(Im)perfeição Gráfica by Letícia Naves

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Letícia Naves



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Dedicado aos originais profissionais criativos, pois que, sem sua maestria, este livro n達o existiria.


Tradição é uma força viva, produtiva e essencial para a atividade criativa. Ela não se constitui em um código de convenções rígidas, mas de princípios baseados na experiência acumulada. Creio porém, ser de fundamental importância que possamos distinguir claramente entre tradição, que pode exercer um controle saudável sobre nossa inovação, e tradicionalismo, que é, de fato, uma prisão ou talvez, mais corretamente, um cemitério – uma necrópole de ideias mortas e convenções decadentes. Herbert Spencer – Tradição: Clichê, Prisão ou Base Para o Crescimento?


sumรกrio


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introdução apresentação

14  tipos móveis 16  Sobre o processo 18  Nathália Cury 32  Entrevista com Flávio Vignoli 40  Tipografia & design gráfico 48 serigrafia 50  Sobre o processo 52  Nathátia Cury (continuação) 58  Base-v 60  Publicações independentes 62  45 Jujubas 64  66  66  70

xilografia Sobre o processo J. Borges Luís Matuto

74 fotografia & colagem 76  Sobre os processos 78  Eduardo Recife 80  Revista Traça 82  Entrevista com Ricardo Donato 94  Fábio Lamounier 101

conclusão

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agradecimentos


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introdução O

que torna o passado tão atraente às jovens mentes e seduz o olhar de admiradores vários? Na moda são constantes os revivals de estilos antigos, é comum que as passarelas das mais recentes semanas de moda exibam modelos traduzidos de tempos passados. O homem constantemente olha para um tempo que passou com afeto, como se o tempo apagasse os defeitos. Se na moda esse é um padrão recorrente, no design gráfico não é diferente. Nota-se uma crescente procura por projetos que evidenciem o passado das técnicas, seja porque a relação com a memória evidencie mais conhecimento teórico do assunto ou pelo simples caráter manual que os antecessores do design contemporâneo costumavam ter. Traços rústicos e pinceladas brutas gritam: fizeram-me à mão! Tipos móveis perfeitamente dispostos em manchas tipográficas quase perfeitas parecem não bradar tão alto: ali, o homem que se localizava entre o projeto e a máquina não quis ser percebido. O curioso é que, hoje, softwares de útima geração não compõem blocos tão homogêneos. Na mesma área, parecem iluminar os olhos de praticamente todos os designers que reconhecem uma impressão com tipos de madeira cada falha de tinta, cada mancha parece tornar o impresso mais único. Nas páginas seguintes, o leitor será apresentado aos mais variados exemplos de projetos que foram feitos analógicamente. Esses projetos escolheram negar o presente digital, automatizado e frio. Assim, evidenciam o calor que o ato de sujar as mãos significa no design e mostram com maestria como falhas e imperfeições são queridas e desejadas para projetos verdadeiramente únicos. Penso, contudo, que no design do tipo, assim como em sua organização e disposição, se pudermos extrair da experiência acumulada herdada do passado esses princípios que continuam válidos e essenciais, então estaremos seguros de que as novas técnicas de hoje e de amanhã não representação uma ameaça, e sim uma oportunidade. Herbert Spencer – Tradição: Clichê, Prisão ou Base Para o Crescimento?

Ao lado, colagem de Wolfgang Weingart, do livro My Way to Typography. O trabalho de Weingart representa o uso de recursos analógicos de maneira contemporânea, experimental e inovadora.

introdução

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apresentação N

este projeto pretendeu-se realizar um estudo dos motivos e implicações da utilização de recursos aqui denominados analógicos no design, na arte e no dia-a-dia; como hobby, profissão ou área de interesse. Foi feita uma reflexão acerca do comportamento de amantes e adeptos de tecnologias ultrapassadas com o objetivo de analisar a ligação do tema com a memória, a nostalgia, a compreensão do passado e da evolução das técnicas. A partir de entrevistas, visitas aos locais definidos como lares de tais comportamentos, observação e pesquisa bibliográfica, buscou-se provar a veracidade do comportamento de “retorno às origens” como tendência na geração atual de designers. O termo analógicos foi introduzido ao projeto para designar recursos ou tecnologias que foram substituídas pela revolução digital, nos anos 1990. A expressão abrange também o retorno às origens de determinado modo de fazer ou a recusa ao digital. Serão considerados como focos para a pesquisa os seguintes tópicos:

ȴȴ Impressão em:   •  tipos móveis   •  serigrafia   •  xilografia ȴȴ Fotografia analógica ȴȴ Colagem Cada um dos tópicos acima foi selecionado com base em sua relevância para o processo do design. Mais adiante, nesse livro, serão dispostos exemplos de projetos que objetivam demonstrar as características que tais recursos agregam quando utilizados de forma embasada. Há, também, exemplos físicos de tais recursos, disponibilizados em forma de cartões no início desse volume, que permitem que o leitor perceba a qualidade tátil de cada um deles. Vale notar as diferenças de cada processo, as texturas e relevos aplicados aos suportes e outras particularidades presentes em cada exemplo.

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No projeto “1/8/16 A informação esquartejada”, de Aloísio Magalhães folhas de outdoor dão origem a livretos abstratos. Assim, discute-se a mudança de significação que ocorre com a mudança do contexto de um objeto.

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A escolha do tema se deu a partir de crescentes inquietações pessoais acerca da reapropriação de recursos herdados do passado na contemporaneidade. Sou curiosa sobre os motivos que levam a atual geração a ter tão grande apreço pelo sentimento de nostalgia e insatisfação com o presente. Esse desagrado com a atualidade é recorrente em diversas áreas, como poderá ser observado no decorrer do projeto. Para ajudar a delinear os motivos de tais comportamentos e a refletir acerca dos mesmos, serão apresentados ao leitor alguns textos de referência que tratam do assunto de diferentes maneiras. Os textos e soluções gráficas de Nathália Cury contidos em seu tcc são exemplos de um trabalho que foca na experimentação analógica, e foram muito úteis para mostrar aplicações dos recursos aqui selecionados. O artigo escrito por Flávio Vignoli, Rafael Neder denominado “Tipografia e design gráfico” e publicado no Livro dos Tipógrafos, contém reflexões interessantes sobre o uso da Tipografia como método de impressão e sobre a Tipografia Matias, principal estabelecimento de Belo Horizonte que ainda oferece o serviço de impressão com tipos móveis de metal e madeira. No livro Design Para Um Mundo Complexo, a noção de mudança de significação dos artefatos citada por Rafael Cardoso foi útil para a realização dos estudos, uma vez que a utilização de recursos analógicos hoje vai muito além da utilização original dos mesmos. No mesmo livro, o autor cita o conceito de artesania como um “grau alto de atenção ao detalhe e cuidado na execução, oriundos de um senso peculiar de orgulho no trabalho, do prazer em fazer benfeito.” Tal conceito está presente

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na maioria dos recursos analógicos estudados, uma vez que a noção de artesania era altamente visível nos “profissionais originais” (tipógrafos e impressores, por exemplo), que montavam tipo a tipo um bloco de texto, afim de torná-lo praticamente perfeito para a leitura. A chamada “Era Digital” trouxe muitos benefícios no que diz respeito a facilidade de execução projetual, mas acelerou tanto os processos no design que criou uma geração de profissionais desatentos e negligentes. A atenção dada, quando se cria analogicamente, a cada parte do processo diminui a chance de erros e permite o refinamento do projeto, fazendo com o que o resultado final receba mais atenção do que quando feito digitalmente. O eixo da discussão proposta por este trabalho é a crescente valorização do passado como possibilidade de inovação no presente. Percebe-se que as soluções que utilizam meios considerados ultrapassados constituem inovações por trazerem à tona métodos, texturas (visuais, táteis ou sonoras), acabamentos, sinais ou até sentimentos que haviam sido perdidos. Além disso, é importante destacar também que o ato de fazer algo da maneira original, hoje, agrega ao projeto qualidade sensorial, no sentido de que existe uma maior interação da pessoa com o objeto, e humana, pelo mesmo motivo. É necessário, portanto, estudar o que provoca o crescimento da procura por mais contato com o meio. Será o anseio por “pôr as mãos na massa” uma necessidade que veio à tona na contemporaneidade devido ao crescimento de relações virtuais com objetos e pessoas? É possível que o público alvo desse estudo tenha se esgotado do mundo digital? A essa pergunta, creio que a resposta seja não. Nota-se com frequência que a utilização de recursos analógicos pelo público estudado está intimamente ligada à esfera digital. Por exemplo: é comum que um fotógrafo que valha-se da tecnologia analógica digitalize suas fotografias e as divulgue na rede social de sua preferência, ou que um designer gráfico crie formas em algum programa em seu computador e, posteriormente, as imprima com uma tela serigráfica. Sendo assim, o comportamento aqui estudado não trata-se de uma recusa ao presente, mas sim uma insatisfação com a perda de determinados costumes e métodos advindos do passado.

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1 impressão em tipos móveis •

tipografia s.f. Processo de impressão, no qual se usam formas em relevo (caracteres móveis, gravuras, clichês etc.). / Lugar onde se imprime; imprensa.


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sobre o processo

impressão com tipos móveis, ou letterpress, é um sistema de impressão em relevo, no qual a matriz é feita de tipos metálicos ou de madeira, individuais ou em linhas, montados de forma espelhada. No contexto europeu, a técnica utilizava inicialmente tipos feitos de madeira como matriz, e somente com a soma dos conhecimentos adquiridos por Johannes Gutenberg (1395–1468), que era aprendiz de ourives e tinha habilidades de trabalho em metal e gravação, é que começaram a ser utilizados tipos fundidos em metal, mais duráveis e resistentes do que os tipos de madeira. Como esses tipos são individuais e podem ser reutilizados em diversos trabalhos, são chamados de tipos móveis. A revolução desse tipo de impressão se deu justamente por essa característica: o texto poderia ser lido e corrigido, caracteres montados, linha por linha e depois de usados, os tipos poderiam ser guardados e reutilizados no futuro. O pontochave de desenvolvimento dos tipos móveis foi a invenção do sistema adotado por Gutenberg, que seguindo sua própria tradição de ourives, substituiu madeira por metal e criou uma técnica de replicação para tipos individuais. Nesse processo, uma única letra era gravada em relevo e afundada em um pedaço de cobre, gerando a matriz daquela letra ao reverso. A partir dessa matriz, qualquer número de réplicas poderia ser produzido, ao despejar-se metal fundido no recipiente adequado. Esse tipo exigia um metal que fosse macio o bastante para moldar, mas rígido o suficiente para resistir por milhares de impressões, e que não se expandisse e contraísse durante o processo de ser fundido e vertido no molde de tipo, depois devolvido a um estado sólido quando resfriasse. Gutenberg desenvolveu então uma liga de 80% chumbo, 5% estanho e 15% antimônio para manter uma massa constante ao longo de todo o processo de manufatura do tipo. Uma grande diferença nesse tipo de impressão, aprimorado por Gutenberg, foi a invenção da primeira prensa para tipos móveis. Ele usava uma prensa de madeira, adaptada a partir de uma prensa de vinho, que se baseava em uma grande

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tarraxa que abaixava e levantava uma prancha, para a impressão. Os tipos eram travados em uma estrutura na cama da prensa e a seguir entintados. O papel era colocado sobre os tipos e uma manivela era girada, para baixar uma grande placa de madeira sobre o papel, criando a impressão dos tipos. De acordo com Charlotte Rivers, em The Little Book of Letterpress, grandes máquinas de letterpress foram jogadas fora, tipos derretidos e queimados e alguns museus passaram a colecioná-los como itens históricos. O desinteresse da indústria pela técnica tradicional, porém, teve um revés positivo para impressão tipográfica: o custo desse maquinário sobrevivente atraiu designers e estudantes interessados em controlar os rumos de sua produção e explorar as qualidades do material. Assim, a técnica resiste por causa de alguns entusiastas e universidades que mantém suas máquinas e tipos antigos. Porém mesmo com tantas mudanças e evoluções tecnológicas o sistema de impressão com tipos móveis ainda existe comercialmente, e é usado em impressões de cartões de visita ou casamento. Assim a tipografia “clássica”, mesmo que restrita, resiste até hoje.

