Contos do mundo interculturalidades

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Contos do Mundo (Interculturalidades)


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A longa viagem começa com um passo (Português) 漫长的旅程,始于足下。(Chinês) Lungă călătorie începe cu un singur pas (Romeno) linn put nachinaet·sya s odnogo shaga (Russo) Le long voyage commence par un pas (Francês) Viajen lòngöo ca comèça cu passo (crioulo de S. Tomé e Príncipe) Um viagem e ta cunsa cu um passo cumprido (crioulo da Guiné) Um grand viagem tá começa kon um passe (crioulo de Cabo Verde)



Contos do Mundo

Índice Nota de Abertura…………………………………………………………

Pág. 7

Prefácio ………………………………………………………………………..

Pág. 9

Introdução ……………………………………………………………………

Pág. 11

Glossário ………………………………………………………………………

Pág. 13

Contos do Mundo …………………………………………………………

Pág. 15

Contos de Portugal  Portugal ………………………………………………………….  Lenga-lengas …………………………………………………..  Provérbios ………………………………………………………  Lendas …………………………………………………………….  Contos Tradicionais ….…………………………………….

Pág. 17 Pág. 19 Pág. 28 Pág. 37 Pág. 59 5

Contos de Angola  Angola …………………………………………………………….  Contos Tradicionais ……………………………………….

Pág. 83 Pág. 84

Contos do Brasil  Brasil ………………………………………………………………  Mitos ………………………………………………………………  Lenga-lengas …………………………………………………..  Lendas …………………………………………………………….

Pág. 91 Pág. 94 Pág. 99 Pág. 100

Contos de Cabo-Verde  Cabo-Verde …………………………………………………….  Contos Tradicionais .……………………………………….

Pág. 101 Pág. 103


Contos da China  China ………………………………………………………………  Lendas …………………………………………………………….  Provérbios ………………………………………………………

Pág. 105 Pág. 108 Pág. 114

Contos da Guiné-Bissau  Guiné-Bissau …………………………………………………..  Contos Tradicionais ……………………………………….

Pág. 117 Pág. 119

Contos de Moçambique  Moçambique …………………………………………………..  Contos Tradicionais ……………………………………….

Pág. 131 Pág. 133

Contos da Roménia  Roménia …………………………………………………………  Lendas ……………………………………………………………

Pág. 149 Pág. 151

Contos da Rússia  Rússia ……………………………………………………………..  Contos Tradicionais …………………………………………

Pág. 161 Pág. 163

Contos de São Tomé e Príncipe  São Tomé e Príncipe ……………………………………….  Lendas …………………………………………………………….  Contos Tradicionais ….…………………………………….

Pág. 183 Pág. 185 Pág. 190

Agradecimentos …………………………………………………………..

Pág. 197

Bibliografia ……………………………………………………………………

Pág. 198

Equipa Técnica ……………………………………………………………..

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Contos do Mundo

Nota de Abertura Moura terra de lendas, terra de contendas, afirma-se hoje como um Concelho solidário e um Concelho que reúne e acolhe no seu seio um caldo de culturas que o enriquecem e valorizam. A publicação deste livro representa o testemunho de diversas formas de expressão de raiz popular que, na sua diversidade, compõem um mosaico de carácter universal, tendo como traço comum a afirmação da sua identidade e das suas origens e referências. Ancorados nas suas próprias raízes estabelecem laços com outras gentes e outras culturas. A publicação deste livro, em que as palavras vertidas no papel espelham a imaginação dos nossos antepassados, é um contributo inestimável para que as novas gerações aprendam o significado dos contos e para que estes não se percam na nossa memória. Ficam aqui registados para memória futura. E faz sentido conhecer contos de todo o Mundo porque, o Mundo, é a nossa casa comum.

Presidente da Câmara Municipal de Moura e Presidente da Direcção da Comoiprel - Ciprl José Maria Prazeres Pós-de-Mina

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Contos do Mundo

Prefácio Era uma vez um homem que um dia, depois de comer, se estendeu de ventre ao sol e se pôs a cismar... Terá sido nesse dia, talvez em África, que o nosso avô deu um passo fundamental, saiu de dentro de si para perseguir um sonho, coisa que mais nenhum bicho à sua volta conseguiu fazer. O pau, a pedra ou a lança podiam chegar aos céus sem esforço algum, derrubando aves apetecidas ou então partirem rente ao chão ao encontro do animal há muito desejado. Isso era possível se o sonhasse. Movido de entusiasmo, experimentou pintar a sua divagação numa parede utilizando o sangue de uma presa que abatera. E saiu uma cena de caça, um desejo colorido, o primeiro sonho pintado, com o acrescento mágico (outra sua descoberta) de que, pintando-o, o podia tornar realidade. O homem afinal não pintava só um sonho, um desejo, mas também contava um conto que são coisas nascidas no mesmo berço. A partir daí nunca mais parou. Só que precisou de tempo para contar contos de outro modo. Tentou ainda escavar a rocha esculpindo animais tão perfeitamente que a reprodução levada a cabo ainda hoje nos espanta. Sobrepunha o mesmo bicho várias vezes ou sobrepunha-o a outros bichos, especialmente de perfil, de pé, deitados, feridos por setas. Histórias contadas à sua maneira com os meios de que dispunha. Faltava uma forma mais prática, mais moderna de expressão, a dos sons formando palavras e estas desenhando frases. Com o domínio deste instrumento o homem ganhou o mundo, contando o real e o inventado, tudo a seu belo prazer. Nasciam as Odisseias, as Bíblias, as Távolas Redondas, o Santo Graal, as Histórias das Mil e uma Noites, as Fábulas de Esopo. Tudo narrado de forma oral, passando de velhos para novos, numa cadeia que se manteve mesmo depois de inventadas as escritas e que perdurou até aos nossos dias. De preferência em forma rimada, que se fixa e se transmite melhor. E como quem conta um conto sempre lhe acrescenta um ponto não houve monotonia, as

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mesmas histórias deram a volta ao mundo com as variantes mais espantosas. É que os ambientes culturais são diferentes mas os homens são sempre os mesmos, com os mesmos anseios, os mesmos medos, as mesmas paixões, as mesmas crenças, os mesmos ridículos, estes insistentemente explorados por todos, Todavia a humanidade não se deteve somente nas histórias com princípio, meio e fim. Escolheu palavras terminando no mesmo som e fê-las rimar, em lengalengas às vezes com aparente falta de sentido. Os homens sempre se perderam por ver as coisas voltadas do avesso. São formas lúdicas, brincadeiras muito ao gosto das crianças, que, de certo modo, se vão perpetuando. No nosso mundo rural, onde há menos de meio século o tempo ainda tinha a dimensão dos homens, preenchia-se o tempo que sobrava com a voz dos avós contando histórias aos netos. Hoje estes já não têm tempo para ouvir, para eles o passado é o futuro e os avós que restam quase se acanham de murmurar na sua frente o era uma vez. No ecrã do computador abre-se-lhes o mundo inteiro e pouco lhes interessa o Um, dois, três macaquinho de chinês ou O menino da mata e o seu cão Piloto. Figuras de antropóides com picos ameaçadores e cores repelentes, falando um áspero inglês, eliminaram do seu horizonte os contidos personagens campestres de linguagens macias. Quer se queira quer não, os tempos são outros. À face da terra todos os jovens vêem as mesmas coisas, pouco diferindo nos gostos. É a globalização. O que o presente livro faz é preservar a memória do conto contado como património dos povos, neste caso até com preocupações multiculturais, antes de ser triturado pelas redes planetárias, acautelando testemunhos culturais a que, com bonomia, todos gostamos de voltar quando a pressão tecnológica nos cansa com o rigor das imagens e dos números. Bem-haja por isso a equipa que fez e organizou esta recolha. João Mário Caldeira Fevº/2010


Contos do Mundo

Introdução Vivemos dentro de um espaço, de um tempo e de uma realidade que estabilizam as nossas referências, mas também nos limitam e por vezes oprimem-nos. Essas fronteiras transmitem-nos segurança, mas também nos convidam a ultrapassá-las num acto em que casem a curiosidade e o espírito de aventura. Viver dentro de um referencial é viver de acordo com uma narrativa que se conta a si própria, mas por vezes experimentamos o desejo e a necessidade de transformar essa narrativa, de a reinventar. Há várias maneiras de transformar as nossas narrativas, umas mais destrutivas, outras mais construtivas, como nos ensina um olhar sobre a nossa história e sobre a nossa sociedade. Quando sonhamos, enquanto dormimos, deslocamo-nos no tempo. Quando viajamos para um país estrangeiro, por exemplo em férias, deslocamo-nos no espaço. Quando vemos um filme ou assistimos a uma peça de teatro, estamos a entrar noutra realidade, que muitas vezes nos faz esquecer a nossa. Quando aumentamos a nossa consciência acerca de um dado fenómeno ou situação, estamos a modificar a realidade, a nossa realidade. Transpor os limites do espaço, do tempo e da nossa realidade são formas de evasão. Ao longo da sua história, os humanos sempre procuram de diversas maneiras essas formas de evasão e de expansão dos limites do possível. As crianças passam o tempo a fazêlo. Os adultos, muitas vezes já esqueceram essa possibilidade mágica. As lendas, os provérbios, os mitos ou os contos tradicionais são formas de construir e reviver outras narrativas e, nesse sentido de vivenciar realidades alternativas. Transportam-nos para um domínio mitológico e para uma lógica mais devedora à imaginação e à liberdade de pensamento do que aos constrangimentos funcionais que são o cimento da nossa sociedade. Povoam o nosso imaginário e exercem um notável fascínio sobre nós. Mas porquê? Talvez porque nos lembram as nossas origens; porque são uma referência mítica do nosso mundo infantil; porque nos recordam um

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tempo nas nossas vidas em que a imaginação era um dado sensível, um poderoso catalisador de mudanças. As lendas, os mitos, as lenga-lengas ou os contos que constam nesta publicação são elementos roubados à nossa imaginação colectiva, meio reais, meio imaginários. Mergulharmos neles equivale a abraçar as nossas origens e a desconstruir as nossas estruturas mentais, que dividem o mundo em ilhas incomunicáveis a não ser através de processos de dominação. Trata-se de uma recolha intercultural, abrangendo textos de Portugal, Angola, Brasil, Guiné, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Roménia, Rússia e China. Parecem-nos urgentes estes mitos da criação humana para sentirmos o quanto tudo é possível, ou seja, o quanto a nossa visão das coisas é relativa e transitória e pode ser alterada. Trazer de volta esses elementos é eternizar personagens e vivências indispensáveis para a compreensão da nossa história e das nossas vidas, é imortalizar sentido de liberdade e transgressão que nos oferece qualquer fronteira. Estes enredos carregados de sentido mítico insuflem em nós a nostalgia de um tempo que não conhecemos mas de que, paradoxalmente, sentimos saudade. Fornecem uma explicação plausível, ensaiam um movimento perpétuo e circular de expansão dos limites do possível, bebendo da imaginação, da inspiração e da intuição as bases para deitar abaixo as falsas fronteiras que a nossa falta de imaginação produz e inventar novos laços em que a dominação sucumbe ante a cooperação. Esta recolha tem por objectivo recordar-nos o dever de nos aproximarmos uns dos outros, até como forma de nos aproximarmos de nós mesmos e redescobrir a nossa identidade essencial.


Contos do Mundo

Glossário: Lenda é uma narrativa fantasiosa transmitida pela tradição oral através dos tempos. De carácter fantástico e/ou fictício, as lendas combinam factos reais e históricos com factos irreais que são meramente produto de imaginação humana. Algumas lendas fornecem explicações plausíveis, e até certo ponto aceitáveis, para as coisas que não têm explicações científicas comprovadas, como acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais. Podemos entender que a lenda é uma degeneração do mito. As lendas, pelo facto de serem repassadas oralmente de geração em geração, sofrem alterações à medida que vão sendo recontadas. Conto é a forma narrativa, em prosa, de menor extensão. Entre suas principais características, estão a concisão, a precisão, a densidade, a unidade de efeito ou impressão total. Logicamente a primeira fase é a oral, a qual não é possível precisar o seu início: o conto tem origem num tempo em que nem sequer existia a escrita; as histórias eram narradas oralmente ao redor das fogueiras das habitações dos povos primitivos – geralmente à noite. Por isso o suspense e o fantástico que o caracterizou. O conto necessita de tensão, ritmo, o imprevisto dentro dos parâmetros previstos, unidade, compactação, concisão, conflito, início, meio e fim; o passado e o futuro têm significado menor. Lenga-lenga é uma cantilena transmitida de geração em geração na qual se repetem determinadas palavras ou expressões. Poderemos dizer que uma lenga-lenga é conversa fiada, uma ladainha. Provérbios sentença de carácter prático e popular, que expressa de forma sucinta, e não raramente figurativa, uma ideia ou pensamento.

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Mito é uma narrativa tradicional com carácter explicativo e/ou simbólico, profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religião. O mito procura explicar os principais acontecimentos da vida, os fenómenos naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio de deuses, semi-deuses e heróis (todas elas são criaturas sobrenaturais). Pode-se dizer que o mito é uma primeira tentativa de explicar a realidade. Ao mito está associado o rito. Este é o modo de se pôr em acção o mito na vida do Homem (ex: cerimónias, danças, orações, sacrifícios...). O termo "mito" é, por vezes, utilizado de forma pejorativa para se referir às crenças comuns (consideradas sem fundamento objectivo ou científico, e vistas apenas como histórias de um universo puramente maravilhoso) de diversas comunidades. No entanto, até acontecimentos históricos se podem transformar em mitos, se adquirem uma determinada carga simbólica para uma dada cultura.


Contos do Mundo

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Contos de Portugal Portugal

Localizado no sudoeste da Europa, cujo território se situa na zona ocidental da Península Ibérica e em arquipélagos no Atlântico Norte, Portugal possui uma área total de 92 090 km² e é considerada a nação mais ocidental do continente europeu. O território português é delimitado a Norte e a Leste por Espanha e a Sul e Oeste pelo Oceano Atlântico, e compreende a parte continental e as regiões autónomas: os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Possui no total 18 distritos, sendo Lisboa a capital. Com uma população estimativa (2008) de 10.627.250 habitantes e uma 2 densidade populacional de 115.3 hab/km . O clima é temperado mediterrânico e temperado oceânico. Durante os séculos XV e XVI, Portugal foi uma potência mundial económica, social e cultural, constituindo-se o primeiro e o mais duradouro império colonial de amplitude global. É hoje, considerado um país desenvolvido, economicamente próspero, social e politicamente estável e com um índice de desenvolvimento humano muito elevado. Encontra-se entre os 20 países do mundo com melhor qualidade de vida.

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Imagens

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Paisagens do Baixo Alentejo, planĂ­cie de Moura, distrito de Beja


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Lenga-lengas

 Um dó li tá Cara de amendoá Um segredo Coloreto Quem está livre, livre está

 Um aviãozinho militar Atirou uma bomba ao ar Diga lá, meu menino, A que terra foi parar?

 Anani, ananão Ficas tu E eu não

 Tão-balalão Cabeça de cão Orelhas de gato Não tem coração Não tem coração nem voz nem alento Orelhas de gato Cabeça de vento

 Pirata da perna de pau, olho de vidro e cara de mau!

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 O Rato Roeu a Rolha da Garrafa do Rei da Rússia!

 A criada lá de cima É feita de papelão, Quando vai fazer a cama Diz assim ao patrão: Sete e sete são catorze, Com mais sete vinte e um, Tenho sete namorados E não gosto de nenhum.

 Bichinha gata Que comeste tu? Sopinhas de leite Onde as guardaste? Debaixo da arca Com que as tapaste? Com o rabo do gato Sape, sape, sape!

 Caracol, caracol Põe os pauzinhos ao sol


Contos do Mundo

 Dedo mindinho Seu vizinho Pai de todos Fura bolos Mata piolho

 Este menino achou o ovo Este o assou Este sal lhe deitou Este o provou Este o papou

 Joaninha voa, voa Que o teu pai está em Lisboa A tua mãe no Moinho A comer pão com toucinho Joaninha voa, voa Que o teu pai está em Lisboa Com um rabinho de sardinha Para comer, que mais não tinha

 Lagarto pintado Quem te pintou? Foi uma velha que aqui passou No tempo da eira

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Fazia poeira Puxa lagarto Por aquela orelha!

 Janeiro, gear Fevereiro, chover Março, encanar Abril, espigar Maio, engrandecer Junho, ceifar Julho, debulhar Agosto, engravelar Setembro, vindimar Outubro, resolver Novembro, semear Dezembro, nascer Nasceu um deus para nos salvar

 Nove vezes nove, oitenta e um Sete macacos e tu és um Fora eu que não sou nenhum

 Pico, pico serenico Quem te deu tamanho bico? Ou de ouro ou de prata Mete a mão neste buraco


Contos do Mundo Pico, pico serenico Quem te deu tamanho bico? Foi o filho do Luís Que está preso pelo nariz Pico, pico serenico Quem te deu tamanho bico? Foi a filha da rainha Que está presa na cozinha Salta pulga da balança E vai ter até à França Cavalinhos a correr Meninas a aprender Qual é a mais bonita Que se irá esconder

 Pim, pam, pum Cada bola mata um Da galinha p’ró perú Quem se livra és tu!

 Sola, sapato, Rei rainha Foi ao mar Buscar sardinha Para a mulher Do juiz Que está presa Pelo nariz; Salta a pulga

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Na balança Que vai ter Até à França, Os cavalos A correr As meninas A aprender, Qual será A mais bonita Que se vai Esconder

 O tempo perguntou ao tempo Quanto tempo, o tempo tem O tempo respondeu ao tempo Que o tempo tem tanto tempo Quanto o tempo o tempo tem

 Era uma vez um era não era, Que andava lavrando na serra, deu por notícia que o pai era morto, e a mãe por nascer, deitou-se a um vale abaixo a correr, Encontrou-se com uma aveleira carregada de romãs, Deitou-se a ela a colher maçãs, Veio de lá o ladrão dos marmelos, “o que estás tu fazendo, ladrão”, “num faval alheio, a colher pepinos?” Atirou-lhe com um caroço de ginja à testa E quebrou-lhe o joelho.


Contos do Mundo

 Arco-da-velha, Tira-te daí, Que as moças bonitas Não gostam de ti! Menina bonita Não sobe à janela Que bicho mui feio Carrega com ela; Se quer alvos ovos, Arroz com canela, Menina bonita Não sobe à janela.

 Lá vem o Tio Zé Godinho A cavalo no burrinho; O burrinho é fraco, A cavalo no macaco; O macaco é valente, A cavalo na trempre; A trempre é de ferro, A cavalo num martelo; O martelo bate sola, A cavalo numa bola; A bola é vermelha, A cavalo numa telha; A telha é de barro, A cavalo num cocharro; O cocharro é de cortiça, A cavalo numa chouriça;

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A chouriça é preta, A cavalo numa boleta; A boleta é doce O burrinho deu um couce E acabou-se a papa-doce.

 O que está na varanda? Uma fita de ganga O que está na panela? Uma fita amarela O que está no poço? Uma casca de tremoço O que está no telhado? Um gato malhado O que está na chaminé? Uma caixa de rapé O que está na rua? Uma espada nua O que está atrás da porta Uma vara torta O que está no ninho? Um passarinho Deixa-o no morno Dá-lhe pãozinho.

 Meio-dia batido panela ao lume Barriga vazia Macaco pintado Vindo da Baía


Contos do Mundo Fazendo caretas À D. Maria.

 Eu fui a Viana A cavalo numa cana Eu fui ao Porto A cavalo num burro morto Eu fui a Braga A cavalo numa cabra Eu fui ao Douro A cavalo num touro

 Um, dois, três, quatro Foi na rua vinte e quatro Que a mulher matou o gato Com a ponta do sapato O sapato derreteu E a mulher morreu

 Arre burro para são Martinho, Carregado de pão e vinho. Arre burro para Loulé, carregado de água pé. Arre burro para Monção, carregado de requeijão. Arre burrinho arre burrinho, sardinha assada, com pão e vinho.

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Provérbios

A A cavalo dado não se olham os dentes. A César o que é de César, a Deus o que é de Deus. A corda sempre parte do lado mais fraco. A curiosidade matou o gato. A galinha da vizinha é sempre melhor que a minha. A grandes males, grandes remédios. A justiça tarda, mas não falha. A mentira tem perna curta. A morte não espera. A noite é boa conselheira. À noite todos os gatos são pardos. A ocasião faz o ladrão. A palavra é prata, o silêncio é ouro. A palavras loucas, orelhas moucas. A pressa é inimiga da perfeição. À terceira é de vez. A união faz a força. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Águas passadas não movem moinhos. Albarda-se o burro à vontade do dono. Amigos, amigos; negócios, à parte. Amor com amor se paga. Ao menino e ao borracho põe sempre Deus a mão por baixo. Após a tempestade vem a bonança. As paredes têm ouvidos. Abril chuvoso e Maio ventoso, fazem o ano formoso. A primeira esposa foi vassoura, a segunda é senhora.


Contos do Mundo

B Bom filho à casa torna. Burro velho não aprende.

C Cada cabeça, uma sentença. Cada louco com sua mania. Cada macaco no seu galho. Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso. Cada um dá o que tem. Cada um por si, Deus por todos. Cada um puxa a brasa para a sua sardinha. Cadelas apressadas, parem cães cegos. Caiu na rede é peixe. Candeia que vai à frente alumia duas vezes. Cão que late não morde. Casa arrombada, tranca na porta. Casa de ferreiro, espeto de pau. Casa onde não há pão, todos brigam e ninguém tem razão. Cesteiro que faz um cesto faz um cento. Custa os olhos da cara.

D De Espanha, nem bom vento nem bom casamento. De boas intenções o inferno está cheio. De médico, poeta e louco, todo mundo tem um pouco. De pensar morreu um burro. De pequenino é que se torce o pepino. Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer. Depois da tempestade vem a bonança. Depois de casa roubada, trancas na porta.

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Deus dá nozes a quem não tem dentes e dá dentes a quem não tem nozes. Deus escreve direito por linhas tortas. Devagar com o andor, que o santo é de barro. Devagar se vai ao longe. Diz-me com quem tu andas que eu te direi quem tu és. Dois é bom, três é demais. Duas cabeças pensam melhor que uma.

E É melhor prevenir do que remediar. É preciso ver para crer. Em boca fechada não entra mosca. Em briga de marido e mulher não se mete a colher. Em casa de enforcado, não fales em corda. Em casa de ferreiro, espeto de pau. Em tempo de guerra, não se limpam armas. Em terra de cego, quem tem um olho é rei. Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. Estamos todos no mesmo barco.

F Fia-te na Virgem e não corras. Falar é fácil, fazer é que é difícil. Fazer o bem sem olhar a quem. Fé em Deus e pé na tábua. Feio é roubar e não poder carregar. Filho de peixe sabe nadar.


Contos do Mundo

G Gaivotas em terra tempestade no mar. Gato escaldado de água fria tem medo. Grão a grão, enche a galinha ao papo. Guarda de comer não guardes que fazer. Guarda o melhor tição para a noite de S. João.

H Há males que vem para o bem. Homem pequenino, ou velhaco ou bom dançarino. Homem prevenido vale por dois.

J Janeiro molhado, se não cria pão cria gado. 31

L Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Laranja: de manha ouro, à tarde é prata, de noite mata. Lua nova trovejada, trinta dias é molhada.

M Mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo. Mal virá que bem se fará. Março marçagão, de manhã Inverno, à tarde Verão. Mate dois coelhos com uma cajadada. Muito riso, pouco juízo.


N Não chore sobre o leite derramado. Não dê o peixe, ensine a pescar. Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam. Não há bem que sempre dure, nem mal que sempre se ature. Não há fumo sem fumaça. Não há domingo sem missa, nem segunda sem preguiça. Não há duas sem três. Não há regra sem excepção, nem mulher sem senão. Não há fome que não dê em fartura. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem tudo que reluz é ouro. No dia de S. Martinho (11/11) vai à adega e prova o vinho. Nunca digas: desta água não beberei.

O O barato sai caro. O feitiço costuma virar contra o feiticeiro. O que os olhos não vêem o coração não sente. O saber não ocupa lugar. O seguro morreu de velho. Olho por olho, dente por dente. Onde come um, comem dois. Onde há fumaça, há fogo. Os cães ladram e a caravana passa. Os homens não se medem aos palmos. Ovelha que berra bocado que perde.


Contos do Mundo

P Por morrer uma andorinha não acaba a Primavera. Paga o justo pelo pecador. Palavra de rei não volta atrás. Palavras não enchem barriga. Palavras leva-as o vento. Pancada de amor não dói. Para baixo, todos os santos ajudam. Para bom entendedor meia palavra basta. Para grandes males, grandes remédios. Pau que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Pela boca morre o peixe. Pior cego é o que não quer ver. Por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento. Pratica o Bem sem olhar a quem. Presunção e água benta, cada um toma a que quer. Páscoa em Março, fome ou mortaço.

Q Quando a esmola é demais, o santo desconfia. Quando a esmola é muita, o pobre desconfia. Quando a cabeça não pensa, o corpo padece. Quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga. Quando Maio chegar, quem não arou, há-de arar. Quem ama o feio, bonito lhe parece. Quem avisa amigo é. Quem anda à chuva molha-se. Quem boa cama faz, nela se deita. Quem brinca com fogo queima-se. Quem cala consente. Quem canta seus males espanta. Quem casa não pensa, quem pensa não casa.

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Quem casa, quer casa. Quem com os cães se deita, com pulgas se levanta. Quem conta um conto aumenta um ponto. Quem corre por gosto não cansa. Quem dá aos pobres empresta a Deus. Quem dá o que tem a mais não é obrigado. Quem desdenha quer comprar. Quem diz o que quer, ouve o que não quer. Quem é vivo sempre aparece. Quem espera desespera. Quem espera sempre alcança. Quem fala o que quer, ouve o que não quer. Quem muito se abaixa mostra o rabo. Quem os meus filhos beija, minha boca adoça. Quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Quem nasceu para dez réis não chega a vintém. Quem não arrisca, não petisca. Quem não chora não mama. Quem não deve não teme. Quem não quer ser lobo não lhe vista a pele. Quem não tem cão caça com gato. Quem não trabuca não manduca. Quem o feio ama, bonito lhe parece. Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é burro ou não tem arte. Quem quer faz, quem não quer manda. Quem procura acha. Quem semeia ventos colhe tempestades. Quem tem boca vai à Roma. Quem tem telhado de vidro não atira pedra no telhado do vizinho. Quem tem unhas toca guitarra. Quem tudo quer tudo perde. Quem vai ao (m)ar perde o lugar.


Contos do Mundo

Quem vê cara não vê coração. Querer é poder. Quem diz o que quer ouve o que não quer.

R Ri melhor quem ri por último. Ri-se o roto do esfarrapado e o sujo do mal lavado. Roma não se fez num só dia. Roupa suja lava-se em casa.

S Saco vazio não fica em pé. Santo de casa não faz milagre. Se a barba significasse respeito, bodes não teriam chifres. Setembro molhado, figo estragado. Sinal no peito, mulher de respeito.

T Tal pai, tal filho. Tantas vezes vai o cântaro à fonte que deixa lá a asa. Tempo é dinheiro. Todos os caminhos vão dar a Roma. Toma lá dá cá. Tristezas não pagam dívidas. Tudo é bom quando termina bem. Tudo o que é demais enjoa. Tarda mais não falha.

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U Uma imagem vale por mil palavras. Uma mão lava a outra, ambas lavam o rosto. Um dia é da caça, outro do caçador. Um homem prevenido vale por dois. Um mal nunca anda só.

V Vale mais um pássaro na mão que dois voando. Vozes de burro não chegam ao céu. Vão-se os anéis, fiquem os dedos.

Z Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades.


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Lendas 2

Lenda da Moura Salúquia Em 1165, Moura era uma cidade chamada Al-Manijah, capital de província. Governava então nessa importante cidade uma formosa moura, de nome Salúquia, filha de Abu-Assan, que se apaixonou pelo alcaide de Arouche, de seu nome Bráfama. Chegada a véspera do dia das núpcias, grande alegria reinava no castelo de Al-Manijah. Salúquia esperava ansiosamente, no alto da torre, ver surgir o seu noivo, entre os densos olivedos. Entretanto Bráfama acompanhado de brilhante comitiva, cheio de contentamento e desprovido de armas, pois ia para um festim e não para a guerra, deixava Arouche e tomava caminho da terra da sua amada, que estava localizada a dez léguas de distância. 3

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Todo o Alentejo, ao norte e a oeste de Moura já tinha sido conquistado pelos cristãos.

El-Rei D. Afonso Henriques, encarregou D. Álvaro Rodrigues e D. Pedro Rodrigues, dois irmãos fidalgos muito valentes e ilustres, de

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Recolha oral da lenda de alguns habitantes de Moura. Imagem retirada do blog Melody

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conquistarem Al-Manijah, uma das mais importantes cidades muçulmanas, além do Guadiana; Estes dois fidalgos, sabedores do que se passava no castelo, foram esconder-se com o seu exército num olival e aí esperaram o desventurado alcaide e a sua comitiva para, traiçoeiramente, matarem os infelizes árabes. Depois de travada a batalha e de todos estes estarem mortos, os cristãos despiram-se e vestiram-se com os seus trajes. Disfarçados de muçulmanos e simulando alegres canções mouriscas, dirigiram-se à pobre cidade que de nada suspeitava. Salúquia, ao vê-los, mandou baixar a ponte levadiça, julgando que seu noivo se aproximava e depressa percebeu que tinha sido traída. Os invasores ao transporem os muros, baixaram as máscaras de árabes honrados e começaram a ferir, sem dó, a desprevenida guarnição de AL-Manijah. Sabedora do que se passava, a alcaidessa preferiu a morte à escravidão e num derradeiro esforço, verdadeiramente heróico, tomou as chaves do castelo e precipitou-se da torre onde se encontrava. Depois da morte da alcaidessa e da conquista da cidade, os irmãos Rodrigues, pelo que parece, quando vieram referir-se a Al-Manijah diziam a terra de moura, a vila (que nesse tempo significava cidade) de Moura.


Contos do Mundo

Serpente do Rio Anas

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Na parte mais ocidental da Europa, a Ibéria, ainda era conhecida por esse mundo além, por a terra das Serpentes. Não sabemos se com razão ou sem ela, o que é certo é que a Serpente também entra na lenda da fundação de Serpa. Na verdade, vem de tempos muito recuados, dos tempos em que Serpa era só charneca, a lenda de que as suas terras e as das vizinhanças eram domínio de uma serpente alada, forte, vigorosa, que até parecia deitar lume pelas ventas e que vivia acoitada nas fragas do rio Anas, hoje chamado Guadiana. Logo que sentia Serpa em perigo ela se aprestava para vir em socorro das suas terras, e as defendia, vitoriosamente, de quem viesse para lhes fazer mal. Deve ter tido muito que lutar, mas o certo é que Serpa sobreviveu a todos os perigos e hoje é uma vila bonita, muito castiça, que sabe guardar as suas belezas e tem uma Serpe no seu brasão a recordar a sua guardiã de outros tempos.

