Relatório Final - POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO SOCIAL NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

Relatório Final de Pesquisa de Iniciação Científica PIBIC 2014/2015

POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO SOCIAL NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: UM COMPARATIVO COM O PLANEJAMENTO URBANO: 1964 A 1986. Lucas Gonçalves Vecchia

Orientadora: Prof. Dr.ª Eulalia Portela Negrelos

São Carlos 2015


Sumário Introdução ..................................................................................................................................... 3 1 - O Projeto de Pesquisa .............................................................................................................. 4 1.1 - Objetivos ........................................................................................................................... 4 1.1.1 - Gerais ......................................................................................................................... 4 1.1.2 - Específicos .................................................................................................................. 4 1.2 - Metodologia ...................................................................................................................... 5 2 - Contextualização ...................................................................................................................... 6 2.1 - Antecedentes .................................................................................................................... 6 2.2 - BNH: a ideologia da política habitacional ......................................................................... 7 2.2.1 - SERFHAU e Planejamento Urbano ............................................................................. 8 2.2.2 - COHAB e Produção Habitacional................................................................................ 9 2.3 – O Problema Científico .................................................................................................... 10 3 - Análise dos Planos Municipais. .............................................................................................. 11 3.1 - Plano Urbanístico Básico (PUB) ....................................................................................... 11 3.1.1 - Questão da Habitação .............................................................................................. 13 3.1.2 - Questão do Zoneamento ......................................................................................... 16 3.2- Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Município de São Paulo (PDDI-SP) ..... 18 3.3 - Lei de Zoneamento de 1972............................................................................................ 20 4 - A Produção Habitacional ........................................................................................................ 24 4.1 - Tipologias ........................................................................................................................ 25 4.2 - Condições de ocupação................................................................................................... 27 4.2.1 - Localização ............................................................................................................... 27 4.2.2 - Acesso ...................................................................................................................... 28 4.2.3 - Implantação e relação com o entorno ..................................................................... 29 4.2.4 - Programa (Usos e Ocupação Previstas) ................................................................... 30 4.2.5 - Serviços, Equipamentos e Áreas livres ..................................................................... 32 5 - Estudo comparativo ............................................................................................................... 34 5.1 - Síntese das concepções................................................................................................... 34 5.2 - Relações entre planejamento urbano e produção habitacional..................................... 35 Conclusões .................................................................................................................................. 37 Bibliografia .................................................................................................................................. 39

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Introdução A organização do relatório final da pesquisa consistiu em 5 partes distintas: Na primeira parte são apresentados os objetivos gerais e específicos que a pesquisa propôs cumprir, além da metodologia com a qual a pesquisa foi realizada nesse processo. Na segunda parte, discorre-se sobre o contexto histórico em torno do tema da intervenção do Estado nos setores da habitação e do planejamento urbano. Nesta parte, a discussão se refere a um período entre o início das intervenções estatais compreendido pela Era Vargas (1930-1964) - até a ditadura militar, com a criação do BNH. São introduzidos também os principais atores na execução dessa nova política num âmbito municipal: o SERFHAU e a COHAB-SP, peças chave para a construção do argumento presente na pesquisa. Por último, é apresentada a principal questão que a pesquisa se apropria para seu desdobramento. Na terceira parte, são analisados os Planos Municipais propostos para a cidade de São Paulo no período da ditadura militar. Os objetos de estudo são: o Plano Urbanístico Básico - PUB de 1968, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado PDDI de 1971 e a Lei de Zoneamento de 1972. Esta análise, como indicado nos objetivos, é executada a partir da leitura dos textos dos planos e da revisão bibliográfica de outros autores que discutem também o assunto. Na quarta parte, são analisados os aspectos arquitetônicos e urbanísticos dos conjuntos habitacionais produzidos em São Paulo também no mesmo regime militar, mais especificamente na Zona Leste da cidade, pela COHAB-SP, a partir da política nacional elucidada anteriormente. A análise é conduzida a partir de subitens que discorrem, sob diferentes abordagens, as características dos objetos. Na quinta parte é apresentada uma síntese com os principais aspectos dos planos municipais e dos conjuntos construídos, elencados nas etapas anteriores da pesquisa. A partir desse perfil traçado, são feitas relações entre os objetos de modo a construir uma linha de raciocínio que permite entender o caráter do uso e ocupação do território promovido pelo Estado, como presente no objetivo principal da pesquisa.

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1 - O Projeto de Pesquisa 1.1 - Objetivos 1.1.1 - Gerais O objetivo geral dessa pesquisa é entender o uso e a ocupação do solo no município de São Paulo, em ações promovidas pelo Estado, no período da ditadura militar, através da atuação efetiva de suas políticas públicas e instrumentos de planejamento e regulamentação sobre território.

1.1.2 - Específicos - Análise do Plano Urbanístico Básico de 1968, do Plano Diretor de Desenvolvimento de 1971 e da Lei de Zoneamento de 1972, no que se refere principalmente às diretrizes para habitação social. - Discutir bibliografia referente aos conjuntos habitacionais produzidos através da política de habitação social no município de São Paulo no período de 1964 a 1986, no que diz respeito principalmente às suas configurações urbanísticas: localização e condições de ocupação. - Produção de um estudo comparativo entre o Plano Urbanístico Básico de São Paulo, Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado e Lei de Zoneamento e os conjuntos habitacionais produzidos através da política pública de habitação social no município de São Paulo através da COHAB-SP, no período delimitado.

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1.2 - Metodologia Ao longo do processo de estudo, para atingir o objetivo proposto vimos ser necessário compreender de que forma as políticas públicas de âmbito nacional, de certo modo gerais, como a do BNH, entram em contato com a realidade e especificidade do território, por meio da atuação da gestão municipal. Sabemos que a atuação, no período compreendido entre 1964 a 1986, realizouse no município por meio da produção habitacional - na construção de conjuntos habitacionais - e do planejamento urbano - na concepção de planos diretores. Propõe-se, portanto, um estudo comparativo entre essas duas formas de intervenção, na medida que tal comparação ajudaria a entender as especificidades do território refletidas na forma que o Estado atua na produção da cidade. A primeira parte da pesquisa consiste no estudo dos parâmetros de análise, proposição e regulamentação dos planos realizados para São Paulo: Plano Urbanístico Básico de 1968, Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de 1971 e Lei de Zoneamento de 1972; tanto através da bibliografia que tratou do assunto (dados secundários) como através dos documentos e leis produzidos pelos próprios (dados primários). A segunda parte define-se pela escolha e análise dos conjuntos habitacionais produzidos nesse período, a fim de entender principalmente suas localidades e condições de assentamento no território. Os objetos destacados foram os conjuntos produzidos pela COHAB-SP na Zona Leste de São Paulo até 1986. Esse conhecimento baseou-se em estudos já produzidos por Oliveira (2010) e Zandonade (2005). A terceira e última parte, baseada nos resultados obtidos nas duas etapas anteriores, estabelece uma sobreposição das informações adquiridas, tanto as propostas e diretrizes gerais dos planos quanto à forma de ocupação urbana promovida pelos conjuntos.

