URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um filme de ficção científica

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URBANISMO DO APOCALIPSE favela carioca como um ilme de icção cientí ica: territórios da segregação e controle no cinema e na vida real

Liebert Bernardo Rodrigues Ferreira Pinto Orientação | Cristina Nacif Supervisão | Vinicius Netto Consultoras | Sonia Ferraz e Adriana Caúla UFF | EAU | Trabalho Final de Graduação | 2014.1


SUMÁRIO

I. APONTAMENTOS INICIAIS

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II. AS FAVELAS CARIOCAS E DISTRITO 9: UMA VISÃO PANORÂMICA

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III. MURO NA FAVELA SANTA MARTA E FUGA DE NOVA YORK

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IV. UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA NO COMPLEXO DA MARÉ E BRAZIL

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V. CÂMERAS DE VIGILÂNCIA NA ROCINHA E 1984

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VI. REMOÇÃO DA FAVELA DA TELERJ E ROBOCOP III

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VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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FONTES BIBLIOGRÁFICAS

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FONTES FILMOGRÁFICAS

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Ai! A grande cidade! Babilônia, cidade poderosa! Em apenas uma hora chegou a sua condenação! Apocalipse, 18:10


I APONTAMENTOS INICIAIS Em qualquer começo de conversa, articular na mesma sentença os termos favela e icção cientí ica seria motivo de estranhamento e inquietação. Isso se agrava quando estamos tratando de um trabalho acadêmico de Arquitetura e Urbanismo. A descon iança inicial pode inviabilizar o diálogo, desquali icando precocemente um trabalho que certamente não é óbvio. Portanto, o primeiro passo será esclarecer as questões que pairam no ar, e assim pavimentar com mais propriedade uma análise sobre as favelas na cidade do Rio de Janeiro e os con litos que surgem das políticas públicas contemporâneas em seu território.

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Inicialmente colocaremos a seguinte pergunta:

Por que os ilmes de icção cientí ica?

A imaginação é a mais cientí ica das faculdades, porque só ela compreende a analogia universal. Charles Baudelaire, 1858

Nascida no século XIX no contexto da Revolução Industrial, a icção cientí ica inaugurou o imaginário cienti icista de uma humanidade que experimentava um processo de desenvolvimento tecnológico até então sem par na História, que proporcionava ao mesmo tempo progresso e caos em meio à formação das grandes metrópoles da Idade Contemporânea. Povoada por robôs, máquinas avançadas, cidades utópicas, viagens espaciais e seres de planetas extraterrestres, esta forma de icção narra a interação humana em cenários futurísticos hipotéticos, aonde a Ciência é levada a níveis tecnológicos irrealizáveis para a sua época. Ao simular o porvir, a maioria dos autores do inal do século XIX e início do XX exaltava as conquistas cientí icas da humanidade. No entanto, os horrores vividos nos campos de batalha nas duas grandes guerras mundiais revelou a face mais desumana da alta tecnologia, empregada nas formas colossais de destruição em massa e de genocídios programados, culminando com o uso da bomba atômica. A partir de então, o pessimismo com relação à Ciência direciona o gênero da icção cientí ica à projeções predominantemente catastró icas sobre o futuro. Portanto, o contexto histórico no qual a obra de icção cientí ica é produzida é a base das especulações futurísticas, em um caráter crítico ao seu próprio tempo, e, como a irma Isaac Asimov (1984:13), “a imaginação dos autores (de icção cientí ica) está presa ao tempo e à sociedade em que eles vivem.” No seu livro Saudades do futuro: icção cientí ica no cinema e o imaginário social sobre o devir, Alice Fátima Martins sintetiza como as visões do futuro na narrativa científcoiccional estão calcadas no contexto do espaço e tempo presentes, especialmente no que concerne à representação cinematográ ica deste gênero:

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As metáforas cientí ico- iccionais das narrativas ílmicas são vistas como testemunhos dos contextos sociais e históricos nos quais são produzidas, e sua análise parte dos elementos internos da narrativa, buscando estabelecer relações com os ambientes nos quais estão inscritas. (MARTINS, 2013:4) A icção cientí ica pode ser considerada então pioneira em demonstrar visões de utopias tecnológicas e as suas implicações éticas, em uma representação do futuro como crítica ao presente. À medida que a obra de icção cientí ica está empenhada em utilizar as possibilidades reais do contexto de sua época ao imaginar o futuro, as analogias com a realidade construídas a partir de narrativas cientí ico- iccionais podem expressar qualidades premonitórias na projeção do devir. A citação de Jorge Luiz Barbosa no seu livro Paisagens Crepusculares da Ficção Cientí ica; a elegia das utopias urbanas do modernismo aponta a intimidade entre a icção cientí ica e o cinema na representação de visões do futuro: Na condição amalgamada de oráculo e fantasmacópio, pois enuncia profecias ao criar ilusões fantasmáticas, determinados ilmes de icção cientí ica constituíram uma linhagem criadora de elegias da cidade traduzindo, na relação espaço/representação, uma das mais vigorosas críticas aos rumos da metrópole e, por extensão, aos modelos urbanos que a originaram. (BARBOSA,2013:17) Deste modo, podemos justi icar a escolha do cinema de icção cientí ica como dispositivo de análise, em detrimento da Literatura, HQs e outras mídias do mesmo gênero. A poderosa experiência visual do cinema parece reforçar o caráter profético das narrativas cientí ico- iccionais, principalmente no que se refere à uma crítica ao modelo das cidades reais. Sendo então os ilmes de icção cientí ica metáforas sobre as cidades contemporâneas globalizadas e os seus con litos, contexto no qual o Rio de Janeiro se insere, pode-se destacar a presença do outro como uma ameaça de natureza desconhecida: Sobre as cidades cientí ico- iccionais pairam sempre as ameaças trazidas pela presença do outro, seres alienígenas, de origem e natureza estranhos, estrangeiros, predadores, macacos quase humanos violentos e autoritários, máquinas inteligentes que suplantam a humanidade, viajantes no tempo. (MARTINS, 2013:4) 12


A própria palavra alienígena signi ica estrangeiro ou forasteiro, a despeito do senso comum que tende a associar apenas aos seres de outros planetas. O outro tem um papel crucial na construção das analogias entre os ilmes de icção cientí ica e a realidade, sendo uma das bases das análises que permearão este trabalho; assim como na realidade, o outro na icção cientí ica é ora a vítima da segregação, ora da dominação. O ódio e a perseguição a este outro é latente, em um meio social que busca eliminá-lo ou expulsá-lo do convívio e da vista das pessoas ‘de bem’. Diante do objeto central das análises do trabalho – as favelas cariocas – podemos usar esta metáfora do outro para representar o seu território. Ora, se a favela pode ser entendida como o território da exclusão e do controle, e, portanto, do outro na vida real, temos que, de maneira análoga, a favela pode representar o território dos renegados como na icção cientí ica. No discurso das autoridades e da mídia dominante, reproduzido por parte das classes média e alta, a favela é retratada como o território próprio da criminalidade, gerando insegurança aos moradores do seu entorno. Por de inição, a favela é apenas um “conjunto de habitações populares que utilizam materiais improvisados em sua construção tosca, e onde residem pessoas de baixa renda”1. No entanto, os moradores das favelas carregam o estigma de “classe perigosa”, que precisa ser vigiada, controlada, cercada, expulsa, en im, combatida e eliminada em seu território para que a paz dos “cidadãos de bem” seja assegurada. Dentro dos tópicos sobre os con litos para as políticas públicas contemporâneas para as favelas da cidade do Rio de Janeiro, as analogias com os ilmes de icção cientí ica podem ser trabalhadas no sentido da construção de diferentes metáforas. Por exemplo, se o tema for vigilância: a teletela, que eram os olhos eletrônicos do Grande Irmão em 1984 (famoso livro de George Orwell, transformado em ilme por duas vezes), pode ser comparada às câmeras instaladas na favela da Rocinha. Podemos então considerar que os ilmes de icção cientí ica são “fontes de metáforas que re letem o ideário, o imaginário social sobre passado, presente e futuro” (MARTINS,2013:29). A História oferece subsídios para que possamos olhar para o passado e construir uma crítica ao presente. Já a icção cientí ica tem a possibilidade de proporcionar visões futurológicas baseadas na época atual, o que permite reconhecer a nossa realidade nas projeções do devir, e assim também produzir uma crítica ao presente. 1 Dicionário Houaiss.

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Por que o cinema como ferramenta de estudos urbanos?

O cinema então coloca-se ao lado do mundo, parecendo exatamente o mundo. J.Dudley Andrew, 1989

A complexidade do urbano, especialmente no que toca aos valores que extrapolam a sua existência ísica, pode estimular a busca por modos de apreensão da cidade que vão além dos mapas e textos. O cinema, dentre as formas de representação visual existentes, foi escolhido no presente trabalho como ferramenta de estudos urbanos devido à sua forte impressão de realidade, registrando a espacialidade dos objetos e o espaço por eles ocupado. No caso da icção cientí ica, mesmo o irreal pode se apresentar aos olhos do espectador com a aparência de um acontecimento. A impressão de realidade é fundamental na composição do caráter profético dos ilmes de icção cientí ica, sendo esse caráter um elemento-chave no exercício de comparação crítica das cidades reais com as iccionais. Essa qualidade premonitória ganha credibilidade a partir do momento que o espectador “con ia nas imagens técnicas tanto quanto con ia em seus próprios olhos”. (FLUSSER, 2002:8) De essência cosmopolita, o cinema soube manifestar a inquietação da sociedade ocidental ao longo do século XX. Uma nova forma de ver o mundo foi inaugurada quando em 1895 os irmãos Lumiére apresentaram o cinematógrafo em Paris, causando espanto e fascinação com “A chegada do trem na estação”. Muito mais do que a projeção de fotogra ias de forma rápida e sucessiva, a reprodução das imagens em movimento superou a sensação de realidade que a própria fotogra ia havia alcançado. O teórico de cinema Christian Metz discorre sobre o tema: Antes do cinema, havia a fotogra ia. Entre todas as espécies de imagens, a fotogra ia era a mais rica em índices de realidade, (...)já que a sua representação fora alcançada através de um processo mecânico de duplicação; era assim, de certo modo, o próprio objeto que se imprimira a si mesmo na película virgem. Mas esse material tão semelhante ainda não o era su icientemente; faltava-lhe uma transposição aceitável do volume, faltava-lhe a sensação do movimento, comumente sentida como sinônimo de vida. O cinema trouxe tudo isto de uma vez só, e – suplemento inesperado – não é apenas uma 14


reprodução qualquer, plausível, do movimento, que vimos aparecer, mas o próprio movimento com toda a sua realidade. (METZ, 2012:28) A narrativa nascia a partir dos quadros em sequência dentro de uma determinada duração de tempo, o que, juntamente com o advento dos ilmes sonoros, ampliava ainda mais essa ilusão de parecer real que o movimento da projeção cinematográ ica já sugeria. Sobre o tempo, o cineasta Andrei Tarkovski de ine que ele, “registrado em suas formas e manifestações reais”, é a própria concepção do cinema enquanto arte (1998:72). O espaço, enquanto dimensão da realidade, pode ser vivido através da representação cinematográ ica como uma experiência multissensorial que transita no limiar entre o abstrato e o real: O cinema é, sim, uma mediação entre o espaço como conceito – a partir de recortes e representações moldados pela sétima arte – e o espaço como experiência – na medida em que os deslocamentos da câmera e dos objetos ilmados e a impressão de realidade próprios à sétima arte possibilitam uma vivência próxima à empírica. (NAME, 2013:67) Essa percepção do parecer real, na concepção de Tarkovski (1998:220), vai ainda mais longe: para ele, o cinema proporciona ao espectador a sensação de que a própria vida está sendo projetada na tela, em uma relação de intercâmbio íntimo com a realidade, na qual o espectador tem “a oportunidade de vivenciar o que está ocorrendo na tela como se fosse sua própria vida, e de apropriar-se, como ela se fosse a sua experiência impressa no tempo e mostrada na tela, relacionando sua própria vida com o que está sendo projetado.” ***

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Por que a favela?

Um pedaço do inferno aqui é onde eu estou/ Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou. Racionais Mc’s, 1993

Após a explanação das premissas teóricas relativas ao uso dos ilmes de icção cientí ica, se faz necessário introduzir o porque do objeto principal do trabalho – a favela. A inquietação se origina a partir do seguinte questionamento: qual será o lugar destinado à favela carioca nas intervenções urbanas contemporâneas? Fui inserido no tema a partir da minha participação como bolsista de iniciação cientí ica, nos anos de 2010 e 2011, no grupo de pesquisa Arquitetura da Violência, coordenado pela Profª Drª Sônia Maria Taddei Ferraz. O texto a seguir condensa as re lexões sobre a favela presentes nas publicações do período que atuei no grupo2. As análises se iniciam a partir de 2009, mesmo ano da eleição da cidade do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016. A euforia não poderia ser maior: em 2007, o Brasil já havia sido escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014. A “Cidade Maravilhosa” evidentemente não poderia icar de fora, sendo escolhida como uma das cidades-sede do evento. Era o começo de uma nova era de intervenções urbanas profundas, justi icadas em nome dos preparativos para os dois grandes eventos e capitaneadas pelo prefeito Eduardo Paes e pelo governador Sérgio Cabral. Tudo haveria de ser feito em nome de um ideal de “Cidade Olímpica”, e as esferas de governo municipal, estadual e federal se comprometeram a trabalhar em sincronia 2 Fui co-autor dos trabalhos Arquitetura da Violência: cidade limpa e segura para turista ver apresentado no III Seminario Internacional de Derechos Humanos, Violencia y Pobreza (Montevideo, 24-26 de novembro de 2010); Arquitetura da Violência - Muros e UPPs: as políticas públicas para as favelas cariocas - Direito à cidade para quem? Apresentado no II Congresso Internacional do Núcleo de Estudos das Américas - Sistemas de Poder, Pluriculturalidade e Integração (Rio de Janeiro, 20-24 de setembro de 2010); Arquitetura da Violência - Regulações de uma sociabilidade urbana excludente: (b)ecos de uma reordenação olímpica da Cidade Maravilhosa apresentado no XX Seminário de Iniciação Cientí ica e Prêmio UFF Vasconcellos Torres de Ciência e Tecnologia (Niterói, novembro de 2010) e Arquitetura da Violência - As favelas como o lugar da espetacular guerra da paci icação XIV apresentado no Encontro Nacional da ANPUR - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Rio de Janeiro, 23-27 de maio de 2011)

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para viabilizar tais esforços. A rotina de preparação do Rio de Janeiro para os megaeventos esportivos inclui a construção de muros (ou barreiras) e instalação de Unidades de Polícia Paci icadora nas favelas situadas em locais estratégicos da cidade, além da remoção de moradias favelizadas. Essas políticas revelam a intenção de garantir aos turistas, ao Comitê Olímpico Internacional (COI) e à Federação Internacional de Futebol (FIFA) que todas as medidas estão sendo tomadas para a segurança do evento, visto que a favela segue estigmatizada como o território da insegurança. Jornal O Globo - Opinião Página 17 - 24/08/2010

Além de despertar o temor da violência, para o senso comum a simples visão de uma favela insinua sujidade; uma interferência caótica, imunda e inconveniente na paisagem urbana, que deve ser varrida e combatida em nome do embelezamento e da higiene da Cidade Maravilhosa: A aproximação da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 parece se apresentar como uma ocasião excepcional para a legitimação necessária do ritmo acelerado desta ‘limpeza humana’ de áreas urbanas que, como a irma Davis3, ‘no mundo inteiro é o último estágio alcançado pelo inveterado con lito entre ricos e pobres pelo direito à cidade’. A perspectiva da realização desses grandes eventos recoloca em cena, com maior ênfase, a questão da favelização. As análises das repercussões dos Jogos Pan-Americanos de 20074 e da Copa do Mundo de 2010, de certa forma corroboram esta hipótese, na medida em que já revelaram que os investimentos maciços para viabilização desses acontecimentos não foram capazes de minorar a exclusão econômica, mas, acentuaram a invisibilidade da pobreza aos olhos do mundo. (FERRAZ, CARDOSO e RODRIGUES, 2010:1)

3 (DAVIS, Mike, 2005 apud FERRAZ, CARDOSO e RODRIGUES, 2010:1) 4 Segundo Sánchez e Bienenstein (2009, pg.14), os jogos pan-americanos têm contribuído para acirrar as desigualdades sócio-espaciais nas metrópoles onde ocorrem e a desproporção entre os investimentos em infra-estrutura esportiva permanente e os gastos em infra-estrutura de consumo coletivo contribuiu para o acirramento das disparidades sócio-espaciais, à medida que privilegiaram, em grande medida, equipamentos esportivos que posteriormente seriam transferidos para a iniciativa privada.

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De tal forma, a produção do espaço urbano do Rio de Janeiro se pauta na busca pela segurança: por um lado, a iniciativa privada constrói empreendimentos imobiliários que prometem “exclusividade” aos seus moradores – entenda-se por exclusividade a literal exclusão da presença do outro dentro do condomínio fechado; por outro, o poder público assegura a paci icação dos territórios favelados, mantendo sob controle do Estado a contenção das classes “perigosas”, responsabilizadas pela violência da cidade. A gueti icação dos mais pobres garante a tranquilidade dos mais abastados, uma vez que “a liberdade sacri icada em nome da segurança tende a ser a liberdade dos outros.” (BAUMAN,2003:24) A “paci icação” da favela – por meios nada pací icos – se revela fortemente necessária à valorização dos imóveis “do asfalto”, enquanto que as empresas privadas ajudam a inanciar a manutenção do programa das UPPs. Se a intenção dos empresários foi ilantrópica ou por puro interesse inanceiro, o fato é que a paci icação se mostrou um investimento altamente rentável ao mercado imobiliário. Portanto, qual será o lugar destinado à favela carioca nas intervenções urbanas contemporâneas? O horizonte não parece promissor: as atuais políticas públicas para as favelas (muros e barreiras, UPPs, câmeras de vigilância e remoções) são medidas que acentuam a segregação e a exclusão social e espacial, e a aproximação dos megaeventos revela que nada foi feito para que as classes mais baixas que habitam os territórios favelizados sejam contempladas pelo legado de melhorias prometido pelo discurso o icial. Mais uma vez os pobres vão icar de fora da festa. ***

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Jornal O Globo - Página 23 - 25/08/2010

Jornal Folha de São Paulo - 16/03/2011


O que é o urbanismo do apocalipse?

Dado que poseemos el poder de ponemos in unos a otros, somos los señores del apocalipsis. Günther Anders, 1956

Conceituo como urbanismo do apocalipse o exercício de reconhecimento de práticas com desdobramentos em territórios reais que revelam semelhanças com cidades de cenários apocalípticos da icção cientí ica. O apocalipse é aqui entendido como um quadro extremo de degradação da humanidade que conduz ao seu próprio extermínio. Para o ilósofo alemão Günther Anders (1902-1992), o apocalipse da raça humana decorreria em grande medida na impotência e incompetência perante o desenvolvimento técnico, na padronização do mundo e no comportamento passivo diante dos veículos de comunicação. Sobre a inconsequência dos atos dos homens, Anders considerava que é possível “planejar e realizar hoje, sem problemas, a destruição de uma grande cidade com a ajuda de meios de destruição por nós fabricados. Mas imaginar este efeito, avaliá-lo, só o podemos insatisfatoriamente.” (ANDERS, 1994:267) O apocalipse pode ser hoje; o apocalipse pode ser exatamente agora. No entanto, a possível aproximação dele não necessariamente nos faz percebê-lo. Portanto, o urbanismo do apocalipse não se propõe a uma futurologia banal ou algum tipo de denúncia cataclísmica, mas sim a um exercício re lexivo sobre a gravidade de intervenções contemporâneas se assemelharem com tanta intimidade à eventos retratados na icção como apocalípticos. Nesse sentido, a própria condição humana contemporânea pode ser questionada, a partir do momento que a ruína do outro e do seu território na vida real é banalizada, naturalizada, incentivada e comemorada. O cataclisma está próximo? A verdade: não é possível dizer não ou sim, mas é possível questionar ações reais que no passado a icção cientí ica imaginou como catastró icas.

