Crônicas Musicais
Crônicas Musicais Erika Antônia Piskac Nalin Lígia Moura Simões de Souza
Textos Erika Antônia Piskac Nalin Lígia Moura Simões de Souza Encarte DVD Imagens e edição Erika Antônia Piskac Nalin Capa Erika Antônia Piskac Nalin Lígia Moura Simões de Souza Diagramação Erika Antônia Piskac Nalin Lígia Moura Simões de Souza Revisão Andressa Zoi Nathanailids Crônicas Musicais, 2015
Sumário
As autoras Fantasia 15 Amadeus 20 Os Bosques de Viena 23 Teatro com Th 29 Men Ocles 32 Papelinho e Papelão 36 Os Maestros O Despertar dos sentimentos 45 Abstrato Paupável 51 Os Músicos O aprendiz 59 La regla es no tener regla 63 O trompista 69 Os ouvintes Primeira de Mahler 77 O homem e a câmera 83 Os mestres Passeio no Céu 92 A primeira Impressão 97
Gratidão a todos os personagens que gentilmente cederam seu tempo e dividiram suas belas histórias conosco. É com muito carinho que dedicamos este livro a todos os nossos queridos familiares, amigos e ao público, pois não existe escritor sem leitor.
A música clássica mudou a minha vida
Nunca me esqueço daquele momento em que ouvi uma música clássica pela primeira vez. Era a Sinfonia n. 6, de Beethoven, conhecida como Pastoral. O impacto dessa audição descortinou um novo horizonte em meu futuro, apresentando-‐me um mundo mágico de beleza e de sonhos. A música clássica tem esse poder. Mesmo sem entendermos direito, guiados apenas por nossa intuição, ela nos leva a diferentes interpretações, nos faz sonhar, rir e chorar. Por acreditar nesse poder de transformação que a música clássica tem, e por ser completamente apaixonado por ela, dedico boa parte da minha vida a mostrar essa arte às pessoas, compartilhando um pouco dessas verdadeiras obras-‐ primas. Desde 2005 realizamos concertos nas escolas públicas da Região Metropolitana de Vitória, especialmente para as crianças, adolescentes e jovens das mais diversas comunidades, através da série "Orquestra nas Escolas". Mas ainda faltava alguma coisa! E foi na temporada 2015 que começamos um novo projeto, a série "Concertos para a Família", realizada aos domingos pela manhã, no Theatro Carlos Gomes. Nessas apresentações as crianças se divertem, conhecem os instrumentos musicais de perto, ouvem música clássica no meio dos músicos e até brincam de ser o regente da orquestra. Com isso, esperamos abarcar, em nossos concertos, os mais
diversos tipos de pessoas, das mais diversas idades, escutando, aprendendo, ouvindo e usufruindo, dessa, que é uma das mais belas artes de todos os tempos. A presente obra nos brinda com deliciosas crônicas que despertam, além do prazer pela leitura, a sede pelo saber do conhecimento musical, que é tão rico e diverso. Também é capaz de criar sensorialidades até mesmo no mais insensível ou despreocupado dos ouvintes. Crônicas Musicais é, certamente, uma grande contribuição para a cultura capixaba! Música, literatura e sentimentos, narrados diretamente do cenário musical capixaba. A OSES e o Espírito Santo agradecem! Vitória, junho de 2015. Helder Trefzger
As Autoras
Erika iskac Erika PPiskac
Fantasia por Erika Piskac
Lembro da minha figura completamente estática, ainda criança, sentada no chão da sala, quando assisti pela primeira vez ao filme Fantasia, um clássico de 1940, (isso mesmo, década de 40) da grande produtora Walt Disney Pictures. Naquela época era quase que um ritual ligar aparelho de fita K7 e dar o play. Mesmo sem entender completamente o que se passava no filme, a mistura de sons e imagens me atraiu. Daí deve ter surgido o nome Fantasia. Era tudo realmente um grande conto de fadas. A capa do VHS era linda! Azul, com um desenho do Mickey, muito simpático por sinal, vestindo um enorme chapéu de feiticeiro vermelho. Como eu gostaria de ter esse VHS ainda! Você, mamãe, se quer distrair seu filho através de alguma animação, que seja com algo significativo, especial, único e marcante assim como Fantasia. Se alguém me perguntar qual filme — de animação — marcou a minha infância, eu não arriscaria em dizer Fantasia. Não deixando de citar “Branca de Neve” e “Cinderela”, claro! Walt Disney mistura obras de compositores da música clássica, humor inocente, típico de filmes infantis, seres mitológicos — unicórnios, faunos,
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pégasos, centauros, cupidos —, dinossauros, anjos, animais cômicos, criaturas obscuras e cria um enorme mistério por detrás das cenas, que são quase assustadoras. Pessoalmente, considero “Fantasia” uma das animações mais elaboradas e luxuosas já feita. A união de grandes obras de compositores clássicos (que na época, não fazia ideia de quem eram) com visuais extremamente coloridos, psicodélicos e criativos me transportavam para dentro da animação. Realmente era um mundo de fantasia. Sabe quando sonhamos algo completamente sem sentido (pensando bem, o filme faz sentido sim) e, mesmo assim, acordamos empolgados? Era mais ou menos assim que me sentia. Em Fantasia, é possível enxergar a música e ouvir as imagens. Experimentei assistir novamente, depois de quinze anos. E a percepção foi a mesma. Com outro olhar, agora, adulto, confesso que senti ainda mais êxtase, medo, curiosidade e uma sensação de estar dentro de um sonho sem sentido algum. Mas agora, com uma diferença: percebendo mais a música! Em uma breve pesquisa, descobri que todo o áudio do filme foi gravado na Academia de Música da Filadélfia, em 1939, pela Orquestra da
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Filadélfia, sob a regência do maestro Lepold Stokowski. Observe a grande produção deste filme. Uma orquestra inteira para gravar a trilha sonora de um filme de quase duas horas de duração. Fantasia consegue materializar através de imagens a música. Ao todo, a animação passa por oito momentos, que não são necessariamente interligados: Em "Toccata e Fuga em Ré Menor", de Bach, uma overdose de abstração e efeitos especiais. Em “Quebra Nozes”, de Tchaikovsky, fadas, bailarinas, flores, cogumelos e peixes dançam ao som de uma das sinfonias mais conhecidas do mundo, em uma explosão de cores e fantasia. O terceiro momento (e mais legal), "O Aprendiz de Feiticeiro", de Dukas, — cenário que deu vida a capa do VHS — apresenta o famoso rato Mickey Mouse no papel do feiticeiro afobado que quer aprender seu ofício antes da hora. Desengonçado e completamente atrapalhado se mete em uma grande confusão. O quarto movimento, “Sagração da Primavera” de Stravinsky, remete à evolução científica da vida na Terra, desde os primeiros seres microscópicos aos gigantes dinossauros. Os desenhos são incríveis. Explosões vulcânicas, criaturas primitivas, dinossauros voadores e
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cavernas com enormes crocodilos. É uma verdadeira aula de ciências para as crianças. Em "Sinfonia Pastoral", de Beethoven, um contraste com o momento anterior. O cenário se passa no Monte Olimpo, com o céu azul, cachoeiras, lagoas, pássaros e figuras fantasiosas como cavalos alados que cortam o céu, sátiros que saltam pelos campos, cupidos e centauros. Um universo completamente lúdico que conversa perfeitamente com a bela sinfonia de Beethoven. O sexto momento, “Dança das Horas”, de Ponchielli, faz uma sátira ao balé clássico usando a imagem de lindos animais, como elefantes, jacarés, hipopótamos — nunca imaginei que essas criaturas pudessem ser um dia, muito, mas muito fofas. — e avestruzes. A dança em perfeita sincronia hipnotiza quem está do outro lado da TV. A partir deste momento, "Noite no Monte Calvo", de Mussorgsky, o cenário se torna totalmente obscuro e assustador. Ele mostra o demônio Chernobog, que vive no alto de uma montanha. Na noite de Halloween a criatura vem atormentar as almas de um vilarejo. Nesta parte, melhor tirar as crianças da sala, porque mesmo depois de adulta, assistindo, ainda tive medo!
