Uma Noiva Supersticiosa The Brat
Lynsay Sands
Inglaterra, 1351 Uma dama especial Todos os cavalheiros da redondeza já tinham ouvido falar sobre lady Murie, a afilhada e protegida do rei. Diziam que ela era linda, dona de luminosos olhos azuis, cabelos dourados e o mais doce dos sorrisos. Diziam também que possuía o hábito de gritar e fazer escândalos, caso não lhe fizessem as vontades. E mesmo precisando urgentemente de uma noiva, Balan tinha uma única certeza: Murie seria a última mulher que ele escolheria para se casar... Mas... como nem tudo que reluz é ouro... Há belos diamantes que se escondem sob a aparência de pedra bruta... Assim, Balan descobriu que os modos de Murie não correspondiam à sua má fama. E ele logo se vê cativado pela bela jovem. Só que Balan não era o único... Havia um outro pretendente disputando com ele o amor de Murie. E em breve chegaria um momento crucial, em que seria revelado qual dos dois cavalheiros era digno, e qual não era, de conquistar o coração puro daquela dama tão especial...
Digitalização: Silvia
CHE 297 – Uma Noiva Supersticiosa – Lynsay Sands
Revisão: Andréa
Querida leitora, Lady Murie, afilhada do rei da Inglaterra, é uma jovem linda, mas é também mimada e sapeca. O que não impede que o charmoso Balan Gaynor se sinta intensamente atraído por ela. E como o rei decidiu que Murie vai escolher o homem com quem irá se casar, Murie escolhe Gaynor. Ele é um homem de caráter, e seus beijos são de enlouquecer... E quando alguém tenta matar Gaynor, Murie arrisca a própria vida para protegê-lo. O relacionamento dos dois se fortalece a cada dia, mas será que o inimigo oculto destruirá esse amor? No mais puro estilo Lynsay Sands, você se sente cativada pelos personagens deste romance e arrebatada para dentro da história desde o primeiro parágrafo! Leonice Pomponio Editora
TRADUÇÃO Susana Vídal Copyright © 2007 by Lynsay Sands Originalmente publicado em 2007 pela Dorchester Publishing Co. Inc. PUBLICADO SOB ACORDO COM TRIDENT MEDIA GROUP NY,NY-USA Todos os direitos reservados. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Proibida a reprodução, total ou parcial, desta publicação, seja qual for o meio, eletrônico ou mecânico, sem a permissão expressa da Editora Nova Cultural Ltda. TÍTULO ORIGINAL: The Brat EDITORA Leoníce Pomponio ASSISTENTE EDITORIAL Patrícia Chaves EDIÇÃO/TEXTO Tradução: Susana Vídal Revisão: Jane Cristina Mathias Cantu ARTE Mônica Maldonado ILUSTRAÇÃO Hankins + Tegenborg, Ltd. MARKETING/COMERCIAL Silvia Campos PRODUÇÃO GRÁFICA Sônia Sassi PAGINAÇÃO Dany Editora Ltda. © 2008 Editora Nova Cultural Ltda. Rua Paes Leme, 524 - 10º andar - CEP 05424-010 - São Paulo - SP www.novacultural.com.br Premedia, impressão e acabamento: RR Donnelley
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CHE 297 – Uma Noiva Supersticiosa – Lynsay Sands
Capítulo I
Setembro de 1351
Balan se revirou na cadeira e mexeu os ombros com desconforto. A casaca era apertada demais. Não fora feita para um corpo grandalhão como o dele. Ela pertencera a seu pai, era a melhor casaca que ele tinha e a que sempre usava quando ia à corte. Mas muitos anos se passaram, o tecido tinha desbotado e estava gasto em alguns lugares. Mesmo assim, era o melhor que Balan possuía. Tinha outras que lhe serviam melhor, mas estavam em condições ainda piores para serem usados numa ocasião como aquela. — Olhe só a cara de Malculinus, com um sorriso afetado, parecendo um bobalhão. — Está rindo de nós. — Balan respondeu ao primo. — Ou melhor, zombando de nossas roupas. — É mesmo um idiota — resmungou Osgoode. — Parece um pavão vestido desse jeito. Agora me diga, você teria coragem de usar uma capa roxa sobre um casaco verde com punhos de cor violeta? Meu Deus, e ele ainda colocou enfeites azuis e dourados! Balan meneou a cabeça em negação. — Esse sujeito esqueceu o bom gosto em casa. Está ridículo. Mesmo com nossas roupas gastas estamos mais apresentáveis do que ele. Balan suspirou, não acreditando na afirmação. Na realidade tanto ele quanto Osgoode tinham a exata aparência daquilo que de fato eram: dois guerreiros pobretões que vinham à corte do rei Eduardo III à procura de uma esposa rica para salvar o castelo Gaynor e as propriedades da família. — É isso mesmo — insistiu Osgoode. — Que sujeito patético. Já ouvi dizer que até manda colocar enchimento na roupa para parecer mais forte. Só que não tem habilidade nenhuma. E pior, não tem agilidade com a espada nem com a lança e nunca foi à guerra. Nós, ao menos, temos músculos verdadeiros e sabemos lidar com as armas. Além disso, podemos nos vangloriar das batalhas que participamos. E nem mesmo pode-se dizer que tem dinheiro, pois a fortuna é do pai.
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Balan não comentou nada, pois percebeu um tom invejoso nas palavras do primo. Além do mais, ele tampouco estava à vontade naquele lugar. Entre tantos nobres elegantes eles eram os dois primos pobres sentados à mesa. — Bem, mas pelo menos conseguimos sentar em um lugar bem melhor — disse o primo, entusiasmado. Balan sorriu de leve. De fato, o lugar que ocupavam à mesa do rei era ótimo e havia sido ganho com muito suor, sangue e, sobretudo bravura. Nos últimos anos, ele e Osgoode tinham passado a maior parte do tempo, lutando contra os franceses para defender o rei. Ainda estavam na França, depois da conquista de Calais, quando a praga atingiu a Inglaterra. Talvez fosse essa a única razão pela qual haviam escapado da terrível doença que dizimara boa parte da população inglesa. Ao menos um terço dos habitantes — alguns até falavam na metade — haviam sido vitimados pela Peste Negra. Os mortos foram enterrados em valas comuns e, quando Balan voltou à sua terra, encontrou a região pouco povoada e mergulhada no caos. — Até o tonto do Malculinus gostaria de estar no nosso lugar. Daqui podemos ouvir cada palavra que o rei disser. É uma recompensa merecida por nossa lealdade — continuava tagarelando Osgoode. Balan não estava tão satisfeito. Aquilo que devia ser um prêmio, mais parecia um castigo, porque, sentados bem ali na frente, a pobreza dos trajes que usavam ficaria exposta à vista de todos. E o rei estaria sentado muito próximo dele. Mal acabara de pensar no assunto quando as portas do salão se abriram com um estrondo e o rei Eduardo III entrou. Era um homem imponente de uns trinta e cinco anos, alto, forte e vestia-se com muito luxo. Sua figura era imponente. — Robert! — o rei chamou em voz alta, logo que tomou assento. — Pois não, majestade — respondeu o criado aproximando-se com rapidez. — Vá buscar Maurie. Para surpresa de todos, em vez de obedecer prontamente, o criado ficou parado com uma expressão alarmada no rosto. — Que foi? Não ouviu o que eu disse, Robert? Vá buscar Maurie. O criado engoliu em seco e, sem dizer nada saiu vacilante da sala. Balan e Osgoode trocaram olhares. Ambos tinham ouvido muitas histórias sobre Maurie, a protegida e adorada do rei. Diziam que era belíssima, de olhos muito azuis, um cabelo loiro quase dourado e um sorriso encantador.
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O rei tinha ficado fascinado desde o dia em que ela chegara ainda criança à corte depois da morte dos pais, lorde e lady Somerdale. Era sabido também que o rei a havia mimado em excesso a ponto de transformá-la numa garota insuportável e birrenta. Birrenta. Era esse, aliás, o apelido pelo qual ficara conhecida na corte por causa das suas pirraças. Pela reação do criado quando lhe mandaram ir buscá-la, era bem provável que os boatos que corriam a seu respeito fossem mesmo verdadeiros. — Becker! — gritou o rei, em seguida para um de seus assistentes. — Às suas ordens, majestade. — Minha esposa decidiu que está na hora de Murie casar. — Ah... — o criado apenas balbuciou. — Meu Deus do céu... — completou baixinho. — Entendo seu espanto e sei que a menina não vai receber bem essa notícia. — Acredito que não, majestade — admitiu o serviçal cauteloso. — Mas a verdade é que ela já está na idade de casar. O rei Eduardo suspirou profundamente. — Talvez esteja mesmo. Além do mais, não consegui convencer minha mulher a adiar a decisão por mais algum tempo. — Sei... — Becker retrucou. — Quem sabe ela aceitará melhor do que esperamos, majestade. Como disse, ela passou da idade em que as moças costumam casar e deve saber que dia mais, dia menos, seria forçada a fazê-lo. Talvez já esteja até conformada com a idéia. — Não seja ridículo. Aqui sempre demos a ela tudo que quis e jamais a forçamos a fazer algo que não desejava. Por que aceitaria que as coisas mudassem? — Isso é verdade, milorde. E, ao que me consta, lady Murie não deseja casar. Dissenos isso claramente em diversas ocasiões. O rei balançou a cabeça com desânimo. — Não vai ser uma conversa tranqüila. Murie é uma menina encantadora, mas pode se tornar bastante... difícil, às vezes. — Efetivamente, milorde... — Fique por perto, Becker. Posso precisar de você. Osgoode cutucou o braço de Balan insistentemente. — Ouviu isso? — cochichou ao ouvido do primo.
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— Claro que sim. Pelo visto a birrenta vai ser forçada a casar. — Exatamente. E ela é muito rica — Osgoode continuou. — Não me diga que está pensando que eu... — Ela é muito, mas muito rica, repito. E nós precisamos de uma noiva rica para devolver ao castelo Gaynor o seu antigo esplendor. Infelizmente o castelo precisava urgentemente de fundos para resgatá-lo da ruína. A peste negra, que se expandia pela Europa, havia chegado ali e matado quase todos os empregados da propriedade e boa parte dos moradores do vilarejo próximo. A doença fora cruel, matando suas vítimas por conta de infecções e surtos de febre muito alta. Os poucos sobreviventes ou fugiram de medo, ou em busca de um lugar melhor para se recomeçar a vida. Desesperados para conseguir mão-de-obra, muitos patrões ofereciam altos salários a qualquer um que se dispusesse a trabalhar. Gaynor já tinha sido uma propriedade muito próspera. O pai de Balan, contudo, gastara uma fortuna construindo coisas desnecessárias, como um lago para criar peixes, por exemplo. Fora isso a estação de chuvas, antes da praga, assolara a propriedade dois anos antes, contribuindo ainda mais para esgotar os recursos financeiros. Sendo assim, quando a peste chegou, Gaynor não contava com fundos para pagar salários tão altos quanto ofereciam os proprietários mais ricos. Por causa disso, não havia gente suficiente na propriedade para fazer a colheita nas plantações. A maior parte dos grãos havia apodrecido nos campos, trazendo ruína ainda maior à propriedade. A situação era desesperadora. Para piorar tudo, o pai de Balan havia perecido com a doença, deixando como herança o título de nobreza, o castelo e as terras, bem como os poucos empregados que restavam e uma avalanche de problemas. Agora as esperanças de recuperar o legado estavam sobre os ombros de Balan. — Espere um pouco, Osgoode. O que quer dizer com "nós"? Eu é que estou precisando de uma noiva rica e sou eu que vou ter que conviver com essa mulher para o resto da vida. E nem por um instante sequer cogitei ter uma esposa mimada e afilhada do rei. — Sei que não seria nada fácil, mas nós precisamos ser flexíveis nos momentos de necessidade, não é? — Lá vem você com esse nós outra vez. Sou eu que terei que aturar a megera, você não está incluído.
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— Ela não pode ser tão ruim assim. Em todo caso, você poderia desposá-la, levá-la para a cama primeiro e depois... passar os dias inteiros conosco, com os homens, bem longe dela. — E agüentar suas reclamações e choradeira todas as noites? — Exatamente. Só que ela não poderá reclamar se você a mantiver bastante ocupada na cama, se é que me entende. Isso não seria tão ruim para você. Afinal, dizem que a moça é muito bonita. — Claro que é. Caso contrário o rei não estaria tão encantado por ela. Chegou aqui sorrindo toda charmosa com seus cachos dourados e olhos azuis. Fez o que quis dele. O rei nunca foi capaz de lhe negar nada. Por isso se transformou na criatura birrenta que é hoje. Santo Deus, Osgoode, não é possível que você queira alguém assim morando em Gaynor. — Querer, não quero, mas... — Não tem mas, nem meio mas. Está fora de questão. Além do mais, do jeito que ela é insolente, começaria por rir das minhas roupas. O próprio rei não a deixaria casar com um sujeito cujas propriedades estão em estado lamentável. Ele quer o melhor para sua queridinha, ou seja, o nobre mais rico, mais bem apessoado e mais poderoso que existir na face da terra. Não um barão pobretão como eu, com uma enormidade de terras improdutivas e nenhum centavo para mantê-las. — É... acho que você tem razão. — Osgoode acabou por concordar. — Mas lembre-se de que não será fácil achar-lhe uma noiva que tenha os recursos necessários para reerguer o castelo de Gaynor. Desanimados, os dois homens ficaram pensativos e em silêncio até que as portas do salão se abriram e o criado Robert entrou acompanhado de uma jovem miúda e loira. Balan segurou a respiração ao ver pela primeira vez lady Murie Somerdale, a famosa birrenta. Ele raramente freqüentava a corte. Só ia ali em ocasiões especiais quando sua presença como cavaleiro e membro da Ordem da Jarreteira era requisitada. Agora não conseguia tirar os olhos daquela beldade. Os famosos cachos loiros formavam uma moldura para o rosto angelical e os olhos azuis, do mesmo tom do vestido, tinham um brilho incomum. Seu nariz, delicadamente arrebitado, o rosado das faces e sua pele alva destacavam os lábios carnudos e tentadores, transformando-os em um convite para beijos apaixonados. O sorriso meigo tornava ainda mais difícil de acreditar que aquela criatura pudesse ser tão desagradável quanto costumavam dizer. Ela atravessou a sala em passos lentos e elegantes. Balan se perguntou por quanto tempo duraria aquela calma quando ela soubesse que havia sido chamada para ser
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informada de que estaria prestes a se casar. — Bom dia — ela cumprimentou o rei com uma voz suave e melodiosa. O rei abriu um sorriso, mas em seguida assumiu um ar mais sério. Com certeza sentia-se culpado por antecipação diante das novidades que teria que participar a sua protegida. — Bom dia, Murie. Espero que tenha dormido bem. — É claro que sim, senhor. Afinal tenho a cama mais quente e macia de todas do castelo. — Sempre reservamos o melhor leito para uma dama especial — concordou o rei Eduardo. — Queria falar comigo, senhor? O rei não respondeu de imediato. Não conseguia olhar Murie de frente e desviava a cabeça na direção ao nobre que estava a seu lado. — Levante daí, Abernathy. Dê a ela seu lugar. Preciso ter uma conversa com minha afilhada — ordenou. O nobre cavaleiro de imediato se levantou e foi conduzido por um criado até outro lugar vago mais adiante. O rei não conseguia articular as palavras. Atrapalhado olhou para seu assistente Becker como pedindo ajuda. — Prefere que eu faça o comunicado, senhor? — este perguntou com humildade. — Sim, prefiro — respondeu Eduardo. — Muito bem, lady Murie. Nosso rei pediu-lhe que viesse até aqui para informá-la de que é chegada a hora de casar e iniciar sua própria família. Para espanto de todos, a moça de início não demonstrou qualquer contrariedade. Parecia até estar agradavelmente surpresa com a notícia. Instantes depois, porém, seu semblante se fechou e ela franziu os lábios. — Deve estar brincando, Becker. O rei sabe perfeitamente que não tenho nenhum desejo de me casar e nem de deixar a corte. Por que ele me forçaria a fazê-lo? Sou sua afilhada predileta a quem sempre estimou. Será que perdeu o afeto e agora quer me ver longe daqui para que não o perturbe mais? O rei Eduardo continuava de cabeça baixa, sem dizer nada. — É claro que não se trata disso, milady. Sua majestade continua tendo-a em grande estima e, se determinou que se case, foi pensando unicamente no seu próprio bem.
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Murie parecia pronta a gritar e, antevendo um escândalo, o rei por fim interveio. — Felipa está irredutível e a palavra final é que você deve se casar. Segundo ela, sou egoísta por querer mantê-la aqui na corte, impedindo que siga o curso natural de sua vida com um marido e filhos. Sinto muito, querida, mas a decisão já está tomada e não há nada a fazer para reverter a situação. Se eu não concordar, minha vida vai virar um inferno — explicou como se quisesse se desculpar. Em seguida se empertigou e anunciou com voz firme para que todos na sala pudessem ouvir. — Eu sou o rei, minha palavra é lei e digo que você vai se casar. A birrenta olhou para o rei sem saber como responder. De repente enfiou o rosto entre as mãos e começou a chorar. Não era um pranto suave e feminino, mas um choro convulsivo, forte, tão alto que dava até a impressão de estar atuando em uma tragédia grega. Mas Balan sabia que não era. Ele ignorou o olhar desconfiado que Osgoode lhe dirigia e continuou fitando o rei. Por sua vez, o rei Eduardo não parecia muito surpreso com a cena. Já estava acostumado a esse tipo de demonstração. A garota fazia cenas assim pelos motivos mais variados. De certa forma, sentia-se até algo envaidecido ao ver que ela se revoltava tanto por ter que se afastar dele. Enquanto isso, Murie continuava aos prantos, reclamando e soluçando diante dos olhares de espanto e de fascínio de todos os presentes. — Vamos, vamos — disse Eduardo por fim, afagando-lhe as costas. — Sei que não vai ser fácil ficar longe de nós. Também vamos sentir muito a sua falta. Mas agora pare de chorar assim, minha querida. Isso não lhe faz bem. Murie balançou o corpo, mas continuou com o rosto entre as mãos, uivando numa choradeira impressionante, a mais barulhenta que Balan jamais tinha presenciado. Vendo que suas palavras de conforto de nada adiantavam, o rei Eduardo resolveu tentar convencê-la por meio do suborno. — Por favor, não se desespere. Vamos lhe achar o melhor marido de toda a região, prometo... e também comprar o enxoval mais lindo do reino... sem contar a festa digna de contos de fada... Se preferir, deixaremos até que escolha o homem que quer para marido. Aos poucos os soluços foram diminuindo até parar por completo. Então ela levantou os olhos ainda cheios de lágrimas para o rei e balbuciou: - Está bem... como quiser, senhor. Levantou-se cambaleante e, cobrindo o rosto com as mãos, saiu rapidamente do salão, batendo a porta.
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O rei suspirou fundo e por fim encarou a todos os que estavam sentados à mesa. O lauto banquete estava servido e esfriava sem que ninguém se atrevesse a tocar na comida antes do rei fazê-lo. Mas ele de súbito se levantou. — Perdi o apetite — disse, dirigindo-se à porta. — Venha comigo, Becker — ordenou ao sair da sala. Assim que a porta se fechou, Osgoode olhou para Balan com ar confuso. — Será que agora podemos comer? Ou temos que dispensar a refeição só porque o rei estava sem fome? O ataque histérico de Murie não tinha abalado o apetite deles mas, olhando em volta, viram que os demais convidados começavam a se levantar e deixar o recinto. Ninguém sabia muito bem como agir nessas circunstâncias. Então, decidiram que era melhor matar a fome em algum botequim da cidade do que se arriscar a ofender o rei. — Andei pensando — disse Osgoode quando caminhavam na direção das cocheiras. — Talvez você tenha mesmo razão e Murie não seja a tábua de salvação de que precisamos. — Também acho — concordou Balan, empurrando o primo na direção do jardim e para longe do estábulo. Osgoode falava demais e não era nada discreto. Se iriam discutir o assunto era melhor que o fizessem bem longe das cocheiras e dos ouvidos de toda aquela gente, que estavam à procura de suas montarias. — Que mulherzinha birrenta! Nem pense em casar com essa megera, primo — continuou Osgoode assim que ficaram longe dos outros convidados. — Na verdade duvido que ela sequer olhasse para você. Mimada como é, nem olharia na sua cara. Acho preferível passar fome em Gaynor do que agüentar as manhas dessa mulher. Viu só aquela cena toda, gritando como se estivesse sendo atacada? Murie era de fato mimada, mas Balan achou falta de respeito chamá-la de megera. Já ia chamar a atenção de Osgoode sobre isso quando recapitulou mentalmente a cena que haviam presenciado e chegou à conclusão de que o termo era adequado afinal. — Mas não faz mal, Balan. Há muitas outras damas na corte com quem pode se casar. Que tal fazermos uma lista? Deixe ver... Sentaram em um banco de pedra a um canto do jardim. O assunto era importante e precisava ser discutido. O estômago de Balan roncava de fome, mas ainda ia ter que esperar para fazer uma refeição. — Lady Lucinda, por exemplo. É bonita e parece que está bem de vida. — Essa não — respondeu Balan meneando a cabeça. — Ouvi dizer que vai casar com
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Brambury. As famílias já estão negociando o contrato de casamento. — Pena... que tal então lady Julia? Falam que ela é um pouco temperamental, mas tem uma bela estampa e uma fortuna mais interessante ainda. — Peste! — Espere aí, Balan. Talvez o gênio dela não seja dos melhores, mas daí a chamá-la de peste... — Não falei que era uma peste. Estava me referindo à peste negra. Ela morreu com a doença, não lhe contaram? — Oh, eu não sabia. Mas, que tal então lady Alice? — Casou com Grantworthy no mês passado. — Puxa, também não sabia disso. Lady Helen... — É outra que morreu com a doença. Olhe, Osgoode, acho melhor nos restringirmos aos limites da corte. — Então são apenas três. — Três? Pensei que eram só duas: lady Jane e lady Brigida. Faltou alguém? — Sim. Faltou Lauda. — O quê?! A irmã de Malculinus? Santo Deus, essa nem pensar! — Então são só duas mesmo. — Lady Jane não é uma boa candidata, Osgoode. Se bem que os boatos são que ela tem um amante secreto. — Também ouvi algo parecido. Dizem até que ela pode estar grávida. Melhor tirá-la da lista. Então só nos resta lady Brigida. Pronto, seu casório vai ser com ela! Balan olhou para o primo com desânimo. A moça era assustadora. Grandalhona e de voz aguda, falava alto e tinha uma risada escandalosa que mais parecia um cacarejo. Ia ter que aprender a aceitá-la, porém o futuro de Balan era incerto. — Emilie! Por onde andou? Estive à sua procura por toda parte. Balan e Osgoode se entreolharam. A voz feminina vinha de trás dos arbustos que rodavam o banco onde estavam sentados. — Ah, bom dia, Murie. Estava aqui sentada, descansando um pouco. — Parece até que adormeceu, não foi? De imediato os primos perceberam que era a própria birrenta falando com alguém.
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Ria alegremente e seu tom era exultante. — Deu certo, Emilie! Deu certo! — O que foi que deu certo, Murie? — Seu plano para fazer com que o rei e a rainha me deixassem casar. Acorde, Emilie! Estou tão feliz! — Pronto, já acordei. Agora me conte tudo. — Bom, passei a semana toda rondando os aposentos da rainha e falando para todas suas damas de companhia que eu jamais me casaria. Disse-lhes que estava feliz demais vivendo aqui na corte para largar tudo. Que nunca aceitaria a prisão de um matrimônio ou muito menos ir morar longe de todos nas terras de algum marido. É claro que a rainha ficou sabendo. No começo não teve qualquer reação, mas sabe o que aconteceu hoje? O rei me chamou para comunicar que a rainha exige que eu me case! Não é uma maravilha? — Maravilha mesmo! Parabéns. Eu disse que ia funcionar, não disse? — Disse sim, Emilie e você tinham razão. — Claro. Não era difícil prever esse desfecho. A rainha Felipa adora lhe contrariar. Sempre foi assim. — É verdade — concordou Murie em voz menos animada. — Infelizmente, acho que ela me detesta, não sei por quê. No começo fiz o possível para agradá-la, mas ela criticava tudo que eu fazia e caçoava de mim. Agora nem ligo mais. Só procuro me manter bem longe de sua presença e criadas. — E tudo por causa do ciúme. A rainha não suporta o afeto que o rei dedica a você, apesar de ele ser igualmente carinhoso com seus próprios filhos. É como se cada fiapo de amor que ele dá a você estivesse sendo roubado da esposa e dos seus filhos. O rei Eduardo não é um marido muito fiel, sabe? Talvez o receio seja de que a atenção dedicada a você acabe se transformando em outro sentimento. Murie ficou pensativa e não comentou mais nada. — Mas então, com quem vai se casar? — Emilie quis saber. — Ah, essa é a melhor parte! Imagine que o rei permitiu que eu mesma escolhesse meu futuro marido. — Não diga! — Pois é, nem eu mesma acreditei. — Por Deus, você deve ter feito uma cena e tanto para que ele chegasse a ponto de
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permitir uma coisa dessas! — Fiz mesmo. Mas foi para não desapontar ao rei. Não queria que ele percebesse o quanto estou ansiosa para ir logo embora daqui e deixar a corte de uma vez. Emilie soltou uma gargalhada gostosa e abraçou Murie. — Ah, minha amiga, se soubessem a criatura doce que se esconde atrás da sua birra fingida, iam se espantar. Você é um encanto. — Obrigada, Emilie. Quero lhe agradecer por todos os seus conselhos, que me ajudaram a sobreviver desde que cheguei ao ambiente hostil desta corte. Se não fosse por você, acho que eu teria enlouquecido. — Não seja boba. Você ia se arranjar muito bem. — Que nada! Eu seria trucidada por essa gente maldosa que mais parece uma matilha de lobos. Mas segui seus conselhos e cada vez que me atacam começo a fazer escândalo, a gritar e espernear. Assim me deixam em paz. Agora até a rainha me evita com medo que eu faça mais uma cena incontrolável de birra. — Foi a única coisa que pude lhe sugerir, minha querida. Sabia que você não tinha a maldade necessária para sobreviver na corte e só assim conseguiria se safar. A melhor coisa que tinha a fazer era mesmo tirar proveito do afeto do rei, fingir-se de mimada e fazer escândalo, sempre que fosse contrariada. — E, graças a Deus, deu certo. Confesso que às vezes era até divertido. Eu mesma me espantava com meu comportamento abominável... Os dois primos ouviam atentamente a conversa. Balan sentiu que Osgoode apertava seu braço, mas ignorou o chamado. Lentamente puxou um dos galhos do arbusto para poder ver entre as folhagens as duas mulheres conversando. Ambas eram loiras e bonitas. Emilie estava em adiantado estado de gravidez. No ano anterior havia se casado com lorde Reynard, um amigo de Balan, e ambos pareciam viver muito felizes. Viu quando Murie voltou a se dirigir à amiga. — Será que minha fama de birrenta vai me impedir de achar um marido bom e carinhoso? — Oh, claro que não — respondeu Emilie, segurando-lhe a mão delicada. — Linda como é e sabendo que é a afilhada favorita do rei, haverá uma fila de pretendentes lhe pedindo a mão em casamento. — Espero que você tenha razão. — Pode estar certa disso. Agora vamos para seu quarto. Vamos fazer uma relação
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dos cavalheiros disponíveis da corte para ver qual lhe agrada mais, que tal? — Olhe, Emilie. Um par de pássaros, ciscando ali. São melros pretos. Dizem que são um sinal de sorte, sabia? — Quanta bobagem... você e suas superstições... — respondeu Emilie rindo e tomando o rumo do castelo, seguida por Murie. Osgoode e Balan trocaram olhares, assim que as moças se afastaram. — Ouviu isso? — balbuciou Osgoode. — Ouviu isso? — alguém repetiu, como um eco, do outro lado da cerca de ciprestes. Era Malculinus que saía acompanhado por Lauda de trás de uma touceira de arbustos próxima ao lugar onde as amigas haviam conversado. Eles também tinham escutado a conversa. — Ouvi sim. Pelo visto ela não é geniosa e malcriada, como todos acreditam — respondeu Lauda ao irmão. Balan e Osgoode afastaram novamente o galho que os protegia e juntaram as cabeças para poder observar a cena sem ser notados. — E todos morrem de medo dela por causa da fama de birrenta — continuou Malculinus, bastante animado. — Halstaff inventou a desculpa de que a mãe estava doente para fugir da corte com medo de ser escolhido como candidato a marido. Harcour, por sua vez, jura que vai fazer todo o possível para evitar que ela o escolha. Está vendo? Os homens estão fugindo da corte como ratos abandonando o naufrágio. Não haverá nenhuma concorrência para desposá-la. — Melhor assim. Dessa forma o caminho fica livre para você, Malculinus. Imagine quantos agrados vai receber do rei por ter desposado sua querida afilhada. — É verdade. Já estou até imaginando. — Mas não vamos cantar vitória antes da hora. Sempre há aqueles desesperados que cortejam qualquer mulher mesmo alguém que não lhes agrada por causa da fortuna ou outros motivos quaisquer. — Ah, isso é verdade. As terras em Gaynor, por exemplo, está a perigo. Precisa achar alguém com dinheiro. Viu as roupas surradas que ele e Osgoode usavam? Eu teria vergonha de me apresentar daquela forma. Balan franziu a testa, mas continuou escondido e em silêncio, observando tudo. — De minha parte, estou muito interessado em Murie, Lauda. Quero ficar com ela e com todas as boas relações políticas que ela traz consigo.
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— Então, vamos ter que convencê-la de que você é o marido ideal. — Eu sei, mas como? Você tem algum plano? Um leve sorriso se formou nos lábios de Lauda ao dirigir um olhar sugestivo ao irmão. — Tenho sim. Vimos que Murie é supersticiosa, não? Então, vamos usar isso contra ela. — Como assim? Explique-me. — Aqui não. Alguém pode nos ouvir. Vamos até algum lugar mais recluso. Venha comigo. Malculinus seguiu a irmã sem contestar, tão ansioso que estava para saber de seus planos. No mesmo instante em que os dois se afastaram, Osgoode ficou em pé e puxou Balan pelo braço. — Vamos atrás deles — disse apressado. — Precisamos saber o que estão tramando. Não podemos deixar que um mal intencionado qualquer leve a melhor e ainda por cima enganando Murie. — Mas... — Balan hesitou. — Ande logo. Agora que sabemos quem Murie realmente é, não podemos deixar que ela se case com esse desqualificado. Ela não merece. Malculinus é um sujeito abominável, mau caráter, que maltrata até os animais. — Eu sei. Já o vi surrando cavalos sem piedade. — É claro que você seria um marido bem melhor para Murie, Balan. Pense nisso. Ela pode ser a salvação de Gaynor. — Eu? — Claro, você é gentil e educado. Com certeza um companheiro bem melhor do que aquele pulha. Além disso, se não casar com ela só lhe restará lady Brigida. — Está bem. Vou pensar no assunto. Mas, por enquanto, vamos tratar apenas de salvar Murie das mãos de Malculinus.
Capítulo II P ROJETO R EVISORAS
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— Afaste-se um pouco. Está me espremendo contra os galhos — disse Osgoode, escondido atrás dos arbustos que rodeavam a marquise onde Malculinus e Lauda conversavam. — Fale baixo. Podem nos ouvir. Eu também não estou nada confortável aqui. Agora fique quieto e vamos escutar o que eles estão dizendo — retrucou Balan. Ajeitando-se em meio às folhagens, os dois primos procuraram uma posição onde pudessem ouvir sem serem vistos. Estavam em uma posição um tanto estranha, mas não queriam perder uma só palavra da conversa. — Amanhã é o dia de Santa Inês, está lembrado? — dizia Lauda. — E daí? O que isso tem a ver com meu caso? — indagou Malculinus. — A véspera do dia de Santa Inês é muito importante para moças supersticiosas como Murie. A crendice diz que se uma jovem solteira fizer jejum o dia todo ou comer algo estragado antes de dormir, naquela noite sonhará com o homem com quem vai casar. Vou fazer questão de lembrar Murie disso, na hora do jantar, entendeu? — Ainda não. Como espera que ela sonhe justamente comigo? — Darei um jeito. Garanto que ela vai sonhar com você. — Mas como? — Escute bem. É claro que Murie não ficou o dia todo em jejum, portanto, vou sugerir que coma algo estragado se quiser que a profecia se concretize. — Sei... mas mesmo assim, como vai fazer para que sonhe comigo? — Vou me oferecer para ajudá-la, bancando a boa amiga. Só que eu mesma vou preparar uma mistura de ervas especiais, uma poção que a deixará tonta e sonolenta, meio sem sentidos por algum tempo, até o dia clarear. Ela vai engolir direitinho. — Está bem, mas e o sonho? — Pois é, enquanto Murie estiver dormindo, você terá que entrar no quarto e deixar que ela o veja. Como estará zonza, por causa da poção, no dia seguinte vai pensar que foi um sonho. Malculinus franziu a testa e arregalou os olhos. — Ficou maluca, Lauda? Quer me ver atrás das grades? Quando Murie perceber que estou no quarto vai começar a gritar e os guardas virão me prender. É isso que você quer? — Não seja bobo. Já disse que minha poção é poderosa e deixará a moça bem
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atordoada. Ela não vai ter qualquer reação, confie em mim. Vai dar tudo certo, fique tranqüilo. — Ah, está bem... espero que saiba o que está fazendo... — Claro que sei. Agora venha Malculinus. Preciso mandar uma criada buscar os ingredientes que necessito para o meu preparado poderoso. Quando Malculinus e a irmã sumiram de vista, Osgoode apertou novamente o braço de Balan com nervosismo. — E agora? Que vamos fazer? O plano é casar a pobre moça com aquele idiota. Temos que fazer alguma coisa para impedir! — Não será preciso fazer nada — respondeu Balan calmamente. — Essa estratégia toda não vai funcionar. Murie é esperta demais para cair nessa baboseira sobre o dia de Santa Inês. Imagine se vai aceitar beber a poção. Claro que não. Deixe que tentem enganála como pretendem. Os dois vão acabar caindo em descrédito. — Gostaria de ter essa certeza. Mas e se ela cair na armadilha? Se acabar casando com Malculinus? A culpa vai ser toda sua. Balan ficou pensativo, avaliando os riscos possíveis. Depois que ouvira sua conversa, tinha certeza de que Murie era esperta e inteligente. Caso contrário não teria conseguido criar fama de birrenta e enganado todos os membros da corte por tanto tempo. Ao mesmo tempo, lembrou-se de ter ouvido também o comentário sobre a presença dos pássaros negros, ou seja, um indício que de fato era supersticiosa. Além do mais, Lauda era muito sagaz e maldosa e, portanto, eram grandes as chances de que convencesse Murie da eficiência de sua porção mágica. — Está bem — disse Balan com voz firme, depois de alguns minutos. — Vamos fazer o seguinte. Depois do jantar seguimos Murie e ficamos aguardando Malculinus entrar no quarto. Caso tenha sucesso, entraremos em ação. — Perfeito. Aí eu trato de distrair Malculinus e você entra no quarto de Murie. Quando ela acordar vai ver seu rosto e não o dele. — Nada disso, Osgoode! Não exagere... — Como não? Assim ela vai querer casar com você, seu tonto. E eu sei que será o melhor marido para lady Murie do que qualquer um dos outros rapazes da corte. Conheço seu caráter há muito tempo para ter a certeza de que a fará feliz. Ninguém melhor para isso do que um homem bondoso, fiel e justo. — É exatamente por ter caráter que me nego a fazer a mesma falseta que Malculinus
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pretendia. Osgoode passou a mão pela cabeça em desalento. — Se não aproveitar as oportunidades que lhe aparecem, Balan, duvido que algum dia consiga se casar. — Então, vou ficar solteiro mesmo, pronto. Agora vamos tratar de comer alguma coisa. Já perdemos o almoço com todas essas tramóias e maquinações e minha barriga está roncando de fome.
