OS PROTESTOS SOCIAIS DE JUNHO DE 2013 NO BRASIL E SEUS DESDOBRAMENTOS NO ATUAL QUADRO POLÍTICO NACIONAL
LUIZ FERNANDO DA SILVA E GISELE C. COSTA
Lamericas.org Abril de 2014
OS PROTESTOS SOCIAIS DE JUNHO DE 2013 NO BRASIL E SEUS DESDOBRAMENTOS NO ATUAL QUADRO POLÍTICO NACIONAL
Luiz Fernando da Silva1 Gisele C. Costa2
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Graduado em História. Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Pós-Doutorado em Sociologia pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Docente de Sociologia, Sociologia da Arte e Cultura Brasileira na Unesp. Coordenador do Grupo de Pesquisa América Latina e Marx: Movimentos Sociais, Partidos, Estado e Cultura – Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Editor do Portal Lamericas (www.lamericas.org). E-mail: lf-silva@faac.unesp.br 2 Graduada em Pedagogia – Universidade Estadual Paulista (Unesp). Mestranda em Educação pelo Programa de Integração da América Latina – Universidade de São Paulo (Prolam-USP). Integrante do grupo de pesquisa América Latina e Marx: Movimentos Sociais, Partidos, Estado e Cultura – Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Pesquisadora da Rede de Estudos LatinoAmericanos de Trabalho Docente (Red Estrado). E-mail: giseleccosta@usp.br
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Introdução
As jornadas de protestos sociais iniciadas em junho de 2013 abriram um novo cenário político no Brasil. Desde então, inúmeros movimentos sociais intensificaram suas reivindicações em torno de direitos sociais e políticos: saúde, educação, transportes e contra a repressão policial às manifestações e às populações pobres. Além disso, cresceram as manifestações que questionam os recursos públicos destinados à construção de infra estrutura para a Copa do Mundo de Futebol, em realização no país em meados de 2014. Em período de eleições gerais no país, situadas em outubro, o governo federal e governos estaduais, por sua vez, articularam-se em postura mais truculenta, militar e judicialmente, contra os protestos populares, com o objetivo de conter tais manifestações. Os protestos de junho emergiram inicialmente em torno de uma reivindicação pontual: redução do valor tarifário dos transportes coletivos (ônibus municipais, metrô e trens urbanos). Depois do dia 13 daquele mês, data na qual a repressão policial foi extremamente truculenta contra os manifestantes, outras reivindicações evidenciaram-se nas mobilizações sobre problemas sociais que afligem a maioria da população em seu cotidiano, decorrentes da precarização e mercantilização dos serviços públicos, em torno da saúde e educação pública. A composição social das massas que tomaram as ruas de diversas capitais e cidades brasileiras foi constituída inicialmente por jovens estudantes de classe média baixa, mas em seguida teve aderência de jovens trabalhadores ligados ao ramo de telemarketing, serviços de escritórios, estudantes secundaristas de escolas públicas, etc. Esses setores juvenis trouxeram consigo um forte questionamento às políticas públicas aplicadas por governos tradicionalmente liberais (PSDB e DEM), bem como pelo governo federal (PT/PMDB). Dentro do tema em questão, este texto analisa quatro premissas que, ao nosso entender, decorrem das manifestações de junho. Primeiro. O quadro político hegemonizado nos últimos dez anos por governos nacionais petistas foi alterado por um novo cenário político que se abriu com os protestos de junho. Segundo. Ainda não é possível vislumbrar inteiramente o que está em curso
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nesse processo, mas é possível considerar sua continuidade nos meses que se seguiram a junho e que se prolongam nos meses iniciais de 2014. Terceiro. O novo cenário político, embora tenha paralisado por alguns dias o governo federal, foi respondido com a retomada de iniciativas políticas governamentais em duas dimensões: por um lado, o governo rearticulou sua imagem diante da opinião pública, em especial junto a sua base social e eleitoral; por outro lado, intensificou as ações repressivas estatais contra as manifestações públicas. Quarto. O bloco de poder dominante no Estado brasileiro, constituído por setores monopolistas do capital nacional e internacional, manteve-se intacto até o momento, conferindo apoio político ao governo federal e sendo atendido em seus distintos interesses de frações burguesas, na manutenção da política econômica. O presente artigo é um recorte parcial de pesquisa acadêmica em curso e visa especialmente apresentar a historicidade mais imediata na qual se desenrolaram as jornadas de junho de 2013. Como base teórica geral, orientase por uma perspectiva de totalidade em movimento decorrente de contradições e antagonismos entre distintos interesses de classes sociais, mediadas pelo Estado capitalista, que se expressam em grupos sociais e políticos na cena política. As informações coletadas e analisadas baseiam-se em material de jornais da mídia hegemônica, sites dos movimentos sociais e documentos das instituições governamentais, como também por acompanhamento in locus das manifestações em curso, especialmente na cidade de São Paulo.
As lutas sociais no Brasil e o contexto internacional
Os protestos de junho no Brasil são parte do contexto mundial caracterizado pela crise capitalista internacional iniciada em meados de 2007 e que se desdobra nos quatro continentes com mobilizações, levantes e revoluções dos setores populares contra as mazelas sociais expressas, sobretudo, na precarização dos serviços públicos e crescimento do desemprego. É nesse marco que compreendemos as gigantescas mobilizações grevistas na Grécia, na Espanha, em Portugal e na Coréia do Sul, bem como a guerra civil na Líbia e na Síria, e os processos revolucionários ocorridos na Tunísia, no Egito, 3
na Ucrânia, na Turquia, na Tailândia e mais recentemente na BósniaHerzegovina. A composição social dessas manifestações trazem como característica a participação de grande contingente de jovens. As formas de mobilização e lutas tradicionais dos trabalhadores, dirigidas por organizações sindicais e partidos políticos, tiveram relevância em diversos países, como as greves gerais na Grécia, Espanha e Portugal. Ao lado dessas formas de luta, no entanto, também se
desenvolveram
nos
últimos
anos
novas
formas
de
mobilização,
especialmente em torno de ocupação de praças e prédios públicos. Característica de tais mobilizações são as ideologias e concepções organizativas e políticas baseadas na horizontalidade e autogestão, e tendo como sistema de comunicação as redes sociais, como Facebook e outras 3. Os acontecimentos brasileiros também se aproximam, embora com acentuadas diferenças, das lutas sociais em curso em países sul-americanos, como no caso argentino, venezuelano e chileno. Com a crise capitalista internacional emergente em 2007, o quadro econômico nesses países passou a se alterar, embora não com efeitos imediatos. Ocorreu queda das exportações, déficit na balança comercial, e crescente dívida pública, em razão da diminuição de importações para a Europa, EUA e principalmente China. A manutenção de dívidas públicas crescentes e submissão às condições financeiras internacionais criaram novas armadilhas em termos de políticas econômicas para vários países sul-americanos. Em razão desse quadro tende a reduzir-se a margem de manobras desses governos, por um lado, entre os prioritários interesses econômicos e sociais das frações burguesas e, por outro lado, os setores populares para manter sua base social e eleitoral: diminuição de políticas de subsídios; ataques a
direitos
trabalhistas; concessão para setores transnacionais de áreas estratégicas em recursos naturais e ampliação das áreas agricultáveis para os setores de agronegócio, em contraposição aos interesses de camponeses, populações indígenas e quilombolas.
