminação, limpeza urbana, reforma nas paradas de ônibus. Pq – Você sabe que casa é essa? Conte um pouco sobre o que você sabe. En – Não Sei. Pq – Qual a sensação que a Casa de Thomaz Pompeu te passa? En – Traz uma sensação de muitas histórias vividas e também o sentimento de nostalgia. Pq - Existe outra edificação antiga pelas redondezas que você acredite que traga sensações semelhantes à esta? Se sim, qual? En – Sim, a Praça do Passeio Público.

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9. anexos

ENTREVISTA 2

9.1 ANEXO 1 TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

Mulher, entre 18 e 30 anos. Pesquisadora (Pq) - Com que frequência você passa pela avenida Imperador? Por que motivo? (lazer, apenas rota de passagem, trabalho, compras) Entrevistado (En) – Antes da pandemia, semanalmente, fazia o percurso casa-trabalho e mensalmente vinha a lazer, fazer compras. Pq - Quais sentimentos te despertam o caminhar pela Avenida Imperador? podem ser sentimentos bons ou ruins. En – Sempre fico tentando imaginar o movimento das pessoas na época em que as edificações antigas foram construídas, eu amo fazer isso. Em alguns pontos da Avenida me sinto insegura, principalmente o trecho em que se está chegando na Avenida Domingos Olímpio. Pq - O que você acha que poderia ser melhorado na Avenida imperador e seu entorno? En – O conforto ao caminhar e a sombra, a prioridade da avenida se tornou o carro. Pq – Você sabe que casa é essa? Conte um pouco sobre o que você sabe. En – Sei que a casa possui mais de 100 anos, tem dois pavimentos além de um porão mais elevado que os comuns da época, é considerada eclética (como quase tudo aqui no Ceará), se não em engano é tombada pelo município, seu proprietário era um rico empresário e está sem uso apesar de já ter sido um órgão público. Pq – Qual a sensação que a Casa de Thomaz Pompeu te passa? En – Parece que saiu de um filme do Tim Burton. Mas fora isso o jardim fron-

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tal me passa a ideia de que foi construído para a exibição da riqueza de seus donos, onde todos podiam passar na rua e observar o quanto Tomaz Pompeu e seus convidados eram elegantes com seu chá no jardim diante de sua casa refinada. Pq - Existe outra edificação antiga pelas redondezas que você acredite que traga sensações semelhantes à esta? Se sim, qual? En – Não, pelo centro não. ENTREVISTA 3 Homem, entre 18 e 30 anos. Pesquisadora (Pq) - Com que frequência você passa pela avenida Imperador? Por que motivo? (lazer, apenas rota de passagem, trabalho, compras) Entrevistado (En) – Uma média de três vezes na semana, sempre que visito meus pais, que moram próximo. Pq - Quais sentimentos te despertam o caminhar pela Avenida Imperador? podem ser sentimentos bons ou ruins. En – O início dela, mais próximo a parte cultural do centro é de convívio com a cidade e nostálgico, porém, depois do cruzamento com a Avenida Duque de Caxias, acho pouco convidativa aos pedestres e o fluxo de veículos é bastante intenso. Pq - O que você acha que poderia ser melhorado na Avenida imperador e seu entorno? En – Acho que o aumento das calçadas, melhor pavimentação e arborização. Pq – Você sabe que casa é essa? Conte um pouco sobre o que você sabe. En – Sim, mas não conheço sua história, sempre me veio à mente que pela sua

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posição na cidade, sem dúvidas, um potencial de articulação cultural enorme. Pq – Qual a sensação que a Casa de Thomaz Pompeu te passa? En – Resistência. Pq - Existe outra edificação antiga pelas redondezas que você acredite que traga sensações semelhantes à esta? Se sim, qual? En – Algumas casas no entorno da Rua Agapito dos Santos, mas não me vem nada específico à mente. ENTREVISTA 4 Mulher, entre 18 e 30 anos. Pesquisadora (Pq) - Com que frequência você passa pela avenida Imperador? Por que motivo? (lazer, apenas rota de passagem, trabalho, compras) Entrevistado (En) – Todos os dias. Pq - Quais sentimentos te despertam o caminhar pela Avenida Imperador? podem ser sentimentos bons ou ruins. En – Medo, estresse, calor e nostalgia. Pq - O que você acha que poderia ser melhorado na Avenida imperador e seu entorno? En – Acho que o sombreamento, com arvores e melhorar o caminhar nas calçadas. Pq – Você sabe que casa é essa? Conte um pouco sobre o que você sabe. En – Não muito.