— O pato assado está delicioso — comentou Emilie. — Deve estar mesmo — completou Murie. — Então por que não come? — Ah, é verdade... estava tão distraída. — Pensando em quem vai escolher para marido, aposto. — Sim. É um assunto importante. Afinal, vou ter que passar o resto da vida ao lado desse homem, gerar e criar eus filhos, ser sua companheira. Já pensou se fizer a escolha errada? — Não se preocupe. Tenho certeza de que saberá escolher o homem certo. Vejamos... entre os solteiros da corte há algum que lhe chame mais a atenção ou em quem tenha interesse? — Não sei dizer. Vivi reclusa por muito tempo e não conheço nenhum dos homens que freqüentam a corte. — Então vai precisar conhecê-los. Há muitos rapazes bem apessoados, ricos, charmosos e disponíveis. — Bem apessoados? Que me importa isso? Um rosto bonito muitas vezes esconde um coração cruel. Quanto à riqueza, isso também não faz diferença. Meus pais me deixaram uma bela fortuna de herança e não preciso do dinheiro de ninguém. Claro que se for charmoso e bonito, a convivência será mais agradável, no entanto, sei que não resolve nada na hora das dificuldades. — Então, que qualidades procura no seu futuro marido? — Deixe ver... quero um homem que seja carinhoso e gentil, que trate com bondade os mais fracos e, sobretudo que seja inteligente. Também quero alguém forte para me proteger das possíveis ameaças e que saiba administrar os seus bens para que todos seus
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dependentes prosperem. — Belas qualidades. Estou certa que, se formos criteriosas, encontraremos alguém que reúna todas elas. — Por que não pedimos ajuda a Santa Inês? Espantada, Murie se virou para ver quem dizia aquilo. Era Lauda que geralmente não se dirigia a ela com palavras gentis. Na maior parte do tempo, aliás, costumava ignorar por completo sua presença. Isso nos últimos cinco ou seis anos porque, antes dessa época, Lauda era a pessoa que mais a espezinhava, sempre pronta a provocá-la com ofensas e agressões verbais cruéis. Era surpreendente que agora estivesse ali sorridente, mostrando interesse, sentada ao lado de Murie na hora do jantar. É verdade que ambas haviam amadurecido, não eram mais meninas e sim mulheres adultas. Mas, apesar disso, não esperava que Lauda a tratasse com tanta cortesia. — Que foi que disse? Pedir ajuda a Santa Inês? — Ora, foi só uma sugestão... — Lauda respondeu com uma risadinha. — Apenas uma bobagem... esqueça o que eu disse. — Agora fiquei curiosa. Complete o que pretendia falar. — Ah, não é nada. Só que sua preocupação com a escolha de um marido me fez lembrar do que dizem a respeito do dia de Santa Inês. — É mesmo? E que é que dizem? — Bem, é uma antiga crença. Falam que a moça que fizer jejum no dia de Santa Inês, quando for dormir, sonhará com o homem que está predestinado a ser seu marido. Murie e Emilie se entreolharam com surpresa. Lauda deu outra risadinha sem graça, mas continuou falando. — Acho que isso é apenas uma superstição boba e duvido que funcione. Mas não seria ótimo se fosse verdade? Estou numa situação parecida à sua, Murie. Meu noivo faleceu por causa da peste e papai quer agora que eu escolha um marido aqui na corte. Eu também estou em dúvida sobre quem escolher. — Pois é, a decisão é mesmo bem difícil... — disse Murie achando estranho ter alguma coisa em comum com aquela mulher que a havia atormentado durante toda a adolescência. — Se é... Acho que eu devia ter tentado a ajuda de Santa Inês, mas esqueci disso e não fiz o jejum. Perdi a oportunidade.
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— Talvez não tenha perdido de todo, Lauda — disse Malculinus, sentado ao lado dela. — Dizem que, se no lugar do jejum comer algo estragado isso pode fazer o mesmo efeito. — Verdade, meu irmão? Tem certeza? — Acho que ele tem razão — interveio Emilie. — Agora me lembro de ter ouvido a mesma coisa. — Ah, mas então ainda temos tempo de tentar, Murie — disse, Lauda piscando disfarçadamente para Malculinus. Murie mordeu o lábio apreensiva. Estava em dúvida, mas ainda curiosa. A idéia de comer algo estragado não era nada do seu agrado. — Por que você não experimenta, Lauda? Se der certo, amanhã eu faço a mesma coisa. — ela retrucou. — Tem que ser na véspera do dia de Santa Inês. No dia seguinte não funciona. Pelo menos é o que diz a teoria. — Já que você insiste tanto com Murie, por que vocês duas não fazem a experiência juntas, não é, Lauda? — sugeriu Emilie. — Não diz que também está à procura de um marido? Lauda engoliu em seco. Não haviam contato com o imprevisto. — Oh, não acho que... — disse, procurando desesperadamente uma desculpa. — É uma ótima idéia — interrompeu Malculinus. — Como? — Sim, minha irmã, façam o teste juntas. Vai ser divertido. Lauda olhou furiosa para o irmão, sem entender a enrascada na qual ele parecia estar querendo metê-la. — Mesmo que seja interessante descobrir se os santos podem nos dar resposta sobre casamento, acho que não estou disposta a engolir algo assim desagradável, Malculinus. E imagino que o estômago de Murie também seja delicado. — Meu estômago é igual ao de todo mundo — interrompeu Murie. — É mesmo? Então, aceito. Vou já para a cozinha ver se o cozinheiro do rei pode nos preparar alguma coisa que nos sirva. Quem sabe ele pode temperar um pedacinho de carne estragada e cozinhá-la para que não seja tão desagradável de provar — disse Lauda, levantando-se da mesa rapidamente.
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Murie pensou em reagir para impedi-la, mas ela já tinha sumido pela porta da sala. Emilie estava constrangida por ter incentivado a idéia. — Pensei que fosse apenas uma brincadeira. Não acredito que você esteja disposta a levar isso adiante — disse para a amiga. — E não estou mesmo — respondeu Murie. — Assim que Lauda voltar vou dizer isso a ela. — Ufa, ainda bem! Sem querer faltar com o respeito à Santa Inês, comer carne estragada seria uma loucura. Pode até ser perigoso. Murie concordou e virou sua atenção para o prato cheio à sua frente. Com o garfo mexeu nervosamente a comida. Perdera a fome, preocupada com o acerto que sem querer havia feito com Lauda. Não via a hora de ela voltar para pôr tudo às claras e dizer-lhe que não participaria da experiência. Mas o tempo ia passando e nada de Lauda voltar. A refeição já estava quase no fim e os comensais iam se levantando da mesa quando por fim ela apareceu. — Desculpem a demora, mas o cozinheiro levou uma eternidade para encontrar e preparar aquilo que lhe pedi. Mas agora aqui está. Tudo pronto. Murie meneou a cabeça em desagrado diante dos dois pedacinhos escuros de carne que Lauda trazia em um pires. Vendo seu gesto, Lauda fechou a cara. — Não vai me dizer que pretende recusar depois de todo o trabalho que tive para conseguir isto, vai? — Sinto muito, Lauda, mas eu não vou... — O quê? Perdeu a coragem? Ah, eu já deveria saber... Você nunca foi corajosa. Não passa de uma garota mimada, chorona e cheia de manhas. Murie ficou em pé indignada, pronta para reagir. Todos à volta olhavam para ela esperando uma nova cena. Desde que chegara à corte, ainda criança, tivera que enfrentar inimigos. Aquela época era uma criança que acabara de ficar órfã e estava frágil, triste, precisando de carinho, amizade e afeto. Mas só encontrara a animosidade das outras meninas que a viam como um alvo fácil de ser atacado, Ela até tentava se defender, mas as outras sempre estavam em maior número, por isso as chances eram mínimas. Havia dias em que se sentia tão infeliz, que se perguntara por que Deus não a tinha levado junto com seus pais. Se não fosse pela chegada de Emilie, talvez tivesse mesmo sucumbido. Por sorte Emilie logo quis ser sua amiga e desde então era a única pessoa em quem
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confiava, sua única confidente e companheira, que sabia lhe dar bons conselhos sinceros. Graças a ela havia criado a imagem de birrenta, um estratagema que lhe permitira sobreviver ali sem chegar à loucura. Era só gritar, chorar e espernear que em geral a deixavam em paz. Essa tática tinha ainda outra vantagem. A rainha achava as cenas de Murie tão cansativas que parara de exigir sua presença constante. E assim, felizmente Murie conseguiu sua paz, obtendo inclusive permissão para sozinha dedicar-se à leitura ou às atividades de sua escolha, ao longo dos anos. Birrenta! Murie estava cansada de ser taxada assim. Agora queria casar, ter um marido que a respeitasse e acabar com aquele martírio. Queria que todos esquecessem dessa sua fama de uma vez. Não estava mais disposta, nem mais tinha idade para fazer cenas. — Mudei de idéia, pode me dar — disse decidida, estendendo a mão para Lauda. Sem pestanejar, engoliu o naco de carne. Em seguida fez uma terrível careta. As ervas e especiarias que o cozinheiro havia usado no tempero tinham um gosto abominável. Sentiu vontade de vomitar, mas conseguiu se controlar. — Agora é sua vez — disse para Lauda. — Pronto — ela respondeu sorridente, comendo o outro pedaço. — Muito bem! — exclamou Malculinus. — Mal posso esperar agora para saber com quem vocês duas vão sonhar esta noite. Sem dizer mais nada, Murie saiu da sala. Emilie ia atrás dela. — Você está bem? — Mais ou menos. O gosto daquela carne é horrível. — Por que deixou que aquela louca a convencesse deste absurdo? Sabe que essas crenças não passam de grandes bobagens, não sabe? — Claro que sei. — Não queira me enganar. Você é a pessoa mais supersticiosa que conheço e aposto como já está imaginando com quem vai sonhar. Só ficou em dúvida porque não queria comer algo tão ruim. — Ruim mesmo. Não imagina o quanto. — Murie respondeu, abrindo a porta de seu quarto. — Acho melhor ficar um pouco aqui com você, caso passe mal — disse Emilie. — Não é preciso. Além do mais, Reginald ia ficar preocupado se chegasse ao quarto de vocês e não a encontrasse lá. Pode ir, Emilie. Vou deitar e quem sabe terei um sonho
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bem agradável. Séria uma pena se não acontecesse nada depois de ter comido aquele horror. — Ah, está bem. Mas, então, vou pedir à sua criada, Cecily, que fique aqui. Se sentir alguma coisa, mande me chamar. Murie apenas sorriu. Não tinha a menor intenção de permitir que a criada ficasse no quarto, mas não ia dizer isso à amiga. Emilie lhe deu um abraço e se despediu. — Durma bem. Espero que o que Malculinus disse seja verdade e que, no fim das contas, você tenha algum sonho revelador. — Tomara. Obrigada Emilie e boa noite. Assim que a amiga saiu, Murie fez uma careta de enjôo. Duvidava que conseguisse dormir naquela noite. O estômago estava revirado. Sentia-se exausta e um pouco zonza. Não entendia a razão da tontura. Afinal, mal havia provado o vinho que fora servido durante o jantar. — Milady — disse a criada entrando no aposento. — Seu jantar foi bom? — Não muito... escute Cecily, você já ouviu falar de uma simpatia para ser feita na véspera do dia de Santa Inês? — Aquela que diz que a gente sonha com o homem com quem a gente vai casar? Ah, ouvi sim e minha irmã até experimentou uma vez. — Verdade? E que foi que aconteceu? — Ela sonhou com um sujeito desconhecido que só veio a encontrar uma semana depois. Seis meses mais tarde eles estavam casados — respondeu Cecily, ajudando Murie a tirar a roupa e aprontar-se para deitar. — Não diga! — Foi exatamente o que aconteceu. — E você, nunca tentou a simpatia? — Já sim, mas não sonhei com ninguém. Isso foi há muitos anos e continuo solteira. Vai ver que meu destino é esse mesmo, ficar solteirona. — Que nada — sorriu Murie. — Certamente vai aparecer alguém. A criada a ajudou a se lavar, vestir a camisola e ajeitou as cobertas com cuidado, quando Murie se deitou. — Deseja mais alguma coisa, milady? — perguntou, por fim. — Não, obrigada, Cecily. Pode ir.
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— Então, boa noite e bons sonhos, milady. Murie virou de lado na cama, tentando achar uma posição para acalmar a dor de estômago. Não seria ótimo se de fato sonhasse com um homem bom com quem acabaria se casando? Eram vários os motivos que a levavam desejar casar-se logo. Em primeiro lugar, teria sua própria casa e estaria bem longe das maldades que praticavam contra ela ali na corte. Além disso, realizaria o sonho de ter filhos, coisa que desejava intensamente. Casada poderia amar e ser amada, tão amada quanto havia sido enquanto seus pais ainda eram vivos. Sempre imaginara que, conforme o costume da época, o rei escolheria o pretendente mais adequado, quando fosse a hora de se casar. Mas a decisão fora deixada a seu critério e agora estava perdida. Incerta e aterrorizada com a idéia de errar na escolha e acabar casando com alguém que se revelasse um marido cruel e abusivo. Suspirou fundo, Virando-se de novo. Como seria bom se conseguisse a ajuda de Santa Inês para resolver a questão. Os olhos começavam a pesar e, lentamente, Murie por fim adormeceu. — Onde está o desgraçado? — Osgoode cochichou para o primo. Balan deu de ombros. Os dois tinham prestado muita atenção à conversa de Lauda e Murie, durante o jantar e visto que ela fora convencida a realizar a simpatia de Santa Inês. Por isso não tinham perdido Murie de vista nem por um minuto, seguindo atrás dela e de Emilie quando foram para seu quarto. Agora estavam ali no corredor, bem perto dos aposentos de Murie, escondidos atrás de uma cortina, esperando Malculinus aparecer. — Será que vamos ter que esperar até que amanheça? — Duvido — respondeu Balan. — Se ele demorar muito, o efeito da droga que Lauda pôs na carne pode passar. — Ah, é verdade. Por falar nisso, depois que impedirmos Malculinus de entrar no quarto não seria melhor ir dar uma olhada para ter certeza de que Murie está bem? — Não! — atalhou Balan, irritado. — Já disse que não vou entrar e deixar que ela me veja, não disse? — Pois está perdendo uma boa chance. Isso garantiria seu casamento com ela e a salvação da nossa família. Muitos vão morrer de fome neste inverno se não arrumarmos dinheiro para a fazenda. Além do mais, se Murie o conhecesse, duvido que não o
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escolheria como marido. E isso só não acontece por causa dessa sua timidez. — Tímido, eu? Ora, que bobagem. — Escute, Balan, eu o conheço desde a infância e sei que é tão acanhado que mal fala com mulheres. — Não falo porque não tenho nada a dizer a elas. — Essa é a desculpa esfarrapada que já ouvi. Não fala porque fica acanhado, mas não se preocupe que vou ajudá-lo. Tenho bastante sucesso com as damas e vou ensinar-lhe a cortejá-las como se deve. — Osgoode, não acho que as táticas que você usa com as vadias das tavernas possam funcionar com lady Murie. — Mulheres são mulheres, seja na taverna ou na corte. Todas gostam de ser elogiadas, mimadas e de ouvir que são especiais. Basta você entrar no quarto e dizer a Murie que... — Não! — Por favor, Balan me escute. — De forma alguma! Você não vai me convencer a usar os truques baixos de Malculinus para conquistar Murie. E agora trate de ficar quieto. — Está bem, se é isso que quer — respondeu Osgoode desanimado. — Mas olhe só, não é ele que está vindo ali? — disse, apontando por trás da cortina para o fim do corredor. Balan fixou a vista no lugar que o primo indicava. Malculinus estava ali, algumas portas adiante do quarto de Murie. Saia do outro aposento com os cabelos em desalinho, a roupa amassada e agarrado a uma mulher a quem beijava ardorosamente. — Veja, não é lady Jane? — continuou Osgoode. — Então o boato é verdadeiro e ela tem mesmo um amante secreto... Vai ver Malculinus desistiu até de abordar Murie. Afinal lady Jane é tão rica quanto ela. — Dinheiro não é o que interessa a Malculinus — Balan lembrou ao primo. — É verdade, mas lady Jane também tem uma posição social de destaque... apesar do amante secreto... — respondeu Osgoode. — Será que Malculinus é desprezível a ponto de abordar Murie assim, acabando de sair dos braços da amante? Não pode ser... Balan não respondeu. Malculinus empurrava lady Jane de volta para dentro do quarto. Depois de dar-lhe um tapinha brincalhão no traseiro, fechou a porta e segurou o trinco, assegurando-se de que ela não sairia mais do aposento. Então, tratou de arrumar
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melhor a roupa, passou a mão pelos cabelos em desalinho e seguiu pelo corredor. Por um momento os primos acharam que ele ia passar reto pelo quarto de Murie. Mas, ao contrário do que esperavam, ele parou ali, olhou de um lado a outro para ter certeza de que ninguém estava por perto, abriu a porta e entrou. — Faça alguma coisa! — sussurrou Osgoode. Sem dizer nada, Balan saiu decidido de trás da cortina para tomar providências.
Capítulo III De leve conseguiu abrir uma fresta da porta e esgueirar-se silenciosamente para dentro do aposento sem que Malculinus o notasse. Demorou alguns segundos para os olhos de Balan se acostumarem à penumbra do quarto. As poucas brasas que ainda ardiam na lareira davam uma leve luminosidade ao ambiente, o suficiente para que visse Malculinus ao lado do leito de Murie, sacudindo o ombro dela para que acordasse. — Murie — chamava, diante do corpo que continuava imóvel. — Hum... acho que Lauda exagerou na dose de ervas. Quem sabe um beijo poderá acordá-la — murmurou Malculinus. Indignado com a idéia de que aquele homem sem caráter tocasse seus lábios nos de Murie, Balan agarrou uma estatueta sobre a mesa e pulou na direção de Malculinus. Este não teve tempo de reagir porque, assim que se virou, Balan desferiu um golpe forte e certeiro na sua cabeça. O homem soltou um gemido e despencou inconsciente ao chão. Mas nem esse barulho todo conseguiu despertar Murie. Quando Balan se abaixou disposto a pegar o corpo largado de Malculinus e arrastá-la para fora do quarto, parou por um instante para ver se ela estava bem. Fitou-a longamente. Tinha achado a moça bonita, quando a vira da primeira vez, mas agora, com seu rosto iluminado levemente pelas chamas, ela estava deslumbrante. Era uma mulher de beleza única. Suas feições eram serenas e os cabelos fartos, espalhados sobre o travesseiro, conferiam-lhe um ar angelical. Apesar disso, seu sono não estava tranqüilo porque as cobertas estavam jogadas de lado e a longa camisola se enrolara em torno das pernas bem torneadas, mostrando que tinha se mexido muito na cama. Balan ficou a observar as curvas perfeitas dos quadris, pelo arredondado do ventre e o colo até a linha do pescoço. O laço que prendia a gola tinha se soltado, deixando o decote
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aberto e um dos mamilos rosados à mostra. Ele admirou extasiado a pele clara em contraste com a auréola um pouco mais escura. Foi preciso esforçar-se ao máximo para conter a vontade de tocá-lo. De repente, Malculinus se mexeu, irritando Balan por ter seu devaneio interrompido. Então, para aquietá-lo novamente, ajoelhou-se e deu-lhe um soco bem dado na testa para ter certeza de que não recuperaria a consciência tão cedo. Mas não foi o suficiente. Malculinus começou a gritar alto parecendo um porco indo para o abate. Balan não hesitou. Com um palavrão fechou os punhos e socou Malculinus, desta vez com tanta força que o apagou de vez. Em seguida, olhou novamente para Murie certo de que o grito a tinha acordado. Foi então que a viu sentada na cama, piscando sonolenta. — Quem é você? — perguntou, confusa e meio dormindo. — É o meu marido? Ainda ajoelhado no chão, Balan hesitou, tentado a responder que sim e levar vantagem na situação. Mas definitivamente não agiria da mesma forma inescrupulosa de Malculinus. — Não, não sou. — Então quem é você? Murie estava zonza, sem saber direito o que se passava. A vista anuviada mal distinguia o que estava à sua frente, tampouco conseguiu concatenar as idéias ou compreender o que via. — Ninguém, na verdade nem sequer estou aqui. — Como... como não? — Não sou ninguém. Você está sonhando. Agora deite outra vez. — Ah... já entendi... é o homem com quem vou casar. — ela concluiu com a voz embargada e os olhos semi-fechados. Balan engoliu em seco, sem saber como consertar o engano, mas consciente de que era preciso fazer algo. Devagar aproximou-se da cama. Murie havia acatado seu pedido e deitara de novo. Com o movimento, a camisola ficou ainda mais aberta, agora expondo o seio completo. Balan respirava fundo, fazendo um incrível esforço para não se render ao impulso de acariciá-los. Oh, Deus, o que teria feito de tão ruim para merecer tantas torturas seguidas?
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Primeiro viera a peste, matando a maior parte dos empregados. Depois a falência do legado, que até então não conseguira se recuperar. Mais tarde a morte de seu pai, deixando-lhe todas as dívidas e os problemas para resolver. E agora mais essa. Essa incontrolável tentação para torturá-lo ainda mais. — Maldição! — disse baixinho. Não sabia o que fazer. Era impossível resolver qualquer coisa com aquele seio desnudo, provocando-o. Foi então que atreveu-se a cobri-los novamente. Murie parecia estar dormindo outra vez. Então, com muito cuidado, ele tentou arrumar a camisola. Para sua surpresa, porém, naquele instante Murie sorriu, arqueando o corpo em sua direção. Diante do imprevisto, Balan fez a única coisa possível naquele instante: beijou-a. Concluiu que esta seria a única maneira de evitar que ela gritasse ao deparar-se com um estranho apalpando-a tão intimamente. Dessa forma, teria tempo para achar alguma explicação convincente ou inventar uma desculpa para consertar a situação. Mas não foi o que aconteceu. Se a visão daquele seio já o deixara perturbado, beijá-la foi algo ainda mais devastador. Murie não reagiu, ao contrário, surpreendeu-o, correspondendo ao carinho com avidez. E o que era para ser apenas um toque de lábios, transformou-se em um beijo ardente. De repente, Balan sentiu-se envolvido por um misto de atração e paixão, ao sabor de lábios suaves e quentes. Com um longo suspiro, ela insinuou-se em movimentos languidos como se pedisse por mais. Ainda surpreso, Balan deixou-se embriagar pela seiva de sabores misturados, de línguas enroscadas, entrando em sintonia com uma melodia de notas sussurrantes. Ela levantou um pouco o corpo, agarrando-se às costas largas. As mãos pequenas apertaram-no contra si, fazendo-o sentir-lhe os mamilos enrijecidos. O desejo tomou conta e Balan não conseguiu mais resistir. Já não sabia nem onde estava nem porque chegara até ali. Sem pensar em mais nada, entregou-se aos impulsos primitivos, acariciando e beijando enlouquecidamente aqueles seios. Murie mesmo quase inconsciente, gemia, entregando-se aos afagos, até que por fim deixou-se cair num sono profundo. Balan fechou os olhos e ficou em silêncio, como se tivesse desmaiado. Depois acomodou-a novamente sobre o colchão.
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E ficou ali embevecido, desejando continuar ao seu lado para sempre. Havia perdido a noção do tempo e mal conseguia raciocinar. Foi então que um som estranho o trouxe de volta à realidade. Balan demorou ainda alguns instantes até lembrar do homem que havia dominado. Levantou-se e irritado ergueu Malculinus, jogando-o sobre o ombro para tirá-lo dali. Mas antes de sair, deu uma última olhada na direção de Murie. O cabelo revolto, emoldurando o rosto delicado, a camisola em desalinho mal escondendo o corpo perfeito completavam o quadro que guardaria para sempre na memória. Como era linda! Saiu por fim do quarto, carregando Malculinus, e fechou a porta. — Que foi que aconteceu? — ansioso Osgoode quis saber. — Quem ela viu? Malculinus ou você? — Fique quieto, primo. Ajude-me a levar este peso morto até o quarto dele. Depois vamos tratar de ir logo para nossos aposentos. Osgoode resolveu obedecer e em silêncio ajudou sem reclamar. Àquela hora o valete de Malculinus felizmente já tinha sido dispensado de suas tarefas e o quarto estava vazio. Então, sem maiores problemas, entraram e colocaram-no sobre a cama, esperando que, no dia seguinte, ele não lembrasse de nada do ocorrido. E claro que acordaria com uma forte dor de cabeça, mas Balan não estava nem um pouco preocupado com isso. Afinal, Malculinus fizera por merecer a pancada.
Murie acordou sorridente, espreguiçando-se demoradamente. Estava bem e feliz, ainda sob os efeitos do sonho maravilhoso que tivera. Sentou-se de repente, olhando em volta na esperança de encontrá-lo ainda por perto. Mas, evidentemente não havia mais ninguém no quarto. Ela constatou, então, que havia sonhado, apesar de tudo ter parecido tão real e verdadeiro. O perfume másculo ainda pairava no ar, o gosto dos lábios ávidos permaneciam nos seus e o toque daquelas mãos quentes pareciam tatuadas em seu corpo. Como seria bom se futuro marido de fato correspondesse ao homem com quem tinha sonhado... — Oh... — murmurou, afastando as cobertas. Lembrou-se de que havia comido a carne estragada, segundo a superstição de Santa Inês e sonhado com um homem de longos cabelos escuros, olhos de um bravo e corpo
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musculoso de um guerreiro. Se seu futuro marido fosse parecido àquele homem, mal podia esperar para encontrá-lo e se casar logo. Não conseguia esquecer aquelas carícias e o gosto selvagem do seu beijo. Levantou-se bem disposta, ansiosa para começar o dia. Estava morrendo de fome e quem sabe, quando descesse para o café da manhã, encontraria no salão justamente o pretendente com o qual sonhara. Era o que esperava, acreditando que a simpatia pudesse de fato ter funcionado. Quando colocou o pé no chão, sentiu que pisava em algo duro. Surpresa, agachou-se para pegar o objeto no chão. Era uma corrente de ouro da qual pendia uma cruz. Examinou-a detidamente. Aquilo não lhe pertencia e nunca vira Cecily usar algo parecido. Como teria vindo parar ali? A porta se abriu de leve e Cecily entrou trazendo uma bacia de água limpa. — Dormiu bem, milady? — Sim. Muito bem — respondeu, aproximando-se da estante perto da janela. — E então, sonhou com alguém? Murie não respondeu. Lembrava de ter conversado com Cecily sobre a superstição de Santa Inês. Mas não lembrava se havia contado o fato de haver comido a carne. — Sonhou sim, não foi, milady? — Sonhei — confirmou Murie, percebendo que àquela altura a corte inteira já deveria saber o que Lauda tinha feito na noite anterior. Já podia prever que os comentarios estariam correndo soltos, do cozinheiro aos comensais que presenciaram a conversa. — Ai que bom! Conte-me tudo. Como é ele? É bonito? Alguém que milady já conhece? — Era um homem muito atraente. A imagem dele não lhe saía da cabeça. Seu rosto era forte e belo, de olhos marrons e intensos. O nariz afilado formava perfeita simetria com a boca tentadora que beijava com delicioso ardor. Murie nunca tinha sido beijada antes e só agora percebia o quanto havia perdido. Apesar de ter sido um sonho, foi a experiência mais extasiante que tivera em toda a sua vida. Empertigando-se, procurou disfarçar o que estava sentindo e tratou de mudar de assunto.
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— Encontrei uma corrente com uma cruz no chão. Está em cima da mesa. Veja se é sua, Cecily. A moça obedeceu, examinando a peça. — Não, milady, não é minha. — Foi o que pensei. Por um instante Murie imaginou que aquilo pudesse pertencer ao homem com quem tinha sonhado. E se em vez de sonho, não fora um homem de carne e osso que a beijara? Não, impossível... Sabia que uma presença tão arrebatadora quanto aquela só existiria em sonho mesmo, porém não se recordava de nenhuma jóia como aquela. — Talvez alguma criada tenha deixado cair durante a arrumação do quarto. Ou então, estava entre a pilha de roupa de cama limpa e caiu sem que ninguém percebesse, milady. — Deve ser isso. Deixe aí que vou pedir a Becker para verificar com os criados se alguém perdeu uma cruz. Cecily recolocou a corrente no lugar, virando-se para comentar: — O homem do seu sonho fez ou disse alguma coisa? Por sorte, Murie estava com as mãos cobertas pela toalhinha umedecida, assim a criada não notou o súbito tremor. Não pretendia responder à pergunta, aliás, arrependera-se inclusive de ter contado. Queria guardar aquela maravilhosa lembrança para si e não com mais ninguém. — Não, Cecily. Não fez nem disse nada. — mentiu. — E agora, vamos mudar de assunto. Por favor, venha me ajudar a vestir a roupa. Quero descer logo, estou faminta. Um pouco desapontada, Cecily auxiliou Murie a se preparar e depois acompanhou-a até a porta. Emilie e o marido, lorde Reginald Reynard passavam pelo corredor no momento em que Murie saiu de seus aposentos. — Bom dia, Murie! Está melhor? — perguntou Emlie. — Estou sim, obrigada. — ela sorriu para ambos. Lorde Reynard era um homem alto, forte e bonito. Ele e a esposa formavam um casal invejável, pois o amor que sentiam um pelo outro ficava evidente pela maneira como se olhavam ou desfilavam de mãos dadas. Era com um homem assim que Murie gostaria de se casar, almejava ter a mesma sorte e felicidade da amiga.
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Os três desceram, conversando animadamente pelas escadarias, até chegarem ao salão onde a primeira refeição do dia começava a ser servida. Reynard as acompanhou até seus lugares e, beijando a esposa na face, pediu licença para ir falar com um dos outros cavaleiros. Emlie sorriu vendo-o se afastar. — Já sei, ele vai começar a discutir política e já estaremos terminando a refeição quando ele voltar. — Você não se importa com isso? — Nem um pouco. — Emilie respondeu, alegre. — É tão raro virmos à corte que acho muito bom ele se divertir quando está aqui. O coitado tem trabalhado tanto desde que a peste negra passou por nós. Compreensiva, Murie concordou com um gesto de cabeça. A propriedade rural de Reynard, onde ficava seu castelo, até que tinha se saído melhor do que outras propriedades, pois não tinham perdido muita gente com a doença. Mesmo assim, a praga fora assustadora e Murie se preocupara muito com a amiga durante aquele terrível período. Reginald também temera pela esposa, principalmente depois de saber que ela estava grávida. Se a doença levasse sua mulher e o filho, jamais conseguiria se recuperar. — Além do mais — continuou Emilie — acho que ele se afasta para me dar a chance de conversar a sós com você. Ele sabe o quanto prezo nossa amizade e como fico ansiosa para encontrá-la. Murie sorriu e abraçou a amiga. — Eu também, Emilie. Não vejo a hora de ficarmos um pouco juntas. Você é a única pessoa a quem considero minha família. — Fale baixo... Se o rei ouvi-la dizer uma coisa dessas vai ficar muito magoado. — É verdade. Murie olhou à volta para ter certeza de que ninguém a escutara. A última coisa que queria no mundo era ofender ou magoar o rei. A sua maneira, ele tinha sido bom para ela e sentia-se grata por tudo que recebera. Mas o rei raramente estava por perto, deixando-a sem muita assistência. Via-o mais como um tio distante enquanto Emilie era para ela como uma verdadeira irmã. — E então, conseguiu dormir? Sonhou afinal com o fantástico cavalheiro com quem vai casar? — Emilie brincou. Antes que Murie conseguisse responder, Cecily interrompeu:
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— Ah, ela sonhou sim! E era um homem muito bonito! Incrédula, Emily arregalou os olhos com espanto. — É mesmo?! — Bobagem... foi só um sonho — disse Murie, vermelha de vergonha, tratando logo de mudar de assunto. — Será que Reginald não se importa por ficarmos tanto tempo assim, conversando? — Não, não, não. Nada de disfarçar. Conte-me direitinho como foi esse sonho. Como ele era? Era alguém conhecido? — insistiu Emilie. Murie respirou fundo. — Não, ninguém que eu conheça... — Mas então era bonito, bem apessoado? — Sim. Muito atraente. — Vamos, mais detalhes... — perguntaram Cecily e Emilie ao mesmo tempo. — Bem... tinha cabelos muito escuros... acho que pretos e se parecia com... com aquele rapaz! — concluiu assustada, apontando para o homem que acabara de ver, sentado do outro lado do salão, vestindo uma casaca azul. Murie prendeu a respiração extasiada e ficou a olhar naquele homem. O sonho se passara em seu quarto, mas não havia iluminação alguma, por isso não conseguira definir as linhas do rosto tão bem quanto as via naquele momento. Agora que estava tão próxima tinha certeza de que era a mesma pessoa com quem sonhara. Ele tinha aqueles mesmos cabelos pretos, podia senti-los novamente roçando-lhe a pele delicada. Os ombros musculosos eram os mesmos aos quais havia se agarrado na penumbra. Era ele, sem dúvida. E era um homem magnífico. — Parecia quem? — indagou Emilie. — Aquele ali, vestindo uma casaca azul e colete verde. — ela sussurrou, sem desviar o olhar. — Está vendo aquele rapaz de cabelos pretos, ombros largos e lábios suaves. — Lábios suaves? Como assim? — Bom, pelo menos no sonho os lábios dele eram suaves, quando me beijou. Suaves, mas firmes. Emilie a olhou com espanto por um instante para depois declarar. — É lorde Gaynor — disse baixinho.
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— Gaynor... — Murie repetiu. Era um belo nome, forte e glorioso, como seu dono. — Agora exijo que me conte todos os detalhes — a amiga exigiu. — Quero saber como foi seu sonho, do começo ao fim, por favor. — Ela viu você! — Do que está falando? — Balan perguntou ao primo, que afobado, sentou-se a seu lado na mesa, trazendo a novidade. — De lady Murie. Estava passando quando a ouvi dizer a lady Reynard que você era o homem com quem ela sonhara. Por que não me contou nada? Por que não disse que ela o tinha visto? Constrangido, Balan ajeitou-se na cadeira. — Porque esperava que ela tivesse esquecido de tudo, quando acordasse. A declaração não era de todo mentirosa. Na realidade a parte mais racional e honrada de seu caráter torcia para que de fato Murie tivesse esquecido dos acontecimentos da noite anterior. Assim poderia tentar conquistá-la sem usar nenhum truque desprezível. Mas, por outro lado, ansiava para que Murie se lembrasse de tudo e exigisse casar-se rapidamente. Era o que mais queria para poder tê-la nua e bela em seus braços. — E tem mais — continuou Osgoode. — Percebi que Lauda também ouviu as confidências de Murie a Emily e em seguida saiu correndo para ir falar com o irmão. — É mesmo? — Sim. Olhe, os dois estão conversando logo ali — completou Osgoode, apontando para o outro lado do salão, onde Malculinus Aldous ouvia atentamente o que Lauda lhe dizia. Ela parecia muito contrariada, pois falava e apontava em direção a Balan, que orgulhoso, sorria em resposta. Não que estivesse feliz com o ocorrido. Mas, que ficasse claro que estava ciente dos planos mirabolantes e que faria de tudo para impedir. — Será que vão descobrir o que de fato aconteceu? — Osgoode estava agitado. — É bem provável, ou chegarão bem perto da verdade. Os irmãos Aldous pararam de encará-los e voltaram a cochichar. — Veja, Balan, estão tramando de novo! — Maldição! O que será que estão planejando desta vez? — Já vamos saber — assegurou-lhe Osgoode. — Mandei meu pajem ir lá espioná-los.
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Balan percorreu o salão com a vista e viu o garoto, sentado de pernas cruzadas, brincando com um cão. Ninguém lhe dava atenção ou parecia se dar conta da sua presença ali. — William é um bom garoto. — É sim — concordou Osgoode. — É também muito eficiente nessas questões. Garanto que daqui a pouco virá nos contar palavra por palavra tudo o que ouviu. Balan meneou a cabeça, voltando a atenção para o farto prato de pães e queijos que tinha diante de si. — Mas e então? — continuou Osgoode. — Quer dizer que depois de todas as suas alegações, afirmando que nunca desceria ao mesmo nível de falta de caráter de Malculinus, acabou por deixar que Murie o visse e ainda por cima a beijou. Muito interessante... — Não era o que eu pretendia fazer. — Sei... mas já que estava ali, aproveitou a oportunidade, não foi? — Só fiz isso porque ela acordou quando estava tentando cobri-la melhor com a camisola. — Ahã — murmurou Osgoode com uma expressão de descrédito. — E por que é que a camisola estava fora do lugar? — Ora, porque ela se mexe muito quando dorme! E agora pode me dizer o motivo desse tom irônico? — É impressão sua. Acho divertido vê-lo assim tão sem jeito. — Osgoode respondeu com uma gargalhada. — Mas o que importa é que agora estamos salvos. Pelo jeito você conquistou a moça. Aliás, ela estava bem entusiasmada ao descrever o tal sonho para Emilie. — É mesmo? O que você ouviu? — exclamou Balan alarmado, imaginando se ela se recordara dos detalhes do que havia acontecido. Será que ela se lembrava vagamente de ter sentido arrepios de prazer ao sonhar com mãos fortes acariciando-lhe os seios? — Ouvi detalhes do tipo abraços calorosos, chamas da paixão e beijos ardentes e coisas assim. Balan ficou estarrecido, imaginando se as ervas que Lauda misturara à carne tivesse instigado o desejo ainda reprimido, deixando apenas uma faísca, pronta para ser atiçada, uma vez que as descrições todas remetiam a fogo. — Bem... — disse Emilie. — Parece que essa simpatia afinal...