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Arquivos de Serpa - Edição Câmara Municipal de Serpa Imagem de João Almeida

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A Cobra da Quinta do Fidalgo Era uma vez uma dama muito linda, fidalga, chamada Ana, que estava encantada e transfigurada em cobra, diferente das outras cobras por apresentar uma cabeça com farta cabeleira e uns olhos de fogo, muito vivos e brilhantes. Refugiava-se a Cobra junto de uma frondosa figueira ali, na Quinta do Fidalgo, à entrada da Vila. Esta Cobra aparecia na manhã de S. João, com um tesouro, muito rico de ouro e prata, para dar à pessoa que a desencantasse. Para se dar o desencanto a Cobra dizia: " Eu não engano ninguém e quem for corajoso que venha desencantar-me". Na verdade era precisa muita coragem para se desencantar a cobra da Quinta do Fidalgo, como aqui se conta. Primeiro era preciso gritar o nome da dama encantada: "Ana". Ao ouvir este nome a cobra transformava-se em touro que marrava a torto e a direito. Se o homem corajoso que chamasse pela dama "Ana" não mostrasse medo o touro transformava-se em Cão Preto. Se o homem continuasse a não manifestar receio o Cão Preto transfiguravase em Cobra encantada que se aproximaria dele e se lhe enroscaria à cintura dando-lhe um beijo na face. Se o homem corajoso desse, então, sinais de medo ou repugnância a cobra mordê-lo-ia e o encanto continuaria. Se o homem valente não mostrasse qualquer temor darse-ia o desencanto, a cobra transformar-se-ia novamente na linda e nobre Senhora chamada Ana e o homem sem medo ficaria rico para toda a vida com o tesouro de ouro e prata. Esta é a lenda da Cobra da Quinta dos Fidalgos e há muitos anos que já se não fala nela. Ninguém sabe se apareceu o homem sem medo que tenha desencantado a dama chamada Ana.


Contos do Mundo

A Lenda da Costureirinha

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Entre as crenças que algum dia existiram no Baixo Alentejo, a da costureirinha era uma das mais conhecidas. Não é difícil, ainda hoje, encontrar pessoas de alguma idade, e não tanta como isso... que ouviram a costureirinha. O que se ouvia, então? Segundo diversos testemunhos, ouvia-se distintamente o som de uma máquina de costura, das antigas, de pedal, assim como o cortar de uma linha e até mesmo, segundo alguns relatos, o som de uma tesoura a ser pousada. Um trabalho de costura, portanto. O som trepidante da máquina podia provir de qualquer parte da casa: cozinha, quarto de dormir, a casa de fora, e até mesmo de alpendres. De tal modo era familiar a sua presença nos lares alentejanos que não infundia medo. Era a costureirinha. Mas quem era ela? Afirma a tradição que se tratava de uma costureira que, em vida, costumava trabalhar ao domingo, não respeitando, portanto, o dia sagrado. É esta a versão mais conhecida no Alentejo. Outra versão afirma que a costureirinha não cumprira uma promessa feita a S. Francisco. Esta última versão aparece referenciada num exemplar do Diário de Notícias do ano 1914 em notícia oriunda de aldeias do Ribatejo. Pelo não cumprimento dos seus deveres religiosos, a costureirinha fora a condenada, após a morte, a errar pelo mundo dos vivos durante algum tempo, para se redimir. No fundo, a costureirinha é uma alma penada que expia os seus pecados, de acordo com a crença que os pecados do mundo, o desrespeito pelas coisas sagradas e, nomeadamente, o não cumprimento de promessas feitas a Deus ou aos Santos podiam levar à errância, depois da morte. Já não se houve, agora, a costureirinha? Terminou já o seu fado, expiou o castigo e descansa em paz? A urbanização moderna, a luz eléctrica, os serões da TV, afastaram-na do nosso convívio. Desapareceu, 6

Lenda retirada da obra “Contos tradicionais e populares de Moura”

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naturalmente, com a transformação de uma sociedade rural arcaica, que tinha os seus medos, os seus mitos, as suas crenças e o seu modo de ser e de estar na vida. Imagem

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A menina e o lobo Naquele ano eram os princípios de Maio. Saíra do povoado uma mulher montada num burrico, levando à testeira da albarda uma filhinha que, de anos, teria meia dúzia. Deixando para trás o outeiro da Penha Ventosa, enveredou pelo velho caminho de cabras, em direcção a um barranco lá para os lados de Fornilhos. (…) Para além de umas velhas azinheiras lá estava um regato gorgolejando águas para o Ardila. (…) – Espera, filha, segura-te! Vamos descer e lavamos aqui! Boa água, boa lenha para levarmos à tarde! (…) A pequenita que se rebolara nas ervas e entretivera a apanhar flores de margaça, ouviu um grilo que trilava talvez a uns dois metros. Aproximou-se. Com o ruído dos seus passitos o grilo calou-se e a pequenita ficou ouvindo outro grilo a maior distância. Insistindo na curiosidade, também esse se calou e logo outro por detrás de um silvado se fazia ouvir. Desanimando de ver o bicho, que cantava por entre as ervas, foi surpreendida pela música de um melro folgazão e assim foi andando na sua curiosidade e no emaranhado dos matagais até afastar-se da mãe e perderam-se uma à outra. Quando esta deu pela falta da filha, correu por entre o bosque, chamando e gritando em 7

Imagem de autoria de José Santana - aluno da Escola Profissional de Moura, de nacionalidade portuguesa 8 Lenda retirada da obra “Contos tradicionais e populares de Moura”


Contos do Mundo pranto, mas a miúda vencida pelo sono, não ouvia a mãe que em vão a procurou. Correu a mulher aflita à aldeia e com vizinhos e caçadores, toda a noite e dias seguintes e procurou mas de balde. Até que muitos dias depois, foi encontrada por um pastor, brincando muito contente como se nada a preocupasse, dizendo apenas que queria ir à mãe, o que logo sucedeu. A criança explicou então que uma senhora lhe aparecia a dar de comer e lhe dera também uma vara para se defender dos bichos maus. Isto foi tomado como um grande milagre de Nossa Senhora e pintado em quadro e oferecido à Senhora do Carmo de Moura onde se via a menina com a vara afugentando um lobo.

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Lenda do Sino e de Nossa Senhora Uma mulher que vivia no Castelo, ouvia os mais dos dias o toque de um sino, uma música suave para a parte da ermida de Santa Ana (ermida junto ao Castelo, entre o Norte e o Poente e nos tempos antigos pouco frequentada). Examinando com muita curiosidade o que ouvia mais se certificava, o que fez presente a algumas pessoas que curiosas acreditavam naquele sitio, e não desmentindo a sua diligência no efeito, o mesmo que a mulher afirmava, investigaram mais curiosos o sítio e vieram a entender que não era na ermida, mas sim junto da porta dela, cavaram a terra, acharam os princípios de um poço, seguiram-no abaixo e no fundo descobriram a imagem Santíssima de Nossa Senhora que é a que está na Capela-Mor, e um sino que é o que serve de relógio. Colocaram a imagem no altar da mesma ermida e ficou continuando em seu culto e devoção dos poucos moradores. O sino que se achou no poço, quiseram levar para o Convento de Lisboa e que chegando a carreta em que o levaram, a levaram a pouca distância na estrada da Barca, se quebrou por três vezes, e no lugar em

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Lenda retirada da obra “Contos tradicionais e populares de Moura”

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que o sino caíra, se abrira a fonte que vemos naquele lugar com o nome da Santa. O sino o mesmo que existe neste ano de 1721, fundiu-se de novo, por se haver quebrado.

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A menina e a velha É rom çet´irmõi i uma irmã; u Z irmõi` çe fôrom a currê mundu, i a ficarom a ela çó. Ela um dia fôi a labá ali a um barrancu i çe tirô uma toca que lebaba, y béyu uma águia i çe là lebô; i agora ela çe foi correndu, i dizendu: «Àguita, dá-mi a minha tuquita». A águia le dizia: «Anda mái para dianti, que ondi êhtão u`teuz irmõi t´a dô». A águia foi i a dêxô caí´ençima duma xóça, i a rapariga xigô lá, abriu a porta da xóça i çe dêxô êhtá ali ata que bierom’u Z irmõi’, i logu à noiti berom. Eli’nunca mau’ quizeronm que ela çe fôçi, para que ficaçi ali tratando deli’. Dali logu a treh dia’fôi a buhcá açelga, y encontro uma bêlha, i le dice: «Nã báya tã longi, dêxa que eu lebu aqui e te dô». I éla çe fôi, i à noite, quandu bierom u z irmõi’ehtiberom jantandu, ma´z ela nã tinha bontadi, i nã cumêu. Á ôtro dia çe lebantô i ehtabom u z irmõi’fêtu’em boi’, i logu ela nã têbi mai’remediu que lebalu’a cumê púlu campu. Dali a dói z õ treh dia’foi, paço por um caminhu dondi a biu u Rei, i le diçe purquê ehtaba ela ali, i ela le ehtebi contandu. U Rei antão le diçe que çe dexáçe ehtá ali çubida num arbu, que eli ia lebá u’boi’i bôltaba a buhcá-la. Debáxu du arbu ehtaba uma fonti ela bia a çombra dela, y por acazu beyu uma bêlha a buhcá água, i ó bê a çombra, dizia: «Ê tã guapa i tã furmoza…Bi’pur agua aqui á poça!» Partiu u cântaru, i çe foi a caza. Açim beyu dói z ó trê dia, até que beyu cõ um de lata; i ehti já não era capá de partilu; i tantu’golpi’le deu, que a rapariga çe riu. A bêlha, au bê-la le diçe: «Que fázi z aí çubida ? I antão a rapariga l’ehtebi côntandu que ehtaba êhperându u Rei. E ela 10

História escrita na pronúncia de Barrancos


Contos do Mundo le diçe: «Báxa-te, que te penteyu para que ehreja’mãi’guapa, quandu eli benha.» A rapariga çe fê cázu, i quandu a ehtaba pentiandu le tanxô um alfineti na cabeça: çe fê numa pomba i çe foi buandu; e dêpoi’a bêlha çubiu êncima du arbru, i ehperô u Rei. Quandu ehti beyu, i a biu, le diçe: «Tã guápa que te dêxê, i tã fêa que te tei’pôthu!» I ela le rehpondeu: «Bôncê tantu çe têi tardadu. Que u çol me t~ei turrado» U réi antão ç’a lebô, i çe cazô cu’éla. Lógu dêpoi’dé algum tempu apareçia a pomba áu jardim i cantaba açina: « Cômu bai u réi com çua rica môra?» «Bei, çinhôra!» «I u mininu canta ô xôra?» «Canta, çinhôra.» «Ieu pur ehiticampu’çó i u’ mê’ trhti z irmanitu’acariandu cá i terra para u campu da Môra! U réi áu ôbi ihtu, tratô de culhê a pomba, ma z êli armaba u laçu i a bêlha u tiraba; ata que um dia a culhéu. Eli a trataba muntu bêi, çó a bêlha é que trataba má’. Um dia ehtaba u rei paçandu a mão pela cabeça da pomba, i au bê um búltu na cabeça puxô, i era u alfineti. Antão foi, çe fê furmóza u mehmu que era, i l’ehrebi cóntandu tudu; çe cazarom e matarom a bêlha; i ali ficaram bibendu. Tradução (resumo) Sete irmãos foram correr mundo, ficando em casa a irmã. Um dia ela foi lavar e uma águia levou-lhe a touca. Pediu-a à águia, que a levou também à cabana onde estavam os manos. Eles quiseram que ela ficasse a trabalhar para eles. Dias depois foi apanhar acelgas e encontrou uma velha que lhe deu das que ela levava. Ao jantar, a moça não quis comer, mas os irmãos sim, ficando eles transformados em boi. E ela teve de os levar a pastar. Encontrou o rei e contou-lhe o que se passara e ele disse-lhe que fosse ela para cima de uma árvore e o esperasse, que ele levaria os bois e voltaria. Por baixo da árvore havia uma fonte e foi lá uma velha que acabou por convencer a moça a deixar-se pentear. Ela deixou e a velha espetou-lhe um alfinete na cabeça, transformando-a numa pomba. Foi então ela para cima da árvore. Quando veio o rei estranhou a diferença e ela respondeu que ele demorara tanto que o sol a queimara. E levou-a com ele. Depois, no

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jardim apareceu a pomba a fazer-lhe perguntas. Conseguiu o rei apanhá-la e ao passar a mão pela cabecinha encontrou o alfinete e tirou-o. Apareceu então a moça. Mataram a velha e viveram felizes para sempre.

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A Lenda de Beja Há muitos, muitos anos atrás, no local onde se encontra hoje a cidade de Beja, vivia um pequeno povo em cabanas de colmo. Todos os campos lavrados e semeados que hoje avistamos, em redor da cidade de Beja, eram em tempos longínquos, um grande matagal, onde o homem, em alguns sítios, quase não conseguia entrar. Assim, o povo que aqui habitava sobrevivia da caça que fazia na vasta floresta, que albergava um grande número de animais. Entre os animais que viviam nesta grande floresta, havia uma serpente monstruosa, maior do que podemos imaginar. Esta serpente gigante percorria todo o matagal que existia em redor da pequena povoação, devorando e destruindo tudo o que encontrava no seu caminho. Os habitantes viviam em constante sobressalto, pensando no dia em que poderiam encontrar nas suas caçadas a terrível serpente que, sem dó nem piedade, os devoraria num abrir e fechar de olhos, aliás, o que já acontecera a algumas infortunadas pessoas que saíram para as suas caçadas e nunca mais voltaram. Mas certo dia, um dos habitantes desta pequena povoação, conhecido pela sua coragem e mestria na resolução de problemas, teve uma brilhante ideia: envenenar um toiro e deitá-lo para a floresta onde existia a tenebrível serpente.

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Beja é capital do distrito de Beja, da região do Baixo Alentejo


Contos do Mundo Este valente homem reuniu o povo e explicou a sua ideia de envenenar um toiro e levá-lo para a floresta, onde seria certamente devorado pela serpente, que morreria envenenada ao comer o pobre animal. Depois de um longo debate, todos concordaram com esta arriscada ideia. Então, envenenaram um robusto toiro, que era visto esperançosamente como o salvador desta amedrontada gente, e partiram para a arriscada tarefa de colocá-lo na grande e perigosa floresta, onde a monstruosa serpente costumava fazer as suas vítimas. Com muito custo, lá conseguiram deixar o toiro na floresta. Contou que ouviu que, entre a serpente e o toiro, ainda houve uma tremenda luta, pois o toiro ainda estava vivo quando fora encontrado pela horrenda serpente. Mas o toiro foi vencido pelo efeito do veneno e foi devorado pela gigantesca serpente. Passados alguns dias, a serpente foi encontrada morta ao lado dos restos do toiro salvador. Diz-se então que a cabeça de toiro que se encontra no brasão da cidade de Beja originou desta lenda e representa também a riqueza da região em cabeças de gado.

A Lenda da Serpínia Era uma vez uma jovem e linda Princesa, chamada Serpínia, que vivia nas longes terras do outro lado da Ibéria, lá para os altos Pirineus. Seu pai, Cófilas, rei dos túrdulos, tribo da Ibéria, era um homem bom. Num País vizinho, vivia um outro rei, de raça, celta, que era cruel e muito ambicioso, Rolarte de seu nome, que quando viu a formosa princesa quis casar com ela. Mas a princesa não se agradou dele. Um dia um Príncipe, Orosiano, visitou o Rei Cófilas e a sua filha Serpínia. Os dois príncipes gostaram um do outro e combinaram casar. Mas o rei Rolarte, quando soube, não gostou que Serpínia fosse dada em casamento a Orosiano e jurou vingar-se tratando logo de reunir os seus soldados e de fazer guerra a Orosiano.

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O Noivo de Serpínia morreu e Rolarte ficou ferido. O Rei dos Celtas não ficou satisfeito com a morte de Orasiano a jurou fazer guerra ao pai de Serpínia, mas este, informado do que Rolarte preparava, abalou para as longínquas paragens da outra banda da Península Ibérica. E andaram, andaram até chegarem a um sítio onde a Princesa se sentiu encantada com as formosas Terras que seus belos olhos avistavam. Campos recobertos de luxuriantes verduras, flores campestres a perfumarem os ares que respirava, tudo prenunciando abundância de água, de terras férteis, ubérrimas. Serpínia logo deu parte a seu pai de que gostava destes sítios. Cófilas examinou a região. Tudo aparentava terras fartas e amenidade de clima. Perto corria o Ana. Por toda a parte se viam Oliveiras, muitas Oliveiras, a garantir alimento, untura, tempero e luz na candeia. E logo ali acamparam e escolheram local para construir uma cidade que ficou a ser a capital de novo reino. E em homenagem a Serpínia, a formosa filha do Rei Cófilas, à nova cidade se ficou chamando Serpe. Esta seria a capital da Turdetânia, o novo reino criado na região do Ana, hoje chamado Guadiana, e que se estendia até ao mar. Tempos depois chegou a Serpe a notícia da vinda até um Porto do Ana, aonde chegavam as águas salgadas do mar, de barcos Fenícios povo de navegadores que vivia no Norte de África. Cófilas, Rei dos Túrdulos, fez aliança com os chefes Fenícios e, naquele porto, construíram uma cadeia a que deram o nome de Mirtilis, em honra da Deusa Mirto, sua mãe que o teve de Mercúrio. Em um dos barcos vinha um Príncipe, jovem, guerreiro e bem parecido, que ao ver Serpínia se apaixonou por ela. E Serpínia amou Polípio, o belo Príncipe Fenício. E logo ficaram noivos. Polípio regressou à Fenícia. E Serpínia, enquanto esperava o seu noivo, dedicava-se à caça pelo que seu pai lhe construiu, à beira do Rio Limosine, que ia desaguar no Ana, um castelo onde ela ficava quando ia caçar. Ali havia muitos loendros e Serpínia deu à sua nova casa o nome de Castelo de Loendros.


Contos do Mundo Imagem

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Serpínia já tinha esquecido Rolarte, mas Rolarte não esquecera Serpínia, nem a vingança de que lhe jurara. E uma noite, noite escura como breu, o Castelo dos Loendros foi atacado por Rolarte e os seus soldados. Mas o Rei dos Celtas foi vencido pelos soldados de Cófilas que guardavam o castelo de Serpínia. Com medo de novos ataques a princesa mandou aviso ao pai, que estava em Mirtilis, que hoje se chama Mértola, o qual regressou com muitos soldados, e que esporeando os seus corcéis corriam a toda a brida na companhia de Polípio, o príncipe noivo, que já tinha regressado da Fenícia para as bodas com Serpínia. Rolarte voltou a assaltar o castelo mas este, que tinha agora muita tropa, venceu os soldados de Rolarte e o Rei dos Celtas fugiu e foi morrer afogado no Ana. Serpínia casou com Polípio e os noivos foram para a Fenícia. Serpe, que recorda a linda princesa Serpínia e que sempre manteve o seu nome, é hoje a Serpa em que vivemos.

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Imagem de Lucas Fracalossi

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Nossa Senhora das Pazes

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Há uma lenda antiga Que conheço desde criança, E em que a crença popular Inspira confiança, Que nos conta Que, em tempos idos, Já muito distantes E por todos esquecidos, Houvera uma briga Nos terrenos constantes Entre Ficalho e Chança. Eram aos montes, os feridos, E imensos os gemidos!...

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Não havendo esperança De a luta parar, Nem de se esboçar Uma leve bonança, A luta crescia, crescia!... Era cada vez mais forte!... Para muitos, Já tinha chegado a morte! O povo olhava, Assustado e aturdido, aquela luta sem igual, julgando-se Perdido O próprio torrão natal. 13

Esta lenda pertence à Freguesia de Vila Verde de Ficalho, concelho de Serpa, distrito de Beja 14 Imagem retirada do blog Fotos de Ficalho


Contos do Mundo

Havia promessas, Preces em oração! Havia gritos aflitivos Que trespassavam o coração. No momento de grande confusão, A luz brilhante do dia Empalideceu, Quase De todo Escureceu. Que sucedia? Sim, Que é que acontecia Para que, Naquele esplendor de luz, A própria se escondia? Nas trevas formadas na ocasião Uma luz nova surgia, Brilhante, Iluminando, Nesse instante, A imagem de Maria Ante essa visão, Os guerreiros, Que, até então, Lutando com valentia, Espalhavam De toda a sorte, A dor e a morte, Tornaram-se incapazes.

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Tudo ficou em completa inacção. A Virgem Maria, Que, Nessa visão, Era das Pazes, Em amigos os convertia. Foi dessa visão feliz, Que esta lenda datou, Que o povo de Ficalho, Segue, Crente, A fé que criou. Para consagrar a aparição, No lugar da contenda Numa ermida se ergueu Bela e alvinitente. E com devoção, O povo contente, Ante a alegria pura dos rapazes, Celebra em cada ano, 15 A festa das Pazes.

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Texto de autoria de Rigo Valente, de nacionalidade portuguesa.


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A lenda de Nossa Senhora das Necessidades

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Num fraguedo de uma herdade Em cima de uma rochinha Apareceu a Virgem das Necessidades Do tamanho de uma bonequinha Um pastor que por ali passou Com o seu gado a pastar Ao ver a bonequinha tão linda Tratou logo de a levar Andou todo o dia muito contente A pensar na alegria que ia dar Levar tão linda bonequinha Para sua filhinha brincar Já tarde ao chegar à malhada Muita alegria disse para a filha: Hoje trouxe-te uma boneca Vai vê-la que está dentro da mochila A miúda muito contente A bonequinha foi logo buscar Mas ao ver a mochila vazia Ela se pôs a chorar

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Retirado da obra “Lendas e Narrativas de Santo Aleixo da Restauração” – Santo Aleixo da Restauração pertence ao concelho de Moura, distrito de Beja.

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O pastor muito aborrecido Sem saber que pensar Disse-lhe: Não chores filha Que eu amanhã a vou procurar De manhã cedo com o seu gado Pelos mesmos passos a foi procurar Depois de o terreno ter percorrido Em cima da rochinha a foi encontrar Ele logo a apanhou E na mochila a meteu Mas ao chegar à malhada O mesmo caso se deu A outro pastor que estava próximo Ele foi contar o sucedido O pastor muito sério lhe disse: Isto é milagre meu amigo No dia seguinte o caso foi contado A todos que por ali passaram Todos quiseram ir certificar-se Porque em milagre não acreditaram Quando iam já muito próximo A Santinha todos puderam ver Mas ao dela se aproximarem Todos a viram desaparecer


Contos do Mundo

A olhar uns para os outros disseram: Ela é Santinha mesmo a valer E ela quer aqui uma Igreja E nós todos lhe a vamos fazer E muito em breve de tudo foram tratar Mas vendo o terreno da frente mais direito Resolveram fazer ali a igreja Porque ficava melhor e fazia mais jeito Todos começaram logo a trabalhar Com muita fé e muita devoção Mas ao lá chegarem no dia seguinte Todo o seu trabalho eles viram no chão Sem zangas nem azedumes Começaram novamente a trabalhar Mas novamente no outro dia Tudo caído eles foram encontrar Foi então quando um deles disse: A Santinha não quer a Igreja aqui Ela quer que se faça onde ela aparece E nós vamos faze-la ali Depressa tudo para lá mudaram Começando logo todos a trabalhar Ela parecia-lhe que não faziam nada Mas o seu trabalho eles viam aumentar

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Muito em breve a Igreja ficou pronta Com a imagem da Santinha e seu altar Todos lá iam com muita fé e devoção Aos pés da Santinha ajoelhar e rezar A Santinha rejeitou melhor terreno Por de Barrancos ela não querer ser Ela preferiu rochas e fraguedos Para a Santo Aleixo ela pertencer Outro grande milagre a Santinha ali fez Quando os de Santo Aleixo lá andaram a ceifar Eles viram vir um fogo com muita rapidez Já muito próximo deles a chegar. Logo eles correram a pedir à Santinha Para lhes valer em tão grande necessidade Que lhe salva-se todas as searas E os livra-se de tão grande calamidade No astro logo apareceu uma nuvem Que em uma trovoada se transformou Apagando imediatamente todo o fogo E todas as searas ela salvou Todas as searas ela salvou Algumas delas já ardidas Mas só as palhas o fogo queimou Ficando as lindas louras espigas Com maior fé e devoção À Santinha todos foram agradecer Chamando-lhe Nossa Sr.ª das Necessidades


Contos do Mundo Por em tão grande necessidade era lhes valer Em honra de Nossa Sr.ª das Necessidades Pois assim se continuou a chamar à Santinha Todos os anos em Agosto lhe faziam uma festa Conhecida pela festa da Tomina De toda a parte vinha muita gente Alguns até as suas festas traziam Traziam tambores, guiões e a mocidade E ao pé da azinheira Benta dormiam De manha cedo todos abalavam Com muita pressa e devoção Todos queriam chegar lá a horas De acompanhar a Santinha na procissão 57

Muitos portugueses e espanhóis Nenhum ano queriam faltar Eles continuavam sempre a dizer Que era a melhor festa de Portugal Depois fizeram lá um Convento de Frades O Convento da Tomina como todos diziam Passando a vir muita gente de todas as localidades Pois de toda a parte Padres e Frades para ali iam A herdade passou a ser a Coutada dos Frades Nome que ainda hoje continua a ter Ainda vem muita gente ver as ruínas Porque elas são dignas de se ver


Quando acabaram ali os Frades O Convento começaram a saquear Os de Santo Aleixo foram buscar a Santinha Com receio que lhe a fossem roubar Em Santo Aleixo a festa se continuou a fazer Com o mesmo respeito e a mesma fé De toda a parte vinha muita gente E muitos de bem longe aqui vinham a pé Na horta de cima à entrada da aldeia Passaram então as festas ali a ficar Na véspera de manhã cedo abriam os portões E todo o dia ali se viam festas a chegar Depois as festas foram deixando de vir Mas de oito ainda eu me lembro bem E de vir a grande filarmónica de Brinches E grupos de cantares alentejanos também Hoje as festas já deixaram de vir Mas a festa ainda se continua a fazer Ainda vem muita gente de toda a parte E os nossos emigrantes cá vêm comparecer Nossa Senhora das Necessidades Santinha linda e milagrosa Tu serás sempre protectora Desta Terra gloriosa


Contos do Mundo

Contos Tradicionais 17

Capuchinho vermelho Era uma vez uma menina que vivia numa casinha perto da floresta. O passatempo preferido da menina era apanhar flores para oferecer à mãe e à avó. A avó desta menina também vivia numa casa do outro lado da floresta. Para visitar a avó, a menina tinha que andar muito pois não podia atravessar a floresta a direito por causa de um lobo que lá vivia e que apanhava e comia todas as pessoas que por lá passavam. Um dia, a mãe da menina chamou-a e disse-lhe que ela tinha de levar um lanche a casa da avó porque ela estava doente e não podia levantar-se. A mãe avisou bem a menina para não entrar na floresta e não se demorar muito pelo caminho. A menina colocou a sua capa com um capuz vermelho, pegou no cesto do lanche e saiu para casa da avó. 18

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A meio do caminho pensou que seria bom levar um raminho de flores à avó para a alegrar. Viu umas bem bonitas no caminho na orla da floresta e começou a apanhá-las. De repente, junto de uma árvore lá mais adiante, viu umas flores amarelas que ela nunca tinha visto.

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Obra de Charles Perrault, adaptada para português Imagem retirada do blog Tukakubana

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Para apanhá-las tinha que entrar um bocadinho na floresta mas pensou que se aparecesse alguém, ela teria tempo de fugir. Entusiasmada com as flores, nem reparou que já tinha entrado demasiado na floresta e que as árvores e arbustos não a deixavam encontrar o caminho de volta. Quando procurava a estrada por onde tinha ido, sentiu alguém atrás dela. Voltou-se e deu com o focinho do lobo mesmo encostado a ela. O lobo estava já a pensar que tinha encontrado um belo petisco para aquele dia mas resolveu conversar um pouco com a menina antes de a comer. Perguntou-lhe onde ia e quando ouviu dizer que ela ia visitar a avó ficou todo contente e começou a pensar na maneira de comer as duas. Sugeriu à menina divertirem-se um bocadinho e fazerem uma corrida até casa da avó. A menina começou a pensar que o lobo, afinal, não era tão mau como se dizia e aceitou fazer a corrida com ele. Partiram os dois e o lobo, que conhecia muito bem todos os caminhos da floresta, foi por um atalho e chegou rapidamente a casa da avozinha. Bateu à porta e disfarçou a voz para fingir que era a menina. Quando entrou, foi logo para o quarto da avó que ficou muito assustada e desatou aos gritos. O lobo abriu a boca e engoliu a avó de uma só vez. Depois, vestiu uma das camisas de dormir da avó, pôs uma touca na cabeça e deitou-se na cama à espera que a menina chegasse para comer a sobremesa. Quando a menina chegou, bateu à porta pensando que tinha ganho a corrida. O lobo mandou-a entrar fazendo uma voz fininha para fingir que era a avó. A menina ficou admirada por ver a avó com um aspecto tão diferente do habitual e pensou que ela devia estar mesmo muito doente. Perguntou-lhe porque tinha uns olhos tão grandes e o lobo respondeu, sempre disfarçando a voz, que era para ver melhor a sua querida netinha. Depois, a menina perguntou porque tinha ela as orelhas tão grandes e o lobo respondeu que era para a ouvir melhor. Em seguida, a menina perguntou-lhe porque tinha ela a boca tão


Contos do Mundo

grande e o lobo, já sem disfarçar a voz, disse que era para a comer melhor e saltou da cama para fora para engolir também a menina. Ela conseguiu sair a correr do quarto antes que o lobo a comesse e correu para a rua a gritar por socorro. Um caçador que passava ali perto ouviu os gritos e correu para junto da casa da avó. Assim que viu o lobo quase a apanhar a menina, apontou-lhe a espingarda e disparou. O lobo caiu no chão e a menina ouviu os gritos da avó que estava dentro da barriga do lobo comilão. O caçador abriu a barriga do lobo com uma faca e a avozinha saiu lá de dentro muito contente por ainda estar viva. Fizeram uma grande festa e comeram os três o belo lanche da avó. A partir desse dia toda a gente podia passear à vontade pela floresta, pois já não tinham que ter medo do malvado do lobo.

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Os três porquinhos Era uma vez, na época em que os animais falavam, três porquinhos que viviam felizes e despreocupados na casa da mãe. A mãe era óptima, cozinhava e fazia tudo pelos filhos. Porém, dois dos filhos não a ajudavam em nada e o terceiro sofria em ver a sua mãe trabalhando sem parar. Certo dia, a mãe chamou os porquinhos e disse: - Queridos filhos, vocês já estão bem crescidos. Já é hora de terem mais responsabilidades e para isso, é bom morarem sozinhos. A mãe então preparou um lanche reforçado para os seus filhos e dividiu pelos três as suas economias, para que pudessem comprar material e construírem uma casa.