O trabalho com letterpress de Anthony Burril é um bom exemplo de apropriação contemporânea do recurso de impressão em tipos móveis.

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nathália cury ȰȰ experimentação analógica

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trabalho de Nathalia Cury apresenta resultados de um projeto que teve como propósito investigar os limites, as vantagens e as possibilidades das técnicas de impressão adequadas para pequenas tiragens, verificando sua importância dentro da produção estudantil e independente nos dias de hoje através da realização de experimentos práticos com estas técnicas, que ressaltam de forma clara e didática as possibilidades que elas tem a oferecer, além de chamar atenção para seu uso, sua importância na educação e suas vantagens técnicas e estéticas. Primeiramente o trabalho apresenta um estudo teórico introdutório, para compreender o funcionamento de cada técnica e pesquisar como elas tem sido usadas atualmente, através de referências de projetos e entrevistas com profissionais ativos em cada técnica. Após o estudo prévio de algumas técnicas de impressão, foram adotadas três técnicas diversas: impressão com tipos móveis, serigrafia e risografia. A pesquisa inclui breves análises sobre a origem, a evolução e o uso das técnicas de impressão dentro da história do design gráfico para entender suas vantagens, possibilidades de experimentação, compreendendo assim a influência dessas técnicas sobre o que já foi produzido dentro do design gráfico e estimular uma retomada dessas técnicas na produção independente contemporânea. Para tanto, foi necessário o conhecimento teórico e prático sobre as técnicas de impressão abordadas na pesquisa, buscando refletir sobre suas principais características e possibilidades. A pesquisa não teve como objetivo aprofundar-se longamente nas técnicas de impressão propriamente ditas, mas sim apresentar suas origens, seus princípios de funcionamento e sua relação com o design gráfico, funcionando como referência para o aprofundamento no estudo da produção gráfica.

Nathália Cury graduou-se em Design Gráfico pela fau – usp em 2011. Seu tcc foi sobre experimentos com impressões em pequenas tiragens.

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Detalhes do processo de impressão tipográfica: o trabalho ressalta a importância de testes de impressão.

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ȰȰ finalidade da pesquisa

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oje em dia, o material impresso, projetado no computador, usando fontes digitais e imagens, e sendo impresso em offset pode ser exemplar. O que tomava dias para ser montado e fabricado manualmente pode ser agora feito em algumas horas, mas talvez algo desse passado tão rico tenha se perdido e ainda existam outras vantagens não devidamente valorizadas nessas técnicas. Se o “feito à mão” não se conecta mais necessariamente a melhor qualidade, que outras vantagens ele ainda pode ter? A importância da pesquisa está em demonstrar que existe uma história muito rica por de trás das técnicas estudadas, em esclarecer os princípios de funcionamento de cada técnica e exemplificar como suas características, vantagens e limitações podem trazer outras qualidades à produção de trabalhos de design gráfico independentes, que se caracterizem por baixas tiragens. Em alta no país, crescem rapidamente as publicações realizadas por pequenas editoras independentes, artistas, galerias e coletivos, vendidas em feiras e exposições, que geralmente fogem na impressão digital, e se focam na materialidade do produto, sinalizando uma espécie de resgate do material impresso. A pesquisa não defende uma volta ao passado, mas se atenta às vantagens que essas técnicas de impressão podem trazer para um trabalho. Parte-se do princípio que o conhecimento destas enriquece o conhecimento projetual do designer, já que tais processos requerem longos estudos, constantes reavaliações, improvisações e desvios, desafiando a pessoa que interage com a técnica a aumentar suas habilidades, manipulando materiais físicos e criando um vocabulário visual de linhas, formas, textura e cor. Essas questões são ainda mais importantes para o estudante de design, que deveria ter contato com técnicas de impressão desde cedo, e também possuir espaços de trabalho que possibilitem o uso dessas técnicas dentro da faculdade, proporcionando possibilidade de explorar e criar. A questão do espaço de trabalho, dentro da minha própria faculdade, foi uma das questões importantes para a pesquisa: uma necessidade de retomar a área existente dentro da fau

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para tais fins, prezando-a para uso experimental e prático dos estudantes. São poucos os espaços que ainda possuem a infraestrutura necessária e que ao mesmo tempo tenham abertura para uma produção livre. Esse espaço deveria ser mais aproveitado pelos estudantes da faculdade. Procurei nesse trabalho e principalmente na fase prática, chamar atenção para essa questão. Assim, ainda dentro de uma questão pessoal, tomo o tcc como um momento de produção independente possível, e escolhi o tema por querer explorar técnicas que não conhecia ou que gostaria de ter usado mais durante a minha formação e que talvez não sejam usadas em meus trabalhos profissionais e comerciais no futuro.

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ȰȰ qualidade tátil

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primeiro exercício se propôs a experimentar com o relevo criado sobre o papel a partir da impressão com tipos móveis. Como dito anteriormente, a impressão com tipos móveis cria uma qualidade tátil no suporte, pelo processo inerente de pressão do papel sobre a matriz, e nesse primeiro momento decidi não usar tinta para a impressão, e testar diferentes cores e gramaturas de papéis para verificar qual seria o melhor resultado, apenas com o relevo criado. A matriz foi composta com tipos de madeira e ornamentos circulares de metal, de tamanhos diversos (24 pontos, 12 pontos e 6 pontos), escolhidos com a intenção de ressaltar a textura. O primeiro desafio foi montar a matriz, que foi montado linha por linha, baseada em um grid de 12 pt, que levou em torno de 8h para ser montada. O dizer "qualidade tátil" foi utilizado para chamar atenção dessa vantagem da impressão com tipos móveis, e assim como os orna- mentos, foi disposto para parecer que não estava preso em um grid fixo.

Ao lado, um dos cartazes projetado s e impressos por Nathália. As palavras "qualidade tátil" são evidenciadas na impressão.

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A montagem da matriz de impressão em tipos móveis de um dos cartazes projetados pela designer Nathália Cury para seu trabaho de conclusão de curso.

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Foram feitas experimentações em diversos tipos de papel, variando cores, gramaturas e tintas usadas na impressão. Um dos exemplos, ao lado, foi impresso sem tinta, e evidencia ainda mais o caráter tátil.

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O processo de montagem da matriz demorou 6 horas e, segundo a designer, foi a montagem mais rápida.

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ȰȰ escal a

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segundo exercício usou o mote da escala, para discursar sobre o dado corpóreo da tipografia tradicional, que preserva a relação de escala do criador com o suporte. Nesse segundo exercício a montagem e a relação com os tipos e espaços foi se tornando mais fácil, não era preciso medir com a régua tipográfica cada espaço necessário, e com o tempo foi possível apenas sentir e olhar para saber o tamanho de cada elemento. E é disso que esse exercício se trata, dessa importância do entendimento e percepção física de tamanhos diversos. O projeto foi montado com duas réguas laterais, uma que varia de 12 em 12pt e outra que varia de 1 furo a 1 furo (48pt), as medidas mais usadas na tipografia convencional. Além dos dizeres "escala", em tipos de madeira e metal, com tamanhos contrastantes. Porém a primeira ideia era usar duas réguas laterais, que variavam de 12 em 12 pontos, com largura de 1 furo, e de 48 em 48 pts com largura de 2 furos. Porém, na hora da montagem percebeu-se que não havia o número de fios necessários, e o projeto foi adaptado.

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ȰȰtipos móveis lpg

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terceiro exercício se propôs a propagandear o lpg (Laboratório de Produção Gráfica), onde usei todas as famílias de 36 pontos do acervo, mostrando a grande variedade de tipos que existem. As famílias de 36 pontos foram dispostas de forma a acentuar a gradação de famílias com maior peso para as de peso mais leve. O projeto ainda reservou uma área lateral para a frase: “tipos móveis 36 pontos lpg fau usp”, compostos com diversos tipos de 60 pontos, que ocupam a altura do cartaz. Esse momento foi muito importante, pois foi possível me familiarizar com o acervo de fontes, e começar a perceber que a matriz deveria ser montada da forma mais racional possível, tentando utilizar o menor número de elementos possíveis, poupando tempo de limpeza e reposição dos materiais, e pensando em outros que poderiam estar utilizando o espaço. Porém, aqui foi pensado de maneira errada, onde montei a matriz linha por linha, justificando cada uma a mão, e não coluna por coluna, o que teria sido mais fácil para criar os alinhamentos e mais econômico em relação ao número de peças. Outro erro cometido foi não ter tirado uma prova de prelo anterior de cada família para checar os pesos, e o que tinha sido analisado apenas visualmente ao olhar os tipos de metal, foi composto errado, e parte da matriz teve que ser rearranjada para que os pesos tivessem a gradação correta. Outro problema notado na primeira prova foram letras trocadas, que se misturaram na mesa de composição. A matriz teve que ser remontada mais de 4 vezes para acertas os erros de pesos e letras trocadas. O processo todo levou 12 horas até a montagem final. Como a matriz utilizava muitas peças, os técnicos exigiram que fossem repostas nas devidas gavetas por mim, o que tomou mais de 5h de trabalho.

Ao lado, a matriz montada com diversas famílias tipográficas.

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Neste exercício, o recurso de deslocamento da matriz resultou em soluções gráficas impressionantes e únicas. Cada ângulo deslocado traz um efeito diferente.

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Caderno composto com tipos móveis de madeira e clichês, projetado por Rafael Neder e Flávio Vignoli, impresso por Ademir Matias. Na página ao lado, detalhe do verso do caderno.