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2 - Contextualização 2.1 - Antecedentes A intervenção estatal nos segmentos da habitação tem início a partir de 1930, com a política nacional-desenvolvimentista de Vargas. O grande incentivo para o desenvolvimento da indústria nacional acabou por emergir o proletariado urbano. Para conduzir a indústria brasileira era, portanto, papel do estado interventor prover “as condições necessárias para a reprodução da força de trabalho” dessa população, dentre elas, a moradia (NEGRELOS, 2013). Nesse momento, a partir de forte influência ideológica da concepção keynesiana1, da ascensão do fascismo e do socialismo, criava-se um clima favorável à intervenção estatal na economia (BONDUKI, 1998, p. 81). No Brasil não foi diferente, na medida que se expandia gradativamente os direitos sociais aos assalariados urbanos (NEGRELOS, 2013). Destaca-se a produção estatal de habitações sociais, nesse período (1930), por meio dos IAPs - Institutos de Aposentadoria e Pensão e, posteriormente (1946), por meio Fundação da Casa Popular - FCP. A produção habitacional por meio dos IAPs e FCP foi marcada pela “extensão da aplicação do ideário moderno de habitação e cidade” (NEGRELOS, 2014), com a diferença que IAPs atendiam uma camada média e a FCP, uma camada popular. O alcance de ambas as políticas - mesmo sendo considerável dada a época - não acompanhava as demandas explosivas da população. Enquanto a produção dos IAPs se reduziam a setores sindicais mais estruturados, a produção da FCP foi extremamente reduzida, sendo creditada ao populismo e clientelismo. Com as limitações de ambas as políticas em atender a universalidade do problema da habitação e a crescente mobilização popular em torno desse e de outros temas, “o início da década de 1960 foi marcado por movimentos sociais politizados em diferentes frentes, nos meios rural e urbano, que reivindicavam principalmente as

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Consiste numa organização político-econômica, oposta às concepções liberais, fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia, com objetivo de conduzir a um sistema de pleno emprego. Fonte: Wikipédia.

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reformas de base e, entre estas, a reforma agrária e a reforma urbana2” (MOTA, 2007, p. 2). Nesse contexto de reinvindicações sociais, o IAB organiza, em 1963, o Seminário de Habitação e Reforma Urbana. Nelas os profissionais da arquitetura reunidos tinham o objetivo de estabelecer as bases para uma nova política nacional de habitação e planejamento urbano, que atendesse nos níveis nacional, regional, estadual e municipal3 (MOTA, 2007, p. 4-5). Entretanto, em meio a esse movimento crescente por mudanças, com apoio dos setores mais conservadores sobre a ameaça de comunismo, os militares tomaram o poder. Com ele, o novo regime institucionaliza uma nova política habitacional: o Plano Nacional de Habitação, juntamente com o Banco Nacional da Habitação - BNH e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo - SERFHAU.

Se o populismo dos últimos tempos tendera a fazer do problema habitacional uma questão ideológica, a reclamar mudanças na própria estrutura da sociedade, o novo regime o veria antes de tudo como uma matéria técnica, onde o importante era encontrar a combinação ótima de fatores, em solução politicamente neutra. O desenrolar da política mostraria quão irrealista era tal proposta. (AZEVEDO & ANDRADE, 1982, p. 57)

2.2 - BNH: a ideologia da política habitacional4 “Após o golpe militar, se inicia uma política de incentivo ao crescimento econômico rápido” (NEGRELOS, 2013), com o “milagre econômico” propiciado pela enorme leva de investimentos externos no país. Esses fatores acentuam as migrações internas provocando um maciço crescimento urbano, trazendo juntamente consigo sérios problemas de demanda por habitação. A criação do BNH nesse momento se mostra como uma tentativa do regime militar, recém instaurado, de demonstrar sua

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Faziam parte do Plano Trienal do Governo Goulart (1961-1964), elaborado por Celso Furtado quando Ministro do Planejamento. 3 Segundo Maricato (2001:86), o documento resultante do Seminário foi utilizado pelo governo ditatorial para a elaboração da lei 4380/64, que criou o BNH e o SERFHAU. Fonte: MARICATO, E. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, Vozes: 2001. 4 Subtítulo com base em (AZEVEDO & ANDRADE, 1982, p. 57)

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sensibilidade para com essas demandas populares (AZEVEDO & ANDRADE, 1982, p. 57).

O BNH foi um grande órgão criado, em 1964, pelo regime militar com o objetivo de dinamizar a economia e garantir o apoio político da massa desabrigada. Foi o único órgão responsável por uma política nacional da habitação. Estima-se que o BNH foi responsável, até o período da sua extinção (1986) por 25% das unidades habitacionais construídas no país. (MEDEIROS, 2010, p. 1)

O BNH era o agente financeiro centralizador do Sistema Financeiro da Habitação - SFH e do Sistema Financeiro de Saneamento - SFS, responsável para captar recursos para a promoção dos empreendimentos de habitação, sobretudo os do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), criado em 1967, no campo da política trabalhista com vistas à sua utilização como fundo de promoção de habitação e desenvolvimento urbano.

2.2.1 - SERFHAU e Planejamento Urbano Desde a década de 1930, ocorreram reinvindicações por parte dos profissionais do urbanismo e da administração municipal sobre a institucionalização do planejamento urbano no Brasil (MOTA, 2007, p. 2). A criação do SERFHAU, portanto, se apresenta como um passo decisivo para resposta à essas demandas, promovendo a consolidação do planejamento como uma função do governo.

Nesse contexto foi criado o SERFHAU, que por um lado respondia a reivindicações pela institucionalização do planejamento urbano fundamentadas e com mais de 30 anos de história e, por outro, estava sob a doutrina da segurança e desenvolvimento nacional que marcou todas as ações do Governo Militar no Brasil. (MOTA, 2007, p. 3).

O órgão, desde sua criação, fazia função de intermédio entre esferas nacional e municipal da política habitacional e urbana do regime militar, atuando principalmente no financiamento e assistência de planejamentos urbanos de municípios (FELDMAN, 2005, p. 217). Tal situação se expressa no município de São Paulo através da criação do

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Grupo Executivo de Planejamento - GEP5 em 1967 - e na consequente elaboração dos Planos Municipais de desenvolvimento urbano, o PUB - Plano Urbanístico Básico - em 1968, o PDDI - Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado - em 1971 e a Lei de Zoneamento, em 1972.

2.2.2 - COHAB e Produção Habitacional A habitação, através da instituição do Plano Nacional da Habitação e criação do BNH e SFH, torna-se o eixo da política urbana do regime militar (NEGRELOS, 2014). Por sua capacidade de mobilização de muitos setores industriais, apostava-se na construção civil como meio tanto para desenvolver a economia brasileira como para responder às demandas sociais da população por habitação e emprego. Foram construídos, portanto, no período de 1964 a 1986, conjuntos habitacionais em todo o Brasil. Esta produção se realizou de forma muito característica, e por isso foi e é até hoje objeto de inúmeras críticas provenientes de vários setores da sociedade, principalmente o dos profissionais da arquitetura. No município de São Paulo, a promoção dessa política nacional “em abrangência local e âmbito regional” foi realizada através da Companhia de Habitação de São Paulo (COHAB-SP), criada em 1965 para a aplicação de operação direta dos recursos do BNH (NEGRELOS, 2014) na produção habitacional para o mercado popular6.

A política habitacional do período militar contribuiu para mobilizar o setor da construção civil e agentes sociais e econômicos afins, procurando a geração de maior quantidade de empregos. O BNH tinha atribuições de orientação, disciplina e controle das ações para a promoção da habitação, mas não tinha instrumentos de operação direta daquelas ações; em 1967, foi estruturada uma rede nacional de agentes operadores e promotores, as COHABs, com abrangência regional no âmbito local. (NEGRELOS, 2010)

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Órgão com autonomia para conduzir o processo de planificação urbanística (SOMEKH & CAMPOS, 2002, p. 110). 6 Inicialmente definido como o das famílias com renda mensal inferior a três salários mínimos, com posterior mudança, em 1975, para renda entre 3 a 5 salários mínimos. (ZANDONADE, 2005, p. 40 e 42)

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2.3 – O Problema Científico Nesse sentido, a pesquisa proposta parte da premissa de que para entender o uso e a ocupação do território da cidade de São Paulo, oferecida e promovida pelo Estado no período compreendido entre 1964 e 1986, necessita-se compreender como essa política nacional promovida pelo regime militar e cristalizada no Plano Nacional da Habitação se apresenta num âmbito municipal, a partir das políticas públicas e dos instrumentos de planejamento e regulamentação do município. Baseada nessa questão, esse estudo se desenrola, na tentativa de cumprir seus objetivos.