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Tem fogo, demônios, caveiras e criaturas mal encaradas. O último momento de Fantasia termina com a famosa canção "Ave Maria", de Schubert, aliviando o medo do momento anterior (ou não). Nela, retrata uma procissão religiosa que segue até uma capela gótica. O cântico termina, assim como um dia chega ao seu fim: com um belo pôr do sol.
“Se alguém me perguntar qual filme — de
animação — marcou a minha infância, eu não
”
arriscaria em dizer ‘Fantasia’.
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Amadeus por Erika Piskac
Eu ainda não tinha uma opinião formada sobre música, mas arriscava ouvir um pouco de tudo. Tudo mesmo. Passeava por Mamonas Assassinas, Spice Girls, Michael Jackson, Frank Sinatra, Led Zeppelin, Pantera, Bee Gees (nota-‐ se a minha falta de critério) e mais uma infinidade de bandas. Adorava passar horas escutando rádio, gravando músicas e assistindo clipes na tevê. Lembro-‐me que certa vez, em uma das inúmeras tardes que passava na casa da minha avó, revirando os CD’s, escolhi um aleatoriamente. Quando começou os primeiros arranjos de piano, perguntei o que estava tocando e minha avó respondeu: é Mozart! Fiquei empolgada e comecei a procurar pela coleção de CD’s – junto com uma infinidade de livros, DVDs, CD’s, coletâneas de fitas e tudo que envolvia música, literatura e cinema – do meu tio-‐avô, que deixou como herança para minha avó. Tio Alckir era um homem muito excêntrico e grande apreciador da cultura, em geral. Ele gostava de cinema, música, moda, cachorros – na sala de sua casa, um apartamento
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maravilhoso e cheio de mistérios, tinha um enorme quadro com a foto de seu cachorro, da raça Pequinês – bebidas, fotografia, canivetes. Ele era realmente um cara interessante e possivelmente, foi o responsável pela minha veia artística e pelo meu espírito livre de levar a vida. Morreu quando eu ainda era jovem, deixando uma grande bagagem cultural. Eram inúmeras referências: Verdi, Beethoven, Mozart, Stravinski, Villa-‐Lobos, Tchaikovsky e vários outros. E em meio a tantos nomes, eis que surge no meio deles um filme que me chamou atenção pela capa e encarte: “Amadeus”. (Lançado em 1984, contava a história de Wolfgang Amadeus Mozart, um compositor austríaco, irreverente e com uma enorme habilidade musical, desde a infância. Com tiradas de humor, – representadas por Tom Hulce, no papel de Mozart –, o longa é uma perfeita recriação de cenários e figurinos de época. A música apresentada no filme é utilizada nos momentos marcantes de cada personagem. Não se trata de um filme para apreciadores de música clássica, – eu mesma assisti acidentalmente, sem saber o motivo, – mas sim utiliza-‐se da música como pano de fundo para ilustrar sentimentos e motivações.
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Até hoje guardo o filme em minha memória (e na coleção de DVD’s). Fiquei fascinada pela maneira que o filme traduzia a genialidade sobre-‐humana da mente de Mozart, e contava sua história de uma maneira muito bem humorada, talvez foi esse o motivo que me encantou.
“E em meio a tantos nomes, eis que surge no meio deles um filme que me chamou atenção
”
pela capa e encarte: ‘Amadeus’.
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Os bosques de Viena por Erika Piskac
Lembranças sempre emocionam. Independente da época, da ocasião, da companhia e do momento. Elas sempre emocionam. Uma pessoa só é feliz por completo se ela for capaz de lembrar os mais doces momentos de infância. Nem que seja brevemente, e ainda que seja, uma pequena e singela lembrança. Não foi das mais fáceis, a tarefa de fazer minha avó relembrar dos tempos de sua infância. A curiosidade e a delícia de escutar aquelas histórias me fizeram insistir. E por sorte, tive um dos momentos mais emocionantes que já vivenciei. Vovó Zezé, assim a chamo, é a senhora mais lúcida, moderna, bem humorada, antenada e querida que conheço. Ela tem um gênio tão forte, mas tão forte, que consegue ser mais brava que eu! Vovó sabe tudo de internet, faz o melhor purê de batatas que existe, é carinhosa, tem uma coleção de CD's -‐ que nunca escuta, mas que morre de orgulho -‐, guarda todas as minhas roupinhas de quando eu era bebê, adora música clássica, sempre tem uma novidade para contar e foi a grande responsável pelo meu crescimento intelectual.
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Quando decidi escrever um livro sobre música erudita, senti a obrigação de falar sobre essa pessoa inspiradora que tanto me ensinou no campo musical. Vovó sempre falava que tinha sido uma excelente cantora na juventude. Estudou em escola de freiras e lá fez parte de um coral de meninas. Minha memória me fez viajar por aqueles cenários de filme: Uma freira ao fundo tocando piano, três fileiras de meninas vestidas perfeitamente com uniformes idênticos: meias até o joelho, saiotes rodados, camisa abotoada até o pescoço, cabelo preso com uma trança em cada lado da cabeça e sapatos bem lustrados. Minha imaginação foi longe. Soube que vovó Zezé se destacava pela voz aveludada e fina, mas nunca tinha tido a chance de escuta-‐la. A hora, então, tinha chegado: chamei-‐a para frente do computador e começamos uma pesquisa por algumas referências que ela mesma indicou. O tempo passou despercebido e quando me dei conta, vi que nós tínhamos assistido a tantos vídeos e escutado tantas músicas, que a memória de minha avó foi tomada por lembranças. E para minha surpresa, uma voz que começou baixinha, quieta e fina, logo foi
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aumentando de intensidade, foi ficando mais alta, aguda... "Os passarinhos à cantar, fazendo orquestração no ar, nos lindos bosques de Viena, encantam com tão lindas cenas... Ih, Erika! Me esqueci do resto." Vejo uma lágrima ameaçando a cair, sorrio e digo: -‐ Tudo bem, vó!