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Entre imagens, discursos e estratégias de dominação similares na icção e na vida real, em qual ponto se identi ica um urbanismo do apocalipse? Não é simples e menos ainda óbvio, mas a pertinência da metáfora entre as narrativas cientí ico- iccionais e a realidade pode ser construída a partir da clareza das aproximações entre os dois cenários e da coerência da análise crítica. O urbanismo do apocalipse, portanto, é observado à partir da comparação entre dois objetos que são avaliados em um constante exercício dialético. O conceito de urbanismo do apocalipse será desenvolvido em cinco partes, sendo cada uma relacionada a um ilme especí ico ao tema. O trabalho se desenvolve na seguinte ordem:

A FAVELA CARIOCA E DISTRITO 9

uma visão panorâmica

MURO NA FAVELA SANTA MARTA E FUGA DE NOVA YORK materialização espacial da segregação

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UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA NO COMPLEXO DA MARÉ E BRAZIL pacificação ou militarização?

CÂMERAS DE VIGILÂNCIA NA ROCINHA E 1984 ‘Big Brother’ na favela

REMOÇÃO DA FAVELA DA TELERJ E ROBOCOP III ‘juízo final’ em forma de limpeza humana-urbana

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Sim, a favela real pode revelar traços do apocalipse descrito na icção. Na perspectiva dessas intervenções urbanas que negam à parte socialmente mais frágil da população o acesso democrático à cidade, o objetivo do trabalho é demonstrar o ponto no qual a favela carioca contemporânea revela semelhanças com os cenários apocalípticos descritos nos ilmes de icção cientí ica, partindo da análise das políticas públicas para as áreas favelizadas e dos desdobramentos urbanísticos em seu território. Realidade e icção colidem e se confundem em uma infeliz coincidência de estratégias, discursos e utopias, sinalizando o reordenamento urbano autoritário que incide sobre a cidade do Rio de Janeiro, calcado na exclusão e na segregação. ***

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O trabalho é um olhar crítico sobre a favela e as políticas públicas que incidem em seu território a partir do ponto de vista dos seus moradores. Em vista à problematização e ao objetivo colocado, o método cientí ico dialético se mostrou apropriado para a realização das análises espaciais, já que, segundo Henri Lefebvre (2006:453), “somente uma análise dialética permite descobrir as relações exatas entre as contradições no espaço e as contradições do espaço: aquelas se atenuam, aquelas se acentuam.” Além da pesquisa bibliográ ica, foram realizadas visitas a campo pontuais nas favelas Dona Marta, Rocinha e Maré. Utilizando como base o acervo da pesquisa Arquitetura da Violência, iniciou-se a partir de novembro de 2013 a coleta diária das notícias de jornais impressos e virtuais, especialmente do jornal O Globo. Neste ponto, abro um parênteses para o importante papel do referido jornal e da Organizações Globo na construção de um discurso legitimador das ações violentas do Estado na favela, discurso este assumido por grande parte da opinião pública carioca (já que, além de ser o veículo impresso de maior circulação, a maioria da população brasileira “fala” o idioma globês5). Como efeito de comparação, contraponho o discurso consensual entre o Estado e o jornal O Globo ao ponto de vista do favelado. O apoio irrestrito deste jornal à “retomada” do território da favela pelas autoridades, distante da imparcialidade e da veracidade dos acontecimentos, sugere que estamos tratando de uma “agência de propaganda mal disfarçada de jornalismo.” 6 h tt p:/ /p o n to d ep a ut a. ile s.w o rd p re ss . com/2013/06/globo-nao-penso-nao-existo-soassisto.jpg

Paralelamente, foram escolhidos sete ilmes, de uma lista inicial de 44 obras, reconhecidos como do gênero de icção cientí ica. Foram eleitos os ilmes que ofereciam mais subsídios às discussões sobre o tema, no que diz respeito à identi icação de semelhanças entre o cenário da icção e o real, além de narrativas que favorecessem a construção de metáforas e de um repertório imagético que pudesse ser associado com a favela. São eles (em ordem alfabética): 1984 (1956), 1984 (1984), Blade Runner (1982), Brazil (1985), Distrito 9 (2009), Fuga de Nova York (1981) e Robocop III (1993). 5 O Brasil fala globês. Publicado in: Canal da Imprensa - 23 de março de 2006, 55ª edição. Escrito por Rizza de Matos. 6 A crise nas UPPs. Publicado in: Observatório da Imprensa - 13 de março de 2014, 789ª edição. Escrito por Sylvia Debossan Moretzsohn. www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_ crise_nas_upps.

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BREVE HISTÓRICO DA FICÇÃO CIENTÍFICA

As histórias fantásticas sempre povoaram a imaginação dos homens desde os primórdios da civilização. A icção cientí ica se apresenta como uma adaptação dessa emoção ao modo de vida na sociedade industrial, manifestando as quimeras das possibilidades tecnológicas. Deve ter existido alguma coisa anterior a ela, algo que não seria icção cientí ica, mas satisfazia às mesmas necessidades no campo das emoções. Hão de ter aparecido estórias estranhas e diferentes a respeito da vida como a conhecemos, e acerca de poderes que transcendem os nossos poderes. (ASIMOV, 1984:22) O impacto do surgimento da icção cientí ica no imaginário dos indivíduos do século XIX correspondeu à demanda por um devaneio futurológico que correspondesse aos avanços cientí icos de uma sociedade que se industrializava em um ritmo estonteante. O contexto da época nos faz acreditar que “a Revolução Industrial acelerou as mudanças na sociedade de forma nunca antes vista, gerando curiosidade em relação a essas mudanças através de uma extrapolação do presente.” (AMARAL, 2004:2) Hugo Gernsback foi o inventor do termo icção cientí ica (science iction), quando lançou nos Estados Unidos da América a revista Science Wonder Stories, em 1929. O mesmo Gernsback havia designado anteriormente o gênero como scienti iction, ao se referir a revista Amazing Stories, em 1926. Ao propor o termo scienti iction, Gernsback de inia aqueles romances entremeados de fato cientí ico e visão profética. O enorme sucesso de sua revista tem sido atribuído a duas razões. Em primeiro lugar, o avanço cientí ico e tecnológico ocorrido desde o início do século XX, impulsionado pela disputa entre as nações industriais, levou à de lagração das duas Guerras Mundiais, cujas terríveis isionomias superaram em muito a maioria de fantasias imagináveis nos séculos anteriores, servindo de fonte inspiradora para toda uma nova geração de escritores do gênero cientí ico- iccional. A segunda razão está relacionada à instalação, à época, da indústria cultural, da literatura de massa que, posteriormente, encontrou, na indústria cinematográ ica, um veículo imbatível para veicular e vender a públicos de todo o mundo suas 24


metáforas e fantasias. (MARTINS, 2013:34) O historiador Ciro Flamarion Cardoso, uma das maiores referências brasileiras sobre a icção cientí ica, reforça a importância do gênero no imaginário popular no século XX: O gênero que nos ocupa, desde sobretudo a década de 1950, também esteve presente e ocupou um lugar considerável no cinema, na televisão e nas histórias em quadrinhos. Se isto for levado em conta em conjunto com a literatura, pode-se dizer que a icção cientí ica constituiu um dos vetores centrais de expressão para o imaginário do século XX, no tocante à chamada cultura popular ou cultura de massa. Suas temáticas, por extraterrestres que possam parecer às vezes, têm muito a ver com angústias e esperanças reais, projetadas em metáforas e imagens variadas: variadas no interior de cada período mas, também, no tempo, conforme mudem as preocupações presentes na sociedade, tais como as capta a cultura popular. (CARDOSO, 2003:86) A icção cientí ica, em quase dois séculos de existência, se desdobrou de diferentes formas em diferentes períodos, ancorando sempre a sua narrativa no contexto histórico de sua época.

O PERÍODO CLÁSSICO (1818 - 1938) No século XIX, as bases fundamentais da icção cientí ica foram lançadas pelos romances góticos. A fantasia das histórias de terror foi transportada para o ponto de vista das profecias sobre os avanços tecnológicos da época. Segundo o historiador Ciro Flamarion Cardoso (2003:9), “(...) a icção cientí ica seria um ramo novo suscitado na tradição da história de horror pela Revolução Industrial e pelos avanços cientí icos, desde o início do século XIX.” Considera-se que “Frankenstein” (1818), de Mary Shelley (1797 - 1851), foi a primeira obra a caminhar na fronteira entre o gótico e a icção cientí ica, ainda que não possa ser considerada um conto cientí ico- iccional por excelência. 25


Julio Verne (1828 - 1905) foi o escritor que reconhecidamente inaugurou o gênero de icção cientí ica. O contexto no qual as suas obras foram produzidas era de grande euforia com relação ao futuro, e os novos avanços tecnológicos pareciam ser a chave para a resolução dos con litos da humanidade. Os seus livros mais famosos foram “Viagem ao centro da terra” (1864), “Vinte mil léguas submarinas” (1870) e “A volta ao mundo em oitenta dias” (1872). H. G. Wells (1866 - 1946), também considerado como um dos patronos da icção cientí ica, escreveu sobre viagens no tempo (“A Máquina do Tempo” de 1895) e batalhas intergaláticas (“A Guerra dos Mundos”, de 1898). As capacidades premonitórias de seus romances foram capazes de antever as experimentações genéticas (“A Ilha do Dr. Moreau”, de 1896) e os bombardeios atômicos (“The Shape of Things to Come”, de 1933). Após a ruína da Europa na Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918), os Estados Unidos da América despontava como a grande potência mundial, apresentando um espantoso avanço industrial: o pólo da produção da icção cientí ica se muda do Velho Mundo para o país norte-americano, local no qual a se popularizou consideravelmente o gênero. No mesmo sentido, o escritor inglês Aldous Huxley (1894 - 1963) migrou para Los Angeles após o sucesso do clássico “Admirável Mundo Novo” (1932), obra marcada pelo pessimismo com relação à ciência e a própria sociedade humana de maneira geral, em um cenário contemporâneo aos desdobramentos da Grande Depressão de 1929 e do avanço do Fascismo na Europa. A partir dessa negativadade com relação aos rumos do gênero humano que surge inalmente a visão de apocalipse das cidades cientí ico- iccionais.

GOLDEN AGE (1938 - 1960) Durante os anos seguintes até a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), o amadurecimento das teorias sobre a Física e a Química, que deram origem à experiências como a issão do urânio para a construção da bomba nuclear, incentivou os escritores de icção cientí ica a detalhar com maior riqueza e requinte técnico as narrativas. A partir de então, o contexto da época demandava um maior rigor no cumprimento das possibilidades cientí icas reais da época, para que a narrativa cientí ico- iccional fosse palatável e para que os exercícios futurológicos ganhassem mais credibilidade. 26


Ainda que o pessimismo pautasse as obras de icção cientí ica, o entusiamo pelos progressos cientí icos se manifestava a partir dos avanços das pesquisa de exploração espacial, que se expressaram na corrida entre a União Soviética e os Estados Unidos pelas descobertas no espaço, no contexto da Guerra Fria. Os autores de maior importância desta época, cujas obras reverberam até os dias atuais, foram Isaac Asimov (1920-1992), autor de “Eu, Robô” (1950), Ray Bradbury (1920-2012), autor de “Fahrenheit 451”(1953) e George Orwell (1903-1950), autor de “1984” (1949). As experiências totalitárias vivídas até então na Europa povoam irremediavelmente o futuro apocalíptico que se desenhava no imaginário dos autores de icção cientí ica: robôs e supercomputadores a serviço de formas de controle social e comportamental extremas convivem com seres humanos biônicos, colônias espaciais, viagens no tempo.

NEW WAVE (ANOS 60 - ANOS 80) Enquanto o mundo era sacudido nos anos 60 pela subversão cultural do rock n’roll, da liberação sexual e da experimentação de drogas alucinógenas, pelas manifestações em favor dos direitos das minorias e por todos os demais direitos civis, a estabilidade das nações ocidentais no pós-guerra era abalada momentaneamente. Em meio à revoluções comportamentais profundas, a icção cientí ica absorvia essa atmosfera libertária fazendo novas experimentações, extrapolando o campo das ciências exatas: as ciências sociais entravam em cena nas narrativas do gênero. As angústias e paranóias dos indivíduos se manifestam nas sociedades dos cenários futuristas, colocando em primeiro plano questões existenciais. O pessimismo, mais do que nunca, sublinhava as narrativas cientí ico- iccionais. A obra que melhor representa a New Wave da icção cientí ica foi “Laranja Mecânica” (1962), de Anthony Burgess (1917-1993): os embates éticos sobre violência, sexo, liberdade e poder se inserem nos avanços tecnológicos, que se manifestam como expressões fantasmagóricas das sociedades apocalípticas do futuro. O romance “Do Androids Dream of Electric Sheep?” (1968), de Philip K. Dick (1928-1982), foi além dos elementos da New Wave, e icou notório por ser o precursor do estilo que se seguiria – o Cyberpunk. A sua adaptação cinematográ ica, Blade Runner (1982), talvez seja a obra de icção cientí ica mais in luente de todos os tempos (dela falaremos mais à frente). 27


CYBERPUNK (DÉCADA DE 80 EM DIANTE) Mais do que a representação de um futuro ultracibernético, o Cyberpunk se notabilizou por associar intimamente a ciência avançada a um cenário político e social apocalíptico, no qual metrópoles globalizadas, caóticas, poluídas, escuras e degradadas abrigam indivíduos marginalizados que lutam pela sua sobrevivência em uma impiedosa e aética selva urbana. Neste cenário se desenham adventos tecnológicos espantosos, onde a evolução natural do homem é suplantada por manipulações genéticas e implantes cibernéticos. Ao mesmo tempo, os índices de criminalidade são altíssimos, assim como a desigualdade social. A narrativa responde à dualidade entre alta tecnologia e baixo nível de vida, e expressa a cultura de massa dos anos 80, que marca o declíno da era industrial e o início da era da informação, a fundação de empresas como a IBM e a Apple, a popularização do vídeo-game, do CD, da música eletrônica a expansão das grandes corporações globalizadas. O estilo Cyberpunk representa o auge das visão apocalípticas do espaço urbano das cidades da icção cientí ica. Certamente é o estilo que mais contribuiu na representação iccional do que conceituo como urbanismo do apocalipse. O termo Cyberpunk deriva da união dos conceitos da cibernética e do punk : a mais avançada tecnologia se articula à contracultura, ao underground, ao descontrole, à subversão e à atitude do “faça você mesmo” que deriva do movimento punk inglês dos anos 70. O subgênero teve como seu maior expoente William Gibson, autor de “Neuromancer” (1984). É patente no Cyberpunk a sátira ao capitalismo e à sociedade; um cenário bastante comum é o domínio de empresas multinacionais, que substituem os governos e nações, sendo atacadas por grupos que desa iam o seu poder. Os protagonistas das narrativas Cyberpunk costumam ser renegados de tribos urbanas, que procuram meios de subverter as ferramentas tecnológicas criadas pelo “sistema” para prejudicá-lo, lembrando a estratégia do hacker – igura do mestre em informática que rouba e manipula dados, surgida nos anos 80. É recorrente o uso de arti ícios como implantes mentais, próteses robóticas, viagens no ciberespaço, clonagem e outras experiências genéticas. A ideologia anarquista e a desobediência civil do movimento punk inspiraram o questionamento das relações de poder da sociedade hiper-globalizada da icção cientí ica.

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BLADE RUNNER: UM CASO À PARTE Por suas qualidades estéticas e pelo poder das suas metáforas sobre a sociedade contemporânea, o ilme Blade Runner (1982), de Ridley Scott, foi um marco na história do cinema de icção cientí ica e do gênero Cyberpunk, merecendo destaque nesta introdução. Diversos estudiosos respeitados na área do Urbanismo – David Harvey e Mike Davis, por exemplo – se debruçaram sobre esta obra em re lexões sobre a cidade.

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Na Los Angeles de 2019, o apocalipse se manifesta na publicidade invasiva e poluidora, no abismo social, na poluição, na degradação urbana, na descartabillidade humana e nos avanços tecnológicos que desa iam as questões éticas. À medida que nos aproximamos do ano de 2019, as profecias enunciadas na película se assemelham à realidade, aumentando a reputação de Blade Runner como uma das mais pertinentes críticas à cidade capitalista pós-moderna. O ilme narra a perseguição a um grupo amotinado de replicantes, robôs mais fortes e ágeis que os seres humanos e iguais em inteligência, criados pela megacorporação Tyrell para serem utilizados como escravos na perigosa exploração interplanetária. Eles se rebelam e fogem para a Terra, aonde são declarados ilegais sob pena de morte. Eles são caçados por blade runners, policiais especiais que, segundo o texto introdutório do ilme, “tinham ordens de atirar para matar qualquer replicante. Isto não era chamado execução, mas sim ‘aposentadoria’.” Deckard (Harrison Ford), um ex-blade runner, é encarregado de “aposentar” os robôs.

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A cena inicial é uma panorâmica da Los Angeles do futuro: uma metrópole de dimensões colossais, cujas luzes se perdem no horizonte; veículos voadores trafegam entre arranhacéus, fumaça e labaredas; poluição sonora e visual traduzem a confusa paisagem, enquanto que a chuva ácida precipita intermitentemente; grandes outdoors eletrônicos anunciam “uma nova vida nas colônias interplanetárias”; uma propaganda da Coca-Cola é exibida em telões voadores cujas luzes invadem ruas, lojas e habitações, iluminando a escuridão reinante. Na escala da rua, o cenário de Blade Runner desvela, segundo David Harvey (1992:281), as “péssimas condições da frenética massa humana que habita as ruas criminosas de um mundo pós-moderno decrépito, desindustrializado e decadente.” Em um estrato urbano e social mais elevado, a imponência do edi ício da Corporação Tyrell abriga a riqueza e as maravilhas da alta tecnologia, sendo o único lugar do ilme de onde se pode ver o Sol.

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O contexto do capitalismo pós-moderno, terreno das metáforas de Blade Runner, é uma realidade globalizada na qual a cidade do Rio de Janeiro se insere. As dualidades do cenário Cyberpunk se mostram pertinentes à representação crítica das contradições do sistema capitalista. O ilme apresenta os “replicantes” como um símbolo da força de trabalho contemporânea: Eles (replicantes) foram projetados como a forma ideal da força de trabalho de curto prazo, altamente quali icada e lexível (um perfeito exemplo de trabalhador dotado de todas as qualidades necessárias para se adequar às condições de acumulação lexível). (HARVEY, 1992:278) O grupo rebelde de replicantes da geração Nexus 6, liderados por Roy Batty (Rudger Hauer), volta a Terra buscando prolongar o seu tempo de vida, de apenas 4 anos, e ao mesmo tempo fugir da escravidão nas colônias interplanetárias. Mais do que romper os grilhões, o grupo buscava uma identidade, um lugar no mundo; algo desconhecido que se assemelhasse à vida e que lhes aplacasse a angústia. A condição dos replicantes na icção cientí ica é uma metáfora adequada para representar a “robotização” da força de trabalho humana explorada no modelo econômico capitalista industrial (ou pósindustrial): Já no século XIX era claro o temor das conseqüências de tais processos. Dostoievsky, por exemplo, via em 1864 o homem como ser programado (se quisermos usar um termo atual) pelos avanços no conhecimento das leis da natureza, tornando-se algo análogo a uma tecla de piano ou ao tubo de um órgão.(...) No século XX, tais temores só izeram acentuar-se. Foram primeiro as aplicações do taylorismo e do fordismo, a maximização da e iciência (pre igurando a moderna ergonomia) e a linha de montagem, em que os operários individuais se pareciam a engrenagens limitadas e alienadas. Foi a seguir a descoberta das programações sociais dos comportamentos e o medo da desumanização e da perda de autonomia pelo gênero de vida - aquilo que os franceses chamam de métro/boulot/dodo, isto é, metrô ou outros transportes coletivos/trabalho/sono como resumo da vida da maioria das pessoas, a não ser nas férias, que ocupam somente uma pequena parte do ano -, pelo consumismo, pela publicidade, pelos meios de comunicação de massa. Num contexto assim, um robô pode ser metáfora iccional em mais de um sentido: os homens se parecem crescentemente a máquinas; e as máquinas podem voltar-se contra os seus criadores ou, simplesmente, como máquinas que são, os robôs podem ser malignos. (CARDOSO, 2003:65) 30


Na cidade do Rio de Janeiro, a favela é o território do trabalhador cuja mão-de-obra é a mais explorada e menos remunerada, se caracterizando socialmente, economicamente e espacialmente por ser “uma força de trabalho barata, segregada e excluída da cidade legal.” (MARICATO, 2013:21) A estrati icação social na Los Angeles de 2019 se espacializa por camadas verticalizadas, na qual o nível da rua é destinado aos excluídos, que vivem na escuridão. Acima deles, a elite social da Terra habita faustosos edi ícios em formato piramidal que monopolizam o acesso aos raios solares. No topo, as classes mais abastadas moram em outros planetas, uma ”terra dourada de oportunidades e aventuras”, segundo o slogan do “paraíso” interplanetário: A propaganda empresarial convoca os habitantes de Los Angeles 2019 AD à colonização de um outro mundo. Apenas os fracos, doentes e os desajustados de toda ordem permaneceram na metrópole do futuro. (BARBOSA, 2013:138) Mais do que o “alter ego distópico de Los Angeles”, como sugeriu Mike Davis (2001: 341), Blade Runner é um exercício ímpar de crítica às sociedades pós-modernas baseadas no modelo capitalista. Está (quase) tudo lá. Enquanto isso, o ano de 2019 se aproxima...

