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“ADORÁVEIS E DISSIMULADAS”: as relações amorosas e sexuais de mulheres pobres na Belém do final do século XIX e início do XX
elite. Ou, talvez, o seu depoimento anterior não tivesse passado de mais uma estratégia acionada pela menor para não parecer, aos olhos da justiça, que estivesse interessada nos bens do acusado, mostrando-se reticente ao casamento inicialmente para logo depois mudar de posição. Dificilmente, poderemos saber a resposta a essa questão, ou talvez a fusão das duas possibilidades seja perfeitamente coerente. O certo é que, nesse jogo, os ideais e valores do amor passion, do estabelecimento dos custos e benefícios da relação, da vivência de comportamentos e imagens socialmente legitimadas e daquelas condenadas, estão presentes na riqueza da fala de Maria Constância, influenciando-a na forma de conduzir sua vida, operando com esses múltiplos valores e imagens ao ter que vivenciar seu drama de amor.
4.4 Da negação do casamento pela falta de dinheiro apesar do amor pelo mesmo homem... Diferente foi a atitude de Joanna Paula, de 15 anos, que desde o princípio deixou claro que, embora gostasse de Juventino, de 13 anos, e tivesse por ele sido deflorada, não se casaria com o mesmo por ter sido seu criado, no que fora apoiada por sua mãe. A julgar pelo local afastado e distante do centro das áreas nobres da cidade de Belém, onde viviam, vemos que, embora tivesse um criado, a família de Joana não tinha muitos recursos. Diz Joana que “Não obstante ser Juventino o autor de seu defloramento não quer de forma alguma casar com elle por que não quer para marido um homem que já foi seu criado”170. Joana e Juventino tiveram várias vezes cópula carnal na rede do quarto dela, até o momento em que brigaram e pararam de se relacionar. A história veio à tona quando o companheiro da mãe da menor resolveu interpelar Juventino sobre sua relação com a mesma, obtendo a confirmação do defloramento. A despeito da possibilidade de gostar ou não do acusado, o fato de ele ser pobre e de condição social inferior à sua fez com que Joana não almejasse o casamento, operando, portanto, com uma lógica distinta àquela do amor passion presente na fala de Maria Constância. Por outro lado, da mesma forma que ela, Joana se reservava o direito de escolher o namorado e um possível marido, sendo essa antes de mais nada uma opção individual – atitude própria às camadas populares –, operando com uma perspectiva de aliança 170 Auto Crime de defloramento. Joana Paula da Silva. Dezembro de 1903. doc 68.