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Obra de Joseph Jacobs, adaptada para português

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Estava um bonito dia, ensolarado e brilhante. A mãe porca despediu-se dos seus filhos: - Cuidem-se! Sejam sempre unidos! - desejou a mãe. Os três porquinhos, então, partiram pela floresta em busca de um bom lugar para construírem a casa. Porém, no caminho começaram a discordar em relação ao material que usariam para construir o novo lar. Cada porquinho queria usar um material diferente. O primeiro porquinho, um dos preguiçosos foi logo dizendo: - Não quero ter muito trabalho! Dá para construir uma boa casa com um monte de palha e ainda sobra dinheiro para comprar outras coisas. O porquinho mais sábio advertiu: - Uma casa de palha não é nada segura. O outro porquinho preguiçoso, o irmão do meio, também deu o seu palpite: - Prefiro uma casa de madeira, é mais resistente e muito prática. Quero ter muito tempo para descansar e brincar. - Uma casa toda de madeira também não é segura - comentou o mais velho - Como te vais proteger do frio? E se um lobo aparecer, como te vais proteger? - Eu nunca vi um lobo por estas bandas e, se fizer frio, acendo uma fogueira para me aquecer! - respondeu o irmão do meio - E tu, o que pretendes fazer, vais brincar connosco depois da construção da casa? - Já que cada um vai fazer uma casa, eu farei uma casa de tijolos, que é resistente. Só quando acabar é que poderei brincar – respondeu o mais velho. O porquinho mais velho, o trabalhador, pensava na segurança e no conforto do novo lar. Os irmãos mais novos preocupavam-se em não gastar tempo trabalhando. - Não vamos enfrentar nenhum perigo para ter a necessidade de construir uma casa resistente – disse um dos preguiçosos.


Contos do Mundo

Cada porquinho escolheu um canto da floresta para construir as respectivas casas. Contudo, as casas seriam próximas. O Porquinho da casa de palha, comprou a palha e em poucos minutos construiu a sua morada. Já estava descansado quando o irmão do meio, que havia construído a casa de madeira chegou, chamando-o para ir ver a sua casa. Ainda era manhã quando os dois porquinhos se dirigiram para a casa do porquinho mais velho, que construía com tijolos sua morada. - Ainda não acabaste! Não está nem na metade! Nós agora vamos almoçar e depois brincar – disse irónico, o porquinho do meio. O porquinho mais velho porém não ligou aos comentários nem às risadas, continuou a trabalhar, preparava o cimento e montava as paredes de tijolos. Após três dias de trabalho intenso, a casa de tijolos estava pronta, e era linda! 20

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Os dias foram passando, até que um lobo percebeu que havia porquinhos morando naquela parte da floresta. O lobo sentiu a sua barriga a roncar de fome, só pensava em comer os porquinhos.

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Imagem retirada do site Cultura e Diversão


Foi então bater na porta do porquinho mais novo, o da casa de palha. O porquinho antes de abrir a porta olhou pela janela e avistando o lobo começou a tremer de medo. O lobo bateu mais uma vez, o porquinho então, resolveu tentar intimidar o lobo: - Vai-te embora! Só abrirei a porta para o meu pai, o grande leão! mentiu o porquinho cheio de medo. - Não sabia que o leão era o pai do porquinho. Abre já essa porta – disse o lobo com um grito assustador. O porquinho continuou quieto, tremendo de medo. - Se não abrires por bem, abrirei à força. Eu vou soprar muito forte e a tua casa irá voar. O porquinho ficou desesperado, mas continuou resistindo. Até que o lobo soprou uma vez e nada aconteceu, soprou novamente e da palha da casinha nada restou, a casa voou pelos ares. O porquinho desesperado correu em direcção à casinha de madeira do seu irmão. O lobo correu atrás. Chegando lá, o irmão do meio estava sentado na varanda da casinha. - Corre, corre e entra dentro da casa! O lobo vem aí! – gritou desesperado, correndo o porquinho mais novo. Os dois porquinhos entraram a tempo na casa, o lobo chegou logo atrás batendo com força na porta. Os porquinhos tremiam de medo. O lobo então bateu na porta dizendo: - Porquinhos, deixem-me entrar só um bocadinho! - De forma alguma lobo, vai-te embora e deixa-nos em paz - disseram os porquinhos. - Então eu vou soprar e soprar e farei a casinha voar. O lobo então furioso e esfomeado, encheu o peito de ar e soprou forte a casinha de madeira que não aguentou e caiu. Os porquinhos aproveitaram a falta de fôlego do lobo e correram para a casinha do irmão mais velho. Chegando lá pediram ajuda ao mesmo.


Contos do Mundo - Entrem, deixem esse lobo comigo! - disse confiante o porquinho mais velho. Logo o lobo chegou e tornou a atormentá-los: - Porquinhos, porquinhos, deixem-me entrar! - Não vais entrar seu lobo mau! - respondeu o porquinho mais velho. - Já que é assim, preparem-se para correr. Esta casa em poucos minutos irá voar! O lobo encheu seus pulmões de ar e soprou a casinha de tijolos que nada sofreu. Soprou novamente mais forte e nada. Resolveu então jogar-se contra a casa na tentativa de derrubá-la. Mas nada abalava a sólida casa. O lobo resolveu então voltar para a sua toca e descansar até o dia seguinte. Os porquinhos assistiram a tudo pela janela do andar superior da casa. Os dois mais novos comemoraram quando perceberam que o lobo foi embora. - Calma, não comemorem ainda! Este lobo é muito esperto, ele não desistirá antes de aprender uma lição - advertiu o porquinho mais velho. No dia seguinte bem cedo o lobo estava de volta à casa de tijolos. Disfarçado de vendedor de frutas. - Quem quer comprar frutas fresquinhas? - gritava o lobo aproximando-se da casa de tijolos. Os dois porquinhos mais novos ficaram com muita vontade de comer maçãs e iam abrir a porta quando o irmão mais velho entrou na frente deles e disse: - Nunca passou ninguém vendendo nada por aqui antes, não é suspeito que na manhã seguinte do aparecimento do lobo, surja um vendedor? Os irmãos acreditaram que era realmente um vendedor, mas resolveram esperar mais um pouco. O lobo disfarçado bateu novamente na porta e perguntou: - Frutas fresquinhas, quem vai querer?

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Os porquinhos responderam: - Não, obrigado. O lobo insistiu: - Três sem pagar nada, é um presente. - Muito obrigado, mas não queremos, temos muitas frutas aqui. O lobo furioso se revelou: - Abram logo! Os porquinhos nada responderam e ficaram aliviados por não terem caído na mentira do falso vendedor. De repente ouviram um barulho no tecto. O lobo havia encostado uma escada e estava subindo ao telhado. Imediatamente o porquinho mais velho aumentou o fogo da lareira, na qual cozinhavam uma sopa de legumes. O lobo enfiou-se pela chaminé, na intenção de surpreender os porquinhos entrando pela lareira. Foi quando ele caiu bem dentro do caldeirão de sopa fervendo. - AUUUUUUU!- Uivou o lobo de dor, saiu correndo disparado em direcção à porta e nunca mais foi visto por aquelas terras. Os três porquinhos decidiram então morar juntos daquele dia em diante. Os mais novos concordaram que precisavam trabalhar além de descansar e brincar. Pouco tempo depois, a mãe dos porquinhos não aguentando as saudades, foi morar com os filhos. Todos viveram felizes na linda casinha de tijolos.


Contos do Mundo 21

Gato das botas Era uma vez um moleiro que tinha três filhos. Um dia, chamou-os para lhes dizer que ia repartir por eles todos os seus bens. Ao mais velho deu o moinho, ao do meio deu o burro e ao mais novo deu o gato. O filho mais novo ficou muito triste porque o pai não tinha sido justo para com ele. Mas, surpresa das surpresas, o gato começou a falar! - Dá-me um saco e um par de botas. O rapaz ficou muito espantado e obedecendo ao pedido do gato no dia seguinte, lá foi comprar um saco e umas botas. - Aqui estão, meu amigo! - disse ele. O gato calçou as botas, pegou no saco e lá foi floresta fora. Como era muito esperto, não demorou muito a apanhar uma lebre bem gordinha, que a pôs dentro do saco. Com o pesado saco às costas, o gato dirigiu-se ao castelo do rei e ofereceu-lhe a lebre, dizendo: - Majestade, venho da parte do meu amo, o marquês de Carabás, trago-lhe esta linda lebre de presente. O rei ficou muito impressionado e contente com aquela atitude e disse: - Diz ao teu amo que lhe agradeço muito! Daí em diante o gato repetiu aquele gesto várias vezes, levando vários presentes ao rei e dizendo sempre que era uma oferta do seu amo. Um dia, diz o gato a seu amo: - Senhor, tomai banho neste rio que eu trato de tudo. O gato esperou que a carruagem do rei passasse junto ao rio onde o seu amo tomava banho e pôs-se a gritar: - Socorro! Socorro! O meu amo, o marquês de Carabás, está a afogarse! Ajudem-no! O rei mandou logo parar a carruagem e ajudou o marquês, dando-lhe belas roupas e convidando-o 21

Obra de Charles Perrault, adaptada para português

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a passear com ele e com a filha, a princesa, na carruagem real. O gato desata então a correr à frente da carruagem. Pela estrada fora, sempre que via alguém a trabalhar nos campos, pedia-lhes que dissessem que trabalhavam para o marquês de Carabás. O rei estava cada vez mais impressionado! O gato chega por fim ao castelo do gigante, onde todas as coisas eram grandes e magníficas. O gato pede para ser recebido pelo gigante e pergunta-lhe: - É verdade que consegues transformar-te num animal qualquer? - É! disse o gigante. Então o gato pede-lhe que se transforme num rato. E assim foi. O gato que estava atento, deu um salto, agarrou o rato e comeu-o. O rei, a princesa e o marquês de Carabás chegam ao castelo do gigante, onde são recebidos pelo gato: 22

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- Sejam bem vindos à propriedade do meu amo! diz o gato. O rei nem queria acreditar no que os seus olhos viam: - Tanta riqueza! Tem que casar com a minha filha, senhor marquês - diz o rei. E foi assim que, graças ao seu gato, o filho de um moleiro casou com a princesa mais bela do reino.

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Imagem retirada do site O Globo


Contos do Mundo

A Carochinha e o João Ratão

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Era uma vez uma carochinha que estava a varrer a casa. Depois de muito bem varrida, foi limpar o pó dos móveis e, com tanta sorte achou cinco réis no canto duma gaveta. Acabado este trabalho doméstico, que tantas vezes ela costumava fazer, foi lavar-se, pentear-se e toucar-se e, em seguida, pôs-se à janela a ver quem passava na rua. Não tardou que um cão, que seguia o seu caminho, não passasse por baixo da janela onde estava a carochinha muito formosa e lavadinha. Vai daí, o cão vendo-a tão formosa e linda deu-lhe os bons dias e disse: - Bom dia, Carochinha, tão formosa e bonitinha que estás! Já sei: achaste cinco réis no canto da gaveta, queres casar comigo? - Como é a tua voz? – perguntou-lhe ela. - A minha voz é esta: ão, ão, ão… - Ai, - lhe diz a Carochinha – que feia que ela é! Não quero, não, que tenho muito medo! Alguns minutos depois passou um gato que, agradando-se também da formosura da carochinha, lhe perguntou: - Carochinha, queres casar comigo? - Então como é a tua voz? – perguntou ela. - A minha fala – respondeu-lhe o gato – é esta: miau, miau, miau, renhau, nhau… - Ai, que feia que ela é! não quero, não! Em seguida, passou pela rua um burro que, igualmente, gostou da Carochinha e lhe perguntou se ela queria casar com ele. E, quando a Carochinha lhe pediu que desejava ouvir a sua voz, ficou horrorizada e cheia de medo quando o burro, abrindo a boca enorme, soltou um zurro potente e bem timbrado que se fez ouvir à distância. - Não quero, não, tenho muito medo!

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História retirada de contos populares portugueses, de Adolfo Coelho e adaptada.

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Passaram ainda pela rua um porco, um carneiro e um boi, aos quais ela disse-lhes que não casava com eles porque eram feios e tinham vozes tão desagradáveis que metiam medo. Finalmente passou um rato que, vendo tão formosa como bela Carochinha, se apaixonou logo por ela e lhe propôs casamento. - Carochinha, queres casar comigo? - Então como é a tua fala? - A minha fala – diz-lhe o rato – é esta: chiu, chiu, chiu… Imagem

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- Ai que bela voz que tu tens, quero sim, quero! Com grande entusiasmo e satisfação dos noivos e de suas famílias fez-se o casamento, que decorreu, como era de esperar, no meio de grande alegria e animação. Era a Carochinha muito devota e crente em Deus, por isso não havia missa nem festa de igreja a que ela não assistisse. Vai daí, no primeiro domingo logo a seguir ao casamento, ela depois de se lavar, pentear, de se toucar devidamente e pôr perfume no cabelo e no lencinho que costumava meter na manga do vestido, quando saía, disse para o marido, o João Ratão (era este o seu nome) que se preparasse de chapéu alto de pêlo, de casaca e botas pretas, e foram ambos de braço dado à missa. Chegados à igreja, a Carochinha notou que se havia esquecido das luvas brancas e pediu ao João Ratão que fosse, depressa, a casa buscálas, mas que não demorasse muito. Também lhe lembrou que não se assomasse à panela que estava ao lume a ferver, não fosse caso escorregarem-lhe os pés e cair dentro d’água. 24

Imagem retirada do site “Sonhos Contados”


Contos do Mundo Depois de ouvir com muita atenção o recado e conselho da esposa, o João Ratão correu a casa a buscar as luvas. Mas, guloso e desobediente como certos meninos, o João Ratão, depois de ter tirado duma das gavetas do toucador as lindas luvas brancas, rendadas e perfumadas da Carochinha, não tendo mão em si, correu à cozinha a ver a panela que estava ao lume a ferver a bom ferver. Nela tinha a Carochinha deitado a carne da galinha, a linguiça e o toucinho para se cozerem. O maroto do João Ratão, rápido como o vento, trepou ao fogão e, com certo esforço, pois a panela estava muito quente, destapou-a. A água fervia em cachão, a bom ferver, e vai daí o cheiro a carne cozida era tão delicioso que fazia criar água na boca ainda aos menos gastrónomos, o que mais e mais espevitava o apetite devorador de João Ratão. Subindo com dificuldade até à borda da panela, pois estava muito quente, o nosso homem, olhando com olhinhos muito espertos e finos como os de um rato, já se vê, para dentro e para o fundo da panela, via surgir à superfície da água para logo desaparecer e mergulhar até ao fundo, a linguiça, o toucinho e a carne da galinha. A tentação de João Ratão pela carne era grande e, quando o toucinho ou a linguiça surgiam à superfície da água a ferver, logo ele lhes atirava a patinha para a puxar para si. E, tantas vezes repetiu a odisseia que, escorregando-lhe as patas, caiu na água a ferver. Vendo, em sobressaltos, que o seu João Ratão já tardava, a Carochinha, dando-lhe pancada o coração, decidiu tirar-se de dúvidas e correu a casa. Foi ao quarto, chamou pelo marido, e ele não respondeu. Foi à sala de visitas, e à copa, e à casa-de-banho, e nada de ver o marido. Por fim, foi à cozinha e, como a panela do jantar destapada, assomou a ela e verificou, com grande pesar seu, que João Ratão estava morto e cozido dentro dela. Soltou um grande grito de desespero e, cheia de comoção, lamentava-se deste jeito: - Ai o meu João Ratão, cozido e assado no caldeirão! - Ai o meu João Ratão, cozido e assado no caldeirão!

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O Frade e a Sopa de Pedra

Um frade andava ao peditório; chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram aí dar nada. O frade estava a cair com fome, e disse: – Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo. A gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela lembrança. Diz o frade: – Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa. Responderam-lhe: – Sempre queremos ver isso. Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse: – Se me emprestassem aí um pucarinho. 26

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Deram-lhe uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro. – Agora se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas. Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, disse ele: – Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor.

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Este conto tem origem em terras escalabitanas, mais concretamente de Almeirim, de onde surgiu a lenda do frade. 26 Imagem com a estátua dedicada ao frade da lenda da sopa da pedra, em Almeirim. Fonte: wikipédia


Contos do Mundo

Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via. Diz o frade, provando o caldo: – Está um bocadinho insosso; bem precisa de uma pedrinha de sal. Também lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse: -Agora é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o comeriam. A dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e ripou-as com os dedos deitando as folhas na panela. Quando os olhos já estavam aferventados disse o frade: – Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça... Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço; ele botou-o à panela, e enquanto se cozia, tirou do alforge pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panela ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que estava com os olhos nele, perguntou-lhe: – Ó senhor frade, então a pedra? Respondeu o frade: – A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez. E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.

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O conto do periquito Era uma vez um periquito e uma periquita. E a mãe mandou o periquito ao azeite e a periquita ao vinagre, dizendo-lhes “quem cá chegar primeiro, ganha uma coisinha”. Como o periquito foi mais rápido, chegou primeiro. E sua mãe que estava à sua espera, matou-o e com ele fez o almoço. E quando a periquita chegou disse-lhe a sua mãe “vai levar o almoço ao teu pai”. E 27

Recolha oral gentilmente facultado pela D. Maria Carrasco – aluna da Universidade Sénior de Moura.

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quando lá chegou, entregou o almoço a seu pai que o comeu e deitou os ossos do periquito para baixo de uma laranjeira. E eis que nasce o periquito carregado de laranjas. E a mãe pede-lhe “dá-me uma laranja”, ao que o filho responde “não que me mataste”; e o pai pede “dá-me uma laranja”, e o filho responde “não que me comeste”. E pede-lhe a irmã “dá-me uma laranja” e o irmão responde “a ti dou-te todas pois me salvaste”. E diz-se que a esta hora estão os dois irmãos comendo pão com amoras.

"Atiro a porta mãe?" Vivia um menino pobre, com sua mãe, nas últimas casas de uma aldeia. A mãe ia trabalhar, todos os dias, deixando o menino sozinho. Antes de sair recomendava-lhe: - Não abras a porta a ninguém, nem mostres as nossas verónicas! O menino respondia-lhe que fosse descansada, porque ele faria conforme ela lhe estava a recomendar. Mas, certo dia, uns homens, que pareciam boas pessoas bateram à porta e perguntaram ao rapazinho se lá em casa haveria alguma coisa bonita que ele lhes pudesse mostrar. O menino correu a buscar as verónicas, que a mãe guardava na cómoda do quarto. Os ladrões – porque era isso que eles eram – pegando no saco, imediatamente se foram embora. Pouco depois, chegou a mãe. O menino estava triste e confessou-lhe o que se tinha passado. A pobre mulher, vendo-se sem o seu tesouro, lançou mãos à cabeça e começou a correr estrada abaixo, pelo caminho que os ladrões tinham seguido. Entretanto, gritava para o menino que a queria acompanhar: Fecha a po…o…orta…!!! Levo a porta, mãe…e…e? – respondia-lhe o menino. Fecha a po…o…o…orta…!!! Levo a porta, mãe…e…e?


Contos do Mundo Sem entender o que a mãe lhe gritava, cada vez mais distante dele, levantou a porta e começou a correr, com ela às costas, ao encontro da sua mãe. Já muito longe de casa, muito cansados e sem verem o caminho, porque, entretanto, o sol já se tinha posto, mãe e filho resolveram passar a noite em cima de uma azinheira, carregando, também, a porta. Imagem

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A altas horas, sentem passos… conversas… por entre as árvores do montado. E, qual não foi o seu espanto quando, precisamente debaixo da árvore em que eles estavam, se vieram sentar, discutindo, dois homens carregados de sacos e outros objectos. Eram os ladrões, que se preparavam para dividir, entre si, o que tinham roubado. Então começaram: Pataca a ti... Pataca a mim… Pataca a ti... pataca a mim… A mulherzinha e o filho, em cima da árvore, nem respiravam. A criança na sua imprudência, murmurava à mãe: Atiro a porta, mãe? A mãe, com um gesto, tapava-lhe os lábios, gelada de medo. O menino continuava: Atiro a porta, mãe? E atirou! 28

Imagem de autoria de Sandra Riscador

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Os ladrões, pensando que era o céu que lhes caía em cima, puseram-se em fuga e não mais voltaram. Foi assim que mãe e filho puderam recuperar não só as suas verónicas, como também, ganhar muitas outras riquezas que os ladrões abandonaram no chão, debaixo da azinheira. Nota:" verónica" – moeda em oiro (segundo Filinto, VII, 228) in "Dicionário de Língua Portuguesa" de Cândido de Figueiredo.

Corre, corre cabacinha corre Era uma vez uma velhinha que vivia só, na sua casinha da aldeia. Certo dia, recebeu uma carta da sua neta, que vivia numa terra distante. A carta trazia-lhe uma grande alegria – a neta ia casar-se e convidava a avozinha para assistir ao seu casamento. Tão contente ficou que imediatamente se pôs a caminho para não chegar atrasada. Depois de ter andado alguns quilómetros, surgiu à sua frente um grande lobo que lhe disse numa voz rouca: Ai, velhinha, que eu como-te! Ai, não me comas, que eu estou muito magrinha. Vou ao casamento da minha neta e, quando de lá voltar, já venho mais gordinha! Está bem na volta cá te espero! - respondeu o lobo e deixou-a seguir caminho. Lá mais adiante, surgiu-lhe na frente um urso, que, pousando-lhe as patas nos ombros, lhe disse ao ouvido: Ai, velhinha, que eu como-te! Ai, não me comas, que eu estou muito magrinha. Vou ao casamento da minha neta e, quando de lá voltar, já venho mais gordinha! Tal como o lobo, o urso achou que a velhinha tinha razão e deixou-a seguir viagem, dizendo: Está bem na volta cá te espero!


Contos do Mundo Já quase no fim da viagem, uma terceira fera apareceu à velhinha – era um leão. Ai, velhinha, que eu como-te! Ai, não me comas, que eu estou muito magrinha. Vou ao casamento da minha neta e, quando de lá voltar, já venho mais gordinha! O leão também achou que era melhor esperar que ela voltasse mais gordinha. Então disse-lhe: Está bem na volta cá te espero! Muito assustada a velhinha continuou o seu caminho até que chegou, por fim a casa da neta. Contou tudo o que lhe acontecera e a neta aclamou-a dizendo que não haveria problema nenhum. O casamento foi muito bonito e a velhinha estava muito feliz. Mas, quando se decidiu a voltar para a sua casa, começou a ficar com muito medo. A neta correu ao quintal, cortou a cabacinha maior e mais redondinha que lá tinha abriu-lhe uma pequena porta e a velhinha entrou nela. A neta voltou a fechar a cabacinha. Então a viagem começou quando a cabacinha e a velhinha rebolavam estrada fora. A certa altura passaram ao pé do leão, que perguntou: - Oh cabacinha não viste para aí uma velhinha? A velhinha de dentro da cabacinha respondeu: Não vi velhinha, nem velhão Corre corre cabacinha Corre corre cabação!!! O leão fez cara de admirado! A cabacinha continuou rebolando pela estrada fora. Um pouco mais à frente estava o urso, esperando. Este resolveu perguntar: Oh cabacinha não viste para aí uma velhinha? De dentro da cabacinha, a mesma voz respondeu: Não vi velhinha, nem velhão Corre corre cabacinha Corre corre cabação!!!

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A cabacinha continuou rebolando, rebolando, sempre a toda a pressa. O urso não percebeu nada do que via e ouvia… Mais perto de casa estava o lobo esfomeado. Ao ver a cabacinha perguntou-lhe: Oh cabacinha não viste para aí uma velhinha? De dentro da cabacinha a voz da velhinha fez-se ouvir: Não vi velhinha, nem velhão Corre corre cabacinha Corre corre cabação!!! O lobo pulou de raiva. Finalmente a nossa velhinha chegou a casa. Não havia mais perigos. Pela estrada fora tinham ficado, enganados, os seus três inimigos. A cabacinha salvara-lhe a vida.

Mocho comi! A Carriça – uma avezinha do bosque – estava muito feliz, no seu ninho, construído por ela num dos ramos mais altos de um carvalho. Sentia-se assim tão feliz porque lhe tinha acabado de nascer uma grande ninhada de filhinhos. Cantava, cantava, para eles, a fim de os adormecer, como qualquer mãe carinhosa. Enquanto ela estava assim, neste enlevo, passou por ali uma Raposa gulosa que imediatamente sonhou com um bom almoço. Muito matreira dirigiu-se à Carriça, nestes termos: - Olá, comadre Carriça! - Estás muito contente, hoje! - Pudera! Não hei-de estar? Tenho aqui os meus filhinhos junto de mim e canto para os adormecer. - Aí, é? Então, atira-me para cá um! – respondeu a raposa. - Atirar um dos meus filhinhos? Nem penses nisso! Tanto que eu gosto deles!!! - Olha que se não me atiras um, cá para baixo, o meu rabo rabazolão deita o teu carvalho ao chão!!!


Contos do Mundo A pobre mãe, receando um mal maior, atirou, com grande desgosto do seu coração, um dos carricinhos. A Raposa imediatamente o engoliu e partiu, nada satisfeita, para outro lugar. No dia seguinte, à mesma hora, voltou a passar para junto da grande árvore onde se encontrava o ninho da Carriça. A pobre avezinha estava da mesma maneira, a cantar para os filhinhos que ainda tinha. De novo, a Raposa meteu conversa com a Carriça: - Então comadre Carriça, continuas contente!!! … - Contente?! – respondeu-lhe a Carriça. Não sejas má! Canto, mas estou triste e tu bem sabes porquê!!! - Ora, ora … Atira-me para cá outro! … - Outro??? … - respondeu-lhe a Carriça toda indignada - Isso é que eu não faço! Vai-te embora, malvada! Não tens coração! - Olha que o meu rabo rabazolão deita o teu carvalho ao chão!!! – repetiu a raposa para meter medo à Carriça. Esta coitadinha, mais uma vez pensou que se o carvalho caísse perderia os filhinhos! Então, chorando, atirou-lhe mais um dos carricinhos. A Raposa, depois de o engolir, desatou a correr e desapareceu por entre as árvores do bosque. A Carriça ficou soluçando, soluçando… Mais tarde, passou por ali o Mocho Sábio que é muito amigo de todas as aves. Ouvindo o choro da Carriça, perguntou-lhe o que se passava. Esta, pobrezinha, explicou-lhe tudo o que a Raposa lhe dissera e como já tinha perdido dois dos seus filhinhos. O Mocho, então, respondeu à Carriça: - O quê? E tu acreditaste que a Raposa seria capaz de deitar o carvalho abaixo?! Ela só diz mentiras! Não tem força para isso! Se ela voltar a passar por cá e te pedir outro dos teus filhinhos, responde-lhe que experimente a ver se é capaz de deixar cair uma árvore tão alta e forte. Está bem? Faz como te digo. Assim foi. A Carriça, cheia de coragem, esperou que a raposa voltasse!

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Mal ela se aproximou, pensando que teria outro bom almoço, já a Carriça estava preparada para lhe responder. - Que tens hoje, Carriça, que não cantas?! – perguntou a Raposa com voz matreira. - Não, não canto! – respondeu a avezinha com voz forte. - Aí, não?! Então se não cantas atira-me cá para baixo um dos teus bebés! Imagem

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- Isso é que tu querias, mas não consegues! – respondeu a Carriça bem do alto da árvore! - Olha que o meu rabo rabazolão deita o teu carvalho ao chão!!! – respondeu de novo a raposa. Então experimenta! - Vamos ver se és capaz! - disse o Carriça. Nesse momento, a Raposa compreendeu que ia ficar mal colocada e, então, disse: - Estás hoje muito sabida!!! Quem te ensinou isso?! A Carriça com coragem retorquiu: - Foi o Mocho Sábio! - E onde está ele? – perguntou a Raposa. - Olha, está lá ao fundo em cima da rocha grande! A Raposa meteu o rabinho entre as pernas e correndo disse " por aí me sigo ". O Mocho estava a dormir, muito refastelado, em cima da pedra. A Raposa, sem fazer ruído, abriu a boca e, de um trago, comeu-o, sem o mastigar, sequer. 29

Imagem da autoria de Sandra Riscador


Contos do Mundo Mas, como o Mocho sabia muito e era inteligente, dentro do estômago da raposa pôs-se a pensar na forma como haveria de sair de dentro do bicho. Tinha que ser mais esperto que a Raposa! E foi! Começou a dizer-lhe: - Ó Raposa, tu de facto, fizeste uma coisa muito importante! Foste capaz de comer o Mocho Sábio! Todas os bichos e todas as pessoas deveriam saber isso!!! Olha grita bem alto: " Mocho comi! " – de maneira que se oiça lá na aldeia! A raposa que era vaidosa, fez como o Mocho lhe disse, abriu a boca e gritou: - Mo…o…o…cho comi…i…! A ave, aproveitando o momento em que a Raposa tinha a boca aberta, saiu-lhe rapidamente da goela, gritando: - Outro, mas não já a mim! A Gulosa Era uma vez uma mulher que era casada com um pescador. Como era muito gulosa e má não fazia comida para o marido. Dava-lhe só pão com azeitonas. Mas, para ela fazia bons petiscos que comia sozinha. E depois de os comer sentava-se numa cadeira, refastelada, e dizia: Estende-te, perna, Descansa corpinho, Que lá anda no mar Quem te há-de dar Pão e vinho. Quando o pescador vier, Coma azeitonas se houver. De facto, quando o marido chegava a casa, ela só lhe dava pão e azeitonas, que ela não comia dizendo que já tinha comido. Isto acontecia todos os dias e o pobre pescador lamentava-se da sua sorte.

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Andava ele desconfiado que a mulher comia às escondidas, quando um dia, indo para o mar, encontrou uma velhinha que lhe disse: - Não te apoquentes mais que amanhã já comes melhor. Toma lá estas quatro bonecas e põe uma em cada canto da cozinha, mas que a tua mulher não veja. Ele assim fez e abalou para o mar. Preparava-se a mulher para comer os petiscos, quando ouviu: (1ª boneca) - O que vai aquela mulher fazer? (2ª boneca) - Ora ... vai comer !... (3ª boneca) - Mas o marido não está em casa! (4ª boneca) - Bem se importa ela com o marido! É uma gulosa! A mulher, assustada, olhou mas não viu ninguém. Mais sossegada dispunha-se a comer quando ouviu novamente as mesmas vozes: (1ª boneca) - O que vai aquela mulher fazer? (2ª boneca) - Ora ... vai comer !... (3ª boneca) - Mas o marido não está em casa! (4ª boneca) - Bem se importa ela com o marido! É uma gulosa! Então cheia de medo saiu porta fora. Demorou-se por lá muito tempo, mas tendo fome voltou para casa. Ia mais uma vez tentar comer, logo ouviu as mesmas vozes. Assustada, resolveu esperar pelo marido para comerem juntos. Ficou o pescador admirado com a mudança. No dia seguinte, antes de sair para o mar, disse-lhe a mulher: - Olha, vem cedo que eu tenho cá um bom jantarinho. E assim foi, e nunca mais ela comeu sem o marido. Tempos depois foi o pescador à procura da velhinha, que era uma fada, entregou-lhe as bonecas e agradeceu-lhe muito o que lhe tinha feito, pois agora já era feliz.


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Contos de Angola Angola É um país da costa ocidental de África, cujo território principal é limitado a norte e a leste pela República Democrática do Congo, a leste pela Zâmbia, a sul pela Namíbia e a oeste pelo Oceano Atlântico. Angola inclui também o enclave de Cabinda, através do qual faz fronteira com a República do Congo, a norte. Para além dos vizinhos já mencionados, Angola é o país mais próximo da colónia britânica de Santa Helena. Uma antiga colónia de Portugal, foi colonizada no século XV, e permaneceu como sua colónia até à independência em 1975. O primeiro europeu a chegar a Angola foi o explorador português Diogo Cão. A sua capital e maior cidade é Luanda. Apesar da maior parte da população viver em pobreza, o país é o segundo maior produtor de petróleo e exportador de diamante da África Subsaariana. Angola, apesar de se localizar numa zona tropical, tem um clima que não é caracterizado por aquela condição, devido à confluência de três factores: a corrente fria de Benguela ao longo da parte sul da costa; o relevo no interior e a influência do deserto do Namibe, a sudeste. Cerca de 70% da população fala a língua oficial, o Português. As outras línguas não oficiais e bastantes faladas são os idiomas de origem Bantú, ou seja o Ovibumdo, o Kimbumdo, o Kikongo, o Lunda, o Ganguela, o Lutchaze e o Ovampo. O Bochimano, e todos os dialectos daí provenientes, são falados no sul, por uma pequeníssima minoria, junto ao Rio Cunene. O país tem uma população estimada em 13.900.00 habitantes, com uma densidade populacional de 9 habitantes por km².