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A FICÇÃO CIENTÍFICA NO CINEMA A partir dos anos 50 a icção cientí ica se consolida como gênero cinematográ ico, para além do gênero literário. O cinema possibilitou que a utopia urbana, antes narrada nos livros, se materializasse aos olhos do espectador como cidades reais, fazendo das representações cinematográ icas um campo importante de possibilidades urbanas: O desenvolvimento das cidades propiciou o ambiente espaço-temporal no qual o cinema foi inventado. Os ilmes de icção cientí ica, decorrência direta desse processo, abriram complexos espaço-temporais de re(a)presentações, para dentro dos quais as próprias cidades migraram. (MARTINS, 2013:48)

A Viagem à Lua, de George Meliès (1902)

Metropolis, de Fritz Lang (1927)

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1984 (1956)

Godzilla, de Ishiro Honda (1954)

2001: Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick (1968)

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FILMES ESCOLHIDOS PARA O EXERCÍCIO DO URBANISMO DO APOCALIPSE

Fuga de Nova York (1981) Blade Runner (1982) Brazil (1985)

Distrito 9 (2009) Robocop III (1993)

1984 (1984)

Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick (1971)

Solaris, de Andrei Tarkovski (1972)

Akira, de Katsuhiro Otomo (1988) Matrix, de Andy Wachowski e Lana Wachowski (1999)

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ASSISTA O Vテ好EO 1 EM: https://www.youtube.com/watch?v=W8NwTYtEYkI&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA

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II AS FAVELAS CARIOCAS E DISTRITO 9: UMA VISÃO PANORÂMICA Iniciamos a análise com Distrito 9, um caso peculiar no gênero de icção cientí ica, no qual a favela é o cenário da narrativa. A repercussão do ilme na mídia brasileira7 revela que a crítica cinematográ ica associou diretamente Distrito 9 aos ilmes nacionais que têm as favelas como cenário principal (além do conteúdo violento, no “melhor” estilo faroeste), vulgarmente chamados de favela movie. Visto que o cenário da favela em Distrito 9 é cercado por muros, militarizado, vigiado por câmeras e assombrado pela remoção, é possível introduzirmos o contexto contemporâneo de maneira panorâmica, contando que o ilme apresenta de maneira ampla ações similares às políticas públicas para o território das favelas do Rio de Janeiro. Inicia-se também o exercício comparativo a partir do urbanismo do apocalipse.

7 Publicado in: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2009/09/626184-distrito-9-misturaiccao-cienti ica-com-favela-movie-na-africa-do-sul.shtml. Folha de São Paulo, 20 de setembro de 2009.

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DISTRITO 9 (2009) Título original: District 9 Direção: Neill Blomkamp País: África do Sul, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia Produção: Peter Jackson e Carolynne Cunningham Duração: 112 minutos Cor: colorido Roteiro: Terri Tatchell

Distrito 9 narra o con lito de um grupo de seres extraterrestres que, por um motivo misterioso, procura refúgio na Terra, especi icamente em Johanesburgo. O ilme é baseado no trabalho anterior do diretor Neill Blomkamp, o curta-metragem Alive in Joburg (2006), no qual o mesmo con lito é representado. Em seis minutos, Blomkamp direcionou depoimentos preconceituosos reais aos aliens da icção, em uma espécie de documentário-sátira sobre a intolerância à diferença pela população local. Seguindo a mesma fórmula em Distrito 9, depoimentos reais da população a respeito dos imigrantes refugiados na África do Sul foram transformados em icção, como se os entrevistados se referissem aos seres extraterrestres do Distrito 9: - Estão gastando muito dinheiro para mantê-los aqui, quando podiam estar gastando em outras coisas. Mas, pelo menos, estão mantendo eles separados da gente... - Eles têm que ir embora! Eu não sei pra onde, mas eles têm que ir embora! O título do ilme foi inspirado no District Six, na Cidade do Cabo, bairro proletário que foi declarado em 1966 como área exclusiva para brancos, durante o regime de apartheid. Os quase 60 mil habitantes do District Six tiveram suas casas demolidas e foram expulsos para a periferia, 25 quilômetros distante do centro da cidade. Portanto, Distrito 9 é uma metáfora à segregação ainda existente nas cidades sul-africanas, herança direta do apartheid, substituindo os seres humanos negros e favelados de Johanesburgo por seres extraterrestres. 38

http://www.comingsoon.net/gallery/39046/ District_9_7.jpg


O ilme tem o seu início em 1982, quando a nave-mãe originária de um planeta desconhecido paira sobre Johanesburgo, uma das maiores metrópoles da África do Sul, nação que foi durante quase 50 anos o palco da política do apartheid. Mesmo após a queda do regime racista, em 1994, os con litos segregacionistas perduraram. O grupo de extraterrestres desembarca e encontra um ambiente hostil a sua presença, sendo direcionado à um grande campo de refugiados, que com o passar dos anos se transforma em uma favela de grandes proporções. Depos de 27 anos da chegada dos alienígenas na Terra, o governo decide removê-los do Distrito 9 para um campo de refugiados mais distante da cidade. A operação de despejo dos seres extraterrestres é che iada por Wikus van de Merwe (Sharlto Copley), que sofre um estranho acidente durante a incursão na favela. Apenas Christopher, um alien que planeja fugir de volta para o seu planeta, poderá ajudá-lo. http://inagorillacostume.com/wp-content/ uploads/2011/06/District-9-Guerrilla-Marketing-MovieBus-Stop-Poster.jpg

COMPARE A IMAGEM ACIMA O POSTER PROMOCIONAL DE LANÇAMENTO DO FILME AO AVISO ABAIXO, DA ÉPOCA DO APARTHEID: “PARA USO DE PESSOAS BRANCAS”.

O primeiro aspecto que sobressai na análise de Distrito 9 é a presença ameaçadora do outro, sempre recorrente nas narrativas de icção cientí ica desde a primeira película do gênero: o ilme Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès. Neste ilme, os outros são representados pelos selenitas, seres grotescos que são vencidos facilmente pelos desbravadores europeus. Este embate entre nós e os outros explicíta a metáfora de uma luta do bem contra o mal, da civilização contra a barbárie. Em Viagem à Lua, é atribuída aos selenitas aparência bizarra e trejeitos primitivos, enquanto que os astrônomos europeus são apresentados como destemidos e dotados de força e inteligência superior, capaz de subjugar os seres alienígenas. O ilme, de origem francesa, foi produzido no início do século XX, no contexto histórico do Neocolonialismo. Pode-se então construir uma metáfora na qual a França, uma das grandes potências imperialistas dessa época, se representa na narrativa ílmica como detentora de uma missão civilizatória que, em nome do progresso da humanidade, legitima a invasão de territórios estrangeiros. Na icção, a Lua era o alvo; na realidade, a África e a Ásia. Enquanto que no ilme Viagem à Lua o outro tem o seu território invadido, em Distrito 9 são os alienígenas que acidentalmente invadem o espaço terrestre. Independente do território, o outro é dominado nesses espaços pelos que se autodenominam representantes da civilização humana. No entanto, é importante ressaltar que o discurso ideológico de Viagem à Lua é claramente imperialista, ao passo que Distrito 9 é uma crítica à intolerância às diferenças.

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Conecta-se o outro da icção cientí ica ao da realidade das favelas cariocas; o favelado que historicamente tem o seu território assediado por diversas formas de dominação, segregação e erradicação pelo Estado ao longo de mais de 100 anos, desde o surgimento da primeira favela no Rio de Janeiro: Assim, a despeito de diferentes roupagens, sempre de acordo com um contexto histórico especí ico, o favelado foi um fantasma, um outro construído de acordo com o tipo de identidade de cidadão urbano que estava sendo elaborada, presidida pelo higienismo, pelo desenvolvimentismo ou, mais recentemente, pelas relações auto-reguláveis do mercado e pela globalização. (ALVITO e ZALUAR, 1998:15)

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Assim, só resta a favela como solução totalmente franqueada ao problema de armazenar o excedente de humanidade do século XXI. Mike Davis, 2006

A semelhança entre o cenário das favelas de Johanesburgo e o das favelas cariocas é evidente, revelando a tendência do surgimento das favelas nos países subdesenvolvidos, cujos habitantes já representam um terço da população urbana global (DAVIS, 2006: 198). Apesar do signi icado de favela, um “conjunto de habitações populares que utilizam materiais improvisados em sua construção tosca, e onde residem pessoas de baixa renda”8, muitos urbanistas a vêem como um modelo para as cidades do futuro. Em entrevista ao jornal O Globo (“Modelo urbano – Nova visão sobre a favela”, publicada no dia 08/04/2014; capa e página 2), o urbanista alemão Ranier Hehl diz que “há muito o que aprender com o modelo do futuro”, ao se referir às favelas cariocas. Na entrevista, Hehl aponta a favela como uma opção de moradia de menor custo para a classe média, argumentando que a favelização é “um fenômeno do desenvolvimento urbano no contexto da economia neoliberal, que acontece no mundo inteiro.(...) Nas economias neoliberais, é cada vez mais di ícil achar uma moradia barata.” Segundo ele, a favela carioca poderia ser um modelo de habitação a ser reproduzido em Berlim e outras capitais européias. Existem duas opções para justi icar o “modelo” exposto pelo urbanista: ou ele conta com o aumento da pobreza, em uma perspectiva de aprofundamento do capitalismo neoliberal e do crescimento da porcentagem de pessoas pobres, sendo necessária mais do que nunca a produção desigual do espaço; ou ele considera a falta de infraestrutura urbana, o estigma da pobreza, a segregação espacial, a vigilância permanente e as frequentes ameaças de expulsão como algo natural aos habitantes das cidades nesse horizonte neoliberal. Não importa: em qualquer um desses dois cenários para o futuro, a favela carioca se apresenta como o mais barato celeiro de reprodução da força de trabalho.

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A favela carioca, que cresceu no início do século XX com a expulsão da população pobre dos cortiços da área central da cidade, despertou a sanha das autoridades desde o seu nascimento, desejosas da sua erradicação para o êxito das reformas urbanas higienistas. Contra todas as perseguições, estigmas e insalubridades, o favelado resiste ao longo dos anos na defesa do seu território: 8 Dicionário Houaiss.

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Falar de favela é falar da história do Brasil desde a virada do século passado. É falar particularmente da cidade do Rio de Janeiro na República, entrecortada por interesses e con litos regionais profundos. Pode-se dizer que as favelas tornaram-se uma marca da capital federal, em decorrência (não intencional) das tentativas dos republicanos radicais e dos teóricos do embranquecimento – incluindo-se aí os membros de várias oligarquias regionais – para torná-la uma cidade européia. Cidade desde o início marcada pelo paradoxo, a derrubada dos cortiços resultou no crescimento da população pobre nos morros, charcos e demais áreas vazias em torno da capital. Mas isso também se deveu à criatividade cultural e política, à capacidade de luta e de organização demonstradas pelos favelados nos 100 anos de sua história. E a capital federal nunca se tornou européia, graças à força que continuaram a ter nela a capoeira (ou pernada ou batucada), as festas populares que ainda reuniam pessoas de diferentes classes sociais e raças, as diversas formas e gêneros musicais que uniam o erudito e o popular, especialmente o samba. (ALVITO e ZALUAR, 1998:7) Entre con litos e resistências, as grandes reformas urbanas no Rio de Janeiro do início do século XX aprofundaram a segregação espacial, visto que os pobres não mais habitavam ao nível da rua na área central da capital da República. Excluídos do progresso prometido pelos planos de modernização da cidade nos moldes europeus, coube à população dos cortiços demolidos reproduzir a sua força de trabalho nas encostas dos morros. Nasceria assim o território da favela, marginalizado socialmente e espacialmente, já que “as relações sociais de produção têm uma existência social à medida que possuem uma existência espacial, elas se projetam no espaço, inscrevendo-se nele, produzindo, nesse processo, o próprio espaço.” (LEFEBVRE, 2006:186). Portanto, a favela é a expressão espacial da pobreza, visto que os modelos espaciais são produzidos de acordo com as relações sociais do seu tempo. Para Milton Santos (1993:10), “a pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também, do modelo espacial.” Pode-se então entender que a produção espacial da pobreza é um ciclo vicioso, no qual a pobreza já existente se acentua a partir das características espaciais excludentes que continuam a ser produzidas: O enclausuramento do pobre, espacialmente próximo das condições da vida moderna urbana e socialmente tão longe dela, fruto do inacesso, ou da periferização, que o torna duplamente distante, di iculta a mobilidade social. Cria-se uma barreira espacial que reproduz a pobreza, como um fator a mais. A pobreza segregada ica mais pobre, tornando mais di ícil a mobilidade social. (FERREIRA e PENNA, 2005:158) 42


As relações sociais próprias do capitalismo, que incidem sobre a cidade do Rio de Janeiro, produziram espacialmente as favelas, sendo a sua forma uma resposta material da sua função na cidade capitalista. O processo espacial de segregação formata as áreas sociais (CORRÊA, 2003), distribuindo e organizando desigualmente no espaço as diferentes classes sócio-econômicas. Deste modo nasce o processo de segregação residencial, que “signi ica não apenas um meio de privilégios para a classe dominante, mas também um meio de controle e de reprodução social para o futuro.” (CORRÊA, 2003:66) Controlar a reprodução social na favela vai além da segregação espacial, passando pelo domínio do seu território e dos seus habitantes para garantir então a continuidade da pobreza e da exclusão. Por outro lado, as classes mais favorecidas têm o seu acesso à cidade assegurado da forma que lhes for conveniente: Há uma verticalização onde a elite desfruta das oportunidades de mercado e os pobres ou excluídos ocupam espaços abandonados e desmembrados. Neles residem os de “cidadãos da última ila”, condenados a permanecer nesse lugar, cuja esperança é permanecer na cidade afundando-se na miséria. Mesmo ilhados e segregados, esses diferentes despertam o medo em outros. (MARTINS e CARVALHO, 2010:208) Neste ponto, ao mesmo tempo que o espaço da pobreza é produzido e realimentado a cada nova fragmentação, a “temível” igura do outro – o favelado – se apresenta como o “inimigo público” a ser mantido sob controle em seu próprio território, em nome do combate à violência da qual ele é responsabilizado. O Estado utiliza a própria violência nessa “cruzada” contra a favela, seja nas ações policias e nas formas eletrônicas de vigilância quanto nas barreiras ísicas e nas remoções. Portanto, a ação violenta do poder público tende a aprofundar ainda mais a segregação espacial das áreas socialmente frágeis da cidade do Rio de Janeiro, dado que “as formas de se lidar com ela (a violência) simbolicamente e materialmente assumem separações, fragmentações e exclusões espaciais no espaço urbano.” (MARTINS e CARVALHO, 2010:215).

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MUROS E BARREIRAS NA FAVELA

A instalação dos muros nas favelas do Rio de Janeiro começou no ano de 2009, poucos meses antes da eleição da cidade como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. O noticiário anunciava a construção de muros de 3 metros de altura nas maiores favelas da Zona Sul, sob a justi icativa de impedir o avanço dos barracos sobre áreas de preservação ambiental. A ONU viu com maus olhos a ideia, assim como o escritor José Saramago, que se posicionou vêementemente contra a medida, comparando-a com o Muro de Berlim e da Palestina. Por outro lado, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes a irmaram que falar mal dos muros é demagogia.

Manchete extraída do trabalho Arquitetura da Violência - Regulações de uma sociabilidade urbana excludente: (b)ecos de uma reordenação olímpica da Cidade Maravilhosa (ver FERRAZ, 2010 em Fontes Bibliográ icas).

http://4.bp.blogspot.com/-AFdSMNomS6k/T7qypaxsJYI/AAAAAAAAAUs/bp2QECZ3R74/s1600/27_MHG_muro.jpg

Na matéria “Rio descartou muro mais baixo para favelas” 9, publicada na Folha de São Paulo do dia 04/03/2009, o presidente da Associação de Moradores da Favela Dona Marta, Antônio Ferreira de Melo a irma, sobre os muros: “A favela já vive uma vida sob cerco. Com o muro, passará a ter um símbolo de preconceito e discriminação”. O estado e as autoridades ofereceram o seu discurso como uma resposta à agenda ambiental, de proteção de áreas protegidas da Mata Atlântica, e de controle na expansão de territórios urbanos. Porém, a notícia “Rio fará muro em 11 favelas de área nobre”, veiculada pela Folha de São Paulo do dia 02/04/2009, indicou que os locais escolhidos para a construção dos muros – todos na Zona Sul – cresceram abaixo da média da cidade. Então, qual seria o motivo que justi icasse a construção dos muros para as favelas? 9 Acessada em 13/06/2014. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0404200929.htm

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Uma pausa nos muros: vamos analisar agora o discurso sobre as barreiras acústicas, instaladas na Linha Vermelha apenas no trecho adjacente à Favela da Maré, em março de 2010. A própria manchete “Mais silêncio e segurança” (Jornal O Globo, 06/03/2010) já revela a intenção das barreiras: conter a violência que supostamente vem da favela, principalmente por ser uma via de “localização estratégica em termos de segurança. (...) na rota de passagem do visitante que chega pelo aeroporto internacional do Galeão.” 10 Mais silêncio...? Seria ingenuidade acreditar que o Estado está preocupado em promover a diminuição do ruído em uma área com parcos investimentos públicos e péssimas condições básicas de infraestrutura urbana? Ou sinal de paranóia acreditar que o silêncio é só mais um discurso legitimador da instalação das barreiras, assumido pelo Estado e sublinhado pela manchete do jornal O Globo? As imagens a seguir mostram os lados diferentes separados pelos Painéis de Animação Cultural e Proteção, nome escolhido pela consessionária que administra a Linha Vermelha para batizar o muro. Vamos em frente...