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— Funcionou sim. — interrompeu Murie. — Deixando essa bobagem de simpatia de lado, o fato é que lorde Gaynor é um cavalheiro de valor, um homem bom. Reginald gosta muito dele e o rei o têm em alta conta. — Que ótimo. Isso é um bom sinal. Confio na opinião de seu marido e, se o rei também gosta dele certamente não se oporá ao nosso casamento. — É verdade. Sei que ele lutou a serviço do rei nas batalhas de Crecy e Calais. Dizem que é um guerreiro muito valente. Murie sorriu satisfeita com a informação. Contar com um homem habilidoso no uso da espada para defender a casa seria muito bom. — Nunca ouvi dizer que ele maltratasse alguém, homem, mulher, criança ou animal — continuou Emilie. — Tudo indica que é uma pessoa justa e honrada em tudo que faz. — Isso é muito importante. — Há rumores de que o castelo dos Gaynor sofreu grandes baixas com a peste negra. Sei que o pai dele estava entre os mortos e deixou para Balan muitos problemas como herança. — Balan? — Sim. É assim que ele se chama. — Ba-lan... — Murie repetiu lentamente. O nome lhe parecia sonoro e agradável. Balan e Murie... os nomes combinavam. — Entendo que ele esteja passando por dificuldades financeiras no momento, mas tenho certeza de que é apenas uma fase temporária — continuou Emilie, mordendo de lado o lábio. — Meus pais me deixaram uma boa fortuna e falta de dinheiro não será um problema — Murie concluiu, afastando de vez a questão. Sua mente fixou-se novamente nos nomes. Lorde Gaynor, Balan Gaynor. Balan e Murie. Lady Gaynor, pensou com um sorriso nos lábios, imaginando como seria o castelo da família. Mas onde ficava o legado dos Gaynor? Esperava que fosse em algum lugar perto da água e não muito longe das planícies, pois adorava água. — Onde fica o castelo? — perguntou. — Ao norte. Acredito que é no litoral, mas não tenho certeza. Só sei que há um rio que passa por perto. — respondeu Emilie. — O mais importante é que fica suficientemente
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longe daqui para que não a forcem a visitar a corte com muita freqüência. — Isso definitivamente me agrada. A vida que levava na corte era de fato odiosa, cheia de maledicências e intrigas. Ela não via a hora de estar longe de tudo isso. — Hum... agora só resta saber se vocês dois de fato combinam. Murie inclinou a cabeça em concordância. Não queria parecer ansiosa com a perspectiva. Olhou novamente para o homem que o destino possivelmente lhe reservara para marido. Balan conversava animado com outro homem sentado a seu lado, que também era bonito, mas sem comparação. O rosto era mais pálido e o corpo não tão musculoso. — Quem é outro cavalheiro? — É Osgoode. São primos e lutaram juntos na França. Foi sorte estarem longe, assim não correram o risco de contrair a peste. Reginald gosta muito dele também. — Que bom. Ele também mora no castelo. Gaynor? — Sim. Osgoode perdeu os pais cedo, por isso foi criado em Gaynor. Ele e Balan são muito próximos, como irmãos. — Ah, e quanto ao resto da família? — A mãe morreu durante o parto da irmã caçula e o pai faleceu recentemente. Hoje ambos são órfãos. — Assim como eu — disse Murie, com o coração apertado pela criança. No entanto, aquela menina teve a sorte de poder contar com um irmão mais velho para protegê-la. Murie, ao contrário, ficou sozinha depois da morte dos pais. É bem verdade que o rei e a rainha acolheram-na como afilhada e por sorte conseguira conquistar o afeto do padrinho. Mas era a atenção da rainha o que realmente almejava. O que mais lhe fazia falta era o carinho e o apoio de mãe, coisas que o dinheiro do rei jamais poderia comprar. Talvez pudesse dar à irmã de Balan aquilo que a ela tanto faltara. — Como ela se chama? — Acho que é Juliana. Mas então, Murie, você está preparada? — Preparada para quê? — Ora, para encontrá-lo. — O quê? Mas agora? Assim, de repente?
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— Quanto antes melhor. — Emilie riu e repetiu pacientemente — Assim você já decide se ele lhe agrada ou não. Se gostar poderá encontrá-lo mais vezes. Caso contrário, não perderá mais tempo e poderá ir procurar outro pretendente. — Mas... mas, veja só como estou — disse Murie, olhando para o vestido simples que usava por baixo de uma sobrecapa branca sem qualquer enfeite. Se soubesse que ia se encontrar justamente naquele dia com o homem do sonho teria caprichado mais na aparência. — Bobagem. Você está muito bem. Agora venha. Balan já esteve em nossa residência. Visitou o castelo Reynard quando voltava da França. Portanto, nada de anormal se eu for até lá cumprimentá-lo. — Oh, está bem... — Murie aceitou. Estava em pânico quando por fim se levantou para seguir Emilie e atravessar o salão.
Capítulo IV
— Olhe, elas estão vindo para cá! — Balan quase engasgou no pedaço de pão que comia quando Osgoode, assustado, o avisou. Tratou de tomar logo um gole de café para conseguir acabar de engolir. Se Emilie não estivesse com o olhar fixo nos seus, Balan poderia ter esperanças de que as duas seguissem para outro lado. Porém, ela estava determinada. — Sente direito — ordenou Osgoode. — E passe a mão pela cabeça para ajeitar esses cabelos. Oh, meu Deus, o que vamos fazer? — Por que me pergunta? Pensei que entre nós dois fosse você o grande conhecedor de mulheres. E agora fique calmo. Se estão vindo para cá é porque querem falar comigo, não com você. — Eu sei. Justamente por isso é que estou nervoso. Você já não fala muito com mulheres... nem com os homens, para ser franco. — Sou introvertido, mas intenso. — Pois é, mas não vai ser mantendo-se calado e intenso que conseguirá uma esposa. Eu lhe imploro, Balan, converse com ela, seja agradável, faça-lhe alguns elogios... — Osgoode se calou ao ver as duas chegando perto e se concentrou no prato de comida,
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fingindo não tê-las notado. Balan não sabia como agir. Será que devia fazer igual ao primo e disfarçar, ou então sorrir e cumprimentá-las? Conhecia e tinha apreço pela esposa de Reginald. Por sorte, era ela que faria as devidas apresentações. De repente, lembrou-se da última vez em que havia visitado o castelo Reynard. Na época, Reginald fora chamado para comparecer à corte e Emilie mostrara-se feliz com a oportunidade de rever a amiga. Ficara surpreso ao saber que as duas eram amigas, sobretudo por conhecer a fama de birrenta que a protegida do rei carregava há tantos anos. Na ocasião Emilie tinha-lhe assegurado que a moça não era nada disso e sugerido que ele só a julgasse depois de conhecê-la. Agora Balan sabia de tudo. De fato Murie era bem diferente do que diziam. Ela só agia de forma inconveniente para se proteger da frieza e crueldade da corte. Era de se surpreender se tivesse conseguido sobreviver tão bem com essa farsa. A amizade de Emilie certamente tinha contribuído, dando-lhe forças para resistir. Balan admirava a generosidade e compreensão da esposa de Reginald. Sentia até uma ponta de inveja da sorte do amigo por ter uma mulher assim. — Bom dia, milorde — disse lady Emilie. Balan olhou para as duas e sabendo que Osgoode continuava fingindo não estar ali, apressou-se em levantar e reverenciá-las. — Murie, quero lhe apresentar Balan, o lorde Gaynor e seu primo Osgoode — continuou Emilie, polidamente. — Cavalheiros, esta é lady Murie Somerdale. Balan tornou a curvar-se, cutucando Osgoode para que ficasse em pé. O primo obedeceu, levantando-se com um movimento brusco. — Senhoras! Que prazer encontrá-las. É sempre uma satisfação revê-la lady Emilie, ainda mais assim, acompanhada por uma beleza em flor como essa. Balan arregalou os olhos, fitando Osgoode. Nunca o tinha visto dizer tamanha asneira, agia como um verdadeiro bufão diante de duas damas. — Bom dia, Osgoode — Emilie saudou-o. — Murie estava ansiosa para dar um passeio pelo jardim e vou acompanhá-la. Infelizmente não consigo encontrar Reginald para que nos acompanhe. — Parece que ele está vindo aí — disse Balan. — Ah, é mesmo... — Emilie respondeu sem maior entusiasmo. — Desculpe, minha querida. — Reginald beijou a face da esposa. — Lorde Abernathy queria falar sobre um assunto importante e acabei perdendo a noção da hora.
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— Não tem importância, meu bem. — Sua esposa estava nos dizendo que pretendia fazer um passeio pelo parque com lady Murie e queria que as acompanhasse. — Balan comentou. — Que pena. Eu vim procurá-la justamente para avisar que Robert acaba de me chamar porque o rei quer me ver agora. Sinto muito. — Está bem, querido — disse Emilie sorridente, sem demonstrar qualquer contrariedade. — Tenho certeza de que lorde Gaynor e Osgoode não se importarão em nos fazer companhia. — Mas é claro que não! — prontificou-se Osgoode de imediato. — Será uma honra acompanhar tão distintas damas. A voz Osgoode estava mais grave do que de costume, exagerando também na cortesia. Balan continuava sem entender porque o primo estava exagerando tanto em rapapés. — Está vendo, Reginald? Os cavalheiros cuidarão de nós. Está tudo bem. — Muito bem — respondeu Reginald, levantando uma das sobrancelhas, suspeitando de algo no ar. Ao perceber a troca de olhares do casal, Balan deu de ombros. Obviamente Emilie estava ajudando a amiga a passar mais tempo com ele, mas tampouco explicaria o fato à Reginald. Se o fizesse teria que entrar em detalhes do ocorrido na noite anterior. — Se é assim, eu já vou. Espero que vocês se divirtam. Reginald curvou-se, beijando a mulher no rosto, aproveitando para cochichar ao seu ouvido algo que a fez franzir a testa. Em seguida, saiu do salão. — Então vamos, cavalheiros? — Emilie sugeriu, adiantando-se para tomar o braço de Osgoode. Murie sorriu acanhada para Balan que acabou oferecendo seu braço. E foi dessa forma que saíram do castelo e se dirigiram ao extenso jardim real que rodeava toda a imponente edificação. Emilie e Osgoode caminhavam um pouco à frente. Por milagre não tropeçaram, pois em vez de olhar por onde caminhavam, concentraram as atenções no casal que vinha logo atrás. Osgoode lançava olhares significativos para o primo, incentivando-o a puxar conversa. Ao mesmo tempo, Emilie fazia gestos incentivadores para Murie, que por sorte não prestava atenção. Muito embora Balan tentasse falar sobre qualquer assunto que fosse, ao olhar para o
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lado sua voz sumia. A única coisa que prendia sua atenção era aquela boca bem desenhada, que na noite anterior tomara em um beijo ardente. Ou seja, Osgoode tinha razão, ele era incapaz de manter uma conversa agradável. A essa altura, Emilie também concluía que se não interviesse, a aproximação dos dois seria um fracasso. Então, parou e soltou o braço de Osgoode, para que o outro casal os alcançasse. Caminhando lado a lado, Osgoode cutucava o primo disfarçadamente, na tentativa de fazê-lo reagir, dizendo alguma coisa. Minutos de silêncio, que mais pareceram durar uma eternidade se passaram antes que Emilie resolvesse quebrar o gelo: — Até que enfim temos um dia ensolarado para variar, não é? — Por sorte não está tão quente — respondeu Osgoode. — Eu gosto do tempo assim. Detesto quando chegam aqueles dias frios de inverno. Balan também não gosta. — Que coincidência, o inverno não é a estação favorita de Murie. — Foi a vez de Emilie falar pela amiga. — Prefere esta época do ano ou então o outono, quando as folhas formam aquele lindo mosaico de cores. E, mais uma vez, o assunto acabou. No entanto, Emilie lembrou-se de um assunto que certamente o faria falar, livrando a todos daquele constrangimento todo. — Balan, a pouco contava a Murie sobre sua irmã Juliana. Ela está com dez anos, não? — Sim. — Espero que ela esteja bem... — Está. — Balan continuava monossilábico. Prevendo que a conversa iria travar novamente, Osgoode apressou-se em responder: — Juliana está bem, apesar de sentir muito a falta do pai, mas Balan faz o possível para compensar a ausência. Balan ficou boquiaberto ao ouvir tamanha mentira. O pai culpara Juliana pela morte da esposa e jamais a perdoou. Não que tenha sido cruel com a filha, mas jamais lhe dera qualquer atenção, deixando-a eternamente a cargo dos criados. Juliana não poderia sentir falta de um pai que mal conhecera. Por isso, Balan não precisava fazer nada para compensar sua ausência. De qualquer forma, a declaração pareceu sensibilizar Murie.
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— É muita bondade sua dar atenção à sua irmã, milorde — disse baixinho. — Tenho certeza de que ela lhe agradece por isso. Eu teria ficado feliz se tivesse um ir mão mais velho para cuidar de mim, quando meus pais morreram. — Talvez não saibam, mas Murie ficou órfã quando tinha apenas dez anos — explicou Emilie. — Foi nessa ocasião que a trouxeram para cá, para morar na corte. Balan meneou a cabeça, sem dizer nada, segurando o braço do primo, antes que ele conseguisse cravar-lhe o cotovelo nas costelas de novo. Osgoode estava cada vez mais nervoso. — Imagino o que deve ter passado, Murie — disse, procurando dar continuidade à conversa. — Imagino que a corte não seja um dos ambientes mais agradáveis. — De fato, não foi fácil. — Emilie respondeu — As outras meninas a invejaram porque o rei se encantou com Murie e foram muito cruéis com ela. — Quando garoto Balan também sofreu por motivo semelhante. Fomos treinar com o lorde Strathcliffe, que simpatizou com Balan e o tratava com deferência. Isso provocou a raiva dos outros rapazes que viviam provocando e procurando briga. Isso sim era verdade, pensou Balan, mas nem valia a pena ser mencionado. Tinha acontecido há tanto tempo e não lhe causara nenhum trauma. Ao contrário, só lhe conferira mais força para o combate e maior habilidade como guerreiro. Mas Murie sorriu impressionada e apertou-lhe o braço de leve. Osgoode sorriu discretamente, feliz em atingir seu objetivo. — Imagino que já saibam que o rei decidiu que já é hora de Murie se casar. Caberá a ela a escolha do marido — Emilie disse, de repente, surpreendendo Murie. Ignorando a reação da amiga, continuou: — É uma decisão muito séria e difícil de ser tomada. — Realmente. — Osgoode respondeu. — Lorde Gaynor também precisa casar e está encontrando dificuldade em decidir-se. Balan quase soltou um grunhido. A conversa estava por demais constrangedora. Se continuasse naquele ritmo, era bem capaz que Emilie e Osgoode tomassem todas as providências para o casamento sem sequer ter a participação dos noivos. Murie também parecia incomodada ao extremo, sem saber para onde olhar. Por sorte ou azar, Malculinus e a irmã Lauda, apareceram caminhando pelo jardim. A julgar pelo ar esbaforido do rapaz e o rosto corado da irmã, Balan podia apostar que eles tinham corrido para alcançá-los, mesmo que fingissem que o encontro era mera coincidência. — Oh, lady Murie e lady Emilie, vocês por aqui? — Lauda as cumprimentou,
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sorridente. — Que grande prazer revê-las. — É verdade — concordou Malculinus, ainda respirando com dificuldade. Esse homem está precisando de um bom condicionamento físico, pensou Balan com desagrado. Alguns exercícios com lança e espada não lhe fariam mal algum e ainda o deixariam em forma. Mas isso nunca iria acontecer. Todos sabiam que o pai de Malculinus há anos pagava propina para que o filho não tivesse que servir o exército. Ainda bem, pensou Balan. Se aquele homem entrasse em alguma batalha com aquela forma física seria o primeiro a ser abatido. Ou então desertaria, antes mesmo de a luta começar. — Estávamos imaginando se sonhou com alguém afinal — ele continuou, encarando Murie com um sorriso irônico. Balan estremeceu. Será que os irmãos iam revelar a todos o que de fato tinha acontecido naquela noite? Talvez não soubessem de metade do ocorrido. Seu alívio foi imediato quando Murie respondeu: — Não, milorde. A simpatia não funcionou. Não sonhei com ninguém. Malculinus e Lauda abriram a boca de espanto. Osgoode também parecia não estar acreditando. Só Emilie mantinha a postura inalterada e dona da situação. — Isso não passa de uma superstição boba — disse. — Mas... eu... — Malculinus tropeçava nas palavras, incrédulo. — Tem certeza de que não sonhou com homem algum? — Lauda perguntou, franzindo a testa. Balan percebeu que se fosse possível, ela teria estrangulado Murie até que surgisse a verdade. — Certeza absoluta. Mas por que pergunta, Lauda? Por acaso você sonhou? Antes de responder, a moça empertigou-se, procurando passar um ar de felicidade. — Sonhei sim. — Não diga! — interveio Emilie. — E quem era ele, Lauda? — Ninguém que eu conheça... era um homem alto, loiro, bonito. Imaginei que você também tivesse sonhado com alguém, Murie. Era evidente que confessando, Lauda imaginou incentivar Murie a fazer o mesmo. No entanto, Murie limitou-se a menear a cabeça. — Sinto muito, mas comigo não aconteceu nada. Talvez não tenha comido carne
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suficiente. — É... Pode ser. — Bem, mas acho melhor continuarmos nosso passeio — disse Emilie alegremente. — O dia está muito agradável. — Boa idéia. Nós acompanharemos vocês. — Lauda falou, forçando um sorriso. Emilie procurou disfarçar seu desagrado. Não havia nada que pudesse fazer para evitar a enfadonha companhia em dose dupla, sem parecer mal-educada. Então, fez o que de melhor lhe ocorreu. Enroscou o braço no de Malculinus e o puxou de lado, deixando Murie e Balan para trás. — Que ótimo! — disse. — Há tempos que queria falar com você. Gostaria de saber como está encarando a situação dos franceses. Vamos? Lauda ficou sem ação. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Osgoode se aproximou e a tomou pelo braço, conduzindo-a pelo passeio. — Serei seu par, lady Lauda. É uma sorte poder passear com três belas mulheres no mesmo dia. Balan mordeu o lábio para não rir diante da atitude ardilosa do primo. Virou-se para Murie e, sorrindo, sugeriu: — Então, vamos? Em silêncio Murie concordou e deixou que Balan lhe tomasse a mão, passando-a pelo braço forte outra vez para continuarem a caminhada. Enquanto isso ia recordando acontecimentos. Depois de ouvir os detalhes, Emilie a aconselhara a manter segredo sobre o assunto. Murie acatou a decisão, lembrando que não contara à criada, Cecily e não estava disposta a cometer o erro. Não havia razão alguma para espalhar assuntos que só competiam a ela mesma, muito menos porque estava ao lado do homem do seu sonho. Foi por essa razão que mentiu com tanta naturalidade para Malculinus e Lauda. Além do mais, manter segredo seria uma boa forma de testar se a simpatia de Santa Inês funcionava mesmo. Como Balan não sabia de nada, se o casamento desse certo era porque o destino assim o quisera. Murie olhou para Balan com o canto dos olhos, desejando que ele quebrasse o silêncio que os envolveu depois que Emilie e Osgoode não estavam por perto para manter a conversa.
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Pensou em puxar um assunto qualquer, mas estava tão acostumada à solidão que tampouco sabia como fazê-lo. Passara os últimos anos evitando a proximidade com outras pessoas, para não ser magoada. Só conversava com Emilie e preferia passar o resto do tempo andando sozinha pelo castelo ou passeando pelo parque real. Por isso tinha tanta dificuldade em se expressar com estranhos, mas, se nenhum deles tomasse alguma atitude, nem Santa Inês poderia ajudá-los. — Emilie disse que você e Reginald são amigos — conseguiu por fim articular a frase. — É verdade. Ela esperou Balan dar continuidade à resposta, mas nada aconteceu. — Faz tempo que se conhecem? — Sim. Murie franziu a testa. Balan não estava cooperando em nada. — Emilie também disse que você lutou no exército do rei. — É verdade. — Na França? — Sim. — Nas batalhas de Crecy e Calais? — Isso. Murie já estava bastante irritada e não se conteve. — Escute, milorde, tem certeza de que sabe falar? Se souber, poderia ter a gentileza de me ajudar a manter uma conversa agradável, em vez de deixar-me falando sozinha. Balan manteve o silêncio. Ele mal dissera três palavras e Murie já estava indignada. — Eu... sei falar sim. — finalmente respondeu Balan. — Mas me sinto mais à vontade conversando com homens do que com as mulheres. A explicação acalmou Murie um pouco. Era louvável ouvi-lo admitir uma falha, quando tantos homens, inclusive o rei, relutassem a aceitar um defeito. Porém, a alegria não durou muito. — Acho muito complicado conversar com mulheres. Não vale a pena. — Infelizmente Balan completou o raciocínio. — As mulheres são muito passionais e lamentavelmente não contam com a racionalidade que Deus nos deu. É difícil falar com elas sem
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ofendê-las. — O quê?! — Está vendo? Já a ofendi, não foi? — É claro que sim, milorde! Acaba de dizer que as mulheres são tão burras que não merecem um diálogo. — Não foi isso que eu quis dizer. Milady não me entendeu bem. — Deve ser porque me falta o lado racional que Deus deu aos homens, não é? — E virando-se para encará-lo, continuou furiosa: — Fique sabendo que as mulheres são tão racionais quanto os homens... talvez até mais. — Nada disso... é que... — Posso lhe assegurar que sou tão inteligente quanto qualquer homem. — Tenho certeza de que é mesmo... — Está tentando ser condescendente, milorde. Mas vou lhe provar que sou tão inteligente quanto qualquer homem. Podemos até fazer um duelo de inteligência, se quiser. — Duelo? O que vem a ser isso, exatamente? Murie mordeu o lábio de leve, sem saber ao certo o que responder, mas concluiu: — Ainda não tenho certeza, mas vou usar a minha criatividade para pensar em algo. Assim que resolver, mando lhe avisar. Sem ter mais o que dizer àquele homem, Murie virou as costas e foi ao encontro de Emilie. — Estou um pouco cansada. Acho que vou voltar lá para dentro. — Está bem, vou com você. — E nós também — interrompeu Lauda, soltando-se do braço de Osgoode e acenando para o irmão se aproximar. O grupo foi então caminhando na direção do castelo. — Lorde Gaynor não vem conosco? — Malculinus perguntou a Murie. — Não faço a menor idéia. — Mas então Murie, tem certeza de que não sonhou? — Lauda repetiu a pergunta de antes. — Olhe, Lauda, eu já respondi, mas vou repetir: Tenho certeza absoluta, entendeu?
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— Desculpe se insisto, mas é que estou me sentindo culpada. Forcei você a comer aquela carne comigo, mas só eu acabei sonhando com meu pretendente. Estou sem graça ainda mais depois da dúvida que surgiu sobre essa simpatia. — Duvida? Que dúvida? — É que uma das moças que estava no jantar viu o que fazíamos e veio comentar que a simpatia só funciona se for feita em jejum. Do jeito que fizemos, corremos o risco de sonhar com quem não se deve casar em hipótese alguma. — Como? — Murie exclamou, olhando horrorizada para Lauda. — É isso mesmo. Mas de qualquer forma, acho que não tem nenhuma importância já que você não sonhou com ninguém, não é? Só lamento que tenha comido aquela carne horrível. — Interessante... — interrompeu Emilie. — Nunca ouvi dizer que houvesse uma restrição desse tipo. Ao que me consta nenhuma simpatia, nem a de Santa Inês nem qualquer outra, indica com quem não se deve casar. — Eu também jamais soube disso — retrucou Lauda. — Porém, a moça que me contou conhece muito bem o assunto e foi firme no que disse. Mas não vamos nos preocupar mais com isso. Afinal, por sorte Murie não ficou doente com a carne e nem sonhou com alguém, não é? — É verdade. — Emilie respondeu com um sorriso quando já subiam os degraus da entrada do castelo. — Murie, vamos até o meu quarto, gostaria de lhe dar um presente. — Que notícia boa. Na verdade, o presente já havia sido entregue, mas Murie percebeu que a intenção da amiga era ficar a sós para conversar e assim dispensar a companhia de Lauda e Malculinus Aldous. Ela queria pôr os pensamentos em ordem. Sonhara com Balan, mas, depois daquele diálogo no parque, tinha sérias dúvidas de que ele fosse o pretendente que procurava. Subiram em silêncio para o andar superior, mas vez por outra, Emilie fitava Murie com curiosidade. — Presumo que o passeio não deu muito certo, não é? Como foi a conversa com ele? — Nem queira saber. No começo lorde Gaynor não disse uma só palavra. Não, minto, só respondia com uma palavra. Quando perguntei se ele não me ajudaria na conversa, ouvi um disparate. — Murie fez uma pausa para respirar fundo, só em lembrar, sentiu o rosto corar de raiva.
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— O que foi que ele disse? — Emilie perguntou ansiosa. — Ele simplesmente explicou que não se incomoda em conversar com mulheres, acha perda de tempo. Segundo ele, as mulheres são só emoção, desprovidas da força e inteligência dos homens. — O quê? Mas conversamos bastante quando ele esteve em casa visitando Reginald. — Então você deve ser uma exceção à regra, Emilie. As duas ficaram em silêncio por alguns minutos até que Emilie retomou a palavra. — Não posso acreditar que ele tenha dito uma coisa dessas... Será que você não entendeu mal, Murie. — Nada disso. Compreendi perfeitamente. — Isso só pode ser brincadeira. Murie respondeu que não com um sinal de cabeça. — Acho melhor esquecer essa história de simpatia. Ainda mais agora que Lauda colocou mais lenha na fogueira, dizendo sobre o homem certo e o errado. Tudo não passa de uma grande bobagem. — Se é assim, por que fez questão de me apresentar a Balan quando contei sobre meu sonho? — Porque eu o conheço e acho que ele é um bom marido. É homem honrado e educado, além de também estar na idade de se casar. Gaynor precisa de uma esposa que tenha uma boa situação financeira para ajudá-lo a reconstruir seu castelo e restaurar a propriedade. E isso não tem nada a ver com simpatias e superstições, entendeu? Murie respirou fundo, analisando o que acabara de ouvir. — Casar é uma decisão muito séria. Não se pode dar um passo desses baseando-se em superstições — continuou Emilie. — Quando me disse que não conhecia nenhum dos solteiros da corte, logo pensei em Balan. É um dos melhores candidatos, se não o melhor de todos. Acho que vocês dois combinam muito. Gosto de você como se fosse minha irmã e quero o melhor para o seu futuro, Murie. — Eu o desafiei a um duelo — balbuciou Murie baixinho. — O quê?! Não acredito! — Mas não a um duelo de armas. Um duelo de inteligência. — Ah, e o que é isso? — Ainda não sei. Vou ter que inventar qualquer coisa.
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— Seja o que for, de qualquer maneira será útil. — Emilie riu. — Ao menos vocês se encontrarão de novo. Vou ajudá-la a arquitetar esse duelo, Murie, mas insisto que Balan devia estar brincando com você. Ele sempre me tratou com muito respeito e nunca deu o menor sinal de pensar que as mulheres sejam inferiores. — Vou me lembrar disso, esteja certa, Emilie. No fundo Murie continuava abalada com o que Lauda dissera. Será que haviam errado na simpatia e que depois de sonhar com Balan não devia casar-se com ele? O assunto a perturbava tanto que achou por bem consultar a pessoa mais experiente que conhecia, ou seja, Becker, o assistente do rei. Contudo, dirigir-se primeiro a um subalterno poderia ofender ao rei. Bem, então que consultasse o rei Eduardo quando seu assistente estivesse por perto. Assim saberia a opinião de ambos a esse respeito. — E então, vem comigo? — perguntou Emilie, preparando-se para sair do aposento. Piscando, Murie lembrou-se do quanto a amiga já a repreendera por acreditar em superstições. Por isso iria procurar Becker e o rei mais tarde, pois não queria que Emilie soubesse que havia levado a sério a dúvida de Lauda. Contudo, mesmo com pouca experiência de vida, ela sabia que o destino podia ser cruel. Por que não contar com alguma crença que tornasse as coisas mais fáceis? Existem dilemas tão difíceis de se resolver que se disserem que o futuro pode ser melhor para aqueles que vêem um casal de pássaros pretos no jardim, ou uma borboleta branca pousando em uma flor, por que não acreditar? — Vou sim — respondeu, segurando as saias para seguir apressada atrás de Emilie.
— Que foi que você fez? — vociferou Osgoode para o primo. — Eu? Balan ainda se questionara por que Murie havia ficado tão furiosa com o que dissera. O que queria dizer era que não sabia como agir diante das mulheres por elas serem mais emocionais e menos objetiva do que os homens que conhecia. Mas pelo visto havia se expressado mal e ela tomara suas palavras como ofensa. Murie entendera que ele havia insinuado que as mulheres não são inteligentes. Mas, tampouco iria perder tempo tentando fazer Osgoode entendê-lo. — Seu palerma! Você deve ter dito algum absurdo para que ela fugisse de nós daquela forma. — Talvez estivesse só um pouco cansada, como nos disse.
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Quem sabe quando Murie se acalmasse um pouco, ele teria chances de se explicar melhor. Era só uma questão de tempo. Afinal, jamais insultaria uma dama... ainda mais Murie, para quem tinha planos bem mais provocantes do que discutir sobre as diferenças entre homens e mulheres. — Eu deveria ter previsto que não iria dar certo deixá-lo a sós com ela — Osgoode continuou resmungando. — Só espero que o fato de ela ter sonhado com você, ajude a melhorar um pouco as coisas. Balan também desejava muito isso, mas diante da irritação do primo, achou melhor não contra argumentar. — Esta noite haverá um baile, depois da ceia. Veja se aproveita a oportunidade e trata de desfazer o mal entendido. Depois de tudo o que já tinha acontecido em tão pouco tempo, Balan até esquecera que era o dia da festa de Santa Inês. A celebração seria dali a algumas horas e certamente Murie iria comparecer. — Você ainda sabe dançar? — Osgoode perguntou. — Acho melhor praticarmos um pouco essa tarde. — Dançar?! — Balan repetiu alarmado. — Apesar dos esforços de lady Straclife para lhe ensinar os passos básicos, lembro que você nunca conseguiu concatenar os pés. Desde então acho que nunca mais o vi dançar. Era verdade. Balan nunca mais havia dançado com ninguém, desde aquela época. O divertimento não o atraía, além da sua total falta de habilidade para a dança. — Acho melhor treinar um pouco. Venha, Balan, vou lhe mostrar como se faz. — De jeito nenhum! Tenho coisas mais importantes para fazer. — Nada é mais importante do que conquistar lady Murie — Osgoode insistiu. — A não ser que prefira casar com lady Brigida. Será que de repente está sentindo uma quedinha por ela? Balan bufou, contrariado. — Ah... está bem. Eu vou.
Capítulo V P ROJETO R EVISORAS
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— Balan, pelo amor de Deus, pare de pisar no meu pé! — disse Osgoode, fechando a cara. — A idéia desse treino ridículo foi sua — Balan retrucou, soltando a mão do outro. Sempre achara que dançar era perda de tempo. Tentar entender porque as mulheres gostavam tanto daquela tolice, era pedir demais para paciência de qualquer um. Se não fosse por causa delas, com certeza os homens nunca se submeteriam àqueles passos complicados, enquanto há tantas outras coisas interessantes para se pensar. Aliás, era por se distrair com outros assuntos que ele acaba pisando no pé de Osgoode. — Se quiser impressionar esta noite, precisa dar um jeito de dançar sem esmagar-lhe os pés da moça. É preciso que lhe cause uma boa impressão depois de tê-la magoado durante o passeio, não acha? Balan já estava farto de tanta reclamação. Mesmo porque já tinha decidido que desfaria o mal entendido na primeira oportunidade. Admitia, todavia, que o mal-estar criado o havia perturbado durante a tarde toda. Se fosse certo que seria capaz de conversar sem magoá-la, não estaria se submetendo ao ridículo daquela aula de dança. Por sorte, o pajem de Osgoode os interrompeu trazendo a notícia que ouvira de Lauda e o irmão discutindo. Os dois estavam muito aborrecidos por saber que em vez de Malculinus, Murie dissera ter sonhado com Balan. Lauda ficou indignada com o irmão quando ele confessou que não se lembrava direito do que tinha acontecido depois que entrou no quarto de Murie. Pior ainda, admitiu que nem sabia como voltara para seu próprio quarto. Só soube dizer que acordou no dia seguinte com muita dor de cabeça e três galos na testa. Não demorou muito para Lauda entender tudo. Pouco a pouco foi unindo os fatos e chegou à conclusão de que Balan tinha tirado vantagem do plano, agredido Malculinus e propositadamente se deixado ver por Murie. Bem, claro que os irmãos partiriam para o contra-ataque com outra armadilha qualquer para fazer Murie escolher Malculinus no lugar de Balan. Por essa razão Osgoode pediu ao pajem para continuar espionando cuidadosamente os dois. Sem pestanejar, o garoto obedeceu e, no instante seguinte, saiu determinado para cumprir sua missão. — Vamos! Agora um passo para a direita — Osgoode insistiu, reiniciando o ensaio. Balan respirou fundo, resignado tomou posição e fez um aceno para que o músico que tocava o alaúde recomeçasse a música.
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— Que tal um teste de conhecimentos gerais? — sugeriu Emilie. Murie parou de andar de um lado a outro do aposento e fitou a amiga. — Que tipo de conhecimento? — História, por exemplo. — Nunca fui boa em guardar nomes e datas. — Sei... mas então para que tipo de coisa você tem mais habilidade, Murie? — Deixe ver... jogo xadrez bastante muito bem. — Xadrez? É o desafio perfeito! Sei que Balan costumava jogar com Reginald. — Então será isso — respondeu Murie, aliviada por ter achado uma solução para o problema no qual estivera pensando por mais de uma hora. Xadrez seria um bom desafio. Se bem que havia tempos que não jogava com o rei como de costume, mas ainda sabia algumas estratégias infalíveis para vencer o jogo. — Vamos procurar Balan e contar o que acabamos de decidir — Emilie disse com entusiasmo. — Quem sabe vocês podem até começar a partida agora. Murie concordou, embora estivesse um tanto insegura. — Espero não ter perdido a prática. Já faz algum tempo que não jogo. O rei parou de jogar comigo porque não se conforma em perder sempre — ela concluiu com um sorriso maroto. — Que nada, Murie. Garanto que está em plena forma. Sem demora, as duas saíram à procura do oponente pelos corredores e no salão principal. Infelizmente não encontraram nem Balan nem o primo. Mas Emilie reconheceu o pajem de Osgoode, sentado brincando no chão perto de Malculinus e Lauda, que conversavam sem parar. Estavam sentados nas poltronas diante da lareira e tão absortos na conversa que nem pareciam notar o garoto ali próximo. Tentando não ser vista pelos irmãos, Emilie esperou que o pajem levantasse os olhos e da porta fez um sinal para que ele viesse a seu encontro. Ao saber que Balan e Osgoode estavam se preparando para a festa da noite em seus aposentos, as duas seguiram para localizá-los. Atravessaram os salões e os extensos corredores do castelo indagando-se que tipos de preparativos os primos podiam estar fazendo para a festa. — É aqui — disse Emilie, parando em frente de uma porta. Ela e Murie trocaram um olhar de espanto ao perceber o som do alaúde vindo de
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dentro do quarto. Bateram mas ninguém veio abrir. Depois de alguns minutos bateram de novo. Nada. — Talvez não consigam ouvir a batida por causa da música — reclamou Murie. — Não seria melhor voltarmos mais tarde? Murie não tinha pressa alguma para iniciar o desafio, pois ainda não vencera a insegurança. Não queria correr o risco de perder e passar vergonha depois de ter dito com tanta firmeza que era tão inteligente quanto qualquer homem. — Não, é melhor acabar logo com isso. — Mas como se eles não abrem? Além do mais... Emilie girou o trinco e abriu uma fresta da porta, o suficiente para verem o alaúde sendo tocado por um menino. No meio da sala, surpreenderam-se com o espetáculo: Osgoode dançando com Balan. Bem, dizer que estavam dançando seria um exagero. Na verdade, Osgoode até que se saía bem, mas Balan tropeçava nos pés, desajeitado. — Agora você acertou meu dedão! — Osgoode esbravejou quando o primo deu um passo em falso. — Vê se acerta o ritmo! Com muito cuidado Emilie tornou a fechar silenciosamente a porta e depois segurou no braço de Murie, dobrando-se para conter o riso. As duas saíram correndo e rindo baixinho. — Ai, meu Deus! — disse Murie, quando por fim parou de rir. — Que será que eles estavam querendo fazer? — Acho que Osgoode estava ensinando Balan a dançar para impressionar você no baile desta noite. — Baile? Ah, eu tinha até esquecido. Geralmente Murie evitava participar das festas e bailes que havia na corte, a não ser quando Emilie estava presente. Na maioria das vezes não era recriminada pela ausência, mas desta vez seria diferente. O rei havia declarado que ela deveria se casar e o local mais apropriado para a escolha eram justamente os bailes. — Já resolveu que roupa vai usar? — Murie balançou a cabeça em negativa. — Então, vamos decidir isso. Já que os rapazes estão ocupados, a partida de xadrez pode ficar para mais tarde. Vamos. Eu a ajudo a escolher o traje.