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Manuel Castells, Redes de indignação e esperança, Rio de Janeiro, Zahar, 2013.
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O governo brasileiro e o bloco de poder hegemônico no Estado
Os dois mandatos do Governo Lula, entre 2003 e 2010, e a sua continuidade com a eleição presidencial de Dilma Rousseff, em 2010, aparentavam até junho de 2013 um suposto êxito do projeto político petista baseado em aliados burgueses e setores populares. Esse projeto de governo conseguira equilibrar-se durante uma década em meio às profundas contradições e antagonismos sociais estruturais que persistem no país, no entanto, sem gerar amplas mobilizações e lutas sociais. O mais significativo nesse contexto dos últimos dez anos (2003-2013) foi neutralizar e isolar os principais setores da oposição liberal burguesa (PSDB e DEM) e, por outro lado, neutralizar a oposição de esquerda (PSTU, PSOL, PCB e setores sindicais combativos, como a CSP-Conlutas). Por outro lado, tal projeto manteve soldada a si como base social e política de apoio a maioria dos movimentos sociais (urbanos e rurais), tais como MST, UNE, CUT e outras. Tal quadro teve como diretriz a naturalização da ideologia do aliancismo político entre classes sociais antagônicas: por um lado, envolvendo setores políticos com referência na classe trabalhadora, ao exemplo do PT e PCdoB, e dos inúmeros movimentos sociais urbanos e rurais; por outro lado, distintas representações sindicais e políticas das frações burguesas, inclusive do capital internacional. Esse fenômeno político, existente em vários momentos da história política internacional, chamamos de frente popular. O bloco de poder no Estado brasileiro manteve-se ligado aos interesses econômicos e políticos de setores monopolistas: por um lado, “uma burguesia interna”, tais como os setores do agronegócio e recursos naturais (commodities), construtoras e setores industriais; por outro lado, o capital financeiro internacional e capital transnacional. As políticas governamentais definidas para essas frações do Capital permitem-nos verificar a centralidade de seus interesses no Estado brasileiro.
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A fração do capital predominante nesse bloco de poder é o setor de bancos, com grande acumulação de mais valia. Esse setor é líder em lucratividade na economia, em decorrência das elevadas “taxas de serviço”, manejo da dívida pública e juros cobrados nos empréstimos, inclusive nos créditos populares. No período da crise mundial, por sua vez, os ramos da indústria e serviços foram agraciados pelo governo com isenções tributárias, redução de tarifas de energia elétrica e desoneração previdenciária. Por outro lado, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) realizou empréstimos e aportes nos grandes empreendimentos do setor de commodities e construtoras. Entre 2004 e 2012, foram desnacionalizadas 1.296 empresas brasileiras. De acordo com Leher (2013), as remessas de lucros passaram de US$ 25,198 bi (2004) para US$ 85,271 bi (2011). Ou seja, um aumento de 238,4%. No mesmo período, as importações passaram de US$ 62,835 bi para US$ 226,233 bi. Esse quadro significa nitidamente que as filiais das transnacionais realizam importação de bens intermediários (componentes para montagem) de suas matrizes. A ofensiva da burguesia do agronegócio, por sua vez, deixa nítida a posição do governo com relação ao secular problema agrário no país. Ocorre um processo de reversão do pouco que havia avançado a reforma agrária, como a mudança na legislação que permite comercializar terras disponibilizadas para a reforma agrária. Desta maneira, as terras da União sob controle dos assentados podem ser vendidas para grandes propriedades. Essa orientação encontra-se dentro da necessidade do agronegócio de expandir suas fronteiras. Dentro da mesma lógica de interesses, nos últimos dez anos as prioridades centrais no Orçamento Geral da União concentraram seus recursos no pagamento da dívida pública. Nada diferente do que ocorreu no envio para o Congresso Nacional da proposta de Orçamento Geral da União de 2014. Manteve-se dentro da lógica existente até então com a marca de 42,42% desse orçamento para pagamento da amortização e juros da dívida pública. Restaram para as áreas de Saúde 3,91%, Educação 3,44%, Transportes 1,03%, Habitação 0,02%.
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Por desespero em ampliar a entrada de divisas externas para pagamento dos juros e amortização da dívida pública, o governo em realizou em setembro de 2013 o leilão do Campo de Libra, considerada a maior bacia petrolífera marítima mundial. Isso ocorreu em meio a várias manifestações políticas contra tal leilão, ao exemplo de uma greve geral dos trabalhadores petroleiros, 27 processos judiciais embargatórios contra o leilão, e denúncias de inúmeros especialistas na área. Após a realização do evento, a presidenta Dilma Rousseff realizou discurso em cadeia nacional de rádio e televisão apresentando o leilão como uma necessidade social, uma vez que permitiria, segundo ela, que parte dos lucros do empreendimento fosse transferida para a área de educação e saúde.