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https://lh5.ggpht.com/NQ9Sdh_OwoCUTXFNl9GmZGgSBYnGxLojPTn B6ydpQ0du5gWmBet2RkxwmNZq87d7v0xE1Q=s140

10 In “Maior conjunto de favelas é rota para o Galeão”, matéria publicada na Folha de São Paulo, 25/03/2014.

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Por suas características ísicas, qualquer muro ou barreira – salvo se construído com material translúcido – garante a impermeabilidade visual entre os dois lados que estão separados. Especular que os muros também se prestam a garantir a invisibilidade da favela aos olhos dos moradores “do asfalto” e dos visitantes seria outro absurdo? O deputado estadual Marcelo Freixo argumenta que a barreira acústica “é uma construção para tornar invisível uma parte da cidade que não é tão maravilhosa.” 11 O coletivo Se benze que dá, composto por moradores da Favela da Maré, em nota 12, questiona: Se pensarmos... Pra que servem os muros? Para proteger os “cidadãos de bem” (ou de bens), que passam nas vias expressas, dos perigosos favelados que estariam do outro lado. Separar; esconder e cercar. Nenhuma dessas motivações é boa A pesquisa “Os muros do invisível” 13 revelou que 73% dos moradores da Favela da Maré acreditam que o muro foi construído para esconder a favela. Segundo o estudo, a maioria dos moradores acreditam que a instalação das barreiras seria parte de um processo de “maquiagem” da cidade para receber os turistas estrangeiros, tendo em vista a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Por trás do discurso de proteção ambiental e acústica propagado pelo poder público, o cercamento das favelas cariocas pelos muros acumula outras funções, dentre as quais: a contenção da expansão territorial da pobreza, a segurança dos que estão do lado de fora do muro e a garantia da invisibilidade dos barracos. Independente das novas formas inventadas (ecolimites, becos ou monotrilhos), o resultado dessas fronteiras ísicas sempre será limitar a favela.

11 In Rio põe barreiras acústicas na frente de favelas, publicado em Gazeta Online, 12/03/2010. Acessado em 10/06/2014. http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/03/611932-rio+po e+barreiras+acusticas+na+frente+de+favelas.html 12 In Muro da discórdia, publicado em Viva Favela, 02/04/2014. Acessado em 05/06/2014. http://www.vivafavela.com.br/reportagens/501-o-muro-da-discordia 13 Pesquisa realizada de fevereiro a agosto de 2011 pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares da REDES de Desenvolvimento da Maré, em parceria com Observatório de Favelas e ActionAid. http://www.redesdamare.org.br/wp-content/ uploads/2012/03/release_resultados_pesquisamuro_-2011.pdf

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Entre discursos e intenções, o poder simbólico de murar um determinado território sempre revela a face da separação, contenção e divisão. O muro materializa no espaço urbano do Rio de Janeiro a segregação que sempre incidiu sobre a favela. Mais do que isso, esconde aos olhos dos moradores do asfalto e dos visitantes a inconveniente pobreza que destoa das belezas da paisagem da Cidade Maravilhosa.

Retomando Distrito 9: os muros nas favelas cariocas são uma manifestação do urbanismo do apocalipse, se comparado ao ilme? Na Johanesburgo da icção cientí ica, a ideia de gueto extraterrestre é reforçada pela presença dos muros, que demarcavam claramente o espaço aonde os aliens poderiam permanecer. Sobre os guetos, Zygmunt Bauman (2003:109) conceitua que “as prisões são guetos com muros, e os guetos são prisões sem muros.” Tendo em vista esta colocação, podemos especular que a partir da construção de um muro, o gueto também pode ser analisado como um local de con inamento, dominação e exclusão social e espacial.

Angeli - Folha de São Paulo, 12/04/09

O muro que cercava a favela formada a partir do acampamento dos seres extraterrestres tinha o seu perímetro coroado por arames farpados, além de guaritas e uma bateria de foguetes adjacentes, contando ainda com um grande portão de aço que impedia a saída dos de dentro, os outros. Fica também explícito, portanto, a sensibilidade da questão da segurança dos de fora.

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No ilme, o muro é a expressão de um cenário de guerra, extrapolação da realidade dos guetos e favelas, mas coloca em pauta a questão da construção de uma barreira na perspectiva de defesa militar contra um inimigo interno, e não apenas como um limite espacial. Na vida real, para os moradores das favelas cariocas, o muro representa um cerco, uma armadilha, assim como para o Estado ele é um aparato de segurança.

FICÇÃO?

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REALIDADE?


UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA

Quando a primeira Unidade de Polícia Paci icadora foi instalada na Favela Dona Marta, em 2008, ocorreram profundas mudanças na dinâmica das ações do poder público nas favelas cariocas, como se a Caixa de Pandora subitamente se abrisse com a ocupação militar dos morros. Mas, o que é a UPP? Paci icação? Militarização? Uma guerra do bem contra o mal? En im, em quais pontos o domínio do território da favela pelo Estado se tornou estratégico no planejamento urbano do Rio de Janeiro?

http://noticias.uol.com.br/album/2014/03/26/exercito-busca-armas-enterradas-por-tra icantes-do-rio-de-janeiro. htm#fotoNav=10

No contexto do reaquecimento da economia do Rio de Janeiro após anos de decadência, a atuação do Estado na favela, antes das UPPs restringida a ações extremamente pontuais e de pouca duração, de uma hora para a outra se estabelece no território favelizado. Em uma cidade com altos investimentos à espreita, em grande parte pela aproximação dos mega-eventos, tomar o território signi ica a abertura deste ao capital. Sendo assim, nunca o momento foi tão oportuno para explorar o manancial humano e territorial que a favela oferece à cidade capitalista. Nessa perspectiva, a Polícia Paci icadora se apresenta como “um mecanismo de controle social que vem acrescentar à violência e à espoliação históricas existentes nas favelas novas formas de controle e consentimento inseparáveis delas, fornecendo, assim, as condições para o avanço do capitalismo na metrópole luminense.” (TEIXEIRA, 2011) 49


Há cerca de um mês, representantes da Philips estiveram com integrantes da secretaria de Segurança para fazer uma consulta. Segundo uma fonte do governo do estado, eles queriam saber se seria instalada uma UPP no Morro do Dendê, na Ilha do Governador. A empresa teria interesse de montar uma fábrica na região. As autoridades estaduais con irmaram a paci icação no local até 2014. 14 O território da favela é então conquistado, em nome da segurança pública, e disponibilizado para quem quiser investir. Ao mesmo tempo, a cidade ao redor da favela se valoriza com a redução da violência, aquecendo principalmente o mercado imobiliário e o turismo. Parece um plano perfeito? A realidade é que os moradores das favelas estão assistindo a um “desenvolvimento” pelo qual não podem pagar, já que de uma hora para a outra foram inseridos em um contexto urbano de custos inviáveis para o seu padrão de vida. A mesma viela, o mesmo barraco, o mesmo estigma, novas despesas para arcar e uma promessa de “paci icação”: Policiamento comunitário marcado pelo diálogo entre os policiais e os moradores das favelas ‘paci icadas’, voluntariado da parte dos policiais, redução drástica dos índices de violência, ‘invasão de serviços’, combate à informalidade e incentivo ao micro(nano?)-empreendedorismo. Eis o quadro pintado pelos veículos o iciais de comunicação do Governo do Estado e da Polícia Militar e da grande mídia entusiasta. Mas, se ouvirmos os testemunhos de alguns dos moradores das favelas ocupadas pelas UPPs, as análises de observadores críticos e mesmo algumas notícias de relevo na grande mídia, pode-se contrastar a imagem de sucesso acachapante propagandeada até aqui, demonstrando alguns importantes atritos entre as comunidades e os policiais, e contestando, igualmente, o im da violência nestas áreas. (TEIXEIRA, 2010:1)

14 Publicado em O Globo no dia 14/12/2010. Acessado no dia 15/05/2014. http://oglobo. globo.com/rio/apos-anos-de-esvaziamento-paci icacao-atrai-empresas-para-areas-proximasfavelas-2911516

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O im da violência no morro icou apenas no discurso, e a “reconquista” do território signi icou que o Estado, a partir de então, era o detentor do monopólio das ações violentas nas áreas favelizadas. Troca-se a tirania dos narco-tra icantes pela tirania das forças policiais, e a partir do terror imposto aos moradores pela UPP é possível a irmar que “Nas regiões beligerantes das cidades, polícia e exército atuam como se fossem mais uma quadrilha entre outras.” (ENZENSBERGER, 1993:42) Seis por meia-dúzia? O fato é que, no exercício do poder na favela, o fuzil continua falando mais alto. A “paci icação” se assume como militarização nos depoimentos do morador Henrique Souza 15, da Rocinha, e da especialista Maria Helena Moreira Alves 16, respectivamente:

‘Ha muitos relatos de agressões cometidas por policiais durante revistas em becos. A maioria dos jovens são acusados de ter envolvimento com o trá ico pelo modo de se vestir ou pelo comportamento’, fala. Para ele, pelo ponto de vista do morador, as coisas pioraram. Além das mortes, dos desaparecimentos e das trocas de tiros, ‘o número de roubos dentro da comunidade aumentou. estupros, desordem pública e os constantes tiroteios colocaram em cheque o processo de paci icação’, concluiu Henrique.

Existe um estado de exceção declarado. Isso não é interpretação, é fato. Vários direitos civis são suspensos. As pessoas são revistadas, a polícia entra e sai das casas como quer. Se suspeitam de alguém, levam embora, como foi o caso do Amarildo. Não existe direito a advogado. A polícia faz coisas que jamais faria em Ipanema, Copacabana e Leblon. Imagine o Bope chegando num apartamento no Leblon, arrombando a porta e entrando com metralhadora! É inimaginável na zona sul, mas acontece todos o dias nas regiões que estão sob as UPPs, que estão de baixo de um cerco militar. E é grave que esse modelo esteja sendo considerado para o país inteiro: a lei da Fifa vai declarar estado de exceção temporário em todas as cidades onde vai haver jogo. O estado de exceção quer dizer suspensão do direito constitucional. Isso foi o que foi feito na ditadura militar.

15 In UPP pra quem?. Jornal Brasil de Fato - Rio de Janeiro, 20 a 26/02/2014. Ano 11, edição 40. 16 In Favela com UPP vive estado de exceção. Folha de São Paulo, 25/08/2013.

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http://imguol.com/2012/10/14/14out2012---policial-faz-revista-emmorador-durante-ocupacao-nas-favelas-do-complexo-de-manguinhosna-zona-norte-do-rio-de-janeiro-1350231638955_956x500.jpg

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A ação militar nos morros é naturalizada por grande parte da opinião pública a partir de um imaginário da favela como território da criminalidade e do favelado como criminoso. Este discurso foi historicamente construído no Rio de Janeiro pelas autoridades e pelos veículos de comunicação, lembrando que “ já no início deste século os morros da cidade eram vistos pela polícia e alguns setores da população como locais perigosos e refúgios de criminosos.” (ALVITO e ZALUAR, 1998:10). No cenário apocalíptico da Johanesburgo de Distrito 9, os seres extraterrestres são considerados a “classe perigosa”, e o seu território um abrigo de bandidos. No ilme, como em uma reportagem para um jornal televisivo, especialistas comentam a questão dos con litos sociais entre humanos e alienígenas, deixando claro que a aversão aos extraterrestres e à existência do Distrito 9 era a opinião da maioria. A fala de uma socióloga chama a atenção pela sua ideia pré-concebida sobre a favela: - Onde existir favela, existirá crime. E o Distrito 9 não era uma exceção. A criminalidade como um dos principais traços da imagem da favela, na construção do seu repertório de signi icados, extrapola a fronteira entre a realidade e a icção. A ocorrência da favelização do campo dos refugiados extraterrestres justi ica, perante a sociedade de Johanesburgo, as ações violentas das forças policiais. Para grande parte da opinião pública, a ação violenta das autoridades é sempre legítima quando ocorre na favela. Ficção ou realidade? Enquanto isso, os assassinatos dos alienígenas pela polícia são meras casualidades, em um território aonde as vidas são banalizadas. A ocupação militar do Distrito 9 cria, mais do que um estado de exceção, um cativeiro para alienígenas na Terra.

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Disfarçada de “paci icação”, a ocupação militar da favela instaura um estado de exceção nos territórios favelados. A rotina de abusos de poder das forças policiais desrespeita os direitos humanos e constitucionais, transformando os morros cariocas em uma zona urbana sitiada. Portanto, paci icação do quê e para quem? Ou o signi icado de paz está deformado, ou a paz não é para a favela. Mariluce Souza, moradora da Favela do Alemão, questiona as UPPs e coloca na discussão o outro, favelado e por isso “perigoso”: “Que paci icação é essa? São treinados para achar que todos da favela são ameaças.” 17 Mais do que alvos da intolerância, os moradores da favela são os inimigos públicos, tal qual os seres extraterrestres de Distrito 9, alvos prediletos das ações militares urbanas. A partir de uma análise semiótica do noticiário sobre a “paci icação”, podemos entender que as imagens da ocupação das favelas, um verdadeiro show de rituais bélicos, são incongruentes ao signi icado de paz – relação tranquila entre cidadãos; ausência de problemas, de violência 18. Então, se a paz não é no local do acontecimento da notícia, a favela, o signi icado de paz ou paci icação das manchetes não se referem, portanto, aos territórios apresentados nas imagens publicadas, mas parecem se referir mais aos territórios dos leitores do jornal O Globo – os espectadores da “guerra-espetáculo pela paz”.

Jornal Extra, 24/04/2014. Capa e Página 3

17 In Mais de 200 entidades apoiam manifesto do Alemão questionando UPPs. Brasil de Fato -

Rio de Janeiro, 27/03/2014 a 02/04/2014. Ano 11. Edição 44 18 Dicionário Houaiss

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Jornal O Globo - 31/03/2014 - Capa

Jornal O Globo - 25/03/2014 - Página 8

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APREENSÃO E MEDO? UÉ, E A PACIFICAÇÃO?


Além da questão da militarização da favela, a “invasão de serviços” prometida com a instalação das UPPs não proporcionou melhorias profundas na infraestrutura urbana das áreas ocupadas. Na realidade, a principal ação da tal “invasão” foi a formalização da cobrança do fornecimento de água, luz e gás, o que representou mais gastos no orçamento dos moradores. Enquanto as obras de urbanização não acontecem, o poder público gasta por dia 1,7 milhão de reais com a ocupação do Complexo da Maré 19. Outra forma de usar o dinheiro dos cofres públicos? 210 milhões de reais foram empregados na construção do polêmico teleférico do Complexo do Alemão, em 2011. Inversão de prioridades? Quando a proposta de instalar o mesmo teleférico na Rocinha veio a público, o arquitetourbanista Luiz Carlos Toledo rechaçou a ideia, a irmando que “as prioridades na Rocinha são saneamento, educação, saúde e moradia digna, aliás, o mesmo que o Brasil precisa, segundo o IBGE.” 20 Portanto, mesmo com o domínio do território da favela pelo Estado e com grandes recursos disponíveis para investimentos em infraestrutura, não houveram mudanças concretas nas condições de habitação da população favelada.

Jornal O Globo - 12/05/2014 - Primeiro Caderno - Página 12

E no sobe e desce do morro em que esta semana foram mortos o dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira e Edilson Silva dos Santos, os moradores são quase unânimes ao a irmar que pouca coisa mudou na infraestrutura do local com a chegada da Unidade de Polícia Paci icadora (UPP). O cenário con irma a tese de especialistas de que a paci icação sozinha não é capaz de resolver todas as mazelas das favelas do estado.

19 In Presença de militares na Maré custa R$1,7 milhão por dia, publicado no jornal O Globo, 26/05/2014. Capa e página 7. 20 In Opinião: O teleférico e a tal da vontade política. Jornal Folha de São Paulo, 21/11/2011. Acessado em 17/06/2014. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/10193-o-teleferico-e-atal-da-vontade-politica.shtml

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Entre discursos e ações, podemos acreditar que a função principal das UPPs é garantir a segurança dos grandes negócios e eventos na cidade do Rio de Janeiro a partir do domínio da favela, ao mesmo tempo que se faz a abertura do seu território ao capital. Assim, se produz no morro o espaço da pobreza domada; o espaço da reprodução controlada da força de trabalho barata; o espaço onde se mantêm a classe baixa dócil, enquanto paci icamente sua “reciclagem” acontece, no desenvolvimento da cidade capitalista neoliberal. E a inal, de quem é o Rio de Janeiro das UPPs?

Jornal O Globo - 30/11/10 - Página 17

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Imagem extraída da apresentação do trabalho Arquitetura da Violência: cidade limpa e segura para turista ver apresentado no III Seminario Internacional de Derechos Humanos, Violencia y Pobreza (Montevideo, 24-26 de novembro de 2010).


CÂMERAS DE VIGILÂNCIA NA FAVELA

Os espaços contemporâneos monitorados por câmeras de vigilância e sistemas internos de vídeo, dos quais apenas um operador pode controlar dezenas de pontos, fazem o panóptico, tal qual idealizado pelo ilósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832), parecer um esboço de espaço disciplinar. Sobre o panoptismo, Michel Foucault (1997:88) de ine da seguinte forma:

http://www.eggnostics.com.br/wp-content/uploads/2013/05/BigBrother-penitenci%C3%A1ria-e-controle-da-sociedade.-O-que-elest%C3%AAm-em-comum2.jpg

No Panopticon vai se produzir algo totalmente diferente; não há mais inquérito, mas vigilância, exame. Não se trata de reconstituir um acontecimento, mas de algo, ou antes, de alguém que se deve vigiar sem interrupção e totalmente. Vigilância permanente sobre os indivíduos por alguém que exerce sobre eles um poder - mestre-escola, chefe de o icina, médico, psiquiatra, diretor de prisão - e que, enquanto exerce esse poder, tem a possibilidade tanto de vigiar quanto de constituir, sobre aqueles que vigia, a respeito deles, um saber. Um saber que tem agora por característica não mais determinar se alguma coisa se passou ou não, mas determinar se um indivíduo se conduz ou não como deve, conforme ou não à regra, se progride ou não, etc. Esse novo saber não se organiza mais em torno das questões ‘isto foi feito? quem o fez?’; não se ordena em termos de presença ou ausência, de existência ou não existência. Ele se ordena em torno da norma, em termos do que é normal ou não, correto ou não, do que se deve ou não fazer. O pan-óptico, expressão arquitetônica da vigilância, icou mais robusto e abrangente com os adventos tecnológicos da segurança, já que está “armado de músculos (eletronicamente reforçados, “ciborguizados”) tão poderosos que Bentham, ou mesmo Foucault, não conseguiria nem tentaria imagina-lo (...)” (BAUMAN,2013:58) As câmeras intimidam as ações e doutrinam os corpos e mentes para o estado de vigilância total. A sociedade contemporânea celebra o ato de “ver sem ser visto” nas ruas, lojas, elevadores, condomínios, shopping centers, estações de metrô e programas de televisão. As cidades atuais vivem plenamente o pan-óptico, que é “a utopia de uma sociedade e de um tipo de poder que é, no fundo, a sociedade que atualmente conhecemos - utopia que efetivamente se realizou. Este tipo de poder pode perfeitamente receber o 59


nome de panoptismo. Vivemos em uma sociedade onde reina o panoptismo.” (FOUCAULT, 1997:87) A instalação das câmeras nas favelas cariocas reforça a vigilância já exercida pelas UPPs, oferecendo olhos eletrônicos onipresentes ao monitoramento da área. As duas políticas públicas trabalham em sinergia para consolidar o espaço disciplinar nas áreas faveladas, considerando que estas são vistas como territórios da criminalidade e das “classes perigosas”, na qual todos os seus moradores são avaliados como periculosos em potencial: Toda a penalidade do século XIX passa a ser um controle, não tanto sobre se o que fIzeram os indivíduos está em conformidade ou não com a lei, mas ao nível do que podem fazer, do que são capazes de fazer, do que estão sujeitos a fazer, do que estão na iminência de fazer. (FOUCAULT, 1997:85) O programa de videomonitoramento para as favelas é um dos projetos incluídos no Convênio de Cooperação na Área de Segurança Pública 21, o que supõe o seu uso na promoção da segurança. Mas, segurança de quem? Na Rocinha, o major Edson Santos, criador do sistema de câmeras e comandante da UPP local, não esconde a “ortopedia social” (FOUCAULT, 1997) por trás do monitoramento: “Com elas, aumentamos a vigilância. Quem está envolvido com coisas erradas muda de comportamento. Por isso, as ocorrências diminuíram.” 22 Na Favela Dona Marta (ou Santa Marta), a insatisfação dos moradores com a instalação das câmeras de vigilância foi imediata: segundo a notícia Moradores do Santa Marta reclamam de câmera ‘big brother’, publicada no Estadão Online no dia 29/09/2009 23, os habitantes do morro “não foram consultados sobre o posicionamento dos equipamentos” e “não têm informações sobre quem tem acessos às imagens nem o destino dado a elas.” Na mesma matéria, o rapper Fiel, uma das lideranças comunitárias do local, a irma que a favela “não é condomínio, não é rua. Lá embaixo a câmera é para proteger o morador. Aqui é para tratá-lo como suspeito”. Portanto, segurança para quem, se os “criminosos em potencial” são os próprios favelados? 21 In Cidade de Deus terá câmeras de monitoramento, publicado no portal R7 no dia 18/12/2009. Acessado no dia 06/06/2014. http://noticias.r7.com/cidades/noticias/cidade-dedeus-tera-cameras-de-monitoramento-20091218.html 22 In BBB da favela da Rocinha, no Rio, monitora moradores 24 horas, publicado em Folha Online no dia 11/05/2013. Acessado em 11/06/2014. http://www1.folha.uol.com.br/ cotidiano/2013/05/1277131-bbb-da-favela-da-rocinha-monitora-moradores-24-horas.shtml 23 Acessado em 11/06/2014. http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,moradores-do-santamarta-reclamam-de-camera-big-brother,442993

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http://visaodafavelabrasil. iles.wordpress. com/2009/10/cartazcamera0k.jpg


Em Distrito 9, as câmeras de segurança monitoram as atividades dos refugiados extraterrestres, o outro na icção, em tomadas invasivas que expõem a intimidade desses seres. Como em uma experiência de laboratório, os movimentos e comportamentos dos alienígenas são avaliados in loco. Sun Tzu ensinaria, em seus manuscritos sobre as táticas de guerra, algo parecido com conheça bem o seu inimigo para poder triunfar em um combate.