— Não estou entendendo. — Emilie passou os olhos pelo salão. — Toda a corte já sabe que você precisa casar e onde estão os homens disponíveis?
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— Devem estar escondidos, com medo de que eu olhe para algum deles. Ninguém quer casar com uma birrenta. — Oh, não é nada disso — afirmou a amiga com calma, mas aflita. E a preocupação se justificava. Os rumores eram que a fama de Murie afastara muitos bons pretendentes da corte. Enquanto algumas damas se divertiam com o fato, outras culpavam Murie por também não lhes restar escolhas. Lorde Malculinus Aldous era um dos poucos que não havia sumido. Mas este só tinha olhos para Murie, enquanto ela fugia sempre que possível do assédio com o excesso de sorrisos e mesuras. — Bem, pelo menos parece que Malculinus não tem medo de mim — comentou com um entusiasmo algo forçado. Apesar de irritada com a insistência de Malculinus, havia um ao menos para dançar. Se ele também fugisse seria o máximo da humilhação. — Engraçado, não consigo confiar nesse homem — disse Emilie. — Toda vez que o vejo se aproximar de você, tenho vontade de puxá-la para longe, Murie. Talvez seja implicância minha. Afinal até agora ele se comportou com muita cortesia. Murie não disse nada, mas achou uma grande coincidência as duas partilharem da mesma opinião. Ela tampouco sentia-se à vontade ao lado de Malculinus. — Onde estarão Balan e Osgoode? Se não viessem ao baile, por que estariam ensaiando? — É verdade... — respondeu Murie. Ela já havia passado a vista por todo o salão procurando Balan sem sucesso. Nesse momento viu Reginald se aproximar. Ele as cumprimentou e deu um beijo na testa de Emilie. — Como está, minha querida? Parece um pouco cansada. — Estou bem, Reginald. Não se preocupe comigo e pare de me mimar tanto. — Mas é claro que me preocupo. Você está grávida do nosso primeiro filho. — Ele tem razão, Emilie. De fato você está um pouco pálida. Será que não era hora de encerrarmos a noitada? — Ora, Murie. Acho que você só está procurando uma desculpa para ir embora. — Bem, se Malculinus vai ser o único a me tirar para dançar, não vejo nenhum motivo para ficar mais. Reginald franziu a testa, espantado.
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— Mas, e Balan? Onde está? — perguntou. Murie olhou desconfiada para Emilie. Bem, não era de se espantar que a amiga tivesse contado ao marido a história do seu sonho e dos acontecimentos posteriores. De certa forma, já esperava por isso. Eles tinham um casamento sólido e de muita cumplicidade. Certamente compartilhavam os segredos. — Nós também gostaríamos de saber — respondeu Emilie. — Ele me assegurou que viria quando conversamos esta tarde. Até me pediu uma casaca de veludo emprestada — Reginald informou. — Está vendo, Murie? Ele queria ficar elegante para impressioná-la bem. — Pois eu ficaria mais bem impressionada se ele tivesse vindo. Ou será que soube que eu o desafiaria a uma partida de xadrez e ficou com medo de perder? — Murie comentou rindo. — Não olhe para mim — atalhou Reginald. — Eu não lhe disse nada. Além do mais, Balan não teme desafios, além de que joga muito bem. Imagine que até já ganhou de mim algumas vezes. A afirmação parecia arrogante, mas de fato, a corte toda sabia e admirava a habilidade de Reginald no tabuleiro. — Agora venha — ele disse, segurando a mão de Emilie. — Está na hora de irmos para a cama. — Mas e Murie? Vamos deixá-la sozinha? — Ora, é visível que ela também não está com vontade de continuar aqui. Assim terá uma boa desculpa para se recolher. — Isso mesmo — concordou Murie. — Estou cansada também. Além do mais, daqui a pouco o vinho solta a língua e os boatos começarão a surgir. — Como quiser — Emilie aceitou a decisão. Emilie já estava nos últimos meses de gravidez. Murie surpreendeu-se por Reginald ter permitido a viagem, mas sabia também que ela não deixaria que o marido viesse à corte sozinho. — E então, vem conosco, Murie? — Podem ir na frente. Eu ainda preciso me despedir do rei, antes de me recolher. Emilie e Reginald saíram de mãos dadas. Assim que saíram do salão, em vez de ir ao encontro do rei, Murie correu para o jardim. Não tinha a intenção de ficar ali nem, muito menos, de ir falar com o rei Eduardo, pois sabia que ele a pressionaria para saber se já havia escolhido um marido e a resposta seria difícil.
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A noite estava linda, convidativa para um passeio pelos jardins. Como estava inquieta e sem sono, resolveu caminhar e relaxar um pouco. No entanto, esqueceu-se de um detalhe. Todos os cantos e caminhos mais escondidos eram o esconderijo favorito dos casais de namorados. Depois de passar por dois ou três casais e presenciar alguns beijos comprometedores, Murie suspirou constrangida e achou por bem ir para seus aposentos. Já havia feito a metade do caminho de volta, quando de repente um vulto pulou à sua frente. Murie gelou ao ver Malculinus, mas forçou um sorriso. — Lorde Aldous! Pensei que estivesse no baile. — Estava mesmo, só que quando a vi sair, preferi vir lhe fazer companhia — disse, tomando-lhe o braço. Apesar de não se sentir à vontade com ele, Murie deixou-se acompanhar. Afinal Malculinus não representava perigo algum. Mas ficou feliz ao ver Balan se aproximando e assim livrar-se da companhia enfadonha. — Lorde Gaynor! Que bom que o encontrei! — ela exclamou, com entusiasmo. — Lorde Reynard me pediu que lhe desse um recado. — E virando-se para Malculinus, desculpou-se — Com licença, milorde, mas preciso ter uma conversa em particular com lorde Gaynor. Mais do que depressa ela enroscou o braço no de Balan e o puxou para se afastarem rapidamente. Malculinus ficou parado, perplexo, sem saber o que fazer. — Qual é o recado? — Balan perguntou, assim que se aproximaram do castelo. — Infelizmente tive que mentir, milorde. Não há recado algum. Não fico à vontade na presença de Malculinus. Ao vê-lo, achei que poderia abandoná-lo sem ser mal-educada. — Não entendo. Se não queria a companhia que lhe era inconveniente, por que deixou que a acompanhasse até aqui? — Não foi assim. Saí para dar uma volta pelo jardim e de repente ele apareceu ao meu lado — Murie respondeu, ríspida. — Vejo que seu sexto sentido é bem aguçado. De minha parte eu também não confio muito em Malculinus. Mas diga, está gostando da festa? — Se estivesse gostando não teria vindo aqui para fora, não acha? E milorde? Por que não apareceu no baile? — É que... aconteceu um imprevisto com minha casaca e...
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Balan não terminou o que ia dizer. Sob a pálida luz do luar, Murie observou-lhe a casaca bege claro com uma grande mancha escura no meio. — Por que então não trocou de traje? — Não tenho nada elegante o suficiente para freqüentar um baile na corte. Aliás, nenhuma das minhas roupas é adequada para circular por aqui. A peste prejudicou muito as propriedades da minha família e estamos enfrentando sérias dificuldades financeiras. Precisei pedir a lorde Reynard esta casaca emprestada. Murie ficou calada, a sinceridade de Balan a tomou de surpresa. Jamais presenciara um homem admitir suas dificuldades financeiras, mesmo que temporária. — Mas como você manchou a casaca? — Murie per guntou, mudando de assunto. — Não faço a menor idéia. Deixei a roupa sobre a cama, saí por alguns minutos e quando voltei a mancha de tinta apareceu misteriosamente. Murie franziu a testa, intrigada. Pelo visto, alguém havia deliberadamente derramado a tinta. Obviamente foi alguém que não o queria presente ao baile. Mas quem? E por quê? Várias tochas iluminavam o jardim, mas por causa de algumas árvores mais altas, o caminho estava escuro por onde passavam naquele instante. Distraída com a conversa, Murie caminhava sem prestar muita atenção. Não demorou muito, pisou em falso sobre uma pedra e perdeu o equilíbrio. Por instinto, para não cair, segurou-se no braço forte de Balan. Por sua vez, percebendo-lhe a dor, ele a pegou no colo, levando-a até um banco próximo, onde a fez sentar. Em seguida, ajoelhou-se para examinar-lhe o pé. Murie sentiu as mãos quentes tocarem-lhe o pé e ficou envergonhada com a sensação de prazer que o simples toque surtiu em seu corpo; capaz até de sumir com a dor. — Acho que não há nada quebrado, mas parece que vai inchar — disse, depois de tirar-lhe o sapato e de apalpar cuidadosamente o tornozelo. — Não foi nada grave — ela respondeu, ainda titubeante. Balan soltou-lhe o pé e ergueu-se para fitá-la. — Aproveito a oportunidade para lhe dizer que não compreendeu bem o que falei durante o passeio. Ou talvez eu não soubesse me expressar — ele acrescentou rapidamente, quando a viu franzir a testa. — O que quis dizer é que considero as mulheres bem mais complicadas do que os homens. Somos criaturas simples com conversas diretas. As mulheres gostam mais de falar sobre... digo... coisas emocionais. Gostam de ouvir juras de amor e elogios à sua beleza e infelizmente não sei lidar muito bem com esses assuntos.
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Por isso, não pense que meu silêncio teve qualquer intenção de ofendê-la. Murie sorriu feliz com a explicação. — Lady Emilie me garantiu que não era uma ofensa a mim. — E não pretendia mesmo. — Sabia que nós duas passamos uma porção de tempo inventando uma fórmula para o duelo de inteligência? — Verdade? E a que conclusão chegaram? — Vou desafiá-lo a uma partida de xadrez. Balan inclinou a cabeça para trás, gargalhando. Murie não entendeu o motivo da graça, mas a risada descontraída a enfeitiçou. — Vou adorar jogar consigo, milady — disse Balan quando por fim conteve o riso. — Gosto muito de xadrez, especialmente quando se trata de uma partida de desafio. E agora, se seu tornozelo já não está doendo tanto, vou acompanhá-la até seu quarto. Murie ficou em pé e se apoiou no braço dele, surpresa com a naturalidade com que fazia aquilo. Era como se já estivesse amoldada àquela posição. Caminharam lentamente pelos corredores, como se quisessem estender um pouco mais o prazer da companhia compartilhada. — Milady! — exclamou Cecily, ao vê-la entrar no quarto. — Gostou do baile? — Não muito. — Mas parece tão alegre com esse sorriso... — É que saí para dar uma volta pelo jardim e acabei encontrando Balan. — O lorde Gaynor? — Ele mesmo. Cecily fez uma expressão, demonstrando não ter gostado da novidade. — Que foi? — Murie perguntou — Bem é que... não, nada — a criada disfarçou, desviando os olhos e continuando a arrumar as peças de roupa. — Vamos, Cecily, fale. — Estive conversando com Mydrede sobre essas simpatias para adivinhar quem será o futuro marido. Mydrede era a serviçal mais antiga da corte. Uma mulher sempre pronta para passar
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adiante a sabedoria que havia acumulado com os anos. Conhecia todas as crenças antigas e seus usos. Sua palavra costumava ser respeitada. — E daí? — Parece que há controvérsias sobre a eficácia da simpatia de Santa Inês. Alguns dizem até que o homem com quem se sonha é justamente aquele com quem não se deve casar. — Já tinha ouvido isso — admitiu Murie, lembrando-se de que deveria procurar Becker no dia seguinte. — Então perguntei a Mydrede se não havia outra forma de saber quem milady deve escolher para marido. Sei que está preocupada com isso. — E o que descobriu? — Disse que há muitos outros métodos de adivinhação — respondeu Cecily com entusiasmo, colocando a mão na bolsinha que levava amarrada à cintura e tirando dela uma porção de folhas e sementes. — O que é isso? — perguntou Murie, curvando-se para ver melhor. — Hera, cravo e uma folha de freixo. — Mas para quê? — Se colocar a hera no bolso, casará com o primeiro homem que encontrar. O cravo funciona da mesma forma, só que é preciso colocá-lo dentro do sapato. — E o freixo? — Nesse caso, além de levar a folha de freixo no bolso é preciso também recitar uma poesia que diz assim: Suave folha que da árvore arranquei, o primeiro homem que eu vir é com ele que casarei. — Mas não fui eu quem arrancou a folha, foi você. — Ah, é mesmo... — respondeu Cecily, desapontada. — Então não vai dar certo... — Para que servem essas sementes? — Ah, são sementes de maçã. Aperte uma a uma contra a face, dizendo o nome de um pretendente diferente a cada vez. A que levar mais tempo para cair será a do nome do seu futuro marido. — Mas não tenho nenhum nome para dizer. — Como não, milady? Há vários homens solteiros aqui na corte. Lorde Aldous, por exemplo. Ele é rico e bonito. Além dele tem... deixe ver... tem...
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— Está vendo, Cecily? — Murie interrompeu. — Nem você consegue dizer mais nomes. Bem, mas agora estou cansada — continuou, aproximando-se da cama. — Amanhã conversaremos mais sobre o que Mydrede lhe falou, Se me mostrar onde achar a hera, o cravo e a folha de freixo quem sabe faço a experiência, está bem? — Como quiser, milady. Então boa noite. Durma bem. Acomodando-se entre os lençóis de linho, ao deitar Murie deixou-se observar a dança das chamas na lareira. Ficou imaginando se o fogo não a ajudaria a queimar as dúvidas que ainda lhe assolavam a mente. Pensou em Balan e naquele sorriso cativante que lhe causava arrepios. Aliás, o brilho daqueles olhos conferia-lhe um certo ar brejeiro de um homem tímido que dizia não saber lidar com as mulheres. Mal sabia que somente a presença máscula já era suficiente para derreter o mais frio dos corações. Quisera tê-lo beijado, assim saberia se fora ele de fato o responsável pelo desejo que sentira enquanto sonhava. Afinal, seria ele seu grande amor? Como ansiava por saber a resposta... Mydrede, as superstições tampouco lhe ajudariam a desvendar o mistério de seu destino. No entanto, ainda tinha uma pontinha de esperança que Becker pudesse lhe dizer algo animador. A espera por respostas era angustiante.
Capítulo VI
Então, Murie — disse o Rei Eduardo assim que sua sala de audiências por fim se esvaziou. — Qual o assunto urgente que lhe traz até aqui? Murie sentiu o rosto corar. Tinha passado a noite quase sem dormir. Quando conseguia fechar os olhos, via o rosto de Balan, o beijo trocado, a paixão real, o desejo imaginado, uma louca mistura entre a realidade e o sonho. Quando os primeiros raios de sol invadiram o quarto, ela pulou da cama e sem esperar pela ajuda de Cecily, vestiu-se e foi ter com o rei. Não querendo parecer muito ansiosa ou irritada, resolveu dar um passeio pelo jardim para colocar os pensamentos em ordem. Depois de caminhar um pouco, sentou-se em um dos bancos, deixando que o sol lhe banhasse a pele clara. Mas, foi fechar os olhos para sentir-se entorpecida pela lembrança dos beijos sonhados. Quando se deu conta, as horas haviam passado e o rei agora já estava despachando com várias pessoas.
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Ao aproximar-se da sala, notou uma pequena fila de pessoas que esperavam a vez de serem atendidas. E infelizmente, era a última. Robert logo notou seu desapontamento e com medo de mais um escândalo da birrenta, rapidamente arranjou uma forma de deixá-la entrar antes dos demais. Agora estava ali, diante do rei e do seu assistente Becker, como desejava. — Fale, Murie, do que se trata? — insistiu o rei com impaciência. Ela corou ainda mais. De certa forma era constrangedor falar de casamento, sonhos e mandingas quando o rei tinha tantas outras coisas mais importantes para resolver. — Sua Majestade já ouviu falar da simpatia de Santa Inês? — disse por fim, olhando para o chão, sem coragem de encará-lo. — Ahhh... então é isso. Ouvi sim e também soube que lady Aldous a convenceu a experimentar a eficácia dessa superstição. — Pois é... — E o que aconteceu? Sonhou com alguém? — Sonhei. — Verdade? Ouvir dizer que o esforço não tinha valido a pena. Murie sorriu sem graça. Incrível a velocidade como as notícias se espalhavam pela corte. Essa era uma das coisas das quais não sentiria nenhuma falta quando fosse embora dali depois de casar. — Só contei para duas pessoas, lady Reynard e minha criada. Eu não queria que o comentário corresse pela corte. — Foi uma decisão bastante sábia — o rei comentou sorrindo. — Mas ao final, com quem sonhou? Com algum rapaz que conhece há tempos? Alguém por quem está apaixonada? — Não. Na verdade eu nunca o tinha visto antes. Não tinha idéia de quem era. — Que estranho... — Agora preciso de sua ajuda. O senhor sabe qual é a verdadeira história sobre a simpatia de Santa Inês? — História? Como assim? — Segundo Malculinus, quando se jejua ou se come carne estragada na véspera sonha-se com o homem certo. Lauda complementa dizendo que da maneira como fizemos o sonho mostra com quem não vamos casar.
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— Ah, entendo... Deixaram-na confusa sem saber se casa ou não com o homem com quem sonhou, não é? — Exatamente. — Bem, nesse caso... O que acha disso Becker? Sei que entende muito mais dessas superstições do que eu — disse o rei Virando-se para o assistente. Becker assumiu um ar de superioridade e proficiência no assunto. — Na minha opinião, majestade, independente do jejum, uma simpatia não teria lógica se indicasse o errado. É evidente que o homem do sonho é o pretendente certo. — Pois então, muito bem, Murie. Seja quem for esse homem, é ele que deve ser seu marido. Tem certeza de que não o conhece? — Tenho sim. O rei fez uma cara de desconfiança, levantando uma das sobrancelhas. — Hum... isso é um pouco esquisito. Sei que está triste por ter que nos deixar Murie, mas não pode usar desculpas assim para retardar uma decisão tão importante, Felipa ficará furiosa com você e comigo se fizer isso. — Oh, não, não. Eu não faria uma coisa dessas. Além do mais, ontem quando desci para o desjejum, vi o homem com quem sonhei. — Viu? E quem é ele? — Lorde Gaynor. — Lorde Gaynor? — repetiu o rei Eduardo com espanto. — São raras as vezes em que ele vem à corte e quando vem, não se demora muito. Ele não costuma freqüentar nossas festas e nem gosta de reuniões sociais. Deve ser por isso que você não o conhecia. — Como eu nunca o tinha visto antes, cheguei a imaginar que aquele homem era apenas fruto da minha imaginação. — Mas agora, está certa que foi com lorde Gaynor que sonhou, Murie? — Estou. Assim que o vi, comentei com lady Reynard. Ela o conhece e foi quem nos apresentou. — Gaynor... vejam só. É um bom rapaz não acha Becker? — Certamente, majestade. Balan é um guerreiro valente e fiel. Perdeu o pai durante a peste e soube que herdou a propriedade rural da família. — Sempre achei que devia premiá-lo pelos bons serviços que nos prestou na França. Permitir que se case com Murie será uma boa recompensa, não acha?
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— É claro que sim, majestade. Murie arregalou os olhos de espanto. — Mas, majestade, ele não sabe nada a respeito do sonho e não pretendo contar antes de ter a certeza de que realmente fomos feitos um para o outro. E mesmo assim ainda corro o risco de ele não querer casar comigo — ela contrapôs na esperança que o rei não interviesse no curso natural do relacionamento. — Segundo suas palavras, sou responsável pela escolha. E se concluirmos que não há amor suficiente para nos unirmos para sempre? — Amor? — interveio o rei. — Os casamentos não se baseiam em amor, minha cara. Eu nem conhecia Felipa quando foi decidido que iríamos nos casar. — Mesmo assim, insisto que sou eu que devo escolher o marido, não foi essa sua promessa? — Prometi e você escolheu. Ou já esqueceu que veio aqui me dizer o nome do rapaz? — Mas... — Murie mordeu o lábio para não terminar a frase. Sua vontade era dizer ao que cuidasse da sua própria vida e que ela própria escrevesse seu destino. No entanto, não podia dizer uma infâmia dessas contra seu protetor sem ofendê-lo. Mesmo porque, quando voltou a atenção, sua majestade estava com o olhar perdido, provavelmente imaginando os preparativos do casamento e não lhe daria atenção ao que dissesse. — Ah, agora pode ir, Murie — ele disse, voltando por fim a encará-la. — Mande chamar Gaynor — ordenou em seguida para Becker. Murie deu um suspiro de desalento e resignada se levantou para sair. — E quero que venha sentar-se na mesa principal esta noite no jantar — o rei Eduardo convidou antes que ela saísse. — Mas eu tinha combinado ficar ao lado de lady e lorde Reynard, senhor. — Reynard? Aquele Raynard que... — o rei dirigiu a pergunta a Becker. — Ele mesmo, majestade — o assistente respondeu antes mesmo de o rei terminar a frase. — Pois diga a eles para se juntarem a nós na mesa principal, Murie. E agora vá, minha querida. Tenho uma porção de assuntos para resolver — completou Eduardo. Murie saiu dali muito contrariada. Deveria ter considerado esse desencadear de fatos antes de falar com o rei. Não negaria que estava atraída por Balan, tanto no sonho quanto pessoalmente. Mas vê-lo forçado a se casar caso seja contra sua vontade, seria humilhação
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demais. Mas o destino prega peças principalmente em quem está desatento por um segundo que seja. Murie estava tão entretida que não viu Balan se aproximando e quase esbarrou no alvo de suas dúvidas. Assim que o viu, ficou assustada em um primeiro momento, mas logo resolveu qual seria a atitude mais sensata a ser tomada... — Lady Murie — Balan a cumprimentou. — Preciso lhe falar, milorde. — Muito bem. O que é? — É... eu... eu... Entre tomar uma resolução e colocá-la em prática existe um vão que não pode ser medido pelos ponteiros do relógio. Murie sentiu o rosto corar e a coragem em expor a situação esvair-se com a brisa. Sem contar que estavam cercados de pessoas com ouvidos atentos. Balan percebeulhe a aflição e tomou-a pelo braço, conduzindo-a até o jardim em busca de um pouco mais de privacidade. O dia não estava muito convidativo a longas caminhadas. Uma garoa fina cobria os caminhos e a relva como um manto fino e transparente. Mas o castelo contava com recantos cobertos onde poderia se achar um pouco de privacidade. Murie caminhava com dificuldade, procurando evitar que seus sapatos atolassem nas poças de lama. Mais uma vez, antecipando-se e muito gentil, Balan a pegou no colo e sentou-a na primeira mureta coberta que encontrou. Dessa forma, ficaram à mesma altura, encarando-se nos olhos. Trocaram olhares intensos, na tentativa de desnudarem pensamentos, desejos e anseios. — Então, milady, o que deseja me dizer? — Balan foi o primeiro a quebrar o silêncio. Oh, Deus! Que situação difícil. Onde estavam a coragem e a impetuosidade que sempre a acompanharam? Como iniciar uma conversa tão íntima? A angústia foi se intensificando e ao invés de falar, ela limitou-se a morder o lábio, temendo desmaiar antes de resolver a questão. — Fale, milady. — ele insistiu. — É que o rei... — Murie balbuciou. — O que há com o rei? — Que coisa mais desagradável... eu não queria que isso acontecesse. Só pretendia saber quais são as regras da simpatia de Santa Inês, nada mais. Mas o rei tomou mi nha
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dúvida como fato consumado e agora vai tomar as providências para uma cerimônia que nem sei ao certo se quero participar... — De repente as palavras saíram todas de uma vez, com frases quase sem sentido. — Estou muito envergonhada. Não sei o que fazer para impedi-lo. Oh, meu Deus! Eu só... Agora Murie tremia sem parar, sentindo as lágrimas ameaçando surgir. Mas não teve tempo de dizer mais nada porque, para sua surpresa, Balan cobriu sua boca com um beijo suave e reconfortante. — Pronto, está mais calma? Agora vamos começar tudo novamente. Murie ainda estava boquiaberta, sentindo-se de fato mais tranqüila para iniciar o relato. — Eu tinha a intenção de contar-lhe tudo antes de ir falar com meu padrinho mas... Novamente Balan interrompeu-a com um beijo, desta vez mais profundo e sensual. Aquela língua atrevida invadiu sua boca, tomando-a de surpresa. Mas era um beijo doce, ao mesmo tempo que exalando desejo. Mesmo incerta, Murie deixou-se beijar e correspondeu com sofreguidão. Foi então que teve a certeza de que o mesmo torpor que a deixara tão extasiada durante o sonho era o mesmo que lhe tomava o corpo naquele instante. E com a mesma rapidez com que ele a beijou, ele terminou a carícia, encarando-a. — Acho que agora consegui acalmá-la, não? — disse-lhe baixinho ao ouvido. — Quem sabe agora pode me contar tudo sem ficar tão ansiosa. — Mas não estou ansiosa. — Foi o que me pareceu. Na guerra, quando soldados entram em pânico, costumamos dar um tapa no rosto para que recobrem a razão. Mas no seu caso, achei que um beijo seria bem mais eficaz — ele contou com um sorriso maroto. — Obrigada pela consideração — Murie então não só recuperou a calma como também a sensualidade. — Aliás, se quiser continuar com esse tipo de tratamento é provável que eu não precise dizer mais nada, pois vai estar tudo implícito. Balan riu e se curvou para beijar-lhe a face, para depois escorregar a boca úmida e quente até o lóbulo minúsculo, mordiscando-o de leve. — Isso ajuda? — perguntou. — Muito. — Então fale — ele insistiu, continuando a cariciar as costas dela. — Bem, eu disse ao rei que tinha sonhado com você e... ãh... hum... — Como?
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— Se importaria de casar comigo? — Murie soltou a pergunta num repente. Balan afastou-se, para encará-la com as sobrancelhas erguidas. Murie procurou evitar o olhar inquiridor. Então tentou amenizar o assunto. — Já ouviu falar da simpatia de Santa Inês? — Já. — A história toda começou aí. Lady Aldous me convenceu a comer um pedacinho de carne estragada. — Eu sei. — Sabe? Mas como? — Ora, milady, não há ninguém na corte que não saiba. — Pois bem. No dia seguinte eu disse a todo mundo que não tinha sonhado com ninguém mas não era verdade. Sonhei sim. Com você. Esperava que Balan protestasse, mas, como não percebeu qualquer reação, continuou falando. — O que aconteceu é que, mais tarde, Lauda veio com a notícia de ter ouvido dizer que não se deve casar com quem se sonha. — Ela podia estar mentindo. — Por que ela mentiria sobre um assunto desses? Não, não creio que fosse mentira, especialmente depois de eu ter-lhe dito que não havia sonhado com ninguém. Mas fiquei em dúvida, por isso fui perguntar ao rei, ou melhor, a Becker, qual das duas versões é a verdadeira. O rei não saberia me responder uma coisa dessas, mas seu assistente... Murie começou a falar apressadamente de novo, só que desta vez, Balan não lhe deu um beijo ardente, apenas cobriu-lhe a boca com a sua. — Entendo. Quer dizer que você foi perguntar ao rei qual a versão certa. Responda que sim ou não apenas com um sinal de cabeça — Ela consentiu meneando a cabeça para frente. — E contou que tinha sonhado comigo. Então, ele decidiu que devemos nos casar, foi assim? Ela assentiu novamente. E quando ele se afastou, Murie disparou a falar. — Eu tentei lembrá-lo de que o direito da escolha era meu, mas ele não me deu ouvidos. Logo mandou que Becker fosse à sua procura. Eu queria lhe contar antes para que não fosse pego desprevenido... e também se não quiser casar comigo vou entender perfeitamente... não ficarei ofendida... se bem que...
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Balan sorriu e outra vez selou os lábios trêmulos com um beijo para impedir que as explicações seguissem. Quando se afastou Murie estava tonta pela emoção do carinho, ou seria pela antecipação da resposta, ou... — Se é assim, então vamos nos casar, pronto. — retrucou Balan virando as costas para ir embora. Murie pulou da mureta e correu atrás dele, sem se importar em sujar os sapatos e a barra do vestido de lama. — Verdade? — Não é esse seu desejo? — Balan se virou para fitá-la. — Eu... bem, ao menos Santa Inês acha que sim — respondeu Murie. — Essa é a única razão? — ele perguntou, contraindo os lábios. — Não... você é um homem muito interessante e atraente. — É mesmo? — Balan sorriu, sem graça. — E eu acho você uma mulher encantadora. — Emilie, Reginald e até o próprio rei o têm em alto conceito, por isso sei que é uma boa pessoa — ela completou, afastando uma mecha de cabelo do rosto para poder vê-lo melhor. — Além do mais, você não é a mulher voluntariosa e birrenta como todos dizem. Murie por fim sorriu, corando com os elogios. — Há algo mais que queira me dizer? — Balan perguntou. Murie olhou longamente para o rosto de traços marcantes e suspirou. — Sim, milorde. Gosto muito de seus beijos — respondeu, sentindo as pernas fraquejarem. — Acho que vamos nos dar muito bem — Balan declarou, abrindo um largo sorriso. Em seguida tomou-lhe a mão dela, passando-a por seu braço e caminharam juntos de volta para o castelo. A decisão estava tomada. Ela e Balan iam se casar. Imediatamente começou a pensar nos preparativos. A primeira providência seria mandar fazer uma casaca nova e luxuosa, com o melhor tecido existente para Balan usar no dia do casamento. Depois trataria de escolher o vestido mais bonito da corte para si e para Juliana, quando chegasse ao castelo Gaynor. E também se encarregaria de abastecer a propriedade dos Gaynor... A lista de afazeres era imensa. Sem motivo para adiamentos e querendo que Emilie e Reginald participassem da
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cerimônia, Murie não contrariou o rei quando ficou decidido que o casamento seria na semana seguinte. O tempo era escasso para tantos preparativos, mas com a ajuda de Emilie, Becker e de alguns criados, Murie foi capaz de arranjar tudo nesse curto período sem nem se atrasar para a cerimônia. Foi com alegria e orgulho que viu seu futuro marido com seu novo traje. Balan estava ainda mais bonito com as vestes que lhe emolduravam o corpo perfeito. A cerimônia passou rápido e mais tarde Murie só se lembrava de algumas passagens, das pessoas à sua volta em um burburinho ensurdecedor. Ficou aliviada quando tudo terminou e Balan selou seus lábios com o beijo matrimonial. Foi um beijo bem diferente dos outros, mas com um significado que perduraria por toda uma vida a dois. Em seguida, Balan segurou-lhe a mão e encaminharam-se para o salão anexo, onde os convidados já aguardavam o início da festa. Do banquete, Murie também pouco guardou na memória. Apenas notou que Balan colocava uma taça em sua mão para o brinde e que a algazarra dos convidados a impedia de prestar mais atenção ao que acontecia à sua volta. Pouco depois a rainha e suas damas de companhia, seguidas por Emilie, estavam à sua volta, anunciando que era a hora da tradicional brincadeira nupcial. Era um antigo costume aos quais todos os noivos eram submetidos, logo depois do casamento. Sua vontade era sumir quando as mulheres, fazendo todo tipo de pilhérias, começaram a despi-la até levá-la para a cama. Nua e enrolada entre as cobertas esperou quase em lágrimas pelo término do folguedo que sabia ser ainda mais constrangedor. Ainda bem que Emilie estava ali do lado. Sua presença era reconfortante e a impedia de chorar. Assim que se cobriu com os lençóis, a rainha lhe dirigiu um sorriso e foi até a porta do quarto que abriu de par em par. Então, entraram os homens, rindo e gritando, com o rei à frente, carregando Balan nos ombros como se fosse um prisioneiro de guerra. Osgoode e Reginald foram os primeiros a tirar-lhe parte da roupa até que os demais se encarregaram de deixá-lo inteiramente nu diante da mulher com quem acabara de casar. Murie observava tudo com espanto. Balan tinha um belo corpo, de ombros largos e braços fortes, o peito musculoso, o abdome rígido e plano. Assim que acabaram de tirar-lhe toda a roupa, os homens puxaram os lençóis da cama, revelando rapidamente sua nudez inocente e o deitaram a seu lado. Murie estava tão aparvalhada que mal ouviu os últimos gracejos dos convidados quando por fim saíram do quarto.
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Balan esperou que todos se retirassem antes de fitá-la. O olhar dela era de pavor, como o de uma gazela que pressente a ameaça de um caçador. O corpo estava rígido, parecendo congelado. Ele suspirou fundo. A noite seria longa. Teria que agir com muito tato e cuidado para ensiná-la os segredos e encantos do leito nupcial. Sacudiu a cabeça e virou de lado muito lentamente, para não assustá-la. Queria acalmá-la e dizer-lhe que tudo correria bem. Mas antes que conseguisse dizer a palavra, Murie se atirou sobre ele e colou os lábios na sua boca. Depois do primeiro instante de surpresa, Balan retribuiu avidamente. Os corpos já se amoldavam perfeitamente, adquirindo pouco a pouco a temperatura do desejo.
Capítulo VII
Murie soltou um gemido. Instantes atrás, estava ansiosa, preocupada, quase aterrorizada com o que estava por acontecer. Mas lembrou do seu sonho e entendeu que tudo correria naturalmente assim que o beijasse. Como Balan não tomou a iniciativa de imediato, ela cedeu ao impulso, rompeu barreiras, soltou amarras e antecipou-se no primeiro de muitos beijos que estavam por vir. Agora tudo era diferente. Sentia as mãos grandes afagando-lhe as costas, a língua quente invadindo-lhe a boca, causando o mesmo prazer que a inebriara durante o sonho. Balan ainda exalava uma fragrância de frescor de um banho demorado antes da cerimônia. A boca ainda guardava o sabor do vinho e licor, que unindo-se ao doce dos lábios de Murie constituíam o mais puro dos néctares da natureza. — Oh... meu esposo... — balbuciou. Com agilidade Balan se deitou sobre ela. Murie estremeceu ao sentir a mão que segurava seu seio, por baixo do lençol. Um arrepio percorreu-lhe a espinha e ela curvou-se para trás, pedindo por mais carícias. Foi então, que ao virar a cabeça, seus olhos vislumbraram a cômoda de madeira que havia no quarto. Nesse instante lembrou do pé de coelho e da ferradura que havia guardado numa das gavetas especialmente para sua noite de núpcias. Num movimento rápido, livrou-se do abraço do marido e se virou para levantar. — Que foi? — Balan fez espantado a pergunta seguida de um sonoro "aiii".
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Murie na sua afobação para levantar, havia batido com o joelho justamente na parte sensível dele, bem entre as pernas. — Oh, meu querido, me desculpe. Machuquei você? Ainda sem conseguir falar, Balan sacudiu a cabeça em negativa. Ela ficou aliviada, sorriu e correu até a cômoda onde começou a revirar as roupas de uma gaveta à cata dos itens que procurava. — O que está fazendo? Quando Murie se virou para responder, percebeu que Balan também tinha levantado e agora estava de pé a seu lado. Então seus olhos notaram o apêndice encarnado que surgia entre as pernas dele. Parecia bem maior do que quando o tinham colocado nu a seu lado e agora estava mais vermelho, inchado e protuberante. — Oh, milorde, eu devo tê-lo machucado, não? Veja, está todo inchado... — disse alarmada, abaixando-se e segurando o membro entre as mãos. Sentia que, à medida que o apertava, o apêndice apontava para ela, como o dedo de um professor recriminando um aluno. Balan soltou um gemido de prazer o que fez Murie pensar que de fato ele devia estar com dor. — Dói muito? — perguntou assustada, levantando a vista para o rosto do marido. A expressão de Balan era tensa e ele tinha os olhos fechados. Mas os abriu de uma vez assim que ela fez a pergunta. — O quê? — Quero saber se dói muito porque está muito inchado por causa da batida. — Batida? — Sim — ela retrucou, soprando sobre o membro como se faz para aliviar um ferimento. — Quer que eu esfregue? — Esfregar? — Isso mesmo. Esfregar ajuda quando a gente torce o pé, por exemplo. Balan não respondeu. Apenas a fez levantar, segurando-a pelos ombros e cobriu sua boca com um beijo profundo. Os corpos estavam colados, enroscados um no outro. Aquela sensação era muito melhor do que a do sonho que tivera. No sonho, seus seios não estavam colados no peito dele como agora, os mamilos sendo acariciados pela penugem áspera que cobria seu tórax. Nem havia aquele membro rígido espremendo-se com força entre suas pernas e causando arrepios que lhe subiam até a nuca.