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3 - Análise dos Planos Municipais. 3.1 - Plano Urbanístico Básico (PUB) O Plano Urbanístico Básico do Município de São Paulo (PUB) foi contratado - após concorrência de qualificação - com um consórcio de escritórios brasileiros e norteamericanos que reuniu a maior equipe técnica diversificada jamais vista no país. A elaboração do PUB foi contratada em março de 1968 e o trabalho foi entregue no início de 1969. Nesse mesmo ano findou-se a gestão de Faria Lima. (VILLAÇA, 1998, p. 218)

O PUB foi concebido como um plano moderno, “..., que abrangem todos os aspectos da vida urbana, e se estendem para além dos limites do município” (FELDMAN, 2005, p. 237). Para a concepção de um plano tão ambicioso, foi realizado um levantamento sistematizado dos dados do município, concretizando-se em um documento monumental, dividido em vários volumes. Os principais problemas encontrados na cidade, como bem destacado por Somekh e Campos (2002:114), são vistos pela gestão municipal como prioritariamente ocasionados pelo crescimento acelerado da cidade. A consequente insuficiência financeira do município em face a esse crescimento, portanto, acarretava na defasagem entre as necessidades da população e os serviços públicos oferecidos. Nesse sentido, os objetivos centrais almejados são: a melhoria de condições de moradia, serviços e equipamentos; ampliação da oferta de serviços urbanos; integração de indivíduos marginalizados; ampliação das oportunidades de participação da comunidade e a geração de emprego e renda. Para isso são apresentadas, de acordo com as cinco grandes áreas de atuação pública, diretrizes e proposições recomendadas à Prefeitura de São Paulo para a realização do Plano até 1990. As áreas de atuação são: Desenvolvimento Urbano, Desenvolvimento social, Circulação e transportes, Serviços urbanos e Administração pública. Essas recomendações contam, em sua maioria, com os recursos e atribuições da Prefeitura de São Paulo, existem outras, entretanto, que excedem os limites municipais, exigindo uma atuação conjunta com o governo do estado, o do país e com as demais prefeituras da Grande São Paulo. 11


As principais diretrizes do PUB eram, de certo modo, aplicação dos conceitos de urbanismo formulados pela escola norte-americana: estruturava-se o município e a região metropolitana a partir da circulação, prevendo extensa malha viária ortogonal de transportes, com a conformação de “bolsões” de urbanização monofuncional nas regiões periféricas que se estabelecessem entre essas vias7; pretendia-se também a descentralização das atividades urbanas - através do modelo de cidade policêntrica pela criação dos sub-centros regionais de Itaquera, Parelheiros e Santo Amaro. Entendia-se que essas medidas poderiam ser alcançadas através do emprego da regulação das atividades urbanas pelo uso do zoneamento de usos e densidades.

Mapa com proposta de desenvolvimento urbano – PUB. Fonte: PUB – Relatório Sintético (1968).

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Modelo de loteamento importado dos EUA, os chamados subúrbios americanos, que eram zonas estritamente residenciais bastante afastadas dos centros de comércio e serviços das cidades.

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3.1.1 - Questão da Habitação No campo da habitação, as pesquisas realizadas no município pelas empresas de consultoria resultaram nos seguintes dados (PUB: vol. 3): - 142.000 Unidades (9,5% do total de habitações) são consideradas inadequadas, compreendendo 132.000 cortiços e 10.00 favelas; - 480.000 Unidades (32% do total) tem instalações sanitárias precárias ou improvisadas; - A taxa de ocupação é de 1,45 pessoas por cômodo no município de São Paulo e 1,81 na região metropolitana. A taxa máxima admissível é de 2,0 e o índice é ultrapassado em algumas habitações de baixa renda; - 54% das moradias não tem rede de água; 80% rede de esgoto; 60% sem pavimentação nas vias públicas nas regiões de Penha, Casa Verde, Tucuruvi, Itaquera e Osasco; - No município de São Paulo 65,5% das pessoas vivem em casa própria, com permanência das famílias por habitação de 9 anos.

Em suma, se identificava até o momento que, boa parte da oferta de habitações se realizava de forma irregular, desprovida totalmente de regulamentação do município.

A oferta global de habitações, em termos quantitativos, tem sido ao nível da demanda, embora, em termos qualitativos, uma grande parte da oferta constitui-se de casas construídas clandestinamente pelos próprios interessados e em precárias condições. A outra parcela da oferta global, que se desenvolve de acordo com normas e padrões regulamentados, corresponde aos programas habitacionais do sistema financeiro de habitação e ao setor privado de construção, referente às classes de renda mais elevadas. (PUB - Plano Urbanístico Básico de São Paulo, 1968, pg.)

O objetivo geral do programa de habitação é melhorar as condições e os padrões habitacionais existentes, especialmente na faixa de população de baixa renda, e assegurar a oferta futura de novas habitações, que garanta padrões às famílias que vão se estabelecer na área Metropolitana de São Paulo (PUB: vol. 3). Nesse sentido, 13


compreendendo a esfera habitacional, as recomendações propostas no plano aparecem na área de Desenvolvimento Social. As principais diretrizes são: - Proporcionar maior oferta de habitações, principalmente aos grupos de menor renda, proporcionando padrões mais elevados e compatíveis com o desenvolvimento econômico da Área Metropolitana; (PUB: vol. 3: 270) - Melhorar condições sanitário-habitacionais das habitações precárias em geral, e da periferia em particular, além de habitações coletivas e cortiços, visando sua recuperação através do financiamento da venda de materiais de construção; (PUB: vol. 3: 271) - Tratar o problema das favelas, prevenindo a proliferação desses aglomerados. Quando não for possível, recomenda-se promover sua urbanização; (PUB: vol. 3: 271) - Estender, até onde seja economicamente viável os serviços e equipamentos a todas as áreas residenciais; (PUB: vol. 3: 272) Para isso, o plano propõe estratégias que envolvem metas gerais e específicas à COHAB-SP. Configuram-se como metas gerais: - Os programas habitacionais dirigidos à população de baixa e média-renda deverão atender a 70% das necessidades, propiciando 480.000 novas unidades, até 1990, através da COHAB-SP, da CECAP, das Caixas Econômicas e das Cooperativas Habitacionais, com a participação financeira do BNH. (PUB: vol. 3: 279) - De acordo com os objetivos recomendados, o programa global deverá conter subprogramas relativos à produção direta de habitações (sistema atual), produção indireta (mediante o financiamento da venda de lotes e material de construção), dições sanitárias (financiamento de equipamentos e instalações hidráulicas domiciliares). (PUB: vol. 3: 279) As metas específicas à COHAB-SP são as seguintes: - Atender, até 1990, a 40% da demanda demográfica das populações de renda baixa e média-baixa; substituir 20% das habitações inadequadas; e eliminar 50% da coabitação involuntária de famílias, mediante produção direta (construção de conjuntos habitacionais) de 40.000 habitações, no período 1969-1974, e de 120.000, no período 1969-1990, e produção indireta (financiamento de terrenos e materiais de construção) de 60.000 unidades no primeiro período, e de 180.000, no segundo. (PUB: vol. 3: 279) 14


- Promover a ampliação e melhoria de habitações existentes, atendendo, a longo prazo, a 50% das necessidades de ampliação, a 100% das necessidades de melhoria sanitária e a 80% das famílias residentes em cortiços, mediante financiamento de material de construção para a ampliação de 9.000 cômodos habitáveis, até 1975, e 22.000, até 1990; e financiamento de equipamento hidráulico domiciliar para 95.000 unidades, no primeiro período, e 295.000, no segundo; e a melhoria das condições sanitário-habitacionais de 36.000 famílias residentes em cortiços, a médio prazo, e de 93.000, a longo prazo. (PUB: vol. 3: 279-280)

Figuras à esquerda e à direita: Recomendações em longo prazo - Habitação. Fonte: PUB, vol. 3, pg. 99.

