A conversa celia

Page 1

6

Jornal da Bairrada

à conversa

16 | novembro | 2017

texto ∑ Catarina Cerca fotografia ∑ A Lei do Vinho

BAIRRADA

“O futuro da Bairrada passa muito pela unidade em prol de objetivos comuns” Célia Alves é a primeira mulher a liderar a Confraria dos Enófilos da Bairrada em quase 40 anos de história. Ciente da responsabilidade do cargo à frente da mais antiga confraria báquica do país, quer fazer um trabalho de continuidade, numa região de pequena escala onde “a diferenciação será sempre pela qualidade.” Ainda que a “maior dificuldade será sempre chegar mais longe, a novos mercados e públicos, consolidando também aqueles onde já estamos presentes”, Célia Alves defende que se aproveitem sinergias, trabalhando em conjunto, de forma a alcançar “objetivos comuns”. Jornal da Bairrada - Vai ser a primeira mulher a presidir à direção da Confraria dos Enófilos da Bairrada. Que significado tem para si? Já agora, como recebeu esse convite e porque razão aceitou?

Célia Alves - A questão de ser a primeira mulher a presidir à Confraria, para mim, não é uma questão muito relevante. É natural que foi com surpresa que vi ser-me feito este convite. Contudo, eu prefiro ver esta questão duma forma coletiva, tendo a perfeita noção que qualquer elemento da minha equipa tem qualidades e desempenharia o cargo tão bem ou melhor do que eu espero vir a desempenhar. Tenho sobretudo a noção de que este convite significa para a minha equipa uma enorme responsabilidade. Não podemos esquecer que a Confraria dos Enófilos da Bairrada é a mais antiga confraria ativa em Portugal, tendo sido constituída em 1979, por homens cujo papel na Bairrada é duma enorme dimensão. Espero estar à altura dessa enorme responsabilidade que me foi conferida pelos confrades. A Confraria dos Enófilos tem 38 anos. Sempre foi presi-

de todos aqueles que contribuíram para o seu nascimento, trazendo um novo paradigma para a Bairrada, facto do qual todos nós beneficiamos hoje. Será um trabalho de continuidade! Quais/como são as relações com a Comissão Vitivinícola e com a Associação Rota da Bairrada? Podem melhorar?

As relações com a Comissão Vitivinícola e com a Associação Rota da Bairrada são as melhores e acredito que o futuro da Confraria passará sempre por uma colaboração muito estreita com estas e outras instituições que representam a região. Veja, somos uma região de pequena escala cuja diferenciação será sempre pela qualidade. A nossa maior dificuldade será sempre chegar mais longe, a novos mercados e públicos, consolidando também aqueles onde já estamos presentes. E esse trabalho só pode ser feito com êxito se aproveitarmos as sinergias, trabalhando em conjunto. Estou crente que o futuro da Bairrada passa muito por essa unidade em prol de objetivos comuns.

dida por homens. Esta sua entrada é um sinal de renovação?

A renovação existe naturalmente na medida em que há uma nova equipa, com novas caras. No entanto, houve uma enorme preocupação de preparar o futuro preservando o passado da confraria e toda a sua história. Não foi por acaso que, quando fui desafiada para liderar este projeto, o primeiro convite que fiz foi ao Eng. Dias Cardoso que, conjuntamente com Luíz Costa e outras figuras ímpares da Bairrada criaram a Confraria. Que outras renovações gostaria que viessem a acontecer na Confraria dos Enófilos?

A equipa tem vários projetos em mente, os quais irão ser conhecidos após a nossa tomada de posse em março do próximo ano. Será um trabalho de continuidade. Gostaria que existissem mais confreiras?

Julgo que esse é um trabalho que está já a ser realizado. O papel das mulheres no cenário dos vinhos Bairrada é cada vez mais visível e preponderante. Hoje é perfeitamente natural ver mulheres a administrar empresas vinícolas,

O papel das mulheres no cenário dos vinhos Bairrada é cada vez mais visível e preponderante. enólogas de renome, a liderar projetos associativos vínicos, e todas com muito sucesso. É já foi com essa convicção que criámos uma equipa onde as mulheres irão, igualmente, ter um papel preponderante. Quais vão ser os grandes objetivos e prioridades da nova direção?

Essa será matéria que iremos discutir posteriormente com toda a equipa, a partir de março do próximo ano voltaremos a fa-

lar, mas desde já podemos adiantar que é pretensão deste grupo dar continuidade ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido conferindo novas dinâmicas à Confraria, alargando a sua componente principal que é a de divulgar e promover os vinhos da Bairrada. É com a Célia Alves como presidente da direção, que terão lugar as comemorações do 40.º aniversário da Confraria e da Região Demarcada da

Bairrada, que deverão ocorrer em 2019. Como está a ser preparada a comemoração dessa data?