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Contos Tradicionais 30

A jibóia, as cobras e o ngungu 31 Um dia, a Jibóia , rainha das serpentes, idealizou um plano de bom governo para a sua raça. Convocou, para isso, todas as cobras e disse-lhes: Eu tenho por medida acertada e justa que agora todas nós as cobras, quer as muito grandes, quer as muito pequenas, precisamos de construir uma mata ou um bosque só para nós, a fim de que nenhuma pessoa ouse aproximar-se. É coisa sabida quanto as cobras são perigosas e agressivas, mas também quanto os homens nos perseguem. Assim, guardar-nos-emos umas às outras e viveremos largos dias. 32 Porém, logo uma cobra chamada Toka retorquiu: - Eu ainda que viva sozinha, não há pessoa que me mate, porque a minha verocidade é tal que, se eu morder a alguém, ela morre mesmo. Uma outra, a víbora do Gabão disse: - Também a mim ninguém me matará, porque costumo esconder-me entre a folhagem e ninguém me vê para me matar, enquanto, se eu morder uma pessoa, ela morre imediatamente. 33 Por sua vez, disse a Surucucu : - Eu sou a Surucucu que dá morte instantânea. Voltar de novo a si é ter muita sorte. O meu veneno é superior ao de todas as outras. Pessoa que eu morda morre imediatamente.

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Conto retirado da obra “Histórias angolanas para as crianças”, de Fernando Vale. 31 Grande serpente, que é considerada tradicionalmente como chefe dos répteis. 32 Serpente grande e perigosa, que anda nas árvores e canta de galo. 33 Terrível serpente, que além de ter poderosa força muscular, possui um veneno perigosíssimo.


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Como, pois, me poderão matar?! 34 Disse a cobra cuspideira : - Eu lanço um líquido aos olhos do homem e ele fica sem ver. Como poderá, pois, ele matar-me?! Todas as cobras contestaram o plano da Jibóia. Deste modo, não concordaram com as palavras da sua chefe, segundo a qual deveriam viver todas juntas no mesmo bosque. Assim, não se tendo estendido, cada uma foi para onde quis. Ora, passados dias, houve, entre os homens, convocatória para uma caçada. Durante ela, um homem encontrou uma cobra e chamou pelos colegas: - Amigos, vinde cá depressa…Está aqui uma cobra! Todos correram para lá e mataram a tal cobra. 85

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Cobra venenosa da África, que lança o seu veneno, cuspindo. Imagem retirada do site Petrobras – Energia e vida


Quando ela já estava a morrer, falou e disse: - Bem dizia a Jibóia, bem dizia a Jibóia… Alguém perguntou: - Que cobra é esta? Os outros responderam: - É a cobra Toka. Esta era a tal cobra que mais se opôs ao plano, proposto pela Jibóia. É por isso que, ainda hoje, quando se mata uma cobra, ela mexe o rabo para um e outro lado, como que a dizer: - Bem dizia a Jibóia, bem dizia a Jibóia… Havia também, no tempo em que os animais falavam, um pássaro 36 grande, chamado Ngungu , que andava sempre a cantar assim: - É minha, é minha a terra. Os outros bichos disseram: - Como é que ele diz: é minha, é minha a terra?! Então, onde está a terra de nós outros?! Ele anda a abusar de nós e, além disso, insulta até o próprio Deus que criou a terra para todos cá viverem. Foi então que a cobra grande, a Jibóia, disse: - Eu vou lá, só para ver o que ele faz. A Jibóia foi. Quando lá chegou, o Ngungu não estava. Tinha ido comer. Então, a Jibóia subiu à árvore, onde Ngungu tinha posto os ovos, e enrodilhou-se por cima deles. Quando o Ngungu veio, vendo a Jibóia sobre os ovos, teve medo de se chegar lá e foi dormir noutro sitio. Entretanto, pôs-se a pensar: - Acabo de presenciar uma coisa extraordinária que não consigo compreender. Eu sou o pássaro Ngungu, por isso ponho os ovos no alto. Mas aquela minha colega é do chão! Como, pois, subiu ela ao alto e se pôs em cima dos meus ovos?! 36

Pássaro grande, preto e de enorme bico vermelho.


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Quando despontou a manhã, o Ngungu tornou a vir, e ainda encontrou a Jibóia no mesmo lugar. Então, o pássaro disse: - Vou consultar o adivinho. Tendo feito a consulta, o adivinho disse-lhe: - Neste teu caso não há feitiço maléfico, nem assunto relacionado com os antepassados. O que há tem origem na tua própria boca. O adivinho acrescentou ainda: - Ora diz-nos lá como é que costumas falar. O Ngungu respondeu: - Eu costumo falar assim: É minha, é minha a terra. - Então, ele disse: - Estás a ver?!... Agora vai, mas não voltes a dizer isso: é minha, é minha a terra. De modo nenhum! Isso é muito mau! Quando chegar a hora de cantar, diz assim: é nossa, é nossa a terra. E vais ver o resultado. O Ngungu regressou à árvore em que morava e lá estava ainda a Jibóia. Passou sem parar e foi dormir noutro sítio. Quando chegou a hora dos galos cantarem, cantou ele também cada vez mais alto: - É nossa, é nossa a terra! É nossa, é nossa a terra! Quando despontou a manhã, foi espreitar os ovos e verificou que a Jibóia já se tinha retirado. O Ngungu chocou, então, os ovos e tirou os filhos. Desde aquele dia, o Ngungu já não canta: é minha, é minha a terra, mas sim: é nossa, é nossa a terra. É nossa, é nossa a terra… Assim aconteceu e, desta vez, tudo correu bem, porque foram seguidos os bons conselhos da Jibóia e respeitados os direitos de toda a gente: pois a terra é de todos, é de todos…

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A sabedoria dos velhos 38 39 Uma soba fez conluio com os jovens do seu território e resolveram expulsar dali todos os velhos, para ficarem só eles na terra e governar e governarem-na a seu modo. Assim fizeram pouco tempo depois. Porém, um jovem, não concordando com aquilo, conseguiu ainda esconder no mato o seu idoso tio. Passaram-se alguns dias. Aconteceu, depois, que, estando o soba a dormir, veio uma cobra e enroscou-se-lhe ao pescoço. Quando o soba acordou, viu a cobra enrolada em volta do pescoço e, não podendo mexer-se, nem falar, apenas fazia sinais com a mão. A gente daquela terra, quando compreendeu os sinais que o soba fazia, disse: - Trazei um pau para matarmos a cobra. Outros diziam: - Não… Outros diziam: - Não, que atingimos o soba. Os jovens não sabiam como matar a cobra no pescoço do soba. Ficou ele com a cobra no pescoço durante muitos dias, sem a poderem matar. Entretanto, o soba tinha emagrecido muito. Então, aquele jovem que tinha escondido, no mato, o seu velho tio, foi ter com ele e contou-lhe: - Estes dias não me tens visto porque nós estamos aflitos por causa do soba. Pois tem uma cobra enroscada no seu pescoço e não a podemos matar…

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Conto retirado da obra “Histórias angolanas para as crianças”, de Fernando Vale. 38 Chefe de tribo, na África; régulo. 39 Combinação entre duas ou mais pessoas para prejudicarem outrem.


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O velho disse: - Isso sucede assim só porque os velhos são maus! E, no entanto, é muito fácil de resolver. E o velho ensinou-lhe como havia de fazer.

Quando o jovem foi ter com os outros, tirou um grilo da terra, amarrou-o a um fio e prendeu-o perto do soba. Quando o grilo se pôs a cantar, a cobra saiu do pescoço para ir comer o grilo. Então, o jovem pegou num pau e matou a cobra. O soba, depois disto, levantou-se da cama a cambalear de fraqueza. Quando o soba se restabeleceu, inquiriu em toda aquela terra quem era o sábio que o tinha salvado. Foi-lhe indicado aquele jovem. Então, o soba perguntou-lhe: - Onde é que adquiriste essa sabedoria? O jovem respondeu: - Recebi-a do meu velho parente que escondi, para que não lhe 41 acontecesse o que mandaste fazer aos outros anciãos .

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Imagem retirada do blog “Poesias & Afins” Homens de bastante idade, os mais velhos e sabedores.

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O soba, sentindo-se já culpado do mal que tinha feito aos outros velhos, disse: - Ide chamá-lo. Foram então chamar o velho tio do jovem. O soba, reconhecido pelo bem que o velho lhe fizera, deu-lhe, em compensação, logo uma parte do seu território para ele governar, com o direito de receber tributos como se fosse um verdadeiro soba.


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Contos do Brasil Brasil Oficialmente República Federativa do Brasil, é uma república federativa presidencialista, localizada na América do Sul, formada pela união de 26 estados federados e pelo Distrito Federal. O país conta com 5.565 municípios, 191.480.630 habitantes, bem como uma área de 8.514.876,599 2 km , equivalente a 47% do território sul-americano. Em comparação com os demais países, dispõe do quinto maior contingente populacional e da quinta maior área. Possui, também, entre 15 e 20% de toda a biodiversidade mundial, sendo exemplo desta riqueza a Floresta Amazónica, com 3,6 milhões de quilómetros quadrados, a Mata Atlântica, o Pantanal e o Cerrado. Faz fronteira a norte com a Venezuela, com a Guiana, com o Suriname e com o departamento ultramarino da Guiana Francesa; ao sul com o Uruguai; a sudoeste com a Argentina e com o Paraguai; a oeste com a Bolívia e com o Perú e, por fim a noroeste com a Colômbia. Os únicos países sul-americanos que não têm uma fronteira comum com o Brasil são o Chile e o Equador. O país é banhado pelo oceano Atlântico ao longo de toda a sua costa norte, nordeste, sudeste e sul. Além do território continental, o Brasil também possui alguns grandes grupos de ilhas no oceano Atlântico como exemplo: Penedos de São Pedro e São Paulo, Fernando de Noronha (território especial do estado de Pernambuco) e Trindade e Martim Vaz no Espírito Santo. Há também um complexo de pequenas ilhas e corais chamado Atol das Rocas (que pertence ao estado do Rio Grande do Norte).

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Apesar de ser o quinto país mais populoso do mundo, o Brasil apresenta uma das mais baixas densidades populacionais. A maior parte da população concentra-se ao longo do litoral, enquanto o interior do país ainda hoje é marcado por enormes vazios demográficos. De colonização portuguesa, o Brasil é o único país de língua portuguesa do continente americano. A sociedade brasileira é uma das mais multirraciais do mundo, sendo formada por descendentes de europeus, indígenas, africanos e asiáticos.

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O Brasil utiliza o termo “folclore” para caracterizar os seus contos, lendas, tradições, crendices, superstições e tradições. E realmente folclore é um termo lato para designar “(…) um género de cultura de origem popular, constituído pelos costumes e tradições populares transmitidos de geração em geração. Todos os povos possuem as suas tradições, crendices e superstições, que se transmitem através de lendas, contos, provérbios, canções, danças, artesanato,

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Imagem retirada do site Flickr


Contos do Mundo

jogos, religiosidade, brincadeiras infantis, mitos, idiomas e dialectos característicos, adivinhações, festas e outras actividades culturais que nasceram e se desenvolveram com o povo”. (in wikipédia) Muitos nascem da pura imaginação das pessoas, principalmente dos moradores das regiões do interior do Brasil. Muitas destas histórias foram criadas para passar mensagens importantes ou apenas para assustar as pessoas. O folclore pode ser dividido em lendas e mitos. Muitos deles deram origem a festas populares, que ocorrem pelos quatro cantos do país.

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Mitos Boitatá Representada por uma cobra de fogo que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir e matar aqueles que desrespeitam a natureza. Acredita-se que este mito é de origem indígena e que seja um dos primeiros do folclore brasileiro. Foram encontrados relatos do boitatá em cartas do padre jesuíta José de Anchieta, em 1560. Na região nordeste, o boitatá é conhecido como "fogo que corre".

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Boto Acredita-se que a lenda do boto tenha surgido na região amazónica. Ele é representado por um homem jovem, bonito e charmoso que encanta mulheres em bailes e festas. Após a conquista, leva as jovens para a beira de um rio e engravida-as. Antes da madrugada chegar, ele mergulha nas águas do rio para transformar-se num boto. Curiosidade: o mito do boto ó oriunda da Região Norte do Brasil, geralmente contada para justificar uma gravidez fora do casamento.

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Imagem retirada do blog “O boitatá”


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Curupira Assim como o boitatá, o curupira também é um protector das matas e dos animais silvestres. Representado por um anão de cabelos compridos e com os pés virados para trás. Persegue e mata todos que desrespeitam a natureza. Quando alguém desaparece nas matas, muitos habitantes do interior acreditam que é obra do curupira. Lobisomem Este mito aparece em várias regiões do mundo. Diz o mito que um homem foi atacado por um lobo numa noite de lua cheia e não morreu, porém desenvolveu a capacidade de transformar-se em lobo nas noites de lua cheia. Nestas noites, o lobisomem ataca todos aqueles que encontra pela frente. Somente um tiro de bala de prata no seu coração seria capaz de matá-lo. Este mito ainda é contado e passado oralmente com bastante frequência. 95

Mãe-D'água Encontramos na mitologia universal um personagem muito parecida com a mãed'água: a sereia. Este personagem tem o corpo metade de mulher e metade de peixe. Com seu canto atraente, consegue encantar os homens e levá-los para o fundo das águas. Imagem

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Imagem da tela “Mãe d’água”, sereia das águas amazónicas, retirada do site “Artblog”


Corpo-seco É uma espécie de assombração que assusta as pessoas nas estradas. Em vida, era um homem que foi muito malvado e só pensava em fazer coisas perversas, chegando a prejudicar e maltratar a própria mãe. Após a sua morte, foi rejeitado pela terra e teve que viver como uma alma penada. Pisadeira É uma velha de chinelos que aparece nas madrugadas para pisar a barriga das pessoas, provocando a falta de ar. Dizem que costuma aparecer quando as pessoas vão dormir de estômago muito cheio. Mula-sem-cabeça Surgido na região interior, conta que uma mulher teve um romance com um padre. Como castigo, em todas as noites de quinta para sextafeira é transformada num animal quadrúpede que galopa e salta sem parar, enquanto solta fogo pelas narinas.

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Imagem retirada do site “Galeria de mitos brasileiros”

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Contos do Mundo Mãe-de-ouro Representada por uma bola de fogo que indica os locais onde se encontra jazidas de ouro. Também aparece em alguns mitos como sendo uma mulher luminosa que voa pelos ares. Em alguns locais do Brasil, toma a forma de uma mulher bonita que habita cavernas e após atrair homens casados, fá-los largar as suas famílias. Saci-Pererê Imagem

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O Saci-pererê é representado por um menino negro que tem apenas uma perna. Sempre com o seu cachimbo e com um gorro vermelho que lhe dá poderes mágicos. Como todos os meninos, faz muitas travessuras e diverte-se muito com isso. Adora espantar cavalos, queimar comida e acordar pessoas com gargalhadas. Curiosidades: o Saci-Pererê é uma das personagens mais conhecidas do folclore brasileiro. Possuí um dia em sua homenagem: 31 de Outubro. Provavelmente, surgiu entre povos indígenas da região do Sul do Brasil, ainda durante o período colonial (possivelmente no final do século XVIII). Nesta época, era representado por um menino indígena de cor morena e com um rabo, que vivia na floresta e fazia muitos desacatos. Porém, ao migrar para o norte do país, o mito e a personagem sofreram modificações ao receberem influências da cultura africana. O Saci transformou-se num jovem negro com apenas uma perna, pois, de acordo com o mito, havia perdido a outra numa luta de capoeira.

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Imagem retirada do site “O dia”

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Passou a ser representado usando um gorro vermelho e um cachimbo, tĂ­pico da cultura africana. AtĂŠ aos dias actuais ele ĂŠ representado desta forma.


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Lenga-lengas

 Um, dois, feijão com arroz. Três, quatro, feijão no prato. Cinco, seis, chegou minha vez Sete, oito, comer biscoito Nove, dez, comer pastéis.

 Serra, serra, serrador! Serra o papo do vovô! Quantas tábuas já serrou? - Uma delas diz um número e as duas, sem soltarem as mãos, dão um giro completo com os braços, num movimento gracioso. Repetem os giros até completar o número dito por uma das crianças.

 Um elefante amola muita gente... Dois elefantes... amola, amola muita gente... Três elefantes... amola, amola, amola muita gente... Quatro elefantes amola, amola, amola, amola muito mais.. (continua)

 – Cala a boca! – Cala a boca já morri Quem manda em você sou eu!

 - Enganei um bobo... Na casca do ovo!

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Lendas Lenda do Negrinho do Pastoreio Havia um menino negro escravo, de catorze anos, que possuía a tarefa de cuidar do pasto e dos cavalos de um rico fazendeiro. Porém, num determinado dia, o menino voltou do trabalho e foi acusado pelo patrão de ter perdido um dos cavalos. O fazendeiro mandou açoitar o menino, que teve que voltar ao pasto para recuperar o cavalo. Após horas à procura, não conseguiu encontrar o tal cavalo. Ao retornar à fazenda foi novamente castigado pelo fazendeiro. Desta vez, o patrão, para aumentar o castigo colocou o menino sem roupa dentro de um formigueiro. No dia seguinte, o patrão foi ver a situação do menino escravo e ficou surpreso. O garoto estava livre, sem nenhum ferimento e montado no cavalo que havia desaparecido. Conta a lenda que foi um milagre que salvou o menino, que foi transformado num anjo.

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Imagem retirada do site “Galeria de mitos brasileiros”


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Contos de Cabo-Verde Cabo Verde É um país africano, arquipélago de origem vulcânica, constituído por dez ilhas. Está localizado no Oceano Atlântico, a 640 km a oeste de Dacar, Senegal. Outros vizinhos são a Mauritânia, a Gâmbia e a Guiné-Bissau, ou seja, todos na faixa costeira ocidental da África que vai do Cabo Branco às ilhas Bijagós. Curiosamente, o Cabo Verde que dá nome ao país não se situa nele, mas a centenas de quilómetros a leste, no Senegal. Foi descoberto em 1460 por Diogo Gomes ao serviço da coroa portuguesa, que encontrou as ilhas desabitadas e aparentemente sem indícios de anterior presença humana. Foi colónia de Portugal desde o século XV até sua independência em 1975. A capital de Cabo Verde é a cidade da Praia na Ilha de Santiago que, juntamente com o Mindelo, na Ilha de São Vicente, são as duas cidades principais do País. Até 2005 Cabo Verde contava com 17 concelhos. No primeiro semestre de 2005 foi aprovada pela Assembleia Nacional cabo-verdiana a constituição de cinco novos concelhos, resultando nos actuais 22 concelhos, distribuídos pelas 10 ilhas do arquipélago. Cabo Verde é um arquipélago localizado ao largo da costa da África Ocidental. As ilhas vulcânicas que o compõem são pequenas e montanhosas.

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Existe um vulcão activo, na ilha do Fogo, que é igualmente o ponto mais elevado do arquipélago, com 2829 m. Os Cabo-verdianos são descendentes de antigos escravos africanos e dos seus senhores portugueses. Grande parte dos Cabo-verdianos emigra para o estrangeiro, principalmente para os EUA, Portugal e Brasil. Um facto curioso é que há mais Cabo-verdianos a residir no estrangeiro que no próprio país.

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Imagem retirada do blog “Baobab”

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Contos Tradicionais O Boi Blimundo Havia um boi chamado Blimundo. Era grande, forte e amante da vida e da liberdade. Além disso, era muito amado e respeitado por todos, pois sabia pensar por si próprio, além de ser muito gentil com todos. Ao saber da existência de criatura tão autêntica, Senhor Rei perguntouse que boi seria esse, que ousava ser tão livre em seus posicionamentos e fazendo com que os outros bois lhe seguissem o exemplo. Se ele continuasse assim, quem faria, depois, o trabalho pesado do reino. Ordenou, então, que Blimundo fosse pego morto ou vivo, e trazido até à sua presença. Os homens do Senhor Rei saíram em busca do boi, mas este encontrou-os primeiro e deu um fim neles. Ao saber da notícia, Senhor Rei reuniu os homens mais valentes do reino e mandou-os capturar Blimundo, e os homens partiram. O boi, novamente, deu cabo dos homens. Quando recebeu tão triste notícia, Senhor Rei desesperou-se, mas logo ouviu falar de um rapaz que fora criado no borralho da cinza e que se prontifica a ir buscar Blimundo. O menino pediu um cavaquinho, um “bli” de água e uma bolsa de “prentém”. Além disso, quando retornasse queria a metade da riqueza do reino e a mão da princesa. Senhor Rei concordou e o jovem partiu. Então o jovem sai em busca do boi cantando uma canção que deixa Blimundo encantado, na qual o jovem diz que, se Blimundo for com ele, casará com a Vaquinha da Praia. O boi pergunta se é verdade, o rapaz responde que sim. O jovem pede a Blimundo que o deixe montar, pois o caminho é muito longo. Ele deixa com a condição de que o rapaz continue cantando. Senhor Rei colocou a tropa em pontos estratégicos para receber Blimundo. Ao ver o boi chegar, carregando o rapaz no lombo, cansado e feliz, Senhor Rei não acreditou.

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À porta do palácio, o rapaz pediu para descer do lombo de Blimundo a fim de fazer a barba antes de ser apresentado à Vaquinha da Praia. O jovem conta o seu plano ao Senhor Rei e leva até ao boi um barbeiro com os seus instrumentos. Atrás deles, Senhor Rei. O barbeiro, enquanto Blimundo sonha com o amor da Vaquinha da Praia, corta-lhe a garganta com a navalha. Antes de morrer, o boi atinge o rei com uma patada que o mata. O rapaz e o barbeiro fogem, mas jamais esquecem o último olhar de revolta de uma criatura cujo único erro foi acreditar na harmonia, na justiça e na liberdade.


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Contos da China China A China é uma região cultural, uma antiga civilização e, dependendo da perspectiva, uma entidade nacional ou multinacional, situada na maior parte do leste asiático. A última Guerra Civil Chinesa (cujo maior combate terminou em 1949) resultou na formação de duas entidades políticas que usam o nome China: República Popular da China (RPC), vulgarmente chamada de China Comunista ou simplesmente China, tem controlo sobre a China continental e sobre os territórios auto-governados de Hong Kong (desde 1997) e Macau (desde 1999). República da China (RDC), vulgarmente chamada de China Nacionalista ou Taiwan, tem controlo sobre as ilhas de Taiwan, Pescadores, Kinmen e Matsu. A China aparece desde cedo na história das civilizações humanas a organizar-se enquanto nação (ainda que a identidade nacional chinesa seja complexa), demonstrando um pioneirismo notável em áreas como a arte e a ciência, ultrapassando largamente, na altura, o resto do mundo Contém uma larga variedade de paisagens, sobretudo planaltos e montanhas a oeste e terras de menor altitude a leste. É também um país de grandes montanhas, zonas montanhosas, planícies e colinas que ocupam 65% da superfície continental.

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A população da China é a maior do mundo, somando mais de 1 350 milhões (ou 1,35 bilhão) de habitantes, distribuídos entre a República Popular da China, com mais de 1 330 milhões de pessoas, e Taiwan, com mais de 20 milhões de habitantes. Trata-se da maior população do planeta e representa mais de um quinto do total mundial. Já existiram na China mais de uma centena de grupos étnicos. Em 49 termos numéricos, a etnia dominante é a dos Han . Ao longo da história, muitas etnias foram assimiladas às suas vizinhas ou, simplesmente, desapareceram sem deixar grandes testemunhos da sua existência. Muitas etnias distintas foram diluídas no grupo dos Han, o que explica o peso numérico desta etnia na China. Não obstante, os Han falam várias línguas muito diferentes.

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É uma personagem fictícia


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Curiosidade: 50 Han, foi uma criança que ao nascer teve o Bijuu de Cinco Caudas selado em seu ser, porém não se sabe se sua infância foi normal como qualquer outra. Também possui uma armadura vermelha única e aparentemente poderosa, que cobre o seu corpo inteiro, dos pés à cabeça. Ao chegar ao pescoço possui uma espécie de colar amarelo envolvendo a parte debaixo do pescoço. No rosto tem apenas uma fresta para os olhos, nas costas uma espécie de chaminé da armadura que liberta vapor. 51 Este também usa um kimono médio por cima da armadura, com as mangas rasgadas e luvas negras, aparentemente possui um ar sombrio devido à sua aparência.

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Os Bijuu's são criaturas grandes e ferozes, portadoras de uma quantidade enorme de energia vital do corpo (Chakra). Devido ao seu grande poder, são úteis no campo de batalha. Muitas guerras já foram iniciadas contra, e por causa, destas bestas. Quem recebe o Bijuu no seu corpo é chamado de Jinchuuriki (traduzido: poder do sacrifício humano), e ganha poderes extraordinários. 51 É uma vestimenta tradicional japonesa 52 Imagem retirada do site “Naruto”


Lendas A lenda de Nu-Gua Nu-Gua era a deusa com cabeça de mulher e corpo de serpente. Possuía o poder de transformar-se de setenta maneiras diferentes por dia. Solitária passeava pelos caminhos virgens do mundo, envolvida pela beleza e encanto das paisagens. Contudo, abrigava no seu coração uma grande melancolia. Era o clamor do seu instinto materno, trazendo-lhe uma sensação de infinita tristeza e frustração. Em determinado momento, num ímpeto incontido, cavou barro no chão e com ele moldou uma figura humana. Surpreendeu-se com aquela pequena figura ganhando vida e movimento próprio, pulando, cantando e indo embora, levada por sua própria inquietação. Nu-Gua não coube em si de tanta felicidade e com as suas mãos continuou criando as figuras dentro do mesmo espírito até se cansar. Quando então tomou um feixe de vime, entumeceu-o com barro e vibrou-o com energia. Os pingos caídos no chão milagrosamente transformaram-se em seres humanos e em pouco tempo o mundo estava repleto. Imagem

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Os seres nobres foram criados pela mão de Nu-Gua. Quanto aos pobres, estes foram lançados como feixe de vime. Porém a natureza moral desses homens obrigava a deusa a repetir constantemente o processo, tornando-o extremamente cansativo. 53

Imagem retirada do site “DeviantArt”


Contos do Mundo

Decidiu-se então pelo acasalamento dos seres para, através desta forma, se perpetuarem. Havendo estabelecido esta união, é chamada pelos chineses a Deusa do Matrimónio. Nu-Gua é a primeira mediadora entre homens e mulheres.

Curiosidades: Num túmulo da Dinastia Han descobriram recentemente (1972), no mural e na urna funerária, desenhos esculpidos em tijolos com temas relacionados às lendas e mitos. Entre esses desenhos havia uma de FuXi e Nu-Gua, cujos corpos da cintura para cima eram humanos e da cintura para baixo, de serpentes. Contudo num outro túmulo de Han, descoberto em Henan, a concepção das suas formas é diferente. Ao invés de serpentes, eram dragões. E as duas caudas trançadas juntas. Numa das representações, Fu-Xi segura nas mãos um esquadro de carpinteiro e um sol dentro do qual havia um corvo desenhado. Quanto à representação de Nu-Gua, esta segura um compasso e uma lua dentro da qual, igualmente desenhado, havia uma rã com três patas. Nos demais desenhos ainda havia uma criança entre os dois deuses, prendendo com as mãozinhas as mangas das vezes divinas, numa demonstração de felicidade familiar e de doçura no lar. Fu-Xi e Nu-Gua são os deuses que criaram e transmitiram a cultura aos homens. Representa esse casal primordial uma união tão perfeita e íntima que também são considerados irmãos. Nos túmulos antigos suas figuras são sempre representadas no acto da procriação.

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A lenda do Unicórnio Chinês Unicórnio é um animal sagrado para os chineses e este é bem diferente do unicórnio ocidental. O nosso unicórnio tem corpo de veado, cabeça de cavalo, cauda de leão e um chifre na testa. O unicórnio chinês tem corpo de veado, mas cabeça de dragão, corpo escamado, verde, tem chifres como os de veado. Vê-lo significa um bom presságio, matá-lo ou ver o seu cadáver é péssimo presságio.

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A lenda das duas crianças Estavam duas crianças a patinar em cima de um lago congelado. Era uma tarde nublada e fria e as crianças brincavam sem preocupação. De repente, o gelo quebrou-se e uma das crianças caiu na água. A outra criança vendo que seu amiguinho se afogava debaixo do gelo, pegou numa pedra e começou a golpear com todas as suas forças, conseguindo quebrá-lo e salvar o amigo. As suas mãos estavam feridas e doía-lhe muito todo o seu corpo. Quando os bombeiros chegaram e viram o que havia acontecido, perguntaram ao menino: - Como conseguiste fazer isso? É impossível que tenhas quebrado o gelo com essa pedra e com as mãos tão pequenas! Nesse instante apareceu um ancião e disse: - Eu sei como ele conseguiu. 54

Imagem retirada do blog “O sonho do unicórnio”


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Todos olharam para ele aguardando a resposta. O ancião então respondeu: - Não havia ninguém ao seu redor para dizer-lhe que ele não era capaz

A lenda de Lin e da Sogra Era uma vez uma jovem chamada Lin que se casou e foi viver com o marido para a casa da sogra. Depois de algum tempo, começou a ver que não se adaptava à sogra. Os temperamentos eram muito diferentes e Lin cada vez se irritava mais com os hábitos e costumes da sogra, que criticava cada vez com mais insistência. Com o passar dos meses, as coisas foram piorando, a ponto da vida se tornar insuportável. No entanto, segundo as tradições antigas da China, a nora tem que estar sempre ao serviço da sogra e obedecer-lhe em tudo. Mas Lin, não suportando por mais tempo a ideia de viver com a sogra, tomou a decisão de ir consultar um Mestre, velho amigo do seu pai. Depois de ouvir a jovem, o Mestre Huang pegou num ramalhete de ervas medicinais e disse-lhe: "Para te livrares da tua sogra, não as deves usar de uma só vez, pois isso poderia causar suspeitas. Vais misturá-las com a comida, pouco a pouco, dia após dia, e assim ela vaise envenenando lentamente. Mas, para teres a certeza de que, quando ela morrer, ninguém suspeitará de ti, deverás ter muito cuidado em tratá-la sempre com muita amizade. Não discutas e ajuda-a a resolver os seus problemas." Lin respondeu: "Obrigado, Mestre Huang, farei tudo o que me recomenda". Lin ficou muito contente e voltou entusiasmada com o plano de assassinar a sogra. Durante várias semanas, Lin serviu, dia sim dia não, uma refeição preparada especialmente para a sogra. E tinha sempre presente a

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recomendação de Mestre Huang para evitar suspeitas: controlava o temperamento, obedecia à sogra em tudo e tratava-a como se fosse a sua própria mãe. Passados seis meses, toda a família estava mudada. Lin controlava bem o seu temperamento e quase nunca se aborrecia. Durante estes meses, não teve uma única discussão com a sogra, que também se mostrava muito mais amável e mais fácil de tratar com ela. As atitudes da sogra também mudaram e ambas passaram a tratar-se como mãe e filha. Certo dia, Lin foi procurar o Mestre Huang, para lhe pedir ajuda e disselhe: "Mestre, por favor, ajude-me a evitar que o veneno venha a matar a minha sogra. É que ela transformou-se numa mulher agradável e gosto dela como se fosse a minha mãe. Não quero que ela morra por causa do veneno que lhe dou." Mestre Huang sorriu e abanou a cabeça: "Lin, não te preocupes. A tua sogra não mudou. Quem mudou foste tu. As ervas, que te dei, são vitaminas para melhorar a saúde. O veneno estava nas suas atitudes, mas foi sendo substituído pelo amor e carinho que lhe começaste a dedicar." Na China, existe uma regra dourada que diz: "A pessoa que ama os outros também será amada!" Lembre-se sempre: "Plantar é opcional, mas colher é obrigatório. Por isso, tenha cuidado com o que planta!"