“Uma pessoa só é feliz por completo se ela for capaz de lembrar os mais doces momentos de
”
sua infância.
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Lígia Moura
Lígia Moura
Teatro com Th por Lígia Moura O estalar do asfalto com a passagem dos carros, o surrupio dos passarinhos, a conversa pouca, boba e baixa dos transeuntes, o farfalhar das folhas nas palmeiras, a estátua muda e pedante; gotas de chuva, espelhos d´agua pelo chão. Aos domingos, a Praça Costa Pereira é assim: um convite aos ouvidos. Você vai chegando de mansinho afinal é dia de descanso, e a imponência da fachada salta aos olhos, demonstrando que tem festa também para o olhar. Encantamento. Você compra, então, o seu ingresso e observa aquelas pessoas ciscando por ali, ao redor do pipoqueiro. Pressa para quê? Vamos apenas ser aqui, vamos existir nesse momento e lugar únicos. Cada qual a seu ritmo, cada qual com seu cada qual, com sua sombrinha a tiracolo e sua família ao redor. Alguns estão sozinhos, mas, e daí? Estar sozinho não é, também, existir? Você caminha então, subindo pelas escadas laureadas de ouro velho, de uma época em que cortinas se abriam e fechavam com maior frequência e -‐ pasme! -‐ sem contar com tantas presenças globais.
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Um tempo em que se parava para simplesmente ouvir. E é pra lá que vamos nos transportando, pouco a pouco, ao adentrar o Theatro com th… Aquela áurea nos envolve e vamos amansando, esquecendo os top trends da semana, acomodando o dorso na cadeira acolchoada, deixando aquele tempo voltar calma e agradavelmente, enquanto desligamos os celulares e ouvimos os três sinais sonoros que antecedem o que está para acontecer. A orquestra se coloca a postos, o maestro entra com a elegância que lhe é peculiar, todos estão prontos, inclusive você. E, o que se sucede então? Nada. Isso mesmo, não lhe acontece nada. A calma toma conta de você, uma calma que lhe faz levemente sorrir como se nada fosse acontecer e como se esse nada durasse para sempre. Ao mesmo tempo, tudo lhe acontece: sentimentos, sensações, tranquilidade, paz de espírito. A cada instrumento, uma descoberta de uma nova consciência que vive, mas que não havia se manifestado até então. Na medida em que a sinfonia segue, você trilha seus próprios caminhos. Os violinos soam como passeios ao campo, os pratos como o meio do dia e o anúncio da refeição. O violoncelo lembra sua 30
mãe passando as mãos nos seus cabelos num dia exatamente como esse: de chuva. E aí você se deixa levar, até que as memórias tomam conta. Seus ouvidos enamorados com a música reclamam enquanto você bate palmas... Aos poucos voltam a se acostumar com os barulhos dos passos nos corredores, escadas, calçadas, ruas, avenidas. É apenas mais um domingo que precede a segunda, mas você vai para casa com um restinho de sorriso no rosto e com o levitar de quem vai começar a semana em paz!
“
A calma toma conta de você, uma calma que lhe faz levemente sorrir como se nada fosse acontecer e como se esse nada durasse para
”
sempre.
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Mes oncles por Lígia Moura Todo mundo tem um tio excêntrico na vida. E, geralmente, esse tio tem muito a ensinar. Comigo não foi diferente. Meu tio era o cara mais excêntrico da face da terra, pelo menos para mim... Ele era excêntrico por ser tão certinho, tão regular, diria equilátero, até. Sim, ele não era exatamente 'quadrado', ele era mais para equilátero. Se meu tio fosse participar de algum filme atualmente, ele seria um dos excêntricos Tenenbaums, do filme de Wes Anderson… Meu tio mais novo, ainda solteiro, era o meu super herói da resistência: ficara careca aos 17 anos, era militante vegetariano, usava roupas rasgadas, tocava violão deitado na rede, roubava os gibis que eu escondia debaixo do meu travesseiro, tinha tocado sax no metrô de NY em troca de moedas. É...Tio Miguel não era fácil não...Mais para o personagem Mon Oncle, de Jacques Tati que qualquer dos Tenembaus, ele me ensinou algumas canções de John Lennon, me incentivou a questionar – sempre – o status quo, a usar uma havaiana até estourar e a gostar de jazz e rock progressivo nacional.
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O outro tio, o excêntrico, era o mais velho da família. Espécie de super herói dos nerds, comprava livros de mistério e aventura (Stephen King!), tinha um nome duplo, trabalhava com finanças, só tomava whisky, crescera numa casa com mordomo (de verdade!), usava terno e gravata, achava Bob Marley o fim da picada (porque não falava inglês direito), tinha uma underwood que me deixava usar (!) e só ouvia música clássica! Em todos os lugares de sua casa, no seu carro, na sua casa de praia, na casa de seus pais e parentes mais próximos, ele deixava suas fitas cassetes e discos de vinis. Simplesmente não conseguia admitir outro tipo de música! Se a família viajava 4 horas para a Casa de Praia, a garotada (seis pré-‐adolescentes), ia atrás da grand caravan ouvindo as Missas de Bach – uma a uma -‐ e a cada intervalo entre as missas, vinham as explicações: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus, Hosana, Benedictus, Agnus Dei... No caso de escutar alguma rádio, seria a Cultura FM SP, 100% clássica, sem a menor sombra de dúvida! Se ele ia a um casamento da família e a música não lhe agradasse, corria para o carro escutar música clássica! Ou levava um aparelho portátil com fones de ouvido, e resolvia o problema por ali mesmo. Mas se ele estivesse mesmo 33
emburrado, ia até o DJ e exigia que trocasse de música ou desligasse o som, em nome de seus ouvidos! Que figura esse meu tio. Algumas pessoas não acreditavam na sua audácia: donos de restaurantes, gerentes de hotéis, seguranças de shopping... Ninguém escapava do rigoroso gosto musical! Imagine então, se você é uma garota de 12 anos, em plenas férias de verão, lendo sua pilha de Capricho com uma bandana vermelha na cabeça, in love with Eddie Verder, Antony Kiedis, e Kurt Cobain! Nunca gastei tanta pilha na minha vida: usava meu walkman 24 horas por dia, e ainda tinha que ouvir minhas músicas de ‘protesto’ no menor volume possível. Eu morria de medo daqueles ouvidos absolutos! Assim não dá, pensava! E voltava para os livros de espionagem, tentando bolar um plano infalível para acessar a sua estante de discos sem que ele me percebesse a trocar as capas dos vinis. Que tal um Schubert por Legião Urbana? Ou um Rachmaninoff por Skid Row? Você pisca e dezoito anos se passaram, você se vê na Sala São Paulo, principal palco da música erudita no Brasil. Você ama o piso, você adora os vitrais. Você vê a OSESP e o Maestro Neschling entrarem. Você usa não mais uma bandana na 34
cabeça e sim um lenço de seda no pescoço. Você ganhou o ingresso de um certo tio, que viajou para a praia e não pôde comparecer ao concerto, como costumeiramente faria. Você levou seu namorado roqueiro para assistir a um concerto. É a primeira vez dele. E quando começa o primeiro movimento de Clair de Lune, (ahhh Debussy...), você se sente uma criança novamente, deitada na rede da varanda naquela casa de praia, sentindo a brisa do mar soprando, soprando, e a lua lá em cima brilhando, brilhando, e o som do aparelho portátil baixinho, baixinho, vindo lá da sala de jantar, aonde os adultos discutem o Plano Collor e os descamisados, ao mesmo tempo em que se perguntam como estaria o Tio Miguel, perdido em um kibutz israelense, em plena Guerra do Kuwait...