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Pq – Qual a sensação que a Casa de Thomaz Pompeu te passa? En – Respiro. Pq - Existe outra edificação antiga pelas redondezas que você acredite que traga sensações semelhantes à esta? Se sim, qual? En – A Praça José de Alencar como um todo. ENTREVISTA 5 Homem, entre 18 e 30 anos. Pesquisadora (Pq) - Com que frequência você passa pela avenida Imperador? Por que motivo? (lazer, apenas rota de passagem, trabalho, compras) Entrevistado (En) – Todos os dias, rota de passagem e lazer. Pq - Quais sentimentos te despertam o caminhar pela Avenida Imperador? podem ser sentimentos bons ou ruins. En – Tenho sentimentos bons e ruins, depende do horário. Pq - O que você acha que poderia ser melhorado na Avenida imperador e seu entorno? En – Acho que a Plantação de Árvores e o aumento da segurança por policiais. Pq – Você sabe que casa é essa? Conte um pouco sobre o que você sabe. En – Não sei. Pq – Qual a sensação que a Casa de Thomaz Pompeu te passa? En – Me traz a sensação de curiosidade. Pq - Existe outra edificação antiga pelas redondezas que você acredite que tra-

398


ga sensações semelhantes à esta? Se sim, qual? En – Não. ENTREVISTA 6 Homem, entre 18 e 30 anos. Pesquisadora (Pq) - Com que frequência você passa pela avenida Imperador? Por que motivo? (lazer, apenas rota de passagem, trabalho, compras) Entrevistado (En) – Quase todos os dias pois funciona como rota de passagem. Pq - Quais sentimentos te despertam o caminhar pela Avenida Imperador? podem ser sentimentos bons ou ruins. En – Tenho sentimentos bons. Pq - O que você acha que poderia ser melhorado na Avenida imperador e seu entorno? En – Arborização com certeza. Pq – Você sabe que casa é essa? Conte um pouco sobre o que você sabe. En – Sim. Pq – Qual a sensação que a Casa de Thomaz Pompeu te passa? En – Sensação de vazio, poderia ser funcional, atribuir alguma atividade a edificação. Pq - Existe outra edificação antiga pelas redondezas que você acredite que traga sensações semelhantes à esta? Se sim, qual? En – Não.

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ENTREVISTA 7 Mulher, entre 18 e 30 anos. Pesquisadora (Pq) - Com que frequência você passa pela avenida Imperador? Por que motivo? (lazer, apenas rota de passagem, trabalho, compras) Entrevistado (En) – Quase não passo. Pq - Quais sentimentos te despertam o caminhar pela Avenida Imperador? podem ser sentimentos bons ou ruins. En – Tenho sentimentos ruins pois é muito lotado de gente e muito poluído visualmente. Pq - O que você acha que poderia ser melhorado na Avenida imperador e seu entorno? En – Limpeza. Pq – Você sabe que casa é essa? Conte um pouco sobre o que você sabe. En – Sim. Sei que é uma casa bastante antiga. Esta casa já foi palco de um vídeo de dança do meu grupo. Pq – Qual a sensação que a Casa de Thomaz Pompeu te passa? En – Imersão a um tempo antigo, mistério. Pq - Existe outra edificação antiga pelas redondezas que você acredite que traga sensações semelhantes à esta? Se sim, qual? En – Não me recordo.

400


10. APÊNDICES

APÊNDICE A

Decreto que desapropria a Casa de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil

401


APÊNDICE B

402


403


APÊNDICE C

404


405


FICHA TÉCNICA Fonte Título: Original Olinda Style Fonte Texto Corrido: Kreon Light e Kreon Bold Identidade Visual e Diagramação: Porão Ateliê Criativo




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