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A lenda do Pai do Chá Diz a lenda que o Imperador Shen Nong numa das suas viagens, parou para descansar e matar a sede debaixo de um arbusto selvagem de chá. Os camponeses serviram-lhe água fervida, para prevenirem doenças. Entretanto, uma leve aragem agitou os ramos e caíram algumas folhas de chá dentro da água fervida. O Imperador deliciou-se com o líquido dourado, achando a mistura muito refrescante e revitalizante. O Imperador Shen Nong tornouse lendário como o “pai do chá”, ao descobrir desta forma o chá há cerca de 5000 mil anos.

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Imagem retirada do blog “Visão”

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Provérbios "A pessoa que ama os outros também será amada". “Ser pedra é fácil, o difícil é ser vidraça”. "A quem sabe esperar, o tempo abre as portas". "Dinheiro perdido, nada perdido; Saúde perdida, muito perdido; Carácter perdido, tudo perdido". "O fracasso é a mãe do sucesso". "Todas as flores do futuro, estão nas sementes de hoje". "Há três coisas que jamais voltam: a seta lançada, a palavra dita e a oportunidade perdida". "Bondade em balde é devolvida em barril". "Quem quer colher rosas deve suportar os espinhos". "Quem a si próprio elogia, não merece crédito". "Temos UMA boca e DOIS ouvidos, mas jamais nos comportamos proporcionalmente". "Jamais desespere às mais sombrias aflições da sua vida, pois das nuvens mais negras cai água límpida e fecunda". "Não há que ser forte. Há que ser flexível". "O tempo que passas a rir é tempo que passas com os deuses". "Aquele que pergunta, pode ser um tolo por cinco minutos. Aquele que deixa de perguntar, será um tolo para o resto da vida". "Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a seta lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida". "Nada assenta melhor ao corpo que o crescimento do espírito". "Se parares cada vez que ouvires o latir de um cão, nunca chegarás ao fim do caminho". "Escava o poço antes que tenhas sede". "Um pequeno vazamento eventualmente afunda um grande navio". "Não importa o tamanho da montanha, ela não pode tapar o sol". "A língua resiste porque é mole; os dentes cedem porque são duros". "Se comermos menos, degustaremos mais".


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"Espere o melhor, prepare-se para o pior e receba o que vier". "Eu estava furioso por não ter sapatos; então encontrei um homem que não tinha pés e me dei por muito satisfeito". "Dê um peixe a um homem faminto e você o alimentará por um dia. Ensine-o a pescar, e você o estará alimentando pelo resto da vida". "Se você quer manter limpa a sua cidade, comece varrendo diante de sua casa". "O cão não ladra por valentia, mas sim por medo”. "Quer a faca caia no melão, ou o melão na faca, o melão vai sofrer". "Um homem feliz é como um barco que navega com vento favorável". "Podemos escolher o que semear, mas somos obrigados a colher aquilo que plantamos". “A desconfiança e a culpa geram insegurança”. “A derrota só será uma bebida amarga se concordarmos em tragá-la”. “A juventude não é uma época da vida, é um estado de espírito”. “Aquele que só ouve elogios, mas nunca críticas, acaba-se dando mal”. “As bênçãos chegam uma de cada vez, as desgraças vêm em grupo”. “Cortesia é sinal de pessoa civilizada”. “Defeitos e virtudes são apenas dois lados da mesma moeda”. “Lamentar aquilo que não temos, é desperdiçar aquilo que já possuímos”. “Melhor ser muito céptico do que muito crédulo”. “Cada pessoa equivale a um grão de areia, mas uma multidão é como uma pedra de ouro”. “Não compense na ira o que lhe falta na razão”. “O homem é a principal fonte de seu próprio infortúnio”. “Palavras ríspidas e argumentos pobres nunca resolveram nada”. “Para viver bem e por muito tempo, seja moderado”. “Pobres são aqueles que não têm talentos; fracos os que não têm aspirações”. “São os nossos inimigos que nos ensinam as mais valiosas lições de vida”.

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“Se em vez de enchermos o bolso enchermos a cabeça, não seremos roubados”. “Se houver um general forte, não haverá soldados fracos”. “Seja lento na promessa e rápido no desempenho”. “Siga os bons e aprenda com eles”. “Uma única árvore não faz uma floresta”. "A palavra é prata, o silêncio é ouro". "A gente todos os dias arruma os cabelos: por que não o coração"? "Antes de dar comida a um mendigo, dá-lhe uma vara e ensina-lhe a pescar". "Pouco se aprende com a vitória, mas muito com a derrota". "Longa viagem começa por um passo". "Difícil é ganhar um amigo numa hora; fácil é ofendê-lo num minuto”. "Não basta dirigir-se ao rio com a intenção de pescar peixes; é preciso levar também a rede". "Se você que ser feliz por uma hora, tire uma soneca; por um dia, vá pescar; por um mês, case-se; por um ano, herde uma fortuna; pela vida inteira, ajude os outros”. “Em dias de tempestades e trovoadas, o local mais seguro é perto do chefe...Não há raio que o parta!”. "Nunca fales mal da mulher diante do marido. Não importa que fales mal do marido diante da mulher". “Melhor é acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão”. “Antes de começar o trabalho de modificar o mundo, dê três voltas dentro da sua casa”. “Cuidado com aquele que tem a língua doce e uma espada na cintura. Um inimigo declarado é perigoso, mas um falso amigo é pior”.


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Contos da Guiné-Bissau Guiné-Bissau A Guiné-Bissau é um país da costa ocidental de África que se estende desde o cabo Roxo até à ponta Cagete. Faz fronteira a norte com o Senegal, a este e sudeste com a Guiné-Conacri (ex-francesa) e a sul e oeste com o oceano Atlântico. Além do território continental, integra ainda cerca de oitenta ilhas que constituem o arquipélago dos Bijagós, separado do Continente pelos canais do rio Geba, de Pedro Álvares, de Bolama e de Canhabaque. Foi uma colónia de Portugal desde o século XV até à sua independência, em 1974. Actualmente faz parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), das Nações Unidas, dos PALOP e da União Africana. Tem cerca de 1. 472 446 habitantes. A Guiné-Bissau possui um património cultural bastante rico e diversificado. As diferenças étnicas e linguísticas produziram grande variedade a nível da dança, da expressão artística, das profissões, da tradição musical, das manifestações culturais. A dança é, contudo, uma verdadeira expressão artística dos diversos grupos étnicos. Os povos animistas caracterizam-se pelas belas e coloridas coreografias, fantásticas manifestações culturais que podem ser observadas correntemente por ocasião das colheitas, dos casamentos, dos funerais, das cerimónias de iniciação.

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O estilo musical mais importante é o gumbé. O carnaval guineense, completamente original, com características próprias, tem evoluído bastante, constituindo uma das maiores manifestações culturais do País.


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Contos Tradicionais 56

Conto do Macaquinho Dizem na Guiné que a primeira viagem à Lua foi feita pelo Macaquinho de nariz branco. Segundo dizem, certo dia, os macaquinhos de nariz branco resolveram fazer uma viagem à Lua a fim de trazê-la para a Terra. Após tanto tentar subir, sem nenhum sucesso, um deles, dizem que o menor, teve a ideia de subirem uns por cima dos outros, até que um deles conseguiu chegar à Lua. Porém, a pilha de macacos desmoronou e todos caíram, menos o menor, que ficou pendurado na Lua. Esta deu-lhe a mão e ajudou-o a subir. A Lua gostou tanto dele que lhe ofereceu, como regalo, um tamborzinho. O macaquinho foi ficando por lá, até que começou a sentir saudades de casa e resolveu pedir à Lua que o deixasse voltar. A lua amarrou-o ao tamborzinho para descê-lo pela corda, pedindo a ele que não tocasse antes de chegar à Terra e, assim que chegasse, tocasse bem forte para que ela cortasse o fio. O Macaquinho foi descendo feliz da vida, mas na metade do caminho, não resistiu e tocou o tamborzinho. Ao ouvir o som do tambor a Lua pensou que o Macaquinho já tivesse chegado à Terra e cortou a corda. O Macaquinho caiu e, antes de morrer, ainda pôde dizer a uma moça que o encontrou, que aquilo que ele tinha era um tamborzinho, que deveria ser entregue aos homens do seu país. A moça foi logo contar a todos sobre o ocorrido. Vieram pessoas de todo o país e, naquela terra africana, ouviam-se os primeiros sons de tambor.

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Recolha oral gentilmente facultado pela aluna da escola Profissional de Moura, de nacionalidade guineense.

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As filhas de Faram Faram e a sua esposa tiveram duas filhas, Mate e Secanhuma, sendo a primeira a mais velha. Os pais sempre preveniram as meninas de que, após a morte deles, elas deveriam manter-se unidas. O tempo passou e os pais das moças morreram. Mate, ao sair para trabalhar a terra, preparando-a para o plantio, disse a Secanhuma para não abrir a porta a ninguém e que quando ela chegasse cantaria “Secnhuma yóó-bara e tio alumbrem jilio-jeli-yeee” e então a menina saberia que era ela e poderia abrir. 58 Porém, um irã escondido ouviu tudo o que Mate disse à irmã. Após alguns dias, Mate teve de voltar para o trabalho e deu novamente a mesma recomendação. Não havia passado muito tempo quando Secanhuma ouviu a canção: “Secnhuma óó-bara e tio alumbrem jiliojeli-yeee”. A moça abriu a porta, mas quem estava à sua frente não era Mate, mas o irã, que raptou a menina e a levou para a sua terra. Ao voltar, Mate ficou muito assustada e a pensar sobre o que poderia fazer para encontrar e trazer de volta a sua irmã. Decidiu procurar um pássaro que a pudesse ajudar. Para isso era necessário um pássaro que conseguisse cantar aquela canção e o único que conseguiu foi o falcão. Mate sentou-se às costas do falcão e os dois partiram. Ao chegarem à terra do Irão, o falcão começou a cantar: “Secnhuma óó-bara e tio alumbrem jilio-jeli-yeee”. Uma velha anciã perguntou a Mate o que fazia ali, ao que ela respondeu que viera buscar a irmã. A velha anciã, prontificou-se a ir buscar a sua irmã pois conhecia o seu paradeiro. E de facto, assim foi. As duas moças voltaram para casa às costas do falcão. Durante o período em que Secanhuma estivera em casa do irã, não cortara os cabelos, que tinham até ninhos de passarinhos.

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Conto retirado do site “Tatiana em Flor” Como chamam aos iranianos.


Contos do Mundo

No dia seguinte, Secanhuma pediu à sua irmã que retirasse aqueles ovos dos seus cabelos, e em cada ovo que Mate retirava transformavase em vaca, cabra, porco, galinha e diversos animais. Foi dessa forma que as duas filhas de Faram tornaram-se ricas.

A Madrasta Má Havia uma mulher que tinha uma filha e quando morreu o seu marido voltou a casar novamente. A sua madrasta era uma pessoa muito má e tinha ciúmes da relação da sua enteada com o seu pai. Sempre que o seu pai viajava trazia muitas coisas para ela: brinquedos, roupas e doces. Mas como ficavam sozinhas, a madrasta, para se vingar, aproveitava para mandar a menina fazer todas as tarefas de casa enquanto dizia ao seu filho para ir brincar. Um dia, quando o seu pai viajou, a madrasta aproveitou para enterrar a menina debaixo de muitas folhas. Quando este regressou e deu por falta da filha perguntou por ela à mulher e esta respondeu que não sabia onde se tinha metido. O seu irmão, que costumava ir brincar em cima das folhas, ouvia uma voz a pedir para que a tirassem de lá, mas como era muito novo ninguém acreditava no que ele dizia. Então um dia o pai resolveu ir ver se era verdade o que o filho dizia. Assim que chegou junto às folhas uma voz começou a cantar e a pedir que a libertassem. O pai reconheceu a voz da sua filha e foi buscar uma enxada para a desenterrar. Quando a desenterrou, a menina contou-lhe tudo o que a madrasta lhe tinha feito. Zangado por a mulher maltratar a filha, este amarrou cada pé da sua mulher a um burro. Sempre que a mulher gritava, os burros fugiam de um lado para outro e ela ficou dividida ao meio. A menina e o seu irmão passaram a viver com o pai, felizes para sempre.

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Branca Flor Era uma vez um casal muito rico que, quando estava quase a morrer, legou toda a riqueza ao filho. Este gastou o dinheiro todo e quando não tinha nada pensou suicidar-se numa lagoa. Desesperado, quando chegou à lagoa viu um feiticeiro que lhe ofereceu uma moeda. Este disse-lhe que quando enriquecesse voltasse ali e lhe devolvesse a moeda. O jovem concordou e quando enriqueceu foi ter com o feiticeiro que se chamava Mustafá. Encontrou-se com a mulher que ia permitir o seu encontro com o Mustafá através da preparação de rituais. Quando conseguiu passar para o outro lado da vida viu três feiticeiras a tomarem banho numa lagoa. A mais nova das feiticeiras disse a uma das irmãs que estava a sentir cheiro de humano. Esta feiticeira, que se chamava Branca-Flor, já sabia que o rapaz estava ali mas como gostava dele, respondeu que não sentia nada. O rapaz foi ter com as feiticeiras, que estavam transformadas em serpentes, e, depois de lhes explicar o que pretendia, elas levaram-no para ir ter com o pai delas. 59

Imagem retirada do site “meus bebés”


Contos do Mundo O Mustafá queria matar o rapaz para comer e começou a arquitectar um plano. Primeiro mandou-o à floresta buscar um búfalo. O rapaz assim fez e, com a ajuda da Branca-Flor, conseguiu trazer um búfalo. Depois, mandou o rapaz plantar arroz e cozinhar no mesmo dia. Ele também conseguiu fazer isso com a ajuda da menina feiticeira. A rapariga, que sabia qual era a intenção do seu pai, queria ajudar o seu amado. Disse-lhe para ir ao estábulo e que escolhesse o cavalo mais veloz para conseguir fugir logo de manhã cedo. A rapariga cuspiu sete vezes para o chão para que quando a sua mãe a chamasse pela manhã pensasse que era mesmo ela que respondia. De manhã cedo, quando a mãe a chamou, foram os cuspes a emitir a voz da BrancaFlor. A mãe desconfiou e foi ver onde estava o rapaz. Como não encontrou nenhum deles, disse ao marido que a sua filha tinha fugido com o rapaz, ordenando-lhe que fosse atrás deles. Mustafá assim fez. Pelo caminho passou por uma escola onde as crianças estavam no recreio. Havia ali muitos professores e como o seu poder era fraco em relação à filha não conseguiu perceber que afinal esta se tinha transformado numa professora e o rapaz num professor. Voltou para trás e disse à mulher que não os tinha encontrado. Esta ficou furiosa porque sabia que eles se estavam a fazer passar por professores. Mandou-o de novo para ver se conseguia encontrá-los mas este não teve sorte pois desta vez encontrou uma capela com uma freira e um padre. Sem desconfiar que poderiam ser eles, o feiticeiro voltou para casa e descreveu à mulher o que tinha encontrado. Finalmente, a mulher decidiu ser ela a ir atrás deles. Depois de muito procurar, encontrou-os mas estes saltaram para o outro lado do rio para não serem apanhados. De um lado a mãe gritava: - Branca-Flor devolve-me a chave do armazém e fica a saber que te vais separar do rapaz com quem nos traíste durante seis meses. A menina do outro lado respondia: - Mãe, tu também te vais separar do meu pai durante seis meses. Quando Branca atirou a chave acertou num olho da mãe. Quando regressou para casa Mustafá separou-se dela porque tinha um olho

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furado. No entanto também a Branca-Flor acabou por separar-se do seu amado.

A Esperteza da Lebre Havia uma lebre que achava que era mais esperta que todos os animais do mundo. 60 Como desconfiava, porém, que a tchoca era mais esperta que ela e queria ter a certeza, resolveu convidá-la para irem a uma festa na casa da sua avó. Para testar a sua esperteza, disse à tchoca haver, pelo caminho, coisas que ela não podia tocar nem comer. A tchoca concordou com isso. Enquanto caminhavam viram uma lagoa. Como estava com sede, a lebre disse à tchoca: -Olha, tenho de mergulhar na lagoa para ver se encontro o anel da minha mãe que caiu lá para o fundo quando eu e ela passámos aqui. -Está bem - disse a tchoca. Quando se atirou para a água, a lebre aproveitou para beber bastante até se fartar. Lá em cima, a tchoca também aproveitou para beber pois sabia que era impossível a lebre mergulhar sem engolir um pouco de água. De repente a lebre saiu da água e disse para a tchoca: – Então, eu não te disse que nessa lagoa não se pode beber água? – Sim, disseste - confirmou a tchoca. – Mas então porque é que tens o bico cheio de água? - retorquiu a lebre. – E tu? Também tens a boca molhada – disse-lhe a tchoca. A lebre percebeu que era difícil enganar a sua companheira e lá continuaram a viagem. Assim que chegaram a uma floresta, a lebre pensou que ia conseguir enganar a tchoca. Mas, como havia muitos mosquitos na floresta, e estava a ser mordida ela disse à galinha: 60

Galinha do mato


Contos do Mundo

- Bem, assim que chegar a casa vou pedir óleo de palma à minha mãe para espalhar pelo corpo. Enquanto ia falando, a lebre ia batendo no corpo para explicar onde colocaria o óleo e assim ia matando os mosquitos. Então a tchoca respondeu: - Vais-me oferecer um pouco para eu pôr aqui, aqui e aqui. Deste modo a tchoca aproveitava também para matar os mosquitos. A lebre percebeu que afinal não era a mais inteligente de entre todos os animais e contou à tchoca qual era o seu plano, concluindo assim que não era a mais esperta.

A Princesa e o Criado Havia um rei que tinha uma filha que nunca tinha visto nenhum homem. Os reis tinham um criado em casa e sempre pensaram que a princesa nunca o tivesse visto. Até que um dia ela apareceu grávida. Intrigado com o aspecto da filha o rei perguntou à rainha porque é que a princesa tinha a parte da frente “grande” (apurado) e a parte de trás “plano” (rasteiro). Decidiram então ir ao mestre que disse que daí a nove meses, com a ajuda de umas plantas, ela curar-se-ia. Passados nove meses a princesa teve um filho. Os reis perguntaram à princesa quem era o pai ao que ela respondeu que era o criado. Os reis quiseram levar o homem para a forca mas este disse-lhes que o sucedido tinha acontecido no próprio quintal deles. Então os reis também quiseram levar a princesa para a forca. A princesa disse-lhes que eles é que deviam ir para a forca pois tinham um homem como criado, apesar de tanto o esconder. Se não queriam que ela tivesse algo com ele não deviam tê-la em casa como uma prisioneira. Disse ainda que o criado, apesar de ser pobre, não podia ser morto pois era o pai do seu filho e seria o herdeiro da riqueza dos reis.

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Quando o conheceu, ela não sabia se o homem era rico ou um simples criado. Por isso é que teve contacto com ele, sem pensar no sucessor do trono. A princesa não pôde escolher pois o único homem que conheceu foi o criado. Quanto aos reis não puderam fazer nada em relação a isso e deixaram a princesa viver em paz com o filho e o criado.

O Cavalinho Era uma vez uma menina muito bonita, delicada e boa para todas as pessoas. Vivia com o seu pai porque a sua mãe tinha morrido. Sempre que ela ia à fonte buscar água encontrava-se com uma senhora chamada Andreza que a ajudava a tirar água da fonte. Tinham uma relação muito boa e a menina gostava mesmo da Andreza. Tanto que sempre que regressava a casa pedia ao seu pai que se casasse com ela porque achava que esta também gostava muito dela. Se o seu pai pedisse Andreza em casamento elas nunca se separariam. Um dia o pai cedeu ao pedido da filha e casou-se com a Andreza. Mesmo vivendo juntas mantinham uma boa relação. Até que um dia em que a menina ficou a guardar as folhas de uma figueira (usadas para curas na medicina tradicional) para que ficassem secas veio um pássaro e levou as folhas. Quando Andreza voltou a rapariga explicou-lhe o sucedido. Furiosa, esta ralhou com ela e foi enterrá-la viva. Sempre que o cavalo do seu pai ia pastar ia comendo a erva mesmo em cima dela. Como ainda estava viva a menina começava a cantar: Cavalinho di nha mame, Cavalinho da minha mãe Cavalinho de nha pape, Cavalinho do meu pai Ca bu cumé nha cabelo.


Contos do Mundo Não comas o meu cabelo Andreza n´teram bibo Andreza enterrou-me viva Pabia di um fidjo di figuera Por causa do ramo de uma figueira Cavalinho já levou, levou. Cavalinho já levou, levou. As crianças que por lá passavam ouviam uma voz a cantar e iam correndo dizer ao dono do cavalo mas este não ligava ao que diziam. Um dia, um senhor que por lá passou ouviu a voz e disse ao pai da menina. Só então este acreditou na história e foi desenterrar a filha, levando-a depois para casa. O pai fez uma grande festa por ter a filha de volta mas avisou-a a que nunca o desafiasse. Sempre que um pai diz não a uma filha é para esta obedecer porque ele sabe o que diz e o que quer. 127 61

Deus ku Lebri Lebri ba pidi Deus pa dal ma jireza inda. Deus falal: - Ba buskan tris kusa na mundu: Liti di lifanti, mel di bagera, ku irã segu. Lebri kuda , e kosa kabesa te, i lanta i buska dus kabas ku un po kumpridu, i pega kamiñu. I ka tarda, i oja kau k’ lifanti sinta, i na mamanta si fiju. I kunsa na papia el sõ: Si liti mas e kabas, bu ka fia me, ma i bardadi. Ora ki ciga pertu di lifanti, kil puntal: - Ku kê k’ bu na jusia sin? I falal: - I ku ki sancu k’ na porfia kuma bu liti ka ta inci e kabas. Lifanti falal: - Justu di kila, i ka ciga jus. Tira liti bu jubi. 61

Conto tradicional guineense retirado do blog “Lusofonias”, escrito em crioulo.


Lebre tira sõ un bias, i inci kabas; i gardisi lifanti; Kil falal: - Tisin ki sancu. Lebri bai, i enda i enda te ki oja bagera i kunsa na papia el sô: - se mel ta inci e Kabas. - I ka ta incil. Bageras puntal: - Ku ken a'bu na jusia sin? I fala elis: - I ku ki sancu,i kuda kuma suma i parsi ku pekadur, i sibi tudu kusa. Kuma bu mel ka ta inci e cabas. Bageras ri, i falal: - Ki sancu dudu,no na mostral. E entra na kabas, e incil ku mel. E fala lebri: -Tisino ki sancu. Lebri gardici elis, i pega kamiñu. I enda, i enda, ienda, i ka oja rastu di irã segu, i kunsa na papia ma el sõ: - Ami k' falau, bu ka fia nã sõ, ma i ma kumpridu ke po. Iransegu puntal: Ku ken k' bu na porfia sin? Lebri falal. - i ku ki sancu; kuma e po k' pikininu sin ma bo cumpridu. Irã segu falal: - Kila ka siga jus; midin bo jubi. Lebri falal: - Pa ki sancu fia, sõ na lebau unde ki sta; no ta maral ku e korda. Lebri fika i na mostral kuma ki na bin mara sancu, ma e na mara sõ irã na poI ka caba, i ba panha si dus kabas, i pega kamiño. I enda, i enda, i enda, tok i ciga na porta di seu; i konki, e abril porta. I nterga Deus ki dus kabas, ku irã segu. Deus falal: - N ka na buriu jiresa, bu ta bin nganan un dia a mi propi; ma n na jundau oreja, e na ma kumpridu gosi.


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Deus e a Lebre A lebre foi pedir a Deus para lhe dar mais esperteza. Deus disse-lhe: - Vai procurar três coisas no mundo: leite de elefante, mel de abelha e uma jibóia. A lebre reflectiu sobre aquilo, passou a mão pela cabeça, levantou-se, foi buscar dois pratos e uma vara comprida e seguiu o seu caminho. Não tardou muito a encontrar uma elefanta sentada a amamentar o seu filho. E começou a falar sozinha: “o leite dela enche esse prato, não acreditas mas é verdade”. Quando lá chegou, a elefanta perguntou-lhe: - Com quem estás a ralhar? A lebre disse-lhe: - É aquele macaco que está a duvidar de que o teu leite não enche esse prato. A elefanta disse-lhe: - Se é só por causa disso, tu não precisas ralhar. Experimenta só para veres. A lebre tirou leite só uma vez e encheu o prato. Agradeceu à elefanta que lhe disse: - Traz-me aquele macaco. A lebre foi-se, continuou a caminhar até que encontrou uma colmeia. Começou novamente a falar sozinha: - Esse mel não enche esse prato. Não, não enche. As abelhas perguntaram-lhe: - Com quem estás tu a ralhar? Respondeu-lhes: - É aquele macaco, que se acha muito bom, porque é parecido com os homens; pensa que sabe tudo. Ele disse que o vosso mel não enche um prato. As abelhas riram-se e disseram: - Ele é maluco. Vamos mostrar-lhe como é. 62

Tradução do conto guineense para português.

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Entraram no prato e encheram-no de mel. - Traz-nos aquele macaco - disseram as abelhas. A lebre agradeceu e continuou a sua caminhada. Caminhou, caminhou, caminhou, até que encontrou um rasto de jibóia. Começou a falar sozinha novamente: - Já te disse ela é maior do que uma árvore. A jibóia perguntou-lhe com quem estava a falar. A lebre respondeu: - Com aquele macaco. Ele disse que aquela árvore é mais comprida do que tu. A jibóia disse-lhe: - Não precisas discutir por causa disso: pega na árvore e mede-me com ela. A lebre disse-lhe: - Para aquele macaco acreditar que eu estou a dizer a verdade, tens que vir comigo e vamos amarrá-lo com esta corda. À medida que a lebre ia mostrando como é que iam fazer com o macaco, ia amarrando a jibóia. Depois, pegou nos seus dois pratos e seguiu até à porta do céu. Bateu à porta, abriram-na e entregou os dois pratos e a jibóia nas mãos de Deus. Deus disse-lhe: - Um dia destes és capaz de me enganar até a mim, mas vou puxar-te as orelhas que vão ficar bem compridas.

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Imagem da tela de Nela Vicente.

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Contos do Mundo

Contos de Moçambique Moçambique Moçambique é um país da costa oriental da África Austral, limitado a norte pela Zâmbia, Malawi e Tanzânia, a leste pelo Canal de Moçambique e pelo Oceano Índico, a sul e oeste pela África do Sul e a oeste pela Suazilândia e pelo Zimbabwe. No Canal de Moçambique, tem vários vizinhos, as Comores, Madagáscar, entre outras. Esta antiga colónia e província ultramarina de Portugal, teve a sua independência a 25 de Junho de 1975. A sua capital e maior cidade é Maputo. 131

Moçambique está dividido em 11 províncias: Niassa; Cabo Delgado; Nampula; Zambézia; Tete; Manica; Sofala; Gaza; Inhambane; Maputo (província), Cidade de Maputo. As províncias estão divididas em 128 distritos, os distritos subdividemse em postos administrativos e estes em localidades, o nível mais baixo da administração local do Estado. Em Moçambique foram criados até ao momento, 43 municípios, 10 dos quais em Abril de 2008. Moçambique tem uma população estimada em 19 286 milhões. É um país multirracial de esmagadora maioria negra, mas as tensões sociais não se verificam entre os diferentes grupos étnicos, mas entre o norte (pobre) e o sul (mais desenvolvido).


O país tem um grande potencial turístico, destacando-se as praias e zonas propícias ao mergulho nos seus mais de dois mil km de litoral, e os parques e reservas da natureza no interior do país.

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Imagem de Moçambique retirada do blog Ansumane, da autoria do Luís Filipe Catarino


Contos do Mundo

Contos Tradicionais 65

A Lua Feiticeira e a filha que não sabia pilar A Lua tinha uma filha branca e em idade de casar. Um dia apareceu-lhe 66 em casa um monhé pedindo a filha em casamento. A lua perguntoulhe: — Como pode ser isso, se tu és monhé? Os monhés não comem ratos nem carne de porco e também não apreciam cerveja! Além disso, ela não sabe pilar. O monhé respondeu: __ Não vejo impedimento porque, embora eu seja monhé, a menina pode continuar a comer ratos e carne de porco e a beber cerveja. Quanto a não saber pilar, isso também não tem importância pois as minhas irmãs podem fazê-lo. A lua, então, respondeu: __ Se é como dizes, podes levar a minha filha que, quanto ao mais, é boa rapariga. O monhé levou consigo a menina. Ao chegar a casa foi ter com a sua mãe e fez-lhe saber que a menina com quem tinha casado comia ratos, carne de porco e bebia cerveja, mas que era necessário deixá-la à vontade naqueles hábitos. Acrescentou também que ela não sabia pilar mas que as suas irmãs teriam a paciência de suprir essa falta. Dias depois, o monhé saiu para o mato à caça. Na sua ausência, as irmãs chamaram a rapariga (sua cunhada) para ir pilar com elas para as pedras do rio e esta desatou a chorar. As irmãs censuraram-na: __ Então tu pões-te a chorar por te convidarmos a pilar? Isso não está bem! Tens de aprender porque é trabalho próprio das mulheres. E, sem mais conversas, pegaram-lhe na mão e conduziram-na ao lugar onde costumavam pilar. 65 66

Acto de moer alimentos com um utensílio do género do almofariz Mestiço de árabe e negro

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Quando chegaram ao rio puseram-lhe o pilão na frente, entregaramlhe um maço e ordenaram que pilasse. A rapariga começou a pilar mas com uma mágoa tão grande que as lágrimas não paravam de lhe escorrer pela cara. Enquanto pilava ia-se lamentando: __ Quando estava em casa da minha mãe não costumava pilar... Ao dizer estas palavras, a rapariga, sempre a pilar e juntamente 67 com o pilão , começou a sumir-se pelo chão abaixo, por entre as pedras que, misteriosamente, se afastavam. E foi mergulhando, mergulhando... até desaparecer. Ao verem aquele estranho fenómeno, as irmãs do monhé abandonaram os pilões e foram a correr contar à mãe o que acontecera. Esta ficou assustada com a estranha novidade e tinha o coração apertado de receio quando chegou o monhé, seu filho. Este, ao ouvir o relato do que acontecera à sua mulher, ralhou com as irmãs, censurando-as por não terem cumprido as suas ordens. Apressou-se a ir ter com a Lua, sua sogra, para lhe dar conta do desaparecimento da filha. A Lua, muito irritada, disse: __ A minha filha desapareceu porque não cumpriste o que prometeste. Faz como quiseres, mas a minha filha tem de aparecer! __ Mas como posso ir ao encontro dela se desapareceu pelo chão abaixo? A Lua mudou, então, de aspecto e, mostrando-se conciliadora, disse: 67

O pilão é um utensílio culinário essencial na cozinha africana, com as mesmas funções de um almofariz, ou seja, para moer alimentos, mas de tamanho muito maior.