“Você pisca e dezoito anos se passaram, você se vê na Sala São Paulo, principal palco da música
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erudita no Brasil. 35
Papelinho e Papelão por Lígia Moura
Tenho dois sobrinhos que são umas figurinhas. Papelinho tem nove meses, é branquinho, tem cabelos de ébano e olhos amendoados -‐ levemente puxados. É uma criança um tanto enérgica, digamos assim. No popular: o menino não para! Alguns dizem que ele vai ser jogador de futebol, pois é super rápido ao engatinhar. Prender a atenção dele e fazê-‐lo sossegar por dois minutinhos que seja é missão impossível! Ele dorme pouquíssimo: quinze minutos de sono já basta para recarregar a bateria. Ao dormir, resiste, rolando pra lá e pra cá, até não aguentar mais e cair no sono... O negócio dele é mesmo a malhação. Papelão, por sua vez, tem dois aninhos e um perfil bem diferente do irmão. Este menino com cara de bebê (cabelo ralo e claro, olhos castanhos e bem redondinhos) é também muito sensível. Adora abraçar. Gosta de desenhar baleias, e de ler sobre dinossauros. Blocos de lego viram personagens épicos em suas mãos. Adora música: quando anda de carro, canta bem 36
alto pra competir com o som do rádio. Algumas vezes ele interrompe a cantoria para descrever o que vê no seu deslumbramento com o mundo: "Olha, o helicóptero! Olha a moto amarela! Olha o 'ômbus'! Olha, a ponte!"; E volta a cantarolar: " O motorista faz bi bi bi peeeeela cidaaaade..." Eis que num domingo desses resolvi levar a dupla dinâmica ao Theatro Carlos Gomes para assistir a Orquestra Sinfônica do Espírito Santo. Era um domingo ensolarado e fomos eu, minha irmã e os dois pequenos assistir a uma apresentação da série Concertos para a Família. No programa, ritmos bem brasileiros. Sento num dos camarotes bem em frente ao palco, com papelão no colo, enquanto minha irmã segura papelinho, que mantêm os olhos puxadinhos bem abertos. Abrindo o concerto, uma pequena sinfonia, Sinfonietta Prima, escrita em 1990 pelo compositor Ernani Aguiar. Que sensação incrível escutar música erudita com toque popular brasileiro, casamento perfeito! Achei que eles ficariam em alvoroço e não parariam na cadeira. Qual meu espanto ao descobrir que eles se comportavam feito verdadeiros lords. Marcelo 37
(papelão) levantava as mãos "regendo" ao som da bela música. Bernardo (papelinho) atentava para a percussão e se divertia especialmente nos trechos em que o pandeiro sobressaia. É claro que ele ficou inquieto depois de uns vinte minutos, e pediu para ficar no chão. Então ele segurou na grade e... Começou a dançar! Naquele momento, percebi como eles estavam curtindo! Marcelo continuou compenetrado, apreciando tudo como se fosse um frequentador assíduo do teatro. Marcava os ritmos balançando as pernas na cadeira e batendo com a mãozinha no parapeito do camarote. O programa é interrompido para uma ligeira apresentação dos instrumentos. O maestro Leonardo David os descreve um a um e os músicos da OSES, generosamente, fazem demonstrações sonoras tocando canções que as crianças conhecem bem: “Cai Cai Balão”, “O Sapo Não Lava o Pé”, “Caranguejo Não é Peixe”, “Parabéns para Você” e outras do repertório da Galinha Pintadinha. Flauta doce, oboé, fagote, clarinete, os instrumentos são apresentados enquanto as crianças, atentas, cantam junto e batem palmas. 38
O concerto segue com as obras “O Museu da Inconfidência” (escrito em 1972, pelo compositor César Guerra-‐Peixe) e Terra Brasilis, de Edino Krieger. Esta última inclui cantos de aves, barulhos da Floresta Amazônica e sons da natureza: ondas do mar, vento, chuva. No terceiro movimento, a melodia apresenta variadas canções do repertório nacional, partindo do canto gregoriano, passando pelas canções indígenas, sonoridades gaúchas, serestas, maracatu, chorinho. Imagina essa mistura de ritmos na cabeça de uma criança: festa pura! Um verdadeiro espetáculo que continua ao final da apresentação, quando as crianças sobem ao palco para acompanhar os músicos de pertinho. Todos querem ser maestros! Ao chegar em casa, tinha certeza de que vivenciamos um programa cultural interessante mas me perguntava se uma sessão de uma hora não seria desgastante para crianças pequenas. 39
E qual não foi a minha surpresa ao reparar que papelinho estava já em casa com carinha de cansado, num estado de relaxamento e calma total. E papelão, que já havia cochilado no carro, correu para o baú de brinquedos com aquele sorriso maroto no rosto: "cadê meu violão?"
“Qual meu espanto ao descobrir que eles se comportavam como verdadeiros lords.”