A temporalidade das jornadas de junho
Muitas lutas sociais, na última década, desenvolveram-se no Brasil revelando em suas reivindicações específicas a distância entre os discursos da frente popular e a realidade social concreta dos trabalhadores e da população. O crescente número de greves no país, sobretudo depois do ano de 2010, pode ser compreendido em decorrência do arrocho salarial e do crescente endividamento dos trabalhadores com linhas de créditos oferecidas pelos bancos.4
Tal cenário soma-se à insatisfação popular urbana contra a
precariedade dos serviços públicos e aos diversos movimentos contra a opressão racial, de orientação sexual, de gênero, como também às mobilizações rurais em torno da manutenção da terra de populações camponesas e originárias, ao exemplo das mobilizações contra a construção da usina de Belo
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos – Dieese, entre o ano de 2008 e 2012 o número de greve no Brasil saltou de 441 para 873. Um crescimento de 50% em quatro anos. 4
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Monte5, o movimento “Somos todos Guarani Kaiowá” 6, e as lutas da população quilombola. Essas lutas sociais, urbanas e rurais, formaram um mosaico de lutas que não determinaram diretamente as manifestações de junho, mas que foram mediadoras importantes entre a insatisfação popular e os levantes de massas de 2013. No entanto, tais mobilizações não tiveram um caráter nacional, pois estavam fragmentadas, pouco divulgadas e sem visibilidade midiática. As jornadas de junho acompanham as lutas e movimentos sociais existentes anteriormente no país, mas também apresentam diferenças. Entre as quais encontra-se a composição social, vinculada principalmente à juventude (estudantil e trabalhadora), as suas formas de direção, organização, comunicação e, inclusive, enfrentamento contra a repressão policial. De caráter urbano, além disso, possibilitaram modificar um clima político de relativa “apatia” que parecia existir nos movimentos sociais. O estopim inicial das jornadas de junho foi o Movimento Passe Livre (MPL)7, que desde janeiro de 2013 realizara mobilizações para impedir o reajuste das passagens em diversos cidades. Mobilizações acorreram em março em Porto Alegre (dia 27) e Manaus (dia 30)8; em maio surgiu em Goiânia. Na cidade de São Paulo, o MPL realizou as seguintes ações contra o reajuste: debate na Câmara Municipal, vigília na Prefeitura e panfletagens 9 em regiões periféricas. 5
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte é uma central hidrelétrica que está sendo construída no Rio Xingu, no estado brasileiro do Pará, nas proximidades da cidade de Altamira. Diversos movimentos sociais, acadêmicos e ambientalistas, denunciam que a obra irá provocar a alteração do regime de escoamento do rio, com redução do fluxo de água, afetando a flora e fauna locais e introduzindo diversos impactos socioeconômicos. 6 Em outubro de 2012, a Justiça Federal Brasileira expediu liminar cujo objetivo era expulsar o povo originário Kaiowá das margens do Rio Hovy, no Estado do Mato Grosso. Em resposta, diversos movimentos sociais saíram em defesa desse povo. 7 O MPL tem uma história que se origina nas manifestações ocorridas em Salvador em 2003, e que em 2005 em congresso constituíram o movimento que leva o atual nome. As lutas pela redução do preço de passagem, como também pelo passe livre para estudantes, desenvolveuse em importantes mobilizações em várias regiões: Salvador (2003), Santa Catarina, Paraná entre outras cidades. 8 Registros na imprensa permitem-nos verificar que a mobilização pela redução do valor das tarifas iniciou-se em 29 de agosto de 2012, na cidade de Natal (RN), quando ocorreu uma mobilização de mais de 2 mil pessoas contra o reajuste de R$ 0,20 nas tarifas, após dois dias do anúncio. O protesto foi violentamente reprimido pela polícia, mas retornou ainda mais forte nos dias seguintes. No dia 06 de setembro, a Câmara Municipal da cidade revogou o reajuste. No entanto, em 13 de maio de 2013, a prefeitura novamente reajusta as tarifas, constituindo-se novas mobilizações e confrontos com a polícia. 9 Utilizamo-nos dos registros cronológicos realizados pela imprensa: G1 – Brasil, Datafolha, Vox Populi e outros.
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As mobilizações e atos, por sua vez, não impediram a intransigência dos governadores e prefeitos em majorarem as tarifas. A administração pública dobrou-se às pressões e aos interesses dos cartéis de transportes públicos. Aprovou em suas câmaras municipais e assembleias legislativas o reajuste tarifário10. Desta maneira, até o final de maio de 2013, onze capitais tinham realizado tais reajustes. No início de junho, portanto, parecia que o fato estava consumado. A partir do dia 03, todavia, começaram atos públicos e passeatas contra a nova tarifa na cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro. Em São Paulo, no dia 06, 07 e 11, mais de 5 mil manifestantes ocuparam áreas centrais da cidade, havendo repressão policial com bombas de gás e balas de borracha. As manifestações cresceram em participação, não somente com jovens universitários, mas ampliando sua base social também para jovens proletários de setores de serviços e estudantes secundaristas. A imprensa hegemônica e as mídias televisivas fustigavam em seus editoriais e matérias a necessidade de intervenção mais decisiva da repressão policial nas manifestações. O enfoque midiático (televisivo) concentrou-se nos manifestantes que realizavam depredações às agências bancárias e prédios públicos. Nas primeiras manifestações de junho, as imagens pouco transmitiam os atos públicos e as reivindicações, mas eram fartas em imagens de depredações realizadas por “baderneiros”, como foram classificados os ativistas, e no enfrentamento que deram contra a repressão policial 11. A Folha de S. Paulo em editorial afirmava que os manifestantes seriam jovens predispostos à violência “por uma ideologia pseudorrevolucionaria”, que buscariam tirar proveito “da compreensível irritação geral com o preço pago para viajar em ônibus e trens superlotados”12. Na mesma linha, O Estado de São Paulo escrevia também em editorial sobre o terceiro dia de protesto, que “os baderneiros que o promovem ultrapassaram, ontem, todos os limites” e as
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Esses reajustes ocorreram depois da desoneração pelo governo federal de dois impostos que incidiam sobre as empresas de transportes coletivos, o PIS e o Confins. 11 Aliás, algo inusitado nas manifestações urbanas recentes no país foi o enfrentamento direto contra a repressão policial, disputando territorialmente os espaços públicos, criando situações inclusive de amendrontamento e deslocamentos em recuo da polícia militar, em vários momentos. 12 Folha de São Paulo, “Retomar a Paulista”, 13/06/2013, A2.