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As mãos de Balan seguraram suas nádegas e ele a levantou, esfregando o apêndice machucado contra seu ventre. — Temos que tratar do seu ferimento — disse quando Balan tentou levá-la de volta para a cama. — Mais tarde... — ele respondeu, mordendo de leve a ponta da sua orelha. — Mas... Seu protesto foi interrompido pelos lábios de Balan que novamente lhe cobriam a boca, puxando-a de volta para a cama. Nesse instante mágico, quando ainda pareciam ouvir os sons vindos do salão, os olhares se encontraram. Ela ainda aflita, ele totalmente apaixonado. E o som continuava a invadir o quarto. Mas era uma música diferente, aflita para ser ouvida, convidando para ser dançada. Foi então que Balan provou que naquele ritmo era o melhor bailarino. Com extrema delicadeza, sabendo-a virgem, foi seu mestre a ensinar que o calor do desejo pode ser envolvente e não agressivo a ponto de causar dor. O ritmo único foi o responsável por fazer dois corações pulsarem no mesmo compasso e por fim entregarem-se de forma delirante aos movimentos mais extasiantes. Não havia mais receios ou vergonhas. Murie abriu os olhos para encarar o rosto másculo que dominava os dois corpos em um movimento frenético. Ninguém ali para testemunhar tamanha entrega, apenas o luar resplandecente, refletindo a felicidade emanada dos corpos suados. Os braços dele estavam em torno de sua cintura, mas ele soltou uma das mãos e começou a acariciar-lhe os seios com movimentos suaves e ritmados. Naquele instante Murie esqueceu por completo do suposto ferimento e dos amuletos que guardara. Procuraria por eles em outra hora, decidiu, contorcendo-se de prazer. Seu corpo reagia com intensidade às carícias, deixando Balan cada vez mais excitado. Nunca havia sentido nada parecido e, naquele instante, se rendeu por completo aos arroubos de Balan. Ele curvou-se, então, sobre ela e começou a percorrer com os lábios todo o contorno dos seios, mordiscando os mamilos e depois cobrindo-a de beijos, no ventre, na parte interna das coxas, na pele suave das nádegas, em todo seu corpo, enfim. Enlouquecida com as carícias, Murie se agarrava a ele, pedindo mais e mais. — Está gostando? — ele murmurou no seu ouvido enquanto passeava delicadamente com língua úmida pelo pescoço.
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— Sim... sim... apesar de a igreja dizer que isto é pecado, estou gostando... gostando muito — ela conseguiu responder, entre suspiros. — Eu também — disse Balan, igualmente arrebatado. Sem conseguir resistir mais, ele segurou as nádegas firmes e com o ímpeto de um guerreiro a possuiu uma e outra vez, consumando o ato nupcial até ambos ficarem saciados por completo e adormecerem abraçados como se fossem um corpo só. Murie acordou ainda enroscada nos braços de seu marido, sentindo uma ponta de desejo aflorar. Não devia sentir-se assim, pensou. Afinal Balan já a havia acordado duas vezes durante a noite, cobrindo-a de beijos, procurando-a para saciar seu desejo latente. Ele era um amante vigoroso, o mestre dos mestres sempre disposto a satisfazê-la. Talvez a ferradura e o pé de coelho tivessem algo a ver com isso, mesmo não es tando em baixo da cama como mandava a tradição. Quem sabe só o fato de estarem dentro do quarto, mesmo sendo na gaveta, era suficiente pelo maravilhoso resultado. Um arrepio no bico do seio interrompeu seus pensamentos. Era a mão do marido, novamente acariciando-a. Por várias vezes durante a noite acordara sentindo que ele, mesmo adormecido, segurava-lhe um dos seios na palma da mão, como se quisesse se certificar até em sonho que ela estava ao seu lado. Mas desta vez ele não dormia. Parecia estar acordando. Seus dedos percorriam com agilidade todo o contorno do mamilo ereto. Murie se acomodou para usufruir melhor da carícia, colando as nádegas contra o membro enrijecido. Agora sabia que a cor encarnada e o volume não eram um inchaço provocado pela batida que dera nele sem querer com seu joelho. Era apenas uma fonte de infindável prazer para Balan e para ela. Balan segurou-lhe os ombros, fazendo-a virar a cabeça para trás para por fim beijarlhe longamente. Em seguida se afastou e, para surpresa de Murie, levantou da cama. Sem entender o motivo de deixá-la tão inesperadamente, sentou-se na ponta do colchão, observando-o lavar-se numa bacia de água. — Mas milorde... nós não vamos... — começou a dizer, sem coragem de terminar a pergunta. Murie sentiu o sangue subir-lhe às faces, envergonhada com os anseios do próprio corpo. Ao vê-la contrariada, Balan largou a toalha com a qual se enxugava, caminhou até a cama, curvando-se para lhe dar um beijo rápido na testa. — Prometi a Reginald que treinaríamos esgrima essa manhã. Não conseguimos treinar nem um dia, desde que chegamos à corte.
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— Ah, entendo... — respondeu Murie desapontada. — Bem, mas Emilie também me espera para conversarmos, portanto não há problema. Pouco depois, já vestindo as calças de couro, próprias para o treino, Balan a abraçou, beijando levemente a dobra do seu pescoço. — Estou muito feliz em ter casado com você, querida — disse-lhe baixinho. — Você me surpreendeu. Murie corou, livrou-se do abraço e foi pegar o vestido limpo que Cecily havia deixado sobre um móvel. Vestiu-o e caminhou em direção à porta dizendo em tom um pouco seco. — Fico feliz em saber disso. Afinal, uma esposa tem obrigação de agradar ao marido, não é? Ignorando a risadinha irônica, Murie abriu a porta e deu de cara com Cecily que já vinha servi-la, como de costume. — Chegou bem na hora, Cecily. Preciso de sua ajuda para acabar de me vestir. — Certamente, milady — respondeu a criada, entrando no quarto. Murie ficou em silêncio enquanto Cecily amarrava as fitas nas costas do vestido. A moça estava um pouco sem graça, com os olhos grudados em Balan que acabava de calçar as botas e colocar a espada na cintura. Para completar a roupa, a criada jogou um xale sobre os ombros da patroa. Balan já ia saindo quando olhou para o chão e se abaixou para apanhar algo que havia caído aos pés de Murie. — Engraçado, pensei que tivesse perdido meu crucifixo — disse, colocando no pescoço a corrente que acabara de achar. Murie o fitou com curiosidade e, então, percebeu que era da cruz que havia encontrado no quarto na manhã posterior do sonho. Lembrou-se que pedira a Cecily que a deixasse sobre a cômoda e agora, pelo visto, a jóia se enroscara no xale e acabara por cair ao chão. — Ainda bem que encontrei — Balan continuou. — Deve ter ficado no meio das minhas roupas — concluiu, dando um beijo de despedida na mulher, diante do olhar constrangido de Cecily. Murie ficou parada, estupefata, sem reação, os movimentos congelados. — Aquela não é a cruz que milady achou depois de ter sonhado com ele? — Cecily ousou perguntar baixinho, assim que ele fechou a porta. — É sim...
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— Eu lhe disse que o vi rondando por aqui naquela noite, não disse, milady? — Disse... — Acha que ele pode ter... — Acho sim, Cecily! — exclamou Murie saindo aflita do quarto. Precisava falar imediatamente com Emilie. Ela saberia como resolver tudo, além de ser a única a conseguir acalmá-la nos momentos de grande aflição.
— Calma, explique direito — atalhou Emilie quando Murie entrou afoita no quarto dizendo uma porção de frases desconexas. — Não estou entendendo. O que foi? Balan achou uma cruz no seu quarto? É isso? — Sim... não... sim... — Murie gaguejava. — Na noite em que sonhei com o homem com quem deveria casar, encontrei depois uma cruz no chão do quarto. Na ocasião não dei muita importância. Imaginei que fosse de algum dos criados ou que havia caído no corredor e prendeu-se à barra do meu vestido. — Entendo. E daí? — Hoje pela manhã, quando Balan se vestia, acabou por achar a cruz no chão... — No chão? Não me diga que não teve o cuidado de guardá-la. — Claro que não. Coloquei sobre uma cômoda, mas prendeu-se ao meu xale e caiu quando Cecily o puxou. De qualquer maneira, o importante é que Balan disse que era dele, entendeu? E como se fosse a coisa mais natural do mundo, colocou a corrente e saiu do quarto. — Ah, já sei! É uma corrente com uma cruz que ele sempre usa. É uma jóia que ganhou do pai. — Emilie, será que você não está percebendo? A cruz pertence a ele e estava no meu quarto logo depois de eu ter sonhado que ele me beijava! Entende o que está acontecendo? A amiga ficou pensativa por um momento. — Meu Deus... — murmurou instantes depois. — Você está achando que aquilo não foi um sonho, mas que Balan esteve de fato no seu quarto e a beijou mesmo antes de estar casado com você. Se for isso, será um escândalo! Um acinte! — Exatamente — retrucou Murie. — Não houve sonho coisa nenhuma. Tenho certeza que Balan esteve em meu quarto naquela noite. Ele me enganou, entrou sem pedir licença e sem eu perceber. Mas por que faria uma coisa dessas? Qual o propósito?
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— Não sei, Murie... — Eu nunca o tinha visto antes. Por que viria me beijar no meio da noite? Será que ele sabia que eu estava fazendo uma simpatia e aproveitou-se da ocasião? — Ah, não. Acho que uma coisa não tem nada a ver com a outra. — Então, por quê? Por que razão um estranho viria me beijar no meio da noite? — Talvez estivesse bêbado e acabou entrando no quarto errado. Então viu você deitadinha dormindo e não resistiu à tentação de beijá-la. — Não, não. Cecily me disse que tinha visto Balan zanzando pelos corredores naquela noite. O fato não me chamou a atenção, quando ela contou. Mas agora, pensando bem... ficar rondando justamente perto do meu quarto não combina com alguém que esteja bêbado e acabe entrando em outro quarto por engano, você não acha? — Calma, Murie. Não reaja nem se precipite, eu lhe peço. Deve haver uma boa explicação para isso. — Ah é? Que tipo de explicação? — Eu não sei ainda e você também não vai saber enquanto não perguntar isso diretamente a Balan. Murie fitou a amiga e ficou em silêncio, procurando organizar os pensamentos. — É exatamente o que vou fazer — afirmou por fim. — Vou perguntar a ele se esteve no meu quarto naquela noite e por que fez isso. — Ótimo. Vai ver como tudo ficará esclarecido. — Assim espero — Murie respondeu, saindo dos aposentos da amiga e fechando a porta com cuidado atrás de si. Tinha que conversar com Balan a respeito de tudo isso. Se o marido a tivesse enganado, o assunto ficaria ainda mais sério e delicado. No entanto, a noite de núpcias fora repleta de juras de amor, sequer teria o direito de duvidar que o marido casara por amor. De qualquer forma precisava agir com a máxima cautela. Afinal estavam oficialmente casados e nada, além da morte, poderia romper o compromisso. Como sempre fazia, antes de qualquer decisão crucial, Murie seguiu para o jardim para caminhar. Nada como um longo passeio, respirando o ar puro da manhã para acalmar-se e decidir qual seria a melhor estratégia a seguir. Planejara também passar pela capela e rezar para que as respostas de Balan fossem aceitáveis. A última coisa que desejara era descobrir que ao contrário de um nobre
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cavalheiro, casara-se com um homem traiçoeiro que se aproveitara da simpatia de Santa Inês para conseguir casar-se por mero interesse financeiro. — Balan! Temos problemas! Murie já sabe de tudo! — Sabe o quê? — Balan interrompeu o treino com Reginald para dar atenção aos gritos do primo que corria em sua direção. — Ela já sabe que você esteve em seu quarto naquela noite — explicou Osgoode aflito. — Sabe que o beijo não foi um sonho. — Do que estão falando? — Reginald quis saber. Balan não respondeu. Intrigado, apenas franziu a testa. — E mesmo assim aceitou casar comigo? — Acontece que ela só descobriu esta manhã — continuou Osgoode. — Você não achou sua cruz no chão do quarto? — Como assim? — Ela já tinha visto a cruz no dia seguinte ao sonho. Você deve ter deixado cair naquela noite durante a briga com Malculinus. — Ah, o que está havendo. Exijo explicações — interveio Reginald novamente. — Que história é essa de briga com Malculinus? E brigaram dentro do quarto de Murie? Irritado, Balan resolveu contar rapidamente ao amigo tudo que acontecera naquela noite. Quando terminou, Reginald meneou a cabeça com ar solene e olhou para Osgoode. — Então você está dizendo que Murie já sabe que Balan a beijou de verdade e não em sonho? — Isso mesmo. — Meu Deus, isso é muito sério, Balan — continuou Reginald. — Murie vai ficar furiosa se desconfiar que você a enganou. Não só ela, como o rei também vai ficar muito contrariado. Mas diga, Osgoode, como ficou sabendo que Murie descobriu tudo? Será que a fofoca já correu pela corte? — Não, acho que não. Eu fiquei sabendo porque mandei meu pajem seguir Murie esta manhã só para ter certeza de que Malculinus e a irmã não aprontariam mais alguma. O rapaz viu Murie entrar no quarto de sua esposa e ouviu a conversa por trás da porta. Em seguida, veio correndo contar-me tudo. Reginald não gostou muito de saber que o criado de Osgoode escutara conversas de seus aposentos. Balan, no entanto, estava ainda mais incomodado com as notícias trazidas pelo garoto.
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— Pare de mandar seu criado atrás da minha mulher! — disse para Osgoode. — Murie é minha esposa e não precisa ser vigiada nem seguida por ninguém. — Pelo visto precisa sim. Se o pajem não a tivesse seguido, não saberíamos do problema que está acontecendo, não é? — Isso é verdade — concordou Reginald. — Pois é, agora nos resta saber como resolveremos a questão — Osgoode completou. — Nós? — repetiu Balan. — Por que nós? A solução cabe somente a mim. Osgoode segurou o primo pelo braço. — Balan, precisa contar a ela o que Lauda e Malculinus estavam planejando. É a única forma de fazê-la compreender que não queríamos enganá-la, mas apenas protegê-la de uma armadilha. — Acho que Osgoode tem razão — disse Reginald. — Murie deve estar muito confusa. Ninguém melhor do que você para acalmá-la. Balan olhou para os dois homens com uma expressão de desalento. — E será que ela acreditará na minha palavra? O mais provável é que não acreditasse. Reginald e Osgoode concordaram, meneando a cabeça em negativa. — O que pretende fazer? — Simplesmente admitir que estive sim no quarto dela naquela noite — Balan respondeu com simplicidade. — Por Deus, será que não pode inventar uma desculpa? Dizer que esteve ali em outra hora, que entrou por engano, quando o quarto estava vazio e que não sabia de quem era o aposento? Ou então qualquer outra desculpa? — Nada disso. Não vou mentir para minha mulher. Um casamento que começa com mentiras está fadado a ser um desastre. — Mas então, que explicação vai dar? — Não vou dar nenhuma explicação. No calor do momento, acredito que ela não irá acreditar. Não vou mentir. Uma esposa precisa confiar no marido e Murie só poderá fazêlo quando me conhecer melhor. Com o tempo e convivendo juntos, ela perceberá que tipo de pessoa sou. Só então ganharei sua confiança e só então eu poderei contar-lhe toda a verdade sobre aquela noite. — Ai, primo. Lamento, mas seu casamento não começou bem — disse Osgoode
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meneando a cabeça. — Eu concordo — Reginald completou. — Sendo assim, sugiro que a leve para longe da corte o quanto antes. Não demora muito e o rei perceberá que Murie está infeliz logo nos primeiros dias de casamento. E não seria nada conveniente atiçar a ira do rei. — Eu sei, mas como justificar uma saída repentina? Todos esperam que fiquemos aqui pelo menos mais uma semana — retrucou Balan. Reginald coçou a cabeça, pensativo. — Bem, eu poderia ir falar com Murie. Dizer a ela que estou preocupado com Emilie por achá-la um pouco cansada e temer por sua saúde e a do bebê. Dizer que quero levá-la logo de volta para casa para que possa descansar — sugeriu Reginald. — Sim, mas o que garante que Murie aceitará ir embora? — Ora, as duas são unidas como irmãs — Reginald atalhou. — Emilie está decidida a ficar aqui até que você e Murie partam. Da mesma forma, imagino que Murie vai aceitar ir embora se nós partirmos mais cedo. Posso também sugerir que façamos a viagem juntos até minha propriedade, solicitando-lhe ajuda caso Emilie tenha algum problema de saúde. Que acha? — Parece uma boa idéia. Assim resolvemos o meu caso e o seu. Notei mesmo que anda um tanto receoso com a saúde de Emilie. — Ando sim. Apesar de ela dizer que está bem, percebo que se cansa com muita facilidade. Balan colocou a mão sobre o ombro do amigo e sorriu. O acordo estava fechado. — Acho a idéia excelente! — exclamou Osgoode. — Emilie estará tranqüila na sua casa e Murie bem longe daqui até que você possa esclarecer tudo, Balan. — E é claro que você e Murie estão convidados a passar uns dias conosco antes de continuar viagem — acrescentou Reginald. — Acho que vou aceitar o convite. Sei que Murie vai gostar. Só espero que o rei não estranhe essa nossa partida repentina. Vou ter que pensar uma forma de abordá-lo com muita sutileza. — Isso mesmo — Reginald e Osgoode concordaram. — Agora vamos tomar algo. Penso melhor quando estou com um copo de cerveja na mão — Balan disse, rindo. Andando pelos corredores à procura do marido, ouviu vozes conhecidas vindas do salão de esgrima. Não demorou muito e percebeu que era mesmo Balan, Osgoode e
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Reginald que conversavam alto. Se suspeitara que o marido a tinha enganado, nada melhor do que ouvir escondido o que confidenciava aos amigos. Quem sabe assim evitaria um conflito desnecessário. Por sorte, encontrara uma coluna providencialmente localizada ao lado da porta aberta e dali ouviu a conversa toda sem ser notada. Agora que os três já tinham se afastado, saiu do esconderijo sorrindo, seguindo o mesmo caminho que os homens haviam tomado, mantendo uma distância considerável para não ser vista. Emilie, como sempre, tinha razão. A verdade não era ruim, como imaginara. Quem a enganara não fora Balan, mas os irmãos Lauda e Malculinus. Estremeceu, pensando que poderia ter sido beijada por esse último durante o sono e com isso ser forçada a casar com um lorde traiçoeiro. Tornou a sorrir, agradecida por Balan a ter salvado de tão triste sina. Estava exultante. Seu marido era um bom homem, afinal! Gostaria de poder dizer a Balan que teria acreditado na explicação se ele a tivesse dado. Ao mesmo tempo, era verdade também que não o conhecia tão bem para lhe cobrir de razão. Contudo, após ouvir seu testemunho ao primo e a Reginald, sua confiança aumentou bastante. Balan não só tivera a melhor das intenções ao salvá-la de Malculinus, como recusara a proposta de Osgoode, sugerindo que mentisse e inventasse uma desculpa. Seu marido era um homem bom e confiável. Sabia disso agora e devia agradecer a Santa Inês por ter lhe mostrado alguém tão especial. Parou pensativa ao chegar ao primeiro degrau da escadaria. Não tinha nada contra ir embora dali mais rapidamente. De fato, o estado de Emilie era delicado e preocupante. Fora de que nada a prendia ali, pois não sentia apreço algum pela vida na corte. Ainda duvidava se o rei receberia bem a notícia. Era preciso ir com cuidado e talvez Balan não soubesse escolher as palavras adequadas. Ela, ao contrário, sabia muito bem como lidar com o rei Eduardo e fazê-lo aceitar o que desejava. Tinha ampla experiência no assunto. Não demorou muito e a decisão estava tomada. Ela própria iria falar com o rei, poupando Balan do constrangimento.
Capítulo VIII
— Tem muita gente — disse Reginald, olhando para todos os nobres ali presentes. —
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Duvido que consigamos falar com o rei ainda hoje. Já tinham deixado seus nomes com Robert para que fossem incluídos na lista de pedidos de audiência, mas havia uma multidão esperando que provavelmente seria atendida antes deles. — É verdade — Balan concordou com desânimo. Sua esperança era poder sair dali com Murie naquele dia mesmo, antes que a desavença entre eles virasse fonte de comentários na corte. Mas pelo visto não ia ser muito simples conseguir ser recebido para fazer o comunicado. — Olhe ali, não é Murie? — exclamou Osgoode, algum tempo depois, apontando para o vulto que vinha saindo da sala de recepção. Balan fixou os olhos na figura graciosa que caminhava com passos firmes, sem olhar para os lados. Sequer notou-lhes a presença. Intrigado, decidiu ir atrás dela, mas foi contido pelo chamado de Robert. — Lorde Gaynor! — Pois não? — Pode entrar. O rei irá recebê-lo agora. — Já? Mas e lorde Reynard? Pedimos para falar juntos com o rei. — Lamento, mas somente o senhor obteve permissão — respondeu o serviçal. — Por aqui, por favor. Balan hesitou por um instante, mas acabou por acompanhar Robert conforme solicitado. Assim que cruzou a porta, observou o semblante de sua majestade. Mesmo não significando muito, percebeu que o rei não demonstrava qualquer sinal de contrariedade ou de raiva. Era sabido que o rei era capaz de esconder bem suas emoções, quando lhe convinha. Portanto, se Murie tivesse ido reclamar sobre o marido, ainda há pouco, a ira poderia estar muito bem disfarçada. — Ah, Balan — disse sua majestade, abrindo um sorriso. — Pedi que viesse aqui porque quero lhe falar sobre Murie. — Que coincidência. Eu estava à espera de uma audiência pelo mesmo motivo — respondeu Balan franzindo a testa com preocupação. — Não diga. É mesmo? — Exatamente — Robert interveio. — Ele já tinha pedido para vê-lo pouco antes de sua majestade me mandar chamá-lo. — Muito bem. Então, exercerei minha primazia falando primeiro. Depois disso pode fazer as suas colocações.
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— Como quiser, majestade — disse Balan, curvando-se numa mesura. O rei Eduardo foi diretamente ao ponto. — Murie está preocupada com a saúde de lady Reynard. As duas são muito amigas há anos, além de compartilharem de grande afeto. Infelizmente, parece que isso está colocando a saúde de Emilie em risco. O ideal para alguém em uma gravidez avançada, deve descansar em sua casa até o bebê nascer. Murie acha que se vocês partirem mais cedo, Emilie vai concordar em ir também. — Ah! — exclamou Balan, percebendo que Murie não tinha estado ali para reclamar, mas sim para cumprir tarefa que ele deveria executar. — É verdade. Lorde Reginald estava me dizendo a mesma coisa esta manhã. Aliás, era justamente por isso que venho falar com sua majestade. — Ótimo, então estamos de acordo. Já mandei cancelar as festividades que havíamos planejado para a semana que vem e permito que vocês deixem a corte hoje mesmo, se quiserem. Bem, a não ser que você tenha algo contra. — Não, majestade. Estou plenamente de acordo. — Foi o que imaginei. Sei que não gosta de estar na corte, Balan e deve ter muito que fazer na sua propriedade antes da chegada do inverno. — Isso é fato. O rei meneou a cabeça com um olhar condescendente. — Nunca tive a oportunidade de lhe dar os pêsames pela morte do seu pai, Balan, mas queria lhe dizer que eu sinto muito. Ele era um bom homem. — Obrigado, majestade. — Muito bem, então pode ir embora assim que tudo estiver pronto. Nem precisa voltar para se despedir. Murie já deve estar em seu quarto... ou melhor, no quarto de vocês, dando ordem aos empregados para que empacotem todos os pertences. — Agradeço muito a sua compreensão. O rei retribuiu com um aceno e em seguida declarou. — Pode se retirar, Balan. Murmurando umas palavras de despedida, Balan se curvou respeitosamente e foi se dirigindo até a porta. Mas antes que saísse o rei chamou sua atenção. — Ah, só mais uma coisinha — disse de longe. — Embora Becker acredite que seja necessário, queria lhe dizer que Murie não é a criatura mimada e birrenta, que todos
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pensam. Na verdade não é muito convincente quando chora, esperneia e faz escândalo. Não é uma boa atriz. Tomado de surpresa, Balan ficou boquiaberto fitando o rei por alguns instantes. — Quer dizer então que o senhor sabia que todas aquelas lágrimas eram puro fingimento? — Claro que sim. — E por que nunca disse isso a ela? — E perder a diversão? Nunca. Além do mais, isso evitava que as outras moças a provocassem em demasia e que eu tivesse que intervir nas brigas. Balan continuava incrédulo diante da novidade. — Sabe, as garotas da corte foram cruéis com Murie logo que chegou aqui. Ela foi humilhada de todas as formas possíveis. Tanto que outra pessoa teria perdido de vez o juízo com tantas provocações, mas Murie soube como se safar com muita habilidade e inteligência. Em vez de enfrentá-las, o que seria muito pior, ela seguiu os conselhos de Emilie e se defendia chorando, gritando e fazendo birra. A tática funcionou muito bem. — Então sua majestade também sabia que a autora da estratégia era Emilie? — Minha esposa não é tão distraída quanto alguns pensam. Ela percebia tudo que estava acontecendo e gosta mais de Murie do que deixa transparecer. Sabia que poderia impedir as garotas de perturbá-la, quando estivesse por perto, mas que não podia ficar ao lado da protegida o tempo inteiro. Murie é muito orgulhosa e certamente não viria se queixar dos maus tratos quando a rainha não estava a seu lado — respondeu o rei lentamente, como dando a Balan tempo para absorver todas aquelas revelações. — Além do mais, meu caro — o rei Eduardo continuou. — Não pense que é só Osgoode que costuma mandar seus criados espionar as pessoas. Eu também sei perfeitamente de tudo que se passa nesta corte — completou, rindo. — Trate bem de Murie e logo perceberá que tê-la a seu lado é uma verdadeira bênção. — Creio que já percebi, majestade. — Fico feliz com isso. Agora pode seguir viagem. Balan deixou a sala do rei ainda estupefato e foi ao encontro de Reginald e Osgoode que o aguardavam do lado de fora. — Como foi? — os dois perguntaram ao mesmo tempo. — Temos permissão para ir embora daqui agora, assim que as mulheres acabarem de aprontar as malas — respondeu Balan, sem dar maiores explicações.
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— Verdade? Foi difícil convencer o rei a permitir nossa saída? — Osgoode quis saber enquanto os três caminhavam de volta para a parte principal do castelo. — Nem um pouco. Murie já tinha falado com ele. — O quê?? — Isso mesmo. Pelo visto foi isso que ela pediu ao rei quando entrou na sala de audiências antes de todo mundo. Parece que está preocupada com Emilie e sugeriu que, se ele nos deixasse ir embora mais cedo ela também voltaria para casa. O rei já tinha concordado com tudo. Balan não contou as outras revelações que ouvira. Acreditava que não lhe cabia fazêlo. Talvez algum dia pudesse dizer a Murie que o rei Eduardo e a rainha sabiam desde o começo que a choradeira era puro fingimento. Mesmo assim, esse era um assunto que só cabia à família. — Sei que Murie gosta muito de Emilie, porém... não teria sido mais adequado que ela viesse falar com você antes de procurar o rei, Balan? — Reginald atreveu-se a perguntar. — Isso mesmo! — completou Osgoode. — Ela devia ter consultado você antes de tudo. E a questão de sua ida ao quarto dela? Como vai resolver o caso? — Ei, vocês dois, parem com isso! Será que não conseguem ser menos pessimistas? — disse Balan rindo com animação. — Por enquanto só estou muito feliz em voltar a Gaynor antes do previsto. Aposto que você, Reginald, também está contente em levar logo Emilie de volta para casa. — Estou mesmo e vou agora mesmo contar a novidade a ela. — E eu vou avisar aos criados para preparem as malas — Osgoode disse em seguida. — Muito bem, rapazes. Vou ver se Murie já adiantou os nossos preparativos. Dizendo isso, Balan seguiu ao lado de Reginald para seus aposentos enquanto Osgoode foi em outra direção. Talvez para Murie o processo de arrumar as coisas demorasse um pouco mais do que o previsto, uma vez que os outros tinham vindo à corte apenas para uma curta temporada. Quando chegaram ao quarto de Reginald, ouviram a conversa animada das mulheres ali dentro. Balan olhou por cima do ombro do amigo e viu Murie ajudando Emilie e a criada a arrumar as malas. As três conversavam sem parar à medida que iam recolhendo as roupas e os objetos que deviam empacotar. — Ah, que bom que já estão adiantando a bagagem — disse Reginald chamando-lhes
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a atenção. Emilie virou-se para ele com um sorriso carinhoso nos lábios. — Murie está ansiosa para chegar logo ao castelo de Gaynor e conhecer sua nova casa. Aliás, ela pediu permissão ao rei para partir mais cedo e ele concordou — Emilie explicou. — Já que você vive preocupado com minha saúde, achei que nós também podíamos partir. Será que fiz bem? Ou você prefere ficar aqui mais alguns dias? — Não, minha querida. Acho a decisão das mais acertadas — respondeu Reginald beijando a testa da esposa. Murie observou o casal carinhosamente. Porém, não demonstrou nenhum interesse em saber se Balan desejava partir ou não. O fato não o agradou, afinal era no mínimo estranho que Murie não se importasse com sua opinião. Contudo, aquele não era o momento mais adequado para se levantar uma questão tão delicada, em hora mais oportuna chamaria a atenção de Murie em particular. Agora era hora de pensar somente na alegria de ir embora da corte. — Então, querida, quanto tempo acha que ainda precisa para arrumar as suas coisas? — Balan perguntou, forçando um sorriso. — Não muito. A criadagem já está cuidando de tudo. A rainha ficou sabendo da nossa partida e mandou vários criados para ajudar. Na verdade eu estava mais atrapalhando do que ajudando, então deixei-os e vim aqui, onde posso ser mais útil. Apesar da expressão calma, Balan viu nos olhos de Murie um ar de disfarçada tristeza. Ela devia achar que a rainha mandara os criados ajudá-la para vê-la partir o mais breve possível. Vendo-a assim, Balan decidiu que ia contar toda verdade a Murie bem antes do esperado. Agora entendera por que a rainha Felipa mantivera distância de Murie para seu próprio bem. A intenção era evitar que as outras moças a tratassem mal com ciúme da atenção que a rainha lhe dispensava. Era preciso que Murie soubesse a verdade para ter de volta o brilho encantador nos olhos vividos, e não mais se sentir menosprezada e inferior. — Daqui uma hora tudo já deve estar pronto — Murie concluiu. — Uma hora? — Balan e Reginald se surpreenderam com a presteza. — Então é melhor que eu vá reunir os homens — concluiu lorde Reginald. — E eu vou avisar Osgoode e os criados — emendou Balan, saindo apressado junto com o amigo.
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* * * — Estou surpresa por eles terem aceitado nossa decisão sem discutir — disse Emilie, assim que os homens se foram. Murie deu de ombros. — Por quê? Eles já queriam ir embora e nós só facilitamos as coisas. — Pode ser, mas demos a impressão de estar decidindo tudo sem nos importarmos com o que nossos maridos pensam. — Tem razão, Emilie — respondeu Murie dando um suspiro. — Ai meu Deus, estou vendo que casamento é algo mais complicado do que eu imaginava. De repente é preciso pensar em tudo antes de tomar qualquer atitude. — É complicado, mas tem as suas compensações. — Emilie sorriu para a amiga. Murie também riu e trocaram um abraço solidário e carinhoso. Com tanta gente ajudando, as bagagens ficaram prontas rapidamente, bem antes da hora prevista. Murie foi até seu quarto para indicar aos criados onde deviam levar os baús com seus pertences. Só não contava em encontrar a rainha dirigindo tudo e todos. — Pronto, minha querida — saudou-a Felipa, sorridente. — Já estão nas malas as roupas que vai precisar nas próximas semanas. O resto bem como seus demais pertences serão mandados assim que embalemos tudo. O rei destacará alguns soldados para proteger suas coisas durante a viagem, está bem? — Oh... muito... obrigada, majestade — gaguejou Murie, desconfiada de que a rainha só estava tão bem disposta por estar se livrando dela de uma vez. — Mas Murie... — continuou Felipa enquanto os criados iam saindo com o carregamento de baús. — Pois não, majestade? Felipa esperou que todos saíssem, foi até a porta e a fechou com cuidado antes de continuar falando. — Há algo que preciso lhe dizer antes que vá embora. Quero que saiba que sinto muito orgulho de você. — Orgulho? — repetiu Murie, piscando de surpresa. — Sim, minha querida. Sei que as outras garotas foram cruéis com você, aqui na corte e, mesmo assim, nunca a ouvi se queixar nem pedir a minha ajuda para resolver a questão. As outras me procuravam a toda hora, chorando, reclamando e implorando para
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que eu intendesse. Mas você não. Enfrentou tudo sozinha e descobriu como solucionar o problema. A rainha atravessou o aposento e segurou Murie pelos ombros, olhando-a no fundo dos olhos. — De todas as moças que passaram por aqui, ao longo dos anos, você é a primeira que deixo ir sem qualquer preocupação, porque sei que será capaz de se sair bem em qualquer situação. Tenho certeza de que será feliz, e que saberá transpor qualquer obstáculo que a vida possa colocar no seu caminho. — Oh... — Murie balbuciou, esforçando-se para conter as lágrimas. Jamais podia esperar aquelas palavras de carinho vindas da rainha. Esta continuava sorrindo e se curvou para dar-lhe um beijo no rosto. — Seja muito feliz, minha menina — disse, saindo do quarto. Murie estava perplexa. Passou a mão de leve pela face, onde a rainha a havia beijado, como querendo certificar-se de que fora verdade tamanho gesto de compreensão e carinho. Seu coração estava aos pulos. Aquelas simples palavras de afeto davam uma nova perspectiva a tudo que havia passado nos últimos dez anos, ali na corte. — Querida? — A voz de Balan interrompeu seus pensamentos, chamando-a da soleira da porta. — Está tudo bem? Seus olhos estão vermelhos... — Não... não foi nada. Estou muito bem, querido. Ele a fitou por um instante e depois tomou-lhe as mãos. — Então vamos. Os cavalos estão prontos e a carruagem carregada. Osgoode nos espera. Reginald e Emilie vão nos encontrar nas cocheiras. Caminharam de mãos dadas em silêncio pelos corredores. Murie aproveitou para olhar uma vez mais as tapeçarias e enfeites que decoravam o castelo. Ali havia sido seu lar durante os últimos dez anos e queria fotografar na memória cada canto do palácio. Por mais que estivesse feliz em partir, no fundo sentia uma pontinha de tristeza, por mais que tivesse passado agruras ali. Mesmo assim... Talvez fosse porque partir significava o fim da infância e o começo da vida de uma mulher casada. Ainda pensava no assunto quando chegaram às cocheiras. — Tudo pronto! — anunciou Osgoode. Além da carruagem, havia um pequeno grupo de homens montados em cavalos brancos pertencentes à escolta particular do rei e que os seguiriam durante o trajeto. Murie viu seus baús e os de Emilie cuidadosamente arrumados na parte da carga.
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Haviam sido colocados de forma a deixar um pequeno espaço onde estavam algumas mantas de pele. Observou-as com curiosidade e depois se virou para Balan. — Parece que chegamos antes de Reginald e Emilie, não? — Sim, mas eles logo estarão aqui e... Balan não terminou a frase porque estava com uma súbita vontade de espirrar. Franziu o nariz, esperando pelo espirro, quando sentiu a mão de Murie dar-lhe um tapa no lado esquerdo do rosto, forçando-o a virar a cabeça para a direita quando o espirro veio. — Que foi isso? — perguntou com espanto assim que se recuperou. — Desculpe, milorde, mas dá muito azar espirrar para a esquerda quando se vai viajar — ela explicou. — É mesmo? E que mais você sabe sobre espirros? — Que não se deve espirrar em frente a uma sepultura e que... — Chegamos! — disse Emilie alegremente, impedindo que Murie terminasse de enumerar as crendices nas quais acreditava. — Atrasamos um pouco porque Reginald achou que devia ir despedir-se do rei antes de partir. Por sorte não havia muita gente à frente dele e foi recebido logo. Balan segurou Murie pela cintura para ajudá-la a montar seu cavalo. Enquanto isso, Reginald levantava sua mulher, acomodando-a no banco de trás da carruagem. — Emilie vai na carruagem? — espantou-se Murie. — Mas... — Não há o que discutir — atalhou Balan. E beijou Murie longamente, interrompendo-lhe a frase na metade. Quando afastouse, presenteou-a com um sorriso largo. — Sabe de uma coisa, minha querida? — Que foi? — Ainda há pouco eu ia espirrar para a direita. Você me fez virar a cabeça para a sua direita que na verdade é a minha esquerda — finalizou, rindo muito e caminhando para subir na sua montaria. Murie ficou sem fala. O que Balan dizia era verdade. Se estavam frente a frente, o lado direito dela só podia ser o esquerdo dele. Ai, santo Deus! Aquilo não era um presságio nada bom para a viagem.