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entrevista com flávio vignoli Professor da fumec, coordenador do Museu Vivo Memória Gráfica, em Belo Horizonte. Fundou a “tipografia do zé”, espaço de impressão em tipografia no qual produz peças com pequena tiragem e caráter experimental. Qual é o principal aspecto que atrai os olhares, atualmente, para a tipografia? Você acha que é só uma questão de nostalgia? Creio que quando estamos trabalhando essa tecnologia através desses equipamentos, através até de uma gestualidade, o corpo entende diferente o projeto. Essa história do espaço, que na tecnologia digital é imaterial, na tipografia e dentro da tecnologia tipográfica ela é física. Então ao fazermos uma composição escolhendo os tipos de gaveta, dentro de uma seleção de desenho tipográfico, corpo tipográfico, dentro de uma montagem de uma matriz, vamos percebendo que o projeto não é somente aquela linguagem. É a linguagem, mas é também a construção do vazio. Na tipografia, o arquivo está sempre aberto, no sentido de que se está trabalhando o leiaute e o tempo inteiro estão sendo feito ajustes pela impressão. Vão sendo feitas provas e elas vão sendo aperfeiçoadas dentro do processo, e, na hora de imprimir, também são feitas experimentações. Mais tinta, menos tinta, cada papel traz uma textura e um resultado gráfico diferente… Então a percepção do processo é diferente. Quem tem somente um aprendizado de tecnologia digital não entende a importância da impressão. A impressão ajuda a entender se está tudo funcionando dentro de uma hierarquia, de um contraste, de uma sintaxe. Sinto que o design está cada vez mais mental e visual, e menos sensorial. E isso é uma perda, porque temos que entender o design pela impressão, no caso do design gráfico. A tipografia traz essa intimidade, traz essa relação muito próxima entre pensamento e impressão,

O detalhe da impressão contida no verso do caderno mostrado na página anterior mostra a variedade de clichês de prensas tipográficas.

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além de entre pensamento e produção. E por causa da própria limitação de tecnologia e equipamento que existe, é preciso chegar a um resultado muito mais aperfeiçoado e expressivo com o pouco que existe. Diferente do digital, onde tudo parece ser possível. Existe uma infinidade de fontes digitais, formatos possíveis, etc. Tem a ver com a história, tem a ver com origem, e é evidente que existe uma perda de qualidade de produção – livros feitos em 1400, 1500, são melhores do que os que estão sendo feitos hoje, de um modo geral – é evidente que existem coleções, editoras e designers trabalhando muito bem o projeto, mas conhece-se melhores projetos dentro de bibliotecas e museus, pois, mesmo com todas as limitações, têm todo um conhecimento do funcionamento de proporção, da geometria e do que significa aquele artefato que é o livro. Hoje existem tantos recursos que a gente acaba se perdendo naquilo que queremos, gostamos e conhecemos. No fim, queremos tudo e sabemos muito pouco. Sabemos pouco sobre a história do livro, que tem muito a ver com a história do design gráfico, e as pessoas não conhecem essa história. Willian Morris, Eric Gill, e outros mais. Por que eles fizeram dessa forma, que tipo de conhecimento eles tinham? Nesse aspecto, você está certa: tem a ver com a origem, mas não só no sentido de conhecimento, mas também no sentido de prática projetual. Foi o que trouxe muito do que fazemos no digital… Só que nós muitas vezes entendemos o conhecimento de uma forma teórica e dogmática, e não de uma forma prática. Mas ao conhecer, é possível desconstruir. A alternativa que o design tem hoje é a de que o conhecimento liberta, no sentido mais clichê do mundo. O designer não fica impressionado, sabe que aquilo é correto e que podem ser feitas subversões, criar alternativas dentro das possibilidades. Na verdade, não temos a mínima noção da quantidade de existente de estratégias em projetos já feitas em livros impressos de um modo

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A publicação Melodramas contém sete poemas do autor Guilherme Mansur. (vide imagens das páginas seguintes)


Cada um dos poemas foi composto com tipos móveis de famílias tipográficas e cores diferentes, trazendo características físicas e simbólicas únicas para cada texto.

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geral. Então, quando achamos que estamos sendo inventivos, basta procurar para perceber que outras pessoas já trabalharam aqueles detalhes e aquelas estratégias. Na opinião, falta um pouco mais de pensamento prático, que não deixa de ser um pensamento histórico, pois há uma evidente relação dessa tecnologia com a história do design gráfico. Mas é muito mais sobre a praticidade do que a qualidade inusitada da tecnologia, por ser uma tecnologia antiquada, velha… Acho que não é essa a questão. Ela não é boa só porque é antiga, mas sim porque ela traz um tipo de aprendizado e percepção que estão se perdendo dentro dessa metodologia, que é muito mais simples, mas exigente e prático. Se está ruim, é porque você viu que está ruim, não porque você imaginou que talvez esteja ruim, como acontece no computador. Acho que as pessoas estão confundindo o layout e o projeto na tela com o projeto como um todo, impresso. Há projetos muito simples que são ótimos projetos e há projetos, que parecem muito elaborados na tela, que são péssimos. Além da impressão, tem a ver com o papel, com a tinta, os acabamentos… Essa tecnologia evidencia muito a importância do papel dentro do processo. Ele muda completamente a cor da tinta. Como no design digital trabalha-se com o cmyk, temos a percepção de que qualquer cor é possível, então muitas vezes deixamos de pensar na melhor cor, para colocar todas as cores. Então existem vários aspectos que trazem um tipo de definição, de consciência de processo que melhoram o projeto. Você e o prof. Rafael Neder criaram em Belo Horizonte o Workshop de Tipografia Matias. Você acha que existe algum padrão entre as pessoas que procuram fazer o workshop, ou algum padrão na procura pela tipografia? Talvez tenha um pouco a ver com aquilo que você falou no início. Existe um pré-conceito, no sentido de que vai ser um aprendizado inusitado. Mas eu o vejo muito mais por uma questão prática, do que por uma questão exótica da antiguidade. Apesar disso, são máquinas que parecem outro mundo. Nosso mundo é muito mais tecnológico, no sentido de ter menos barulho, as máquinas são mais leves. E na tipografia, são máquinas pesadas, roldanas, e tudo tem que funcionar.

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Pá, pum., com textos de Eduardo Jorge e Lucila Vilela, foi impresso em tipos móveis de madeira e metal e em linotipo na Tipografia Matias. O design gráfico é de Flávio Vignoli.

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Tem uma questão que foi perdida, que é o homem-máquina, no sentido que o impressor era o tipógrafo, que era o designer, e ele tinha que saber operar a máquina. Existe, hoje, uma alienação, já que hoje o designer não tem conhecimento da máquina e, assim, não sabe o que pode tirar dela. De alguma forma, os projetos são mais tímidos, não exploram o máximo possível de ser feito pela máquina. Na medida que se trabalha muito as máquinas, tenta-se expandir e ultrapassar limites. Se não há conhecimento, definem-se parâmetros básicos para a impressão. Além disso, se começamos a nos adentrar pela história, a impressão com tipos de madeira, por exemplo, tem características impossíveis de serem simuladas. Porque a impressão tipográfica tem muito a ver com a gravura, uma vez que cada original é único. Cada peça tem uma textura um pouco diferente, e há trabalhos excelentes que mostram isso. Sobre esse aspecto de cada exemplar ser único, acho que isso é visível na relação da tipografia com as artes gráficas. Mas você acha que ainda existe espaço para a técnica em aplicações mais comerciais, como no design coorporativo? Acho que no “design comercial”, existe uma demanda por projetos mais exclusivos, mais humanizados. As vezes uma grande empresa precisa de um trabalho feito em um papel 500 g/cm2, artesanal, de algodão, impresso em tipografia e em duas cores, por um impressor. Quero dizer que existem qualidade e valores que são perceptíveis pelo público. Acho que uma das maiores características do mercado contemporâneo é a diversidade de usuários e de público, então é evidente que um público mais sofisticado vai perceber a diferença entre uma coisa e outra. Precisa-se identificar esse mercado. Grandes empresas podem perceber que imprimir em uma gráfica digital de altíssima qualidade é só uma das opções; a tipografia é outra, e muitas vezes bem mais rica e mais inusitada do que a impressão co m o maior grau de perfeição. Inclusive, a imperfeição é uma qualidade mais interessante hoje, nessa área. Não só na tipografia, mas também nas gravuras, que verdadeiramente caracterizam a arte na impressão. Quando se fala em um trabalho bem feito, isso pode ser visto no trabalho de um gravurista, no modo de um impressor

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dominar a máquina, na composição de palavras e imagens feita por um tipógrafo em um papel bem escolhido – isso, sim, é arte gráfica. Você vê uma tendência da valorização desse trabalho? Não sei, para mim é um mercado muito complexo. Existe uma nostalgia, sim, mas não sei até que ponto isso vai manter o mercado. Porque os impressores vão morrer e é provável que não haja mais profissionais que façam isso com tamanha qualidade. Não adianta ter as máquinas sem os impressores. A importância do Matias é essa: não são só as máquinas dele nem a coleção de tipos que ele tem. É o conhecimento dele e seu domínio daquele equipamento. Daí a importância do workshop, as pessoas precisam conhecer o Matias para conhecerem o que é possível de ser feito com a tecnologia. Pode-se ter uma escola de tipografia que não servirá de nada sem que haja alguém para executar a impressão. Infelizmente, aí sim: existe uma tendência que se acabem os impressores, os linotipistas. A gente tem uma Linotipo no Museu Vivo Memória Gráfica, mas já não tem a presença de um operador. Sem isso, é possível realizar apenas trabalhos mais simples.

A publicação Céu Inteiro foi impressa com tipos móveis e Linotipo. Foi projetada e composta por Flávio Vignoli.

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tipografia e design gráfico Flávio Vignoli & Rafael Neder presentamos aqui a experiência do Workshop de Tipografia conduzido por nós como uma proposta de ensino do design e como uma metodologia de pesquisa e projeto em design gráfico contemporâneo. Para um melhor entendimento dessa apresentação, acreditamos ser necessária uma breve introdução à história da tipografia e de alguns conceitos a ela relacionados.

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Ȱ Ȱ os tipos e suas gr afias

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m sua origem, o termo tipografia foi definido como o processo de impressão relevográfico produzido a partir de tipos móveis – blocos de metal ou madeira com a forma de letras, ornamentos e fios – que, montados lado a lado, formavam uma matriz de impressão. Em essência, uma técnica semelhante à inventada no Oriente e aperfeiçoada por Gutenberg na Alemanha do século xv. Mas, com o tempo, a palavra tipografia ganhou uma significação mais ampla e diversificada. Morison foi um influente pesquisador da tipografia e representante da corrente tradicionalista da época. Dentre os seus projetos mais significativos está a fonte Times New Roman. No trecho citado, podemos perceber como o termo tipografia ampliou a definição original – de técnica de composição e impressão – para um projeto mais consciente da própria linguagem, do espaço e de sua leitura. E um aspecto importante que necessita ser destacado é justamente como essa linguagem tipográfica moderna estabelecia a neutralidade como a condição necessária do projeto e qualquer manifestação visual pessoal do designer seria uma escolha equivocada (e evidentemente desnecessária). Pelo menos estaria errada – ainda nessa definição de Morison – até o final dos anos 1960, quando jovens designers começaram a subverter deliberadamente os princípios e determinaçõesdeterminações estabelecidas pelas gerações anteriores, transformando o errado em regra. Dentre esses designers, é importante destacar o alemão Wolfgang Weingart,

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que iniciou seu aprendizado como tipógrafo em 1960, dentro dos imperativos do estilo suíço. Em 1964, ao se transferir para a Escola da Basiléia, Weingart iniciou um período de amadurecimento profissional. Ele relata que, durante seus anos de aprendizado, à medida que dominava as técnicas da tipografia, sua percepção a respeito dos paradigmas do estilo suíço se transformou a ponto de atingir um elevado grau de rebeldia. Daí ele desenvolveu um estilo pessoal marcado pelo domínio técnico e experimental. (weignart, Wolfgang. How can one make swiss typography?, p.35) Graças a essa nova concepção de tipografia, conquistou o cargo de professor no Curso Avançado de Tipografia da Escola da Basiléia, onde passou a ensinar seu novo conceito de tipografia, entre os anos de 1968 e 2004. Em uma palestra nos Estados Unidos, definiu a tipografia como “uma relação triangular entre a ideia de design, elementos tipográficos e técnicas de impressão”. Apesar de sintética, essa definição amplifica a discussão a respeito da tipografia, por inserir o designer como enunciador do projeto. No entendimento contemporâneo, percebe-se como a tipografia adquire também um caráter verbo-visual em que palavra e imagem podem ter significados relacionados, tanto na forma do texto sobre a página (ou tela), quanto no desenho dos caracteres de uma fonte. A diversidade de nossa época permite que a página estática de Morison conviva com

Duas composições experimentais de Wolfgang Weingart, publicadas no livro My way to typography.

tipos móveis

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a página cinemática de Weingart. Da mesma maneira que os tipos cristalinos de Giambattista Bodoni convivem com o ruído dos tipos pós-modernos.