O PUB reconhece a dificuldade de atingir essas metas propostas: “O problema que se coloca à COHAB-SP é de como proporcionar um padrão aceitável de habitação dentro das limitações que o programa oferece. O grande objetivo da COHAB-SP seria, então, conseguir a minimização dos custos, dentro das condições atuais. ” (PUB: vol. 3: 260) Ainda complementa: “A COHAB-SP está tentando atingir esse objetivo, através de vários caminhos, entre os quais se destacam três: 1 - Construção inicial de uma habitação pequena em um lote que permita a ampliação futura; 2 - utilização de terrenos de baixo custo, através da execução de projetos em áreas periféricas não15


urbanizadas; 3 - construção de diferentes tipos de conjuntos e de habitações e verificação empírica de qual ou quais as soluções ideais. Embora haja uma predominância de apartamentos (50% das unidades projetada) a COHAB-SP tem projetado casas térreas e sobrados - ambos geminados - o que sugere esse tipo de preocupação. ” (PUB: vol. 3: 260)

3.1.2 - Questão do Zoneamento O Plano Urbanístico Básico continha em seu último volume uma proposta de Lei para a concepção de um Plano Diretor Integrado. A legislação de zoneamento aparece como principal elemento dentro dessa proposta, definindo 13 categorias de uso e 10 zonas-tipo, estabelecendo os parâmetros urbanísticos que deverão ser utilizados para orientar e disciplinar a intensidade de uso de solo (FELDMAN, 2005, p. 238).

PUB/Lei do PDDI - Zonas de Uso Zona Residencial de Alta Densidade Zona Residencial de Média Densidade Zona Residencial de Baixa Densidade Zona de Atividades Diversificadas A Zona de Atividades Diversificadas B Zona de Atividades Diversificadas C Zona Industrial Zona Industrial Especial Zona Predominante de Espaços Abertos Zona Especial

ZRRR ZRR ZR ZC(A) ZC(B) ZC(C) ZID ZIE ZV ZE

(300 hab./ha) (150 hab./ha) (75 hab./ha)

Tabela 1 - Tipologias de Zonas de Uso - PUB. Fonte: FELDMAN, 1996, p. 240.

A proposta de Plano Diretor presente no PUB caracteriza bem as zonas propostas - sem delimitá-las - através de uma extensa listagem de classificação de usos e uma classificação de indústrias segundo a poluição ambiental. Elas são caracterizadas por atividades predominantes e pela intensidade de ocupação dos lotes, fazendo com que alguns usos são mais estimulados e outros inibidos. São admitidos centros secundários, corredores de atividades múltiplas que atravessam vários bairros bem como a possibilidade de mistura de usos e tipologias construtivas. Os coeficientes de

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aproveitamento propostos variam não somente em função das zonas diferentes, mas também em função do uso e tamanho do lote (FELDMAN, 2005, p. 240).

PUB/Lei do PDDI - Categorias de Uso Residência Comércio Varejista diversificado Comércio Atacadista Indústria não incômoda Indústria Diversificada Indústria Especial Serviços Diversificados Serviços Institucionais ou de Uso Coletivo Serviços de Tipo Industrial Serviços Especiais Educação, Recreação e Cultura ligado à Resid. Educação, Recreação e Cultura especial Espaços Verdes

R C1 C2 I1 I2 I3 S1 S2 S3 S4 E1 E2 E3

Tabela 2 - Categorias de Uso - PUB. Fonte: FELDMAN, 1996, p. 241.

Além disso, são definidos cota de área de lote, cota de área não edificada e cota de área de recreação por unidade residencial, índices de estacionamento, área do lote e afastamento entre edificações ou construções e divisas de lote, para os quais poderão ser estabelecidos limites mínimos (FELDMAN, 2005, p. 240).

A proposta de Zoneamento de Uso do PUB ignora os 20 anos de construção do zoneamento no interior do Departamento de Urbanismo que, (...), envolve interesses de personagens concretos. (FELDMAN, 2005, p. 241)

A introdução inédita desse tipo de ferramenta em Planos para São Paulo (FELDMAN, 2005, p. 237) destaca a atuação do PUB das demais, configurando a sua maior herança para os planos posteriores que viriam a ser de fato aprovados como o PDDI-71 e a Lei de zoneamento de 1972.

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3.2- Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Município de São Paulo (PDDI-SP) Com o abandono do PUB pela administração posterior de Paulo Maluf (19691971), a cidade cresceria com outras estruturas e instrumentos, o PUB passa a ser referência para os planos posteriores, na medida que é possível observar a influência do plano na legislação de regulamentação do ordenamento do território construídos em sua sequência, como o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) de 1971 e a Lei de Zoneamento de 1972. A partir da escolha pelo regime militar de Laudo Natel para o governo do estado, em 1971, José Carlos de Figueiredo Ferraz foi nomeado prefeito da capital. Uma de suas primeiras medidas era determinar ao GEP a finalização de um novo Plano Diretor (SOMEKH & CAMPOS, 2002, p. 122). De fato, acreditava-se que a cidade não poderia ficar mais sem uma orientação de caráter amplo e geral para ser realmente seguida8. Foi, então, em dezembro de 71 aprovado em câmara municipal a lei nº 7688 do novo plano diretor integrado, que continuaria em vigor por quase duas décadas. Apesar de toda pesquisa executada na elaboração do PUB resultando em milhares de páginas acerca de análises de dados, diretrizes e recomendações, “há pouquíssimo conteúdo do PDDI-71 derivado dos estudos do PUB”, pois “o conhecimento estocado nos órgãos técnicos da prefeitura era mais do que suficiente” para elaboração do plano (VILLAÇA, 1999, p. 220). Para Feldman (2005:243) “o PPDI é, antes de tudo, a negação da concepção de plano diretor que o PUB representou: o plano composto por exaustivos diagnósticos e abrangente a todos os aspectos da vida urbana”. O formato da lei, entretanto, é parecido com a proposta de Plano Diretor presente no PUB: são 57 artigos organizados em dez capítulos, assumindo como modelo de plano a associação de plano viário e zoneamento. As diretrizes básicas presentes no artigo 3º do plano dizem respeito a questões físico-territoriais do campo do planejamento - de responsabilidade do poder municipal - sendo elas: a distribuição das atividades no território; a compatibilização da densidade demográfica com os serviços públicos e equipamentos sociais; a limitação do coeficiente de 8

Cerqueira Cesar, Jornal da Tarde, 20.10.1971; excerto retirado de citação (FELDMAN, 2005, p. 243).

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aproveitamento; a implantação de rede de transportes integrada e a adoção de um conjunto de vias expressas compondo uma malha viária (extraída diretamente do PUB) (FELDMAN, 2005, p. 244). A proposta central do plano era ordenar e disciplinar o desenvolvimento físico, econômico, social e administrativo do município9 e seu instrumento principal, presente no cap. V - Uso do Solo, era o zoneamento de usos e densidades. Nele classifica-se zonas pela predominância de usos, instituindo 8 zonas diferentes e 15 categorias de uso - para cada zona define-se a taxa de ocupação e o coeficiente de aproveitamento10. O coeficiente máximo proposto era de 4 vezes a área do terreno11, tal medida reduzia de forma drástica o adensamento presente em leis anteriores. Os maiores adensamentos eram previstos em áreas centrais e ao longo das linhas de metrô, cujo uso seria misto com potencial construtivo de três a quatro vezes o tamanho do lote.

Lei 7688/1971 (art. 22) ZONAS DE USO

T.O.

C.A.