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Os Maestros
Helder Trefzger
Helder Trefzger
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O despertar dos sentimentos por Erika Piskac
Era apenas um garoto, que ao passar em frente a banca de revistas da sua cidade, viu a chance de se encontrar (ou se encantar) definitivamente com uma das mais significativas obras da fase romântica do compositor alemão Ludwig van Beethoven. Lá estava ele: um long play — famoso disco de vinil — na prateleira e em sua capa, um belo quadro com imagens retratando a natureza, chamando sua atenção para um novo jeito de escutar música. Era a sinfonia n.º 6, conhecida também como “Pastoral”. O menino então, sem hesitar, comprou o disco. Correu para a casa e ao ligar a vitrola teve uma surpresa: a sinfonia foi escrita e executada com o objetivo de fazer nascer o sol, dentro da casa da pessoa que ouve a obra. Faz lembrar que somos parte da natureza e nos toca através dos mais puros sentimentos. Este garoto em questão, sequer tinha escutado uma única vez, música clássica. E a partir deste momento, teve a certeza do que queria fazer para o resto de sua vida. 45
Quando escutou a sinfonia teve a sensação de calma e conforto. A melodia inspiradora o fez fechar os olhos e deixar-‐se levar pelo leve som dos oboés, clarinetes, fagotes, trompas, trombones, violinos, contrabaixos e violoncelos. Era como se estivesse em uma floresta, repleta de árvores frutíferas, arbustos folhosos, um enorme riacho alimentado por uma cachoeira ainda maior, flores, muitas flores, pássaros de todas as cores e tamanhos, e um lindo caminho de pedras, pelo qual caminhou, — mesmo que em pensamento —, durante os quase quarenta minutos de música. A melodia traduziu o amor que aquele menino sentia pela natureza. Descreveu através do som, a relação dele com o campo e o colocou em contato com seus mais íntimos pensamentos, despertando a alegria contida nele. Sinto que agora entendi porque o garoto, no auge da sua infância, se apaixonou pela música clássica. Em Pastoral, a sinfonia começa com o “Despertar de alegres sentimentos”, a partir do momento em que o menino, ainda criança, entra em contato pela primeira vez com melodias solares e enternecedoras. É como o início de sua 46
jornada em um universo completamente novo. Ouve-‐se o barulho de pássaros e a leve brisa anunciando o próximo momento da música, “Cena à beira do riacho”. O calmo e sereno barulho vindo do ondulado caminho das águas e a natureza falando através das vozes da orquestra, marcando o começo de sua trajetória, quando começou a transmitir seu amor aprendendo os primeiros instrumentos. Seguindo a melodia, em “A alegre reunião dos camponeses”, Beethoven expressa sentimentos simples e a alegria genuína de começar. Assim como o menino, já crescido e decidido a sair de seu lugar comum. Uma janela de novas possibilidades é aberta, seguida de um caminho longo, difícil e prazeroso. Avançando na sinfonia, com a “Tempestade”, ventos, raios, trovões e o medo são representados pelo som forte e marcante dos instrumentos. A força da natureza é claramente musicalizada e aos poucos a chuva vai dissipando. É possível ouvir os pingos últimos, gotejando as folhas, a anunciar o fim da tormenta. Semelhante ao garoto, agora jovem, que quando por vontade absoluta, deixa sua 47
cidade natal em busca de novos aprendizados. Na faculdade, escolhe a música e o medo, a dificuldade e incerteza logo são transformados em uma vontade absoluta de aprender e de conseguir. E conseguiu! Por fim — e não para por aí — a melodia chega ao momento “Canto dos pastores” que é representada com uma atmosfera de alegria e gratidão em um final jubiloso. O sentimento é de força e vitória. Helder Trefzger torna-‐se então, atual maestro da Sinfônica do Estado do Espírito Santo, assim como um pastor e suas ovelhas. Sempre mantendo aceso o desejo de transmitir aquele amor para o público. Aquela frase “Coloque amor em tudo que fizer” não poderia servir tão perfeitamente quanto serve para Helder.
“A melodia inspiradora o fez fechar os olhos e deixar-‐se levar pelo leve som dos oboés, clarinetes, fagotes, trompas, trombones, violinos e
”
contrabaixos.
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Leonardo David
Leonardo David
Abstrato Paupável por Érika Piskac
Só existe uma coisa mais legal que escutar música: ouvir um verdadeiro entusiasta falar de música. Foi assim, a energia sentida e transmitida ao escutar as histórias do maestro adjunto da Orquestra Sinfônica do Espírito Santo e maestro da Camerata SESI, Leonardo David. Perguntei qual a música havia marcado sua vida dele e o maestro, rapidamente respondeu: — “Você é linda, do Caetano Veloso!” E a história que ouvi em seguida é mais ou menos assim: Quando tinha oito anos de idade, estava estudando no quarto e de repente ouviu ao fundo vindo da televisão uma voz linda acompanhada de uma bela melodia ao violão. Correu até a sala e ficou hipnotizado com o que viu. Foi preciso ouvir uma única vez para se apaixonar. Na TV, um clipe em que aparecia Caetano Veloso cantando para a Angélica. Sim, Angélica! Aquela artista que tem uma famosa pinta na perna e que cantava a música “Vou de táxi, cê sabe... “Tava” morrendo de saudades”. Confesso que na hora que ouvi a história, morri 51
de curiosidade de assistir a esse clipe e entender do que ele estava falando. Cheguei em casa e procurei imediatamente o tal clipe no youtube. Encontrei fácil e para minha surpresa, o vídeo fazia total sentido. Vou tentar descrever o que se passa: Começa com um cenário cinematográfico de uma floresta que muito me fez lembrar do filme “O mágico de OZ”. Pesquisei e descobri que o clipe foi gravado para um especial de Natal da TV Globo, em 1996. Angélica, vestida assim, como Doroty, está distraída andando pela floresta, quando Caetano começa a tocar seu violão e cantar: “Fonte de mel, nos olho de gueixa, Kabuki, máscara. Choque entre o azul e o cacho de acácias, luz das acácias, você é mãe do sol. A sua coisa é toda tão certa, beleza esperta. Você me deixa a rua deserta, quando atravessa e não olha pra trás”. A grande coincidência começa agora. Quando a música começa a tocar, Angélica fica do mesmo jeito que Leonardo: completamente hipnotizada. E então, encantada, ela diz: “-‐ Que voz linda! Quem será que está cantando?” Tudo agora fez sentido. Caetano conseguiu encantar os dois da mesma forma. Com a singela e 52
marcante canção “Você é linda”, que ficou grudada que nem chiclete na minha cabeça por pelo menos uns dois dias. Também pudera, a música é linda! Aos seis anos ouviu seu vizinho dedilhar algumas músicas no violão, e certamente, do outro lado da parede, surgiu um garoto entusiasmado e sensível com a música. Desde então, sua história na carreira musical começou. Leonardo não saberia dizer hoje, o que seria de sua vida se não fosse a música. Ela é capaz de mexer com uma aura desconhecida e a sensação transmitida é uma espécie de abstrato palpável, através de sorrisos, sentimentos e emoções.
“A música é capaz de mexer com uma aura desconhecida e a sensação transmitida é uma
”
espécie de abstrato palpável.
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Os Músicos
Lucas de Azevedo Lucas de Azevedo
O aprendiz
por Erika Piskac
Aquele não era o melhor momento, mas certamente, marcou todos que estavam à volta. Aos três anos de idade, toda criança é capaz de observar e absorver movimentos, gestos e palavras. E assim, enquanto a própria avó estava deitada em um leito de hospital, doente de câncer, Lucas surpreendentemente tomou em suas mãos, objetos – semelhantes ao instrumento que no futuro seria sua grande paixão – e brincou de tocar. Tocava seu instrumento imaginário com tamanha perfeição e delicadeza, que parecia já ter feito isso antes. Naquele momento, qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade, seria capaz de imaginar e ouvir o som aveludado, agudo, brilhante e estridente produzido pelas quatro cordas e pelo corpo oco do violino. Ainda muito pequeno, quando na escola, dedicou-‐se com afinco para aprender a ler escrever o mais rápido possível. O motivo? Sua mãe prometera deixar Lucas entrar em uma escola de violino. Essa era a condição. Justo! O sonho começa nesse momento. A aprendizagem 59
é longa, e nunca cessa. É preciso perseverar, ter paciência e se dedicar muito. Certo dia, sentado na cadeira da Sala São Paulo, considerada uma das melhores salas de concerto ao redor do mundo, Lucas percebe a grandeza do lugar e o quanto se tornou pequeno em relação ao espaço. Sonhou em um dia ocupar o palco como violinista. O repertório do dia era adequado, voltado especialmente para as crianças. Lucas conheceu a sala durante uma excursão da escola para assistir "Pedro e o Lobo", – uma fábula musical do compositor russo Sergei Prokofev, regida pelo maestro Victor Hugo Toro. A partir deste momento, seu interesse pela música erudita começa a aflorar ainda mais. Anos depois, Lucas Miranda de Azevedo, atual violinista da Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito Santo, se vê sentado novamente na Sala São Paulo. Mas, dessa vez é diferente: agora ele está do outro lado do teatro, no palco! A sensação de deja vu surge na hora, fazendo Lucas viajar no tempo, relembrando o dia em que sonhou fazer parte de uma orquestra.