Contos do Mundo __

Bom, vou mandar chamar alguns animais para se fazer um remédio que obrigue a minha filha a voltar... Vai para o lugar onde desapareceu a minha filha e espera lá por mim. O monhé foi-se embora e a Lua chamou um criado ordenando: __ Chama o javali, a pacala, a gazela, o búfalo e o cágado e diz-lhes que compareçam, sem demora, nas pedras do rio onde desapareceu a minha filha. O criado correu a cumprir as ordens e os animais convidados apressaram-se para chegar ao lugar indicado. A Lua também para lá se dirigiu com um cesto de alpista. Quando chegou ao rio, derramou um punhado de alpista numa pedra e ordenou ao porco que moesse. O porco, enquanto moía, cantou: __ Eu sou o javali e estou a moer alpista para que tu, rapariga, apareças ao som da minha voz! Nesse momento ouviu-se a voz cava da menina que, debaixo do chão, respondia: __ Não te conheço! O javali, despeitado, largou a pedra das mãos e afastou-se cabisbaixo. Aproximou-se em seguida a pacala e, enquanto moía, cantou: __ Eu sou a pacala e estou a moer alpista para que tu, rapariga, apareças ao som da minha voz! Ouviu-se novamente a voz da menina que dizia: __ Não te conheço! A gazela e o búfalo ajoelharam também junto do moinho, fazendo a sua invocação, mas a menina deu a ambos a mesma resposta: __ Não te conheço! Por último, tomou a pedra o cágado e, enquanto moía, cantou: __ Eu sou o cágado e estou a moer alpista para que tu, rapariga, apareças ao som da minha voz! A menina cantou, então, em voz terna e melodiosa: __ Sim, cágado, à tua voz eu vou aparecer!

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E, pouco a pouco, a menina começou a surgir por entre as pedras do rio, juntamente com o pilão, mas sem pilar. Quando emergiu completamente parou e ficou silenciosa. Os animais juntaram-se todos, curiosos, à volta da menina. Então, a Lua disse: __ Agora a minha filha já não pode continuar a ser mulher do monhé pois ele não soube cumprir o que me prometeu. Ela será, daqui para o futuro, a mulher do cágado, pois só à sua voz é que ela tornou a aparecer. Então o cágado levantou a voz dizendo: __ Estou muito feliz com a menina que acaba de me ser dada em casamento e, como prova da minha satisfação, vou oferecer-lhe um vestido luxuoso que ela vestirá uma só vez, pois durará até ao fim da sua vida. E, dizendo isto, entregou à menina uma carapaça lindamente trabalhada, igual à sua. Da ligação do cágado com a filha da lua é que descendem todos os cágados do mundo...

A Menina que não Falava Certo dia, um rapaz viu uma rapariga muito bonita e apaixonou-se por ela. Como se queria casar com ela, no outro dia, foi ter com os pais da rapariga para tratar do assunto. __ Essa nossa filha não fala. Caso consigas fazê-la falar, podes casar com ela - responderam os pais da rapariga. O rapaz aproximou-se da menina e começou a fazer-lhe várias perguntas, a contar coisas engraçadas, bem como a insultá-la, mas a miúda não chegou a rir e não pronunciou uma só palavra. O rapaz desistiu e foi-se embora. Após este rapaz, seguiram-se outros pretendentes, alguns com muita fortuna mas, ninguém conseguiu fazê-la falar.


Contos do Mundo O último pretendente era um rapaz sujo, pobre e insignificante. Apareceu junto dos pais da rapariga dizendo que queria casar com ela, ao que os pais responderam: __ Se já várias pessoas apresentáveis e com muito dinheiro não conseguiram fazê-la falar, tu é que vais conseguir? Nem penses nisso! O rapaz insistiu e pediu que o deixassem tentar a sorte. Por fim, os pais acederam. O rapaz pediu à rapariga para irem à 68 69 sua machamba , para esta o ajudar a sachar . A machamba estava carregada de muito milho e amendoim e o rapaz começou a sachá-los. Depois de muito trabalho, a menina ao ver que o rapaz estava a acabar com os seus produtos, perguntou-lhe: __ O que estás a fazer? O rapaz começou a rir e, por fim, disse para regressarem a casa para junto dos pais dela e acabarem de uma vez com a questão. Quando aí chegaram, o rapaz contou o que se tinha passado na machamba. A questão foi discutida pelos anciãos da aldeia e organizou-se um grande casamento.

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Duas Mulheres Havia duas mulheres amigas, uma que podia ter filhos e tinha muitos e a outra não. Um dia, a mulher estéril foi a casa da amiga e convidou-a a visitá-la, dizendo: - Amiga, tenho muitas coisas novas em casa, venha vê-las! 68

Terreno básico para a prática da agricultura e da pecuária.

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Cavar a terra.

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Eduardo Medeiros, em “Contos populares moçambicanos”, 1997

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- Está bem - concordou a outra. De manhã cedo, a mulher que tinha muitos filhos foi visitar a amiga. Ao chegar a casa desta, chamou-a: - Amiga, minha amiga! Trazia consigo um pano que a mulher estéril aceitou e guardou. As duas amigas ficaram a conversar, tomando um chá que a dona da casa tinha preparado para as duas. Ao acabarem o chá, a dona da casa quis, então, mostrar à amiga as coisas que tinha comprado. Passaram para a sala e a mulher estéril abriu uma mala mostrando à amiga roupa, brincos, prata e outras coisas de valor. No final da visita, a mulher que tinha muitos filhos agradeceu, dizendo: - Um dia há-de ir a minha casa ver a mala que eu arranjei. E, um certo dia, a mulher que não tinha filhos, foi a casa da amiga. Mal a viram, os filhos desta gritaram: - A sua amiga está aqui! Agradeceram a peneira que ela trazia na cabeça e guardaram-na. Começaram, então, a preparar o chá. A mãe das crianças chamava-as uma a uma: - Fátima! - Mamã? - Põe o chá ao lume! - Mariamo! - Sim? - Vai partir lenha! - Anja! - Sim? - Vai ao poço - Muacisse!


Contos do Mundo - Mamã? - Vai buscar açúcar! - Muhamede! - Sim? - Traz um copo! - Mariamo! - Vamos lá, despacha-te com o chá! Assim que o chá ficou pronto, tomaram-no e conversaram todos um pouco. Quando a amiga se ia embora, a mulher que tinha filhos disse: - Minha amiga, eu chamei-a para ver a mala que arranjei, mas a minha mala não tem roupa nem brincos! A mala que lhe queria mostrar são os meus filhos! A mulher que não podia ter filhos ficou muito triste e, antes de chegar a casa, sentiu-se muito mal, com dores de cabeça e acabou por morrer. 139

Moral da história: coisa não é coisa, coisa é pessoa! Nota do autor: A missão principal da mulher é a procriação e o respeito que lhe é devido aumenta com a idade e com o número de filhos. Assim, ter filhos é muito importante e quantos mais se tiver melhor, pois eles são a riqueza e o futuro da família. Nas sociedades matrilineares, donde provém este conto (Norte de Moçambique), se as mulheres não tiverem filhos a sua linhagem não continua. Quando o homem é estéril, é repudiado de imediato; a esterilidade feminina é atribuída à pouca sorte, podendo, quer num caso quer noutro, tentar-se o tratamento junto do curandeiro. Neste conto, após tudo ter tentado para poder engravidar e não o tendo conseguido, a mulher acabou por morrer de desgosto. A sua riqueza era feita só de bens materiais, enquanto que a riqueza da amiga eram os filhos. De realçar o costume de a visitante oferecer sempre uma prenda à visitada.


A Gazela e o Caracol Uma gazela encontrou um caracol e disse-lhe: Imagem __

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Tu, caracol, és incapaz de correr, só te arrastas pelo chão. O caracol respondeu: __ Vem cá no Domingo e verás! O caracol arranjou cem papéis e em cada folha escreveu: «Quando vier a gazela e disser "caracol", tu respondes com estas palavras: "Eu sou o caracol"». Dividiu os papéis pelos seus amigos caracóis dizendo-lhes: __ Leiam estes papéis para que saibam o que fazer quando a gazela vier. No Domingo a gazela chegou à povoação e encontrou o caracol. Entretanto, este pedira aos seus amigos que se escondessem em todos os caminhos por onde ela passasse, e eles assim fizeram. Quando a gazela chegou, disse: __ Vamos correr, tu e eu, e tu vais ficar para trás! O caracol meteu-se num arbusto, deixando a gazela correr. Enquanto esta corria ia chamando: __ Caracol! E havia sempre um caracol que respondia: __ Eu sou o caracol. Mas nunca era o mesmo por causa das folhas de papel que foram distribuídas. A gazela, por fim, acabou por se deitar, esgotada, morrendo com falta de ar. O caracol venceu, devido à esperteza de ter escrito cem papéis. Moral da História: «Como tu sabes escrever e nós não, nós cansamo-nos mas tu não. Nós nada sabemos!».

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Imagem retirada do blog “Quarks e Gluões”


Contos do Mundo 72

O Homem e a Filha Era uma vez um casal que teve uma filha. A mulher morreu pouco depois do parto e a criança foi criada pelo pai. Quando a menina cresceu, o pai anunciou-lhe: __ Minha filha, quero casar contigo! Mas a menina respondeu: __ Isso não é bom. Seremos descobertos pelos outros, pois no mundo não há segredos! __ Sempre quero ver se no mundo não há segredos, disse o pai. Foi buscar arroz, vazou duas medidas numa panela e cozinhou-o. Em seguida, levou a panela para o mato e enterrou-a. Ninguém sabia que ele tinha enterrado no mato uma panela cheia de arroz a não ser ele próprio e a filha. Tempos mais tarde, apareceram homens com redes para caçar no mato. Eles não sabiam que no local onde caçavam, debaixo de uma árvore, estava enterrada uma panela cheia de arroz. Descobriram, admirados, que formigas brancas saídas da terra junto daquela árvore, transportavam grão de arroz. De imediato cavaram o buraco e encontraram uma panela cheia de arroz cozido. A filha, então, voltou-se para o pai: __ 73 Está a ver papá? Eu não lhe disse que o mundo não tem segredos?!

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Conto com alusão clara à proibição do incesto. Autor da obra Eduardo Medeiros, em “Contos populares moçambicanos”, 1997. 73

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O Homem chamado Namarasotha Havia um homem que se chamava Namarasotha. Era pobre e andava sempre vestido com farrapos. Um dia foi à caça. Ao chegar ao mato, encontrou uma impala morta. Quando se preparava para assar a carne do animal apareceu um passarinho que lhe disse: __ Namarasotha, não se deve comer essa carne. Continua até mais adiante que o que é bom estará lá. O homem deixou a carne e continuou a caminhar. Um pouco mais adiante encontrou uma gazela morta. Tentava, novamente, assar a carne quando surgiu um outro passarinho que lhe disse: __ Namarasotha, não se deve comer essa carne. Vai sempre andando que encontrarás coisa melhor do que isso. Ele obedeceu e continuou a andar até que viu uma casa junto ao caminho. Parou e uma mulher que estava junto da casa chamou-o, mas ele teve medo de se aproximar pois estava muito esfarrapado. __ Chega aqui! insistiu a mulher. Namarasotha aproximou-se então. __ Entra, disse ela. Ele não queria entrar porque era pobre. Mas a mulher insistiu e Namarasotha entrou, finalmente. __ Vai-te lavar e veste estas roupas, disse a mulher. E ele lavou-se e vestiu as calças novas. Em seguida, a mulher declarou: __ A partir deste momento esta casa é tua. Tu és o meu marido e passas a ser tu a mandar. E Namarasotha ficou, deixando de ser pobre.

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Autor da obra: Eduardo Medeiros na obra “Contos Populares Moçambicanos”, 1997


Contos do Mundo Um certo dia havia uma festa a que tinham de ir. Antes de partirem para a festa, a mulher disse a Namarasotha: __ Na festa a que vamos quando dançares não deverás virar-te para trás. Namarasotha concordou e lá foram os dois. Na festa bebeu muita cerveja de farinha de mandioca e embriagou-se. Começou a dançar ao ritmo do batuque. A certa altura a música tornou-se tão animada que ele acabou por se virar. E no momento em que se virou, ficou como estava antes de chegar à casa da mulher: pobre e esfarrapado.

Nota do autor: Todo o homem adulto deve casar-se com uma mulher de outra linhagem. Só assim é respeitado como homem e tido como «bem vestido». O adulto sem mulher é «esfarrapado e pobre». A verdadeira riqueza para um homem é a esposa, os filhos e o lar. Os animais que Namarasotha encontrou mortos simbolizam mulheres casadas e se comesse dessa carne estaria a cometer adultério. Os passarinhos representam os mais velhos, que o aconselham a casar com uma mulher livre. Nas sociedades matrilineares do Norte de Moçambique (donde provém este conto), são os homens que se integram nos espaços familiares das esposas. Nestas sociedades, o chefe de cada um destes espaços é o tio materno da esposa. O homem casado tem de sujeitar-se às normas e regras que este traça. Se se revolta e impõe as suas, perde o seu estatuto de marido e é expulso, ficando cada cônjuge com o que levou para o lar. Cumprindo sempre o que os passarinhos lhe iam dizendo durante a sua viagem em busca de «riqueza», Namarasotha acabou por encontrá-la: casou com uma mulher livre e obteve um lar. Mas por não ter seguido o conselho da mulher, perdeu o estatuto dignificante de homem adulto e casado.

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O Rato e o Caçador Antigamente havia um caçador que usava armadilhas, abrindo covas no chão. Ele tinha uma mulher que era cega e fizera com ela três filhos. Um dia, quando visitava as suas armadilhas, encontrou-se com um leão: __ Bom dia, senhor! Que fazes por aqui no meu território? (perguntou o leão) __ Ando a ver se as minhas armadilhas apanharam alguma coisa, respondeu o homem. __ Tu tens de pagar um tributo, pois esta região pertence-me. O primeiro animal que apanhares é teu e o segundo meu e assim sucessivamente. O homem concordou e convidou o leão a visitar as armadilhas, uma __ das quais tinha uma presa uma gazela. Conforme o combinado, o animal ficou para o dono das armadilhas. Passado algum tempo, o caçador foi visitar os seus familiares e não voltou no mesmo dia. A mulher, necessitando de carne, resolveu ir ver se alguma das armadilhas tinha presa. Ao tentar encontrar as armadilhas, caiu numa delas com a criança que trazia ao colo. O leão que estava à espreita entre os arbustos, viu que a presa era uma pessoa e ficou à espera que o caçador viesse para este lhe entregar o animal, conforme o contrato. No dia seguinte, o homem chegou a sua casa e não encontrou nem a mulher nem o filho mais novo. Resolveu, então, seguir as pegadas que a sua mulher tinha deixado, que o guiaram até à zona das armadilhas. Quando aí chegou, viu que a presa do dia era a sua mulher e o filho. O leão, lá de longe, exclamou ao ver o homem a aproximar-se: __ Bom dia, amigo! Hoje é a minha vez! A armadilha apanhou dois animais ao mesmo tempo. Já tenho os dentes afiados para os comer! __ Amigo leão, conversemos sentados. A presa é a minha mulher e o meu filho.


Contos do Mundo __

Não quero saber de nada. Hoje a caçada é minha, como rei da selva e conforme o combinado, protestou o leão. De súbito, apareceu o rato. __ Bom dia! O que se passa? - disse o pequeno animal. __ Este homem está a recusar-se a pagar o seu tributo em carne, segundo o combinado. __ Então se concordaram assim, porque não cumpres? Pode ser a tua mulher ou o teu filho, mas deves entregá-los. Deixa isso e vai-te embora, disse o rato ao homem. Muito contrariado, o caçador retirou-se do local da conversa, ficando o rato, a mulher, o filho e o leão. __ Ouve, rei leão, nós já convencemos o homem a dar-te as presas. Agora deves-me explicar como é que a mulher foi apanhada. Temos que experimentar como é que esta mulher caiu na armadilha (e levou o leão para perto de outra armadilha). Ao fazer a experiência, o leão caiu na armadilha. Então, o rato salvou a mulher e o filho, mandando-os para casa. A mulher, vendo-se salva de perigo, convidou o rato a ir viver para a sua casa, comendo tudo o que ela e a sua família comiam. Foi a partir daqui que o rato passou a viver em casa do homem, roendo tudo quanto existe...

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Os Segredos da Nossa Casa Certo dia, uma mulher estava na cozinha e, ao atiçar a fogueira, deixou cair cinza em cima do seu cão. O cão queixou-se: - A senhora, por favor, não me queime! Ela ficou muito espantada: um cão a falar! Até parecia mentira... Assustada, resolveu bater-lhe com o pau com que mexia a comida. Mas o pau também falou: - O cão não me fez mal. Não quero bater-lhe! A senhora já não sabia o que fazer e resolveu contar às vizinhas o que se tinha passado com o cão e o pau. Mas, quando ia sair de casa a porta, com um ar zangado, avisou-a: - Não saias daqui e pensa no que aconteceu. Os segredos da nossa casa não devem ser espalhados pelos vizinhos. A senhora percebeu o conselho da porta. Pensou que tudo começara porque tratara mal o seu cão. Então, pediu-lhe desculpa e repartiu o almoço com ele.

Moral da História: é fundamental sabermos conviver uns com os outros, assegurar o respeito mútuo, embora às vezes seja difícil...

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Conto retirado da obra “Estórias africanas", de Aldónio Gomes, 1999


Contos do Mundo 76

Todos dependem da boca Certo dia, a boca, com ar vaidoso, perguntou: - Embora o corpo seja um só, qual é o órgão mais importante? Os olhos responderam: - O órgão mais importante somos nós: observamos o que se passa e vemos as coisas. - Somos nós, porque ouvimos - disseram os ouvidos. - Estão enganados. Nós é que somos mais importantes porque agarramos as coisas, disseram as mãos. Mas o coração também tomou a palavra: - Então e eu? Eu é que sou importante: faço funcionar todo o corpo! - E eu trago em mim os alimentos! - interveio a barriga. - Olha! Importante é aguentar todo o corpo como nós, as pernas, fazemos. Estavam nisto quando a mulher trouxe a massa, chamando-os para comer. Então os olhos viram a massa, o coração emocionou-se, a barriga esperou ficar farta, os ouvidos escutavam, as mãos podiam tirar bocados, as pernas andaram... mas a boca recusou comer. E continuou a recusar. Por isso, todos os outros órgãos começaram a ficar sem forças... Então a boca voltou a perguntar: - Afinal qual é o órgão mais importante no corpo? - És tu boca, responderam todos em coro. Tu és o nosso rei! Moral da História: todos nós somos importantes e, para viver, temos de aprender a colaborar uns com os outros…

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Conto retirado da obra “Estórias africanas", de Aldónio Gomes, 1999

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Uma Ideia Tonta Um dia a hiena recebeu convite para dois banquetes que se realizavam à mesma hora em duas povoações muito distantes uma da outra. Em qualquer dos festins era abatido um boi, carne que a hiena é especialmente gulosa. __ Não há dúvida de que tenho de assistir aos dois banquetes, pois não quero desconsiderar os anfitriões. Também as oportunidades de comer carne de boi não são muitas... mas como hei-de fazer, se as festas são em lugares tão distantes um do outro? A hiena pensou, pensou... e, de repente, bateu com a mão na testa. __ __ Descobri! Afinal é simples... disse ela, muito contente com a sua esperteza. Saiu à pressa de casa. Assim que chegou ao local donde partiam os dois caminhos que levavam aos locais das festas, começou a andar pelo caminho que ficava do lado direito com a perna direita e pelo caminho que ficava do lado esquerdo, com a perna esquerda. Pensava chegar deste modo a ambas as festas ao mesmo tempo. Mas começou a ficar admirada de lhe custar tanto caminhar dessa maneira. E fez tanto esforço, que se sentiu dividir em duas de alto a baixo. __ Coitada, lá a levaram ao médico que a proibiu, desde logo, de comer carne de boi durante um mês. É muito tonta a hiena!

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Conto retirado da obra “Estórias africanas", de Aldónio Gomes, 1999


Contos do Mundo

Contos da Roménia Roménia A Roménia é um país da Europa Oriental limitado a norte e a leste pela Ucrânia, a leste pela República da Moldávia e pelo mar Negro, a sul pela Bulgária e a oeste pela Sérvia e pela Hungria. A sua capital, e também maior metrópole, é a cidade de Bucareste. A Roménia faz parte da União Europeia desde 1 de Janeiro de 2007. O seu território é o nono mais extenso da UE, e a sua população a sétima maior. Uma grande parte das fronteiras da Roménia com a Sérvia e a Bulgária seguem o curso do Danúbio. No Danúbio vai desaguar o rio Prut, que serve de fronteira com a República da Moldávia. Os montes Cárpatos dominam a parte ocidental da Roménia, com picos até 2.500 metros. O mais elevado, o Moldoveanu, atinge os 2.544 metros. As principais cidades são a capital, Bucareste, Braşov, Timişoara, Cluj-Napoca, Constanţa, Craiova, Iaşi, Brăila e Galaţi. Administrativamente a Roménia é dividida em 41 distritos e o município de Bucareste onde está a capital. A língua oficial é o romeno, uma língua românica da subfamília itálica, da família dos idiomas indo-europeus. As Minorias consideráveis de húngaros e descendentes alemães, principalmente na Transilvânia, também falam húngaro e alemão. Outros grupos étnicos incluem ciganos e nativos dos países vizinhos à Roménia. A população romena tem o costume de frequentar feiras em vez de ir às lojas. Essas feiras são geralmente artesanais. A Roménia é um país

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com um grande número de castelos, sendo alguns constituídos de madeira e muito bem conservados ao longo dos séculos. Esses castelos atraem muitos turistas durante todo o ano. O castelo mais visitado é o famoso Castelo de Bran onde, segundo a tradição, viveram o Conde 78 Drácula e Elisabeth Bathory .

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Foi uma condessa húngara da renomada família Báthory que entrou para a História por uma suposta série de crimes hediondos e cruéis que teria cometido, vinculados com sua obsessão pela beleza. Como consequência, ela ficou conhecida como "A condessa sangrenta" 79 Imagem retirada do site “Blogoscópio”


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Lendas 80

A lenda do Conde Drácula A lenda do Conde Drácula nasceu nos territórios da Europa Central hoje pertencentes à Roménia, um país às margens do Mar Negro que, no passado, compreendeu os principados da Valáquia e da Moldávia. Na paisagem romena, entre florestas, campos e estepes, erguem-se os imponentes e sombrios Montes Cárpatos, com altitudes de mais de 2.000 metros, parte dos Alpes da Transilvânia. A região, habitada desde o início da Era Cristã, recebeu sucessivas hordas de diferentes povos: godos, ávaros, húngaros, eslavos, tártaros, magiares. No século XIV, formaram-se os principados da Valáquia e da Moldávia, primeiro sinal de configuração do que viria a ser nação romena. Ocorreu que no século XV, os turcos invadiram aqueles territórios dando início a guerras violentas. Foi neste cenário que, por volta de 1430, nasceu o primeiro Drácula, príncipe da Valáquia. O seu nome era Vlad, chamado Drakul – que significa dragão ou demónio – pela figura mitológica que ornava seu brasão de família.

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Uma das versões da lenda, gentilmente facultada pela Florentina S. de nacionalidade romena e complementado com alguns dados históricos retirados da wikipédia. 81 Imagem retirada do site “Como tudo funciona”.

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Vlad levou uma vida de guerreiro bárbaro e é de se supor que tenha sido traumatizado desde a mais tenra idade. Ainda jovem, foi mantido prisioneiro pelos turcos e com eles presenciou e aprendeu métodos de tortura e a terrível execução por empalamento. Em 1448, aos 18 anos, diplomático, conseguiu que seus inimigos o colocassem no trono da Valáquia. A pretexto de unificar o país e expulsar seus antigos captores e invasores, Vlad deu início a um reinado de campanhas bélicas pontuadas por chacinas sangrentas e torturas. A morte colectiva dos prisioneiros, por empalamento, tornouse comum o que valeu ao soberano o apelido de Tepes ou "Empalador". Além disso, a ira de Vlad resultava em punições cruéis, dignas de uma mente sádica: cozinhar pessoas, queimá-las em fogueiras, esfolamento, mutilações. A revolta inevitável das populações martirizadas e o interesse político da nobreza vizinha finalmente derrotou o tirano que foi capturado pelo rei Matias, da Hungria. Conta a lenda que, no cárcere, Vlad Drácula se divertia empalando pequenos animais que os guardas forneciam. Em 1474, depois de 12 anos encarcerado, o Empalador recuperou a liberdade pela via da negociação política e voltou a ocupar o trono da Valáquia. Dois meses depois, morria, aos 45 anos, ferido durante mais uma batalha contra os turcos. A sua cabeça foi cortada, conservada em mel e enviada ao sultão como troféu e o seu corpo dado como desaparecido.


Contos do Mundo

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A lenda do Conde Drácula Drácula é um romance de 1897 escrito pelo autor irlandês Bram Stoker, tendo como protagonista o vampiro Conde Drácula. Sem dúvida trata-se do mais famoso conto de vampiros da literatura. Começa com a chegada de um solicitador, de seu nome Jonathan Harker, a um castelo na remota zona da Transilvânia. Aí o jovem Harker trava conhecimento com o excêntrico proprietário do castelo, o conde Drácula, dado este ter em vista a aquisição de várias propriedades na Inglaterra. Paulatinamente Harker começa a perceber que há mais do que excentricidade naquela figura, há algo de estranho no anfitrião, algo de realmente assustador e tenebroso. Aliás, passada a inicial hospitalidade, Harker começa a entender que, mais do que um hóspede, é realmente um prisioneiro do conde Drácula. Seguidamente, Drácula decide viajar até à Inglaterra, deixando um rasto de morte e destruição por onde passa – sob a forma de um enorme morcego -, enquanto Harker é deixado à guarda de três figuras femininas, três terríveis seres que se alimentavam de sangue humano Harker consegue fugir, apesar de bastante debilitado, e encontra-se com a sua noiva, Mina, em Budapeste. Já em Inglaterra, Lucy, uma jovem inglesa, amiga de Mina, começa a apresentar estranhos sintomas: uma enorme palidez e dois enigmáticos orifícios no pescoço. Os seus amigos, John Seward, Quincey Morris e Arthur Holmwood, incapazes de perceber a origem daquela doença, recorrem ao auxílio do Dr. Abraham Van Helsing, médico e cientista, famoso por seus métodos pouco ortodoxos, tendo compreendido que Lucy estava a ser vítima dos ataques de um ser diabólico: Drácula, uma espécie de morto-vivo que se alimentava de sangue humano (vampiro). Contudo, receando a reacção destes, Van Helsing decide não revelar imediatamente as suas conclusões. 82

Outra versão da lenda, retirada integralmente da wikipédia

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Numa noite, a Lucy e a sua mãe são atacadas por um morcego – a versão animal do conde Drácula – e ambas morrem, embora de causas diferentes: Lucy tendo sido fruto do ataque sanguinário do morcego/Drácula; a mãe de Lucy vítima de ataque cardíaco provocado pelo medo. A Lucy é enterrada, mas a sua existência não termina por aí: esta renasce como vampira e começa a perseguir crianças. Van Helsing, não tendo outra opção, confidencia as suas conclusões aos amigos desta. Estes, decididos a colocar um fim naquela forma de existência, pregando-lhe uma estaca no coração e cortando-lhe a cabeça, pois só assim ela poderia descansar em paz. Pouco tempo depois, para surpresa dos mesmos, percebem que Drácula tinha agora uma nova vítima, Mina, já regressada de Budapeste junto com Harker, agora juntos na condição de marido e mulher. Porém, para além de se alimentar de Mina, Drácula também lhe dá o seu sangue a beber, ritual que os faz ficarem ligados espiritualmente numa espécie de matrimónio das trevas. Van Helsing compreende que, através da hipnose, é possível seguir os movimentos do vampiro, assim, decididos a destrui-lo e a salvar Mina, e os homens perseguem-no. Drácula foge para o seu castelo na Transilvânia, todavia, este é destruído pelos perseguidores antes de concretizar tal objectivo, libertando a Mina deste “encantamento”.