Z1 - uso estritamente residencial Z2 - uso predominantemente residencial Z3 - uso predominantemente residencial Z4 - uso misto Z5 - uso misto Z6 - uso predominantemente industrial Z7 - uso estritamente industrial Z8 - usos especiais

0,5 0,5 0,5 0,7 0,8 0,7 0,5 *

1 1 2 3 4 2 1 *

*estabelecidos para cada uso específico Tabela 3 - Tipologias das Zonas de Uso - PDDI-71. Fonte: FELDMAN, 2005, p. 250.

Os outros artigos se caracterizam por vagas definições e classificações de natureza diversa, nas poucas classificações que estão de fato remetidas à regulamentação da prefeitura, não se estabeleciam nenhum tipo de prazo ou meta. Segundo Villaça (1998:221), “a maioria de seus 57 artigos não teve utilidade, embora a

9

Lei Municipal nº7688, de 30 de dezembro de 1971, artigo 1º. Idem, artigos 20º e 22º. 11 Idem, artigo 3º, inciso 1-b. 10

19


ideologia do planejamento queira fazer crer que ele teria sido importante para o zoneamento global da cidade de São Paulo. ” Villaça (1999:221) também denomina esse tipo de plano como “plano sem mapa”, que, segundo ele, “é o novo mecanismo utilizado pelos interesses das facções da classe dominante na esfera urbana para contemporizar as medidas de interesse popular”. Para ele, esse plano “enumera objetivos, políticas e diretrizes”... “os mais bem-intencionados possíveis, o que elimina as discordâncias e possíveis conflitos”.

Lei 7688/1971 (art. 20) CATEGORIAS DE USO. Residência unifamiliar Residência multifamiliar Conjunto residencial Comércio varejista de âmbito Local Comércio varejista diversificado Comércio atacadista Indústria não incõmoda Indústria diversificada Indústria especial Serviços de âmbito local Serviços diversificados Instituições de âmbito local Instituições diversificadas Instituições específicas Usos especiais

(R1) (R2) (R3) (C1) (C2) (C3) (I1) (I2) (I3) (S1) (S2) (E1) (E2) (E3) (E4)

Tabela 4 - Categorias de Uso - PDDI-71. Fonte: FELDMAN, 2005, p. 251.

3.3 - Lei de Zoneamento de 1972 Após a elaboração do PDDI-71, a gestão municipal concentra esforços em colocar em práticas os instrumentos de regulação estabelecidos no plano anterior. Nesse mesmo âmbito, como descrito por Somekh e Campos (2002:126), “o GEP foi transformado em coordenadoria subordinada ao prefeito, a COGEP, incluindo nela uma Comissão de Zoneamento”, com “atribuição básica assessorar o Prefeito na fixação da política de desenvolvimento do Município”12; foi elaborada, então, uma lei

12

Retirado de: SÃO PAULO (cidade) (1979) Série Políticas globais 2 - Coordenadoria Geral de Planejamento - COGEP. São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo; pg.9.

20


de zoneamento que delimitava o perímetro das zonas de acordo com os parâmetros detalhados de usos e categorias de ocupação presentes no Plano Diretor Integrado.

Apesar da longa existência de planos setoriais de abrangência municipal, como o Plano de Avenidas de Prestes Maia, e da intenção de criação do Plano Diretor da cidade desde o período anterior, a normatização do uso e ocupação do solo só assumiu um caráter institucional a partir da promulgação da Lei 7.805 de 1972, mais conhecida como Lei de Zoneamento. (NOBRE, 2004, p. 2)

Ficaram a cargo dessa Lei a definição da compatibilidade dos usos e a adequação da situação proposta no PDDI com a realidade. Além disso, controlou-se “a densidade das construções, definindo os coeficientes de aproveitamento, taxas de ocupação, recuos frontais, laterais e de fundo, tamanhos mínimos de lote, largura mínima de testadas” (NOBRE, 2004, p. 3). A delimitação das zonas - como se pode ver no mapa de zonas - respeitou a tendência de ocupação já existente nas áreas industriais, centrais e de maior renda (em especial no quadrante sudoeste). A ocupação prevista nessas áreas se configurou delimitando bairros jardim e loteamentos nobres como zona estritamente residencial (Z1); delimitando as regiões centrais e os polos de comércio e serviço como Zonas de uso misto (Z4 e Z5), com coeficiente de aproveitamento altos, permitindo verticalização e adensamento; e delimitando áreas industrias como zonas de uso industrial (Z6 e Z7). Enquanto isso, para toda a extensão urbanizada restante, considerava-se como zona de uso predominantemente residencial (Z2), apresentando baixa possibilidade construtiva. Com isso essas áreas adquiriam características indiferenciadas, descoladas da realidade, “através do controle do uso, o zoneamento estabeleceu coeficiente máximo de 1 para 4% da área da cidade, o coeficiente máximo de 2 para 86% e o coeficiente máximo de 4 para os 10% restantes” (ROLNIK, KOWARICK e SOMEKH, 1991). Nota-se claramente a opção por zonas não especializadas, as zonas, com exceção da Z1,

21


(...) admitem quase todas o mesmo elenco de atividades, diferenciando-se apenas aqueles sujeitos a controle especial. [...]. Nesse sentido, define-se uma zona onde é admitida unicamente a construção de moradias isoladas, eufemismo para mansões, enquanto nas demais zonas quase tudo, com exceção de grandes indústrias, é permitido. (FELDMAN, 2005, p. 271)

Mapa das Zonas - Lei Geral de Zoneamento, 1972. Fonte: FELDMAN, 2005, p. 269.

A periferia urbana tornou-se assim uma imensa e indiferenciada zona predominantemente residencial de baixa densidade, com comércio e serviços de âmbito local, havendo possibilidade de verticalização, mas, sendo de baixo coeficiente de aproveitamento, desestimulou os investimentos imobiliários. (SOMEKH & CAMPOS, 2002, p. 128)

22


Também foi instituída a “fórmula de Adiron”13. Através dela havia a possibilidade de alcançar maiores coeficientes de aproveitamento pela redução da taxa de ocupação do lote. Ou seja, nas zonas Z3, Z4 e Z5 poderia se alcançar o coeficiente máximo de 4, enquanto que na Z2, esse aproveitamento poderia ser no máximo 2 (SOMEKH & CAMPOS, 2002, p. 129). Com isso, “o Zoneamento criou uma valorização artificial de terrenos, estimulando preços maiores nas áreas da cidade com potencial construtivo maior, aumentando o processo de exclusão sócio espacial, que se intensifica a partir da década de 1970” (ROLNIK, KOWARICK e SOMEKH, 1991). Nas áreas com maior possibilidade

de

adensamento,

por

consequência,

receberam

muito

mais

investimentos do setor imobiliário que regiões como a Z2, cuja possibilidade construtiva se realizava no máximo pela construção de edifícios de apartamentos de baixa altura. Mantinha-se assim a tradicional dicotomia centro-periferia.

13

Esse aumento era calculado através da fórmula c= T/t.C, onde c era o coeficiente máximo permitido, T a taxa máxima de ocupação, t a taxa de ocupação adotada e C o coeficiente máximo estipulado.