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Fernando Rueda
Fernando Rueda
La regla es no tener regla por Érika Piskac
“Para un amante del jazz, la regla es no tener regla”. E é exatamente essa mensagem que Fernando Sebastião Rueda me passou. Nascido na Argentina, Rueda transparece aos 64 anos uma energia e jovialidade invejáveis. Com um sentimento de não querer seguir padrões. Precisei me preparar para escrever essa crônica. Não digo no sentido de pesquisar sobre um certo tipo musical, e sim, escutar com ouvidos muito atentos o Jazz. Comecei com uma busca no youtube. Escrevi: Jazz, e logo fui apresentada a centenas de opções. Cliquei na primeira e num piscar de olhos fui transportada para outro lugar, bem longe da minha mesa e do meu computador. O ritmo envolvente, marcante e com compassos deliciosos me obrigou a querer levantar da cadeira e dançar! Fiz todo esse ritual de preparo porque desejava entender o tamanho entusiasmo que Rueda expressou durante nossa conversa. E acho que 63
entendi! O jazz vive da personalidade e da identidade de cada músico e trás consigo uma mensagem que fica gravada na memória de quem a escuta. Rueda é exatamente assim. Possui um jeito único e peculiar de tocar. Músico há mais de 40 anos, ele não esconde sua veia jazzistica. É contrabaixista da Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito Santo há 32 anos. Considerando que a OSES existe historicamente há 38 anos, Rueda é quase que um patrimônio vivo. Seu amor e dedicação pela música tiveram início ainda na infância, com incentivo da família. Perguntei qual é a lembrança mais marcante deste tempo e com um enorme sorriso no rosto me respondeu: – “Eu só dormia com o rádio ligado. Dormia e acordava. Sempre!” Essa lembrança me fez recordar da minha infância que foi muito semelhante a de Rueda. Ao lado da cama, em cima da cabeceira, lá estava ele. O rádio antigo, que insistia em “chiar” entre um canal e outro. Quem se importa? Eu sempre ouvia a mesma estação. A 64
alegria da espera pela música favorita, a surpresa de escutar uma canção não esperada, a decepção de ligar o rádio e escutar a música já na metade e a sensação de nunca estar sozinho. Dormíamos ouvindo música, sonhávamos ouvindo música e acordávamos ouvindo música. O rádio fez parte da vida de Rueda da mesma forma em que fez da minha.
"Para un amante del jazz , la regla es no tener regla" 65
Ricardo Lepre
Ricardo Lepre
O trompista
por Erika Piskac
Era ainda criança, quando na escola, deu os primeiros passos para a carreira, que seria fruto de muita dedicação e amor. Nascido em uma pequena cidadezinha no norte do Paraná, chamada Rolândia, Ricardo Ferreira Lepre, aprendeu e entendeu desde cedo a alegria que a música transmite. Foi preciso ouvir uma única vez, durante o tradicional desfile cívico de sua cidade, a canção Asa Branca, com autoria do considerado “Rei do Baião” Luiz Gonzaga, representada por uma tradicional banda marcial, para que Ricardo ficasse fascinado pelo compasso forte e marcante dos instrumentos de sopro. Atentava para o ouvido afinadíssimo, o solfejar preciso, a coordenação motora perfeita, controlando os músculos das mãos e da própria respiração. A música, famosa pelo som do acordeon e triângulo, é um choro regional do nordeste, conhecido como baião e fora apresentada de uma forma um tanto quanto diferente da original, para Ricardo. Com instrumentos de metal e percussão, a canção despertou-‐o para a
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massa sonora dos trompetes, trompas e clarinetes. Ricardo ainda não tinha descoberto sua vocação para música orquestral, até o dia em que escutou pela primeira vez a famosa ópera do compositor italiano Gioachino Rossini, “O Barbeiro de Sevilha”, no italiano Il Barbiere di Siviglia. A ópera ficou famosa pela representação cômica, muito bem retratada em um episódio do desenho animado do pássaro mais atrevido e atrapalhado do mundo, o Pica Pau. A melodia possui um grande destaque para os instrumentos de sopro e foi a responsável para que o menino ainda tímido buscasse referências de outras obras musicais para conhecer ainda mais. Movido pelo desejo de aprender os instrumentos de sopro, tocou fanfarra, corneta, trompete e, finalmente, trompa. Na adolescência, conseguiu ingressar em uma banda cívica, aspirando, assim, um futuro na carreira musical. Era o mais novo do grupo, mas impressionava com a habilidade de tocar apenas de ouvido. Mais tarde, sentiu necessidade de aprender a ler partituras e confiou ao maestro da banda a tarefa de ensiná-‐lo. 70
Trompista há nove anos na Orquestra Sinfônica do Espírito Santo, professor da Faculdade de Música do Espírito Santo, Ricardo ainda se espelha nos mestres antigos, que tiveram papel importantíssimo em seu aprendizado. Realização e amor são as palavras de ordem para Ricardo. “O ouvido afinadíssimo, a precisão no solfejar, a coordenação motora perfeita, controlando os músculos das mãos e da própria respiração.”