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autoridades teriam que determinar que “a polícia aja com maior rigor do que vem fazendo ou a capital paulista ficará entregue à desordem, o que é inaceitável” 13. As informações e imagens transmitidas pelas emissoras de televisão e pela imprensa com enfoque antimanifestação não conseguiram o efeito de desmobilização ou de lograr indispor a população contra os manifestantes. Pelo contrário, o movimento estava se ampliando e ganhando ainda mais apoio e simpatia popular14. As imagens televisivas editadas colaboravam com a ampliação, pois essa reivindicação era sentida pela população trabalhadora. Por outro lado, as jornadas de junho tiveram as Redes Sociais via Facebook e Twitter como meio alternativo às informações da Imprensa e, também, como meio de divulgação de rápidas informações, imagens e impressões sobre os atos públicos e manifestações. A intransigência das administrações municipais, estaduais e federal foi marcante, pois se recusaram a qualquer negociação: não haveria redução dos valores das tarifas de transporte. O prefeito paulistano Fernando Haddad (PT) dizia não negociar com violência; o governador de São Paulo, Geraldo Alckimin (PSDB), chamava os manifestantes de “baderneiros”; Sérgio Cabral (PMDB), governador do Rio de Janeiro, questionava os reais interesses das manifestações, e dizia que existia infiltração de grupos de oposição à sua administração. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso (PT) não se furtou do momento para aparecer como o defensor da Ordem e da Propriedade. O dia 13 de junho (5ª feira) tornou-se marco nas mobilizações, pois nesse dia a intensidade da repressão policial aos protestos em São Paulo e no Rio de Janeiro transformou essas cidades em cenários de guerra. Nessa data foram presas mais de 300 pessoas na capital paulista, além de ocorrer surpreendente número de feridos, entre os quais jornalistas e fotógrafos 15. No Rio de Janeiro, a atrocidade policial ocorreu inclusive com perseguição seletiva aos militantes de esquerda.
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O Estado de São Paulo, “Chegou a hora de basta”, 12/06/2013, p.2.
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Dados disponíveis em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/11/07/maioriaaprova-protestos-mas-93-dos-brasileiros-reprovam-black-blocks-diz-pesquisa.htm 15 Informação disponível em http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/13/emdia-de-maior-repressao-da-pm-ato-em-sp-termina-com-jornalistas-feridos-e-mais-de-60detidos.htm. Acesso em: 18 de janeiro de 2014.
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Em resposta à violência policial, ampliaram-se para centenas de milhares o número de pessoas nas ruas no território nacional16. O repúdio popular contra a repressão aos manifestantes e a solidariedade da população trouxeram para o espaço público diversos setores sociais, mas principalmente fortaleceu ainda mais a participação juvenil proletária. Nesse momento, um conjunto de reivindicações começou a se articular espontaneamente à reivindicação inicial. Eram reivindicações expostas em cartazes, muitos dos quais escritos à caneta, sobre educação, saúde e moradia; ao lado de outras como “não” ao Projeto de Decreto Legislativo nº 234, conhecido como “cura gay” 17, ou contra o Projeto de Emenda Constitucional nº 3718, como também as contestações às construções dos estádios e infra-estrutura para a Copa das Confederações, Copa do Mundo de Futebol e Olimpíadas. Com a ampliação das mobilizações, momentaneamente se incorporaram também setores da classe média, com bandeiras nitidamente conservadoras e que reforçaram as discriminações às organizações e partidos de esquerda. Destacados cartazes, editados nos jornais midiáticos nacionais e nas capas dos jornais, circularam com grande velocidade pelas redes sociais: “Fora Dilma”, “O gigante acordou”, “Meu partido é o Brasil”, “Minoridade penal” etc. As palavras de ordem “sem partido” passaram a se apresentar nas manifestações, como também slogans e cartazes tais como: “O povo unido não precisa de partido”. Ocorreu uma sintonia fina de setores de estratos médios com os editoriais e manchetes dos jornais que passaram a distinguir entre os manifestantes e os “vândalos”. A agenda conservadora dos meios de comunicação de massa, a partir de então, adota outra postura diante das mobilizações, e tenta agora “pautar” o movimento, especialmente evidenciando o patriotismo e o antipartidarismo. Galvanizou e evidenciou sentimentos dispersos e ressoou em setores que foram para as ruas, com bandeiras e cartazes tão seletivamente escolhidos pelos meios de comunicação. 16
Em resposta à violência policial, no dia 17/06 cerca de 280 mil pessoas protestaram em cerca de 30 cidades; no dia 18/06 foram cerca de 110 mil manifestantes em 40 cidades; no dia 19/06, cerca de 140 mil pessoas. O dia 20/06 as manifestações chegaram a cerca de 1,4 milhão de manifestantes em mais de 130 cidades. 17 Esse projeto foi do deputado João Campos (PSDB), e visava fazer tratamento psicológico para os homossexuais, pois para o deputado a homossexualidade seria doença. 18 Essa proposta de emenda constitucional visava tirar da responsabilidade do Ministério Público a investigação sobre corrupção, passando-a para o âmbito da polícia federal.