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O que nem mesmo o cenário apocalíptico de Distrito 9 concebeu foi o advento dos drones na vigilância dos seres extraterrestres. Sobre esta nova tecnologia bélica, Bauman (2013:27) a irma que “não haverá abrigo impossível de espionar – para ninguém.” Ao custo de 80 milhões de reais, o governo brasileiro adquiriu este avançado aparelho militar voador de espionagem, equipado com câmera eletro-óptica e infravermelho que focaliza alvos a 10km de distância. Estre drone foi utilizado na Favela da Maré na operação de busca ao narcotra icante Marcelo Santos das Dores, o Menor P 24. Fonte: Jornal O Globo - 28/03/2014 - Capa

O território da favela, tal qual as cavernas afegãs ou os campos de refugiados palestinos, é o alvo das ações militares da aeronave espiã. A única diferença é que o drone utilizado no Rio de Janeiro ainda não carrega armamentos que efetuam disparos por controle remoto, tal qual nas guerras do Oriente Médio. Ainda... 24 In Preso com ajuda dos céus, publicado no jornal O Globo no dia 28/03/2014. Capa e Página 13.

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O caso de Amarildo, morador da Rocinha que foi sequestrado em 2013 por policiais da UPP (e que até agora continua desaparecido), revela a “seletividade” das imagens capturadas na favela: nenhuma das 84 câmeras de vigilância instaladas no local foi capaz de produzir pistas concretas sobre o crime pois, como revela o depoimento do policial Alan Jardim, publicado no portal de notícias do jornal O Estado de São Paulo25, “todas as câmeras no entorno da UPP da Rocinha estavam desligadas no dia da ‘averiguação’ do ajudante de pedreiro.” Portanto, sorria: você está sendo ilmado – isso se o equipamento não falhar durante a operação policial.

FICÇÃO?

REALIDADE?

http://veja0.abrilm.com.br/assets/images/2013/8/167986/Camera-de-vigilancia-naRocinha-mostra-Amarildo-em-destaque-sendo-levado-de-casa-por-policiais-da-UPPsize-598.jpg?1376525578

25 Extraído da notícia “Tesoureiro da UPP da Rocinha é ouvido sobre caso Amarildo”, publicada no dia 12/03/2014 às 19h 31 no endereço www.estadao.com.br/noticias/cidades,tesoureiroda-upp-da-rocinha-e-ouvido-sobre-caso-amarildo,1140082,0.htm, acessada no dia 18/05/2014.

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REMOÇÕES

Já em seu primeiro mandato (2009-2012), Eduardo Paes ressuscitou a política da remoção de favelas, notória durante os governos de Pereira Passos (1902-1906) e Carlos Lacerda (1961-1965). Foram removidas mais de 37.000 pessoas de suas casas, sendo Paes o prefeito campeão de remoções, contra 31.000 de Lacerda e 20.000 de Passos 26. Fênomeno recorrente em diferentes momentos do processo de urbanização do Rio de Janeiro, as remoções são retomadas nesta atual gestão “para uma suposta valorização da cidade” (FAULHABER, 2012:37), revelando a face da “limpeza urbana-humana” das áreas de interesse imobiliário. No ilme Distrito 9, a operação de remoção é o con lito principal; a erradicação da favela alienígena é a “solução inal” do processo de exclusão territorial do outro.

http://www.canalibase.org.br/wp-content/uploads/2014/01/mangueira.jpg

Ao longo do século XX, diversas medidas higienistas foram executadas a partir da premissa da favela como sujeira da paisagem carioca, legitimando as ações de expulsão dos moradores e demolição dos barracos como soluções urbanísticas e ambientais. No dia 12/04/2009 o jornal O Globo publicou a matéria “Remoções salvaram a paisagem da Lagoa – Cartão postal do Rio poderia ter sido transformado em complexo de favelas com pelo menos 96 mil moradores”, na qual incita o discurso da favela tal qual um tumor que foi extirpado do bairro da Lagoa graças à remoção. 26 Segundo os dados do grá ico Número de pessoas removidas por gestão municipal, elaborado por Lucas Faulhaber, com dados coletados da SMH; ROCHA, 1995, p.69; LEEDS, 1978, p.220 apud FAULHABER, 2012:38

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https://lh3.ggpht.com/-4aOIycy1o8xPJPzoqsXGz1ImEQGGKYyNm_Ga1aeHrEtx0UvOzOM 0IUHUnil4qd3a4tN=s120

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A simulação distorcida e o discurso jornalístico tendencioso da referida matéria sugerem a favela como um corpo estranho a ser eliminado da paisagem carioca, como um elemento desagradável que insiste em assediar as belezas da Cidade Maravilhosa. A preocupação estética manifestada pelo jornal O Globo ignora a injustiça e a brutalidade acerca da remoção da Favela da Catacumba, e a subsequente realocação dos antigos moradores para a Cidade de Deus. O texto abaixo27 parece dar conta dos fatos históricos de maneira sintética: “Segundo arquivos da Biblioteca Nacional, o terreno onde existia a Catacumba foi ocupado por uma chácara durante todo século 19. Sua antiga proprietária, a Baronesa da Lagoa, transferiu a posse das terras para seus escravos. Ali montaram um Quilombo. Por volta de 1925, o Estado dividiu a Chácara das Catacumbas em 32 lotes. Os primeiros barracos da futura favela começaram a ser erguidos ainda nos anos 30. Portanto, eram legítimos proprietários. Com o tempo, o ex-escravo foi virando novo pobre, e as terras da baronesa foram virando favela. O fato é que em 1970 o governo decidiu que os amigos da baronesa eram pobres demais para terem o privilégio da vista para a lagoa. Passou o rodo na área. Mandou o povo para casa do cassete e enfeitou aquele canto da lagoa com prédios de luxo e um grande ‘playground’ arborizado e triste.”

Imagem extraída da apresentação do trabalho Arquitetura da Violência: cidade limpa e segura para turista ver apresentado no III Seminario Internacional de Derechos Humanos, Violencia y Pobreza (Montevideo, 24-26 de novembro de 2010).

Alinhado com o discurso do O Globo, Eduardo Paes se posicionou favorável à remoção de favelas desde os primórdios do seu governo. Na notícia “Rio vai remover 119 favelas de áreas de risco em 2 anos”, publicada no dia 08/01/2010 no jornal O Globo, Paes deu o seguinte depoimento: “Tem que acabar com a demagogia e retirar. Não vamos fazer obras de milhões para segurar algumas casas.” Na mesma matéria, o referido jornal expressa a opinião editorial: “Desmisti ica-se, a inal, o termo ‘remoção’, para o bem de todos os cariocas.” No segundo ano do mandato de Eduardo Paes, o desastre das chuvas de abril de 2010 insu lou o argumento das “áreas de risco” dentro da política de remoção de favelas, muitas delas erradicadas à ‘toque de caixa’, sem uma clara distinção entre as verdadeiras áreas com risco de deslizamento e as áreas em terrenos estáveis ou consolidadas. A 27 O texto Parque da Catacumba - Cemitério da cidadania foi escrito por Roberto Maggessi e publicado no diário virtual Retalhos de Cidadania no dia 11/06/2008. Acessado no dia 13/03/2014 no seguinte endereço eletrônico: http://maggessi.blogspot.com.br/2008/06/ parque-da-catacumba-cemitrio-da.html

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manchete Rio faz remoção obrigatória em área de risco 28 revela o caráter urgente dado às operações de remoção. No entanto, a preocupação com o risco de deslizamento das encostas e a questão da preservação ambiental não se manifestou perante o desejo do prefeito Eduardo Paes de promover a abertura dos morros para o mercado imobiliário, como revela a matéria Paes quer lexibilizar ocupação de encostas29. O depoimento de Regina Chiaradia, representante da Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro, levanta a hipótese de que, mais do que o risco de desabamento, o problema da ocupação das encostas é a própria favela: “As encostas tem que ser preservadas com sua vegetação, não abrindo espaço para construção legal ou ilegal. Mas, como o poder público não iscaliza as ocupações irregulares, muita gente passa a defender a tese que é melhor liberar construções antes que surjam novas favelas.” Área de risco ou área de rico? Ainda que muitas das casas não estivessem localizadas em verdadeira situação de deslizamento, todas as favelas ameaçadas de remoção foram avaliadas no mesmo contexto das localidades implantadas em terrenos geologicamente instáveis. Portanto, o que o discurso incoerente de Eduardo Paes sobre as áreas de risco é capaz de revelar? Qual a verdadeira intenção das remoção no Rio de Janeiro, já que nem todas as favelas removidas estavam em áreas de risco, principal justi icativa das remoções? Voltando à matéria “Rio vai remover 119 favelas de áreas de risco em 2 anos”, citada anteriormente na página 65: “Entre as favelas que vão desaparecer estão a do Horto (Jardim Botânico), a Indiana (Tijuca), a da CCPL (Ben ica), a do Metrô (Maracanã), a Vila Autódromo (Barra) e a Vila Taboinhas (Vargem Grande).” Três destas favelas citadas não se localizam em encostas de morros: CCPL, Metrô e Vila Autódromo. Será que são áreas de risco?

28 29

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In Folha de São Paulo, 12/04/2010 - Cotidiano - C4 In O Globo, 25/06/2010 - Primeiro Caderno - Página 21


A ocupação de uma antiga fábrica de laticínios conhecida como CCPL abrigou 1.273 famílias por cerca de 10 anos nos obsoletos galpões frabris. Localizada na Avenida Dom Hélder Câmara, um dos principais logradouros da Zona Norte, de initivamente não se trata de um terreno localizado em área de risco. A remoção foi efetuada e no ano de 2012 as instalações industriais foram implodidas para dar lugar a mais um conjunto habitacional do Projeto de Aceleração do Crescimento.

http://oglobo.globo.com/in/3035508-23d-aaa/FT500A/A-COMUNIDADEcomo-e-hoje-moradias-improvisadas-dentro-dos-galpoes-da-antiga-fabrica-delaticiniosFoto-de-divulgacao.jpg

Fonte: O Globo, 27/05/2014. Página 10

Com o título de “Devolvendo a vida” 30, a coluna de Ancelmo Gois noticiou o término da construção do conjunto habitacional no local da antiga ocupação, local este que aparentemente ressuscita após uma “existência mórbida” como favela : “Lembra-se da antiga fábrica da CCPL, em Ben ica? Ali era processado quase todo o leite do Rio, na época vendido em sacos plásticos. Depois que o negócio mixou, o lugar virou um favelão assustador. Agora, está assim bem bonitinho, como mostra a foto.” O fantasma do “favelão assustador” não mais assombrará o colunista do jornal O Globo, que por outro lado não tem medo do tédio arquitetônico que será experimentado pelos futuros moradores do local. Bem bonitinho... 30 In O Globo, 27/05/2014. Página 10

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A Favela do Metrô se localiza às margens da Radial Oeste, em um terreno plano e sem histórico de movimentações geológicas recentes. Sendo assim, o seu único risco foi estar situada nas proximidades do Estádio Jornalista Mário Filho – mais comumente chamado de Maracanã – durante as obras para a Copa do Mundo de 2014. As casas foram removidas no início de 2014 com a intenção de ceder o terreno para as obras de “revitalização” do entorno do estádio de futebol, para cumprir as exigências técnicas da FIFA. Os antigos moradores foram instalados em Cosmos, na Zona Oeste da cidade, tão longe do Centro quanto a Favela do Metrô era perto dele. Segundo a notícia Favela do Metrô: ex-moradores em adaptação 31, além da distância com relação ao local de onde foram removidos, “a principal preocupação está nas contas de água, luz e gás, que antes não existiam e agora estão além do orçamento da maioria dos moradores. — Na favela, ninguém pagava nada. (...)Estamos atrás de uma solução, de uma tarifa social — conta o síndico do condomínio e ex-morador da Favela do Metrô, Sandro Alves de Lima. (...) Existem problemas de infraestrutura, como partes de telhados dani icados nas chuva de novembro e a falta de área de lazer.” O pesadelo da remoção vai além do momento do despejo, já que geralmente as condições de habitação pioram nos locais para onde os moradores são levados. Con igura-se então uma violação aos direitos humanos, pois, como lembra Raquel Rolnik 32, “o marco internacional dos direitos humanos do direito à moradia estabelece que a situação dos afetados nunca pode piorar. E isso signi ica não apenas a piora em relação à casa em si, mas principalmente em relação à localização.”

http://img.r7.com/images/2014/01/08/63f7jq5ead_6sfrwzv641_ ile.jpg?dimensions=780x340

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In O Globo, 10/05/12 - Rio - Pag. 17 In jornal O Globo, 29/10/2013. Retirada de pessoas. Página 12

http://s0.ejesa.ig.com.br/portal/images/2013-04/1.572872.jpg


O processo de resistência dos moradores à remoção imposta à Vila Autódromo foi um dos casos de maior repercussão das lutas pela moradia na cidade do Rio de Janeiro. Situada próxima ao Autódromo de Jacarepaguá, a sua ocupação se iniciou na década de 60. Surgia assim uma colônia de pescadores que tirava o seu sustento principalmente das águas da Lagoa de Jacarepaguá, e “se consolidou através dos anos principalmente com seus próprios investimentos de renda e trabalho para promoção de condições básicas de habitabilidade” (FAULHABER, 2012:88). Não existem históricos de deslizamentos nessa área, mesmo porque ela não se localiza na encosta de um morro. Desde 1992 a Vila Autódromo sofre com as ameaças de remoção, mas este assédio aumentou com a proximidade das Olimpíadas de 2016, com a previsão de construção do Parque Olímpico na área. Após um grande período de resistência, as casas dos moradores que preferiram desocupar o local foram demolidas em março de 2014. Atualmente, mais de 300 famílias continuam determinadas à permanecer em seus lares. A luta continua...

http://jaajrj. iles.wordpress.com/2013/03/ama.jpg

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A partir destes exemplos, a incongruência do discurso das áreas de risco como justi icativa revela que, de maneira velada, a intenção das remoções é pavimentada pela vontade de erradicação das favelas. Historicamente, o ato de demolir um barraco parece não esconder a aversão e o desprezo aos favelados e ao seu território: uma política pública disfarçada de apartheid social? Mais do que isso, a existência de uma favela é associada automaticamente ao perigo 33; um medo latente pelo outro, que deve ser combatido para que a ameaça se dissolva e a tranquilidade volte a reinar. No ilme Distrito 9, a polêmica sobre o crescimento da favela extraterrestre nos arredores de Johanesburgo chega ao ponto da decisão por remover as casas e moradores para outro campo de refugiados mais distante. Wilkus van der Merwe, o responsável pela remoção dos alienígenas, concede uma entrevista na qual inicialmente revela preocupação com o bem estar dos alienígenas, para depois mostrar o seu preconceito e demagogia: - Vamos remover 1 milhão e 800 mil alienígenas de sua residência atual no Distrito 9 para um local mais seguro e melhor à 200km de Johanesburgo. Construímos uma boa e nova instalação onde os alienígenas vão poder ter conforto e permanecer lá. O povo da África do Sul vai viver feliz e com segurança sabendo que os alienígenas estão bem longe. Em um momento posterior, o diálogo entre Wilkus e dois seres extraterrestres revela a verdadeira característica do local “mais seguro e melhor” no qual eles seriam realocados: - Vocês não vão querer ir pras barracas. São menores e piores que os barracos, parecem um campo de concentração.

33 Consultar a matéria O perigo que mora ao lado do Liceu de Artes e O ícios, in Jornal O Globo, 11/06/2013. Primeiro Caderno, Página 13

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FAVELA? AI, QUE SUSTO!


Manchete extraída da apresentação do trabalho Arquitetura da Violência: cidade limpa e segura para turista ver apresentado no III Seminario Internacional de Derechos Humanos, Violencia y Pobreza (Montevideo, 2426 de novembro de 2010).

A ideia de campo de concentração em Distrito 9...

O plano de remoção na icção revela semelhanças desconcertantes com a vida real, seja a realidade de Johanesburgo ou do Rio de Janeiro, possibilitando o exercício do urbanismo do apocalipse. Por exemplo: segundo a matéria A África experimenta a Copa 34, “Os moradores dizem que foram removidos das áreas centrais da cidade e jogados no que chamam de “depósito de gente”, ou “campo de concentração”. O assentamento parece feito sob medida para não ser visto pelos milhares de torcedores, durante a Copa do Mundo”. Tal qual os assentamentos contruídos pelo governo sul-africano para abrigar as pessoas que foram removidas de suas casa para a construção de estádios da Copa do Mundo de 2010, o local de destino dos moradores do Distrito 9 estava longe de ser melhor do que a sua condição atual.

... e na Cidade do Cabo da vida real.

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34 In Folha de São Paulo, 08/06/2010 - Esporte

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A herança maldita do regime racista na África do Sul se revela no abismo social que ainda separa os brancos dos negros, e isso icou claro durante a realização Copa do Mundo de 2010 no país: o governo sul-africano à todo o custo tentou esconder a pobreza aos olhos dos turistas, seja pela instalação de muros, que também funcionavam como barreiras para cobrir a visão da favela, seja pela expulsão dos moradores para acampamentos que se assemelhavam à campos de concentração. No Brasil, foi possível observar o ritmo de remoções de favelas com a aproximação da Copa do Mundo de 2014. A matéria Jornalista dinamarquês desiste de cobrir a Copa do Mundo no Brasil 35, o jornalista Mikkel Jensen acusa o governo de promover uma limpeza social em nome da Copa do Mundo: “O sonho se transformou em um pesadelo. Durante cinco meses, iquei documentando as consequências da Copa. Existem várias: remoções, forças armadas e PMs nas comunidades, corrupção, projetos sociais fechando. Eu descobri que todos os projetos e mudanças são por causa de pessoas como eu – um gringo e também uma parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar.” Ao preparar a casa para receber os visitantes, o poder público não hesitou em “varrer” a favela para bem longe dos estádios e dos demais equipamentos para o grande evento: As remoções forçadas de 200 a 250 mil pessoas nas cidades an itriãs da Copa violam o direito à moradia e à cidade. As populações mais pobres se veem confrontadas a uma gigantesca onda de limpeza étnica e social das áreas que recebem investimentos, equipamentos e projetos de mobilidade. Os indesejáveis são mandados para as periferias distantes, a duas, três ou quatro horas dos locais de trabalho, a custos monetários absurdos e condições de transporte precaríssimas. (VAINER, 2013:39) No Rio de Janeiro, o exemplo da Favela do Metrô (ou Favela Metrô-Mangueira, citada anteriormente na página 68) revela a disposição do poder público de promover remoções em nome da Copa do Mundo. Na matéria Prefeitura retoma derrubada de casas na Mangueira 36, as lideranças locais a irmaram que “a prefeitura quer criar uma ‘fachada’ para a Copa do Mundo, retirando moradores com raiz na comunidade.”