Ȱ Ȱ rein ventando a impressão tipogr áfica

A

pesar do declínio comercial da impressão tipográfica ao longo do século XX, nos últimos anos o design gráfico vem redescobrindo o potencial dessa técnica. A obsolescência provocou uma rápida desvalorização do maquinário tipográfico e fez com que grande parte das impressoras, prelos e tipos fossem jogados no lixo ou vendidos como sucata para serem remanufaturados. Porém, com a diminuição dos preços, o que restou dos equipamentos tipográficos voltou a ser explorado por um novo público. Designers e artistas gráficos que, na busca pelas raízes da profissão ou pelo fascínio do produto gráfico feito à mão, redescobriram na impressão tipográfica um laboratório para a experimentação gráfica. Essa pesquisa e produção acontecem em geral de duas maneiras: a primeira através da aquisição do maquinário por parte desse novo público. Já a segunda, através de encomendas às empresas que ainda detém as máquinas e o conhecimento produtivo.

Ȱ Ȱ ademir e a tipogr afia m atias

A

Tipografia Matias recebe o sobrenome do pai, Leôncio Mathias de Almeida, que começou a empresa por volta de 1930. Seguindo a história da família, o filho Ademir Matias de Almeida fundou sua gráfica nos anos 1970, no tradicional bairro de Santa Efigênia, um dos principais pólos gráficos da capital Belo Horizonte entre as décadas de 1970 e 1990. Quando questionado sobre o tempo de profissão, Ademir Matias brinca que, quando seus pais se conheceram ambos eram gráficos. “Se somar o tempo na barriga de minha mãe, tenho mais de sessenta anos de profissão”. A Tipografia

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Matias se destacou pela eficiência e qualidade de seu trabalho. Por diversos motivos a empresa não acompanhou a evolução tecnológica, em parte pela paixão de Ademir por seu ofício: “A gente tem que fazer aquilo que gosta e que sabe fazer” – explica, com um olhar preocupado e incerto. Nos últimos cinco anos, Matias se viu forçado a seguir carreira solo. A competição predadora da gráfica digital e offset restringiu o campo de atuação profissional da empresa à elaboração de convites e de outros pequenos impressos. Hoje a Tipografia Matias é uma das poucas tipografias comerciais da cidade e talvez a mais bem equipada.

ȰȰworkshop de tipogr afia

E

ntre 2007 e 2008, os designers gráficos e professores Flávio Vignoli e Rafael Neder começaram a desenvolver alguns projetos pessoais em parceria com Ademir Matias. O objetivo dessa parceria foi o de explorar a tipografia como uma técnica viável para o desenvolvimento de projetos especiais que busquem na linguagem tipográfica seu grande diferencial. A proposta do Workshop de Tipografia surgiu naturalmente. Em parte, pelo grande interesse a respeito da técnica pelas gerações mais novas e, também, pela necessidade de se criar uma fonte alternativa de renda que possibilitasse a conservação do espaço. Como referência inicial para o workshop na Tipografia Matias, foi utilizado o programa do curso de Composição Manual na Oficina Tipográfica São Paulo, que tem como objetivo “apresentar o sistema e a linguagem da composição manual e da impressão tipográfica como recurso formal no design gráfico. Em junho de 2008, para quebrar o ceticismo inicial, Ademir Matias foi convidado para uma palestra em que apresentou um pouco de sua história para uma plateia de aproximadamente cem alunos do curso de Design Gráfico da Universidade fumec. Nesse mesmo mês, em um dia de muita descontração e bom humor, quinze estudantes tiveram contato com o universo dos tipos móveis, da caixa tipográfica, do componedor e também das tintas, papéis e acabamentos.

tipos móveis

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Após uma análise dos resultados, ficou evidente a necessidade de ajustar o programa do Workshop para valorizar a abordagem experimental, sem perder, contudo, os fundamentos e exigências da técnica e da tecnologia. Foram definidos, assim, a produção de um envelope de folhas soltas no formato a5 e o aumento da carga horário para 16 horas/aula, divididas em dois dias consecutivos para no máximo oito participantes. Desde 2008 foram realizados vinte workshops, com periodicidade irregular e aproximadamente vinte participantes, ao todo, principalmente de Belo Horizonte, mas também de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. O público participante divide-se entre estudantes de design, professores, designers profissionais e também interessados em geral. Para atender às necessidades do Workshop de Tipografia, foram adquiridos e reformados três prelos tipográficos manuais; novos tipos de madeira e metal; e outras ferramentas e tintas tipográficas pelos designers Flávio e Rafael.

ȰȰ a experimentação e o ensino do design gr áfico

W

olfgang Weingart destacava, em seus cursos de tipografia, a importância de se manter um caráter experimental no ensino do design. Ele considerava que o resultado dessa educação era a formação de um designer gráfico não previsível ou programado. E que – como ponto de partida de sua prática – esse designer deveria ter o domínio das possibilidades e das consequências do projeto. E que somente o designer seria capaz de reconhecer orientações alternativas e usar cada uma dessas direções com igual importância: De início, reconhecemos somente uma espécie de organização técnica dos elementos tipográficos. Mas numa observação mais crítica, percebemos que a vida do design está em seus valores sintáticos. Isto é, na conexão entre elementos tais como tipo, formato e localização. Creio que é exatamente aqui, na expressão do momento sintático, que estão os critérios decisivos. No sentido de que

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aqui a configuração gráfica ou total ganha expressão. Um exemplo paralelo: uma palavra impressa só funciona quando as letras são colocadas na ordem sintática correta. Wolfgang Weingart – How can one make swiss typography? p.31 Nos dois dias de workshop os participantes são apresentados ao universo tipográfico: caixas e tipos de metal e madeira; ornamentos, fios e clichês para produzirem matrizes tipográficas que ainda serão trabalhadas no processo de impressão complementadas com as escolhas das cores de tintas e do papel; a própria textura e gramatura desse papel; posicionamento, força e textura de impressão e sobreimpressão; o uso de acabamento nos impressos; e a experimentação entre a palavra e a imagem. Muitas vezes são utilizadas frases ou trechos de livros como referência para o layout, primeiro, produzido a lápis ou caneta em uma folha de papel, para um eventual ajuste da composição, para, em seguida, continuar este layout com os materiais tipográficos – como a escolha da fonte tipográfica, corpo, ornamentos, fios, clichês – e suas relações e posicionamentos no projeto. Weingart estava convencido de que essas experimentações tipográficas funcionavam como um pré-requisito para a solução de problemas mais complexos de design tipográfico: Somente aqui podem os olhos, a mente e as sensações ser igual e gradualmente treinadas, e somente aqui se pode aprender a tratar com confiança de formato, espaço, proporções e composição. Além disso, esses exercícios básicos oferecem, em muitos casos, insight e conhecimento dos problemas tipográficos em geral, e são um fator decisivo na execução de problemas práticos concretos. Somente quando o estudante, durante seu processo de trabalho, entender que fazer tipografia significa a organização visual de um determinado espaço em relação a uma intenção funcional é que ele estará em condições de tomar decisões tipográficas independentes no futuro, esteja na ênfase em problemas práticos complexos ou no trabalho experimental. Wolfgang Weingart – How can one make swiss typography? p.4

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ȰȰ pal avr as finais

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esta análise ainda provisória dos resultados do Workshop de Tipografia como proposta tanto de ensino do design gráfico como de metodologia de projeto, conseguimos perceber a validade e atualidade dessas estratégias para o projeto de design gráfico contemporâneo, no sentido que a designer, professora e pesquisadora Juliana Pontes definiu no livro Metodologia de pesquisa e projeto em design gráfico: Pensar o design contemporâneo significa essencialmente gerar uma relação de criação e produção que considere um universo de usuários diversificado, complexo e requintado. No mundo atual, a objetividade da informação e a sofisticação dos bens e produtos não satisfazem mais. O design pautado somente na impessoalidade e nos avanços técnicos, desprovido de conteúdo criativo, não possui mais eficiência. Quando utilizamos a palavra eficácia, não nos referimos somente a dados estatísticos de mercado, mas a uma competência afetiva, ou seja, a uma capacidade de construir relações emocionais com os objetos, produtos ou marcas. A palavra eficácia torna-se, nesse contexto, um desafio simbólico. A produção contemporânea no campo do design tem seu valor na sua capacidade de despertar afeto e emoções através da experiência e também pela sensibilização dos objetos através de conteúdos de caráter cultural. Juliana Pontes – Metodologia de pesquisa e projeto em design gráfico:

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2 impressão em serigrafia ȴ

serigrafia s.f. Processo de impressão, manual ou automática, em que as tintas, passando através de uma tela, reproduzem no papel, tecido, metal etc., o desenho que se quer fixar.


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sobre o processo

serigrafia caracteriza-se por ser um processo direto de impressão, chamado permeográfico. Isto é, a matriz entra em contato direto com o suporte e a tinta permeia a matriz para que a impressão ocorra. A matriz serigráfica constitui-se de uma tela, que pode ser de seda, náilon ou poliéster, e é por entre os espaços dos fios da malha utilizada que a tinta passa para imprimir no suporte. As matrizes são confeccionadas a partir de um quadro, que é uma espécie de moldura que sustenta o tecido, e pode ser feita de madeira, alumínio ou aço, onde a tela de tecido é esticada e fixada. O quadro pode ser confeccionado ou comprado pronto e seu tamanho varia de acordo com a arte a ser impressa. Mas como regra, o quadro deve ser pelo menos 7 cm maior do que a imagem. O tecido utilizado no quadro geralmente é de poliéster, vendido por metro, a partir de um rolo. Sua especificação varia conforme a quantidade de fios na trama. Quanto maior o número de fios, maior a quantidade de detalhes que pode ser impresso. Telas com menor quantidade de fios, são melhores para grande áreas homogêneas de tinta. Assim, a qualidade dos impressos serigráficos varia em razão do número de fios que formam a malha da tela da matriz. A lineatura das retículas usadas para trabalhos em quadricomia pode variar entre 60 linhas/cm e 90 linhas/cm, podendo chegar a 120 linhas/cm em trabalhos que necessitem maior qualidade de impressão. Para a gravação da matriz é usada uma emulsão fotossensível que é espalhada nos dois lados da tela, utilizando uma ferramenta denominada calha, que deve ter tamanho suficiente para aplicar a emulsão de forma homogênea na tela. Depois da emulsão estar seca, é usado um fotolito transparente com a imagem impressa em preto para gravar a imagem na tela com uma mesa de luz. Um dos grandes diferenciais da serigrafia é o fato de que quase qualquer tipo de pigmento e base podem ser usados com a tela, contanto que tenha a consistência correta, não sendo muito fina, e nem tão grossa que não chegue a passar

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por ela. Existem tintas feitas especificamente para silk, a base de óleo e outras a base de água. As tintas a base de óleo são as que possuem cores mais vibrantes, porém secam mais rápido e para isso precisam de uma tela com menos fios, depositando mais tinta. Isso faz com que a impressão de detalhes finos seja mais difícil. Um grande problema desse tipo de tinta é que os solventes usados para limpar a tela e retardar seu secamento são tóxicos e podem causar problemas de saúde. Os impressos feitos em serigrafia caracterizam-se pelo pequeno alto-relevo de tinta sobre o suporte impresso. Isto ocorre por se tratar de um sistema permeográfico de impressão. Como a quantidade de tinta depositada sobre o suporte é maior em serigrafia, consegue-se uma ótima cobertura de cor, até mesmo em grandes áreas chapadas.