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Naquele momento de ampliação das mobilizações, ocorreu uma vitória histórica, quando em muitas cidades começou a revogação do reajuste da tarifa dos transportes coletivos. No dia 18 de junho, quatro capitais anunciaram suas decisões: Cuiabá, Porto Alegre, Recife e João Pessoa, quando também a presidenta Dilma Rousseff foi obrigada a fazer um pronunciamento de âmbito nacional. No dia seguinte, o prefeito e o governador de São Paulo foram obrigados também a anunciarem a revogação, o mesmo ocorrendo com Rio de Janeiro, Aracaju, Belo Horizonte e Curitiba. Foi um efeito dominó para várias cidades. Ainda assim, depois dessa vitória, as manifestações continuaram, persistiram no espaço e no tempo, chegando ao seu ápice em 20 de junho, com cerca de 1.400 milhão pessoas em mais de 388 cidades19. A palavra de ordem mudara de caráter e agora se entoava “não foi só pelos vinte centavos”. Aos levantes populares seguiram-se em julho mobilizações trabalhistas organizadas por distintas centrais sindicais. De certa maneira, junho continuou em 11 de julho, 30 de agosto, 07 de setembro e também continuou com as manifestações realizadas por professores fluminenses em suas legítimas reivindicações, às quais se somaram centenas de milhares de ativistas de junho em solidariedade, empunhando a bandeira da Educação Pública. As paralisações e manifestações fabris de 11 de julho, trazendo para o centro político e eixo de mobilização setores sindicais (CSP Conlutas, Força Sindical, CUT e outras) incorporou as questões trabalhistas na pauta de reivindicações. Com distintos interesses políticos, setores da Central Única dos Trabalhadores-CUT (governista, PT), a Central dos Trabalhadores Brasileiros (governista, PCdoB), Força Sindical (até então governista, PDT) e CSP Conlutas (oposição ao governo, de esquerda) deliberaram conjuntamente o Dia Nacional de Paralisação (11 de julho). Os principais pontos da pauta foram: redução do preço e melhoria da qualidade dos transportes coletivos; mais investimentos em saúde e educação pública; fim do fator previdenciário (que aumenta o tempo
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Dados disponíveis em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/20/em-diade-maior-mobilizacao-protestos-levam-centenas-de-milhares-as-ruas-no-brasil.htm Acesso em: 17 de janeiro de 2014.
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para aposentadoria), redução da jornada de trabalho; contra a terceirização apresentada na PL 4330; fim dos leilões das reservas de petróleo; e reforma agrária. De certa maneira, esteve na pauta a questão do papel do Estado, no sentido de orientá-lo para as demandas sociais e populares. Nova data de paralisação trabalhista nacional foi marcada para dia 30 de agosto, no entanto com baixa mobilização.
O desgaste do governo, dos seus aliados e da oposição liberal
A imagem governista, que teimava em se associar ao Estado de bem-estar social (vide cartilha “Dez anos de PT”)20, foi afetada diante dos setores que impulsionaram as mobilizações de junho e que não estão ligados à base social do governo. As jornadas de junho também atingiram os aliados políticos. O governador Sérgio Cabral (PMDB) e o prefeito Eduardo Paes (PMDB), ambos do Rio de Janeiro, estão no topo da lista. Soma-se a eles o governador de São Paulo, Geraldo Alckimin (PSDB), e o prefeito paulistano Fernando Haddad (PT). Sérgio Cabral, até então base de apoio político de Dilma, tem história política
pregressa
a
junho.
Diversos
escândalos
foram
denunciados:
irregularidades nas licitações para (re)construção do estádio do Maracanã; enriquecimento descomunal do escritório de advocacia da mulher de Cabral por meio de contratos com o governo estadual, além da utilização de bens públicos em gozo pessoal e familiar. Possivelmente esses itens não encerram o currículo do biografado. A perspectiva truculenta do governador foi nitidamente declarada nos últimos meses. As UPPs – Unidades Pacificadoras Policiais - são as unidades de terror contra os moradores das favelas e subúrbios cariocas, além de atuar no fortalecimento de setores do crime organizado. O assassinato do ajudante de pedreiro Amarildo21, por si, já diria tudo, se a isso não se juntasse a 20
Material disponível em: http://www.ptnosenado.org.br/textos/122-curtas/25675-10-anos-degoverno-democratico-e-popular 21 Amarildo Dias de Souza era ajudante de pedreiro, morador da Favela da Rocinha; ele ficou conhecido nacionalmente pelas denúncias que seus familiares e os movimentos sociais fizeram sobre seu desaparecimento, desde o dia 14 de julho de 2013. Daí o surgimento do movimento “Cadê Amarildo?”. As investigações concluíram que Amarildo foi detido, torturado e assassinado por policiais militares., na Unidade Pacificadora da Polícia (UPP) da Rocinha. O caso Amarildo
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chacina realizada contra moradores do Complexo da Maré. Essa estrutura da repressão policial, que também envolve aparato paramilitar permanente contra moradores do subúrbio, é a mesma que foi ativada para reprimir os ativistas de junho. A oposição liberal, no entanto, não ficou melhor localizada. Ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), associam-se as balas de borracha, gás de pimenta e cassetetes que vigoraram nas manifestações. A imagem de Alckimin também se associa às denúncias de superfaturamento nas licitações para a construção de linhas do Metrô (Propinoduto) que acompanham os mandatos do PSDB desde o período do ex-governador Mário Covas (19942000). Os protestos iniciados em junho resvalaram em elementos fundamentais do regime político, como os meios de comunicação de massa, o sistema judicial e as instituições repressivas do Estado, além do Congresso Nacional. Essas instituições foram profundamente questionadas pelos ataques diretos ou omissão diante das reivindicações sociais.