35 In jornal Extra, 15/04/2014. Acessado em 25/05/2014. http://extra.globo.com/esporte/ copa-2014/jornalista-dinamarques-desiste-de-cobrir-copa-do-mundo-no-brasil-sonho-setransformou-em-um-pesadelo-12206451.html 36 In O Globo, 14/04/2014. Acessado em 21/04/2014. oglobo.globo.com/rio/prefeituraretoma-derrubada-de-casas-na-favela-metro-mangueira-11262269

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http://oglobo.globo.com/in/11262264-8d7-c75/FT500A/demolicaofavela-mangueira.jpg


O jornal O Globo, comprometido com a construção de um discurso legitimador das remoções, promove a matéria Remoção pode, sim, ter um inal feliz 37 com grande destaque. Talvez a manchete esteja dizendo um – e apenas um – inal feliz, talvez para algum morador com sorte melhor que Jorge Santos: o seu barraco foi demolido na operação de remoção da favela Vila Recreio II, no Recreio, Zona Oeste do Rio de Janeiro. O bairro concentra atualmente investimentos imobiliários de grande monta, além de parte das obras para as vilas dos Jogos Olímpicos de 2016. A justi icativa para a remoção: o terreno da favela estava no caminho do corredor rodoviário conhecido como Transoeste. Talvez por um erro de cálculo, talvez por uma grande coincidência, a via acabou não passando por ali. Hoje o terreno está vazio e limpo, em uma área de altíssima valorização imobiliária. Voltemos ao Jorge Santos, agora ex-morador da extinta Vila Recreio II. Ele, testemunha do desaparecimento total da sua vizinhança, descreve o sentimento de ser removido ao visitar o seu antigo terreno: “Eu sinto como se tivesse morrido alguém. É bem parecido com isso.(...) Eu chego aqui, ico vendo tudo e recordo a covardia. Não é raiva não, mas vem uma coisa ruim quando você vê que seus direitos foram violados brutalmente.” 38

??? Fonte: Brasil de Fato - Rio de Janeiro, de 5 a 11/09/2013

Não, não é possível acreditar em inal feliz. Dentro do contexto de violência das políticas públicas para os territórios favelizados no Rio de Janeiro, é mais provável acreditar na remoção como o arti ício inal que materializa a erradicação de favelas.

*** 37 Matéria publicada no dia 27/04/2014; Primeiro Caderno, página 21 38 In Remoções por nada, matéria publicada no jornal Brasil de Fato - Rio de Janeiro, de 5 a 11/09/2013. Ano 11, edição 19

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NOVA FAVELA?

Que nova favela é essa? O que mudou? Do ponto de vista da infraestrutura urbana, nada. As condições precárias de saneamento, iluminação e todos os serviços básicos de saúde e educação não subiram o morro no mesmo ritmo das forças policiais e militares. Então, o que é a nova favela? A nova favela é uma mistura de velhas e novas estratégias de segregação, vigilância e expulsão, sempre reatualizada conforme a variação do discurso e as novas tecnologias de segurança. Jornal O Globo - 07/10/10 - Página 18

FICÇÃO? 74

Imagem extraída da apresentação do trabalho Arquitetura da Violência: cidade limpa e segura para turista ver apresentado no III Seminario Internacional de Derechos Humanos, Violencia y Pobreza (Montevideo, 24-26 de novembro de 2010).


REALIDADE? 75


ASSISTA O Vテ好EO 2 EM: https://www.youtube.com/watch?v=UpiSsC_9368&index=4&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA

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III MURO NA FAVELA SANTA MARTA E FUGA DE NOVA YORK Quem não foge procura se proteger. Em nível mundial trabalha-se no fortalecimento de fronteiras contra os bárbaros. Hans Magnus Enzensberger, 1993

Considerada pelo governo do Estado do Rio de Janeiro como a favela-modelo – título rejeitado pelos moradores devido às carências da comunidade39 –, a favela Santa Marta foi o palco da construção de muros para favelas cariocas pelo poder público, em 2009. Após a polêmica acerca deste projeto, a ideia de construir outros dez muros de concreto foi abandonada, sendo substituída pelas barreiras acústicas, eco-limites e a ins. Variações de forma para a inalienável função de qualquer barreira, seja na China Antiga da Grande Muralha ou na Ilha de Manhattan do ilme Fuga de Nova York, murada e transformada em uma cidade-prisão. O exercício de comparação da cidade apocalíptica da icção cientí ica com a cidade real – aqui chamado de urbanismo do apocalipse – buscará aproximações entre a favela carioca e a prisão a céu aberto iccional.

39 In Santa Marta rejeita o título de favela modelo, no Portal Viva Favela, 08/07/2013. Acessado em 29/06/2014. http://www.vivafavela.com.br/reportagens/380-santa-marta-rejeita-titulode-favela-modelo

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FAVELA SANTA MARTA

ÁREA 53.706 m² POPULAÇÃO 4.688 hab. RENDA PER CAPITA R$ 481,50

RIO DE JANEIRO

22°56’55.39”S 43°11’37.78”O

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5e/ Favela_santa_marta.jpg

O MURO

CUSTO INICIAL: APROXIMADAMENTE

R$ 1 MILHÃO

http://observers.france24.com/ iles/images/muro_santamarta2_0.jpg

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Manchete extraída do trabalho Arquitetura da Violência: cidade limpa e segura para turista ver apresentado no III Seminario Internacional de Derechos Humanos, Violencia y Pobreza (Montevideo, 24-26 de novembro de 2010).

???

Para aqueles que vivem num gueto voluntário, os outros guetos são espaços ”nos quais não entrarão jamais”. Para aqueles que estão nos guetos “involuntários”, a área a que estão con inados (excluídos de qualquer outro lugar) é um espaço “do qual não lhes é permitido sair”. (BAUMAN, 2009:40)

Condomínio ou prisão? Longe de parecer um condomínio fechado, o signi icado da favela murada pode estar mais próximo ao do presídio? A sensação de con inamento experimentada no Santa Marta pós-muro foi destaque na cobertura jornalística do jornal El País sobre o caso, que descreveu o aspecto penitenciário 40 dos paredões na favela. Mais do que parecer uma prisão, o cerco ao favelado em seu território se apresenta como um sinal de que “as pessoas con inadas no verdadeiro gueto vivem em prisões.” (BAUMAN, 2003:107)

40 In Uma polêmica em versão espanhola, publicada no jornal O Globo no dia 21/04/2009. Página 11.

GUETO VOLUNTÁRIO

GUETO REAL

PORTANTO, FAVELA MURADA E CONDOMÍNIO FECHADO NÃO SÃO A MESMA COISA!

X http://4.bp.blogspot.com/_uf1zSh2zaMs/Suyx0hMHyZI/ AAAAAAAAAuI/04m3MYZlfvo/s400/ecomurosantamarta.jpg

http://dafseguranca. iles.wordpress.com/2012/07/ condominio.jpg

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FUGA DE NOVA YORK (1981) Título original: Escape from New York Direção: John Carpenter País: Estados Unidos Produção: Larry J. Franco e Debra Hill Duração: 99 minutos Cor: colorido Roteiro: John Carpenter e Nick Castle Eis o que foi imaginado em Fuga de Nova York como um cenário futurístico para o ano de 1988: o índice de criminalidade aumentou 400% nos Estados Unidos da América, fazendo com que a cidade de Nova York fosse transformada em uma prisão de segurança máxima, que reuniria os presos de todo o país. Uma muralha é erguida, cercando a totalidade do perímetro da Ilha de Manhattan: uma vez lá dentro, é impossível sair. Além da barreira ísica, campos minados foram plantados nas pontes e nas vias marítimas, enquanto que a força policial patrulha apenas o lado externo do muro – não há guardas no lado de dentro. Posteriormente, em 1997, um grupo paramilitar sequestra o avião no qual viajava o presidente dos Estados Unidos da América (Donald Pleasence), com a intenção de explodir a aeronave sobre Nova York. O presidente consegue escapar da morte no atentado, mas cai dentro da prisão. Bob Hauk (Lee Van Cleef), diretor da prisão, tenta resgatá-lo, mas descobre que ele está em poder de Duke (Isaac Hayes), o homem mais perigoso de Manhattan. Esgotada a chance de negociação, Hauk faz uma proposta ao prisioneiro Snake Plissken (Kurt Russel), um ex-tenente das forças especiais: em troca da liberdade, ele deve trazer de volta o presidente em 24 horas. Sem alternativas, Plissken entra na prisão para empreender o perigoso resgate, que lhe custará a vida em caso de falha.

http://www.badazzmofo.com/wp-content/uploads/2012/05/ escape-from-new-york.jpg

O MURO E A MANHATTAN APOCALÍPTICA

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CENA INICIAL DO FILME FUGA DE NOVA YORK: O MAPA DA CIDADE-PRISÃO

UPP MURO DE CONTENÇÃO PRISÃO DA ILHA DE MANHATTAN CENTRO DE CONTROLE DE SEGURANÇA DA ESTÁTUA DA LIBERDADE

MURO

FAVELA SANTA MARTA

MURO

Os dados do IPP reforçam o que até o policial da UPP do Dona Marta sabe. Em entrevista (...), ele explica para que serve um muro de concreto de três metros de altura e 650 metros de extensão: “O muro se torna até necessário pra você manter o controle daquilo que você tem dentro dele”. A fala do policial é simples e clara: serve para controlar os moradores da favela. Paulo Sérgio Rosa, morador do Dona Marta e pedreiro da construção do muro, sintetiza: “Pra virar um presídio agora só falta mesmo o portão.

Só falta o portão porque a câmera pra ilmar a gente já tem, nossa liberdade a gente não tem mais. Polícia na área toda já tem.” 41 41 In O destino dos royalties: muros ou “ecolimites”, publicado no blog Cidades Possíveis no dia 11/11/2009. Acessado em 01/07/2014. http://cidadespossiveis. tumblr.com/post/12640073658/o-destino-dos-royalties-muros-ou-ecolimites

... O QUE? PARA QUEM?

O MURO... plano vertical com duas faces visíveis, que divide o espaço em dois: interno e externo; o lado de lá e o lado de cá.

DIVIDE DEFENDE CERCA ESCONDE DELIMITA RESTRINGE

em qual território se constrói o muro? quem se bene icia: os que estão fora ou os que estão dentro?

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A VISTA DE DENTRO DO MURO...

As fronteiras visíveis (por exemplo, os muros, as cercas em geral) fazem nascer a aparência de uma separação entre espaços ao mesmo tempo em ambigüidade e em continuidade. O espaço de um “cômodo”, de um quarto, de uma casa, de um jardim, separado do espaço social por barreiras e muros, por todos os signos da propriedade privada, não é menos espaço social. (LEFEBVRE, 2006:130) A arquitetura militar, as forti icações e muralhas, os trabalhos de diques e de irrigação, mostram numerosos e belos exemplos de espaço dominado. (...) O espaço dominado é geralmente fechado, esterilizado, vazio. Seu conceito só toma seu sentido ao se opor ao conceito inseparável da apropriação. (LEFEBVRE, 2006:231) 84


... E O SEU REBATIMENTO: A FAVELA.

(Os muros) servem para dividir e manter separados seus habitantes: para defender uns dos outros, ou seja, daqueles a quem se atribuiu o status de adversários. (BAUMAN, 2009:42) Os muros, os fossos, as paliçadas assinalavam o limiar entre “nós” e “eles”, entre ordem e caos, paz e guerra: os inimigos eram mantidos do outro lado e não podiam se aproximar. (BAUMAN, 2009:61) 85


Será que a favela murada é um presídio à céu aberto, tal qual a Manhattan apocalíptica da icção cientí ica? Que tipo de urbanização é essa, que reforça a fragmentação urbana dos territórios favelizados da cidade do Rio de Janeiro? Para além dos signi icados simbólicos e consequências de ordem prática, o muro é a materialização espacial da segregação das favelas cariocas. O muro concretiza isicamente a barreira psicológica que divide o asfalto do morro.

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http://www.caiman.de/05_09/art_1/Mauerbau-Favela-Santa-Marta.jpg

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ASSISTA O Vテ好EO 3 EM: https://www.youtube.com/watch?v=JnLaa9aJdqM&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA&index=3

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IV UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA NO COMPLEXO DA MARÉ E BRAZIL Se a essência do poder é efetividade do comando, então não há maior poder do que aquele emergente do cano de uma arma, e seria di ícil dizer em que medida a ordem dada por um policial é diferente daquela dada por um pistoleiro. Hannah Arendt, 1969

No dia 31/03/2014, às vésperas da Copa do Mundo no Brasil, o Complexo da Maré foi ocupado por forças militares do Exército e da Polícia. Para o Estado e para a grande mídia, é apenas o início do processo de “paci icação” deste território, pontapé incial da instalação da Unidade de Polícia Paci icadora no local. Para o morador, estado de sítio. Paci icação ou militarização? Na perspectiva dos moradores da Maré, o clima é de tensão: com a chegada das tropas, o cotidiano foi militarizado. Revistas abusivas e invasões de domicílio fazem parte da rotina. Dentro dos limites do complexo de favelas, vive-se um estado de exceção, tal qual no cenário apocalíptico do ilme Brazil: Muitas pessoas são céticas ou incrédulas com relação ao aumento da vigilância e da militarização nas sociedades modernas, com sua alarmante diminuição das liberdades individuais. Mas um ilme como Brazil, de Terry Gillian, instaura a experiência de viver em uma sociedade completamente militarizada, fazendo sentir, patica(patetica)mente, de forma quase insuportável para nossos sentidos, o horror da total privação da liberdade e da individualidade. (CABRERA, 2006:38) Enquanto isso, do outro lado da barreira acústica que esconde a favela, os turistas chegam aos milhares pela Linha Vermelha... 91


COMPLEXO DA MARÉ

ÁREA 4.268.800 m² POPULAÇÃO 129.770 hab. RENDA PER CAPITA R$ 187,25

22°51’21.01”S 43°14’32.60”O

RIO DE JANEIRO http://exame1.abrilm.com.br/assets/images/2013/6/229168/ size_590_Favela_da_Mar%C3%A9.jpg

A OCUPAÇÃO MILITAR

CUSTO:

R$ 1,7 MILHÃO POR DIA

http://www.ucsgrtv.com/radio/media/k2/items/cache/fc22a1b66ed7e8dc368c09f8c417e025_XL.jpg

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Em meio a um clima de tensão e expectativa, os moradores do Complexo da Maré, conjunto de favelas que é ocupado pelo Exército neste sábado no Rio de Janeiro, querem evitar o que classi icam como “erros e excessos” cometidos em operações semelhantes no passado. Além de denunciar abusos, eles se mostram contrários à militarização do cotidiano na região, que icará sob controle das Forças Armadas por no mínimo quatro meses. (...)”Sai a força do trá ico e chega a força do Estado, e como vamos regularizar a favela? Não cabe ao Exército ou à UPP dizer se vai ter baile funk ou não, invadir as casas das pessoas como se não tivessem direitos, mudar as regras dos mototáxis. Eles não poderão decidir essas coisas sozinhos, de cima para baixo”, complementa. 42 h p://wscdn.bbc.co.uk/worldservice/assets/images/2014/04/05/140405130218_ocupacao_ mare_exercito_624x351_ap.jpg

GARANTIA DE LEI E DA ORDEM (GLO): ESTADO DE EXCEÇÃO PARA A FAVELA No aniversário de 50 anos do Golpe Militar no Brasil, o Exército vai novamente às ruas contra a população: a Garantia de Lei e da Ordem (GLO), baixada por um decreto presidencial, confere ao Exército o poder de efetuar prisões e invadir residências na ocupação do Complexo da Maré. Assim é instaurado um estado de exceção que vigora apenas no território da favela; uma pequena ‘ditadura militar,’ aonde o Estado Maior do Exército interfere diretamente no cotidiano dos moradores da Maré. ‘OCUPAR A MARÉ NÃO SERÁ DIFÍCIL’

h p://wscdn.bbc.co.uk/worldservice/assets/images/2014/04/06/140406121025_ ocupacao_da_mare_624x351_reuters.jpg

Pela GLO (Garantia da Lei e Ordem), podemos patrulhar, fazer revistas e efetuar prisões. Na época do Alemão, conseguimos um mandado de busca coletivo, o que permitiu que entrássemos em qualquer casa. (...) Na minha época, não icou um metro quadrado sem ser revistado.43 (General Fernando José Sardenberg) 42 In Moradores querem evitar militarização do cotidiano na Maré, em BBC Brasil. Publicado em 05/04/2014. Acessado em 30/05/2014: http://www.bbc.co.uk/portuguese/ noticias/2014/04/140405_militarizacao_mare_jp.shtml?utm_source=twitterfeed&utm_ medium=twitter 43 In Ocupar a Maré não será di ícil, publicada no dia 25/03/2014 no jornal O Globo. Página 11.

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BRAZIL O FILME (1985) Título original: Brazil Direção: Terri Gilliam País: Reino Unido Produção: Arnon Milchan Duração: 132 minutos Cor: colorido Roteiro: Terri Gilliam, Tom Stoppard e Charles McKeown Em um país extremamente autoritário e burocrático, um funcionário público de ascendência abastada chamado Sam Lowry (Jonathan Pryce) se vê obcecado por uma mulher misteriosa que aparece em seus sonhos. A partir dessa quimera, ele começa a questionar a sua existência alienada e desinteressante, se voltando contra o status quo totalitário no qual ele sempre fora privilegiado. Mais do que escapismo, o delírio de Sam começa a fazer sentido quando ele descobre que a pessoa que vê em seus sonhos é, na realidade, uma militante foragida: Jill Layton (Kim Greist), acusada de terrorismo, vive clandestinamente na área mais pobre da cidade. A nada fácil luta de Jill contra o sistema ocorre em uma sociedade amplamente militarizada, na qual a polícia e o exército têm poderes descomunais e um alto grau de sadismo. Neste cenário a violência é algo banal, que explode ora no território da pobreza, ora nos salões da high society. Nos mega conjuntos habitacionais da periferia, o braço armado do Estado invade residências, sequestra, tortura e mata; enquanto isso, bombas são detonadas em shopping centers e restaurantes de luxo, habitat preferido de uma classe social viciada em banquetes e operações plásticas. http://soucinemaniaco2. iles.wordpress.com/2011/07/ b00008wq62_02_lzzzzzzz.jpg

Descrentes com o processo de paci icação no Rio de Janeiro, os moradores do Complexo da Maré, ocupado pelas Forças Armadas desde o sábado, pressionam o poder público pelo que chamam de um “novo modelo de UPP”, com ajustes de conduta, de inição de responsabilidades e maior participação popular nas decisões da comunidade. 94


Frente aos excessos das tropas militares, as lideranças das 16 favelas que formam o Complexo da Maré, capitaneadas pela Redes de Desenvolvimento da Maré, emitiram um manifesto em repúdio à ação do Exército e da Polícia no processo de ocupação das favelas. Além disto, uma cartilha foi distribuída para moradores e militares, com orientações para que a conduta dentro da favela respeite os direitos humanos e constitucionais da população.*

Trecho do “Manifesto contra a invasão militar nas favelas da Maré” Expressamos publicamente o nosso total repúdio à “ocupação” militar nas favelas da Maré. (...) É visível que quem usa tanques de guerra contra a sua própria população não busca diálogo, ainda menos participação e tampouco está preocupado com os nossos direitos. O tanque apontado para nós é uma violação mais do que somente de direitos, é uma violação a qualquer ideia de Estado democrático de direito. A ocupação militar nem começou e o projeto já faliu pelo que é: mais um ataque brutal militar contra territórios populares urbanos. (...) Que partidos são esses que declaram a guerra contra nós cidadãos? Que Estado é esse que prefere se armar cada vez mais, atacar com mais violência os seus cidadãos? (...) Há 50 anos do golpe militar é mais do que preocupante a promoção midiática do uso do exército para oprimir. Em vez de melhorar o que nas favelas já construímos, continuam vindo para destruir, para remover, para torturar e para matar. Não deixemos de lutar por uma Maré e um Rio sem opressão e violência. Chega de apontarem suas armas para nós! Não à “ocupação” militar da Maré e de qualquer território popular! Não às torturas e às mortes nas favelas! Rio de Janeiro, 05 de abril 2014 (Conteúdo completo em marevive.wordpress.com)

* Material gentilmente cedido por Patricia Vianna, da Redes de Desenvolvimento da Maré. Acesse o site http://redesdamare.org.br/ 95


JOGO DA MEMÓRIA

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COPIE, RECORTE E FORME OS PARES COM AS IMAGENS DA PÁGINA AO LADO!