A pop-art tem muitos exemplos de utilização de serigrafia. Andy Warhol explorava a técnica para a impressão de gravuras que ficaram mundialmente conhecidas.

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nathália cury continuação

ȰȰtinta A ideia inicial do projeto era demonstrar a possibilidade de imprimir em diversos substratos. Usei aqui a palavra “tinta”, para ressaltar a ideia da tinta sobre diversos materiais. As linhas utilizadas e o posicionamento da tipografia ressaltam a ideia de fluidez que a palavra tinta remete. Além disso, com esse leiaute foi possível testar os limites de áreas de linhas finas e a força necessária para impressão de áreas chapadas. Foi utilizada uma tela de 120 fios, porém o correto teria sido usar uma tela de 90 fios, já que o leiaute não possuía tantos detalhes, e teria entupido com menos facilidade. O primeiro dia de serigrafia rendeu poucos cartazes bem feitos, depois, a tinta foi diluída em mais solvente, onde achei o ponto certo da tinta e pres- são do rodo, teste ainda feito sobre papéis e com tinta preta opaca. No terceiro dia, serigrafei em materiais diversos: madeira, metal, acrílico, pvc, plástico e vidro, com tinta preta brilhante, onde consegui efeitos muito interessantes, principalmente em acrílico e chapas de metal. Após teste com os materiais, a tela foi aproveitada para experimentação com cores e sobreposições. A tinta sintética para silk é essencialmente opaca, portanto o primeiro teste com sobreposição de cores não ocorreu da forma planejada. Foi necessário fazer uma mistura das tintas com verniz transparente, para que as tintas se somassem quando sobrepostas. Foi testado também a ordem em que as cores deveria sem serigrafadas, e o melhor efeito se deu da tinta mais clara para a mais escura. Outros efeito interessante alcançado foi com cores em íris, onde utilizei 3 cores ao mesmo tempo na tela, criando passagens de cor em degradê. O último teste foi utilizar duas camadas de cor com papel inserido em ângulos diferentes, criando um moiré com as linhas do desenho.

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Alguns exemplos dos vários cartazes criados por Nathália Cury. As experimentações mostram o potencial da serigrafia.

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serigrafia  

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O cartaz ao lado foi feito em papel preto com três camadas de tinta branca.

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ȰȰ br anco no preto

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segundo exercício ressalta umas das maiores vantagens únicas da serigrafia: a possibilidade de imprimir com tinta branca sobre qualquer cor. A ideia do projeto ressalta essa possibilidade através do contraste da tinta branca sobre papel preto, usando apenas as palavras branco e preto, onde o branco é impresso com tinta e o preto é apenas entendido pela sua contra forma. Aqui é feita também outra brincadeira com o lettering já que as duas palavras são conectadas por 2 letras que têm em comum na mesma posição, o “r” e “o”, segunda e última letra de cada palavra. A tela usada dessa vez foi de 90 fios, o que facilitou o processo de impressão e causou menos entupimento de tinta. Porém, a tela teve que ser queimada mais de uma vez, pois na primeira tentativa ela ficou exposta por 8 minutos, o que foi pouco tempo e a tinta vazou em pontos que não deveria. A emulsão foi então retirada com um jato forte de água e queimada novamente, dessa vez com 11 minutos de exposição. A impressão foi apenas feita em papel preto de diferentes gramaturas e com tinta branca opaca e brilhantes, porém o melhor resultado se deu no papel de 240g/m2 com tinta opaca branca. O primeiro teste foi executado apenas com uma passada de branco opaco. A impressão, apesar de branca, não possuía boa cobertura no papel, dando um efeito de transparência no tom de branco. Percebi, então, a necessidade de testar também a impressão com mais de uma camada de tinta, mantendo o mesmo registro. Foi testado branco com 2 e 3 passadas de tinta. A mesa a vácuo teria facilitado muito o processo, mantendo o papel na mesma posição, mas foi possível em papel de maior gramatura passar a tinta, levantar a tela e puxar a tinta novamente, sem que o papel saísse do lugar, ou tivesse que ser recolocando no registro marcado na mesa de impressão.

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base-v B

ase-v é um grupo de artistas de São Paulo que atua desde 2002. Atualmente é formado por Zansky, Danilo Oliveira e David Magila. Trabalham a partir da experimentação livre e improvisação e produzem em diferentes linguagens, de publicações artesanais à instalações gráficas, misturando técnicas e materiais. O grupo valoriza o trabalho coletivo acima da individualidade, para criar novas formas de comunicação artística. Durante a execução dos trabalhos, habilidades individuais perdem sua importância, o que cria uma nova abordagem, livre das questões autorais. O resultado final, então, adquire uma identidade nova. A massa revela uma grande variedade de texturas, harmonias, timbres e materiais, onde cada integrante do grupo deixa seu rastro e o próximo o mostra (ou deleta) dentro de um novo universo de referências. Base-v busca influir no processo de disponibilização das artes visuais ao público, tornando-as mais acessíveis em todos os âmbitos, através de ações que valorizam a produção artística trazida para a esfera pública, por exemplo com a produção de livros e murais. Principais exposições incluem as coletivas: Rojonova no mis (Museu da Imagem e do Som), Do Papel ao Pixel na Galeria Marta Traba (Memorial da América Latina), transfer no Pavilhão das Culturas Brasileiras (Pq. do Ibirapuera) e a mostra individual: Basado en Hechos Reales na galeria Hollywood in Cambodia (Buenos Aires). Em setembro de 2012, participou da Mostra de Design, em Belo Horizonte, com uma exposição de gravuras impressas em serigrafia feitas por artistas de São Paulo e Buenos Aires. As gravuras eram impressas em até 4 cores e em papéis especiais e demonstravam como a serigrafia pode ser um processo explorado. Participaram de publicações como: ”Latino Grafico – Visual Culture from Latin America”, Die Gestalten Verlag, Alemanha, 2010; ”Screenprint Basics – A Complete How To Handbook”, Gingko Press, eua, 2010; ”Stuffz – Design on Materials”, Gingko Press, eua, 2009, entre outros.

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Imagens do estande da galeria belorizontina quartoamado na Feira Plana, em São Paulo.

A série de cartazers “Signes” da polvilho edições foi impressa em serigrafia a duas cores (preto e dourado). Cada cartaz contém elementos tirados de cédulas brasileiras de dinheiro.

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publicação independente

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mbora a maioria das oficinas profissionais use equipamento mecânico, é possível realizar a impressão serigráfica de forma artesanal, para se realizar esse trabalho com ferramentas e materiais facilmente disponíveis. Tendo em vista essa facilidade, a serigrafia é um método favorito da publicação independente. A técnica requer muito trabalho e permite que se participe ativa e fisicamente do processo de impressão. Atualmente, tem sido cada vez mais comum a publicação independente. Em 2014, ocorreram duas feiras no Brasil que merecem destaque pelo volume de material exposto: a Feira Plana, que ocorre sazonalmente em São Paulo e a Feira Gráfica, que aconteceu pela primeira vez em Belo Horizonte em maio desse ano. Nessas feiras, reúnem-se autores, designers, artistas, fotógrafos e outros criativos para expor e vender suas obras sem precisarem estar vinculados a qualquer editora ou órgão oficial. São recorrentes zines feitos em fotocópia e grampeados pelos próprios autores, cartazes impressos em em oficinas serigráficas artesanais e peças gráficas diversas.

ȰȰ polvilho edições

A

polvilho edições é um núcleo de criação e produção editorial independente. uma frente de ação artística, encontro de fazedores num espaço aberto à experimentação em palavra e imagem. Veio ao mundo no ano de 2012, em terreno belorizontino, como uma plataforma de autopublicação: ajuntamento de pessoas com o desejo mútuo de criar, publicar e distribuir livros e seus desdobramentos. A polvilho edições representa uma configuração editorial alternativa, pautada na valorização do trabalho autoral e na potência do processo. a aglutinação como caminho. é a união de forças e vontades para a concretização de projetos artísticos.

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Gravuras da exposição realizada pelo estúdio em homenagem ao amor. Foram impressas em serigrafia a 3 cores, cada.

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45 jujubas O

45jj é um estúdio multidisciplinar que atua principalmente com design e motion design para cultura e entreterimento e ilustração e tipografia para editoriais, identidades visuais e posters. Com bases em São Paulo e Belo Horizonte, Juliano Augusto e Marcelo Dante trabalham, desenham, respondem emails e organizam os projetos, projetam, procuram referencias, riem, escutam muita música e procuram fazer aquilo que acreditam e gostam. Os 45jj tem trabalhos publicados no Brasil e no exterior, já sairam em diversas revistas

Dois pôsteres projetados pelo estúdio e impressos em serigrafia, e suas respectivas matrizes.

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3 impressão em xilografia •

xilografia s.f. Arte de gravar em madeira. Técnica de impressão em que o desenho é entalhado com goiva, formão, faca ou buril em uma chapa de madeira.


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sobre o processo E

ste sistema é um dos mais antigos métodos de gravação e seu nome deriva do grego xylon (madeira) e grafos (gravar). O processo xilográfico consiste em entalhar linhas sobre uma prancha de madeira, pensando que as partes visíveis serão as que estiverem em relevo e que as sem impressão serão as que estarão em baixo relevo. Este tipo de impressão -conta a história- já se praticava no Oriente desde o século vii e era utilizado especialmente para a estampa de tecidos. Aparece na Europa muito tempo depois e os primeiros registros são do século xiv em estampas religiosas e calendários. Com a difusão do papel na Europa no século xv houve uma expansão da xilografia. A maior expressão da xilogravura tem destaque na Alemanha com a presença de Albert Dürer (1471-1528). Outro artista, no século xvii destacou-se na xilografia, Lucas Cranach e a partir do século xvii começa a substituição da base de madeira pela de metal. Graças à precisão artística alcançada pela técnica, no século xix foi muito utilizada para a ilustração de livros e de periódicos.