A retomada das iniciativas políticas do governo: programas sociais e criminalização dos movimentos
A imagem do governo federal e da presidenta Dilma foi atingida negativamente por um setor importante da juventude e de trabalhadores que estiveram nas ruas em protestos sociais a partir de junho. No entanto, a frente popular governista em torno do PT pouco sofreu de divisões em sua base social/eleitoral e em sua base política no movimento sindical e popular. Os movimentos sindical e popular, partidos e organizações de esquerda que fazem parte da base política do governo federal não foram para as ruas, nem tornaramse oposição ao governo. Aliás, alguns setores sindicais governistas somente estiveram nas manifestações de 11 de julho, quando ocorreu a Paralisação Nacional dos Trabalhadores. tornou-se símbolo de casos de abuso de autoridade e violência policial. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/02/comeca-audiencia-de-major-e-24-pms-docaso-amarildo-no-rio.html
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A base social e eleitoral do Governo Dilma manteve-se, ainda que as pesquisas de opinião pública tenham expressado variações nos meses posteriores a junho, em relação à imagem do governo. A base social governista (petista) solidificou-se ao longo dos últimos dez anos, tendo como referência ideológica e política os dois mandatos presidenciais de Luiz Ignácio Lula da Silva. Tal base teve como parâmetro de avaliação do governo: os reajustes do salário mínimo, geração de emprego, as políticas compensatórias que foram ampliadas e reestruturadas desde o Governo Lula, com destaque para os programas sociais22. Para essa população, a derrota eleitoral e saída do governo federal petista significaria o retorno às políticas neoliberais da década de 1990 que foram catastróficas para a maioria da população. O Programa “Mais Médicos” teve forte apelo em populações pobres de várias partes do país e nas regiões periféricas das grandes cidades. Com a contratação principalmente de médicos estrangeiros, o governo federal tentou amenizar a precária situação dos serviços públicos em Saúde. A propaganda institucional nos meios de comunicação foi grande em torno desse programa. Inclusive alavancando a candidatura do então ministro da Saúde, Geraldo Padilha, para o governo do Estado de São Paulo. No entanto, pouco resolve os problemas estruturais na área da Saúde, pois mantém a precária infraestrutura dos serviços preventivos e hospitalares nas várias regiões do país.
Criminalização dos movimentos sociais
O aprofundamento do processo repressivo e criminalização dos protestos sociais, conjuga-se com uma legislação mais punitiva, inclusive com um Projeto de Lei (PL 728/2011) que tramita no Congresso Nacional. Essa lei tipifica como crime de terrorismo diversas ações sociais. Como principal motivo dessa legislação encontra-se a preocupação do governo que a Copa do Mundo de
Entre esses se destacam: O Programa habitacional “Minha Casa minha Vida”, o Programa Universidade para Todos (Proune) e o Programa de transferência de renda “Bolsa Família”. 22
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Futebol (2014) e as Olimpíadas (2016) sejam convulsionadas em decorrências das manifestações populares contra esses megaeventos no país. Esta mudança na estratégia governista teve início em outubro de 2013, contrariando as primeiras atitudes da presidente da República diante dos protestos em junho, quando Dilma saudou a “mensagem direta das ruas é por mais cidadania, por melhores escolas, melhores hospitais, postos de saúde, pelo direito à participação”. A reunião que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, realizou em Brasília, em 31 de outubro de 2013, com os secretários de Segurança de São Paulo e Rio de Janeiro, foi o marco da guinada na estratégia. Os dois estados estavam sob impacto das manifestações sociais e das táticas dos black-blocs. Nas manifestações sociais, a ação policial havia revelado não apenas despreparo, mas a intenção de provocar conflitos e levar os manifestantes a agir violentamente. Ao ignorar este aspecto, o ministro transmitia aos manifestantes uma clara atitude de cumplicidade do governo federal. Em dezembro último foi publicado um manual produzido pelo Ministério da Defesa e Estado Maior das Forças Armadas para orientar a atuação integrada nos conflitos sociais entre os órgãos de informação e repressão das três armas, como também a Polícia Federal e as polícias civis e militares estaduais. O documento tem o nome de “Garantia da Lei e da Ordem”. Seus termos conferem nitidamente um teor beligerante, tais como “forças oponentes” e “ameaças” (pág. 15), “emprego de inteligência e contra-inteligência” (p.26), “uso progressivo de força” (p.26). Caracteriza com “principais ameaças” (p.29) “bloqueio de vias públicas”, “distúrbios urbanos”, “invasão de propriedades e instalações rurais e urbanas” e “paralisação das atividades produtivas”. As ações políticas e repressivas articuladas pelo governo federal e governadores estaduais expressaram uma caracterização sobre a possibilidade de ampliação das manifestações sociais ao longo do ano de 2014 contra os desvios de recursos na Copa do Mundo, além de inúmeras outras reivindicações que se apresentaram em junho.
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A imagem do governo de Dilma na opinião pública
As pesquisas de Opinião Pública apreendem algumas dimensões e uma instabilidade na imagem do governo e possibilidade de reeleição de Dilma Rousseff: a) entre março e junho de 2013, tendeu a cair; b) recuperação entre outubro e março de 2014, mas nunca atingindo a margem anterior; c) novamente ocorre queda na imagem do governo, a partir de março de 2014. As manifestações no transcorrer de junho e meses terminaram associadas ao governo nacional. Algo se abriu com mais contundência do que as revelações e denúncias sobre os escândalos governistas e de sua base política. Isso é interessante, uma vez que as ações e disputas nas ruas que tinham uma base regional passaram a ter uma relação direta com a dimensão política nacional. Dos 63% de avaliação (boa e ótima) que detinha em março de 2013, a avaliação do Governo Dilma passou para 55% em junho e chegou a 31% em julho. A maior queda ocorreu no Estado do Rio de Janeiro, no qual a avaliação chegou a 19% (bom ou ótimo); foi onde a presidenta recebeu maior porcentagem de votos na eleição presidencial de 2010 (60,5% dos votos). Essa queda associa-se à avaliação negativa sobre o Governador Sérgio Cabral, que na mesma pesquisa do CNT/IBOPE, somente 12% avaliavam-no positivamente (bom e ótimo). O caráter nacional, não mais local, que os protestos de junho ganharam ficou evidente no pronunciamento presidencial, no dia 21 de junho de 2013. Ali se revelou o ambiente desconfortável no qual Dilma era obrigada a proferir que “tinha que escutar as vozes das ruas”. Dizia na ocasião que iria conversar com governadores e prefeitos para constituir um pacto em torno dos serviços públicos. Afirmava que destinaria os royalties do petróleo para Educação e traria médicos do exterior para ampliar o atendimento do SUS (Sistema Único de Saúde), além de constituir um Plano Nacional de Mobilidade Urbana, em torno do transporte público. Acenava com a possibilidade de se reunir com líderes das manifestações, entidades sindicais, trabalhadores e jovens. A popularidade de Dilma havia caído e a avaliação negativa do seu governo subira acentuadamente naquele mês de junho de 2013, desfazendo-se dos