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Cavalgaram toda a tarde e boa parte do anoitecer antes que Reginald e Balan decidissem que era hora de montar acampamento. Murie ficou agradecida por poder sair um pouco da sela. E mais ainda quando o marido propôs acompanhá-la até a margem do rio para que pudesse se lavar enquanto os homens montavam o acampamento. Realmente escolhi um homem muito gentil para marido, pensou, segurando-lhe a mão forte à medida que cruzavam o bosque ao redor da clareira onde acampariam. Ia tão distraída, prestando atenção na beleza do lugar, até deparar-se com uma touceira de espadas de São Jorge. No mesmo instante, puxou com força o braço de Balan. — Não pise aí, milorde! — gritou, sem, contudo conseguir que Balan parasse. — Oh, tarde demais! — Tarde demais para quê? — ele retrucou com espanto, vendo-a abaixar-se para tentar arrumar as folhas quebradas. — Nunca pise numa espada de São Jorge. Dizem que quando isso acontece, um cavalo fantasma aparece para levar a pessoa para longe. Balan observou-a, esforçando-se inutilmente para ajeitar as folhagens até que se deu conta do que estava acontecendo. Aquilo nada mais era do que mais uma das tolas superstições de Murie. Sorrindo, segurou-a pelo braço, fazendo-a levantar-se. — Acho que não precisamos nos preocupar — disse. — Por quê? Não custa evitar, não acha? — Porque eu ainda estou aqui. Não apareceu nenhum cavalo fantasma para me raptar, viu? — Oh, está bem... — ela murmurou, aconchegando-se no corpo forte. Balan acariciou-lhe as faces com a ponta dos dedos, contente por ver que ela se deliciava com o afago, sentindo-a perfeita para o tamanho de seus braços. — Sabe de uma coisa? — O quê? — Adoro quando me beija... — Gosta mesmo? — Ahã... — Quer que eu a beije agora? — Está demorando demais. Ele entrelaçou os dedos nos cabelos longos, segurando-lhe a cabeça para que os
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lábios se encontrassem por inteiro, compartilhando o calor único das bocas unidas num beijo ardente. Murie gemeu de prazer, abrindo os lábios para deixar que a língua úmida de Balan penetrasse sua boca, unindo-se à dela em um embate de toques deliciosos. Agarrou-se com força às costas do marido e colou seu corpo ao dele, implorando por mais. Balan a abraçava com força, apertando, espremendo, aproximando o máximo para que ela sentisse o poder que exercia sobre sua masculinidade. Percebendo que havia uma árvore, poucos passos atrás, Balan a conduziu para lá aos poucos sem soltá-la do abraço nem interromper o beijo. Só quando as costas de Murie estavam apoiadas contra o tronco e que afastou os lábios, mergulhando a cabeça entre os seios fartos, arrancando aflito as fitas que fechavam o corpete. Extasiado com aquela pele branca iluminada pela luz do dia, ele tomou-lhe os seios, beijando-os um a um delicadamente, terminando por sugar-lhe os mamilos até deixá-los enrijecidos. Em resposta, Murie arqueava o corpo para trás, convidando-o a consumi-la por inteiro. Já não sendo mais capaz de conter o turbilhão de emoções, Balan levantou-lhe a saia e deixou as mãos viajarem pela macia das coxas até se deter no ponto sensível que havia entre elas. Os gemidos de Murie ficaram mais altos. Sentia o vulto do membro dele se avolumando, pressionando contra seu corpo como se quisesse livrar-se sozinho das calças de couro. Também movida por um desejo descomunal, ela abriu o fecho da braguilha, libertando-o da prisão. Estava ereto e latejante, poderoso querendo cumprir sua missão. Atormentado, Balan retirou a mão que mantinha entre as pernas dela e, rapidamente, arrancou-lhe as vestes íntimas, permitindo que seu membro pudesse tocá-la naquele lugar. Murie se apoiou melhor no tronco da árvore e enroscou as pernas abertas na cintura de Balan enquanto suas mãos acariciavam em desespero os cabelos fartos, desmanchandoos num vai e vem de grande ansiedade. Sem conseguir resistir mais, Balan penetrou-a com fúria, seu líquido morno preenchendo-a em jatos fortes e sucessivos até que curvando a cabeça para trás, soltou um grito final de vitória. Por alguns momentos continuaram ali abraçados, no silêncio da mata, unidos no mais puro deleite dos corpos saciados, indiferentes a tudo a não ser ao pulsar acelerado de seus corações.
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Capítulo IX
Está tudo bem? — indagou Emilie quando voltaram ao acampamento. Os homens haviam feito uma fogueira no centro da clareira e ela estava sentada perto, aproveitando o calor das chamas. Sentindo um pouco de frio, após banhar-se rapidamente nas águas do rio, Murie também ajeitou-se perto do fogo. Ali começou a escovar os cabelos para secá-los mais rápido. — Claro que está tudo bem. Por que não estaria? — respondeu. — Oh, nada, não. Estávamos preocupados com sua demora. Mas Reginald garantiu que recém-casados precisam e devem ficar a sós pelo tempo que for necessário. Murie corou e saiu com uma resposta inesperada: — Vi uma cobra, só isso. — Aposto mesmo que viu — Emilie retrucou, piscando e deixando Murie ainda mais sem graça. — Acontece que... — Murie começou a tentar explicar mas, quando a amiga caiu na risada ela não se conteve e começou a rir também sem terminar a frase. — Não há nada que explicar. Fico muito feliz por seu casamento estar dando tão certo, pelo menos nesse aspecto — continuou Emilie. — Seria mais complicado se vocês não tivessem afinidade no assunto... digo... na cama. — É verdade — concordou Murie. Percorreu o ambiente com o olhar e viu Balan conversando com Reginald, do outro lado da clareira. Os dois riam alto. Com certeza Reginald estavam rindo da mesma coisa que elas. De repente, os olhares se encontraram e Balan sorriu ternamente. — Ele me faz tremer por inteiro quando me toca — admitiu Murie para a amiga. — Reginald também fazia isso comigo. Mas desde que descobrimos que estou grávida, nunca mais chegou perto. — Não diga? Talvez esteja com medo de machucar você. — Será isso mesmo ou então me acha horrorosa por causa da barriga? — Oh, Emilie, claro que não! O amor de vocês é evidente para quem quiser ver.
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— Então por que nunca mais me tocou? — Como não? Ele vive lhe afagando e beijando. — Não é a mesma coisa, Murie, e você sabe bem disso. Trata-se de afeto, de carinho, mas o que eu quero é... — Eu sei. Quer se sentir desejada, não é? Murie compreendia perfeitamente a aflição da amiga. Estava casada há apenas dois dias, mas, mesmo assim, já sabia que ficaria muito infeliz se de repente Balan parasse de lhe procurar. Emilie deu um suspiro e fez um gesto vago com a mão. — Sei que vai ficar tudo bem. Mas, neste momento me sinta enorme e infeliz. As coisas voltarão ao normal depois que a criança nascer. Só espero que isso não demore muito. — Calma, por favor — Murie retrucou temerosa. — Espere ao menos chegarmos ao castelo Reynard para dar à luz. Não gostaria de ajudá-la aqui no meio do mato, sem as ervas e os medicamentos necessários, nem o auxílio de pessoas mais experientes. — Não se preocupe, ainda é cedo. Faltam uns dois meses. Murie sorriu e meneou a cabeça com alívio. — Senhoras — disse Reginald, aproximando-se. — Balan e Osgoode não trouxeram tenda, só eu. Portanto, ofereço meu lugar a Murie para que passe a noite ali, ao lado de Emilie. Eu dormirei fora, junto com os outros homens, ao lado do fogo. Murie olhou para o marido, um pouco desapontada. Depois de tê-lo amado com a natureza como testemunha, desejou dormir enroscada naqueles braços fortes, ao relento, aquecidos pelo fogo e apreciando o céu estrelado. Ainda vivia a maravilhosa sensação que sentira na noite anterior ao acordar ao lado de Balan. — Ótima idéia. — Emilie concordou. Diante disso, Murie não teve outra saída. — Obrigada, Reginald — disse, forçando um sorriso. — É muita gentileza sua. Apesar de ter aceitado a idéia de pronto, assim que os homens se afastaram, Emilie comentou com desânimo: — Viu só? Agora ele não faz nem mais questão de dormir a meu lado... — E pelo visto Balan também não quer deitar-se comigo — completou Murie, igualmente desanimada. Apesar da ausência do marido ou talvez justamente por causa dela, Murie dormiu
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até bem tarde. O sol raiava forte quando acordou e viu a tenda vazia. Emilie já havia se levantado e saído. Pelo visto Cecily também já tinha cumprido seus deveres porque uma muda de roupa limpa estava cuidadosamente colocada sobre a manta de pele aos pés do catre onde dormira. Esticou o braço e pegou primeiro a combinação de seda. Depois vestiu sobre ela o resto das roupas e por fim passou a mão pelos cabelos, antes de sair. Havia muita agitação do lado de fora, todos se apressando para arrumar a bagagem e levantar acampamento. Murie tinha sido a última a acordar. — Dormiu bem, querida?—indagou Balan, sorridente. Ele estava um pouco pálido e bastante desalinhado. Tudo indicava que a noite não fora muito tranqüila. — Sim e você? — Choveu bastante durante a noite — foi a breve resposta que ouviu. Balan segurou-lhe o braço, conduzindo-a na direção do rio enquanto continuava falando. — Como você não dormiu muito na nossa noite de núpcias, deixei que descansasse até mais tarde hoje, mas já ia acordá-la quando a vi sair da tenda. Temos pouco tempo e devemos partir assim que a carruagem esteja pronta. Por isso, precisa se lavar rapidamente, antes de partir. Chegaram ao rio e Murie mal teve tempo de passar uma água nas mãos e no rosto antes que Balan a levasse de volta. Para sua total surpresa, o acampamento já estava todo desmontado, quando chegaram. A tenda dobrada já havia sido acondicionada na carruagem junto com todas as malas e os homens estavam montados em seus cavalos, todos à exceção de Reginald que ainda ajudava Emilie a acomodar-se no banco do coche. Sem que pudesse dizer mais nada, sentiu que Balan segurava sua cintura, levantando-a até a sela da sua égua. Ajeitou-se na sela como pôde e, em seguida pegou uma pequena sacola que Balan lhe estendia. — Aí está um pedaço de queijo, um pouco de pão e uma maçã para seu desjejum. — Obrigada. A seguir Balan subiu em seu cavalo para recomeçar a viagem. Murie ainda não havia acordado direito e continuava meio atordoada com a velocidade com que as coisas estavam acontecendo naquela manhã. À medida que a égua começou a andar, seus olhos
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encontraram os de Emilie que sorria e acenava para ela, de dentro da carruagem. Murie retribuiu o aceno e tratou, então, de se acalmar. Nesse instante ouviu-se um relincho estridente, chamando a atenção de todos. Era o cavalo de Balan que estava agitado demais. Em seguida passou a empinar, sacudindo as patas dianteiras, bufando e relinchando como se estivesse em dor. De repente parou e, sem que ninguém esperasse, desembestou como um louco para dentro da floresta. Muito assustada, Murie não conseguiu pensar em mais nada. Segurou as rédeas e disparou com seu animal atrás dele. No instante seguinte viu que Reginald e outros homens a seguiam. A égua de Murie era de fina linhagem, um presente do rei e da rainha no seu aniversário de dezesseis anos. Mas Trovão, o garanhão de Balan, era muito ágil, um cavalo de guerra acostumado a levar um soldado de armadura e armas pesadas. Mas Balan não estava de armadura, naquele dia, nem carregava suas armas, o que deve ter desnorteado o animal, além de possibilitar que corresse ainda mais. Ela logo perdeu as esperanças de acudir o marido. Felizmente, porém, o cavalo de Reginald também era um animal de guerra e Murie respirou aliviada quando o viu aproximar-se de Balan. Num galope desembestado, Reginald conseguiu emparelhar seu cavalo ao de Balan e estender-lhe a mão para ajudá-lo a largar seu animal e pular na garupa. Assim que sentiu que não havia mais ninguém no seu dorso, Trovão então parou onde estava. Murie assistia a tudo apreensiva e viu quando Reginald, com Balan montado atrás, foi diminuindo a velocidade até também parar. Ansiosa, aproximou-se deles. Queria ter certeza de que o marido não estava machucado. — Não lhe disse para não pisar na espada de São Jorge? — ralhou, assim que chegou ao lado dele. — O quê? — Balan perguntou confuso enquanto desmontava. — A espada de São Jorge que você pisou ontem, lembra? — disse do topo da sua sela, observando Reginald também desmontar para pegar as rédeas de Trovão que agora estava calmo. — Precisa ser mais cuidadoso. — Murie — ele respondeu pacientemente. — Pisei naquela planta ontem e não hoje. Além do mais não foi nenhum cavalo fantasma que me levou, mas sim o meu próprio cavalo, o Trovão. — Eu sei, mas talvez Trovão tenha sido possuído pelo cavalo fantasma, por isso
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desembestou. Eu lhe peço, seja mais cuidadoso, pelo amor de Deus. Se não fosse por Reginald, você poderia ter... — Ora, Murie, Trovão não foi possuído coisa nenhuma. — Irritado Balan virou-se e foi ao encontro de Reginald que segurava as rédeas do animal. — Não foi mesmo — confirmou o amigo, mostrando algo que segurava na mão — Alguém colocou esta folha de cacto embaixo da sua sela. Quando você sentou, os espinhos se cravaram no lombo do animal e ele disparou. Murie arregalou os olhos e pulou da sela para ver de perto o que Reginald segurava. De fato era uma folha de cacto bem grande e com espinhos grossos. — Será que foi o fantasma... — ela começou a indagar. — Murie! Pare com isso! — Que foi, Balan? — Pare de... eu... ora, suba já na sua égua! Reclamando baixinho, ela voltou até a sua montaria. Só queria ajudar, nada mais. Não podia ser apenas coincidência. Primeiro Balan tinha pisado na folha espada de São Jorge e depois seu cavalo disparava. Aquilo era mais do que uma simples coincidência. Por que é que Balan não percebia isso? — É melhor não montar em Trovão por enquanto — Reginald advertiu — Ele ainda deve estar com o lombo bem dolorido. — Tem razão — respondeu Balan. — Talvez seja melhor deixá-lo um dia inteiro sem qualquer peso no dorso para que melhore. Murie já estava dando a volta com sua montaria para retornar quando ouviu o chamado de Balan. — Ei, espere um pouco! Vou montar com você. — Ah, está bem... — Boa idéia — Reginald complementou. — Deixe que eu seguro as rédeas de Trovão e o levo comigo. Amuada, Murie viu o marido se preparar para subir na sua sela e sentar-se à frente. — A égua é minha, portanto se quer vir comigo, sente atrás. Eu é que vou dirigir — ordenou, com voz ríspida. Balan não respondeu. Apenas montou rapidamente e apoiou seu peito firme contra as costas dela. Depois segurou as rédeas e fez o cavalo mudar de posição, antes de
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devolvê-las a Murie. — Você estava virando na direção errada — disse, sem se alterar. — Agora pode ir. Murie sorriu sem graça. Nesse instante ouviu-se um som estridente, uma espécie de piado agudo no meio da mata que a assustou. — Uma gralha — disse. — Como? — É o canto de uma gralha, um péssimo agouro. Dizem que anuncia a morte... mas não me lembro se isso é só quando canta de noite ou também de dia. — Minha querida esposa, vamos simplesmente voltar ao acampamento, está bem? Neste momento estou sem paciência para ouvir essas suas ridículas superstições. O tom de Balan era áspero e seco. Não havia necessidade de tratá-la assim, já a estava magoando. Primeiro ele havia gritado sem necessidade, depois chamado sua atenção e agora a tratava como se fosse uma tola qualquer. Com surpresa sentiu-lhe as mãos fortes se insinuarem sobre a blusa fina, afagando-lhe os seios. — Que está fazendo? — perguntou, olhando de um lado a outro para ter certeza de que Reginald não os via. — Ora, estou me segurando para não cair da sela — respondeu Balan com uma risadinha, dando-lhe um leve beijo na nuca. Murie prendeu a respiração, procurando as palavras para pedir-lhe que parasse com aquilo. Mas Balan já havia descoberto os bicos endurecidos dos seios e brincava com eles entre os dedos. — Balan... — ela murmurou, curvando as costas para facilitar-lhe o acesso. Nisso, ele deixou que uma das mãos escorregasse até o centro das coxas bem torneadas, acariciando-a vagarosamente. Murie gemeu, dobrando um pouco mais o corpo contra o peito dele. Mas logo teve que se aprumar outra vez porque Reginald se aproximava, até cavalgar ao lado deles. Mais do que depressa, Balan tratou de mudar as mãos para uma posição menos comprometedora. — Já que você não vai poder usar seu cavalo hoje, estive pensando que talvez devêssemos adiar a partida para amanhã — dizia Reginald, fingindo não ter visto nada. — De forma alguma. Partimos hoje mesmo. Murie vai na carruagem com Emilie e eu vou montado na égua dela. Ao ouvir isso, Murie outra vez ficou desgostosa com as atitudes do marido. Aquilo que ele dizia era exatamente o que ela pretendia fazer: oferecer-lhe sua égua para que pudessem seguir viagem. Mas ele sequer lhe dera a opor-
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tunidade de fazer uma gentileza. Anunciara sua decisão como se fosse lei, sem ao menos lhe perguntar nada. Pelo visto era um homem autoritário. — Não vamos nos atrasar por causa disso — continuava Balan. — Partimos logo para chegarmos ao nosso destino amanhã, conforme planejamos. Lorde Reynard fez uma cara de alívio e Murie procurou acalmar-se. Era evidente que Reginald se preocupava com Emilie e não gostaria de retardar a viagem. Devia ser essa a razão de Balan tomar sua decisão de forma tão firme e de anunciá-la com tanta autoridade. Pensou que precisava ser mais compreensiva e aceitar a maneira de ser do marido, por mais irritantes que fossem... Chegaram de volta ao acampamento e Balan a ajudou a descer do animal, segurando-a pela cintura. — Agora entre na carruagem e diga a Emilie que está tudo bem. Ela deve estar preocupada — disse Balan assim que a colocou no chão, dando-lhe um tapinha nas nádegas. Sem responder, Murie apenas obedeceu. Sorrindo, Balan observou-a esposa se afastar, resmungando baixinho e sem olhar para trás. Quem veio ao seu encontro foi Osgoode. — O que aconteceu? Por que Trovão disparou daquele jeito? — Colocaram um cacto em baixo da sela — explicou Reginald. — Cacto? Colocaram de propósito? — Isso ninguém sabe. Talvez tenha sido um acidente. Mas estava numa posição que só machucava se houvesse peso sobre a sela. — Isso foi feito de propósito. Você poderia ter morrido! — Osgoode continuou, preocupado. — É verdade. Balan pegou a sela de seu cavalo e entregou-a a um dos criados para que fosse devidamente guardada. — Vou lá ver como está Emilie — Reginald informou, afastando-se. — Muito obrigado pela ajuda — agradeceu Balan sincero, embora tardiamente. Ele bem sabia que aquele acidente poderia ter causado sua morte, se não fosse a presteza com que Reginald o acudiu. Enquanto isso, Osgoode continuava alarmado, rondando à sua volta.
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— Você não acha que pode ter sido Murie quem... — estava dizendo o primo com uma expressão de preocupação. — O quê?! — Bem, Balan, foi só uma idéia que me ocorreu... andei pensando... ela nunca veio brigar com você por causa daquela noite em que esteve no quarto dela, antes de casar. E, mesmo sem saber se havia ou não sido enganada por você, aceitou ir logo embora da corte na sua companhia. — Sei, e daí...? — Daí que, talvez ela esteja tão furiosa que, em vez de brigar, prefira... ãh... dar um jeito de acabar com o casamento. — Que maluquice, Osgoode. O casamento foi realizado e consumado. Agora ela é minha para sempre. — Até que a morte os separe, não é? — Como?! Você está insinuando que ela pode estar querendo me matar? Ora, não seja ridículo! Balan deu as costas e rapidamente montou na égua de Murie. Mas o pensamento persistia na sua mente. Ficou matutando sobre o assunto por diversas horas, enquanto seguiam viagem. Havia muitas perguntas sem respostas. Por que ela ainda não o confrontara sobre aquela noite? Por que decidira por conta própria ir embora da corte e arranjara tudo com tanta rapidez? As dúvidas eram muitas... Sem dizer nada a ele, ao contrário do que se espera de uma esposa, Murie fora diretamente ao rei pedir permissão para partir, obrigando-o assim a fazer o mesmo sem saber se era sua vontade ou não. Talvez fizesse parte de um estratagema maior para afastá-lo do castelo do rei. Na mata acidentes acontecem com mais facilidade e não há ninguém para testemunhá-los. E na viagem que faria certamente passariam por muitas matas, florestas e descampados... Em caso de acidente ninguém desconfiaria de Murie porque ninguém sabia que talvez tivesse motivos para estar tão brava e ofendida. Será mesmo que Murie havia tramado tudo isso? — Balan passou o dia olhando para você de uma forma estranha — disse Emilie enquanto descansavam perto da fogueira do acampamento. — Que foi? Vocês brigaram? Murie lançou um olhar na direção ao marido que estava em outro canto, conversando com um homem. Ele também a fitou de forma pensativa, sem sorrir.
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Não estava mais irritada, mas percebeu que as posições se inverteram. Agora a impressão era que ele sim estava contrariado. Pois muito bem, em retaliação não daria o braço a torcer nem sequer seria carinhosa. Afinal, passara o dia todo socando desconfortavelmente dentro daquela carruagem enquanto ele cavalgava bem mais à vontade na sua égua. Por que será que os homens sempre acham que as mulheres viajam melhorem carruagem do que a cavalo? Ali era bem mais desconfortável, com solavancos seguidos e poucas posições para se mexer. Murie sentia todo o corpo dolorido e o estômago enjoado. Definitivamente, aquele não fora um de seus melhores dias. — Não foi propriamente briga. Balan só está incomodado comigo porque tenho certeza de que o acidente dele, esta manhã, foi causado pelo cavalo fantasma — Murie continuou a conversa na tentativa de se distrair do desconforto. — Como? Que história é essa? Em poucas palavras explicou à amiga o caso da espada de São Jorge e suas conseqüências. Quando acabou, Emilie soltou uma gargalhada alta. — Ai, meu Deus, Murie! Essa sua crença em qualquer bobagem é a única coisa que a impede de ser uma mulher perfeita. — Oh, desculpe, eu... — Não tem do que se desculpar. Se você fosse perfeita eu jamais ia querer sua amizade. Já imaginou como seria enfadonha? As duas ficaram em silêncio por algum tempo. Com o olhar, Murie novamente procurou Balan, mas não o viu por perto. Imaginara que ele viria buscá-la novamente para irem se lavar no rio. Sonhara que ele a beijaria e a acariciaria como no dia anterior e que acabariam se rendendo à paixão... Mas não foi o que aconteceu. Quem apareceu foi Reginald, que as acompanhou até o rio e esperou de costas até elas terminarem a higiene. Pelo visto Balan estava ocupado ou desinteressado demais para ter comparecido. Quando voltaram ao acampamento, Murie viu o marido sentado a um canto e se espantou com sua aparência. Talvez por causa da luz difusa das chamas, mas o rosto parecia sem cor, meio acinzentado. — Murie, você está bem? — perguntou Emilie. — Por várias vezes a surpreendi passando a mão no estômago.
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— Estou um tanto enjoada. Acho que é por ter andado o dia todo na carruagem. Não sei como você agüenta, Emilie. — Não tive outra escolha. Reginald só permitiu que eu viajasse à corte se fosse dentro da carruagem. E eu aceitei porque queria muito encontrá-la, Murie. — Oh, Emilie, você é uma grande amiga. Obrigada. De repente o semblante de Emilie contraiu-se de espanto. — Murie! — chamou. — Que está sentindo? Está ficando muito pálida! — Eu... minha vista está turva... eu... Foi a única resposta que Murie conseguiu balbuciar antes de cair ao chão.
Capítulo X
Como está, primo? A voz de Osgoode fez Balan levantar a cabeça e abrir de leve os olhos. Deitado e imóvel, estava prostrado no chão sobre uma touceira de feno. Em resposta deu um gemido e tentou se virar, o que provocou mais náuseas. Era assim que tinha passado toda a noite, colocando para fora tudo que tinha no estômago. — Tenho uma boa notícia — continuou Osgoode. — Provavelmente não é Murie quem está querendo matar você, pois ela também ficou doente. — Do que está falando? — Balan perguntou enquanto arquejava. — Do seu jantar de ontem. Parece que Murie quis prepará-lo pessoalmente e achou que ficou tão bom que também comeu uma boa parte. Claro que não faria isso se tivesse colocado algo na comida para envenená-lo. Portanto, ou foi um acidente ou alguém envenenou a carne que ela deixou assando enquanto foi com Emilie e Reginald banhar-se no rio. Balan virou de costas, gemendo alto. — O pedaço de carne que ela me trouxe era pequeno... — disse, com esforço. — Era só a metade porque ela já tinha comido a outra metade. Ainda bem. Emilie acha que se você tivesse comido tudo sozinho, já estaria morto. — Santo Deus. Mas como está minha mulher? — Um pouco pior do que você. Como ela é mais miúda, a mesma dose do veneno fez
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mais efeito. Além de vomitar, está tendo alucinações. Balan tentou desajeitadamente se levantar. — Eu preciso... — Calma. Emilie está cuidando dela. Não há necessidade de você... Osgoode nem tentou continuar a argumentar. Sabia o quanto seu primo era teimoso e que não desistiria de ir ver como estava a esposa. Era melhor ajudá-lo a levantar do que ficar discutindo. Os poucos passos que levavam ao centro do acampamento pareceram uma longa viagem. Balan sentia as pernas tremerem, como se a terra se movesse sob seus pés. A vista estava embaralhada e via tudo de forma difusa. Foi com alívio que chegou à tenda e viu Reginald abrir a cortina de lona que servia de porta para deixá-lo entrar, indicando-lhe o catre onde sua mulher estava deitada. Tropeçou para dentro e, aos trancos e barrancos foi até ela, deixando-se cair ao lado de Murie. — Balan, seu aspecto está um pouquinho melhor — disse Emilie, ao vê-lo entrar. — Estou melhor sim — balbuciou Balan. — Consegui dar três passos sem vomitar. — Sei... — ela respondeu com ar de muita contrariedade. — Reginald me contou o que você e Osgoode andam pensando. É um absurdo! Imagine se Murie iria querer matálo. Claro que não! Ao ouvir isso, a vontade de Balan foi dar uma bronca no primo língua-solta, mas não tinha forças para fazê-lo. Não, naquele momento. Emilie, por sua vez, continuava falando indignada. — Murie pretendia questioná-lo sobre você ter entrado no quarto dela e também o fato daquilo não ter sido um sonho, mas sim a sua presença de verdade. Antes disso, porém, ela entrou e ouviu a conversa entre você, Osgoode e meu marido. Soube que vocês estavam preocupados comigo e que pretendiam pedir permissão ao rei para deixar a corte mais cedo. Ela temia que Eduardo não aceitasse os argumentos e por isso resolveu ir ela própria falar com ele — explicou com a cara fechada. — Como pôde pensar que ela seria capaz de colocar aquela folha de cacto em baixo da sua sela? Ou que envenenaria sua carne e depois ela mesma comeria a metade? Não seja ridículo, Balan! Deitado ao lado de Murie e quase inconsciente ele ouviu tudo em silêncio, percebendo a indignação e a revolta nas palavras de Emilie que lhe dirigia um olhar de reprovação. Contudo, nada disse, porque em seguida desmaiou. Quando Murie abriu os olhos sentiu que havia um braço pousado sobre sua cintura.
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Virou-se devagar e, surpresa, viu a figura do marido a seu lado. Sem entender direito o que estava acontecendo passou um olhar confuso pelo recinto. Percebeu então que não estava mais na tenda do acampamento, mas em outro lugar. Aos poucos foi se mexendo, retirou com cuidado o braço de Balan de cima de seu corpo e trêmula se levantou. As pernas estavam bambas. Apoiando-se nas paredes conseguiu dar alguns passos até a porta. — Murie! Por que levantou? Era a voz de Emilie que vinha alarmada ao seu encontro. Murie sorriu com alívio ao ver que a amiga estava ali. Mas que lugar era aquele? — Onde estamos? — perguntou. — No castelo Reynard — respondeu Emilie. — Mas você precisa voltar para a cama. Esteve muito mal, muito doente, minha querida. — Tenho que ir ao banheiro... — Ah, então venha que vou ajudá-la — disse a amiga, passando o braço por sua cintura. À medida que seguiam pelo corredor, Murie olhava a sua volta. Nunca antes havia se encontrado com Emilie longe da corte ou do castelo do rei. — Sua casa é muito bonita. — Emilie sorriu. — É sim, mas como sabe? Até agora só viu o quarto e parte do corredor. Preciso lhe mostrar o resto do castelo antes que vá embora. — Sabe que não me lembro de como cheguei aqui? Só lembro de ter ficado muito enjoada com o balanço da carruagem. — Seu mal-estar não foi por causa da carruagem, Murie. Você foi envenenada, meu bem. — O quê?! — Isso mesmo, mas achamos que queriam atingir a Balan e não a você. Só que infelizmente você acabou comendo a metade da carne que havia preparado para ele. — Não posso acreditar. Aquela carne estava envenenada? A carne que assei para Balan? Mas como se fui eu mesma que temperei e pus para assar. — Eu sei, mas deixamos o fogo sozinho quando fomos tomar banho no rio, lembra? — Ah, é verdade. Bem que eu disse a Balan que o canto de uma gralha era prenúncio de morte. Meu Deus! Se ele tivesse comido toda a carne sozinho podia ter...
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— É... — murmurou Emilie. — Achamos que puseram o veneno enquanto estávamos no rio e que o fato de você ter comido a metade salvou a vida de Balan. — Na verdade comi um pouco mais da metade. Não era minha intenção, mas o gosto estava tão bom que fiquei tirando um pedacinho depois do outro. — Com isso salvou a vida dele e colocou a sua em risco. Você ficou muito mal, Murie. — Pode ser, mas isso não tem tanta importância. É preferível ficar doente do que perder o marido. — Balan ficou muito preocupado com você. Passando mal, como estava, fez questão de arrastar-se para ficar a seu lado, naquela noite. Depois, no dia seguinte, insis tiu em levá-la na garupa do cavalo dele durante o último trecho da viagem para que não precisasse ir na carruagem. Reginald sugeriu que esperássemos você se recuperar antes de seguir adiante, mas ele não aceitou. Queria que chegássemos aqui o quanto antes para colocá-la na segurança do nosso castelo, aos cuidados de Marian. — Minha querida Marian... — Murie sorriu, repetindo o nome. — Como está ela?
A criada havia cuidado de Emilie desde que ela era criança. Era muito dedicada e tinha grandes conhecimentos sobre remédios e tratamentos de saúde. Marian fora também muito carinhosa com Murie cada vez que acompanhara a patroa nas suas visitas à corte. Ambas ficaram tristes quando Marian anunciou que estava velha demais para viajar tanto e parou de acompanhar Emilie nas suas andanças. Agora ela não saía mais do castelo Reynard. Permanecia sempre ali. — Ficando mais velha — respondeu Emilie com um suspiro. —Às vezes me assusta ver como a pele de Marian ficou enrugada e o corpo tão frágil. Tenho medo de perdê-la em breve. — Isso não acontecerá. Ela é uma mulher forte. Vai viver para ver nossos filhos e talvez até nossos netos. — Tomara que você esteja certa. Chegaram ao reservado e Emilie esperou do lado de fora enquanto Murie se aliviava. Quando saiu a amiga a amparou para ajudá-la a voltar ao quarto. No entanto, Murie se deteve. — Estou com fome — disse.
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— Hum... Isso é um bom sinal. Assim que colocar você na cama vou lhe trazer algo para que se alimente — respondeu Emilie. — Não quero voltar para a cama. Prefiro ficar conversando com você. Quero descer e conhecer o resto do castelo. — Ah, está bem. Estou vendo que é uma paciente bem rebelde, fazendo jus à sua fama de birrenta, não é? — Emilie riu. — Reynard! Venha cá me ajudar a levar Murie para o andar de baixo. Reynard estava sentado diante da mesa do saguão, mas, assim que ouviu o chamado da esposa, levantou-se e foi acudir. — Não acha que ela devia ficar na cama? — perguntou à mulher. — Pode ser que sim, mas não quero — respondeu Murie, antes que Emilie dissesse qualquer coisa. Não desejava que a tratassem como se estivesse tão doente que fosse incapaz de tomar suas próprias decisões. — Está bem, se é isso o que quer, Murie. Mas vai ter que explicar isso a Balan quando ele acordar. Tenho certeza de que vai ficar contrariado. Eu ficaria se Emilie insistisse em levantar depois de ter passado tão mal. — Ah é? Pois então ficará contrariado muitas vezes porque garanto que Emilie não é uma paciente nem um pouco menos agitada do que eu. Os dois riram gostosamente enquanto desciam as escadas. — Reginald, tem mais uma coisa — continuou Murie. — Alguma vez já lhe disse o quanto sou grata a você por amar tanto minha amiga, tratá-la tão bem e ser tão ótimo marido para ela? — E eu já lhe disse alguma vez que estou muito agradecido por você não ter mandado o rei me prender quando me propus a casar com Emilie e a levá-la para longe da corte? Murie franziu a testa e olhou para a amiga por cima do ombro. — Não me diga que você contou tudo a ele! Na época tinha sido uma decepção para Murie saber que Emilie estava prometida em casamento para um lorde vindo do norte do país. Nenhuma das duas ficara feliz com a idéia. O castelo da família de Emilie era próximo ao castelo do rei e as duas costumavam se encontrar com muita freqüência. Depois do casamento, teriam que se afastar. Murie chegou a pensar em pedir ao rei que impedisse o enlace.
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Tudo mudou, porém, com a chegada de Reginald. Quando se viram, ele e Emilie se apaixonaram tão de imediato que Murie desistiu de colocar qualquer obstáculo. — Pode ser... — Emilie respondeu com um sorriso um tanto sem-graça. — Devo também agradecer-lhe — continuou Reginald — Por você ter sido uma amiga tão fiel e boa para minha esposa, sra. Murie Somerdale. — Melhor chamá-la de lady Gaynor — disse uma voz grave. — E posso saber para onde diabos está levando minha mulher, Reginald? Com Murie ainda amparada nos braços, os três se viraram para ver Balan que se aproximava. Murie mordeu o lábio quando viu o aspecto do marido. Usava apenas uma camisa andrajosa e estava sem as calças. Os cabelos revoltos apontavam em todas as direções. Seu olhar era furioso e Murie achou que era hora de ela intervir. — Bom dia, meu marido. Ninguém está me levando a parte alguma. Eu é que levantei sozinha e, quando sugeriram que voltasse para a cama, insisti para descer. Estou com fome e pedi a Reginald que me ajudasse a chegar até a mesa. E agora vou me sentar e comer com gosto, pois preciso recuperar as forças, entendeu? — Murie fez uma pausa para retomar o fôlego, e então continuou. — E você, dormiu bem? Não se contendo, Emilie soltou uma gargalhada. Levando a mão à boca, ela meneou a cabeça, envergonhada. — Oh, me desculpe — disse tentando conter o riso. — Deve ser minha gravidez que me deixa meio histérica. — Se não isso é o fato de o meu marido estar sem calças aqui no meio do saguão, onde todos podem vê-lo — retrucou Murie, olhando para Balan. — Francamente, Balan, que tal se fosse acabar de se vestir? Balan sequer se moveu ou pareceu embaraçado. Somente após lançar um olhar de raiva para eles é que por fim se virou e caminhou de volta para o quarto. Reginald, seguido dos risinhos de Emilie que vinha atrás dele, amparou Murie até a mesa onde a acomodou com cuidado. — Muito bem... — ela disse sem-graça, assim que sentou. — Agora todos já sabem o quanto meu marido é bem dotado, não é? Isso não é ótimo...? — Já? — Murie exclamou com desânimo. Balan continuava carrancudo desde que viera juntar-se a eles à mesa, desta vez completamente vestido e mais arrumado. Mas ela não esperava que o marido quisesse encurtar tanto a visita a ponto de pretender ir embora no dia seguinte.