São duas efemérides indissociáveis e que faz sentido serem comemoradas em conjunto, até porque na génese da Confraria e no contributo para que fosse criada a Região Demarcada da Bairrada estiveram as mesmas personalidades. Ambas tiveram um parto difícil e foram sendo adiadas por vários motivos. Coincidentemente viram a luz do dia com poucos meses de intervalo e deverão, naturalmente, ser objeto de comemoração simultânea, através também da homenagem

Todos os anos, no Grande Capítulo, entram sempre novos Confrades. Ao longo destes 38 anos serão umas centenas largas. Acha que têm sido uma mais valia para a promoção e divulgação dos vinhos Bairrada. O que pode e deve melhorar neste ponto?

A Confraria desde sempre fez uma escolha muito criteriosa na admissão de novos confrades. É uma selecção muito baseada no trabalho que essas pessoas tiveram e têm na promoção dos vinhos da Bairrada, sendo os seus embaixadores fora da Região. Aí julgo que os objetivos têm sido cumpridos, o que se constata olhando para o número crescente de novos confrades que todos os anos


CÉLIA ALVES | À CONVERSA 7

Jornal da Bairrada 16 | novembro | 2017

prestam juramento em defesa da nossa região. Julgo, no entanto, que há ainda um trabalho importante de comunicação que tem que ser feito, tornando a Confraria uma presença mais constante das redes comunicacionais, através da divulgação dos vinhos, eventos, projetos e formações a levar a cabo por esta equipa.

escala e da própria história. É preciso não esquecer que os vinhos franceses não ganharam fama e fortuna em duas ou três décadas. Em termos históricos, os franceses levam-nos dois séculos de avanço. E isso faz toda a diferença. No entanto, nas últimas duas décadas, os agentes económicos da Bairrada têm sido uns verdadeiros navegantes das descobertas, buscando novos públicos e novos mercados fora das nossas fronteiras. Mercados como o Canadá, os Estados Unidos, países escandinavos, Rússia, Brasil e muitos outros estão cada vez mais receptivos à qualidade e genuinidade do nosso vinho, facto que tem sido muito positivo para o caminho que a Bairrada está a trilhar. O caminho faz-se devagar, mas com passos seguros. E, esses, estão a ser dados.

Como vê a região neste momento (em termos de visibilidade e notoriedade) a nível nacional como internacional?

A visibilidade da região tem crescido a vários níveis. Mas não tenhamos ilusões: somos uma região muito pequena e que passa quase despercebida num mundo global. Para além disso, temos que vencer muitos preconceitos que foram criados sobre a região durante muitos anos. E esse trabalho está a ser feito e desenvolvido com passos seguros já há vários anos, com base num incremento da qualidade que é notório. O papel dos Espumantes nessa visibilidade também tem sido muito importante com projetos como o Baga Bairrada, que foi uma belíssima surpresa em termos de divulgação, cativando não só os consumidores, como também os produtores que têm aderido massivamente ao conceito e logomarca que apos-

A certificação dos vinhos na região é uma questão antiga. Como pode a Confraria “ajudar” a que os produtores da região certifiquem mais? (neste momento a Bairrada está em 8.º lugar na certificação de vinhos, das 12 possíveis)

Somos uma região com uma enorme versatilidade, como poucas regiões. ta na qualidade da região. Os críticos de vinhos nacionais e internacionais dão cada vez melhores pontuações aos vinhos portugue-

ses, incluindo os da Bairrada. Mas lá fora, eles continuam pouco conhecidos e procurados. Como é possível mudar esta tendência?

É tudo uma questão de

A Confraria deve ter como propósito a promoção/divulgação dos vinhos com denominação de origem Bairrada, só assim faz sentido.

Quem é Célia Alves Quem é Célia Alves? De onde é natural? Que idade tem? Qual a sua formação académica? Onde trabalha atualmente?

Sou natural de Santa Eulália, Arouca, tenho 43 anos e sou licenciada em Engenharia Alimentar, pela Escola Superior Agrária de Coimbra. Possuo pós-graduação em Segurança Alimentar, da Universidade Católica - Porto, e frequentei o estágio final de curso na Estação Vitivinícola da Bairrada de Técnicas de Vinificação, Acompanhamento de Vinificação e Técnicas Laboratoriais. Trabalho nas Caves São João, desde 2004, onde acumula as funções de gerente e diretora de produção. Como entrou no mundo dos vinhos? Há quantos anos? Como tem sido o seu percurso neste setor?