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Os Ouvintes
Luiz Almeida Luiz Carlos Carlos A lmeida
Primeira de Mahler Por Erika Piskac
A timidez e o jeito calmo de se expressar logo se transformaram em uma conversa íntima, sincera e surpreendente. Luiz Carlos Souza de Almeida, assistente técnico da Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito Santo, tem muito a dizer. Assim como a sinfonia n.º 1, mais conhecida como Titã, – som que embalou os minutos de nossa conversa, durante um dos concertos da OSES – escrita pelo compositor Austríaco Gustav Mahler. A bela sinfonia se inicia de forma misteriosa logo no primeiro movimento, com sons de pássaros representados musicalmente, anunciando um despertar, colocando fim em todas as tensões, da mesma forma que Luiz Carlos, demonstrando logo no início seu jeito acanhado e pouco tempo depois, seguindo com sua história de uma forma confortável e reveladora. A sinfonia segue lindamente e mistura quebra de silêncio e espanto. Conta-‐se que durante uma das primeiras apresentações da sinfonia n.º1, em meados do século XIX, no ápice da música, uma senhora espantou-‐se e derrubou todos os 77
objetos que carregava em sua mão. Da mesma forma que Luiz Carlos, ao me contar sua trajetória de vida. Fiquei surpresa em descobrir que antes de fazer parte da equipe de funcionários da OSES, ele trabalhava como DJ em casas noturnas, tocando músicas eletrônicas e pasme!, funk. Por isso, o tamanho espanto ao saber do contraste de ritmos musicais. Após alguns minutos de pura energia, a fúria inicial do último movimento é contida e passa a soar como uma melodia lírica. Uma grande explosão sonora acontece. O sentimento é de “triunfo”, orgulho! Assim como Luiz Carlos, que não nega a grande paixão e dedicação integral ao núcleo da Orquestra. Luiz relembra histórias engraçadas que já vivenciou em seu trabalho e conta que por diversas vezes uma ou outra peça de roupa, a exemplo de gravatas, paletós, sapatos eram esquecidas pouco antes do concerto começar e prontamente Luiz se encarregava de providenciar ou até mesmo emprestar suas próprias peças. 78
Logo quando começou a trabalhar como assistente técnico da OSES, Luiz se encantou com a beleza, complexidade e grandeza da orquestra. A emoção de ver de perto todo o funcionamento deste grande organismo cultural sempre o motivou a aprender mais e mais e hoje, com tamanha vivência, é grande conhecedor dos instrumentos. Certamente sua vida foi modificada, graças ao poder da música clássica de transformar e transmitir sentimentos e lembranças. “Certamente sua vida foi modificada, graças ao poder da música clássica de transformar e transmitir sentimentos e lembranças”.
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Rafael Araújo
Rafael Araújo
O homem e a câmera
por Lígia Moura
O que leva uma pessoa a gravar todos os concertos da Orquestra Sinfônica do Estado do Espírito Santo durante o ano inteiro? Você poderia pensar que essa pessoa é um maestro, músico ou profissional da mídia e que faz isso por ofício ou obrigação. Não é o caso do menino de porte franzino e aparência intelectual, que se encontra na minha frente, sentado no sofá do foyer do Theatro Carlos Gomes, em pleno domingo de manhã. Rafael é o frequentador mais assíduo dos concertos da Orquestra. Ele assiste a todas as apresentações, gravando tudo com uma pequena câmera portátil, e disponibiliza o material em seu canal no youtube. O objetivo? Dar a chance para outros amantes da música erudita apreciarem os concertos. Tudo isso por amor e admiração à música. Tamanha paixão é cultivada desde pequeno, quando os pais o levavam ao Theatro Carlos Gomes. A época, em 1997, Rafael cursava musicalização na antiga EAMES, hoje, chamada FAMES, o que o incentivou a aprender violino. Mas a vida o levou por outros caminhos e a carreira de músico não vingou. 83
No entanto, a vontade de escutar música clássica não parou por ali. Rafael continuou frequentando as sessões clássicas com seu tio, que tempos depois desistiu de comparecer aos concertos. Mais o espetáculo deve continuar... E o público precisa estar lá. Ele insistiu. Lembra-‐se exatamente quando e como aconteceu a sua emancipação: “No dia 4 de novembro de 2009, numa quarta feira, quatro dias antes do meu aniversário, fui a um concerto sob regência do maestro Ernani Aguiar, ele tocou a quinta sinfonia de Mendelssohn. Então, fiz um pequeno vídeo com uma câmera emprestada pelo meu tio, que tinha parado de vir, foi aí então, que comecei a vir sozinho..." Em 2011, começou a filmar frequentemente e lembra sem saudades dos empecilhos que encontrava: "A câmera era pequena e a qualidade muito ruim, nem tinha espaço na memória para gravar um concerto inteiro. A bateria também acabava antes do concerto terminar..." Independente das falhas técnicas e da falta de infra-‐estrutura, Rafael continuou postando no seu canal do youtube. Já são mais de três anos postando e alguns vídeos chegam a mais de mil visualizações. Mas, Rafael não se orgulha dos
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números: "ainda acho que somos fracos em termos de público, precisamos melhorar". Além de ouvir música clássica todos os dias, o curioso Rafael, também adora pesquisar: "O quarto movimento da quinta sinfonia de Mendelssohn, é o movimento da Reforma Protestante. No hinário da Igreja Adventista do Sétimo Dia você abre nessa parte do hino e está o compositor Martinho Lutero, acho que ele fez a letra. Na época, eu não sabia o nome da música. Anos depois, eu pesquisei na internet e descobri tudo isso...". Rafael se despede afirmando que continuará trabalhando em seu aprimoramento musical. Relembra o pai, que adorava escutar as mesmas melodias, mas trabalhava muito, e infelizmente não tinha tempo para a música. Rafael, diferentemente, tenta administrar os momentos de folga, a fim de que nenhum segundo seja perdido e de que todos os concertos sejam divulgados. É o homem e a sua câmera. "Música é calma, a gente às vezes está nervoso, coloca uma música e já se acalma, é uma terapia, está provado".
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Os Mestres
Rosângela Fernandes Rosângela Fernandes
Passeio no céu
por Lígia Moura
Rosângela me recebe à porta da Fames. A primeira coisa em que reparo são seus brilhantes olhos azuis, que transmitem certa paz. Andando pelos corredores com a delicadeza de uma dama saída dos livros de Jane Austen, a coordenadora do curso de Licenciatura em Música me leva até uma pequena sala, com piano, mesa e duas cadeiras. O ar condicionado não quer funcionar, mas eu digo que não me importo, já que o clima anda brando nesses dias.
“Comecei a tocar piano por obrigação” diz ela, iniciando a conversa. Descreve uma época em que as mocinhas, filhas da classe média deveriam tomar aulas de piano. Não importava se continuariam a praticar após o casamento, mas a música era parte indispensável da formação educacional feminina. A partir dessa memória de infância, Rosângela ressalta a importância da música para os pequenos, explicando como funciona o projeto de musicalização da Fames.