23


4 - A Produção Habitacional Nesta parte da pesquisa visa-se analisar a produção habitacional, no período entre 1964 e 86, materializada nos conjuntos habitacionais construídos, no que diz respeito principalmente a suas configurações urbanísticas: localização e condições de ocupação. Como objetos de análise, utilizaremos os conjuntos habitacionais construídos na Zona Leste do município. Somente nesse local foram construídos, até 2000, 67% do total da produção da COHAB-SP, demonstrando a importância desses conjuntos para a consolidação do tecido urbano nesta região:

A compra de grandes glebas na região leste na segunda metade da década de 70 foi determinante para o direcionamento de sua produção dentro desta região. O baixo custo destas terras e sua disponibilidade eram o grande atrativo para a formação de um estoque para a execução de moradias, com intuito de baixar o custo final de sua produção. (ZANDONADE, 2005, p. 43)

A escolha desses objetos se justifica porque esses conjuntos são os melhores exemplos da atuação das políticas promovidas pelo Plano Nacional de Habitação no município, na medida que representam o modelo clássico dessa produção “megaconjuntos” construídos em grandes glebas da periferia (NEGRELOS, 2014). Para realização dessa análise serão utilizadas como referências a dissertação de mestrado de Patricia Zandonade (2005), sobre “Conjuntos Habitacionais no tecido urbano da área metropolitana de São Paulo – o caso da região leste (1930 - 1986) ”, juntamente com a pesquisa de Murillo C. N. de Oliveira (2010), sobre “Habitação Social, Arquitetura e Cidade. Um estudo comparado entre a produção do BNH (19641986) e da CEF (1999-2006), no município de São Paulo”. Os conjuntos analisados são (Ver Tabela - ANEXOS):

Complexo Itaquera: Conj. Hab. Padre José de Anchieta - Itaquera IA; Conj. Hab. Padre Manoel da Nóbrega - Itaquera IB; Conj. Hab. Padre Manoel de Paiva - Itaquera IC; 24


Conj. Hab. Habitacional José Bonifácio - Itaquera II/III. Complexo Tiradentes: Conj. Hab. Prestes Maia - COHAB Guaianazes; Conj. Hab. Presidente Juscelino Kubitscheck - Jardim São Paulo IA/IIA/IIB14; Conj. Hab. Castro Alves - Barro Branco I; Conj. Hab. Santa Etelvina I-A/B e VI-A; Conj. Hab. Santa Etelvina III-A; Conj. Hab. Santa Etelvina IV-A; Conj. Hab. Santa Etelvina V-A.

Tabela 5 - Dados dos Conjuntos. Informações retiradas de OLIVEIRA, 2010.

4.1 - Tipologias As tipologias das edificações presentes em todos os conjuntos são geralmente três: edifícios verticais multifamiliares em “lâminas” e em “H15” (com duas ou três escadas); casas-embrião isoladas em lote ou geminadas em renque (OLIVEIRA, 2010, p. 82). Os edifícios nunca passavam do esquema térreo + 4 pavimentos, medida máxima para não instalação de elevadores. As casas e as casas possuíam tamanho reduzido,

14

Mesmo localizado na subprefeitura de Guaianases, o conjunto compartilha de características que o permite englobar o Complexo Tiradentes. 15 A letra “H” se refere à forma de circulação, com dois corpos retangulares paralelos afastados entre eles o suficiente para que a escada possa se implantar.

25


contando com apenas um cômodo dotado de equipamento sanitário, entretanto, previa-se sua ampliação pelo próprio morador. Como argumenta Negrelos (2014) “é possível identificar elementos de conjuntos modernos, sobretudo o bloco de habitação - que, inegavelmente, é consistente com a ideia de cidade moderna a partir da moradia econômica em edifícios multifamiliares verticais ou em lâmina ou em blocos articulados...”. Nos conjuntos do Complexo Itaquera há predominância de Blocos verticalizados, com loteamento tradicional apenas nos conjuntos Itaquera IA, II e III. Os loteamentos convencionais se encontram com maior peso no Complexo Tiradentes, com destaque para os conjuntos Castro Alves, Prestes Maia e Santa Etelvina IA, onde a presença de blocos verticalizados é esparsa.

Conjunto Pe. J. de Anchieta/Itaquera IA julho de

Conjunto Pe. J. de Anchieta/Itaquera IA,

1983. Fonte: COHAB-SP. In: OLIVEIRA, 2010, p.

casas/embrião, época das construções. Fonte:

82.

COHAB-SP. In: OLIVEIRA, 2010, p. 81.

Os blocos de apartamentos encontram-se, atualmente, com perímetro fechado por muros, transformando o espaço público entre edificações em espaço privado coletivo, com gestão condominial. As casas, como era previsto, encontram-se totalmente modificadas, correspondendo às demandas individuais de cada morador. Posteriormente, nota-se que os edifícios receberam fechamentos entre si, e não apenas ao redor das “super-quadras”, configurando-se e dividindo-se como centenas de pequenos condomínios, de acessos, manutenção e administração própria. E, com relação às casas embrião, como se prevê nestes tipos de projetos, sofreram intensas modificações pelos moradores. (OLIVEIRA, 2010, p. 81)

26


Observa-se claramente que a intenção era baratear o quanto fosse possível o custo final do lote e da construção16, utilizando de projetos simples e econômicos, que permitissem a padronização dos materiais e construção seriada em larga escala.

4.2 - Condições de ocupação 4.2.1 - Localização A grande disponibilidade de terrenos de baixo custo foi determinante para o direcionamento da produção habitacional para a Zona Leste (ZANDONADE, 2005, p. 43), região que o PUB caracterizava como ”hipótese de estrutura metropolitana para 1990”. Na época de sua construção, todos os conjuntos localizavam-se em áreas muito afastadas das regiões consolidadas: ou em locais contendo loteamentos residenciais esparsos de baixa renda como os Conjuntos Itaquera I, II e III, ou em grandes glebas rurais sem quaisquer indícios de urbanização, como os conjuntos do Complexo Tiradentes. De ambas as formas, há total contraste entre a implantação dos conjuntos e a paisagem do sítio em geral (ZANDONADE, 2005, p. 117).

Implantação do Conjunto Santa Etelvina - Entorno rural. Fonte: Arquivo COHAB-SP. In: ZANDONADE, 2005, p. 118.

16

Negrelos (2010) caracteriza esses condicionantes como sendo fruto da “racionalidade” perseguida pelas construtoras - através de licitações únicas - aliado ao imperativo governamental de produzir o maior número de moradias, e aos tipos de glebas disponibilizados na periferia.

27


Os conjuntos que compõem o “complexo de Itaquera”, Itaquera IA, IB, IC, II e III, foram um forte direcionador do vetor de crescimento do tecido urbano da região leste do município de São Paulo” (OLIVEIRA, 2010, p. 44), por isso, foram incorporados pela mancha urbana rapidamente, enquanto os demais ainda se localizam nas franjas da cidade, com alguns conjuntos como os Santa Etelvina ainda hoje fazendo divisa com a zona rural.

Mapa dos conjuntos: à esquerda - Complexo Itaquera; à direita - Complexo Tiradentes. Fonte: Google Earth. Acesso em: 30 de julho.

4.2.2 - Acesso Os acessos dos conjuntos Itaquera I e II eram possibilitados pela Estrada Itaquera (hoje av. Itaquera) e pela linha de trem, atualmente existe a opção pela Radial Leste, conexão importante entre o centro e toda região. Com relação à presença de infraestrutura de transportes os conjuntos do denominado Complexo Itaquera possuem excelente integração: vieram a receber metrô em 1988 (estação CorinthiansItaquera da Linha 3 - Vermelha) e trem metropolitano em 2000 (estações CorinthiansItaquera e José Bonifácio da Linha 11 - Coral), além das linhas de ônibus existentes. 28


Os acessos aos conjuntos do Complexo Tiradentes são dão em dois caminhos: ou pela antiga Estrada Iguatemi (atual av. Ragheb Chofi), ou por Guaianases, ao norte. Nesse local, o transporte público foi constituído desde o início apenas por linhas de ônibus municipais e intermunicipais, com tempo estimado de viagem até o centro é de aproximadamente 1h50, mas os moradores do bairro dizem que levam até duas horas e meia para fazer o percurso. Com a construção do Expresso Leste, ainda não concluída, é previsto que este tempo seja reduzido para menos de uma hora 17.