JOGO DA MEMÓRIA

COPIE, RECORTE E FORME OS PARES COM AS IMAGENS DA PÁGINA AO LADO!

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A MARÉ E OS MAPAS O ESTADO MAPA É CONHECIMENTO; FERRAMENTA DE DOMINAÇÃO MILITAR DE UM TERRITÓRIO INIMIGO EM UMA ZONA DE GUERRA

Não há conhecimento que não seja poder. Ralph Waldo Emerson, 1803-1882

(Jornal O Globo - 26/03/2014 - Primeiro Caderno - Pág. 13)

http://img.estadao.com.br/fotos/E2/FF/DB/XE2FFDBF3F84649F985073FA614DE054D.jpg

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(Jornal O Globo - 31/03/2014 - Primeiro Caderno - Pág. 10)


A MARÉ E OS MAPAS A MÍDIA HEGEMÔNICA Jamais se viu antes, nos grandes jornais (em especial n’O Globo e na Folha de São Paulo), tamanha profusão de mapas: alguns apenas com a localização dos “territórios a serem reconquistados” pelo Estado, outros com um acompanhamento da geogra ia do avanço das “forças da ordem”, e assim segue. (In Qual seria o significado das UPPs, no contexto da geopolítica urbana em curso, e que envolve diferentes aspectos?, por Marcelo Lopes de Souza. Publicado no dia 03/12/2010 no blog Passa Palavra. Acessado no dia 28/06/2014. http://passapalavra.info/2010/12/32598)

ESPETACULARIZAÇÃO DAS AÇÕES MILITARES NA FAVELA APRESENTAÇÃO DOS TERRITÓRIOS CONQUISTADOS AOS ESPECTADORES

Forças Armadas ocupam a Maré amanhã com 2.700 militares de tropas de elite CONHEÇA OS DETALHES DA OPERAÇÃO (Jornal O Globo - 04/04/2014 - Primeiro Caderno - Pág. 10)

E O PONTO DE VISTA DO MORADOR NESTAS REPRESENTAÇÕES CARTOGRÁFICAS? 99


MAPA DE CONFLITOS

MILITARES x MORADORES 10

“LEVARAM UMA TELEVISÃO DE 32 POLEGADAS DE UMA SENHORA. ESTRAGARAM A FECHADURA DA MINHA PORTA.” (...) CONTOU UM MORADOR QUE SE IDENTIFICOU COMO JOÃO E DISSE TRABALHAR COMO PEDREIRO. *

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ENTRE OS PRINCIPAIS RELATOS ESTÃO ABORDAGENS REPETIDAS, MANDADOS COLETIVOS DE APREENSÃO, ARROMBAMENTOS DE CARROS E ASSÉDIO SEXUAL. A MAIORIA DAS VIOLAÇÕES, RELATAM OS MORADORES, OCORRE À NOITE, QUANDO HÁ POUCA GENTE NA RUA. HÁ CASOS, TAMBÉM, DE TAPAS NA CARA, INTIMIDAÇÕES E ENTRADAS NOS DOMICÍLIOS NA AUSÊNCIA DOS MORADORES, POR MEIO DA ‘CHAVE MESTRA’. “DEPOIS DAS 22 HORAS A SITUAÇÃO PIORA E AS PESSOAS COMEÇAM A SE RECOLHER. SE A GENTE APARECE NA JANELA, XINGAM: ‘SAI DAÍ FILHA DA PUTA, ENTRA!’ HÁ VIOLAÇÕES DE DOMICÍLIOS, PEGAM DINHEIRO, PEGAM DROGAS”, DENUNCIA GILMAR CUNHA, MORADOR DA MARÉ. ** Observação: este mapa foi construído a partir do material jornalístico coletado e das ocorrências relatadas por moradores na página Maré Vive, na rede social Facebook. https://www.facebook.com/Marevive?fref=ts

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*(In Moradores da Maré denunciam abusos durante abordagens policiais. Portal Agência Brasil EBC. Publicado em 26/03/2014. Acessado em 05/06/2014.http://agenciabrasil.ebc. com.br/geral/noticia/2014-03/moradores-da-mare-denunciam-truculencia-policialdurante-abordagens) **(In Tatiana Merlino: Fantasma do inimigo interno assombra a Maré em Viomundo. Publicado em 22/05/2014. Acessado em 01/07/2014. http://www.viomundo. com.br/denuncias/tatiana-merlino-fantasma-do-inimigo-interno-assombra-a-ocupacao-da-mare-a-terra-de-marlboro.html)


1. Revista e agressão a moradores. 04/03/2014 2. Homem de 81 anos, que teve sua casa invadida, é preso. 30/03/2014 3. Agressão a moradores menores de idade. 31/03/2014 4. Policial ameaça atirar em morador. 06/04/2014 5. Protesto e con lito pela omissão das forças militares no espancamento de Cláudio Brum dos Reis, 22 anos, por outros moradores. O Exército disparou 3 tiros para o alto e lançou spray de pimenta nos moradores. 06/04/2014 6. Jovem detido sem mandato ou lagrante. 06/04/2014 7. Agressão e prisão de morador considerado “suspeito”. 10/04/2014

Jornal Folha de São Paulo - Cotidiano - 06/04/2014

Jornal O Globo - Primeiro Caderno - Página 8 - 07/04/2014 Jornal Folha de São Paulo - Cotidiano - 12/04/2014

8. Bombas de gás lacrimogênio e tiros disparados durante a prisão de um morador. 10/04/2014 9. Jefferson Rodrigues da Silva, de 18 anos. 12/04/2014 10. Protesto e con lito pela morte de Jefferson Rodrigues da Silva, de 18 anos. 2 pessoas detidas . 12/04/2014

Jornal O Dia- 26/05/2014

11. Teresinha Justino da Silva, de 67 anos. 14/04/2014 12. Extorsão a moto-taxistas. 21/05/2014 13. Protesto e con lito com o Exército por revista truculenta a um morador que estava em um bar do local. Foram disparados tiros para o alto e spray de pimenta sobre os moradores. 26/05/2014

Portal UOL- 09/06/2014 http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/06/09/moradoresentram-em-confronto-com-militares-na-mare-no-rio-durante-festa.htm

14. Protesto e con lito com o Exército pelo encerramento arbitrário de uma festa no local. Foram disparados tiros para o alto e spray de pimenta sobre os moradores. 09/06/2014 15. Exército ataca população após jogo do Brasil: foram disparados tiros para o alto, além de tiros de bala de borracha, gás lacrimogênio e spray de pimenta sobre os moradores. 13/06/2014 16. Protesto contra a violência da ocupação militar-policial. 28/06/2014 17. Invasão domiciliar. 30/06/2014 18. Agressão a moradores. 09/07/2014 19. Revista truculenta. 12/07/2014.

http://og.infg.com.br/in/12178845-de7-37d/FT1086A/mare.jpg

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O que signi ica a militarização do Complexo da Maré para a questão urbana do Rio de Janeiro? Quais serão os desdobramentos futuros para a cidade, na perspectiva da favela como o território inimigo a ser dominado de forma violenta pelo Estado? A semelhança da operação militar na favela com o cenário apocalíptico de Brazil permite questionar se este tipo de “paci icação”, na qual os fuzis falam mais alto que as ações sociais e urbanas estruturantes, vai permitir a emancipação dos moradores das áreas favelizadas como cidadãos plenos em seu direito à cidade.

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http://noticias.uol.com.br/album/2014/03/26/exercito-busca-armas-enterradas-por-tra icantes-do-rio-de-janeiro.htm#fotoNav=146

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ASSISTA O Vテ好EO 4 EM: https://www.youtube.com/watch?v=CuEOcGAY7Ag&index=2&list=UUPbkhnKlFGKFYG7tS2EcFrA

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V CÂMERAS DE VIGILÂNCIA NA ROCINHA E 1984 Meu destino, diz o mestre do Panóptico, está ligado ao deles (ao dos detentos) por todos os laços que pude inventar. Jeremy Bentham, 1802

No livro 1984, escrito em 1948 por George Orwell, a sigla B.B. se refere ao Big Brother, o Grande Irmão, ditador da Oceania – um Estado totalitário que vigiava 24 horas por dia os seus oprimidos cidadãos. Um grande clássico literário do século XX, este livro é uma alegoria à perda da liberdade do homem moderno, coroando o Big Brother como uma “ metáfora-chave para a vigilância, pelo menos no mundo ocidental” (BAUMAN,2013:17). Neste sentido, o próprio autor é um ícone, já que “o termo ‘orwelliano’ tornou-se sinônimo de iscalização, controle e invasão de privacidade na vida dos indivíduos pelo Estado” (SILVA, 2013:11). Se acrescentarmos um “B” à mesma sigla B.B., estamos agora nos referindo ao Big Brother Brasil, um programa de televisão no qual, ao contrário do livro, “as pessoas querem entrar na casa para serem vigiadas” 44. Incentivada pelos reality shows da televisão, a busca pela exposição no mundo contemporâneo pode naturalizar a existência de câmeras no espaço público e privado? Pode facilitar a aceitação destas pela população? O fato é que o sistema de câmeras de vigilância instalado na Favela da Rocinha tem sido associado à ideia do BBB. Quer dar uma espiadinha? Ninguém entra hoje na Rocinha sem passar pelos vigias. As 80 câmeras foram instaladas em todos os acessos e nos principais pontos da comunidade.(...) É um reforço com uma visão privilegiada. Algumas das câmeras giram 360 graus e podem registrar, em detalhes, o que acontece a 300 metros de distância. Até mesmo à noite, com o infravermelho. Todas as imagens são monitoradas em tempo real no centro de controle montado dentro da Rocinha. Quando uma atitude suspeita é identi icada, a central manda o policial que está mais próximo checar. 45 44 In Modelo panóptico prega o poder por meio da vigilância total do homem, publicado em Globo Ciência no dia 10/03/2012. Acessado em 13/04/2014. http://redeglobo.globo.com/globociencia/noticia/2012/03/modelopanoptico-prega-o-poder-por-meio-da-vigilancia-total-do-homem.html 45 In Câmeras de segurança começam a monitorar a Rocinha (RJ), publicado em 08/01/2013 no Portal G1. Acessado em 20/06/2014. http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/01/cameras-de-segurancacomecam-monitorar-favela-da-rocinha-rj.html

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FAVELA DA ROCINHA

ÁREA 887.587 m² POPULAÇÃO 71.085 hab. RENDA PER CAPITA R$ 220,00

RIO DE JANEIRO http://i.ytimg.com/vi/EeP3ErTjc9U/0.jpg

AS CÂMERAS 22°59’30.92”S 43°15’02.32”O

R$ 98 MIL POR MÊS

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CUSTO:


A instalação das câmeras de vigilância e do centro de controle na Rocinha ocorreu em maio de 2013, alguns meses após a instalação da UPP na favela. O que difere este sistema de vídeo dos outros é que, enquanto a maioria das câmeras instaladas pelo Estado nos espaços públicos do Rio de Janeiro está atrelada ao monitoramento do trânsito, as câmeras para a favela se prestam exclusivamente à política de segurança pública, já que são controladas por policiais militares e estão conectadas diretamente com a sede da UPP. Nessa perspectiva, as câmeras se apresentam como mais um arti ício na contenção da criminalidade atribuída ao território da favela. O criador do “BBB da Rocinha”, major Edson Santos – comandante da UPP local – deixa clara a intenção de “ortopedia social” (FOUCAULT, 1997) aplicada à população favelada: “Com elas, aumentamos a vigilância. Quem está envolvido com coisas erradas muda de comportamento. Por isso, as ocorrências diminuíram.” 46 A vigilância das câmeras na favela considera todos os indíviduos monitorados como infratores em potencial, formatando seus corpos e mentes a um estado de disciplina que traga conforto à sociedade insegura. O favelado, “bode expiatório” da violência urbana, é o de alta periculosidade, a quem se deve monitorar para prevenir que o potencial criminoso se manifeste na forma de delito: Daí o efeito mais importante do pan-óptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder.(...) pois o essencial é que ele se saiba vigiado.(...) Visível: sem cessar o detento terá diante dos olhos a alta silhueta da torre central de onde é espionado. Inveri icável: o detento nunca deve saber se está sendo observado; mas deve ter certeza de que sempre pode sê-lo. (FOUCAULT, 1999:166) Antes da existência dos sistemas internos de vídeo, a ideia de pan-óptico se expressava inteiramente no ambiente construído. Com o advento das câmeras de vigilância, os espaços disciplinadores icaram mais lexíveis e abrangentes, não se limitando às prisões, hospícios ou conventos, reforçando a ideia de que “o pan-óptico está vivo e bem de saúde, na verdade, armado de músculos (eletronicamente reforçados, ‘ciborguizados’) tão poderosos que Bentham, ou mesmo Foucault, não conseguiria nem tentaria imaginalo” (BAUMAN,2013:58). Assim se constrói na vida real um modelo de vigilância social muito semelhante ao que foi descrito na icção cientí ica como um cenário apocalíptico de cidade – “uma espécie de ciberpanopticismo que programa e dirige o cotidiano social, a partir de novas centralidades criadas pelas tecnologias de vigilância e controle.” (BARBOSA, 2013:198) 46 In BBB da favela da Rocinha, no Rio, monitora moradores 24 horas. Publicado na Folha de São Paulo, 11/05/2013. Acessado em 20/03/2014. http://www1.folha.uol.com.br/ cotidiano/2013/05/1277131-bbb-da-favela-da-rocinha-monitora-moradores-24-horas.shtml

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1984 (1956)

1984 (1984)

Título original: 1984 Direção: Michael Anderson País: Reino Unido Produção: N. Peter Rathvon Duração: 90 minutos Cor: preto e branco Roteiro: Ralph Gilbert Bettison e William Templeton

Título original: 1984 Direção: Michael Radford País: Reino Unido Produção: Simon Perry Duração: 110 minutos Cor: colorido Roteiro: Michael Radford

O livro 1984 ganhou duas versões cinematográ icas – uma em 1956 e outra em 1984. A abordagem entre as duas difere conforme o contexto na qual foram produzidas, já que “com o mesmo conteúdo narrativo, cada versão expressa o “espírito de época”. Nos anos de 1950 e nos de 1980, o poder de controle do Estado e a submersão do indivíduo numa sociedade controlada.” (SILVA, 2013:9) Independente da versão ílmica, o cenário apocalíptico descrito no 1984 das telas não difere do livro na construção de uma metáfora cruel das forças que ameaçam a liberdade humana, principalmente no que diz respeito à vigilância, em “um mundo empobrecido, totalitário e sadístico do qual não há como escapar.” (CARDOSO, 2003:56) A supressão total da liberdade e da privacidade pautava um país chamado Oceania, lugar no qual o próprio ato de pensar era um crime gravíssimo. Em um Estado totalitário controlado pelo partido IngSoc, a Oceania vivia em guerra constante com as outras duas potências mundias: Eurásia e Lestásia. O líder supremo era o Grande Irmão (do inglês Big Brother), a quem a população devia obediência e adoração sem medida. Os olhos e ouvidos do Grande Irmão eram onipresentes no cotidiano: os cidadãos eram vigiados em suas casas, no trabalho, nas ruas, fábricas e refeitórios pela Teletela. Além da função de um televisor comum, a Teletela permitia que o espectador pudesse ser visto e ouvido pelos dirigentes do partido. O protagonista da trama é Winston Smith, um membro de baixo escalão do IngSoc, que trabalhava na falsi icação de jornais, livros e documentos. Desta forma, a informação era “atualizada”, a im de que ela fosse sempre favorável ao regime, apagando qualquer vestígio prejudicial aos desígnios do Estado. Cada vez mais deprimido com a miséria da sua existência, Smith resolve buscar secretamente meios de burlar o sistema, mesmo sendo vigiado em sua própria casa. A partir de então ele conhece Julia, também membro do partido, que o faz descobrir novas ideias subversivas. 110

h p://www.impawards.com/1956/posters/nineteen_ eighty_four_xlg.jpg

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O LOCAL MAIS VIGIADO DO MUNDO? Temos uma câmera para cada 860 habitantes. Antes, Londres era a cidade mais vigiada, com uma câmera para cada 862 habitantes, mas agora somos nós. 47 (Neyfson Borges, subcomandante da Unidade de Polícia Paci icadora da Rocinha)

47 In A maior favela do Rio mais vigiada que Londres, 15/01/2013. Acessado em 18/06/2014. http://dialogo-americas.com/pt/articles/rmisa/features/technology/2013/01/15/featureex-3828 112


SORRIAM, MORADORES: O BIG BROTHER ESTÁ OBSERVANDO VOCÊS! Outro morador vigiado 24 horas por dia é seu José Gomes. Dono de uma pequena birosca na rua 2, é avisado de que as lentes da segurança pública estão apontadas para o seu estabelecimento. ‘Sabia que estavam ilmando aqui, mas é essa a câmera mesmo? Acho que para eles (policiais) é bom, né’, disse. Há 43 anos na Rocinha, seu José também estranha o monitoramento constante, que chama de ‘um pouco de invasão’. 48

48 In RJ: Rocinha é vigiada por 80 câmeras 24 horas por dia, publicado em 10/01/2013 no Portal Terra. Acessado em 17/06/2014. http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/rj-rocinhae-vigiada-por-80-cameras-24-horas-por-dia,b0440d8f3952c310VgnVCM3000009acceb0aRCRD. html 113


Se para as autoridades a favela é o território da criminalidade, o favelado é sempre suspeito aos olhos eletrônicos do Big Brother da Rocinha. Se esta é a perspectiva de quem vigia, até que ponto as câmeras nos espaços públicos da favela se prestam à segurança da população? E o Amarildo Dias de Souza, ajudante de pedreiro e morador local, desaparecido desde 14/07/2013? Cadê? As infalíveis câmeras não foram capazes de responder a esta pergunta. E por que seriam, se os vigilantes por trás das câmeras são Policiais Militares da UPP da Rocinha, colegas de batalhão dos principais suspeitos do desaparecimento? Como diz a sabedoria popular, às vezes as câmeras mentem. Ou as câmeras só vêem o que quer?