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Vejo brilho no olhar. Esse projeto forma três turmas infantis por ano, e é 100% gratuito, explica. A sinceridade e honestidade de suas palavras advertem, no entanto, que a música sozinha não transforma ninguém, pois “é preciso que a pessoa queira ser transformada e que exista toda uma estrutura por trás”, completa. A alma de educadora transparece, através dos olhos azuis e das sábias palavras que profere. Rosângela nasce em Colatina. Quando jovem, junto com à irmã, começa a estudar piano a pedido dos pais. Sua primeira professora foi Dona Lurdes Castello Branco. Assim, naturalmente, a música aconteceu: “Minha irmã bateu o pé e disse que não insistiria com as aulas de piano e eu disse para minha mãe: eu vou continuar!” Assim, ela estudou com outros mestres, como Dona Salú, ainda em Colatina, e finalmente, em 1972 entrou para a antiga EAMES, se formando em Bacharel em Piano, em 1976. No final da década de 1970, muda-‐se para Belo Horizonte e estuda na UFMG. Também começa a dar aulas de piano: “Eu dei aulas particulares, 92
trabalhei com grupos de ballet. Acabei virando professora universitária e depois coordenadora do curso de Licenciatura em Música da Fames”. A persistência ajudou a aprender piano e tantas outras coisas. Para tal, Rosângela abraçou a disciplina trabalhando duro em tudo o que faz. Atualmente conclui sua dissertação de mestrado sobre música na UFRJ, mais uma prova do seu espírito realizador. “É tão difícil terminar um mestrado quanto aprender a tocar Chopin”. Ela me mostra uma escola extremamente limpa e organizada e quando a elogio, modesta, diz: “a escola é nova, ainda estamos trabalhando em muitas coisas.” Pianista é tudo perfeccionista, eu brinco. “Eu não toco nenhum instrumento, meu ofício é escrever, mas gostaria de estudar aqui” (Me parece um local tão calmo e leve, o espelho da personalidade de Rosângela). Nosso passeio pelos corredores chega ao fim. Rosângela me apresenta a biblioteca, e eu decido não tomar mais seu precioso tempo. Então me despeço de sua bondade com um abraço e a certeza de que os anjos não tocam apenas harpa.
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Dalila Carletti Dalila Carletti
A primeira impressão por Lígia Moura
Precisava entrevistar uma professora de música. Mas, por não conhecer ninguém com o perfil, pedi ajuda à minha orientadora, que é formada em jornalismo e em música. Ela me indicou Dalila, que foi uma de suas melhores alunas de piano. Segundo Andressa, Dalila possui uma sensibilidade ímpar. Nasceu há vinte e seis anos na cidade de Anchieta, Espírito Santo. O local é mundialmente conhecido por causa do padre espanhol José de Anchieta, canonizado recentemente, em 2014, pelo Papa Francisco. Anchieta foi considerado Apóstolo do Brasil, pois catequizava os índios da antiga Riritiba, local aonde ele veio a falecer em 1597, embora seu corpo esteja sepultado em Vitória. Voltando à Vitória, penso em como realizar essas entrevistas, já que o prazo é curto (o tempo urge!), a distância é longa (90km) e a grana é pouca (essa crise econômica...). Envio as perguntas por email mesmo e começamos a conversar via gmail, Dalila e eu. 97
Quando tinha onze anos experimentou a música através de uma oficina oferecida pelo projeto Música nas Escolas da rede estadual de educação, em Anchieta mesmo. Como resultado do curso, Dalila se apresentou publicamente pela primeira vez num ginásio de esportes, totalmente lotado. O show de uma banda famosa aconteceria em seguida e toda a cidade estava ali. Aquilo ficou marcado. “Foi emocionante porque apesar das dificuldades, percebi que tinha dado tudo certo. Naquele dia, resolvi que faria isso para o resto de sua vida”, conta. Ela se preparou, então, para prestar o vestibular e passou para a Faculdade de Música do Espírito Santo, Fames. Algumas dificuldades surgiram, mas, com a ajuda dos mestres, Dalila persistiu: “Não há piano no projeto, apenas teclado. Então, até entrar na faculdade eu não tinha piano, eu estudava as peças no teclado”. Dalila estudou dois anos no Curso de Formação Musical em piano erudito e depois mais dois anos de Música Popular. Assim como Anchieta, ela não escolheu uma arte em detrimento da outra, abraçou o erudito e o popular da mesma 98
maneira. E se licenciou em Música pela Fames em 2012. Dalila toca piano, flauta doce e violão. Ensina os três instrumentos. É também pós-‐graduada em Artes e Educação. Dá aula para quarenta alunos no contra turno escolar. Além disso, ensaia os corais do primeiro ao quinto ano. Os pontos em comum com Anchieta não param por aí. O padre espanhol sempre conectou fé e cultura. Assim como ele, Dalila também ensina na igreja que frequenta. A aluna tornou-‐se mestre. A religião tem papel crucial na sua vida e Martinho Lutero é uma fonte de inspiração: “Como escreveu Lutero: música para mim é uma esplêndida dádiva de Deus e eu gostaria de exaltá-‐la com todo o meu coração e recomendá-‐ la a todos.” Pergunto o que significa a música em sua vida e ela continua a me surpreender: “É o melhor meio de comunicação que o ser humano pode descobrir e aperfeiçoar. A música é minha profissão e ainda é a forma pela qual vivo minha fé”.
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Não tive a oportunidade de conhecer Dalila pessoalmente, mas dando uma espiada em seu Facebook pude perceber que é uma pessoa extremamente ativa. Vejo fotos com familiares em um aniversário; Um bolo feito com muito carinho, acredito que para seus pais; Vejo-‐a tocando órgão em uma igreja, rodeada de crianças; Vejo Dalila com um cãozinho na mão, um filhotinho lindo, e na legenda da foto ela diz que o achou na rua e o coloca para adoção; No post seguinte, Dalila publica o nome dos novos “pais” do caõzinho; Ah! tem foto de bloco de carnaval também, e Dalila aparece fantasiada de fantasma ao lado de dois colegas; Na foto do perfil, vê-‐se Dalila e seu namorado, um rapaz de vinte e poucos anos com a camisa da seleção brasileira. Bom, deu para ter uma ideia do quanto o dia a dia de Dalila é movimentado, né? Dizem que o padre Anchieta era um personagem inquieto, determinado e conquistador. Dalila me parece compartilhar dessas qualidades. Pergunto quais desafios ela enfrenta atualmente e me conta que devido a sua deficiência visual, como musicista, enfrenta diariamente o desafio 100
de ter de decorar tudo o que precisa tocar e cantar, pois não é fácil encontrar partituras em Braille. Então, ela precisa treinar o ouvido e a memória constantemente. Na minha última pergunta, questiono se acredita no poder de transformação da música e ela me dá uma aula de superação: “A música pode transformar a vida daqueles que se deixam ser transformados, porque através dela o ser humano sente necessidade de se tornar mais sensível, disciplinado e aprende a superar seus próprios limites.” Termino a entrevista (e a crônica) com a certeza absoluta de que ela sabe muito bem do que está falando!
“Música para mim é uma esplêndida dádiva de Deus e eu gostaria de exaltá-‐la com todo o meu coração e recomendá-‐la a todos
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.”
Crédito das fotos: Erika Piskac – Acervo pessoal Lígia Moura – Acervo pessoal Helder Trefzger – Kristina Gonçalves Leonardo David -‐ Kristina Gonçalves Lucas de Azeved0 -‐ Erika Piskac Fernando Rueda -‐ Erika Piskac Ricardo Lepre -‐ Erika Piskac Luiz Carlos Almeida -‐ Erika Piskac Rafael Cunha -‐ Erika Piskac Rosângela Fernandes – Acervo pessoal Dalila Carletti -‐ Acervo pessoal Crédito das ilustrações http://pixabay.com/pt/ Licença: CC0 Public Domain Livre para uso comercial / Atribuição não requerida