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A menina e o veado Era uma vez, há muito, muito tempo atrás, um homem de idade vivia com a sua mulher e os seus dois filhos, de sua primeira esposa. As crianças, um menino e uma menina, eram detestados pela sua madrasta e espancados e sedentos por ela. A madrasta era conhecida em todas as aldeias vizinhas tanto por ser tão inteligente quanto má e cruel. Como detestava as crianças, decidiu um dia, finalmente livrar-se deles de uma vez por todas. E um dia, olhou para o marido e exigiu que ele se livrasse dos filhos ou ela nunca mais iria comer ou falar com ele. Ela aconselhou-o a levá-los para a floresta e matá-los, ou deixá-los, ou qualquer outra coisa que ele quisesse fazer com eles apenas contanto que ele não os trouxesse para casa. Uma vez que estava tão apaixonado pela sua mulher e sendo tão pressionado, resolveu atender ao pedido da mulher, pois não queria perdê-la. As crianças responderam com prazer, porque eles achavam que era algo de uma aventura de ir para o mato grande. O pai que não teve coragem de matar os seus filhos, planeou abandoná-los no mato. Assim, que se apercebeu que as crianças estavam entretidas a apanhar lenha, fugiu e escondeu-se deles. Quando as crianças se aperceberam da ausência do pai, começaram a chamar por ele em pânico e, em seguida, exaustos de tanta procura, sentaram-se sobre um tronco caído, a chorar. A menina olhou para cima e viu o rastro de cinzas que eles tinham deixado e sugeriu ao irmão seguirem-no. Ficaram muito contentes por terem encontrado a sua casa mas temendo que a madrasta os repreendesse por terem perdido o pai, resolveram esconder-se. Quando escureceu, e como a noite estava muito fria, os dois irmãos subiram para o telhado de casa e colocaram-se perto da chaminé. E aí

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eles puderam ouvir os lamentos de seu pai, por ter cometido acto tão vil. Mas mesmo assim, a madrasta, decidiu atormentar ainda mais o marido e após o jantar, perguntou-lhe: "Bem, onde estão seus filhos? Por que eles não vêm para a mesa para comerem os ossos?". Ao ouvirem, pela chaminé, a pergunta da madrasta, as inocentes crianças acharam que agora seria o momento de aparecerem e de acabarem com o sofrimento de seu desaparecimento. E, deslizando do telhado, diz o menino: "Aqui estamos, mãe. Nós estamos a chegar agora para o nosso jantar." O seu pai ficou muito contente ao ver os seus filhos. E por esta a madrasta não esperava. Assim que as crianças se deixaram dormir, a madrasta voltou a importunar o marido e chamando-lhe de incompetente, tornou-lhe a pedir que se livrasse de seus filhos. Farto de tantas ameaças, lá lhe prometeu, no dia seguinte levar as crianças para dentro da floresta densa de modo a que eles nunca mais conseguissem encontrar o caminho de retorno a casa. Nesse dia, porém, iludidas novamente pelo pai, lá foram as duas crianças e assim que se distraíram, o pai fugiu. Mas dessa vez, o seu pai fora mais cauteloso e conseguira ter êxito. As crianças, aterrorizadas, entre os gritos pelo pai e o choro, decidiram abraçar-se. A noite caíra e conseguiam perceber a presença de outros animais. Vendo-se perdidos, decidiram procurar alimento. Mas devido à sua tenra idade, só conseguiam encontrar raízes. Mas estas só os deixavam ficar sedentos. Depois de muita procura, lá descobriram água da chuva nas pegadas de uma raposa. O menino ajoelhou-se no chão para beber, mas foi interrompido pela irmã que disse: "Irmão, se você beber a água vai-se transformar numa raposa e não haverá ninguém para cuidar de mim." Então, o menino que tanto amava a sua irmã não bebeu a água. Continuaram caminho e ao fim de algum tempo, encontraram água nas pegadas de um urso. O menino, quase a delirar


Contos do Mundo com a sede, tornou a ajoelhar-se para beber a água e a irmã avisou: "Irmão, não bebas dessa água pois transformar-te-ás num urso e não poderás cuidar de mim”. E o menino tornou a não beber. Continuando caminho, viram a água da chuva nas pegadas de um veado. Mas o menino, tão sedento que estava, e sem ouvir a sua irmã, ajoelhou-se e bebeu daquela água. Assim que o menino bebeu a água, transformou-se num magnífico veado de ouro. O seu corpo brilhava de tão dourado que era e com tanta pedra preciosa que tinha no seu dorso. E dos seus chifres sobressaia um cordão de seda que terminava no dorso. Ele era tão bonito que o vento parou de soprar, pois ficou impressionado com a sua visão dele. Imagem

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Então, ajoelhou-se diante de sua irmã, que estava lavada em lágrimas, e pediu-lhe que subisse e se agarrasse forte ao cordão. A menina assim fez e eles partiram juntos para formar a sua casa na floresta escura. O veado construiu uma casa para sua irmãzinha no alto de uma árvore para mantê-la segura de animais e de caçadores. Viveram assim por muitos anos até que o filho de um rei foi caçar no bosque e avistou uma linda donzela nas árvores. A menina tinha crescido e tinha-se transformado numa linda donzela. Ela tinha uns longos cabelos pretos muito brilhantes e uns grandes olhos negros.

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Imagem retirada do blog “Entre caminhos e palavras”

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Assim que a viu, o Príncipe de imediato se apaixonou. Mas a menina, desapareceu por entre a floresta. Completamente apaixonado e perdido, o Príncipe abandonou a caça e ordenou que fosse divulgado por todo o reino, uma bela recompensa a todas as mulheres que lhe trouxessem a bela jovem. A mais sábia de todas as mulheres do reino prometeu ao Príncipe trazer-lhe a agora jovem. E então, lá partiu para a floresta. A mulher sábia, depois de muito andar, e embrenhada na floresta, descobriu o esconderijo da jovem. E chegando perto da árvore, escondeu-se para ver como conseguiria chegar perto da jovem. E de repente, aparece-lhe um belo veado trazendo no seu dorso, raízes e outros alimentos, que depois de subir à alta árvore, o distribuiu pela jovem e os dois comeram. Acabada a merenda, a jovem sentou-se em cima do belo veado e foram passear. Ao fim de algum tempo, os dois regressaram à árvore e a linda jovem, beijou o veado, que a ajudou a subir a árvore e foi-se embora. E durante dias, a mulher sábia manteve-se escondida, assistindo a esta rotina todos os dias. Sem saber muito bem o que pensar sobre o que vira, ainda tinha de adivinhar a forma de levar esta bela jovem ao Príncipe. Uma vez que não sabia como chegar à menina, regressou ao castelo e foi falar com o Príncipe. E aí lhe disse o que precisaria para conseguir capturar a sua apaixonada. E o que pediu ao Príncipe, recebeu: dois cavalos, um carro, uma trempe, um balde e um jarro de água, e depois partiu para o bosque. Ao chegar na floresta, deixou o carro e levou o que pedira ao jovem Príncipe, na base da árvore da jovem. Uma vez lá, ela acendeu uma pequena fogueira e colocou a trempe de cabeça para baixo. A jovem, assistindo ao que a mulher fazia, depressa lhe gritou que tinha colocado a trempe da maneira errada. A jovem ficara muito espantada


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como é que uma senhora tão experiente colocava aquele utensílio de forma errada. Em seguida a mulher sábia colocou o balde de cabeça para baixo e derramou a água sobre ela. A mulher desesperou em voz alta e começou a chorar pois assim nunca mais teria água quente. Vendo o desespero da mulher, a jovem prontificou-se a ajudar dali de cima da árvore com um balde de água. E mais uma vez a menina perguntou-lhe como é que ela, uma senhora tão experiente não sabia como colocar o balde de água sobre a trempe de modo a não entornar. A mulher sábia mentiu e disse-lhe que tinha sido uma mulher rica com muitos empregados, mas que agora ela era pobre e todos os seus pertences foram queimados e que tinha resolvido ir viver para a floresta, devido a tamanha vergonha.

Ao ouvir a sua história, a menina ficou muito triste e tentando confortar a falsa senhora rica, desceu da segurança da sua árvore e prontificou-se a ajudá-la nos seus afazeres. Assim que a jovem desceu e estando perto da sábia senhora, a mulher sábia agarrou-a e colocoulhe uma mordaça na boca. Meteu a jovem no carro e seguiu caminho até ao castelo. Quando chegaram ao palácio, o Príncipe felicíssimo por ver a menina, ajoelhou-se e pediu-lhe para casar com ele imediatamente. A jovem estava tão triste como surpresa com o que lhe tinha acontecido e só pensava no seu irmão, que agora era um belo veado. Mas, e com os dias, a jovem apaixonou-se pelo Príncipe e aceitou a proposta de noivado. O Príncipe convidara todo o reino e o casamento durara todo o dia e toda a noite. Mas o seu irmão é que estava inconsolável. E toda a floresta podia contemplar a tristeza do agora veado. E num belo dia, ainda amargurado com tamanha tristeza, sem se dar conta, o veado

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aproximou-se do castelo. E a jovem, agora Princesa, pode ouvir as lamúrias de seu irmão, reconhecendo imediatamente a voz. Todos ficaram espantados quando a bela Princesa saiu do castelo e foi de encontro àquele choro. E assim que se viram, os dois irmãos correram a abraçar-se. Espantado, o Príncipe perguntou-lhe de onde conhecida aquele belo exemplar de veado, todo coberto de ouro e jóias. E logo, a jovem Princesa se prontificou a contar a sua história mais a de seu irmão. Comovido com tanta bravura e lealdade, o Príncipe convidou o veado a viver num estábulo, também ele todo dourado e com fartura de erva fresca. E assim viveram felizes para sempre.


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Contos da Rússia Rússia A Rússia ou Federação da Rússia, é um país localizado no norte da Eurásia (Europa e Ásia em conjunto). É uma república semipresidencialista, dividida em 83 subdivisões. A Rússia divide as suas fronteiras com os seguintes países (de noroeste para sudeste): Noruega, Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia (ambas através de Kaliningrado), Bielorrússia, Ucrânia, Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão, China, Mongólia e Coreia do Norte. Também tem fronteiras marítimas com o Japão (pelo Mar de Okhotsk) e com os Estados Unidos (pelo Estreito de Bering). Com 17.075.400 quilómetros quadrados, a Rússia é de longe o maior país do mundo, cobrindo mais de um nono da área terrestre do planeta. A Rússia também é o nono país mais populoso, com 142 milhões de habitantes. Estende-se por todo o norte da Ásia e por 40% do território da Europa, abrangendo 11 zonas horárias e incorporando uma grande variedade de ambientes geográficos. A Rússia tem as maiores reservas de recursos minerais e energéticos do mundo e é considerada uma superpotência energética. O país possui as maiores reservas florestais do mundo e seus lagos contêm aproximadamente um quarto da água doce descongelada do planeta. A história do país começou com os Eslavos do Leste, que surgiram como um grupo reconhecido na Europa entre os séculos III e VIII. Fundada e dirigida por uma classe nobre de guerreiros Vikings e pelos seus descendentes, o primeiro Estado Eslavo do Leste, o Principado de Kiev, surgiu no século IX e adoptou o Cristianismo Ortodoxo do Império

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Bizantino em 988, dando início à síntese das culturas Bizantina e Eslava que definiram a cultura Russa.

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A paisagem da Rússia é essencialmente, dominada por planícies e vales em 3/4 do território. As planícies do Leste-Europeu e da OesteSiberiana, divididas pelos montes Urais, são as maiores do planeta. O ponto mais elevado é o monte Elbrus, com uma altitude de 5633 metros, que é também o ponto mais alto da Europa. Devido às sucessivas conquistas de Ivan I, fizeram da Rússia um dos países com maior diversidade racial e étnica do mundo. Segundo o The World Fact Book da CIA e segundo os censos de 2002, a etnicidade da população russa apresentava-se da seguinte maneira: Russos - 79,8%; Tártaros - 3,8%; Ucranianos - 2,0%; Bashkir - 1,2%; Chechenos - 0,9%. Existem muitas outras etnias como lituanos, romenos, bielorrussos.

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Imagem retirada do site “Trilhas e aventuras”


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Contos Tradicionais A ciência manhosa Era uma vez um homem e uma mulher que tinham um filho. O velho era pobre, por isso queria mandar ensinar alguma coisa ao filho, e assim levou-o a várias cidades, para ver se alguém queria servir-lhe de mestre, mas ninguém se prestou a isso de graça. O velho voltou para casa, chorou, chorou em companhia da velha, ralou-se muito com a sua pobreza e levou o filho outra vez à cidade. Mal chegaram à cidade, encontraram um homem que perguntou ao velho: - Porque estás triste, velhinho? - Então não hei-de estar triste? – disse o velho. – Fartei-me de andar com o meu filho, mas ninguém quis ensinar-lhe de graça e não tenho dinheiro! - Pois então dá-mo cá – disse o homem – que eu lhe ensinarei todas as manhãs em três anos. E daqui a três anos, no mesmo dia e à mesma hora, vem buscar o teu filho; mas olha bem: se não vieres atrasado, hás-de conhecer o teu filho e hás-de levá-lo; em caso contrário, ele tem de ficar em minha casa. O velho ficou tão contente que nem perguntou quem era o homem, onde vivia e o que ia ensinar ao rapaz; entregou-lhe o filho e foi para casa. Chegou a casa cheio de alegria e contou tudo à velha; mas o homem era um feiticeiro. Passaram os três anos e o velho esqueceu-se completamente do dia em que tinha entregue o filho ao feiticeiro.

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Mas, na véspera do dia em que acabava o prazo, o filho veio a casa do pai em forma de passarinho, atirou-se ao chão e entrou na cabana transformado num rapaz. Cumprimentou o pai e disse: - Amanhã faz três anos em ponto; é preciso ir buscar-me, mas é preciso também conhecer-me. Eu não sou o único aprendiz em casa do meu patrão; ele tem mais onze operários, que ficaram em casa dele para sempre, porque os pais não puderam conhecê-los; e se vossemecê não me conhecer, também eu fico em casa dele e seremos doze. Quando vossemecê for amanhã buscar-me, o patrão há-de-nos deixar sair todos os doze transformados em pombos brancos exactamente iguais: Mas repare: todos os pombos hão-de voar alto, mas eu ainda hei-de voar mais alto que todos. O patrão há-de perguntar-lhe se conhece o seu filho e vossemecê aponte-lhe o pombo que voar mais alto que todos. Depois ele há-de-lhe mostrar doze cavalos, todos da mesma cor, com as crinas caídas para o mesmo lado e absolutamente iguais. Quando vossemecê passar ao pé dos cavalos, repare bem: hei-de bater no chão com o pé direito. O patrão há-de tornar a perguntar-lhe se conhece o seu filho e vossemecê aponte logo para mim. Depois ele vai mostrar-lhe doze rapazes exactamente iguais: a mesma estatura, os mesmos cabelos, a mesma cara e o mesmo fato. Quando vossemecê passar ao pé desses rapazes, repare bem: uma mosquinha há-de 85

Imagem retirada do blog “Anjos da Noite”


Contos do Mundo

poisar-me na face direita. O patrão torna a perguntar-lhe se conhece o seu filho e vossemecê aponte para mim. O rapaz disse tudo isto ao pai, despediu-se dele, saiu de casa, atirou-se ao chão, fez-se num pássaro e voou para a casa do patrão. Pela manhã, o velho levantou-se e foi buscar o filho. Chega a casa do feiticeiro. - Ora pois – diz-lhe o feiticeiro -, ensinei ao teu filho todas as manhas. Mas, se o não conheceres, tem de ficar em minha companhia para sempre. Depois o feiticeiro deixou sair doze pombos brancos exactamente iguais e disse: - Vê se conheces o teu filho! Como havia ele de conhecê-lo, se eram todos iguais? Olhou, olhou e, assim que um pombo voou mais alto que os outros, apontou para ele e disse: - Parece-me que é aquele! - Conheceste-o, conheceste-o, velhinho – disse o feiticeiro. - Então, velhinho? Conheceste o teu filho? Depois deixou sair doze cavalos, exactamente iguais e com as crinas caídas para o mesmo lado. O velho começou a andar em volta dos cavalos, reparando com muita atenção, e o patrão perguntou-lhe: - Então, velhinho? Conheceste o teu filho? - Ainda não, espere um pouco. E assim que viu um cavalo bater no chão com o pé direito, apontou para ele e disse: - Parece-me que é aquele! - Conheceste-o, conheceste-o, velhinho. Depois saíram doze rapazes: a mesma estatura, os mesmos cabelos, a mesma voz e a mesma cara, como se fossem filhos da mesma mãe. O velho passou uma vez ao pé dos rapazes e não distinguiu nada; passou segunda e nada de novo mas, quando vinha a passar terceira, notou uma mosca na face direita de um dos rapazes e disse:

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- Parece-me que é este! - Conheceste-o, conheceste-o, velhinho – disse o feiticeiro e, como não tinha outro remédio, entregou o rapaz ao velho e ambos foram para casa. Foram andando, andando, e encontraram no caminho um homem. - Paizinho – disse o filho -, vou já tornar-me num cãozinho; o homem há-de comprar-me; venda-me a mim, mas não venda a coleira, senão não volto para a sua companhia! Disse e no mesmo instante atirou-se ao chão e transformou-se num cãozinho. O homem viu que o velho levava um cãozinho e começou a negociar com ele. Não era o cãozinho mas a coleira o que mais lhe agradava. O homem dava por ele cem rublos, mas o velho pediu trezentos; regatearam, regatearam e o homem comprou o cãozinho por duzentos rublos. Quando o velho ia tirar a coleira, isso sim! Nem falar nisso era bom, pois o homem teimava muito. - Eu não vendi a coleira – disse o velho -, só vendi o cãozinho. Mas o homem respondeu: - Nada, você mente! Quem comprou o cãozinho também comprou a coleira. O velho pensou, pensou (pois, com efeito, não se pode comprar um cão sem coleira) e entregou-o com a coleira. O homem pegou no cãozinho e meteu-o no seu carro e o velho recebeu o dinheiro e foi para casa. O homem seguiu no seu carro e de repente viu correr uma lebre. Soltou-lhe o cãozinho, que deixou fugir a lebre, que se safou para a floresta. O homem esperou, esperou e foi-se embora sem o cãozinho. Mas o cão fez-se outra vez em gente. O velho andava pela estrada a pensar: «Como hei-de aparecer em casa? O que hei-de dizer à velha a respeito do filho?» Mas o filho apanhou-o e disse:


Contos do Mundo - Oh, paizinho, porque é que me vendeu com a coleira? Se não fosse uma lebre que encontrámos, eu nunca mais voltaria! Voltaram para casa e foram vivendo. Passado tempo, um belo domingo, o filho disse para o pai: - Paizinho, vou fazer-me num pássaro; leve-me para o mercado e venda-me; mas não venda a gaiola, senão não volto para casa. O rapaz atirou-se ao chão e transformou-se num pássaro; o velho meteu-o numa gaiola e foi vendê-lo ao mercado. Muitos compradores cercaram o velho e à porfia começaram a regatear o pássaro, que lhes agradava muito. Veio também o feiticeiro e logo conheceu o velho e adivinhou quem era o pássaro que estava na gaiola. Um dava muito, outra dava mais, porém o feiticeiro ofereceu mais que ninguém. O velho vendeu-lhe o pássaro, mas não queria dar-lhe a gaiola. Por mais que o feiticeiro instasse, não conseguiu levar a gaiola, mas só o pássaro, que embrulhou num lenço e levou para casa. Quando chegou a casa, disse: - Até que enfim, filha comprei o nosso velhaco! - Onde está ele? O feiticeiro desatou o lenço, mas o pássaro já lá não estava havia muito tempo, tinha voado! Outro domingo, diz o filho: - Paizinho, vou fazer-me num cavalo; mas olhe, venda o cavalo e não me venda o freio, senão não volto para casa. O rapaz atirou-se ao chão, transformou-se num cavalo. O velho foi vendê-lo ao mercado. Os negociantes cercaram o velho: um dava muito, outro dava mais, porém o feiticeiro ofereceu mais que ninguém. O velho vendeu-lhe o filho mas não queria dar-lhe o freio. - Então como hei-de levar o cavalo? – perguntou o feiticeiro. – Deixame ao menos levá-lo até ao pátio; depois, se quiseres, levas o teu freio; não preciso dele! Então todos os negociantes se atiraram ao velho: - Isso não é costume! Se vendeste o cavalo, também vendeste o freio.

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O que havia ele de fazer? Entregou o freio. O feiticeiro levou o cavalo para a estrebaria, prendeu-o a uma argola de tal forma que o animal ficou com as patas suspensas no ar. - Até que enfim, filha – tornou a dizer o feiticeiro. – Comprei o nosso velhaco. - Onde está? - Está na estrebaria. A filha foi ver. Teve pena do rapaz, soltou-lhe o freio, mas o cavalo fugiu. A filha foi ter com o pai e disse: - Paizinho, desculpe-me, por mal dos meus pecados, deixei fugir o cavalo. O feiticeiro atirou-se ao chão, transformou-se num lobo e correu atrás do cavalo. Por pouco não o acompanhou. Mas o cavalo chegou a um rio, atirou-se ao chão e transformou-se num peixe, que se atirou ao rio; o lobo fez-se num lúcio e deitou-se atrás dele. O peixe fugiu pela água fora até chegar a um sítio onde umas belas raparigas estavam a lavar a roupa. Depois fez-se num anel de ouro e rolou para debaixo dos pés da filha do negociante. A filha do negociante apanhou o anel e guardou-o. Mas o feiticeiro fez-se num homem como dantes e, sem largar a rapariga, disse-lhe: - Entrega-me o meu anel de ouro. - Toma – disse a rapariga, e atirou o anel ao chão. Mas o anel bateu no chão e fez-se logo em grão miúdo. O feiticeiro transformou-se num galo e começou a comer; mas um grão transformou-se num abutre e comeu o galo.


Contos do Mundo A mulher que adivinha Era uma vez uma velha aldeã, que tinha um filho ainda pequeno de mais para trabalhar nos campos. Chegaram a ponto de não terem nada que comer; então a velha pôs-se a pensar nos meios de arranjar pão e disse para o filho: - Vai ver se alguém tem cavalos, depois amarra-os a um arbusto e dálhes feno, e em seguida desamarra-os, leva-os para o campo e larga-os. O rapaz fez o que a mãe lhe mandou. Ora a respeito da velha dizia-se que adivinhava. Os donos dos cavalos procuraram-nos por muito tempo, mas não foram capazes de os encontrar, e disseram: - Que havemos de fazer? É preciso ir à busca dum feiticeiro e dar-lhe o que nos pedir, para nos dizer onde estão os cavalos. Então lembraram-se da adivinha e disseram: - E se fôssemos ter com ela e lhe pedíssemos que deitasse cartas, talvez soubesse dizer-nos alguma coisa a respeito dos cavalos. Dito e feito. Foram à casa da velha e disseram: - Tiazinha, disseram-nos que vossemecê sabia deitar cartas; perdemos os nossos cavalos; veja se sabe dizer-nos onde estão. A velha disse-lhes: - Não posso; não tenho forças para isso. Dizem eles: - Veja lá, tiazinha, se nos deita cartas; olhe que não é de graça; havemos de lhe pagar o seu trabalho. Então ela deitou as cartas tossindo, e disse: - Os vossos cavalos estão amarrados a um arbusto em tal parte. Os donos dos cavalos ficaram muito contentes e pagaram à velha; em seguida foram em busca dos cavalos. Quando lá chegaram ao tal arbusto, já não encontraram os cavalos, mas conheceram o sítio onde tinham estado amarrados, por causa de uma corda dum freio que encontraram no arbusto e dum montão de feno que ali tinha ficado. E

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como não achassem os cavalos, resolveram ir outra vez ter com a velha, para ver se adivinhava onde estavam os animais. Quando chegaram à casa da velha, esta estava deitada em cima do forno a lamentar-se e a queixar-se, como se estivesse doente. Puseram a pedir-lhe que tornasse a deitar-lhes cartas. Desta vez, ela também fingiu que não queria, para ver se lhe davam mais dinheiro. Eles prometeram recompensá-la bem, no caso de encontrarem os cavalos. Então a velha desceu do forno queixando-se e tossindo, e tornou a deitar cartas; depois pensou e disse: - Ide procurá-los em tal e tal campo, e haveis de os encontrar. Os donos dos cavalos pagaram-lhe generosamente o trabalho, e foram em busca dos cavalos. Quando chegaram ao tal campo, encontraram realmente os cavalos e levaram-nos para casa. Então espalhou-se uma grande fama acerca da velha; dizia-se que adivinhava tudo. A fama da velha chegou aos ouvidos de um fidalgo, em cuja casa tinha desaparecido um cofre cheio de dinheiro. O fidalgo mandou dois criados com uma carruagem à casa da velha, para a levarem sem falta à casa dele, mesmo que ela estivesse muito doente. Um dos criados chama-se Carneiro e o outro António, e eram eles que tinham roubado o dinheiro ao fidalgo. Chegaram à casa da velha e meteram-na na carruagem quase à força. No caminho, a velha começou a queixar-se e a suspirar, murmurando consigo: - Ai de mim! Se não fosse o dinheiro e o demónio não andava eu de trem e não ia, como adivinha, à casa do fidalgo, para me meter numa camisa de onze varas. Ai, ai, isto está mal! O Carneiro escutou e disse para o António: - Ouves, António? A velha está a murmurar qualquer coisa a nosso respeito. Parece que isto está mal. O António disse-lhe: - Porque é que te assustaste tanto? Talvez penses assim pelo medo que tens. Mas o Carneiro respondeu-lhe:


Contos do Mundo - Escuta tu, olha, lá está ela outra vez a murmurar. Ora como a velha ia aflita e também estava receosa do seu destino, tornou daí a pouco a murmurar: - Ai de mim! Se não fosse o dinheiro e o demónio, não havia nada disto! Puseram-se ambos à escuta, ficaram muito assustados e disseram: É preciso pedir à velha que não diga nada ao patrão, pois ela está sempre a dizer: «Se não fosse o Carneiro e o António, não havia nada disto.» Depois começaram a pedir à velha: - Ó tiazinha! Não queira ser causa da nossa desgraça, que havemos de lhe agradecer. Não ganha em dizer tudo ao patrão, só nos desgraçará. Ora a velha não era tola, e percebeu logo tudo, sentindo-se ao mesmo tempo muito aliviada. Depois perguntou-lhes: - Onde foi que vocês puseram tudo isso? Eles disseram a chorar: - Ó tiazinha! Foi o demónio que nos tentou para cometermos semelhante pecado. A velha tornou a perguntar: - Mas que é feito dele? Eles disseram: - Escondemo-lo no moinho. Depois combinaram como haviam de o entregar, e chegaram à casa do fidalgo. Quando o fidalgo viu a velha ficou muito contente, andou com ela nos braços e deu-lhe de comer e beber do bom e do melhor; quando já estava farta, ele pediu-lhe que deitasse cartas, para ver onde estava o dinheiro, dizendo: - Ó tiazinha! Faça de conta que está em sua casa; ponha-se à vontade, e se descobrir quem me roubou o dinheiro dou-lhe tudo quanto quiser. Então a velha deitou cartas e ficou a olhar para elas por muito tempo, murmurando; finalmente disse:

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- Olhe, o que perdeu está no moinho. Assim que o fidalgo ouviu isto, mandou logo o Carneiro e o António buscar o dinheiro, pois não sabia que eles o tinham roubado. Foram buscar o dinheiro e trouxeram-no ao fidalgo. Quando este viu o seu dinheiro, ficou tão contente que nem sequer o contou, e deu logo à velha cem rublos e mais coisas, prometendo-lhe nunca a abandonar pelo serviço que ela tinha prestado; depois deu-lhe do bom e do melhor e mandou-a de carruagem para casa. No caminho, o Carneiro e o António agradeceram à velha não ter dito nada ao patrão, embora soubesse tudo, e também lhe deram dinheiro. Desde então, a velha ainda ficou mais conhecida, e não lhe faltou nada, pois viveu feliz em companhia do seu filho.

As pérolas roubadas Era uma vez um fidalgo que tinha um lacaio e um cocheiro; o lacaio chamava-se Pança e o cocheiro Costas. Um belo dia, eles roubaram ao patrão umas pérolas, que estavam guardadas num cofre. Quando o fidalgo viu que as pérolas não estavam no cofre chamou os dois homens e disse-lhes: - Confessai a verdade se me roubaste! Eles disseram: - Não, senhor! Nunca! Nem sabemos de nada. O fidalgo disse: - Vede bem o que dizeis, pois vou já chamar a adivinha, e ai de vós se ela disser que fostes vós. O fidalgo mandou chamar a velha e, quando ela chegou, ele disse-lhe: - Bom-dia, tiazinha! Faz favor de me deitar as cartas, pois roubaram-me umas pérolas de muito valor. A velha respondeu:


Contos do Mundo - Está muito bem, patrão, já lá vou; mas antes de tudo, mande-me aquecer água para um banho, pois venho muito suja do caminho e 86 quero lavar-me . Preparam o banho, e a velha começou a fustigar-se com a vassoura e a dizer: - Agora a pança e as costas hão-de apanhar. Mas o lacaio e o cocheiro estavam à janela a escutar o que ela dizia. Diz o cocheiro: - Oh, amigo, ela já sabe tudo. O que vai ser de nós? Mal a velha saiu do banho, eles começaram a pedir-lhe: - Oh, tiazinha! Por amor de Deus, não diga nada ao patrão. Pergunta a velha: - Mas que é feito das pérolas? Ainda estão intactas? Eles disseram: - Estão, sim, tiazinha. A velha disse: - Pois enrolai cada uma das pérolas em miolo de pão e dai-o de comer ao ganso. Dito e feito. A velha foi ter com o fidalgo, que lhe perguntou: - Então, tiazinha, já sabe? A velha disse: - Sei, meu caro. O fidalgo perguntou-lhe: - Mas quem tem a culpa? Diz a velha: - É o ganso que anda no pátio; a sua casa tem as janelas abertas, e assim o ganso entrou e comeu as pérolas. O fidalgo mandou apanhar e matar o ganso. Mataram o ganso e encontraram-lhe as pérolas na moela. O fidalgo agradeceu à velha e

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Depois do banho propriamente dito, usam-se na Rússia banhos de vapor, enchendo-se uma casa especial de vapor muito quente, e fustigando-se o corpo com uma espécie de vassoura feita de ramos de arbustos.

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jantou com ela; mas mandou trazer para o jantar uma gralha assada, para ver se a velha adivinhava o que era. Sentaram-se à mesa. Quando trouxeram a gralha assada, a velha, olhando para os lados, disse a respeito de si própria: 87 - As gralhas voam alto, e às vezes entram em palácios . O fidalgo disse: - Que esperta que ela é; sabe tudo. Depois do jantar, o fidalgo mandou vir a carruagem para levar a velha para casa, e disse a um criado que pusesse ovos na carruagem sem ela saber. O criado assim fez. Como a carruagem parecia um cabaz, diz a velha ao sentar-se: - Lá vai a galinha para o choco. O fidalgo admirou-se de a velha saber tudo, deu-lhe dinheiro e mandou-a para casa.

A galinha milagrosa Em certo reino, viviam um velho e uma velha; eram muito pobres e tinham dois filhos ainda pequenos. Um dia, o velho foi trabalhar para ganhar a vida e apenas ganhou um cruzado. Quando ia para casa, encontrou um homem embriagado que levava uma galinha e lhe disse: - Quer comprar esta galinha? O velho perguntou-lhe quanto queria por ela. O embriagado pediu cinco tostões. O velho ofereceu-lhe o cruzado que tinha e comprou a galinha. Quando chegou a casa, todos tinham fome e não havia em casa nem um bocado de pão. O velho entregou a galinha à mulher, mas esta começou a ralhar com ele, dizendo: - Então endoideceste! Os filhos estão sem pão e tu foste comprar uma galinha; pois ainda é preciso dar de comer à galinha!

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É um ditado russo relativamente a um pobre que de repente se vê rico.


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O velho respondeulhe: - Ora cala-te, que a galinha não come muito e há-de-nos pôr ovos e fazer criação; depois havemos de vender a criação e comprar pão. O velho arranjou um ninho para a galinha e pô-la debaixo do forno. No dia seguinte foi vê-la e encontrou uma pedra preciosa, que a galinha tinha posto. Diz o velho para a mulher: - As galinhas costumam pôr ovos, mas a nossa põe pedrinhas; e agora o que é que vamos fazer dela? A velha respondeu-lhe: - Leva a pedrinha para a cidade, talvez alguém a compre. O velho foi à cidade e andou a mostrar a pedra preciosa. Vários negociantes vieram ter com ele e começaram a regatear a pedrinha até que finalmente a compraram por quinhentos rublos. Daí por diante, o velho começou a negociar com as pedras preciosas que a galinha punha; assim enriqueceu depressa, fez-se um grande negociante, abriu armazéns, empregou caixeiros e começou a viajar por mar, indo a terras estrangeiras negociar. Um dia, antes de partir, disse para a mulher: 88

Imagem retirada do blog “Peregrinacultural’s Weblog”

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- Olha, toma conta na galinha e cuida mais dela do que de ti; e se se perder corto-te a cabeça. Mal o velho partiu, logo a mulher se apaixonou por um caixeiro novo, que lhe perguntou: - Onde é que vocês arranjam pedras preciosas? A mulher respondeu-lhe: - É a nossa galinha que as põe. O caixeiro pegou na galinha e viu-lhe por baixo da asa direita uma inscrição com letras de ouro, que dizia: «Quem comer a cabeça desta galinha há-de ser rei; e quem lhe comer os intestinos há-de cuspir ouro.» O caixeiro pediu à mulher que matasse a galinha e a assasse para o jantar dele. Ela respondeu-lhe: - Nada disso, que o meu marido em voltando mata-me. Mas o caixeiro, sem se importar, continuou a insistir no seu pedido. Ora, no dia seguinte a velha chamou o cozinheiro e mandou-o matar a galinha e assá-la, juntamente com a cabeça e com os intestinos. O cozinheiro matou a galinha, meteu-a no forno e saiu. Entretanto vieram do colégio os filhos da velha, olharam para dentro do forno e quiseram provar o assado; o irmão mais velho comeu a cabeça da galinha e o mais novo comeu os intestinos. À hora do jantar, trouxeram a galinha para a mesa e assim que o caixeiro viu que faltavam os intestinos e a cabeça zangou-se com a velha e foi-se embora. A velha ainda foi atrás dele, pedindo-lhe que se não zangasse, mas ele não queria saber de nada e apenas insistia no seu pedido, dizendo: - Mata os teus filhos, tira-lhe os intestinos e os miolos e arranjamos para a minha ceia, senão nunca mais te falo. A velha deitou os filhos e chamou o cozinheiro, ordenando-lhe que os levasse para a floresta e os matasse, a fim de lhes tirar os intestinos e os miolos e prepará-los para a ceia.


