A Menina dos Fรณsforos Hans Christian Andersen
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de
dezembro de 2020
A Menina dos Fósforos Estava imenso frio, nevava e começava a escurecer. Era a última noite do ano, véspera de Ano Novo. Uma pobre menina de cabeça descoberta e pés descalços caminhava pelas ruas ao frio e às escuras. Ao sair de casa, calçara uns chinelos, mas isso não lhe servia de nada, agora! Eram demasiado grandes para ela - na realidade, eram da sua mãe e tão compridos que lhe saíram dos pés quando teve de correr pela rua, a fugir de duas carruagens que circulavam a grande velocidade. Quando as carruagens passaram, não conseguiu, de maneira nenhuma, encontrar um dos chinelos, e um rapaz fugiu com o outro, dizendo que poderia servir de berço ao filho que um dia teria. Por isso, a menina caminhava agora sem nada nos pés, que já estavam roxos de frio. Tinha alguns fósforos no bolso do avental e um molhinho na mão, mas ninguém lhe tinha comprado nenhuns durante o dia todo. Ninguém lhe tinha dado sequer um tostão. Cheia de fome e gelada até 2
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aos ossos, a pobre menina continuou o seu caminho: uma imagem que metia dó. Os flocos de neve caíam nos seus longos
cabelos
louros
que
se
encaracolavam
graciosamente junto ao pescoço, mas o que é certo é que ela nunca para pensar que ela poderia ser bonita. Em todas as janelas brilhavam luzes e, mesmo na rua, sentiase um cheirinho delicioso a ganso assado, pois era noite de Ano Novo. Nisso, ela pensou. Sentou-se num cantinho entre duas casas, uma das quais se encontrava mais afastada da rua do que a outra, e abraçou as suas perninhas, mas agora ainda sentia mais frio do que antes. Não se atrevia a voltar para casa porque não tinha vendido fósforos nenhuns, não tinha ganho nem um tostão e tinha medo que o pai lhe batesse. Além disso, em casa também estava frio: viviam num sótão e, apesar de terem tapado as frinchas maiores do telhado com palha e farrapos, ainda entrava vento. As suas mãozinhas estavam dormentes por causa do frio. Talvez a chama de um fósforo resolvesse isso! Será que ela ia ter coragem para tirar um fósforo do molhinho, acendê-lo e aquecer os dedos? Claro que ia: tirou um para fora e acendeu-o... e, oh!, ele brilhava e ardia! Dava uma chama clara e quente 3
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como uma vela pequenina. Pôs então as mãos em concha à volta do fósforo. Mas que luz tão estranha era aquela! A menina sentiu-se como se estivesse sentada à beira de um grande fogão de ferro, decorado com bolas e esferas de latão brilhante, com um lume tão quentinho a arder lá dentro! Estendeu os pés para os aquecer também, mas nisto a chama apagou-se. O fogão de ferro desapareceu e ali estava ela sentada com o minúsculo resto de fósforo queimado na mão. Acendeu outro fósforo, que ardeu e brilhou. O local onde incidia a luz na parede parecia tornar-se transparente como um véu, o que permitia que ela visse para dentro do aposento. A mesa estava posta com uma toalha de um branco imaculado e uma louça muito fina; em cima da mesa encontrava-se também um ganso assado, recheado com ameixas e maçãs, a cheirar maravilhosamente bem. Mas o melhor de tudo foi que o ganso saltou da travessa, apesar de ter uma faca e um garfo espetados no lombo, e veio a rebolar pelo chão em direção à menina. De repente, o fósforo apagou-se e já não se via nada, a não ser a parede dura e fria. Acendeu um terceiro fósforo, e agora ela estava 4
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sentada debaixo de uma linda árvore de Natal, muito maior e mais bem decorada do que a que tinha visto através das portas envidraçadas da casa do comerciante rico, na véspera de Natal. Milhares de velas brilhavam nos ramos verdes, e bonequinhos de cores vivas como os que se veem nas montras das lojas olhavam para ela com desprezo. A menina estendeu as mãos para o ar, mas logo o fósforo se apagou. As chamas de todas as velas de Natal ardiam cada vez mais alto e ela reparou que, afinal, eram estrelas brilhantes. Uma delas caiu, deixando para trás um rasto cor de fogo no céu. - Alguém está a morrer! - exclamou a menina, pois a sua avozinha sempre dizia que quando uma estrela cai é porque vai uma alma a caminho de Deus. A sua avó, que já havia morrido, tinha sido a única pessoa a ser boa para ela. Acendeu outro fósforo e, na sua luz, ela viu a própria avozinha, animada, resplandecente e bondosa. Mas que agradável visão! - Avozinha! - chamou a menina. - Leva-me contigo! Eu sei que tu vais desaparecer quando o fósforo se apagar, tal como aconteceu com o fogão quentinho, o delicioso 5
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ganso assado e a linda e grande árvore de Natal! E muito depressa a menina acendeu o resto dos fósforos uns atrás dos outros para conservar a avozinha ali. Os fósforos arderam com uma tal luz que estava mais claro do que de dia. A sua avozinha nunca tinha parecido tão alta e tão bonita. Pegou na menina ao colo e partiram em alegria e esplendor, subindo, subindo, indo para aquele lugar onde já não há mais frio ou fome ou dor, a ir ter com Deus. A menina foi encontrada no cantinho entre as duas casas, à luz gélida da madrugada. As suas faces estavam rosadas e tinha um sorriso nos lábios, mas tinha morrido de frio na última noite do Ano Velho. O sol do dia de Ano Novo nasceu iluminando o pequenino corpo ali sentado com um molhinho de fósforos queimados. - Estava a tentar aquecer-se! - disseram. Ninguém sabia das bonitas visões que tivera e do modo como ela e a sua avozinha tinham partido para o esplendor e alegria do Ano Novo. Adaptação de Maria Alberta Menéres In: "Contos de Andersen", Hans Christian Andersen, Ed. Ambar, Porto
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