4.2.3 - Implantação e relação com o entorno Todos os conjuntos são implantados em terrenos com declividade considerável, variando de 5 a 25%, entretanto, na região do Complexo Tiradentes, com destaque para os Conjuntos Santa Etelvina e Jardim São Paulo, a topografia é mais acentuada, com faixas de declividade entre 25 e 60%18. A implantação das edificações nos conjuntos se configuravam de forma a responder apenas aos condicionantes econômicos19, portanto, é predominante a existência de taludes e arrimos “relacionados com a necessidade de aterro das áreas de implantação dos blocos do conjunto”, o que, aliás, era utilizado repetidamente, mostrando uma “desconsideração de uma continuidade com o entorno no projeto de implantação” (ZANDONADE, 2005, p. 117). Na maioria dos casos, a única preocupação com a implantação dos conjuntos residia na mínima adequação da locação dos blocos com as curvas de nível, o suficiente para não gerar custos exacerbados com terraplanagem. Em sítios que não apresentavam grandes dificuldades para o estabelecimento dessas edificações como nos conjuntos do Conjunto Santa Etelvina II e do Complexo Itaquera, apostava-se na ortogonalidade em grelha na implantação dos blocos. A melhor caracterização do terreno fica por parte do Conjunto Jardim São Paulo, que, por estar em um fundo de vale, apresenta implantação dos blocos acompanhando a linha de cota.

17

Informações retiradas do endereço: http://www.encontracidadetiradentes.com.br/cidadetiradentes/. Visualizado em julho de 2015. 18 Os dados foram retirados do site da Prefeitura de SP, presente no endereço: http://atlasambiental.prefei ura.sp.gov.br/mapas/119.jpg. Visualizado em julho de 2015. 19 Idem nota 4.

29


Isto leva a concluir que os diversos sítios, bem como sua orientação solar, não foram considerados como condicionantes de projeto. Apesar de notar um esforço na adequação dos blocos ao longo das curvas de nível dos terrenos, acaba sempre sendo a topografia adequada ao bloco padrão e não o bloco sendo adequado ao seu condicionante ambiental. (ZANDONADE, 2005, p. 120)

Conjunto Itaquera I (1983) - Implantação. Fonte: Arquivo COHAB-SP In: ZANDONADE, 2005, p. 135.

4.2.4 - Programa (Usos e Ocupação Previstas) Com relação ao tecido urbano proposto, os programas dos conjuntos estudados apresentam diferenças. Nesse sentido, Zandonade (2005:139-140) separa os conjuntos em dois grupos, com relação ao tecido urbano projetado: o modernista e o tradicional. No modernista - que são compreendidos os conjuntos Itaquera IA, IB, IC, II e III - o programa de zoneamento monofuncional dentro dos conjuntos é tão rígido que dificilmente seria convertido em outros usos. Para os blocos de apartamentos, é proposto em projeto todo o térreo como espaço público. Nessa concepção de superquadras - com maior exemplo em Brasília - se extingue a antiga separação do espaço público com o privado através da contraposição entre rua e lote, se conformava um gramado contínuo, cortado por vias de circulação

30


Conjunto Itaquera I (1983) - Térreo livre. Fonte: Arquivo COHAB-SP In: ZANDONADE, 2005, p. 135.

Já em conjuntos compostos predominantemente por loteamentos de casasembrião predomina-se o modelo tradicional de urbanização, com divisão clara entre lote privado delimitado por vias públicas de acesso. No tradicional, compreendidos os conjuntos do Complexo Tiradentes, há uma flexibilidade maior, observada nas diversas formas legais ou ilegais de apropriação e modificação do espaço construído. Exemplo disso é modificação total presente na maioria das casas, tanto em relação ao aproveitamento do lote, com ampliação e construção de novos cômodos, como em relação à novos usos, com casas transformadas em pequenos comércio e prestadores de serviços.

Conjunto Jd. São Paulo (1983) - Programa tradicional.

Fonte:

Arquivo

COHAB-SP

In:

ZANDONADE, 2005, p. 137.

31


4.2.5 - Serviços, Equipamentos e Áreas livres De um modo geral, todos os conjuntos apresentavam programas que reservavam em projeto áreas para a posterior implantação de equipamentos sociais e urbanos. A determinação para a construção desses equipamentos nessas áreas, entretanto, dependia de fatores externos à COHAB, fatores administrados por diferentes órgãos da prefeitura. Devido essas determinações, a construção desses equipamentos nem sempre aconteceu ou ocorreram muito posteriormente. Na construção dos grandes conjuntos populares é recorrente a produção da habitação com o mínimo de infra-estrutura inicialmente e, só depois, como foi é caso do complexo de Itaquera, é que se constroem os estabelecimentos comerciais, equipamentos sociais e institucionais (escolas, postos de saúde, postos policiais, centros culturais e esportivos, etc.). (OLIVEIRA, 2010, p. 110)

Esses fatores - como localização e nível de demanda - são, portanto, determinantes na estruturação dos conjuntos estudados, contribuindo para distinção entre eles. De um lado se apresentam os conjuntos localizados na Penha e Itaquera região que foi se estruturando ao longo dos anos de tal maneira que hoje abriga o maior número de equipamentos sociais implantados (OLIVEIRA, 2010, p. 44) - e de outro estão os conjuntos do Complexo Tiradentes - que, por estarem numa região mais distante, demoraram bem mais para receber tais serviços. As áreas livres por outro lado se apresentavam desde a concepção em grande quantidade, entretanto, elas não foram em nenhum dos casos estudado caracterizadas adequadamente como espaços de estar e convívio social, muito pelo contrário, eram delimitados espaços sobrantes do loteamento como áreas verdes, mas que na prática não possuíam nenhum tipo de qualificação para tal uso. Consequentemente muitas dessas áreas foram ocupadas posteriormente tanto de forma regular, ou irregular, constituindo comércios ou favelas. Entretanto, algumas poucas áreas que não foram ocupadas, no caso do Complexo Itaquera, por exemplo, “receberam, posteriormente, os equipamentos adequados ao uso”, com “áreas verdes qualificadas e transformadas em praças, parques ou centros de lazer” (OLIVEIRA, 2010, p. 118). Já no conjunto Prestes Maia, observa-se um cuidado projetivo com a implantação das praças e áreas

32


livres, de modo que esses apresentam qualidade e uso constante dos moradores ao redor.

Conj. Hab. Prestes Maia - Ă rea livre. Fonte: Google Street View, Acesso em: 30 de julho.

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5 - Estudo comparativo 5.1 - Síntese das concepções Como um ponto de partida para realização desse estudo comparativo, serão elencadas as principais características do planejamento urbano, presentes no item 3 da pesquisa, e da produção habitacional, presentes no Item 4. A concepção do PUB revela a valorização de um saber técnico presente nos órgãos burocráticos que, através da promessa de um planejamento integrado, demonstrava a crença na ideologia de que o planejamento promovido pelo Estado possibilitaria a resolução dos problemas sociais presentes no município. Suas recomendações tinham como objetivos e metas a melhoria das condições de vida da população urbana e o estímulo às atividades econômicas através da intervenção e regulação do processo de urbanização pelos órgãos de planejamento municipais. Esses objetivos cristalizavam-se em elementos da intervenção do PUB no município. Os principais elementos, elencados pela pesquisa nos itens 3.1.1 e 3.1.2, eram a habitação e o zoneamento. No setor da habitação, a política intervencionista do PUB entrava em consonância com a política nacional implantada em 1964: via-se como necessário para a reprodução das forças produtivas e para o bom funcionamento da Metrópole a melhoria das condições de habitação, seja pela construção de novas moradias, seja pela melhoria das condições existentes, ambas realizadas por agentes com financiamento do BNH. A enorme demanda de habitações por setores de baixa renda identificada, segundo o PUB, só conseguiria ser solucionada através da minimização dos custos. A COHAB-SP, portanto, deveria seguir as recomendações de construir os conjuntos em terrenos de baixo custo, utilizando tipos habitacionais simples e econômicos. Com a utilização de elementos de zoneamento, o Estado se propôs, através do PUB, a concepção de um Plano Diretor Integrado para o município, servindo de inspiração para elaboração posterior. Essas legislações posteriores, como mostrado na pesquisa, se limitaram apenas à caracterização e aplicação desse tipo de zoneamento inaugurado pelo PUB.