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O cozinheiro levou os rapazes para a floresta, parou e pôs-se a afiar uma faca. Nisto os rapazes acordaram e perguntaram-lhe: - Para que está vossemecê a afiar essa faca? Ele respondeu-lhes: - Porque a vossa mãe me ordenou que vos tirasse os intestinos e os miolos e os preparasse para a ceia. Então os rapazes disseram-lhe: - Oh, querido tiozinho, não nos mate! Se vossemecê tiver dó de nós, dar-lhe-emos tanto ouro quanto quiser. O irmão mais novo cuspiu-lhe um montão de ouro e o cozinheiro restituiu-lhes a liberdade; deixou os rapazes na floresta e voltou para casa. Por sorte dele, a cadela acabava de ter cachorros; ele agarrou em dois cachorros e matou-os; tirou-lhes os intestinos e os miolos, assou-os e serviu-os à ceia. O caixeiro devorou tudo, porém não veio a ser rei, nem príncipe, mas ficou sendo criado. Ora, os rapazes saíram da floresta e foram andando por aí fora, até que chegaram a uma encruzilhada onde havia um poste com a seguinte inscrição: «Quem for pela direita há-de obter um reino e quem seguir pela esquerda há-de passar muito mal; em compensação, há-de casar com 89

Imagem retirada do site “Gartic”

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uma bela princesa.» Os irmãos leram essa inscrição e resolveram seguir cada um para seu lado: o mais velho foi para a direita e o mais novo seguiu para a esquerda. O mais velho foi andando, andando até que chegou à capital de certo reino; as ruas estavam cheias de gente, mas todos de luto. O rapaz pediu pousada a uma velhinha pobre. A velhinha deu-lhe pousada e começaram a conversar. O rapaz perguntou-lhe: - Porque está tanta gente nesta cidade, os quartos são tão caros e todos andam de luto? A velha respondeu-lhe: - Morreu o nosso rei e os fidalgos da corte publicaram um aviso convocando todos e dando a cada um uma vela; o povo vai com essas velas à catedral; as velas devem acender-se por si e quem primeiro tiver essa sorte será rei. No dia seguinte, o rapaz levantou-se, lavou-se, agradeceu à velha a hospedagem e foi à catedral, estava ali tanta gente que nem em três anos se poderia contar; assim que ele pegou numa vela, esta acendeuse imediatamente. Então todos se deitaram a ele e começaram a apagar-lhe a vela, mas esta cada vez ardia mais. Não tiveram outro remédio senão proclamá-lo rei; vestiram-lhe um fato bordado a ouro e levaram-no para o palácio. Ora, o irmão mais novo, que tinha seguido pela esquerda, ouviu que em certo reino havia uma lindíssima princesa, que tinha publicado um aviso, prometendo casar com aquele que lhe sustentasse o exército durante três anos. O rapaz quis tentar fortuna e foi para aquele reino; no caminho foi cuspindo ouro para dentro dum saquinho; finalmente apresentou-se à princesa, prontificando-se a fazer o que ela queria. Deste modo sustentou o exército da princesa durante três anos. Quando era tempo de casar com a princesa, esta, lembrando-se duma manha, perguntou-lhe onde tinha arranjado tanta riqueza. Ele contoulhe tudo. Um dia, a princesa convidou-o e ofereceu-lhe uma bebida que o fez vomitar. Ao vomitar, deitou fora os intestinos da galinha; mas


Contos do Mundo a princesa agarrou nos intestinos e engoliu-os. Daí por diante começou ela a cuspir ouro e o noivo ficou sem coisa alguma. Depois a princesa perguntou aos seus cortesãos e generais: - O que hei-de fazer deste ignorante? Meteu-se-lhe na cabeça casar comigo. Os cortesãos disseram-lhe: - É preciso enforcá-lo. Os generais disseram-lhe: - É preciso fuzilá-lo. Porém, a princesa lembrou-se doutro expediente: mandou fechá-lo na retrete. O rapaz livrou-se a grande custo e foi-se embora, pensando apenas no meio de pagar à princesa aquela partida. Foi andando, andando, até que chegou a uma floresta, onde viu três homens a lutar. Perguntou-lhes porque estavam a lutar. Eles disseramlhe: - Achámos na floresta três coisas e não sabemos reparti-las. O rapaz perguntou-lhes: - Então que achados são esses? Valerá a pena lutarem? Eles disseram-lhe: - Ora se vale! Um dos achados é um barrilzinho; basta dar-lhe uma pancada para logo sair de dentro um regimento de soldados; o segundo achado é um tapete voador em que se pode voar para onde se quer; o terceiro achado é um chicote mágico: basta dar com ele uma pancada a uma rapariga e dizer: «Já que tu és rapariga, agora transforma-te numa égua.» Logo essa rapariga se transforma numa égua. Diz o rapaz: - Esses achados são realmente importantes e é difícil reparti-los; mas eu vou ensinar-lhes uma maneira de os repartir: vou fazer uma seta e lança-la para este lado e os senhores hão-de correr atrás dela; aquele

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que primeiro chegar onde ela cair terá o barrilzinho; o segundo terá o tapete voador e o terceiro há-de ter o chicote mágico. Eles aceitaram a proposta. O rapaz fez a seta e lançou-a para muito longe; os três deitaram a correr a ver quem chegava primeiro ao sítio onde a seta caísse; iam correndo sem olhar para trás; entretanto, o rapaz pegou no barrilzinho e no chicote mágico, sentou-se no tapete voador e voou para onde quis. Depois desceu aos prados da linda princesa e deu uma pancada no barrilzinho: imediatamente saiu de dentro um regimento inteiro. O rapaz montou num cavalo e pôs-se em marcha à frente do seu regimento. Os tambores rufavam, as cornetas tocavam e o regimento avançava. Assim que a princesa viu isso, ficou muito assustada e enviou os seus cortesãos e generais a pedirem paz. O rapaz mandou prender esses enviados, castigando-os cruelmente, e mandou-os para casa, dizendolhes: - Dizei à princesa que venha aqui em pessoa pedir paz. A princesa não teve mais remédio e foi de carruagem ter com o rapaz; ao apear-se da carruagem, conheceu-o e ficou pasmada; mas ele pegou no chicote mágico e, dando-lhe com ele nas costas, disse: - Já que tu és rapariga, agora transforma-te numa égua. A princesa imediatamente se transformou numa égua; ele pôs-lhe um freio numa sela e montou-a e foi para o reino de seu irmão mais velho. No caminho, chegava-lhe as esporas, batendo-lhe com três varas de ferro, e o regimento ia atrás dele. Quando o rapaz chegou ao reino do irmão, tornou a juntar o seu regimento no barrilzinho e foi para a capital. Quando passava pelo palácio do rei, este avistou-o e gostou muito da égua. O rei disse para os seus generais: - Nunca vi na minha vida uma égua tão bonita; ide comprar a égua àquele cavaleiro. O rapaz disse para os generais:


Contos do Mundo - Sempre o vosso rei tem muito boa vista! Já se não pode passear pela vossa cidade com uma mulher nova; se o vosso rei cobiça uma égua, o que fará se for uma mulher!... Depois entrou no palácio e o irmão conheceu-o. Abraçaram-se e beijaram-se. Em seguida, o rei perguntou ao irmão: - Que barrilzinho é esse? O irmão respondeu-lhe: - Trago-o para beber, porque não posso viajar sem água. Mais lhe perguntou o rei: - E que espécie de tapete é esse? O irmão respondeu-lhe: - Senta-te em cima dele e depois verás. Sentaram-se ambos no tapete voador e voaram direito à sua pátria. Quando lá chegaram, alugaram um quarto em casa do pai deles, mas não disseram aos pais quem eram. Um dia, deram uma grande festa e convidaram muita gente, divertindo-se durante três dias; depois começaram a perguntar a uns e a outros se alguém sabia contar uma história bonita. Ninguém sabia. Então, o irmão mais novo disse: - Se ninguém conta, conto eu, mas com a condição de não me interromperem. Quem me interromper três vezes, mando matá-lo sem falta. Todos aceitaram a condição. Então começou ele a contar a história dum velho e duma velha que tinham uma galinha, como a galinha punha pedras preciosas e como a velha se apaixonou por um caixeiro. A dona da casa interrompeu-o dizendo: - Você mente!

Porém, o filho continuou a sua história, contando como tinham matado a galinha; a mãe tornou a interrompê-lo; mas ele contava sempre, dizendo: - Como a velha quisesse matar os filhos…

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Nisto tornou ela a interrompê-lo, exclamando: - Isso não é verdade! É impossível que haja mãe que queira matar os próprios filhos. Mas o filho disse-lhe: - Não é tal! É muito possível, veja se nos conhece, mãezinha, somos seus filhos. Então soube-se tudo. O pai mandou matar a velha e castigar o caixeiro, atando-o às caudas de dois cavalos, que fizeram andar para lados opostos, de sorte que o caixeiro ficou feito em postas. O velho deu as suas propriedades aos pobres e foi viver para o reino do filho mais velho. Quanto ao mais novo, deu uma chicotada na égua com o chicote mágico, dizendo: - Já que tu és égua, transforma-te numa menina. Imediatamente a égua se transformou numa linda princesa; depois fizeram as pazes e casaram. Foram umas bodas muito bonitas. Fui lá e não bebi nada.


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Contos de São Tomé e Príncipe São Tomé e Príncipe É um estado insular localizado no Golfo da Guiné, composto por duas ilhas principais (São Tomé e Príncipe) e várias ilhotas, num total de 964 km², com cerca de 160 mil habitantes. Não tem fronteiras terrestres, mas situa-se relativamente próximo das costas do Gabão, Guiné Equatorial, Camarões e Nigéria. As ilhas de São Tomé e Príncipe estiveram desabitadas até 1470, quando os navegadores portugueses João de Santarém e Pedro Escobar as descobriram. Foi então, uma colónia de Portugal desde o século XV até sua independência em 1975. É um dos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). São Tomé e Príncipe é uma nação constituída por duas ilhas principais e alguns ilhéus menores, e está administrativamente dividida em sete distritos. Em 2004, São Tomé e Príncipe contava com 139.000 habitantes. A Ilha de São Tomé, cuja capital é a cidade de São Tomé, tem uma população estimada em 133.600 habitantes (2004) numa área de 859 km². A Ilha do Príncipe, cuja capital é Santo António - é a ilha menor, com uma área de 142 km² e uma população estimada em 5.400 habitantes (2004). Desde 29 de Abril de 1995 que a ilha do Príncipe constitui uma região autónoma. O ilhéu das Rolas fica a poucos metros a sul da ilha de São Tomé, e apresenta a particularidade de ser atravessado pela linha do Equador.

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Apesar de estar consagrado na Constituição que os distritos devam ser governados por órgãos autárquicos eleitos, até ao momento não se realizaram quaisquer eleições autárquicas em São Tomé e Príncipe. As ilhas de São Tomé e do Príncipe ficam situadas junto à linha do Equador e a cerca de 300 km da costa Ocidental de África. Todo o arquipélago está inserido no rifte da linha vulcânica dos Camarões.


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Lendas O cão que falava O casal Sam Fali e Sum Flé Flé viviam num povoado distante no meio da floresta. Um dia, Sum Flé Flé foi caçar levando consigo o cãozinho Loló. Ao voltar para casa o pobre homem parava a todo o momento para descansar, pois a sua carga era muito pesada. Numa dessas paragens, o cãozinho Loló ofereceu-se para levar a carga no seu lugar, contanto que ele não revelasse à sua mulher que ele era capaz de desempenhar essa actividade e nem que era capaz de falar. Sum Fle Flé aceitou, prometendo nada revelar à Sam Fali. Porém, a mulher desconfiou que algo tinha ocorrido e começou a perguntar ao marido quem tinha carregado a carga. Durante algum tempo o homem conseguiu guardar segredo, mas, ao ser ameaçado de abandono pela mulher, acabou por contar a verdade. Ao ver que tinha sido traído por seu amo, Loló gemeu muitas vezes e, desde esse dia, nunca mais nenhum cão falou.

Canta Galo Diz a lenda que, já lá vão muitos e muitos anos, outrora S. Tomé era o refúgio de todos os galos do mundo. Viam-se galos por todas as partes da Ilha. Era ensurdecedor o cocorococó dos galos. A Ilha parecia estar sempre em festa por causa da algazarra e do cantar dos galos, quase em todos os momentos e por todos os cantos. A alegria era infernal. Mas os galos monopolizavam a Ilha, esquecendo-se de que não eram os únicos habitantes. Havia pessoas que estavam contentes com os galos, por causa da sua alegria contagiosa. Portanto, achavam adequado e apoiavam o barulho feito pelas aves. Outros estavam indiferentes com a algazarra.

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Existia, no entanto, um terceiro grupo, o mais numeroso, que achava impróprio o barulho feito pelos galos, encontrando-se, portanto, zangados com os galináceos. Não podendo aguentar por mais tempo tanto barulho, o terceiro grupo mandou, através de um mensageiro, o seguinte aviso: «Aconselhamos-vos a emigrarem e a fixarem-se num local muito afastado de nós. Caso contrário, haverá guerra entre os nossos grupos no período de quarenta e oito horas. O vencedor ficará no terreno.» Os galos, como eram muito educados e delicados, optaram pela primeira hipótese, convocando imediatamente uma reunião cujo tema era a escolha do rei para chefiar a expedição que se iria processar imediatamente. A escolha recaía sobre um galo preto, muito grande. Depois dos preparativos, a emigração começou. Deram voltas e mais voltas às ilhas e ilhéus, procurando incansavelmente um sítio bom, que reunisse todas as condições para ter uma vida alegre. Depois de muito andarem e muito procurarem, passado um ano, encontraram o lugar ideal, que parecia criado de propósito para os galos, fixando-se então aí. Desde esse tempo, jamais se ouviu os galos cantarem desordenadamente de norte a sul, de este a oeste, mas sim num lugar determinado e a horas certas. Então, os habitantes das ilhas designaram esse lugar por Canta Galo. Nota do autor: nos nossos dias, esse local ainda existe e surgiu um distrito com a mesma designação.


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A Grande Escolha Lôginda crescia. Lôginda crescia e lavava a sua roupa interior na Vadgi 90 Nglandge. Dançava socopé no Fundão, lançava sonoras gargalhadas para toda a gente. 91 A mãe, a avó e o pai amofinavam-se. Lôginda já flimou mas não aceitava ninguém. Fazia troça de todos os rapazes da vizinhança. - Lôginda! Lôginda! Sum Stlacá é rapaz bonito e sabe fazer sapatos. - Para que é que eu quero sapatos? Sapatos dão calos nos pés. - Lôginda! Lôginda! Olha mesa bonita que Mé Dgingo fez para ti. - Eu gosto mais de comer no quintal em cima da pedra. Carpinteiro não dá fortuna. - Lôginda! Lôginda! Mé Nóvu trouxe peixe p`ra gente. É bom pescador. - Pescador morre no mar. Não quero criar filho sem pai. - Lôginda, olha que tu morres sem filho para te enterrar. 92 - Solteira é que eu não morro. Mamã não quebra cabeça por minha causa… Lôginda está a brincar Lôginda está a folgar O tempo vai passando… Lôginda acorda-te Que a gravana está chegando

As moças do lugar cantavam à porta da Lôginda; mas ela, rindo, agarrava na bandeja e ia à feira vender limões, cantarolando:

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Vadgi Nglandge: nome atribuído a um vale situado algures em S. Tomé, por onde passa um riacho. 91 Flimar: atingir a idade adulta. De uma maneira geral, diz-se que uma moça já flimou quando a mesma atinge os 18 anos de idade. 92 Mamã não quebra cabeça: mãe, não se preocupe…

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Compra limão Compra limão, freguesa Lôginda quer dinheiro Para fazer enxoval. - Lôginda, não te maces. Eu ajudo-te – dizia um janota da cidade, atirando um madrigal. Lôginda ria, arrumava a bandeja e ia à venda mais próxima comprar o último lenço da moda. Um dia, quando todos menos esperavam, Lôginda casou-se. As moças do luchan ficaram admiradas e satisfeitas. - Até que enfim! Até que enfim! O marido da Lôginda nunca parava em casa. Ia à caça todos os dias. - Simão, tu nunca paras em casa? Ia à caça todos os dias. A roupa da caça vinha sempre rasgada mas… nem sécia, nem curucucu, nem rola o Simão trazia de caça. Apenas roupa rasgada. Um dia, os criados resolveram ir espreitar o patrão. O que viram nesse dia deixou-os espantados. Na larga varanda da casa, Lôginda deu um almoço para mostrar às amigas que afinal não morreria solteira. Os criados arranjaram uma corda comprida, prenderam-na de uma ponta à outra da varanda e colocaram em fila muita banana madura em grandes e apetitosos cachos. 93 Em cima da mesa havia izaquente, calúlú, lôçô dóchi, djógò , enfim, muita coisa boa. Toda a gente comia satisfeita e ria. 93

Izaquente, calúlú, lôçô dóchi (doce de milho), djógò: pratos típicos de S.

Tomé.


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Só Simão estava mal-disposto nesse dia. Andava de um lado para o outro, com as mãos atrás das costas, coçando a cabeça. Os criados, escondidos atrás da varanda, riam e aguardavam… De repente, de um salto, rugindo, Simão pendurou-se no corrimão da varanda e começou a engolir sofregamente as bananas, e um comprido rabo de macaco saiu pelo fundilho das calças. Toda a gente, atordoada, começou a cantar: Tanto escolheu que casou com um macaco…

Nota: Esta lenda está inserida num velho ditado santomense que diz: «Bô côiê côiê, antê casá cu macaco» (escolheste tanto, até que acabaste por casar com macaco). Baseia-se num facto real existente em S. Tomé, em que uma moça, por mais pobre que fosse, só aceitava namoro a um jovem que fosse funcionário público que trabalhasse numa repartição. Isto porque ainda que tivesse vencimento baixíssimo, ele apresenta-se bem, isto é, com roupa sempre limpa, visto que o sector onde trabalhava não permitia que ele se apresentasse sujo. Porque é um homem fino e, como tal, tem dinheiro. «Pode-se apresentar com ele em qualquer lado.» Os outros, como, por exemplo, um sapateiro, um funileiro, um camponês, etc., nunca são aceites, geralmente, ainda que tenham mais dinheiro que os ditos funcionários. Era próprio da época, portanto, do sistema colonial, em que só «os funcionários» eram considerados «gente de bem».

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Contos Tradicionais 94 O Rei e o Gigante Imagem Era uma vez um rei que tinha uma filha, a princesa, que vivia no 12º andar, num apartamento de vidro. O rei começara a adoecer e à medida que ficava cada vez mais doente, ia ficando cego. Como não havia meio de ele se sentir melhor, apesar de vários tratamentos, decidiu mandar chamar um gigante que vivia numa floresta existente naquela terra. O gigante tinha uma torneira que deitava apenas uma gota de água por ano. Com uma só gota daquela água o gigante conseguiu curar o rei e este passou a ver melhor do que via antes de ter ficado cego. Muito satisfeito, ofereceu ao gigante uma casa cheia de moedas de ouro, oferta que foi recusada.

Prometeu-lhe metade do seu palácio, o que também o gigante não aceitou. Então o rei perguntou-lhe o que queria. A resposta foi que queria a princesa que vivia no apartamento de vidro. O rei pensou, pensou… e disse-lhe que aguardasse um pouco. O referido rei tinha três filhos: um morava em Santo Amaro; outro, em Guadalupe; o último, em Neves. Assim, ele não tinha na altura ninguém a quem pedir conselhos. 94

Imagem de autoria Ana Filipa Vidó – aluna da Escola Profissional de Moura, de nacionalidade portuguesa


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O gigante esperou tanto que ficou aborrecido. Entretanto voltou dias mais tarde. Discutiram, discutiram e, como a palavra do rei é sagrada, o gigante pegou na princesa, meteu-a num saco e saiu. Eles andaram, andaram… e quando a princesa verificou que estava perto da casa do seu irmão Mé Pó, pôs-se a cantar: Mano Mé Pó Mano Mé Pó Aquele senhor Que foi ao palácio Curar o papá… O papá deu-lhe uma casa Cheia de moedas Ele não quis Deu-lhe metade do palácio Também não aceitou A não ser eu Princesa da casa de vidro Ao ouvir isto, o gigante pergunta-lhe: - Por que estás a cantar, menina? Ela responde: - Estou cantando para arrefecer o tempo. Para mais depressa chegarmos a casa. Mé Pó, ao ouvir a canção, disse à mulher que ia até à estrada, pois estava ouvindo uma voz muito parecida com a da irmã, que vivia no palácio, numa casa de vidro. A mulher disse-lhe que era mentira e que devia ser uma das suas amantes que estava a chamá-lo.

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Sendo Mé Pó um homem que ouve sempre o que diz a mulher, deixouse estar. O gigante e a moça deixaram Santo Amaro e continuaram a viagem. Quando ela se apercebeu de que estava perto da casa do irmão Mé Poçon, em Guadalupe, começou a cantar de novo, contando-lhe o que se passara. Mé Poçon ouviu a canção, chamou a esposa e disse-lhe que ia à estrada, porque ouvira uma voz parecida com a da irmã que vivia no palácio, numa casa de vidro. Ela disse-lhe que não, pois devia ser uma das suas amantes que o chamava. Como Mé Poçon, tal como o irmão, ouve sempre o que a esposa diz, acabou por não sair mais. A viagem continuou e a princesa, pouco tempo depois, verificou que estava perto da casa do irmão Kilambu e começou novamente a cantar, contando-lhe tudo. Desta vez a esposa é que ouviu a voz; chamou Kilambu e disse-lhe que estava a ouvir uma voz muito semelhante à da irmã. O marido dirigiu-se à estrada e viu que o gigante levava a sua irmã dentro de um saco. - Ó senhor, onde é que vai com este sol tão abrasador? – pergunta-lhe o Kilambu. - Hum! Hum! Hum!... – gemeu o gigante, acrescentando: - Vou andando por aí porque vou buscar lenha para acender o lume, depois vou levar o tacho porque tenho uma grande festa. - Não – retorquiu Kilambu. – Vamos a casa descansar até o tempo arrefecer. - Tens o comer de que eu gosto? – perguntou-lhe o gigante. - Tenho, sim senhor – respondeu. - Tens uma casa onde eu possa dormir? - Sim, tenho. - Tens água em quantidade que eu possa beber?


Contos do Mundo - Tenho, sim senhor. - Então, vamos. Kilambu conduziu o gigante até sua casa. Pediu à esposa que fosse buscar lenha. Pegou no maior tacho que tinha e pô-lo na rua. Acendeu o lume, pôs o tacho e preparou o comer. Depois de tudo pronto, o homem comeu e encheu o estômago de tal ordem que já nem podia andar. Anoiteceu e disse ao Kilambu que queria dormir. Este arranjoulhe um quarto onde podia dormir à vontade. O gigante disse-lhe: - Quando eu tiver os olhos bem abertos, e as centopeias, gitas, suássuás, lagartixas, enfim, todos estes bichos, comecem a sair, então estou a dormir. Quando tu me vires com os olhos fechados, estou a dormir. Ouviste? - Sim, senhor – respondeu Kilambu. O gigante deitou-se e fez do saco, em que estava a princesa, almofada. Kilambu também esteve ali todo atento, esperando que o homem adormecesse. Quando viu sair os tais bichos, Kilambu pediu à esposa que lhe fosse buscar um dos maiores sacos que tinha em casa. Entretanto, foi ao curral e tirou de lá um grande bode. Meteu-o no aludido saco, amarrou-o bem, e, com jeito, levantou a cabeça do gigante, tirou a irmã e em troca pôs o saco em que estava o referido animal. Depois de tudo isso, pediu à mulher e à irmã que tirassem tudo de casa e levassem para bem longe e ficassem lá à espera dele. Feito isto, espalhou gasolina em toda a casa, lançou fogo à mesma e saiu a correr. Quando a casa começou a arder, o gigante, ao ser queimado, deu uma explosão tão grande que o palácio do rei estremeceu. O rei, ao ouvir o estrondo, ficou logo desconfiado de que fosse o gigante que havia sido morto e disse à rainha que talvez fosse o Kilambu. Entretanto, Kilambu, a mulher e a irmã dirigiram-se ao palácio do pai.

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Chegando ali, aquele pôs o pai ao corrente do que se passara. O rei, abanando a cabeça, mandou chamar os outros filhos para com eles fazer uma reunião. Os mesmos apareceram passado algum tempo, e o rei perguntou-lhe se não tinham ouvido o grito da irmã quando era conduzida pelo gigante. Disseram-lhe que sim, mas que não saíram de casa porque as respectivas esposas disseram-lhes que eram talvez as suas amantes… Então, fez de novo a mesma pergunta ao Kilambu, perante os irmãos. Este disse-lhe que foi a sua mulher quem o tinha chamado, quando ouviu a voz. Por isso saiu logo à estrada onde o viu levar a irmã. Finalmente, dirigindo-se aos dois primeiros filhos, e o rei disse: - Vocês irão viver para a terra em que haja água mas sem comida. A minha casa há-de tornar-se um veneno para vocês. Voltou-se para o Kilambu e disse-lhe: - Tu, Kilambu, irás ocupar a metade do meu palácio, mais a tua mulher, onde viverão em paz.

Munquém e a Rola 95 O Munquém combinou com a Rola para fazerem banquete. - Nós vamos matar a nossa mãe para a gente comer – disse o Munquém à Rola, que era sua comadre e bastante amiga. Aquela aceitou, muito perturbada, e pensou na maneira de não cumprir a proposta da amiga e salvar a mãe. Quando chegou a casa, contou à mãe o sucedido e explicou-lhe o que pensava fazer. - A mãe vai ao local combinado, começa a comer e, se a armadilha a prender, não se preocupe. Tenha calma – disse a Rola à sua progenitora.

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Munquém: ave colombiana muito parecida com a rola.


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Chegou o dia aprazado para o festim. 96 Então, o Munquém encarregou a mãe de ir ao pé de Bôbô-bôbo arranjar comida. Mas a Rola, que tinha tudo combinado, disse à mãe que seria ela a primeira a poisar em cima do Bôbô-bôbô, e a primeira a descer no chão. Só então desceria a mãe. Nisto dirigiu-se à mãe do Munquém, que, no chão, já estava debicando incessantemente e de forma inocente, para lhe avisar que a sua já tinha chegado e estava em cima do poleiro. A Rola disse ao Munquém que era melhor esconderem-se. A mãe da Rola desce ao chão e começa a comer juntamente com a companheira. Passado algum tempo, estavam ao pé da armadilha. Continuaram a comer, até que se aproximaram da referida armadilha, 97 onde ficaram presas em virtude de o Munquém ter fechado o flé . No entanto, começaram a pensar qual das duas seria devorada em primeiro lugar. A mãe do Munquém foi a primeira, porque tinha sido ele a fazer o convite. - Eu vou buscar a tua mãe – disse a Rola. E assim foi. Mataram-na e comeram-na. Quando chegou a vez da mãe da Rola, surge uma grande discussão. Ela não queria que fosse o Munquém a tirar a mãe da armadilha, pois só ela sabia a artimanha que havia de empregar. Discutiram tanto até que a Rola acabou por voar, tendo chegado primeiro ao local da armadilha. Mete a ponta de uma asa debaixo do flé, deixando assim um espaço entreaberto.

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Bôbô-bôbô: fruto cujas sementes são muito apreciadas pelas colombianas, principalmente as rolas. 97 Flé: armadilha feita com ramas de palmeira, destinada a pegar algumas aves, principalmente os munquéns.

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A pobre mãe, ao ver uma esperança da liberdade, sai e voa para uma árvore. A Rola acompanha a mãe. Do alto do poleiro, diz para o Munquém: - A tua mãe foi comida mas a minha não. O Munquém, cheio de remorsos, voa para cima da armadilha, pondose a lamentar, chorando: - Mé mu, pé mu, pé mu… A Rola trocista, responde: - Mé mu, pé mu… vé, qué-té qué-té… Nota de autor: Esta história pretende explicar o significado do cantar das duas aves.


Contos do Mundo

Agradecimentos Agradecemos a todas as pessoas que colaboraram directa ou indirectamente na recolha de contos, lendas, provérbios e mitos, que foram fundamentais para a concepção desta pequena brochura. Desta forma, agradecemos às alunas da Universidade Sénior de Moura, todas de nacionalidade Portuguesa, especialmente a D. Maria Faria Carrasco, D. Misica, D. Mariazinha Camacho, D. Mariana Caeiro, D. Antónia Santos, D. Evangelina Lopes, D. Maria do Céu Campaniço, D. Diamantina Gorjão. Aos alunos da Escola Profissional de Moura, Nelson Júnior, de nacionalidade Brasileira; Sandra Riscador, José Santana, Ana Filipa Vidó, Miguel Ramos, de nacionalidade Portuguesa; Florentino Neto, de nacionalidade São-Tomense; Idiana Cumba, de nacionalidade Guineense; Djenira Correia, de nacionalidade Cabo-verdiana. Agradecemos também a Florentina Fartadi, de nacionalidade Romena; António Ferreira, de nacionalidade Portuguesa.

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Bibliografia      

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Arquivos de Serpa - Edição Câmara Municipal de Serpa A Etnografia e o Folclore no Baixo Alentejo, de Manuel Joaquim Delgado Lendas e Narrativas de Santo Aleixo da Restauração – Elisa Nunes Machado Contos populares moçambicanos, de Eduardo Medeiros, 1997 "Eu conto, tu contas, ele conta... Estórias africanas", de Aldónio Gomes, 1999 “Contos Tradicionais Santomenses”, Edição da Direcção Nacional da Cultura, República de São Tomé e Príncipe, Editorial Caminho, 1984 “Contos Populares Russos”, colecção Outras Obras, Veja, 1.ª Edição, 1996. “Lendas Portuguesas”, Amigos do Livro, Editores, Lds.

Sites Consultados http://tatianflor.vila.bol.com.br/tatiana.html http://www.terravista.pt/Bilene/4619/Conto10.html


Contos do Mundo

Equipa Técnica Ana Luísa Dimas Dina Valente Jaime Salvadinho Marisa Rico Susana Carvalho Coordenação Antónia Vilar Baião

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