J. Borges J

osé Francisco Borges, conhecido como J. Borges, nasceu a 20 de dezembro de 1935, no município de Bezerros, em Pernambuco, onde deu início a sua vida artística e onde reside até hoje, escrevendo, ilustrando e publicando os seus folhetos. Ele começou a trabalhar aos dez anos de idade na agricultura, e negociava nas feiras da região, vendendo colheres de pau que ele mesmo fabricava. Em 1964, começou a escrever folhetos e a fazer xilogravuras, entalhando pinho e imburana. A década de sessenta foi um marco na vida do artista: sua obra e sua técnica, conhecida por tacos, passou a ser reconhecida nacionalmente como uma atividade cultural. Com o passar do tempo, em sua oficina montada próximo à sua residência, que inicialmente fabricava figuras para ilustrar

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apenas suas histórias, chegou a produzir cerca de 200 cordéis e dezenas de xilogravuras de capa. Hoje essas xilogravuras são impressas em grande quantidade, em diversos tamanhos, e vendidas a intelectuais, artistas e colecionadores de arte.Os temas mais solicitados em seu repertório são: o cotidiano do pobre, o cangaço, o amor, os castigos do céu, os mistérios, os milagres, crimes e corrução, os folguedos populares, a religiosidade, a picardia, enfim todo o universo cultural do povo nordestino. J. Borges tornou-se um dos mais famosos xilógrafos de Pernambuco, publicou vários álbuns de xilogravuras e alguns de luxo. Com a fama, a família de xilogravadores cresceu, incluindo três filhos do artista, um irmão, três sobrinhos e um primo, graças às aulas do grande mestre e artista popular J. Borges, que soube cultivar a semente da arte de criar figuras exóticas a partir das histórias e das lendas populares, que impregnam o espírito do mestiço nordestino.

Ȱ Ȱ j. borges & cosac naif y

E

m outubro de 2012, a editora Cosac Naify lançou o livro Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, com textos dos Irmãos Grimm. Para ilustrar a edição, a editora convidou o célebre gravurista pernambucano J. Borges, que conseguiu captar o maravilhoso dos textos e as metamorfoses da história por meio de uma técnica essencialmente nacional: a xilogravura. Borges talhou os desenhos em madeira, passou tinta e carimbou o papel. Muito diferente das ilustrações tradicionais das obras dos irmãos Grimm, o traço do cordelista abraça com naturalidade e humor a excentricidade e o maravilhoso da narrativa. As ilustrações não se restringem a príncipes e princesas: há batalhas com decapitação de dragões, pá com pernas brigando com vassoura sorridente, raposa com nove rabos entre tantas outras imagens singulares.

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Cada um dos tomos foi impresso com papéis de quatro cores – azul, verde, amarelo e rosa –, evocando as folhas coloridas em que usualmente são impressar as capas dos cordéis nordestinos. Sobre cada cor de papel, as imagens foram impressas em duas tintas (azul com rosa, roxo com laranja e vermelho com verde), sendo uma delas florescente. Do contato com a página colorida, resulta um total de doze cores diferentes. A mistura de cores chapadas e especiais dá ao livro um aspecto surreal e intrigante, em sintonia com a atmosfera dos contos. A tipologia escolhida foi inspirada nas matrizes de letras de madeira usadas nas impressões da época da primeira edição alemã.

A parceria entre o gravurista J. Borges e a Cosac Naify é um exemplo de aplicação contemporânea da xilogravura, já que as imagens foram digitalizadas e impressas em offset.

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LUís matuto F

ormado em Design Gráfico pela Universidade do Estado de Minas Gerais, frequenta o Atelier de Gravura da Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente dedica-se com paixão a estudar as possibilidades da gravura e dos tipos móveis de Gutenberg, aliado a elementos presentes no design como tipografia e apropriação de imagens. Já participou de diversas exposições e feiras, e atualmente é um dos principais nomes da xilogravura em Belo Horizonte. O método analógico está presente em seu trabalho desde o início do processo criativo, desde a criação de um desenho, até sua impressão. Matuto procura utilizar a metodologia original de gravação em madeira, e não se apropria de recursos digitais em praticamente nenhuma parte do processo.

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Gravuras da publicação Livro Preto, de xilogravuras do artista gráfico e gravador Luís Matuto, lançado na Feira Plana de São Paulo em março de 2014.

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Gravuras da publicação Breu, de xilogravuras do artista gráfico e gravador Luís Matuto, também lançado na Feira Plana de São Paulo.

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4 fotografia & colagem *

fotografia s.f. Processo de fixar em chapa sensível, no interior de uma câmara escura, a imagem de objetos iluminados diante dessa câmara, dotada de um dispositivo óptico.


sobre os processos Ȱ Ȱ fotogr afia analógica

O

funcionamento de uma câmera anlógica engloba processos químicos e mecânicos, apresentando componentes chaves, responsáveis pelo sua percepção, entrada de luz e captura das imagens, sendo de grande valia o seu conhecimento. Nas câmeras analógicas, o filme a impressão das fotos nos dias de hoje. O tamanho padrão é de 35mm - mesmo tamanho do sensor digital utilizado nas câmeras digitais. O filme é formado de uma base plástica, frexível e transtarente; sobre este plástico, há uma camada muito fina de cristai de prata, muito sensíveis à luz. Quando o fotógrafo clica na câmera, o obturador se abre e a luz penetra no filme. Posteriormente, através de um tr atamento químico, chamado emulsão, os postos de luz captados pelos cristais de prata são queimados, gerando a imagem fotografada. Uma dos motivos pela opção das câmeras analógicas nos dias de hoje, é a questão da qualidade da imagem, onde geralmente fotógrafos perdem muito tempo editando as imagens digitais a fim de encontrar uma aparência de filme, algo natural nas fotografias analógicas. Além disso, o uso destes filmes é mais valorizado, pois acredita-se que este possua um alcance dinâmico maior do que na fotografia digital.

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ȰȰ col agem

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olagem é a composição feita a partir do uso de matérias de diversas texturas, ou não, superpostas ou colocadas lado a lado, na criação de um motivo ou imagem. Foi utilizada por Picasso e Georges Braque, entre outros. Ela é uma técnica não muito antiga, criativa e bem divertida, que tem por procedimento juntar numa mesma imagem outras imagens de origens diferentes. A colagem já era conhecida antes do Século xx, mas era considerada uma brincadeira de crianças. O cubismo foi o primeiro movimento artístico a utilizar colagem. Os cubistas colavam pedaços de jornal ou impressos em suas pinturas. A colagem como procedimento técnico tem uma história antiga, mas sua incorporação na arte do século xx, com o cubismo, representa um ponto de inflexão na medida em que liberta o artista do jugo da superfície. Ao abrigar no espaço do quadro elementos retirados da realidade - pedaços de jornal e papéis de todo tipo, tecido, madeira, objeto e outros -, a pintura passa a ser concebida como construção sobre um suporte, o que dificulta o estabelecimento de fronteiras rígidas entre pintura e escultura.

Colagem feita por Picasso como exercício de desconstrução do violão.

fotografia & colagem

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eduardo recife O

trabalho de Eduardo Recife exprime nostalgia nos tons e elementos imagéticos, contudo é contemporâneo em temática e abordagem. O artista, ilustrador, designer gráfico e tipógrafo natural de Belo Horizonte, Minas Gerais diz desenhar desde pequeno, e não duvida-se disso nenhum instante ao observar suas composições. Nas colagens, Recife parece decompor objetos em poesias imagéticas subjetivas e pessoais, e está presente nas imagens que cria. Em seu trabalho, vê se um homem que fala por meio de imagens, pois traz música à forma. Suas colagens inspiram um túnel do tempo que traz direto para o presente. Eduardo é autodidata e acredita que os gráficos antigos eram infinitamente mais belos do que os que são produzidos hoje. “Eram mais poéticos, e as cores mais atrativas. Sempre gostei de coisa velha.”, afirma. Quando mais novo, Recife usava roupas e sapatos usados (e gastos) dos primos mais velhos, e adorava. O ilustrador diz se interessar por roupas e objetos vintage pois eles lhe dão a sensação de que foram tocados pelo tempo ou pelo artista.

A relevância do trabalho de Eduardo Recife para este livro vai muito além da estética nostálgica. Suas colagens e ilustrações trazem não só técnicas analógicas e as aspectos formais advindos no passado, mas também questionamentos sobre o presente.

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Colagens dos alunos Luiza Bastos e Eduardo Recife, da terceira e primeira edições da revista, respectivamente.

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revista traça A

revista Traça, do curso de Design Gráfico, foi criada por alunos desenhistas/quadrinistas, sob inspiração do professor do Design de Produto, Marcos Malafaia, um dos inventores da rafte-76% Quadrinhos. Com coordenação e conselho editorial do professor Mário Arreguy e docentes da fumec, a traça– Arte Gráfica Universitária é um espaço para produção gráfica de fotos, tipografias, colagens e exercícios de linguagem, que demonstra o vigor da pesquisa como sistematização da experiência visual e anuncia a revelação dos talentos e a qualidade da estrutura da instituição. A 2ª edição da revista reverencia a literatura como fonte de inesgotável imaginário: Clarice Lispector e a grande dúvida da criação, pelo professor Mário Geraldo; a twitteratura, abordada pela professora Denise Eler; o discurso verbo visual LiteARtura, com o professor Eduardo Braga. O projeto foi desenvolvido por professores e alunos e contou com o apoio do coordenador do curso de Design Gráfico da fea-fumec, professor Guilherme Guazzi. Destaque para os professores que colaboraram com o projeto: Samuel Eller, Fernanda Loureiro, Rafael Neder, Juliana Pontes, Denise Eler, Alexandre Lopes e Hugo Werner.

Abaixo, as duas capas da terceira edição, que comemorava os 10 anos da Escola de Design na fumec, em 2011.

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Colagem criada por Ricardo Donato durante o workshop com Stefan Sagmeister, em 2010.