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índices positivos de avaliação da presidenta que existia até março daquele ano. No entanto, sua popularidade foi se reestabelecendo nos meses seguintes, como diversas pesquisas23 ressaltaram. Pesquisa do instituto MDA/Confederação Nacional do Transporte (CNT), realizada em fevereiro de 2014, indicava que a presidenta Dilma Rousseff (PT) mantinha o patamar de 43,7% de intenções de voto para as eleições presidenciais de 2014. Esses números assemelhavam-se com as pesquisas realizadas por outros institutos de pesquisa, como Datafolha e Vox Populis. Por segmento social, de acordo com a Datafolha, a pesquisa indicava que a menor aprovação a Dilma localizava-se na faixa dos mais jovens (35%), entre os mais escolarizados (30%), nas regiões Sul (36%) e Sudeste (35%), nas maiores cidades (36% naquelas com população entre 200 e 500 mil pessoas, e 33% entre as que abrigam mais de 500 mil pessoas), e entre os que acreditam que a situação econômica do país irá piorar (18%). A presidente, porém, indicava taxas de aprovação acima da média entre os menos escolarizados (50%), nas regiões Nordeste (49%) e Norte/Centro-Oeste (47%), em municípios menos populosos (46% tanto naqueles com até 50 mil habitantes quanto entre os que possuem de 50 a 100 mil habitantes), e entre os que que acreditam que a situação econômica do país irá melhorar (59%). Ainda assim, no período de baixa popularidade, como também em 2014, observa-se
que
há
variações
regionais
e
sociais
nesse
descontentamento/aceitação com o governo federal. O que expressa o enraizamento desigual dos projetos do governo federal nas regiões do país. Enquanto na região sul apenas 26% da população avalia positivamente o governo, na região nordeste esse número cresce para 45,3%. Uma rápida comparação entre as regiões de maior apoio governista com as regiões com maior fluxo de políticas compensatórias. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), na região sul do país, o investimento do Programa Bolsa Família, no ano de 2011, ultrapassou 11% da
23
Vide Datafolha (www.datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica ), Ibope, Vox Populis, entre outras.
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verba do programa destinada aos Estados; enquanto na região nordeste foi distribuído 53 % do total.
24
A base social do governo petista (e aliados) não foi atingida com as jornadas de protestos sociais no país, o que possibilitou a retomada das iniciativas governistas, a partir do final de junho quando diminuíram as manifestações. Nessa pesquisa evidenciava-se outro fenômeno eleitoral: a ex-senadora e ex-ministra petista Marina Silva. Nas eleições presidenciais de 2010, Marina já rompida com o PT disputou como candidata do Partido Verde (PV), obtendo a segunda colocação no primeiro turno. Depois de se desligar do PV, Marina Silva e seu grupo político tentam construir a Rede Sustentabilidade como partido, o que foi negado pelo Superior Tribunal Eleitoral (TSE), em decorrência de problemas com assinatura de apoios. Como alternativa, Marina e seu grupo político entraram no Partido Socialista Brasileiro (PSB), com objetivo de disputar as eleições presidenciais. Eduardo Campos, até aquele momento despontava como virtual candidato presidencial pelo partido. No entanto, os números da pesquisa indicavam que, quando a ex-ministra e ex-senadora, aparecia como candidata presidencial pelo PSB, os números se modificam. Em um cenário no qual Marina Silva (PSB) é apresentada como candidata, Dilma diminuiria a porcentagem para 40,7% e Marina aparece com 20,6%. Aécio Neves registrava a terceira colocação, com 15,1%. Ainda assim apareceriam 23,2% que votariam branco, nulo ou estão indecisos. Nesse cenário, os dados indicavam que Dilma poderia ser reeleita no primeiro turno tanto disputando com Marina Silva como candidata quanto no cenário com Eduardo Campos. De qualquer maneira, o descontentamento das manifestações de junho estariam canalizados por Marina Silva.
24
Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome: 2011 Programa Bolsa Família Completa 8 anos com investimento de R$ 76 bilhões. Disponível em: <http://www.fomezero.gov.br/noticias/bolsa-familia-completa-8-anos-com-investimentos-de-r76-bilhoes/?searchterm=familia> Acesso em: 20/01/2013
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A pesquisa Datafolha25 ressaltava principalmente o rompimento da subida nas pesquisas. A parcela dos que avaliam bem a gestão da petista ficava próxima à dos que a veem como regular (37%), e seriam duas vezes maior do que sua taxa de reprovação (21%). Na comparação com novembro, a porcentagem dos que reprovam o governo Dilma cresceu (era de 17%), e diminuiu a dos que o avaliam como regular (era de 40%).
Considerações finais
A partir de junho, a vontade de “ir pras ruas” tornou-se a principal mudança subjetiva na consciência social de setores da juventude e de muitos movimentos sociais, como também a consciência de que somente “nas ruas” podem mudar suas condições sociais. Os números impressionaram, especialmente se considerarmos a aparente calmaria que existia no país. Impressionou a disposição de ação e enfrentamento contra a repressão policial; também impressionou a persistência na continuidade dos protestos temporalmente e a sua rápida ampliação geográfica em diversos quadrantes do país. Neste sentido podemos dizer que a principal mudança no quadro político deveu-se à ampliação das lutas sociais, sua visibilidade, e a constituição de uma pauta de reivindicações mínima que foi se esboçando a partir de junho. É significativo como a reivindicação que começara com um ponto aparentemente específico (redução das tarifas) galvanizou ao longo daquele mês uma amplitude de anseios, frustrações e reivindicações que, em si, constituíram-se em base programática (e transitória) para as lutas sociais: transportes, educação, saúde, moradia e outros. O que se expressou nas reivindicações escritas à caneta nos cartazes foram clamores sentidos no cotidiano das cidades desumanizadas pelo Capital, voraz por se apropriar dos bens públicos e mercantilizá-los. São problemas estruturais que não foram resolvidos nem poderão ser simplesmente maquiados pelos governos de plantão.