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No PDDI-71 foram definidas as tipologias das zonas e as categorias de uso presentes nelas, bem como recuos e taxas, elementos que tinham como principal meta ordenar a produção do espaço em São Paulo, estabelecendo um limite para seu adensamento. Enquanto que a Lei de Zoneamento de 72 apenas oficializava todas essas práticas, estabelecendo em mapa o perímetro das zonas criadas no plano anterior. A análise dos conjuntos construídos pela COHAB-SP possibilitou uma boa definição da atuação do Estado nesse segmento. De um modo geral, essa produção pode ser organizada em uma frente cujas características são: - Utilização de tipologias que permitissem projetos simples e baratos; - Padronização e construção em larga escala; - Localização em áreas periféricas muito afastadas das regiões consolidadas; - Dificuldade de acesso; - Segregação sócio-territorial; - Implantação que desconsidera o lote e seu entorno; - Utilização frequente de programas modernistas de projeto; - Falta de infraestrutura adequada; - Pouca qualificação das áreas livres; - Posterior adaptação dos espaços entre blocos ao padrão condominizado; - Dimensões extremamente ampliadas.

5.2 - Relações entre planejamento urbano e produção habitacional Podemos observar, portanto, relações entre essas características presentes nos conjuntos construídos e nas diretrizes do plano, de modo a compor um quadro crítico acerca do uso e a ocupação oferecido e promovido pelo Estado, no município de São Paulo, no período da ditadura militar.

O PUB representa, em São Paulo, a falência da ideia de que um trabalho técnico exaustivo é suficiente para direcionar a atuação da prefeitura. Muito pelo contrário, como mostra Villaça (1999:212), a profusão de dados e recomendações denota o distanciamento entre o que se chama de “super planos” e suas propostas e as possibilidades de sua implementação pelo poder público. (FELDMAN, 2005, p. 241)

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Observa-se, então, na passagem do PUB para os planos subsequentes um processo de consolidação do planejamento municipal a partir da emergência de um conjunto de práticas urbanísticas abstratas, que utilizam de recomendações vagas, índices e coeficientes para reger o funcionamento da cidade, com o emprego de legislação de uso e ocupação do solo, zoneamento, recuos, taxas de ocupação, etc. Descolado da realidade dos problemas das maiorias urbanas, o planejamento urbano subsequente à elaboração do PUB criou, com a delimitação da Z2, uma ocupação periférica imensa e indiferenciada, no modelo de baixas densidades (SOMEKH & CAMPOS, 2002, p. 128). Esta política atuou congelando o preço dessas terras, facilitando os processos de desapropriação e compra pelos agentes provedores de habitação econômica, na formação de seus “bancos de terras públicas”. Além disso, os conjuntos habitacionais construídos por esses agentes também apresentam um modelo de ocupação massivo, homogêneo e isótopo do tecido urbano, sem valor simbólico ou cultural:

Observa-se em todos os projetos deste período, uma homogeneização dos padrões das edificações e de sua implantação. Os moradores são considerados no processo como um número a ser atendido: cinco pessoas por unidade. (ZANDONADE, 2005, p. 134)

Para Negrelos (2014), o ideário moderno foi resignificado nessa política habitacional, “demonstrando o caráter capitalista da produção habitacional estatal inaugurada por Vargas no início da década de 1930”. No entanto, ainda existiam nesses conjuntos elementos de projeto vinculados à ideia de cidade moderna considerando aspectos como a integração com o espaço público, relação entre as edificações e tipificação dos edifícios. Desse modo, se justificava a imobilização - homogeneização drástica das possibilidades de produção do espaço - de toda uma zona leste da cidade para que ela absorvesse uma demanda social - a moradia - e uma demanda econômica - fazer girar o capital do BNH. A produção habitacional da COHAB-SP foi, portanto, uma produção de moradia e de cidade pautada pela necessidade de se realizar a habitação e a

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urbanização a partir dos menores custos possíveis e, por isso, compreende os vários problemas evidenciados.

Conclusões A partir dos estudos apresentados sobre a atuação das políticas públicas e instrumentos de planejamento e regulamentação sobre território no âmbito municipal foi possível cumprir o objetivo de entender o uso e a ocupação no município de São Paulo, oferecido e promovido pelo Estado, no período da ditadura militar. A ideia de planejamento e produção no município de São Paulo - fortemente amparada na produção de um espaço novo, sem particularidades e na necessidade de amparo às grandes demandas habitacionais e econômicas presentes - foi responsável pelo aprofundamento do capitalismo no país, num momento em que a presença de uma preocupação com os aspectos qualitativos da reprodução social no município no campo do planejamento e da produção da habitação, presentes num período anterior, foi reduzida à um conjunto de práticas abstratas, que travam de números, índices e coeficientes para reger e organizar a produção da cidade sob esse modo de produção.

Descolando-se da realidade e adquirindo autonomia, as ideias contidas nos planos passam a ser portadoras da ideologia dominante sobre os problemas que atingem as maiorias urbanas. (...) O planejamento urbano no Brasil tem sido fundamentalmente discurso, cumprindo missão ideológica de ocultar os problemas das maiorias urbanas e os interesses dominantes na produção do espaço urbano. (VILLAÇA, 1999, p. 222)

Para Negrelos (2014), esta questão revela os limites mais determinantes da atuação do movimento moderno na produção habitacional e urbana brasileira. As possibilidades elencadas a partir de um primeiro momento do movimento moderno de certa forma socializantes - esbarram, portanto, em “falsos problemas” para sua concretização, como o imperativo constante da escassez de recursos, a demanda explosiva da população e a oferta de terras baratas somente nas franjas da cidade.

37


Esses “falsos problemas”20, portanto, são reflexo de uma questão histórica recorrente desde a República Velha, e se fundam na estrutura fundiária brasileira que, em última análise, produzem a ideologia da propriedade privada e o patrimonialismo como herança. Na abordagem de Carrasco (2011:208-221) acerca do tema, a produção dos conjuntos

habitacionais

“somente

se

realizaria

enquanto

componente

do

rebaixamento dos custos de reprodução da força de trabalho”, na medida que seu “principal objetivo seria garantir as condições para reprodução de força de trabalho a partir dos menores custos possíveis”. Nesse sentido, o zoneamento seria responsável, entre outras coisas, “por institucionalizar as relações de desigualdade referentes ao preço da terra nas diferentes regiões da cidade”, seja direcionando os investimentos para certas áreas, seja imobilizando outras, como no caso da Zona Leste. De qualquer forma, podemos dizer que tanto o planejamento e a produção habitacional não cumpriram com seu discurso de compromisso com o bem-estar da população. Muito pelo contrário, na cidade de São Paulo e muitas outras cidades brasileiras, essas ferramentas responderam principalmente às exigências do capital, produzindo desigualdade e injustiça social. Podemos concluir, portanto, que tanto os planos municipais dos anos 60/70 como os conjuntos habitacionais construídos pela COHAB-SP contribuíram para a homogeneização do espaço urbano periférico aumentando, portanto, a exclusão sócio-espacial paulistana, intensificada a partir da década de 1970.

20

Bolaffi (1979:39) denomina “falso problema” àquilo que o Estado indica como “problema”: a escassez de recursos, a demanda explosiva, a oferta de terra barata apenas nas periferias ainda rurais onde as COHAB compravam terras para construir extensos conjuntos habitacionais. In: BOLAFFI, G. (1979). Habitação e Urbanismo. O problema e o falso problema. In: MARICATO, E. (Org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo, Alfa-ômega, pp.37-70.

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