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entrevista com ricardo donato Formou-se em Design Gráfico na fumec e atualmente trabalha na Greco Design, em Belo Horizonte. Apaixonado por tipografia, letterpress, grid e experimentação. Você já fez muitos trabalhos nos quais utilizou alguma técnica ou estética analógica. Teve algo específico que te fez se interessar por recursos como a tipografia e a colagem? Começou um pouco com essa história da colagem. Não é algo que eu faço tanto hoje em dia, mas contribuiu muito para o meu olhar composicional. Mais pra frente, acabei me interessando muito pela tipografia também, porque não sou um designer que faz muita ilustração. Eu sempre tive o hábito de pensar bastante o trabalho antes de ir para o computador, apesar de adorar usá-lo, gosto de usar a máquina mais quando já estou bem a vontade com alguma ideia. Utilizo mais como ferramenta para finalizar o trabalho e a ideia. Por exemplo, quando fiz o workshop com o Sagmeister, o resultado traduz bem como eu funciono. Aquela colagem é toda manual, foi feita durante o workshop. E depois de ficar com a colagem durante um tempo – eu já tinha a ideia de fazer um pôster – comecei a pensar em como poderia utilizar a colagem no pôster, qual frase eu colocaria… Eu normalmente faço quase tudo à mão, começo a rabiscar, criar um roteiro da composição. Nunca vou pra máquina e fico jogando as coisas, acho que esse é um exercício um pouco limitado. A máquina nos deixa um pouco burros, porque nos dá três opções: ou você alinha no centro, à direita ou à esquerda. Então eu sempre faço as minhas composições – seja um pôster ou um folheto – à mão, como se fosse um storyboard. Então, quando já tinha o pôster praticamente pronto na cabeça, eu digitalizei essa colagem e, no computador, tratei ela um pouco, limpei alguma sujeirinha que pudesse ter no scan, e comecei a trabalhar com a inserção da tipografia – eu adoro trabalhar a questão das camadas, a tipografia vetorial batendo por cima de uma imagem analógica, por exemplo. Tenho um grande vício nisso, porque na verdade trabalha-se exatamente como

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duas ferramentas de dois tipos de trabalho diferentes, que é o trabalho manual e o trabalho digital, mas se somando um ao outro. Isso é o que me interessa: eu adoro quando consigo fazer uma junção de coisas cuja base é extremamente analógica, que surgiram do projeto feito à mão, que se somam ao vetorial, que é algo extremamente digital, com aquela boa definição que tem a linha vetorial. Tem um outro trabalho que eu fiz também, que é a capa do disco No hay pelicula, que eu fiz em dois processos. Aquilo era uma foto da minha avó, que eu queria utilizar na capa e já deixei separada. E comecei a fazer um lettering manual. Você já viu o trabalho do Jackson Alves? Foi mais ou menos dentro daquela linha. Eu fiz o lettering todo à mão. Fiz uma vez e ficou ruim, aí fiz de novo, e de novo, e fui só finalizando ele à mão. Quando eu estava lá pro quinto lettering, ele ficou bom. Então, escaneei. Nessa etapa tem o refinamento que eu acho que o digital traz, que eu amo. Você vai tratando os nós e tudo mais, mas o fruto daquilo surge do trabalho manual, mesmo depois do trato vetorial e digital, aquilo saiu de uma tentativa e de um exercício da caligrafia. Eu sempre faço isso, porque acho que esbarra em situações mais engraçadas. Eu acho que quando você está no computador, tem uma dureza, você fica limitado. Quando está com a mão solta, uma pena, ou um canetão com a ponta chata, você pode cometer um erro no processo de desenho e falar “Opa! Isso é interessante.” E acho que no computador esse acaso até acontece também, mas é bem mais raro. Eu gosto na verdade é disso, é dessa somatória. O que entra pra mim do trabalho analógico não é o fato dele ser feito à mão, tanto que eu não gosto tanto de evidenciar que ele é feito à mão. Eu tenho uma característica do design suíço no meu portfólio,

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também. Porque se você pensar bem, todos aqueles pôsteres suíços eram feitos à mão, basicamente. Mas eles têm um nível de acabamento, de detalhe e de precisão muito altos. E essa brincadeira me atrai. Eu estou fazendo um projeto agora, por exemplo, que é uma série de pôsteres tipográficos que eu vou fazer à mão e só com máscara. Nada passa pelo computador, são máscaras e spray. Mas eu quero um acabamento perfeito, quero aquela linha reta, perfeita. É feito à mão, mas um computador poderia ter feito. Então eu costumo brincar com essa coisa oposta, também. Eu faço muito isso: crio peças digitais, imprimo, recorto como uma máscara e levo todo o digital para o “feito à mão”, porque aí eu consigo essas irregularidades que me agradam muito e que estão nos pôsteres suíços, também. Por conta deles usarem ou a tipografia, que no caso a própria prensagem gera uma irregularidade por causa da tinta, ou o silk, no qual cria-se uma linha perfeita, mas ainda assim há um granulado, uma irregularidade, mesmo com toda a precisão. Então eu faço muito esse exercício contrário, também. Aquela ópera Tosca, também foi assim: eu fiz o pôster todo digital, aquela bola, em degradê digital, pra estudar a composição; o nome; o tracking bem aberto da palavra; eu fiz todo digital. E depois, com o pôster digital pronto, eu fui gerando as máscaras. Imprimi aquele círculo em negativo e fiz ele em degradê com dois sprays, depois fiz a máscara de cada letra com pirógrafo, fiz vários testes com spray, escaneei e remontei o pôster daquele jeito. Então eu acho esse processo inverso bem legal também. E a maioria das vezes é assim, misturando os dois processos, seja começando em um processo manual e indo pro computador pra que a informação seja trabalhada ou seja ela saindo do digital, sendo impressa ou gravada de alguma maneira pra ser levada para o suporte físico e retornada para o digital novamente. Porque o físico traz uma materialidade para o projeto que não pode ser simulada. O Indie também teve esse processo inverso: eu escolhi a tipografia din e fiz ela em caixas de papelão de quarenta centímetros, como se fossem piscinas. Mas aí ficou pequeno. Eu então escrevi a palavra de novo no Illustrator, dessa vez com um metro e vinte, levei lá pra Praça Sete, enchi de coisas dentro, nós tiramos a foto e depois eu voltei a foto

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O cartaz do Indie 2008 é um exemplo de integração entre o analógico e o digital. Os efeitos de vazamento de luz foram aplicados digitalmente, embora remetam à fotografia analógica.

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para a máquina pra inserir algumas informações. Foi um processo bem cambiante. Você acha que depois que você começou a fazer projetos assim, vieram clientes atraídos por esses resultados? Sim. Quando eu fiz o trabalho do No Hay Pelicula, que chamou atenção pelo lettering, logo na sequência eu fui convidado por uma outra banda que queria só o lettering da capa também. Eles já tinham uma ilustração pronta, feita por um amigo deles, e eles queriam que eu fizesse o lettering que comporia a capa do disco. E depois disso eu comecei a me empolgar com o desenho de letras, eu ainda não criei a minha própria tipografia, mas tento sempre que eu posso usar, até em trabalhos comerciais, como marcas ou capas de disco, essa abordagem em relação ao desenho das letras. Eu sempre tento desenhar as letras, é uma coisa que me dá prazer, exatamente porque me faz começar na mão. Eu penso em como é a anatomia do desenho, será que ele pode ser assim, esse tipo de curva é legal, a altura de x vai ser essa, vai ser caixa baixa ou caixa alta… E eu gosto quando eu já defino nos rabiscos algo finalizado, porque aí na parte digital acontece um terceiro refinamento. Tem o sketch, que é o refinamento um, depois você faz um outro sketch mais finalizado, talvez com o uso de régua ou algo assim, então você escanea e no computador você consegue deixar aquilo mais legal ainda. Foi o caso do projeto do Volt, que é uma marca de uma empresa de engenharia. Eu desenhei as letras do zero, mas muita gente olha e pensa que eu só escolhi uma letra e pronto. Então é isso, o tesão que eu tenho hoje em trabalhos de design é a editoração, a diagramação, o trabalho com a tipografia. Eu comecei trabalhando em uma empresa de sinalização viária, que fazia placas de trânsito. Eu era “depilador”, a minha tarefa era assim: chegavam os adesivos das letras das placas. Aí você tem que tirar só o adesivo extra e deixava só as letras, eu tirava o olho do A, do O, e aqueles adesivos do entorno. Eu tinha 17 anos, e nesse processo eu fui tomando gosto, fui gostando de escolher letras diferentes para trabalhos de escola, comecei a entender essas coisas de composição, alinhamento. E quando eu entrei no curso de Design Gráfico, percebi que foi um reflexo disso. As

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Para a execução do poster da ópera Tosca, cada elemento foi feito separadamente de maneira analógica e só depois foram unidos no computador

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pessoas me procuram por conta disso que você perguntou, pra fazer vários tipos de trabalhos, e eu não tenho muitas restrições não, costumo pegar quase todo tipo de trabalho. Muitos amigos me chamam pra fazer coisas que são extremamente baratas, até empresas maiores, e eu não me sinto muito no direito de negar. Acho que em qualquer dos segmentos dá pra brincar, criar um jogo, investir no trabalho. Muita gente fica com preguiça do cliente, e eu não concordo muito com isso. Quando eu era mais novo pensava tinha isso, porque acreditava que os clientes não iam me dar a liberdade criativa que eu achava que merecia. E hoje eu percebo que não é assim, faço trabalhos pra clientes coorporativos que me dão muito mais prazer do que um trabalho para o Palácio das Artes, por exemplo. Aquele pôster da Tosca mesmo, nem foi aprovado. Entrei numa sala de reunião com sete pessoas, diretor de espetáculo e sei lá o que, e viraram pra mim e falaram “Olha, o pôster tá muito bom, ficou legal. Mas é muito.” Eu perguntei “Como assim é muito?”, eles falaram que era uma tradução muito elaborada e muito bonita, mas que eles estavam com receio de o público não reconhecer o espetáculo por causa da interpretação simbólica que eu tinha feito. O azul representava o olho de uma das personagens da ópera, enquanto aquele preto representava uma outra personagem que tinha os olhos escuros e que tinha ciúme da outra. E aquela mancha representava essa fúria. Eles acabaram pedindo um pôster com a foto do espetáculo no fundo e com um texto bem diagramado, porque acharam aquele muito complexo. E em contrapartida o cliente da Volt, que é uma empresa de engenharia elétrica, amou o projeto assim que viu. E eu tive tanto prazer quanto o

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outro, ao fazer. Então eu não sei bem por que as pessoas me procuram, não sei seu eu tenho nem um estilo. Eu vejo que você tem um caráter forte de experimentação, que está sempre presente nos seus projetos, e acho que isso se reflete no seu trabalho de maneiras diferentes. Não sei se isso se caracterizaria como o seu estilo. Você se formou na Fumec, que tem na grade curricular fixa matérias como colagem e caligrafia. Sua atual paixão por esses recursos te influenciou na escolha da universidade? Não. Na verdade, até o 4º período eu estava bem perdido no curso. Não conseguia fazer os trabalhos direito, me sentia meio desconfortável… Eu achava que não fava fazendo nada legal. Mas o curso da fumec, até o 4º período, é um curso genérico, porque é junto com Produto, Moda e Interiores. Você faz uma luminária em uma matéria, e em outra faz uma fotografia com inserção de texto, tem até uma matéria que você tem que inventar uma comida! Então eu me perguntava aonde aquilo ia me levar. E aí, no 5º período, eu tive aula com o Hugo Werner, que tinha morado na Califórnia pra estudar design e quando voltou, resolveu dar aula. Ele tinha uma abordagem que era inédita, até o momento, que era um olhar de design que eu achava o mais apurado e ele tinha mil referências e muito gosto pela tipografia. Ele que me apresentou o Emil Ruder, Crouwel, e todos esses caras clássicos da tipografia suíça. Me mostrou o design norte-americano, design alemão e a cultura clássica da tipografia. E aí eu comecei a perceber que era daquilo que eu gostava: letras. E é uma das coisas que o designer gráfico mais trabalha, né. O tempo inteiro, texto e imagens. À partir daí, comecei a me interessar muito por tipografia. Pesquiso e leio bastante sobre isso. E o Werner trazia exercícios muito bons em relação a isso. Ele tinha um exercício em que ele dava a Univers, e pedia pra gente diagramar o texto “A Galáxia de Guttemberg” primeiro em duas folhas a4. Ele tinha referências incríveis de sintaxe pra mostrar como trabalhar o significado do texto em relação ao significado do uso da tipografia. Como criar sentido, como explorar variações de tracking, de inclinação, como usar a diagramação para ajudar a alavancar o significado

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das palavras, etc. Eram análises complexas sobre diagramação, sem ser fútil, sempre com embasamento, com justificativa e pensando a coisa conceitualmente, como história. Ele foi crucial para mim. Ele me apresentou uma das minhas maiores referências, um cara cujo trabalho eu admiro muito que é o Wolfgang Weingart. Ele fazia umas experimentações com reticulagem e colagem, e inserção de tipografia com fotocomposição por cima da colagem, que é uma coisa que eu faço também, mas no digital. Eu tenho um livro dele que se chama “Meu caminho na tipografia”, de umas 800 páginas, que conta toda a história dele e fala de exercícios que ele fazia com tipografia. São exercício absurdos de composição, nos quais ele analisa qual é o limiar para a desconstrução do texto sem afetar o reconhecimento das letras. Ele suprimia e contraía os caracteres, mas ainda assim eles eram lidos no conjunto. Acho que no meu trabalho também tem essa questão, de sair sempre do caminho mais fácil e analisar qual é a relevância de se seguir o padrão. Pode haver um contraste de tamanho, que vá chamar a atenção. Ele se perguntava por que não colocar uma inclinação no texto, por exempo, que pode até afetar a leitura, mas contribui com a composição. Então eu sempre gostei desse limite entre a leiturabilidade e a composição visual. Apesar de eu usar muita coisa manual, meus trabalhos são extremamente rigorosos. Se você abrir um grid de

Foto da montagem do letreiro para o pôster de divulgação do Indie 2008.

