O mapa do
PaĂs do Natal JosĂŠ Jorge Letria
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dezembro de 2020
O mapa do
País do Natal Era uma vez um homem que passava o dia a desenhar mapas. Sentava-se à secretária e, usando canetas de várias cores, desenhava países, cidades, autoestradas, vilas e regiões com uma minúcia difícil de igualar. Diga-se que era um homem tímido e de muito poucas falas. Por isso, não só escondia com o tronco largo e com a inclinação da cabeça os seus mapas, como evitava dizer acerca deles uma palavras só que fosse. Aquele era o seu segredo e o seu mistério. Porém, é bom que se diga, não era esse o seu ofício. Ele tinha outro. A sua profissão era de escriturário, o que significa que escrevia ofícios e preenchia requisições, sempre sob o olhar vigilante do seu chefe, que era um corcunda mal humorado, com a mania de espreitar por cima do seu ombro para ver se ele estava a preencher requisições ou a desenhar os mapas de várias cores. Ele, no entanto, como era maior que o corcunda mal humorado, que aparecia sem se fazer anunciar para dar ordens e policiar o trabalho dos seus subordinados, conse2
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guia sempre esconder muito bem os mapas que com tanto carinho e imaginação ia desenhando. Usei a palavra "imaginação" porque os seus mapas eram todos inventados, correspondendo a uma geografia imaginária que não vinha nos atlas nem em obras semelhantes. Eram mapas de países sonhados que ele trazia consigo, desde a infância, dentro da cabeça. Um dia, o chefe que era, já se disse, corcunda e mal humorado e que parecia ter as costas arqueadas precisamente como consequência da vigilância constante que exercia sobre os funcionários, conseguiu surripiar-lhe um dos belos mapas imaginários e, chamando-o à sua presença, perguntou-lhe: O que vem a ser este mapa? Você anda aqui, nas horas de serviço, a trabalhar para fora? - Nada disso, chefe - respondeu, serenamente, o desenhador dos mapas inventados. - O que o senhor tem na sua frente é a minha maneira de ver o País do Natal.
- Mas onde é que existe esse País do Natal? inquiriu, engrossando a voz, o chefe mal humorado.
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- Existe na minha imaginação e não lhe falta nada, nem abrigos para as renas que puxam o trenó do Pai Natal, nem uma estalagem para ele dormir e recuperar forças, nem grandes armazéns para se guardarem os presentes das crianças explicou, com pormenor, o desenhador dos mapas inventados. O chefe, que era, já o sabemos, corcunda e mal humorado e não possuía uma ponta de imaginação, retorquiu secamente: - Como é assim que você ocupa o tempo que lhe é pago para fazer coisas úteis, a partir de amanhã fica em casa a desenhar mapas, pois eu tenciono substituí-lo por alguém menos sonhador, mas mais produtivo. O desenhador de mapas inventados nem forças teve para responder. Guardou os mapas e as canetas de várias cores e foi para casa, dando voltas à cabeça para encontrar outro emprego. Entretanto, o chefe corcunda e mal humorado, guardou cuidadosamente o mapa e, nas férias de Natal, motivado por uma forte curiosidade, meteu-se no carro e, seguindo à
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risca o traçado do mapa, tentou descobrir o País do Pai Natal. Escusado será dizer que nunca lá chegou, acabando por ficar perdido, algures entre o sonho e a realidade, num espaço de penumbra do qual dificilmente se sai, pois a visibilidade é escassa e não existem setas indicando o caminho. Quanto ao desenhador de mapas, acabou por ser chamado para retomar o seu trabalho na repartição, pois só ele sabia pôr os papéis em ordem, manter os colegas entretidos com as histórias que às vezes lhes contava e dar ordens certas nos momentos certos às pessoas certas. Foi para os colegas que desenhou um novo mapa, desta feita um que mostrava a forma e a organização do território do País dos Dias Felizes. Só com o mapa de que ele possuía a fórmula secreta era possível lá chegar. Eles chegaram tendo o autor dos mapas inventados a servirlhes de guia. Passados alguns meses, o desenhador de mapas inventados recebeu uma carta que rezava assim: "Caro amigo, obrigado por teres desenhado o mapa do País do Natal. Graças a ele, eu deixei de me perder
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quando, em dezembro, desço à Terra no meu trenó e também deixei de me perder na hora do regresso. Assim, as crianças sabem que eu chego sempre a tempo e que não me engano quando o tempo é de lhes entregar os presentes por que esperam o ano inteiro. E, sabes uma coisa? Descobri que o País do Natal é muito parecido no seu traçado com o País dos Dias Felizes. Este mundo está, afinal, cheio de coincidências engraçadas". Numa
assinatura bem legível, liam-se as palavras:
Pai Natal .
In: "A Árvore das Histórias de Natal", José Jorge Letria, Ed. Ambar, 2006.
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