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— Temos que chegar logo a Gaynor para fazer os preparativos para o inverno. — Eu sei, mas você disse que podíamos ficar aqui uma semana ou ao menos alguns dias. Ouvi quando dizia isso a Reginald. — Exatamente, mas já estamos aqui há uma semana. — Como?! — perguntou, incrédula. Sabia que o marido havia dito a Osgoode que jamais mentiria para ela, mas, mesmo assim, olhou para Emilie, procurando a confirmação. A amiga balançou a cabeça afirmativamente. — É sim, Murie. O veneno afetou você de forma bem mais grave do que a Balan. Passou a semana inteira delirando. Abatida, Murie deixou cair o corpo contra o encosto da cadeira. Havia perdido por completo a noção do tempo. Sequer lembrava de quando havia chegado ao castelo Reynard apesar de lhe dizerem que tinha acordado diversas vezes durante esse período. — Lamento que não tenha aproveitado melhor a companhia de Emilie enquanto esteve inconsciente — disse Balan. — Mas não podemos perder mais tempo. Terá o resto do dia de hoje para se recuperar e conversar com sua amiga. Amanhã cedo partiremos. Reginald já ofereceu sua carruagem para que viaje com um pouco mais de conforto. Assim chegará mais descansada. — Descansada? Naquele maldito veículo? De jeito algum! Eu vou a cavalo. Me recuso a ir de carruagem.
— Veja, estamos quase chegando. Do banco traseiro da carruagem, Murie olhou irritada para o marido. Ele sorria satisfeito enquanto ela estava terrivelmente desgostosa. Sua vontade era arrancar-lhe o sorriso da face com um puxão. O fim da viagem fora longo e cansativo. Tinha durado o dia inteiro. Haviam saído de madrugada, Balan e Osgoode nas suas montarias, ela e Cecily dentro do coche. Havia também o cocheiro e outros dois soldados que faziam a escolta. Estes três fariam o caminho de volta no dia seguinte, depois de passar a noite na propriedade de Balan. Osgoode e Balan não haviam levado seus respectivos guardas de segurança à corte, pois eles tinham ficado em Gaynor para trabalhar, substituindo os muitos empregados que haviam fugido dali ou morrido com a peste. Dessa forma, por viajar sem guardas, optaram por não parar durante o trajeto.
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Trataram de fazer suas refeições montados na sela enquanto cavalgavam e Murie fizera as dela na carruagem em movimento. Contudo, comer não era o único motivo para querer parar um pouco. Havia horas que Murie sentia a bexiga cheia e temia não conseguir chegar a seu destino em tempo, antes de passar por um vexame total. Aquelas provações todas a deixavam ainda mais irritada com o marido. Inclinou-se, apoiando o braço no lado da carruagem e acenou para Balan. Vendo o sinal, ele guiou seu cavalo para mais perto. — Que foi? — Preciso ir ao matinho. — O quê? — Estou dizendo que preciso ir ao mato. — Para quê? — Ora, para... porque preciso, oras! — Acho que ela está querendo atender a um chamado da natureza — disse Osgoode que cavalgava ao lado de Balan. — Ah, está bem. Por que não disse logo? — Mas eu disse — Murie resmungou. Dirigindo seu cavalo para mais perto do cocheiro, Balan ordenou que parasse. Assim que o fez, Murie pulou para fora do coche e saiu correndo floresta adentro com suas pernas ainda bambas, sem esperar que a acompanhassem. Sumiu entre as árvores no mesmo instante, deixando Balan e Osgoode para trás e foi atender às suas necessidades. Depois, já aliviada, foi caminhando bem devagar rumo à carruagem parada. Não tinha pressa alguma em voltar para o desconforto do banco daquele maldito coche. Distraída foi percebendo que a caminhada de volta parecia-lhe bem mais longa do que a de ida. Deu mais alguns passos e parou quando ouviu a voz aflita de Balan e do seu primo. — Murie! Murie! — ambos gritavam para chamá-la. Estavam atrás dela e só então se deu conta de que tinha andado na direção contrária, se embrenhando ainda mais na mata em vez de voltar. — Estou aqui! — respondeu. — O que houve? Você se perdeu? — perguntaram, correndo até ela. — Claro que não. Só estava tentando voltar. — Mas você foi longe demais. Como estava demorando, ficamos preocupados —
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explicou Osgoode. Murie corou. Não entendia como tinha se desviado tanto do caminho. A questão martelava em sua mente, quando o pio forte de um cuco desviou sua atenção. Sem mais nem menos ela imediatamente se jogou no chão e começou a rolar entre as plantas. — Por Deus, Murie! Que demônios está fazendo? Tem certeza de que você está bem? — espantou-se Balan, agarrando-a e fazendo com que ficasse novamente de pé. — Claro que estou, mas não devia ter me segurado. — Por quê? — Você não ouviu o canto do cuco, Balan? Quando o cuco canta, a gente deve deitarse e rolar na grama ao primeiro piado. Isso traz boa sorte por um bom tempo. — Sei... — murmurou Osgoode, sem acreditar no que ouvia. — Em condições normais, eu não teria feito isso para não estragar meu vestido. Mas sabendo que há alguém querendo matar meu marido, achei que não podia desperdiçar a oportunidade de ter mais essa proteção. Mesmo que esteja meio brava com ele agora, sei que isso vai passar e não quero que ele sofra nenhum mal. — Entendo... — Osgoode concordava, um tanto abobalhado. Enquanto isso Balan a fitava sem dizer uma palavra, com expressão indecifrável em seu rosto. Murie foi caminhando na frente dos dois, desta vez na direção certa. Então ouviu Balan sussurrar para o primo. — Santo Deus, acho que me casei com uma maluca. — Pode ser, mas pelo menos agora sabemos que não é ela quem está tentando matálo — cochichou Osgoode em resposta, com uma risadinha. Indignada, Murie virou a cabeça e os encarou. — Riam se quiserem, mas não é fato que você espirrou para a esquerda antes de começar a viagem, Balan? E não tivemos bastante azar no trajeto, depois disso? Também pisou na espada de São Jorge e em seguida seu cavalo disparou, não foi? E quando ouvimos o canto da gralha a comida foi envenenada logo depois. Podem achar quanta graça quiserem, mas cada um desses acontecimentos foi precedido por um aviso do além. Algum dia ainda vão me agradecer por eu acreditar nessas superstições. Assim dizendo, Murie virou as costas e com passos decididos caminhou em direção a carruagem. Subiu nela por conta própria e se ajeitou no banco, tremendo de ódio. Os homens, então, montaram nos seus cavalos. Balan, no entanto, se aproximou do coche,
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segurou-a pelo braço e em seguida pela cintura, carregando-a para fora. Ergueu-a em seu colo e a colocou sentada na sela, à frente dele. — Obrigado por ter querido trazer-me sorte e rolado na grama, mesmo arriscando estragar seu vestido — ele sussurrou ao ouvido de Murie, que permanecia rígida em seus braços. — Não há de que, meu marido. E eu agradeço que tenha me tirado daquela horrível carruagem. — Não podia deixá-la chegar ao castelo com essa cara tão amuada. Ia espantar os poucos criados que ainda nos restam — caçoou Balan, vendo que a esposa agora ameaçava sorrir. — Assim está bem melhor. Aqui do meu ladinho ainda posso fazer isto — completou, mordendo de leve a orelha dela. Murie ficou ofegante, sentindo a língua de Balan percorrer todo o contorno de sua orelha. A rigidez do corpo foi aos poucos amolecendo com a sensação e ela apertou-se mais contra o peito do marido, facilitando-lhe a carícia. Então ele segurou seu queixo e a fez virar a cabeça para beijá-la com intensidade. Desta vez a língua penetrou ágil entre seus lábios e tomou por inteiro a posse de sua boca.
A comitiva seguia viagem percorrendo havia mais de uma hora uma floresta densa com enormes árvores que se enfileiravam de lado a lado da estrada pedregosa. Foi então que finalmente se ouviu um chamado. Acabavam de cruzar a floresta e estavam diante de um campo aberto onde Murie podia ver, pela primeira vez, o lugar onde iria morar dali em diante. Nos campos, grande parte da produção ainda estava por ser colhida e começava a estragar. Ao longe, do lado direito, a pequena vila parecia deserta. No topo do morro se via o castelo. Uma construção grande e surpreendentemente bonita. — Perdemos muita gente com a doença. Agora, meus pobres soldados estão trabalhando no campo no lugar dos lavradores, tentando salvar a colheita. E claro que não estão em número suficiente e que não têm a habilidade nem a destreza dos trabalhadores do campo. Por isso boa parte dos grãos ainda continua no pé e vai apodrecer. — Isso vai ser bom para a terra — observou Murie. — No próximo ano o solo estará muito mais fértil e a colheita será bem melhor, você vai ver. O homem que os chamara se aproximava, andando apressado pela estrada. Não era um soldado e seu corpo magro parecia subnutrido. Os cabelos, já agrisalhados faziam com que aparentasse mais idade do que a agilidade dos seus passos sugeria. O rosto estava marcado pela inclemência do tempo e pela rudeza do trabalho. Devia ser um dos
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sobreviventes da vila, concluiu Murie. Ele veio até Balan que fez o cavalo parar no mesmo instante. — Que bom que tenha voltado, milorde — disse o homem, com ar satisfeito. — Já sabíamos que estava a caminho e que tinha arrumado uma bela esposa — ele continuou, sorrindo para Murie. — Seja muito bem-vinda à propriedade Gaynor, milady. — Obrigada, senhor — ela retribuiu o sorriso. — Murie, este é Habbie, o capataz, encarregado dos estábulos. — Balan fez as apresentações. — Mas que está fazendo aqui, tão longe das cocheiras? — Procurando algo para dar de comer aos cavalos, milorde. Mas quase tudo já está perdido. Murie observou o homem que lançava um olhar entristecido sobre os campos deteriorados e se comoveu. — Parece que a situação é mesmo crítica, não Balan? — É sim — ele respondeu com desalento. — Mas suba aí na carruagem, Habbie. Nós o levaremos de volta. O capataz cumprimentou Cecily, foi sentar no banco dianteiro, ao lado do cocheiro e a comitiva seguiu seu trajeto. Agora Murie podia ver mais de perto o estado das plantações. Os grãos tinham se desenvolvido bem. O único problema era que não haviam sido colhidos a tempo. Pelo visto aquela terra era boa e saudável. Não havia dúvidas de que no ano seguinte a colheita seria boa, pensou. Gaynor certamente ia se recuperar. O vilarejo era deprimente. Mesmo de longe, parecia uma cidade fantasma. Passaram por ele sem ver uma só pessoa ou animal. As portas e janelas das casinhas humildes permaneciam abertas, batendo de um lado a outro ao sabor do vento. Os jardins e as pequenas hortas ao redor da propriedade, que antes floresciam com abundância, agora estavam cobertos pelo mato e ervas daninhas. Murie sentiu alívio quando se afastaram dali. Foi então que notou os montes regulares de terra mexida que se alinhavam dos dois lados da estrada. Não foi preciso que Balan lhe explicasse o significado daquilo. Era evidente que ali haviam sido enterrado os mortos. Com tantas pessoas morrendo ao mesmo tempo, fora preciso fazer covas coletivas para sepultá-los. O medo da contaminação exigia que tudo fosse feito às pressas para cobrir os corpos. A peste havia se alastrado por toda a Inglaterra, incluindo a região de Berkshire onde
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ficava o castelo de Eduardo III. O medo da doença provocara enorme pânico levando os moradores da região a agir de modo impensado. Balan apertou mais os braços em torno da cintura de Murie, interrompendo seus pensamentos. Agora passavam por cima do pontilhão que dava acesso ao grande terreiro da frente do castelo. Ali também se viam sinais de abandono, mas pelo menos havia gente, na maioria homens, trabalhando. Fortes e queimados de sol, eram claramente soldados, muitos ainda usando suas roupas de guerreiros. Outros já vestiam roupas mais adequadas à lida, apesar de desgastadas. Eram túnicas velhas de tecido grosso e calças remendadas nos joelhos. Todos se viraram para ver a comitiva que chegava com uma expressão de alívio e sorrisos de boas-vindas. Emilie já havia lhe contado muitas coisas sobre a situação crítica nas propriedades de Gaynor, mas foi só ao ver aqueles rostos que Murie teve a exata medida do quanto sua chegada significava uma esperança para aquela gente. Foi então que tomou a decisão, bem ali, naquele momento, que não iria desapontá-los. Faria tudo que estivesse a seu alcance para dar-lhes uma melhor condição e para garantir a segurança do chefe deles, o lorde que era também seu marido. Mesmo estando um tanto desgostosa com ele, passara boa parte da desconfortável viagem pensando na segurança de Balan. Ele havia sofrido diversas ameaças e precisava de proteção. Não fosse por sua gulodice, que havia beliscado aos poucos a carne até comer a metade, seu marido estaria morto a essa hora. O fato é que não podia de forma alguma perder Balan e estava decidida a descobrir o responsável por tentar envenená-lo. Precisava saber quem e por que estavam querendo acabar com a vida de seu marido e, sobretudo, conseguir que parassem de ameaçá-lo. Já havia feito uma lista das providências que tomaria e só lhe faltava, agora, traçar com cuidado um plano para executá-las.
Capítulo XI
— Aqui estamos! — Murie olhou à sua volta enquanto o marido desmontava e estendia os braços para ajudá-la a descer da sela e colocá-la aos pés da escadaria na entrada do castelo. As pessoas foram chegando perto para rodeá-los. Eram em sua maioria homens, porém, quando as portas do castelo se abriram, surgiram os rostos sorridentes de diversas mulheres. Elas começaram a descer as escadas com alegria, seguidas por dois
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meninos, um homem baixo e gordinho e outro magro e longilíneo. — Quem são eles? — Murie perguntou a Balan. — O cozinheiro e o mordomo. Ambos usavam túnicas marrons de um tecido grosso, semelhante aos dos demais trabalhadores. Não era necessário ser muito esperta para adivinhar que o gordo era o cozinheiro e o magrinho o mordomo. No entanto, Murie se surpreendeu quando Balan os apresentou. — Minha esposa, este é Clement, nosso cozinheiro — disse, apontando para o homem alto e magro. Murie piscou admirada. Todos os cozinheiros que conhecia eram rechonchudos e bonachões. Mas este era sério e com cara de poucos amigos. Decerto ele não cozinhava bem, ela pensou. Por isso era tão magro. Clement, repetiu mentalmente o nome. Aquele nome lhe soava algo estranho... O homem a cumprimentou com um leve e seco aceno de cabeça. — E este é Thibault, o mordomo — continuou Balan, indicando o gordinho sorridente e bem mais simpático. — Oh, milady! Não imagina o quanto estamos contentes por recebê-la! Sua presença traz esperança para todos nós e desejamos que seja muito feliz aqui — Thibault disse, beijando-lhe a mão com cortesia. — Esta é Gatty. — Balan apresentou a mais velha das mulheres. — Ela cuida da minha irmã desde que nasceu. E estas outras são Estrelda e Livith, as filhas dela, que cuidam da casa — completou, mostrando as duas garotas de cabelos escuros a seu lado. — Bem-vinda, milady — disseram todas em uníssono, curvando-se numa reverência. — Ah, e este é Frederick, filho de Gatty — Balan acrescentou. O garoto sorriu com acanhamento, escondendo o rosto mirrado. — E por fim aqui está... — Balan começou a dizer, puxando o outro garoto que se escondia atrás de Gatty. — minha irmãzinha Juliana. Murie fitou a criança com olhos arregalados. O cabelo havia sido cortado de qualquer maneira e formava tufos desiguais sobre a cabeça. O rostinho estava imundo e ela usava roupas gastas igual à dos demais. Nada na sua aparência indicava que era uma menina. Murie respirou fundo para conter o espanto. — Como vai, Juliana? — conseguiu dizer.
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A garota reagiu como um animal enjaulado, parecendo estar em pânico e querendo fugir. Foi segura pelo irmão e os criados para que ficasse na frente de Murie. Seus olhos giraram de um lado a outro até que por fim se fixaram nos dela. — Você é burra e feia! Não me importo se não gostar de mim. Eu a odeio! — a menina gritou, dando um forte chute no pé de Murie e em seguida fugindo na corrida pelo terreiro com toda a velocidade de que suas perninhas eram capazes. — Juliana! — Balan chamou-a furioso, pegando Murie no colo. — Você está bem? — perguntou, carregando-a escada acima. — Sim, e não precisa me carregar. Não foi nada. Ela só atingiu um dedo do meu pé. — E eu vou esquentar bem o traseiro daquela safada por causa disso, assim que ela tiver a coragem de aparecer. — Agora pode me largar, Balan. — Só quando a colocar sobre a poltrona. Quero examinar seu machucado. Murie respirou fundo para reunir paciência. O pé estava um pouco dolorido, mas não fora nada grave. A garota não o havia chutado com força. Além do mais, ela detestava ser paparicada dessa forma. Acomodando-a sobre o assento, Balan se ajoelhou, levantou a barra da sua saia e tirou-lhe o calçado. — Balan, por favor. Já lhe disse que estou bem — Murie tentou novamente. Nesse instante percebeu que Cecily, Osgoode e Habbie haviam chegado e estavam à sua volta, curiosos para saberem o que estava acontecendo. Não só eles como também os outros criados, os soldados e até o cocheiro de Reynard se apinhavam ao redor para fitar o dedão de seu pé. Só faltava mesmo a menina que causara toda aquela confusão e que agora certamente estava sozinha e apavorada, chorando em algum canto, com medo do castigo que o irmão certamente lhe aplicaria. Colocando seus pensamentos de lado, Murie sentiuse corar com tantos olhares em cima dela. — Balan, por favor, que vergonha, você está expondo a todos o meu tornozelo e o meu pé. — O quê? — Balan perguntou, perguntou. — Ela disse que você está expondo o tornozelo dela, Balan — Habbie explicou, solícito. Balan olhou a sua volta surpreso com o número de pessoas que está ali, observando. Rapidamente abaixou a barra da saia de Murie, fazendo um sinal para que todos se
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afastassem. — É... acho que não quebrou nada — ele murmurou. — Foi o que eu lhe disse, meu marido, não foi? — Ela falou sim. Eu ouvi. — Thibault interveio, ansioso por colaborar. — Foi quando vocês estavam subindo a escada. — Ah, está bem... — Balan por fim entregou os pontos. — Vou deixá-la aos cuidados das preciosas mães de Gatty. Ela vai lhe mostrar o castelo e explicar como funcionam as coisas por aqui. Enquanto isso vou me informar sobre o que aconteceu na minha ausência e tomar algumas providências. — Perfeitamente, meu marido — Murie murmurou com um sorriso. — Ah, e se Juliana voltar, digam-lhe que espere por mim. Vou ter uma bela conversinha com ela — Balan completou antes de se retirar. Ele já ia saindo quando Murie o chamou. — Balan! — O que foi? — ele respondeu, voltando-se para fitá-la. — Você não acha que eu é quem devia conversar com Juliana? — ela sugeriu. — Não. — Mas escute, afinal eu sou a parte atingida e me parece mais acertado que eu mesma trate do caso com ela, não acha?. — Não. — Balan tornou a dizer. — Meu Deus, é como falar com uma pedra. Emilie devia ter me avisado que ele é mais teimoso do que uma mula — ela reclamou baixinho por entre os dentes. — Eu ouvi isso, Murie. — Balan avisou da porta. — E nós também — Gatty completou sorridente, em nome de todos que ainda estavam na sala. Murie olhou para todos com expressão fechada e anunciou: — Ouçam bem. Parem de me contrariar ou vou começar a gritar! Entenderam? Osgoode arqueou as sobrancelhas horrorizado ao ouvir a ameaça, lembrando das cenas terríveis de birra pelas quais Murie era conhecida. — Balan, é melhor deixá-la entender-se com Juliana — pediu ao primo. — Isso mesmo. Não queremos que milady se sinta infeliz aqui — observou Thibault.
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— E sabemos que ela não vai machucar a menina — acrescentou Habbie. Ignorando a todos, Balan deu meia volta e se aproximou da esposa com o olhar carregado de ira. — E pode me dizer como pretende cuidar do caso? — perguntou. — Não se preocupe. Vou apenas conversar com Juliana. É evidente que a menina está muito infeliz. Ela ficou órfã como eu e deve estar aterrorizada. Reagiu daquela forma por puro medo. Quero tão só tranqüilizá-la. O olhar de Balan foi abrandando e ele permaneceu em silêncio por algum tempo. Por fim se curvou para dar-lhe um rápido beijo nos lábios. — Muito bem, desta vez vou deixar que você lide com ela. Mas avise Juliana que se repetir a malcriação vai ter que se entender comigo. E serei bem mais rígido do que você. — Combinado. Obrigada, meu marido — Murie disse com um sorriso de satisfação. Antes de se retirar, Balan ainda se virou para fazer mais uma observação. — Sabe de uma coisa, Murie? Você não engana mais ninguém com essas suas birras fingidas. É uma péssima atriz e até o rei acha isso. Rindo do espanto que ela demonstrava ao ouvir suas palavras, Balan abriu as portas e saiu, seguido por Osgoode que ia fielmente atrás do primo. Já do lado de fora, ele se dirigiu a um dos soldados. — Anselm, preciso que me faça um relatório completo de tudo o que acontecer aqui. — Pois não, milorde — respondeu o homem, caminhando ao lado de Balan pelo terreiro afora. — E quero que estas muralhas sejam sempre muito bem guardadas — completou enquanto os demais soldados iam se juntando a eles.
Murie passava os olhos pelo salão onde estava. Pelo visto só os soldados haviam saído. Os demais moradores do castelo insistiam em permanecer ali ao redor dela. — Milady é a afilhada do rei, não é? — de repente Frederick quis saber, quebrando o silêncio que reinava no salão. — Fique quieto, Frederick — ralhou Gatty com o filho. — Sabe que deve esperar que lhe dirijam a palavra antes de dizer qualquer coisa. — Está tudo bem — Murie acalmou a criada. — Sou a afilhada do rei, sim. Mas como é que sabia disso?
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— Lorde Aldous e seu grupo passaram por aqui na volta para casa. — o menino respondeu, estufando o peito de orgulho. — Ele contou que lorde Balan havia se casado com a afilhada mimada e manhosa do rei e que todos a chamavam de birrenta. Até estranhou que vocês ainda não tivessem chegado aqui. Murie fez um esforço para ignorar a maledicência de Malculinus, convencida de que tivera muita sorte por não se casar com aquele homem. — Oh, desculpe, milady... — Gatty disse com constrangimento, puxando o filho pelo braço. — Frederick não devia andar por aí repetindo o que lorde Aldous falou. — Não se preocupe, Gatty — Murie disse, acomodando-se melhor na poltrona. — Mas, me diga, quando foi que ele lorde Aldous passou por aqui? — Ah, mais ou menos há uma semana, milady — respondeu Clement. Era tudo muito esquisito. Pelo que lembrava, Lauda e Malculinus ainda estavam na corte, quando ela partira com Balan do castelo do rei. Como podiam estar tão à frente deles na volta para casa? E por que Malculinus estranhara o fato de eles estarem atrasados? — Então, devem ter ido embora da corte logo depois que partimos — ela concluiu. — Se passaram por aqui há uma semana, esse foi o tempo que nós gastamos visitando Reynard. — Ficaram uma semana no castelo Reynard? — Gatty interveio com ar de alívio. — Ah, então foi esse o motivo do atraso. Nós estávamos preocupados à medida que os dias passavam e você não chegavam. Chegamos a pensar que algo de ruim podia ter acontecido. — Na realidade aconteceu sim — disse Cecily, tratando de se explicar ao perceber que todos se voltaram em sua direção. — Lorde Gaynor quase foi morto por duas vezes e milady uma, desde que saímos da corte. Envenenaram a comida deles e os ambos ficaram muito doentes. Milady ficou inconsciente e tendo alucinações durante quase a semana toda que passamos em Reynard. O silêncio tornou a se instalar no ambiente. Todos olhavam com curiosidade para Cecily. Só então Murie se deu conta de que ainda não tinha dito a eles que aquela era a sua criada e dama de companhia. — Oh, Deus! Mil desculpas, Cecily. Esqueci de apresentá-la. — Ela se voltou para os demais. — Esta é Cecily, a criada que me acompanhou na corte. Está comigo desde que eu era criança e tem me seguido nestes últimos dez anos. Murmurando cumprimentos, os outros criados sorriram para ela até que Thibault
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tomou a palavra: — Isso é verdade, milady? Alguém tentou matá-la e também ao lorde? Murie não respondeu de imediato, indecisa sobre o que dizer. Balan não era favorável a que os empregados soubessem de tudo que acontecera durante a viagem. Entretanto, depois do comentário de Cecily, o assunto já viera à tona. Talvez fosse melhor deixar que ele próprio decidisse como divulgar isso à sua criadagem. Por outro lado, era prudente colocar o pessoal a par das ameaças o quanto antes. Assim ficariam mais alertas e atentos à segurança de Balan até que ela conseguisse encontrar o culpado. Decisão tomada, ela se recostou melhor na cadeira e olhou os rostos que estavam à sua volta. Aquelas pessoas eram fiéis ao seu marido, e haviam permanecido ao lado de Balan enquanto tantos outros o abandonavam em busca de melhores salários e condições de vida. Sim, elas mereciam saber o que estava acontecendo. — É verdade — ela começou. — Atentaram contra a vida do meu marido duas vezes durante a viagem. Na primeira vez colocaram espinhos em baixo da sela do cavalo para fazê-lo disparar quando Balan montasse. — Meu Deus, que perigo... — Thibault sussurrou. — Podia ter se machucado bastante — acrescentou Clement. — E a segunda tentativa foi por envenenamento, então? — perguntou Gatty. — Isso mesmo. Na segunda noite em que acampamos, decidi fazer eu mesma o jantar. Limpei e temperei o coelho que haviam caçado e o deixei assando sobre o fogo. — Mas então, como foi que aconteceu se foi milady quem preparou? — Clement quis saber. — Eu me afastei por algum tempo do fogo para ir banhar-me no rio. Nesse ínterim alguém decerto se aproveitou para fazer essa maldade. Quando voltei o assado estava pronto e com um cheiro delicioso. Comi um pouco antes de levar o jantar para meu marido. Pouco tempo depois nós dois começamos a passar mal. — E não perceberam ninguém estranho rondando o acampamento? — Emilie, ou melhor, lady Reynard, disse que perguntaram a todo mundo, mas ninguém disse ter visto nada naquela noite. — E quando colocaram os espinhos sob a sela? — Também não. Pensando bem, ela não sabia se em algum momento Balan havia indagado sobre isso. Ele apenas voltara ao acampamento levando o cavalo pelas rédeas, depois montara na
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água dela, partindo em seguida. — Não parece muito certa dessa sua afirmativa, milady — observou o único soldado que ainda permanecia na sala. — É que até agora não me havia ocorrido saber se Balan chegou a indagar sobre isso. Não sei se ele perguntou a alguém sobre a possível presença de estranhos. — Deve tê-lo feito, milady, e, se ele não disse nada é porque ninguém foi visto. — É, acho que você tem razão... De qualquer maneira, é importante que fiquemos alerta para protegê-lo. No caminho para cá, vim pensando em medidas que posso tomar para garantir a segurança de Balan. — E nós vamos ajudá-la, milady — assegurou Gatty enquanto os demais criados balançavam a cabeça em concordância. — Há algo que possamos fazer de imediato? — indagou Thibault, interessado. — No momento não há nada a fazer a não ser ficar de olho nele. Mas amanhã vou precisar de algumas coisas e pedirei a ajuda de vocês para encontrá-las. Murie deu um suspiro e olhou para fora. Haviam chegado ali quando o dia já estava bastante adiantado e, apesar dos dias serem bem mais longos naquela época do ano, já começava a anoitecer. — Estamos à sua disposição, milady — Thibauld afirmou. — Obrigada. Então, falaremos no assunto amanhã de manhã. A viagem foi longa e estamos cansados. Aposto que quando meu marido e Osgoode voltarem, também apreciarão um pouco de descanso e uma bela refeição. — Refeição? — Clement repetiu com ar de desagrado. — Bem... posso preparar um cozido de peixe ou uma torta de peixe ou então peixe assado. — Mas por que só peixe? — Murie perguntou com um sorriso. — É que é a única coisa que temos, milady. — Não há nada mais para comer por aqui? — Nada, milady. É peixe no almoço e peixe no jantar. Todos os dias. — Não é possível... — Murie retrucou incrédula com que ouvia. — Deve haver mais alguma outra coisa. Um pouco de carne, um frango, uma galinha que bote ovos ou ao menos um leitão. — Não há nada, milady — repetiu o cozinheiro. — Apenas peixe. — Que coisa... Eu sabia que o castelo estava sofrendo pela falta de pessoas para
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trabalhar na colheita. Mas não é possível que a peste tenha atingido também os animais, não é? — Permita-me explicar, milady — interveio Gatty. — A metade do nosso pessoal morreu com a doença e boa parte da outra metade fugiu com medo do contágio. Assim ficaram poucos para dar conta de tudo. Sem ninguém para cuidar dos animais, eles acabaram ficando soltos pelos campos ou então morrendo de fome. Há ainda os empregados que foram embora, atraídos por salários melhores pagos pelos proprietários mais ricos. Muitos deles decidiram levar os poucos animais que restavam a título de compensação pelo pagamento que lhes era devido. Só uns poucos de nós ficaram, permanecendo fiéis ao nosso patrão. Porém, não temos quase nada de alimento. Apenas os escassos grãos que salvamos, algumas verduras e os peixes que criamos no grande lago da fazenda. Desanimada, Murie tornou a passar a olhar para os criados que a rodeavam. Vestindo roupas surradas, seus rostos encovados indicavam que haviam perdido bastante peso nos últimos tempos. Até mesmo o gorducho Thibault tinha as feições abatidas. Não era para menos se a única coisa que comiam era peixe no desjejum, no almoço e no jantar, ponderou. De fato, ela sabia que as coisas não andavam bem em Gaynor, mas só agora percebia a real gravidade da situação. O olhar daquela gente lhe partia o coração. A peste atingira Londres com a mesma violência e crueldade, matando a metade da população. O caos se instalara por toda parte. Muitos nobres conseguiram fugir para o campo onde pensavam estar mais seguros. Entretanto, as pessoas mais humildes não tiveram essa chance e ficaram largados à sua própria sorte. Alguns haviam perdido o bom senso, invadindo as casas vazias das pessoas que haviam morrido ou mesmo daqueles que tinham abandonado a cidade, saqueando o que podiam, bebendo e comendo tudo que achavam pela frente, na certeza de que estavam vivendo seus últimos dias. Ninguém conseguia freá-los e, com medo dessa horda, as famílias se trancavam apavoradas em casa. O terror era tanto que irmão abandonava irmão, filhos abandonavam os pais e até as mães largavam suas crianças ao primeiro sinal de tosse ou de vermelhidão, principais sintomas da doença. Murie sabia disso tudo por narrativas de terceiros, pois ela, assim como todas as outras pessoas ligadas ao rei, tinham sido trancadas no Castelo de Windsor onde vivia Eduardo III. Ali a calma reinava absoluta. Podia até se pensar que ninguém na corte tinha a menor noção do que estava acontecendo fora das muralhas do castelo, a não ser pelos relatos que chegavam dos viajantes e por Joan, a filha preferida do rei, ter morrido com a doença. A pobre menina contava com apenas catorze anos quando morreu em Bayonne,
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vítima da peste. Ela seguia viagem para se casar com o nobre Pedro I de Castilha. — Então está bem — Murie disse por fim ao cozinheiro. — Peixe assado será um excelente jantar e eu agradeço sua atenção em prepará-lo. Assim que Balan voltar, vou falar com ele e sugerir para que compre logo algum gado. Clement fez um seco aceno e se retirou, com passos rígidos, rumo às portas que supostamente eram as da cozinha. Em seguida foi Gatty quem tomou outra vez a palavra: — Lorde Gaynor pediu que lhe mostrasse as dependências do castelo. Por onde gostaria de começar, milady? — Por onde achar melhor, Gatty. Afinal é você quem conhece tudo. — Então está bem. Por favor, me acompanhe, milady. Murie seguiu a criada pelos corredores do castelo até Gatty parar diante de uma porta alta de folhas duplas que ela abriu de par em par. — Este é o salão principal — ela anunciou. Sorrindo, Murie passou a vista pelo ambiente. Havia algumas cadeiras arrumadas cuidadosamente em círculo, diante da lareira. Eram de boa qualidade, certamente remanescentes dos dias de glória do castelo. Em uma mesinha ao canto do salão estava um tabuleiro de xadrez com suas peças finamente entalhadas, indicando que também provinha de melhores tempos. O salão era bem amplo e havia tapeçarias penduradas nas paredes. De longe pareciam esmaecidas e sem cor, porém, quando chegou mais perto, Murie notou que isso não era verdade. O que acontecia é que estavam cobertas por uma camada de poeira e fuligem que escondia seu belo colorido. Certamente isso também era reflexo da falta de criados para fazer a faxina. — Fizemos o que era possível mas... — Gatty começou a dizer com ar de culpa. — Não se preocupe — interrompeu Murie. — Tudo voltará a ficar limpo e bonito assim que tivermos o pessoal necessário. Em seguida Gatty levou-a para conhecer as cozinhas. Eram recintos enormes, feitos para preparar a refeição de centenas de pessoas que normalmente habitam um castelo daquele tamanho. No entanto, apenas um pequeno canto estava em uso e Murie logo imaginou que Clement era a única pessoa que circulava por ali. Não via a hora de que aquele lugar voltasse à sua antiga fartura e a borbulhar de gente. E estava determinada a fazer isso acontecer o mais breve possível. — Minhas filhas às vezes ajudam Clement — disse Gatty. — Mas antes tínhamos copeiras para servir a mesa. — E voltaremos a ter — garantiu Murie, saindo da cozinha.
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— Gostaria de conhecer a despensa, milady? — Deixemos isso para amanhã, está bem? Murie já estava deprimida o suficiente com o que havia visto e ouvido daquela gente para ter ânimo de visitar uma despensa de prateleiras que certamente estariam vazias. Então acompanhou Gatty até o andar de cima, onde ficavam os quartos. A criada seguia mostrando um a um, abrindo as portas e exibindo os espaços vazios. O quarto de Juliana era pequeno e apertado, sem qualquer conforto. Havia apenas a cama, um baú e algumas tiras imundas de tapete no chão. Nas paredes nenhum quadro ou enfeite e as janelas não tinham cortinas para impedir que o vento penetrasse pelas rachaduras das velhas venezianas. A menina devia passar muito frio no inverno com aquelas correntes de ar, pensou Murie. — Que lamentável... — ela observou. — Por que a tratam assim? — Nem me fale, milady... — respondeu a criada, demonstrando que também não concordava com aquela situação. — Lady Garden morreu quando a pobrezinha nasceu. Lorde Gaynor, o pai, que era muito apaixonado pela esposa, não se conformou em perdêla e sempre culpou a menina Juliana pela morte de milady. Ele me entregou a menina recém-nascida para que eu cuidasse dela e, pelo que sei, nunca mais sequer pensou nela. Fiz o melhor que pude para criá-la, mas com um pai tão frio e distante, que não lhe dava carinho e nem se importava com seu bem estar, foi bastante difícil. — E Balan? Como a trata? — Oh, ele ama muito a irmã. Contudo, passou muito tempo longe daqui, lutando nas guerras, os dois tiveram pouco convívio. Ele tentou convencer o pai a ter uma atitude mais razoável, logo que Juliana nasceu. Mas o velho estava muito magoado e ficou irredutível. Murie suspirou. Pelo visto teria que lidar não apenas com uma criança órfã, mas também traumatizada pela falta de atenção e de carinho. — Não seja muito dura com ela, por favor, milady — pediu Gatty com emoção. — Fique tranqüila. Sei o que ela está sentindo. Eu também fiquei órfã aos dez anos e fui criada na corte. Aquele não é o melhor lugar para uma criança receber o amor de que precisa. Tenho muito em comum com Juliana. — Obrigada, milady. — Não precisa agradecer, Gatty. Só lhe peço que não leve em conta os boatos que correm a meu respeito, como os que lorde e lady Aldous e outras pessoas espalham. Gostaria que me julgasse pelos meus próprios méritos.