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algum trabalho meu, vai perceber que é tudo muito pensado e muito cartesiano, eu sou muito matemático nesse sentido. Por exemplo, teve uma colagem que eu fiz, que eu denominei Pragmatism. Eu tinha ido na Mendes Júnior pra fazer um trabalho pela Greco, vi umas vigas de concreto jogadas em um lote vago e tirei algumas fotos. E aí comecei a brincar com as perspectivas das vigas na colagem, xeroquei algumas coisas, fiz algumas sobreposições, e então guardei esse trabalho. Depois, fui convidado para fazer a capa da 4ª edição da revista Traça, que é uma revista da fumec, e resolvi usar aquela imagem da colagem. Na capa eu fiz uma composição com alguns círculos cinzas que sobrepõem a informação. Esses círulos formam a concha áurea, mas de uma maneira bem sutil, quase subliminar. Eu não queria deixar isso tão óbvio. A linha superior na composição pára onde tem uma linha preta na colagem e continua na lateral, e a contraforma do número 2 faz o resto da curva. Parece tudo muito aleatório, mas eu sou extremamente cartesiano. Eu sempre brinco com essas regras, uso a progressão de Fibonacci, ponto áureo… Acho que meu trabalho tem muito disso. O Hugo Werner falava muito sobre a importância de fazer um exercício de dissecar a imagem, de aprender a analisar visualmente e ver as estratégias que foram usadas nas composições. Nada é por acaso, uma coisa se relaciona a outra, sempre existe diálogo entre elementos composicionais. O aleatório pode até ser feito, mas depois é importante dissecar esse aleatório para entender a potencialidade que a imagem tem, como pode ser feito algum corte, escalonamento ou inserção de tipografia. Usar diagramas para compor imagens e textos também pode ser caracterizado como um retorno as origens do design, no seu trabalho? Sim, com certeza. O espaço vazio, como ideia, é uma das coisas que eu mais curto. E acho que sem entender a história, é impossível compreender o espaço vazio de uma página. Quando eu comecei a trabalhar fazendo livros, por exemplo, eu era tão doente com isso que comecei a trabalhar como

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se eu estivesse em uma oficina tipográfica, literalmente. Eu trabalhava com pontos no meu InDesign até para definir o formato, para você ter uma ideia. Eu não escolhia o tamanho de uma página em centímetros, porque era em pontos que os tipógrafos definiam. Era tudo totalmente conectado com a tipografia. Isso dava a dimensão do espaço vazio, porque era tudo relacionado entre si. Acho que as pessoas não tem tanto carinho teórico mais. Independente do trabalho que eu estiver fazendo, sempre faço com muito cuidado e atenção. Eu percebo que, mesmo fazendo um trabalho com todos os recursos digitais, há sempre muita carga histórica. No final das contas mudou só a tecnologia, o pensamento continua o mesmo.

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fábio lamounier O

fotógrafo mineiro Fábio Lamounier começou cedo, como é natural acontecer com muitos dos grandes talentos da arte. Aos 24 anos, é formado em Publicidade e Propaganda pela puc e atualmente trabalha como fotógrafo e videomaker no estúdio Chagelado, de Belo Horizonte, que fundou com os amigos Rodrigo Ladeira e Bárbara Magri em 2010. Contabiliza vários trabalhos nas áreas de foto e vídeo, em sua maioria na área da moda. “Meu interesse por fotografia começou desde cedo, quando já acompanhava e observava meus pais fotografarem – ambos fizeram alguns cursos de fotografia e possuíam câmeras”, conta. Aos 13 anos ganhou uma câmera analógica, aos 15 descobriu a fotografia digital e mais tarde foi reapresentado às câmeras com filme. Suas fotografias são registros simples, com luz natural, de pessoas próximas e situações cotidianas. “Me interesso mais por aqueles assuntos banais e descontraídos do que algum ambiente montado. Por isso, minhas principais influências são fotógrafos que encontro ao acaso no Flickr e que tem uma linguagem parecida com a minha”, revela. Mesmo assim, cita alguns nomes conhecidos: “o Ryan McGinley é o que eu mais admiro, mas também gosto muito do trabalho do Hedi Slimane, do Guy Aroch e do Juergen Teller”. Quando questionado sobre a tendência crescente da fotografia analógica e lo-fi em entrevista para o site Evolução Francesa, Lamounier respondeu: “Eu imagino que a expansão da linguagem lomográfica, principalmente pela internet e a recente abertura de uma loja aqui no Brasil, contribuíram bastante para o crescimento do seu uso. Desde 1990 as Lomo já eram utilizadas na Europa, mas só tiveram seu auge por aqui nesses últimos tempos. Essa vibe experimental e despretensiosa da lomografia contrasta com esse mundo aficcionado com produtos digitais e imagens descartáveis, por isso imagino que seja algo que ainda vai permanecer um bom tempo. A Polaroid é outra possibilidade de experimentação com filme, dessa vez instantâneo, e traz essa pegada vintage e retrô, que também está bem em voga.”

A foto da página ao lado foi tirada com a câmera Polaroid Onestep Closeup e com o filme color push 680 px. As manchas da foto são partes da polaroid que não foram reveladas.

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A foto acima foi tirada com a câmera Canon ae-1 e filme hp5. A da direita, com a câmera Diana Mini, da marca Lomography, para um trabalho comercial de moda. Ambas são exemplos da dupla-exposição, recurso muito usado na fotografia analógica.

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A fotografia ao lado foi feita com a mĂĄquina Yashica Mat124g, com um filme Kodak ektacolor pro 160, que havia passado da validade 2o anos antes.

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Ambas as fotografias desta pågina foram tiradas com a câmera Canon ae1, sendo que a da esqueda foi feita com filme vencido Tri-x.

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Fotografia feita com a câmera Canon ae1, com filme Kodak Colorplus.

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conclusão O

comportamento de retorno às origens de algum modo de fazer não é padronizado. Não é possível afirmar que todos os ojetos de estudo desse livro utilizam métodos analógicos por se sentirem sobrecarregados pela Era Digital, ou que têm um apreço pelo passado por motivos de pura e simples nostalgia. Há quem busque compreender a origem daquilo que faz por admiração pela metodologia que era utilizada antigamente, ou por gosto pelo caráter visual que existia. Contudo, é comum a quase todos que fazem analógicamente o amor pelos erros do processo. A imperfeição é sublime, é desejada e comemorada. O retorno às origens traz o defeito que foi corrigido pela evolução dos tempos, e esse defeito torna única a peça criada, pois fica evidente que houve a participação ativa de um ser humano no processo. Seja a falha devido à pouca ou muita tinta utilizada, pelo deslocamento do registro ou pelo vazamento de luz que ocorre nas câmeras fotográficas antigas, são todas bem-vindas. Vale notar, também, que existe a ideal imperfeição, e refina-se o processo até atingi-la. É curiosa, também, a observação de que a maioria dos amantes das tecologias antigas não recusa o digital. Pelo contrário, procuram aplicar o conhecimento e metodologia apreendidos do fazer original quando trabalham digitalmente. Sendo assim, há uma relação de cumplicidade entre essas duas esferas, que a princípio parecem opostas. No computador, faz-se analogia ao manual (e vice-versa). O saber adquirido no estudo do passado faz possível a comparação, e aprimora o fazer contemporâneo. A grande maioria vive no diálogo entre o antigo e o atual. Em suma, o olhar voltado para os tempos antigos é mais educado e respeitoso. É também mais poético e cuidadoso para que ocorra a ideal imperfeição. Mas já que o duradouro de hoje nem espera a tinta do jornal secar, firma, azul, a tua promissória ao minuto e adeus que agora é tudo História. José Paulo Paes – À máquina de escrever.

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agradecimentos E

ste livro nasceu como cumprimento de trabalho para as disciplinas Prática Projetual iii e Expressão Gráfica v, na Escola de Design da uemg (Universidade do Estado de Minas Gerais). Contudo, foi tão prazeroso e gratificante, que poderia ter sido um projeto pessoal. Agradeço aos professores Angélica, Daniela e Sérgio, por exigirem esse trabalho e por acreditarem no potencial do tema escolhido. Agradeço-os também pelas orientações, que ajudaram a guiar e a lapidar esse projeto, e pelas aulas sempre tão engajantes.zz Aos que contribuíram com imagens e textos: Nathália Cury, Fábio Lamounier, Ricardo Donato e Flávio Vignoli. Aos dois últimos, obrigada pela paciência e tempo, e o mais importante: pelas palavras. Aos amigos “meigos”, pela compreensão, conselhos, risadas e apoio no sofrimento coletivo. Aos professores Joana, Laís e Sérgio Lemos, pelas orientações quanto à produção gráfica e pelas referências inspiradoras. A meus pais e Érica pela paciência. Muito obrigada.

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© Letícia Naves, 2o14 Título original: (im)perfeição gráfica: analogias Editores daniela luz, sérgio luciano da silva Revisão técnica joana alves, laís freire, sérgio lemos Projeto gráfico letícia naves Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Naves, Letícia (Im)perfeição gráfica: analogias / Letícia Naves Belo Horizonte: Editora Index Book, 2014 104 pp. 125 ils. isbn 978-85-405-0098-3 1.Design Gráfico 2.Experimentação 3.Produção Gráfica 4.Arte 5.Fotografia Nesta edição, respeitou-se o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. letícia naves leticiaanaves@gmail.com +55 31 88135885


Este livro foi projetado por Letícia Naves, para um trabalho da disciplina Prática Projetual iii, ministrada pelos professores Sérgio Luciano da Silva e Daniela Luz de Oliveira, na Universidade do Estado de Minas Gerais. Sua impressão ficou a cargo da gráfica Astergraf, em Belo Horizonte. A fonte do texto é a Mrs. Eaves, e as legendas e títulos foram compostas pela Mr. Eaves, ambas projetadas por Zuzana Licko. O papel é o Colorplus Marfim 120g/m2.


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