25
http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2014/02/1416958-dilma-mantem-aprovacaode-41-dos-brasileiros.shtml
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A frase lapidar “nada mais será como antes” permite-nos olhar em perspectiva as jornadas de junho de 2013. Com menor intensidade, os protestos populares continuaram nos meses seguintes e entraram em 2014. Em realidade, as mobilizações não se desfizeram. Em algumas cidades, como Porto Alegre, Rio de Janeiro e Natal, os protestos sociais de janeiro de 2014 foram contra as novas iniciativas das administrações municipais em realizarem os reajustes nas tarifas de transportes coletivos. Em São Paulo, o eixo principal das mobilizações ocorreu em janeiro e fevereiro contra a realização da Copa Mundial de Futebol no Brasil. No dia 25 de janeiro de 2014, uma manifestação contra os gastos e remoções de moradias populares, provocadas pela Copa do Mundo no Brasil, reuniu cerca de duas mil e quinhentas pessoas. Os manifestantes bloquearam a principal avenida do país – a Avenida Paulista. Com forte apoio popular a marcha chegou até o centro velho da cidade. Em duas horas de protesto a polícia encurralou os manifestantes, lançou bombas de efeito “moral” e disparou balas letais. Um jovem de 22 anos ficou gravemente ferido, com um tiro no peito e outro nos testículos, sendo acusado pela PM de tentar agredir os policiais. Essa foi a primeira manifestação significativa do ano de 2014. Os governos, empresários e seus porta-vozes midiáticos historicamente transformaram o futebol em mecanismo de controle ideológico e social, uma vez que esse esporte compõe aspecto importante da identidade cultural nacional. Nas últimas duas décadas, a identidade cultural somou-se ao bilionário mercado esportivo, agora multinacional, envolvendo venda de atletas, investimentos internacionais em clubes futebolísticos e, agora, a “mina de ouro” que significa a construção de estádios e infra-estrutura urbanística para o megaevento. Isso significou a expulsão de inúmeras populações das novas áreas em construção, “higienização das áreas” e especialmente valorização imobiliárias dessas áreas. Por essas razões, diversos setores da população que são atingidos pelo “megaevento” passaram a se organizar em Comitês Contra a Copa de Futebol.
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As mobilizações nos bairros periféricos contra o genocídio da juventude negra26, as crescentes manifestações por moradia na cidade de São Paulo 27, o levante dos moradores da favela do Metrô contra as forças policiais, que executam remoções forçadas e o apoio popular à greve dos garis na cidade do Rio de Janeiro28, formam um quadro político que anuncia que ás vésperas da Copa do Mundo e das eleições presidenciais de 2014, as lutas sociais voltaram a assombrar as classes dominantes e reafirmam que as jornadas de junho de 2013 não foram um evento, mas sim um processo histórico em aberto, que entre refluxos e avanços ainda se manifestam sob a seguinte correlação: Mobilização versus Repressão.
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A morte de um jovem de 17 anos, executado pela polícia militar na periferia de São Paulo desencadeou uma série de protestos da população da Zona Norte da cidade em outubro de 2013. Dados disponíveis em: http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/pm-mata-adolescenteacidentalmente-e-gera-protesto-na-zona-norte-de-sp 27 Durante mais de um mês, centenas de famílias sem teto acamparam em frente à Prefeitura Municipal de São Paulo para cobrar política públicas de habitação que atendam as necessidades dos trabalhadores mais pobres. 28 A greve dos garis na cidade do Rio de Janeiro, deflagrada em pleno carnaval, recebeu grande apoio de outros seguimentos de trabalhadores, estudantes e da população em geral. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,trabalhadores-demonstram-apoio-a-greve-dosgaris-no-rio,1138357,0.htm
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seguranca/2014/02/ministro-da-justica-anuncia-acoes-contra-a-violencia-emmanifestacoes Portal Brasil, “Ministro garante urgência em Lei que trata da segurança nas manifestações”, 14/02/2014, http://www.brasil.gov.br/defesa-eseguranca/2014/02/ministro-garante-urgencia-em-lei-que-trata-da-segurancanas-manifestacoes Correio Brasiliense, “Quase 2 milhões de brasileiros participaram de manifestações em 438 cidade”,21/06/2013, http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2013/06/21/interna_brasi l,372809/quase-2-milhoes-de-brasileiros-participaram-de-manifestacoes-em438-cidades.shtml Portal Ig, “Tarifas de ônibus, trem e Metrô vão subir para R$ 3,20 em São Paulo em junho”, 22/05/2013, http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-0522/tarifas-de-trem-e-metro-vao-subir-r-020-em-sao-paulo-no-mes-de-junho.html Nova Democracia, “Aprofunda-se a crise, aumentarão os protesto”, v. 12, nº 125, p.5-7, 1ª quinzena de fevereiro/2013. Venezuela. Consejo Nacional Electoral. “Apuração do Consejo Nacional Electoral”, 08/12/13 disponível em: http://www.eleccionesvenezuela.com/resultados-elecciones-venezuela.php acesso em: 16/12/2013 BARROS, Ciro. “Quem grita ‘Não vai ter copa’”, en Brasil de Fato, ano 12, núm.573, 20 a 26 de fevereiro, 2013, pp.4-5. BBCBRASIL: Inflação e risco de apagões desafiam Argentina em 2014 Disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/01/131231_argentina_2014_mc _rp.shtml > Acesso em: 13/01/2014 BOITO JR., Armando. “Brasil: Classes sociais, neodesenvolvimentismo e política externa nos governos Lula e Dilma”, en Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v.21, setembro, 2013, pp.31-38. Brasil, Ministério da Defesa, Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Garantia da Lei e da Ordem, Brasília, http://www.defesa.gov.br/arquivos/File/doutrinamilitar/listadepublicacoesEMD/m d33_m_10_glo_1_ed2013.pdf BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. “Empresários, o governo do PT e o desenvolvimentismo”, en Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v.21, núm. 47, setembro, 2013, pp.21-29. CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. 271pp. Galvão, Andréia, “Marxismo e movimentos sociais”, en Crítica marxista, núm.32, 2011, pp.107-126. Brasil de Fato, “Greve campesina na Colômbia ganha apoio geral e atinge vários Estados”, 21/08/2013 disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/23894> acesso em 02/11/2013 Jornal O Estado de São Paulo: “Multinacionais europeias já sentem impacto da desaceleração no Brasil” disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,multinacionais-europeias-ja23
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