A minha entrada no mundo dos vinhos profissionalmente vem duma paixão muito antiga que me foi transmitida pela minha avó paterna, a minha avó Benilde. Era uma pequena proprietária que, por força do falecimento precoce do meu avô,

foi obrigada a tomar conta dos destinos duma casa agrícola composta por vinhas, e olivais. Desde criança que me recordo de acompanhar a minha avó na vindima. Era uma mulher rigorosa, com uma noção de economia muito forte. O meu trabalho em criança era apanhar todos os bagos caídos no chão durante a vindima porque nada se desperdiçava. Dizia a minha avó que, com todos os bagos do chão, fazia-se uma pipa de vinho e no poupar é que estava o ganho. Gosta de vinho? Prefere brancos, tintos ou espumantes?

Gosto de todos os vinhos, mas a minha predilecção vai para os vinhos tintos, por várias razões. O vinho tinto permite apreender mais sensações, possui maior complexidade aromática e, sobretudo, mais uma vez, por uma questão de memória do meu passado ligado ao vinho, onde a tradição era a valorização do tinto. Depois há ainda o factor gastronómico, onde o tinto surge intima-

mente ligado à nossa gastronomia bairradina de pratos com substância, como são o leitão, a chanfana, os rojões e mesmo os belíssimos pratos de bacalhau. Por último, não posso ignorar os benefícios para a saúde do vinho tinto, as suas propriedades antioxidantes e até de retardamento do envelhecimento. Qual a sua região de eleição?

Naturalmente, a Bairrada, não somente pelas suas características próprias, mas sobretudo pelo desafio que nos coloca diariamente. E eu gosto de desafios, de ter a noção que vivo e trabalho numa região com um grande potencial, mas que nem sempre foi compreendida no exterior. Felizmente, nos últimos anos todas as entidades e agentes económicos deram-se conta desse potencial e estão a trabalhar no sentido de valorizar a marca Bairrada. Um trabalho onde a unidade de todos tem sido fundamental para a ascensão da região como uma das mais apetecíveis no mercado dos vinhos nacional e internacional.

Há toda uma economia e paisagem que deve ser preservada e valorizada, só assim conseguiremos cativar e despertar os consumidores para Região. Apenas o espumante atinge um volume maior em matéria de certificação (36%). É ainda muito pouco? Que avaliação faz destes números?

Em Portugal o consumo de espumante está a subir, e nesta categoria a Região tem uma notoriedade acrescida, daí que torna-se uma mais valia para os produtores apresentar no mercado espumantes certificados com denominação de origem Bairrada, nesta categoria acrescenta valor... Já se torna comum ouvir-se por parte do consumidor “ eu quero um espumante da Bairrada”. A região da Bairrada tem dado, nos últimos anos, passos firmes na sua afirmação pela qualidade. Mas face a outras regiões do país, há ainda muito a fazer. Na sua perspetiva qual o caminho que a Bairrada deve fazer?

A região está no bom caminho, tem vindo nestes últimos a desenvolver dentro das suas possibilidades um bom trabalho quer em termos produtivos quer de promoção. O que se fez até aqui, tinha de ser feito, agora julgo que seria importante continuar com ações de pro-

moção fora da Região e do país, com intuito de darmos a conhecer os vinhos e as suas especificidades. Como é possível que, hoje, ainda sejamos confrontados com cartas de vinhos na restauração por esse país fora com os vinhos Bairrada a não aparecerem ou apenas existirem com uma ou duas referências? O que está a falhar? E já agora, porque razão uma garrafa de vinho num restaurante atinge, por vezes, um valor absurdo?

Esse é um aspecto que começa a mudar... Hoje, a restauração começa a querer diferenciar as suas cartas. Ter vinhos diferentes. A Bairrada tem aqui a oportunidade de conseguir marcar posição pela diferença e pela variedade de vinhos que pode apresentar. Somos uma região com uma enorme versatilidade, como poucas regiões. A região tem boas aptidões para oferecer desde uma excelente aguardente, um espumante, um vinho tinto, branco a até mesmos os vinhos envelhecidos em garrafa que têm sido um sucesso nestes últimos anos na introdução das melhores cartas em restaurantes de grande prestígio. R e l a t iv a m e n te a o s valores dos vin hos comercializamos é de facto um problema que não conseguimos interferir muito, apenas sensibilizar a aconselhar.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.