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h p://download.rj.gov.br/imagens/14/00/51/1400519.jpg

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ASSISTA O Vテ好EO 5 EM: https://www.youtube.com/watch?v=2KDv1vza-U4&feature=youtu.be

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VI REMOÇÃO DA FAVELA DA TELERJ E ROBOCOP III Assim dizia a petição/ ‘dentro de dez dias quero a favela vazia/ e os barracos todos no chão’ Adoniran Barbosa - Despejo na Favela, 1980

A meteórica ocupação da Favela da Telerj, no bairro do Engenho Novo, é mais um capítulo da luta pela habitação popular na cidade do Rio de Janeiro – uma disputa desigual entre as forças do capital e a população sem-teto pelos terrenos urbanos. Tão rápida quanto a chegada dos quase 5.000 moradores no terreno, no dia 31 de março de 2014, foi a operação de remoção, executada por mais de 1.500 policiais fortemente armados, no dia 11 de abril de 2014. Em 12 dias de existência da favela, foi possível observar uma ação ordeira de assentamento no terreno ocioso, organizada via redes sociais: em pouco tempo e com muita dedicação os barracos já estavam praticamente de pé. Enquanto isso, o Estado se fechou ao diálogo e, com o apoio da mídia hegemônica, criminalizou o movimento popular por moradia (segundo o prefeito Eduardo Paes, “Pobre que é pobre, que precisa de casa, não ica demarcando, não aparece com madeirites marcando número” 49 ). Por im, a arbitrariedade do judiciário contra a legitimidade da ocupação e a ação covarde das forças policiais reintegrou a posse de um imóvel abandonado pela União e pela empresa Oi. A legitimidade da ocupação se baseia no direito à moradia popular coletiva em um terreno de 50 mil metros quadrados sem qualquer função social. O surgimento da Favela da Telerj é uma resposta à demanda por habitação social melhor localizada e integrada à malha urbana, já que os programas de assistência à moradia, como o Minha Casa Minha Vida, se concentram na Zona Oeste, distantes da área central da cidade. Porém, a solução das autoridades à questão da habitação foi violenta: uma reintegração de posse a qualquer custo, em nome de uma tal legalidade deformada e sem perspectiva de justiça social. No ilme RoboCop III, o sonho das autoridades de construir a cidade-empresa Delta City começa com as forças policiais “varrendo” os pobres de Detroit. Neste cenário apocalíptico, o juízo inal vem em forma de limpeza urbanahumana. 49 In Favela da Telerj: Paes defende desocupação, jornal O Globo, 10/04/2014, Primeiro Caderno, pág. 10

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FAVELA DA TELERJ

ÁREA ~ 50.000 m² POPULAÇÃO ~ 5.000 hab. RENDA PER CAPITA desconhecida

22°53’53.84”S 43°15’54.61”O

RIO DE JANEIRO http://og.infg.com.br/in/12116961-885-065/FT1500A/550/ favela-telerj.jpg

A REMOÇÃO

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— Esse prédio estava há oito anos abandonado. Era uma cracolândia. Limpamos tudo. Precisamos de casa. O governo tem dinheiro para bancar a Copa, mas não tem para dar abrigo a quem precisa. Morava no Jacarezinho, onde teria que pagar aluguel de R$ 450 — disse Karoline Cristie Barros, de 22 anos 50

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http://rioonwatch.org/wp-content/uploads/2014/04/10001333_296773910480761_1244 736020906612785_n.jpg

Com enxada nas mãos e capinando o lugar onde erguerá seu futuro barraco, a dona de casa Ana Paula de Castro, de 26 anos, disse que agora tem a esperança de erguer uma casa para criar os três ilhos: — Moro com minha mãe e meus ilhos. Pago aluguel caro e agora vou ter minha casa. 51 50 In Autoridades ainda tentam saída amigável; publicado em O Globo, 09/04/2014. Primeiro Caderno, página 11 51 In A gênese de uma favela; jornal O Globo, 04/04/2014; Primeiro Caderno, página 9

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ROBOCOP 3 1993 Título original: Robocop 3 Direção: Fred Dekker País: Estados Unidos Produção: Andrew Eaton Duração: 104 minutos Cor: colorido Roteiro: Frank Miller e Fred Dekker Imagine um cenário urbano de pura violência, controlado por poderosas corporações, onde protótipos de policiais-ciborgues, bandos errantes de punks, yuppies amorais e crime organizado colidem em meio ao caos, enquanto que os cidadãos ditos normais se alienam consumindo o espetáculo apelativo dos telejornais e das propagandas da televisão. Essa é a Detroit apocalíptica da trilogia RoboCop, cidade que, na vida real, agoniza em meio ao abandono após o declínio da indústria automobilística americana. O início da série: o policial Alex Murphy é brutalmente assassinado por uma gangue durante uma ocorrência; os seus restos mortais são usados na fabricação do protótipo RoboCop – um policial-ciborgue indestrutível e de alta e iciência, desenvolvido pelo conglomerado empresarial OCP (Omni Produtos de Consumo). O ciborgue, capaz de combater o crime 24 horas por dia, é propriedade da OCP, assim como a polícia de Detroit, que fora privatizada. Usando a violência urbana como desculpa, a mega-corporação planeja demolir as áreas degradadas da “velha Detroit” para construir Delta City, uma cidade-empresa governada pela própria OCP. Em meio aos con litos que envolvem a “requali icação” da cidade, RoboCop segue combatendo o crime, até o momento que o seu lado humano desperta e entra em con lito com as ordens da OCP programadas em seu cérebro eletrônico. Neste momento, as ações do ciborgue passam pelo arbítrio das emoções e da personalidade de Murphy, que a partir de então busca a verdade sobre o seu assassinato e sobre as intenções da OCP. Em RoboCop III, a OCP, à beira da falência, é vendida para o conglomerado japonês Kanemitsu Corporation, que promete inalmente iniciar a construção de Delta City. Para isso, planeja remover os moradores de uma área pobre conhecida como Cadillac Heights, na “Velha Detroit”. Para cumprir a ordem de despejo, a OCP envia uma força militar denominada Reabilitadores Urbanos, sob o comando do inescrupuloso Paul McDaggett (John Castle), que conduz a operação de remoção com extrema violência; dentre mortos e feridos, parte dos moradores sobreviventes são levados de ônibus para longe dali, enquanto que a maioria se esconde nos subterrâneos de Detroit, formando uma resistência armada às remoções. Frente à brutalidade da ação da OCP, RoboCop (Robert John Burke) se rebela, juntando-se ao antigos moradores de Cadillac Heights na batalha contra os Reabilitadores Urbanos. 122

http://www.impawards.com/1993/robocop_three_ver3_xlg.html


“O RoboCop do governo é frio/não sente pena, só ódio/e ri como a hiena” Racionais MC’s - Diário de um detento, 1997

Ícone pop desde a década de 80, RoboCop inegavelmente faz parte do imaginário coletivo contemporâneo, sendo associado principalmente à metáfora da desumanização dos policiais. Um exemplo da apropriação simbólica do personagem foi na manchete “Rio terá ‘RoboCop’contra Black Blocs”, capa do jornal O Globo do dia 27/02/2014, que faz referência à nova armadura da tropa de choque contra a população insurgente. Para além dos manifestantes, o equipamento também foi utilizado contra a população na remoção da Favela da Telerj, já que a mesma tropa de choque que “executa pessoas sumariamente nas favelas e realiza despejos jogando bombas de gás nos moradores, entrou e saiu de cena ao longo das manifestações, lembrando que, no país próspero e feliz, a linguagem da violência ainda é parte importantíssima do léxico político.” (ROLNIK, 2013:10)

Jornal O Globo - 27/02/2014 - Capa

‘ROBOCOP’ TA M B É M CONTRA A POPULAÇÃO SEM- TETO

http://www.viomundo.com.br/wp-content/uploads/2014/04/PM-e1397300879518.jpg

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- Quando a polícia chegou, estávamos dormindo. Todos saíram em paz, caminhando devagar rumo ao portão. Eles (os policiais) chegaram jogando bombas de gás de pimenta. Vi uma mulher com duas crianças desmaiarem com a fumaça. Eu só queria uma casa para morar. 52 (Eduardo Caxias, 26 anos)

52 In Invasão como saída para ter ‘barraco próprio’, publicado em O Globo no dia 12/04/2014. Primeiro Caderno, página 18

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- Papai, pra onde eles vĂŁo nos levar? 53

http://jornalggn.com.br/sites/default/ iles/u16/favela-da-oi.jpg

http://www.pstu.org.br/sites/default/ iles/imagens/imagem_desocupacao.jpg

53 DiĂĄlogo do ilme RoboCop III (00:04:47)

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Assim que chegaram, as tropas cercaram o terreno, de 50 mil metros quadrados ocupados por barracos de madeira, e, às 5h50m, com a ajuda de uma retroescavadeira, quebraram uma parede dos fundos. (...) — Os PMs chegaram falando e jogando spray de pimenta e mandando todo mundo sair. Nós sentamos no chão e começamos a conversar, mas não houve jeito, começou a confusão. 54 (Thaynara Souza dos Santos, 18 anos)

54 In Invasão como saída para ter ‘barraco próprio’, publicado em O Globo no dia 12/04/2014. Primeiro Caderno, página 18 126


- Essa localidade ĂŠ propriedade da Omni Consumer Products! 55

www.netpapers.com/capa-do-jornal/o-globo/29-03-2013

55 DiĂĄlogo do ilme RoboCop III (00:04:02)

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- Nós ainda falamos: “Não empurra! Não joga spray de pimenta! Olha as crianças aí!”. Mas isso não os comoveu. Havia muitas crianças ajudando as mães, para você ter ideia. As pessoas icaram desesperadas, choravam. Eu mesma fui acordada com pontapés, sendo tratada como um animal. Nós viemos para cá, porque o aluguel na favela icou muito caro. É a mesma situação de todos aqui. A gente não pode pagar aluguel e icar sem comida para alimentar nossos ilhos. Só queríamos um teto para viver com um pingo de dignidade, mas nem a isso nós temos direito. Minha ilha está desempregada. O dinheiro da recisão dela, nós usamos para comprar madeira e montar nosso barraco. Esses caras [PMs] estão jogando bombas em crianças no meio da rua. Na televisão, estão dizendo que está tudo tranquilo, mas não tem nada tranquilo. (Célia Regina, 63 anos) 56

56 In Favela da Telerj: ’Não queremos Copa, queremos casa!’, publicado em A Nova Democracia, Ano XII, nº 129, 2ª quinzena de Abril de 2014. Acessado em 15/06/2014. http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerjnao-queremos-copa-queremos-casa

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- N達o acreditem neles! V達o nos jogar na rua pra morrermos como ratos! Nazistas ilhos-da-m達e! 57

http://arquivos.tribunadonorte.com.br/fotos/140949.jpg

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57 Di叩logo do ilme RoboCop III (00:04:54)

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Apesar do ataque covarde das tropas de repressão do velho Estado, as massas não abaixaram a cabeça e, durante horas a io, sustentaram uma combativa resistência pelas ruas do bairro. Jovens das favelas próximas, como Jacaré, Manguinhos, Dois de Maio, Pica-Pau e Rato Molhado se juntaram aos desabrigados da Favela da Telerj e engrossaram a resistência. (...) Os PMs tiveram que bater em retirada e, em seguida, manifestantes incendiaram o ônibus. Um policial a paisana disparou tiros de munição letal. Ao lado dele, um camburão da PM também foi incendiado pelas massas. Um homem icou cego depois de ser atingido por um tiro de bala de borracha.58

58 In Favela da Telerj: ’Não queremos Copa, queremos casa!’, publicado em A Nova Democracia, Ano XII, nº 129, 2ª quinzena de Abril de 2014. Acessado em 15/06/2014. http://www.anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerjnao-queremos-copa-queremos-casa

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- Fiquem aqui e lutem por suas casas! Eles são uns ladrões querendo roubar nossas casas! 59

h p://www.cartacapital.com.br/sociedade/para-quem-o-governo-governa-4449.html/desocupacao-doterreno-da-oi/@@images/00d59d89-3c05-41c0-86e8-4d8feae80f36.jpeg

h p://rebaixada.org/wp-content/uploads/2014/04/10175985_245502488972534_4292961802686373 236_n.jpg

59 Diálogo do ilme RoboCop III (00:05:57)

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Na segunda-feira (14), uma comissão foi recebida por representantes da prefeitura. Segundo um acordo irmado entre as partes, seria feito um cadastramento das famílias em suas favelas de origem. No entanto, muitos dos desabrigados não têm onde morar, muito menos favela de origem. Além disso, algumas lideranças comunitárias não aceitaram o acordo e esvaziaram a maior parte dos ônibus. Muitos se revoltaram e tentaram bloquear o trânsito na Avenida Presidente Vargas. A guarda municipal, então, começou um covarde ataque às famílias, atirando bombas de gás lacrimogêneo de dentro do prédio da prefeitura.60

60 In Favela da Telerj: ’Não queremos Copa, queremos casa!’, publicado em A Nova Democracia, Ano XII, nº 129, 2ª quinzena de Abril de 2014. Acessado em 15/06/2014. http://www. anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerj-nao-queremos-copa-queremos-casa

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- Os policiais que vocês veem na TV são mercenários da OCP que expulsam as pessoas de sua casa, as colocam na rua! Vocês precisam acreditar! Eu falo em nome de todos os sem-teto e sem-trabalho aqui da cidade de Detroit, e de todas as cidades governadas pelos porcos capitalistas que só fazem explorar as pessoas. 61

h p://extra.globo.com/incoming/12189869-a94-0a4/w640h360-PROP/2014041446076.jpg

61 Diálogo do ilme RoboCop III (01:28:23) 133


- Nós sofremos uma das maiores violências da história dessa cidade. Um dos despejos mais violentos da história do país. Mas nenhum de nós vai esquecer Eduardo Paes. Nenhum de nós vai esquecer Pezão. Isso vai icar guardado na nossa memória para sempre. (homem não identi icado)62

62 In Favela da Telerj: ’Não queremos Copa, queremos casa!’, publicado em A Nova Democracia, Ano XII, nº 129, 2ª quinzena de Abril de 2014. Acessado em 15/06/2014. http://www. anovademocracia.com.br/no-129/5321-favela-da-telerj-nao-queremos-copa-queremos-casa 134


- Alguns prédios precisam vir abaixo para que Delta City seja construída. Eu não posso negar que estamos procedendo à um despejo ou outro. E há empregos novos à sua espera. Só estamos ajudando em sua transição, só isso. Somos policias, nada mais. 63

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63 Diálogo do ilme RoboCop III (00:02:31) 135


Na icção cientí ica, o despejo da população pobre em nome da construção de uma cidade-empresa constitui um cenário de futuro apocalíptico. Na vida real, a violenta remoção da Favela da Telerj é tratada pelas autoridades e mídia entusiasta como uma simples desocupação de terreno; como uma ação cumpridora da legalidade e do ordenamento urbano. Porém, o histórico de remoções de favelas na cidade do Rio de Janeiro sinaliza a insensibilidade do Estado na questão da habitação popular, acentuando a exclusão social e urbana dos moradores, que se vêem cada vez mais distantes dos centros urbanos e dos seus postos de trabalho.

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VII CONSIDERAÇÕES FINAIS Na perspectiva do avanço das políticas públicas para as favelas cariocas que foram expostas neste trabalho, teme-se pelo acirramento da desigualdade urbana que ao longo da história sempre separou o morro do asfalto. Este reordenamento urbano excludente, pautado por medidas que acentuam a segregação e o controle da população pobre, é mais um obstáculo ao acesso democrático das classes baixas à cidade. No contexto das atuais intervenções urbanísticas contemporâneas no Rio de Janeiro, o que sobra para os favelados? O papel de mão-de-obra barata? E para a favela, o que resta? Ser mais um celeiro barato de reprodução da força de trabalho? É preocupante que as ações do Estado para os territórios favelizados não garantam aos seus moradores habitação de qualidade e infraestrutura urbana mínima — principalmente no que diz respeito à e iciência e custo-bene ício dos transportes públicos, estopim das recentes manifestações nas capitais brasileiras. En im, o direito a gozar da cidadania plena continua restrito aos que podem pagar por ela.

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Cidade Maravilhosa: neste grotesco cenário de novela das 8, vendido histericamente aos turistas e principalmente aos cariocas menos informados, parece que os favelados não serão contemplados nem como igurantes; por outro lado, se encaixariam perfeitamente como protagonistas de um ilme de icção cientí ica apocalíptica. Qual será o futuro da favela, na perspectiva sombria dos muros, UPPs, câmeras e remoções em seu território? Portanto, atenção, moradores das favelas: em algum lugar do futuro vocês podem estar vivendo como em um ilme de icção cientí ica. Eis o urbanismo do apocalipse...

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Este trabalho ĂŠ dedicado Ă luta diĂĄria dos moradores das favelas, que corajosamente resistem.

http://imguol.com/c/noticias/2014/01/10/10jan2014---menino-caminha-sobre-restos-de-casas-demolidas-na-favela-do-metro-mangueira-norio-nesta-sexta-feira-10-desde-terca-moradores-protestam-contra-a-desocupacao-do-local-eles-alegam-que-1389387534891_956x500.jpg

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TEIXEIRA, Eduardo Tomazine. A “doutrina da paci icação”. Texto disponibilizado no sítio PassaPalavra (http://passapalavra. info/2011/01/34214), 2011.

1984 (1956), Diretor: Michael Anderson, Roteiristas: William Templeton e Ralph Bettinson, Produção: Columbia Pictures Corporation, Duração: 90 min., Formato: 35 mm, Cor: preto e branco.

TEIXEIRA, Eduardo Tomazine . Unidades de Polícia Paci icadora: O que são, a que anseios respondem e quais desa ios colocam aos ativismos urbanos? (1ª parte) (Texto disponibilizado no sítio “PassaPalavra”: http://passapalavra.info/2010/06/25554) 2010.

1984 (1984), Diretor: Michael Radford, Roteirista: Michael Radford, Produção: Umbrella-Rosenblum Films Production, Duração: 113 min., Formato: 35 mm, Cor: colorido (Eastmacolor).

VAINER, Carlos.; Quando a cidade vai às ruas. In: Cidades rebeldes: Passe Livre e manifestações que tomaram as ruas do Brasil – 1.ed – São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013, p.35-40

Blade Runner (1982), Diretor: Ridley Scott, Roteiristas: Hampton Fancher e David Peoples, Produção: Warner Bros., The Ladd Company, Tandem Productions e Sir Run Run Shaw, Duração: 117 min, Formato: 35 mm, Cor: colorido.

***

Brazil - The Movie (1985), Diretor: Terry Gilliam, Roteiristas: Terry Gilliam, Tom Stoppard e Charles McKeown, Produção: Arnon Milchan e Embassy International Pictures, Duração: 132 min, Formato: 35 mm, Cor: colorido.

IMAGENS DA CAPA: http://www.brasil247.com/images/cache/1000x357/crop/images|cms-image-000351702.jpg http://www.brasil247.com/images/cache/1000x357/crop_0_215_1000_572/images|cms-image-000351302.jpg

IMAGENS DA PÁGINA 97 (DE CIMA PARA BAIXO, DA ESQUERDA PARA A DIREITA): http://cdn-parismatch.ladmedia.fr/var/news/storage/images/paris-match/brouillons/operation-specialedans-les-favelas-557259/node_557305/5149303-1-fre-FR/image.jpg

http://noticias.uol.com.br/album/2014/03/26/exercito-busca-armas-enterradas-por-tra icantesdo-rio-de-janeiro.htm#fotoNav=146 http://rioonwatch.org/wp-content/uploads/2014/02/caveirao.jpg http://www.municipiosbaianos.com.br/painel/noticias/imagens/fotos/A%20CHARGE%20DO%20 ESTADO%20DE%20EXCE%C3%87%C3%83O%20POR%20CAUSA%20DA%20COPA.jpg http://america.aljazeera.com/content/dam/ajam/images/articles_2014/04/rio_riots_hp.jpg

Distrito 9 (2009), Diretor: Neill Blomkamp, Roteiristas: Neill Blomkamp e Terri Tatchell, Produção: Peter Jackson e Carolynne Cunningham, Duração: 112 min , Formato: 35 mm, Cor: colorido. Fuga de Nova York (1981) Diretor: John Carpenter, Roteiristas: John Carpenter e Nick Castle, Produção: Larry J. Franco e Debra Hill, Duração: 99 min, Formato: 35 mm, Cor: colorido. RoboCop 3 (1993) Diretor: Fred Dekker, Roteiristas: Frank Miller e Fred Dekker, Produção: Andrew Eaton, Duração: 104 min., Formato: 35 mm, Cor: colorido

http://veja2.abrilm.com.br/assets/images/2012/4/73688/MIKA280312042-size-598.JPG http://extra.globo.com/casos-de-policia/12178809-414-5c9/w640h360-PROP/2014041244356. jpg http://soulbrasileiro.com.br/wp-content/uploads/2010/06/Mar%C3%A9.jpg

http://i.huffpost.com/gadgets/slideshows/343448/slide_343448_3565438_free.jpg

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