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— Não tenho o hábito de julgar ninguém com base em boatos. Além do mais, todos nós já sabíamos que milady não pode ser a megera birrenta que dizem ser, porque nesse caso lorde Balan não a teria desposado. Murie arqueou as sobrancelhas. — Nem mesmo para salvar as terras da família? — Nem assim, milady. Ele jamais se casaria apenas por interesse. Preferiria continuar caçando e lutando para conseguir nossa subsistência até encontrar a pessoa certa com quem casar. Ele é muito inteligente e sabe que o casamento do patrão também afeta a todos os que vivem no seu castelo. Um casal que não se dá bem provoca divisões internas na criadagem e isso é muito prejudicial. — Entendo... — respondeu Murie, pensativa. Após permanecer alguns segundos analisando o que Gatty acabava de lhe dizer, resolveu mudar de assunto: — Mas então se há caça quer dizer que nem sempre precisam comer peixe. — De vez em quando temos outra coisa, mas é raro. Há muito que fazer por aqui e não sobra tempo para caçar a não ser uma vez a cada duas ou três semanas. Na verdade estamos comendo peixe desde que lorde Balan e o primo foram para a corte. Com a saída deles ficamos com poucas pessoas para trabalhar e ninguém teve tempo de caçar. Murie deu uma última olhada no quarto de Juliana antes de sair. Sua primeira providência no dia seguinte seria começar a torná-lo mais acolhedor e confortável. — O aposento do patrão é a única coisa que há no andar de cima — disse Gatty à medida que a conduzia até um novo lance de escadas. Murie ia logo atrás de Gatty e seu queixo caiu de espanto quando a criada abriu a porta. Não conseguia encontrar palavras para descrever o horror. As cortinas, bem como as do restante do castelo, não foram trocadas havia muito tempo e pendiam das janelas como trapos imundos e mal cheirosos. Havia teias de aranha no teto e nas paredes, janelas e venezianas quebradas, deixando entrar o vento livremente, e uma lareira fria e vazia. O único móvel era uma enorme e pesada cama de casal com o dossel destroçado. — Lorde Gaynor fez questão de manter o quarto exatamente como estava quando a esposa morreu — explicou Gatty. — Ele não nos deixava entrar para limpar. — Mas... e Balan? Por que ele não... — Lorde Balan não vem aqui, milady. Ele tem dormido nas dependências dos soldados desde que voltou da guerra. Passando a mão pelos cabelos, em sinal de desânimo, Murie avaliou a situação. É claro que não poderia juntar-se ao marido para passar a noite com a soldadesca. Mas
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também não havia a mínima condição de eles dormirem naquele quarto. Já era muito tarde, porém, para arrumar outra solução. O que fazer? Vendo o olhar abatido de sua senhora, Gatty então sugeriu: — Quem sabe se colocarmos lençóis limpos na cama a coisa não fique tão mal, pelo menos por esta noite. Amanhã poderemos ver como fazer para melhorar o conforto do quarto. — Oh, está bem... — Murie respondeu, quase num fio de voz. — Peço mil desculpas a milady. Imagino que esperava uma recepção melhor, mas com tantas tarefas a cumprir, corremos de cima para baixo o dia inteiro e não tivemos tempo de... — Compreendo perfeitamente, Gatty — ela respondeu, endireitando os ombros. — Agora, por favor, vá chamar Cecily e peça que tragam minha bagagem. Ela e eu vamos dar um jeito neste quarto para que eu e Balan possamos passar a noite aqui. — Não gostaria também da minha ajuda? — Gatty sugeriu. — Oh, obrigada. Mas já tomei bastante do seu tempo. Continue com seus afazeres rotineiros. Cecily e eu daremos conta daqui. A criada fez uma reverência e se retirou. Então Murie olhou ao redor, observando o quarto e tentando decidir por onde começar. O cortinado em volta da cama era o que mais ofendia o olhar. Não só por estar sujo, mas também todo rasgado, Resolveu que esse seria seu primeiro alvo. Decidida, levantou a barra da saia, caminhou até a cama e, segurando as pontas do tecido velho e carcomido deu um forte puxão. Uma nuvem de poeira cinzenta invadiu o ambiente. Abanando a mão diante do nariz, Murie se curvou para tossir repetidas vezes. Quando a nuvem se dissipou e ela conseguiu retomar a respiração, observou o resultado do que tinha feito. Como o tecido do cortinado estava apodrecido, tinha se partido só pelo meio e a parte de cima ainda estava pendurada nas varetas perto do teto. Sem hesitar, Murie subiu na beirada da cama, ficou na ponta dos pés e esticou o braço para arrancar o resto. — Oh, milady! O que está fazendo? Desça daí antes que se machuque! Era Cecily que havia entrado e olhava apavorada para a patroa. — Estou apenas tirando este horrível cortinado. Sem ele e com lençóis limpos na cama, quem sabe Balan e eu possamos passar a noite aqui. Gostaria de tirar também as cortinas, mas isso não é possível a esta hora. Vou deixar para amanhã.
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— Mas milady, este lugar é... — Espantoso, eu sei, mas... Aaaiii! Murie soltou um berro quando o tecido que puxava cedeu e ela perdeu o equilíbrio caindo sentada bem no meio da cama. Uma nova nuvem de poeira saiu do colchão, envolvendo-a por inteiro. Engasgada e tossindo, gritou novamente quando sentiu a cama balançar e em seguida desmontar por inteiro com um estardalhaço, e ir direto ao chão.
Capítulo XII
— Milady! — Preocupada, Cecily correu para socorrê-la. — Machucou-se? — Não foi nada — Murie respondeu, forçando um sorriso. Porém, não conseguiu mantê-lo por muito tempo e por fim suspirou com desagrado. Dali onde estava, no chão entre os escombros da cama, a visão que tinha do quarto não era em nada melhor. Aflita, Cecily continuava falando enquanto tentava ajudar a patroa a levantar. — Lençóis limpos não iam adiantar mesmo. Além do mais, duvido que ter roupa limpa seja uma prioridade por aqui. Com tudo que há para fazer não devem dedicar muito tempo a lavar e passar roupa. Murie concordou com Cecily, surpreendendo-se por não ter ela própria pensado nisso antes. Nesse instante o primeiro dos quatro homens que traziam a bagagem entrou pela porta que estava aberta. — Oh! — ele exclamou ao ver a cena, fazendo com que os outros três parassem atrás dele, de olhos arregalados, para ver também. — Nós podemos consertar a cama, milady — acrescentou, depois de alguns instantes. — Não se preocupem — começou Cecily. — Nós não temos... — Então façam isso — Murie interrompeu-a, pondo-se rapidamente em pé. — Mas milady... — Cecily insistiu. — Deve haver pelo menos um jogo de lençóis limpos nos meus baús — Murie interrompeu uma vez mais. — Mesmo assim, milady, este lugar...
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— Na corte todos sabiam que a situação do castelo Gaynor era precária — atalhou Murie, abrindo a tampa de um dos baús. — É possível que a rainha tenha mandado minha roupa de cama para um caso de necessidade. A rainha Felipa é uma pessoa muito precavida. — Tem certeza de que... — As palavras sumiram dos lábios de Cecily quando Murie puxou para fora do baú um jogo de lençóis de linho branco. — Veja! — Murie exclamou, feliz. — Que mulher maravilhosa! Terei que escrever a ela para agradecer a atenção. De ombros curvados, Cecily balançou a cabeça e deu passagem aos homens que se aproximaram para analisar as tábuas da cama espalhadas no chão. — Este quarto está muito deteriorado. Não há outro lugar para milady passar a noite? — um dos homens indagou. — Claro que há — Murie respondeu irônica. — Posso muito bem dormir com meu marido no galpão dos soldados, o que acha? — Bem... de nossa parte seria muito bem-vinda, milady — retrucou o homem com sorriso zombeteiro. Murie arqueou uma sobrancelha e não deu mais trela ao soldado, voltando-se para Cecily com ar derrotado. — Vou buscar uma vassoura para varrer essas tiras de cortina, milady — Cecily contemporizou. — Pelo menos assim elas não ficarão aqui, soltando esse mau cheiro. Enquanto a criada saía do quarto, Murie se pôs a guardar novamente a roupa de cama para que não se sujasse e foi olhar o trabalho dos homens que começavam a levantar a moldura superior da cama com o restante do cortinado. — Esperem! Quero arrancar esses pedaços de cortina antes que vejam a moldura. — Pode deixar, milady. Nós mesmos tiramos. Imediatamente os homens começaram a puxar as tiras e a jogá-las no chão, fazendo tudo com uma rapidez que Murie jamais seria capaz. Ainda bem que eram tão habilidosos, pensou. Assim ela ficaria livre para tratar das outras coisas que tinha de fazer. Saiu apressada do quarto e no corredor encontrou Cecily que vinha subindo as escadas com uma vassoura na mão. — Sabe o que fizeram com as almofadas e os cobertores de pele que havia na carruagem? — perguntou à criada. Emilie fizera a gentileza de emprestar-lhe esses itens para a viagem de Reynard até
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Gaynor. Teriam que ser devolvidos depois pelo cocheiro que voltaria no dia seguinte, mas pelo menos por esta noite serviriam para que ela e Balan dormissem com mais conforto. — Acho que ainda estão na carruagem, milady. — Então vou buscá-los enquanto você varre o quarto. O amplo saguão do castelo estava vazio quando Murie o atravessou. Obviamente todos os criados, bem como os soldados, estavam ocupados cumprindo suas obrigações. Foi só ao cruzar o grande pátio externo que ela encontrou as primeiras pessoas. Eram dois homens que vinham caminhando ao seu encontro. — Está a procura de seu marido, milady? — perguntou o primeiro que foi logo se apresentando. — Meu nome é Erol. — Boa noite, Erol — Murie cumprimentou-o com um sorriso. — Mas não estou procurando meu marido. — Eu sou Godart — disse o segundo. — O que procura então, milady? Talvez possamos ajudá-la. — Boa noite, Godart. Estou atrás da carruagem que trouxe meus baús. Imagino que esteja guardada nas cocheiras, não? — Sim, está — os dois disseram ao mesmo tempo. — Quer que busquemos alguma coisa? Que a levemos até lá? — Oh, eu não ia querer dar-lhes trabalho e afastá-los de suas tarefas. Podem deixar que eu mesma me arranjo. — Não será trabalho algum, milady. — Não mesmo — completou o outro. Estava claro que os homens queriam agradar, mas Murie desconfiava que podia ser algo mais do que isso, algo relacionado à falta de mulheres que havia naquele castelo. Pelo que sabia, as duas filhas de Gatty eram as únicas moças solteiras dali. De qualquer maneira, aceitou o oferecimento e seguiu os dois homens. Chegando ao estábulo, ela entrou ansiosa para encontrar os pertences que procurava. Em vez disso, encontrou a irmã de Balan, sentada em uma mureta ao lado do filho de Gatty, Frederick, vendo Habbie escovar o garanhão que pertencia ao marido. A garota conversava animadamente e, distraída, não notou num primeiro momento que Murie e os homens estavam ali. Mas assim que percebeu, pulou da mureta pronta para fugir. Murie, no entanto, estava perto o suficiente para segurá-la pelo braço, impedindo-a de correr.
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— Milady! — exclamou Habbie com surpresa, olhando para ela e para a menina que se contorcia sem parar. — Deseja alguma coisa? — Sim. — Murie ignorou a agitação de Juliana e continuou prendendo-lhe o braço enquanto falava. — Estou procurando as cobertas e as almofadas que havia na carruagem. Faria o favor de pegá-las para mim e entregá-las a estes dois cavalheiros? Vou pedir que eles levem tudo ao quarto de lorde Balan enquanto eu tenho uma conversa com esta menina aqui. — Claro... pois não, milady... — Habbie murmurou, desviando seu olhar para a menina. — Obrigada. Vamos Juliana... — Murie virou-se para sair das cocheiras puxando a garota que continuava a espernear. — Não, eu não vou! — ela gritava. — Ah, vem sim. Garanto que quer conhecer melhor esta sua nova irmã. — Você não é minha irmã! — Sou a esposa do seu irmão o que me transforma também em sua irmã. Carregando tudo que Murie havia pedido, Habbie, Godart e Erol vinham aflitos logo atrás dela. Pareciam muito preocupados com o que ela poderia fazer a Juliana. Não os culpava por isso porque, se tivessem ouvido os terríveis boatos que corriam a seu respeito, com certeza estavam com medo que ela fosse castigar de forma violenta a criança. Contudo o tempo se encarregaria de mostrar-lhes que ela não era esse tipo de pessoa. — Não quer que levemos Juliana à presença de lorde Balan? — sugeriu Erol. — De forma alguma. Todos vocês ouviram meu marido dizer que eu mesma podia resolver este assunto, não é? — Sim, mas... é que... — Não há, mas nem meio mas, senhores. Assunto encerrado. — Murie dispensou-os com um sorriso. Já estavam na entrada do castelo e ela foi subindo as escadas ainda segurando firmemente o bracinho de Juliana. Sem conseguir se soltar, a menina a seguia aos trambolhões. Murie ainda não sabia muito bem como ia lidar com a criança. Só sabia que, de alguma forma, precisava ampará-la e ganhar seu respeito. Os homens com as mantas e os travesseiros vinham logo atrás e subiram pelas escadas até o quarto de onde os outros, aqueles que estavam consertando a cama, agora
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saíam levando os pedaços de cortina rasgada. Murie balbuciou alguma coisa em agradecimento e entrou no aposento. O leito apresentava uma aparência bem melhor, sem todos aqueles trapos pendurados em volta e ficaria ainda mais aconchegante com os lençóis novos cobrindo o colchão. Dava a impressão de que tinham conseguido também remover boa parte da poeira e que a limpeza que Cecily realizava com esmero, estava dando resultado. Murie continuou andando de um lado a outro dentro do quarto, ainda segurando a mão de Juliana. Sua intenção era de cansar a menina, uma vez que se parasse, era possível que a danadinha conseguisse chutá-la novamente. Nesse caso as coisas se agravariam, pois Balan certamente lhe daria um castigo. E ela não desejava que a criança fosse castigada de forma alguma. Só desejava abraçá-la, fazê-la sentir-se amada e dar-lhe o amparo que merecia. Isso, porém, só seria possível quando conseguisse quebrar a barreira defensiva que Juliana usava para se proteger, como se fosse uma armadura. — Muito bem, cavalheiros, muito obrigada por terem me ajudado a trazer todas essas coisas para cá. Agora, por favor, deixem tudo em cima dos baús e podem se retirar. Eu e Juliana arrumaremos a cama — ela disse, assim que notou que a menina se acalmava um pouco. — Não vou fazer cama nenhuma! — Ah, você vai sim. — Não pode me obrigar! — a garota gritou, tentando se soltar. — Godart — Murie chamou um dos homens que já ia saindo. — Tenho a impressão de que você é um dos soldados de Balan. Estou certa? — Sim, milady. Sou soldado e nós temos um rodízio de serviços. Às vezes nos cabe fazer a guarda do castelo e em outras realizar o trabalho necessário no campo. Esta é minha semana de trabalhar na lavoura. — Pois acho que hoje será seu dia de guarda, Godart. Por favor, fique ao lado da porta e impeça Juliana de sair. Ela não poderá deixar este quarto até que eu per mita e só vou deixá-la sair depois que ela faça o que lhe pedi. O homem obedeceu com um aceno de cabeça e Murie soltou o braço da menina. Ela hesitou por um instante, indecisa entre começar a chutar de novo ou tentar fugir. Optou pela fuga e saiu correndo contra as pernas do soldado que se postou bem à sua frente. Procurando abrir caminho, Juliana esperneava, dava pontapés e batia com os pequenos punhos fechados contra o peito do soldado. Ele continuava impassível, firme como uma rocha, apenas sorrindo de leve. Usava botas de cano alto e uma calça de couro, o que
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impedia que sentisse qualquer dor com os golpes. A menina continuou em sua luta incansável, tentando em vão conseguir espaço para a fuga até por fim render-se ao cansaço. Só então olhou exausta na direção de Murie. — Seu irmão disse que eu podia resolver o caso daquele chute que você me deu quando cheguei aqui, lembra-se? — a voz de Murie era serena. — Eu gostaria de resolvêlo, tornando-me sua amiga. Mas se Balan não achar que isso é suficiente, com certeza vai castigá-la de forma bem mais dura. Aí você vai por a culpa em mim e nunca mais acei tará ser minha amiga. De cara fechada, a menina piscava sem entender onde Murie queria chegar. — No entanto, se o castigo for nos ajudar a arrumar o quarto, estou certa de que isso será suficiente para Balan. Podemos até conversar um pouco para que você me conheça melhor e resolva se quer ou não fazer amizade comigo. — Eu não quero ser sua amiga! E quando souber como eu sou você também não vai querer. — Engano seu, meu bem — retrucou Murie, estendendo os lençóis sobre o colchão. — Eu já comecei a gostar de você. — Por quê? — Porque você se parece comigo, quando eu tinha a sua idade. Os olhos da garota demonstravam total incredulidade. Antes que ela conseguisse expressar sua dúvida, porém, Murie continuou falando: — Eu também fiquei órfã quando tinha dez anos. Minha mãe adoeceu com a peste vermelha. — Varíola? — Juliana indagou incerta. — Exatamente. Os empregados tinham medo do contágio e não cuidavam bem dela. Quando meu pai percebeu isso, ele mesmo foi tratar de minha mãe, fazendo com que ela se alimentasse melhor, limpando-lhe as feridas e dando-lhe banhos para abaixar a febre. Ficava ao lado dela dia e noite, sem comer ou dormir direito, até que ficou tão fraco que, logo depois que minha mãe morreu, ele também se foi. — Meu pai cuidava da minha mãe doente também — Juliana comentou quase que num fio de voz. — Falam que você foi levada para a corte, depois que ficou órfã e que o rei não parava de mimá-la. — Em parte é verdade. De fato me levaram para morar com o rei que era meu padrinho. Mas ele vivia ocupado e não pôde me dar muita atenção.
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Efetivamente, Murie tivera pouquíssimo contato com Eduardo nos primeiros cinco anos em que viveu na corte. Ele passava a maior parte do tempo em campanhas na Escócia ou na França, bem longe do castelo Windsor, e só aparecia ali raramente. Era nessas poucas ocasiões, que enchia de mimos a ela e aos próprios filhos. — Mas e a rainha? — Ela também tinha suas coisas para fazer. Tinha que cuidar dos filhos, dirigir as tarefas do castelo e dispunha de pouco tempo para dar atenção a mais uma criança. Eu ficava quase sempre sozinha, sem conversar com ninguém a não ser com minha amiga Emilie. No seu caso, porém, me parece que Gatty é bastante atenciosa. — É, mas também tem filhos e muito trabalho para fazer — disse a menina, dobrando com cuidado uma ponta do lençol para baixo do colchão como Murie fazia do outro lado. — Frederick é meu único amigo. — Ah, é? E o que você e Frederick fazem para se divertir? Juliana começou a falar, contando as suas brincadeiras e travessuras enquanto Murie acabava de arrumar a cama, ajeitando os travesseiros e esticando a colcha. Com um aceno de cabeça, fez sinal para que Godart se retirasse e ele saiu de mansinho. Em um canto do quarto, Cecily parou de varrer e, apoiando-se na vassoura, ficou ouvindo o relato da menina com um sorriso estampado no rosto. As coisas estavam indo bem. Juliana demonstrava ser uma garota inteligente e de bom coração, ambas as coisas escondidas sob uma capa de agressividade. Murie sentiu pena da garota e teve vontade de chorar, mas jurou para si mesma que, dali em diante, faria todo o possível para Juliana sentir-se querida e receber a atenção que ela própria nunca recebera desde a morte dos pais.
— Espero que Murie e o cozinheiro tenham preparado algo de comer. Estou morto de fome — disse Osgoode para Balan enquanto subiam as escadas para entrar no castelo. — Garanto que sim. Ela também deve estar faminta — respondeu o primo, passando a mão pelos cabelos revoltos pelo vento. Além de estar faminto, Balan sentia-se exausto. A semana de preocupações que passara em Reynard o tinha esgotado. Ficara noites inteiras sem dormir velando pela esposa doente que se debatia em febre, o corpo lutando para se livrar do veneno. Procurava acalmá-la quando ela, em suas alucinações, chorava de saudade dos pais ou gritava com medo de demônios imaginários. Quando acordava, porém, não lembrava
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mais de nada. Foi durante esses períodos de inconsciência que Balan foi descobrindo qualidades insuspeitas em sua mulher. Ela era mais sensível, carinhosa e inteligente do que ele suspeitava e Murie aos poucos ganhou um espaço bem maior no seu coração. Se antes já considerava que os dois podiam se dar bem, e por isso casara com ela, agora o coração exigia algo mais do que simplesmente "se dar bem". Balan queria que a esposa o amasse de verdade. Não precisaria amá-la na mesma proporção, ponderou. Achava o romantismo uma coisa de mulher e não estava interessado em se enredar nessa teia. Mas desejava, sim, que ela viesse a amá-lo. Só não sabia como faria para conseguir isso. — Aposto que é peixe — comentou Osgoode. Balan deu uma gargalhada. Quanto a isso, não tinha a menor dúvida. Os homens já haviam lhe avisado que não tinham tido tempo para caçar. O saguão estava vazio e silencioso quando entraram, ao contrário de épocas anteriores à Peste Negra quando aquele espaço vivia sempre agitado, cheio de pessoas que iam e vinham, rindo e conversando. Balan ansiava pelo dia em que pudesse ver a alegria voltando àquele lugar e, com a ajuda de Murie, esperava que esse dia não estivesse muito longe. Os primos se dirigiram à porta da cozinha e já iam entrando quando Clement apareceu. — Ah, já voltaram. Que bom. Preparei um peixe assado como sua esposa pediu. — E onde está ela? — Balan perguntou entrando na cozinha. — Milady está preparando seus aposentos para o repouso desta noite — respondeu Clement de maneira formal, pegando duas travessas de peixes assados nos braços. — Talvez devessem avisar a ela que o jantar está pronto. É melhor comer antes que esfrie. Eu preciso ir limpar a cozinha — Clement completou, dando as costas assim que Balan pegou as travessas. — Ele está ficando cada vez mais carrancudo — comentou Osgoode ao pegar uma das bandejas. — Clement faz o melhor que pode com os poucos mantimentos que temos e mesmo assim todo mundo reclama. — Isso é verdade — concordou Osgoode, cheirando a comida enquanto colocava a bandeja sobre a mesa. — Vai levar sua travessa para Murie? — Vou sim. Gostaria de jantar conosco?
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— Eu não seria cruel a esse ponto, primo. Vá, suba e aproveite bem a companhia da sua mulher — Osgoode respondeu, piscando maliciosamente. Balan subiu rindo as escadas. O cômodo particular que fora de seus pais ficava no andar de cima e havia sido construído quando acrescentaram mais um piso ao castelo, vinte e cinco anos atrás. Balan era muito pequeno, na ocasião, e não se lembrava de como era o castelo antes da reforma. Ele não tomara posse do quarto quando voltou da guerra e soube que o pai estava morto e o caos havia se instalado em Gaynor. Depois de dar uma rápida olhada, preferiu instalar-se nos galpões, junto com os soldados que tinham ido à batalha com ele. Era difícil imaginar agora que sua mulher fosse capaz de dar um jeito naquele quarto em tão curto espaço de tempo. No entanto, ele teve uma grata surpresa quando chegou à porta do aposento que permanecia aberta. O cortinado imundo não estava mais lá, o chão estava varrido e sem nenhuma poeira, o fogo aceso na lareira, a cama feita com roupas limpas. Havia cobertas de pele cuidadosamente dobradas aos pés da cama e as frestas das janelas haviam sido tapadas com mais algumas para evitar a entrada do vento. Mesmo que não fosse necessário naquela época do ano, o fogo dava um toque acolhedor ao ambiente e haviam colocado algo perfumado nas madeiras que enchia o ar de um agradável e suave odor. Depois de admirar a obra primorosa que haviam realizado no aposento, seus olhos pousaram na figura das duas pessoas que estavam ali: Murie e Juliana. A menina, parada diante da lareira, usava um vestido amarelo claro, um pouco grande para o tamanho dela. — Osgoode achou que você tinha mais ou menos a mesma estatura da filha de lady Greyville e por isso mandei fazer deste tamanho — Murie ia explicando à garota enquanto amarrava as fitas nas costas da menina. — Mas pelo visto ela era um pouco maior que você. Mas não faz mal. Assim que você crescer mais um tantinho, vai servir com perfeição. Se quiser também posso dar uns pontos para fazer o ajuste. Juliana permanecia em silêncio, acariciando de leve o tecido do vestido. — E amanhã nós vamos ver como ajeitar seu cabelo — continuou Murie. — Fui eu mesma que cortei — disse Juliana. — E cortou muito bem. Mas às vezes é difícil cortarmos o próprio cabelo, sabe? Por isso há um ou dois lugares em que seria melhor aparar. — Cortei assim para parecer um menino. Achei que dessa maneira meu pai ia gostar mais de mim. Balan sentiu um aperto no coração e muita raiva do pai ao ouvir as palavras da
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pequena irmãzinha. Na sua dor ele não havia se importado com o sofrimento que causava àquela criança. Mesmo quando Balan tentou convencê-lo a ser mais atencioso com a menina, o teimoso lorde descartou o assunto e se recusou a discutir a questão de Juliana. Nunca mais tocaram no assunto. Agora Murie segurava a menina pelos ombros com carinho e, olhando bem dentro dos seus olhos, explicou com voz calma: — Tenho certeza de que seu pai, bem no fundo do coração, gostava muito de você, minha querida. Mas acontece que às vezes os homens têm dificuldade em demonstrar seus sentimentos. — Não, não. — A criança balançou a cabeça em negativa. — Ele demonstrava muito bem a sua cólera. — Isso parece que todos eles sabem fazer bem — concordou Murie, acrescentando: — Mas estou me referindo a sentimentos mais delicados, mais sutis. — Ele me detestava porque eu matei mamãe — declarou a menina e seu olhar de repente se encheu de tristeza. A pequena temia que Murie a rejeitasse depois de saber desse fato, imaginou Balan que continuava segurando a travessa e presenciando a cena sem ser notado. Apertou o punho, tenso com o que ouvia. Sentiu então que, sem querer, amassava o pão que levava em uma das mãos, desprendendo algumas migalhas. — Não foi você quem matou sua mãe, Juliana — Murie disse com voz firme. — Ela caiu doente com febre logo depois de você nascer e isso não é culpa sua. Essas coisas acontecem às vezes e pode acontecer com qualquer um, inclusive comigo. E nesse caso eu gostaria que você amasse e cuidasse bem do meu filho em vez de culpá-lo por algo pelo qual não foi responsável. — Ah, está bem... eu prometo que farei se isso acontecer — Juliana murmurou. — Ótimo. — Murie sorriu. — Você ficou linda nesse vestido, mas agora acho melhor tirá-lo para que eu possa subir a barra. Não quero que tropece nele e acabe se ma chucando. A garota obedeceu. Em seguida tornou a vestir a blusa e as calças compridas que usava antes. — Vou poder brincar com Frederick quando usar o vestido? — Bem... Que tal se fizéssemos assim: você usa essas suas roupas para brincar de dia e à noite usa o vestido para o jantar?
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— Muito bom! Dessa maneira serei um menino como Frederick de dia e uma moça como você à noite. — Exatamente — concordou Murie com um largo sorriso. — Obrigada, Murie. O vestido é lindo. Nunca tive nada tão bonito. Murie sorriu ante as palavras sinceras de Juliana. — Pensei que seria um bom presente para minha nova irmã — ela acrescentou. — Assim você fica sabendo o quanto estou feliz em fazer parte da sua família. — Acho que vou gostar de tê-la como irmã — respondeu Juliana meio acanhada, preparando-se para sair. — E estou contente por Balan ter se casado com você. — Ao levantar a vista, deparou-se com o irmão, parado na soleira da porta. — Ah, olá Balan! Murie é muito boa, sabe? — disse, passando por ele porta afora. — Agora vou contar a Gatty que ganhei um vestido novo de presente. Balan acompanhou com o olhar a corrida da irmã pelo corredor até ela sumir de vista. Não a via alegre assim desde que voltara da França. Acabou de entrar e fechou a porta para ficar a sós com a esposa que o fitava um tanto apreensiva. — Se está duvidando, fique sabendo que eu apliquei, sim, um castigo em Juliana. Fiz com que ela me ajudasse a arrumar a cama, a pendurar as mantas nas janelas e buscar ervas perfumadas para pôr no fogo — Murie anunciou antes que Balan a advertisse de qualquer coisa. — O vestido foi apenas um prêmio pelo bom trabalho dela. Balan esboçou um sorriso divertido. — Mas como se você mandou fazer o vestido antes mesmo de conhecê-la ou de saber se merecia qualquer prêmio? — Ah, está bem... Eu pensei que a menina gostaria de ganhá-lo. Balan parou diante da esposa e já ia tocá-la quando se deu conta de que ainda carregava a travessa e o pão nas mãos. — Eu lhe trouxe um pouco de comida, Murie. — Não estou com muita fome por enquanto. Deixe... Ela não conseguiu terminar a frase. Antes que dissesse algo mais, Balan largou a travessa e a tomou nos braços, selando seus lábios com um beijo. O carinho que Murie havia demonstrado com a irmã o deixara comovido. Se ela era assim com uma estranha, já imaginava como seria quando tivessem seus próprios filhos. Seria uma mãe dedicada, capaz de confortá-los, dar-lhes amparo e ensinar-lhes o que fosse preciso com tato e habilidade. O coração dele batia forte e não sabia como expressar a enorme gratidão e o imenso afeto que estava sentindo por Murie
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naquele momento. Queria devorá-la, apertá-la com toda a força, fazer com que ela se tornasse uma parte integrante dele. Então fez o que sabia e da forma que conseguiu. Começou a cobri-la de beijos e a acariciar-lhe todo o corpo, percorrendo-a por inteiro. Invadiu-lhe a boca e enlouquecido, colou o corpo ao dela, abraçando-a como se nunca mais quisesse soltá-la. Murie se entregou com abandono, retribuindo os beijos e deixando que ele a levasse no colo até a cama. Ainda abraçados, caíram sobre o colchão. E foi então que se ouviu um estrondo e a cama desmontou. Perplexo Balan olhou para a mulher, deitada em baixo dele. Ela ria baixinho e disse com um fio de voz: — Senhor lorde meu marido, acho que vamos precisar de uma cama nova. — Certamente — ele concordou. — Mas isso pode esperar até amanhã. Agora temos que tratar de um assunto bem mais importante — completou entre risadas, arrancando a camisa e começando a desabotoar a roupa de Murie.
Capítulo XIII
Na manhã seguinte, quando Murie abriu os olhos, deparou-se com o quarto vazio. O marido já havia levantado e saído para cuidar dos seus afazeres. Isso sem sequer acordála, constatou, com um pouco de desapontamento. Puxou de lado as cobertas e tratou de ficar em pé, saindo da cama desmontada. Desejava falar com Balan sobre a compra de algumas cabeças de gado e a contratação de mais empregados, porém não Conseguira fazê-lo na noite anterior. Ele a mantivera ocupada demais com outra atividade. E agora simplesmente tinha ido embora enquanto ela dormia. O dia não estava começando bem. Resmungando baixinho, Murie foi até o baú de roupas e começou a tirar seus vestidos, corpetes e anáguas até decidir o que vestiria. Possuía uma ampla coleção de trajes graças à sua estadia na corte onde a moda era seguida quase como uma religião, principalmente depois da passagem da peste. Era como se as pessoas quisessem compensar com roupas variadas e coloridas toda a tragédia que haviam vivido. Decidiu pôr um vestido vermelho escuro com uma sobre-saia preta. Era uma boa vestimenta para a faxina que pretendia fazer naquele dia. Estava terminando de se vestir quando Cecily abriu a porta.
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— Oh, milady, já está acordada? Não vai se lavar como faz todas as manhãs, antes de se vestir? Murie abriu a boca para dizer à criada que, como ia ficar toda suja na faxina, só planejava tomar banho à noite. Mas, quando viu que Cecily carregava a costumeira bacia de água limpa e seu jogo de toalhas, desistiu. Rapidamente tirou a roupa que acabava de vestir e foi se lavar. — Onde está meu marido? — Há horas que ele saiu a cavalo junto com Osgoode. Não sei para onde foram. Só me pediu que a deixasse dormir até mais tarde porque milady ainda está em recuperação, depois do envenenamento. — Hum — resmungou Murie, esfregando com força a toalha de mão úmida por todo o corpo. Já esperava o que ia encontrar no desjejum: peixe, como sempre. Peixe no café, no almoço e na janta. A perspectiva não era nada apetitosa, contudo não devia reclamar. Afinal, havia meses que aquela gente se alimentava só de peixe e ela não tinha comido uma única vez desde que chegara. Nem tocara na travessa que Balan havia levado para ela na noite anterior. — Imagino que todos tenham levantado e já estejam trabalhando, não é? — Sim, milady. Apenas Juliana continua por aí, dando voltas à espera que a senhora acorde e faça a bainha do vestido dela. Creio que conseguiu conquistá-la de uma vez — Cecily disse com divertimento na voz. — Ela é uma menina encantadora — Murie concordou sorrindo. — Ah, é mesmo... percebi isso quando ela lhe deu aquele chute. Murie apenas riu do comentário da criada enquanto acabava de fazer suas abluções. Em seguida tornou a se vestir. — O cocheiro de lorde Reynard ainda não foi embora, foi? — perguntou ao terminar de colocar o sobretudo. — Foi sim. Logo depois de lorde Balan sair. — Oh, meu Deus, e deixou aqui todas as mantas e as almofadas de Emilie! — Ele disse que não havia pressa em devolvê-las. Eles têm muitas mantas em Reynard e que essas podiam ficar aqui por algum tempo. — Cecily comentou enquanto pegava do chão o vestido que Murie usara na noite anterior. Afoito, Balan o tinha jogado num canto, todo amarrotado, formando uma bola.
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Murie ficou vermelha de vergonha, mas fingiu não estar vendo e nada comentou com a criada. Esta, por sua vez, discretamente foi dobrando a roupa em silêncio. — E então, milady? — perguntou algum tempo depois. Quais são as tarefas pesadas que nos esperam hoje? Será que teremos que escovar com água e sabão todo o saguão do castelo? Ou então rachar toneladas de lenha para o fogão? — Murie riu com satisfação. — Ora, Cecily, você ficou muito mal acostumada lá na corte. Será que esqueceu como era antes disso, quando ainda morávamos em Somerdale? Lá as coisas não eram só flores e nem o trabalho tão leve, lembra? — Claro que lembro, milady — a criada respondeu, guardando o vestido. — Por falar nisso, como será que está Somerdale agora? Gostaria de saber como ficou depois do ataque da Peste Negra? De repente se preocupava com a propriedade da família onde havia passado a primeira parte de sua infância. Distraída com todos os acontecimentos da corte e com o que se passava em Londres, ela pouco pensara sobre este assunto nos anos em que vivera no castelo do rei. Agora, depois de tanto tempo, as imagens daquele lugar e de seu povo não passavam de sombras difusas em sua memória. — Ficou igual a todos os outros lugares aonde a doença chegou — Cecily informoua. — Mais de um terço dos moradores da vila e dos empregados morreram, incluindo William. — William? O mordomo? — Ele mesmo. Murie mal lembrava do homem. Aos poucos, contudo, veio-lhe a imagem borrada de uma cena em que Cecily conversava e ria com ele. Tinha uma vaga lembrança de que as outras criadas o achavam bonito e também riam quando ele estava por perto. — Gostaria de saber se o rei nomeou alguém para substituir William. Ou será que cabe a Balan fazer isso? — Isso eu não sei, milady. As notícias que tive de Somerdale foram por intermédio da criada de um castelo vizinho que veio certa vez com sua patroa para visitar a corte. Foi ela quem me contou o pouco que sei. — Precisarei falar com Balan sobre isso — disse Murie, pensativa. — E então, milady. Que serviço quer que eu faça hoje? Murie já ia saindo do quarto quando parou diante da porta. Havia tanta coisa por fazer que era difícil decidir por onde começar. Era preciso percorrer o castelo novamente, desta vez com mais vagar, para
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anotar quais eram as tarefas mais urgentes. Mas não adiantava levar Cecily junto. Seria fazê-la perder tempo e roubar-lhe horas de serviço. Melhor seria ir sozinha. Sentiu algo duro no chão, sob a sola do calçado. Era um pequeno pedaço do velho tapete que, de tão deteriorado, permanecia grudado no chão do quarto apesar do restante ter sido arrancado. — Já sei, Cecily. Para começar, por que você não vai recolhendo todos os tapetes velhos que há nos cômodos enquanto eu decido sobre as outras tarefas? Se precisar, peça a ajuda de uma das filhas de Gatty, está bem? — Pois não, milady. Assim dizendo, as duas saíram e, tão logo Cecily foi fazer o que lhe fora ordenado, Murie começou a percorrer todo o andar de cima, antes de descer para o desjejum. Realmente a idéia de comer peixe pela manhã não a agradava nem um pouco. Ia observando com cuidado cada aposento do andar superior e o que via só confirmava a primeira impressão da tarde anterior. Todos os cômodos precisavam ser reparados. Mas a prioridade era o quarto de Juliana. Queria transformá-lo o mais rápido possível para que a menina se sentisse melhor ali. Anotando tudo em sua mente, desceu as escadas que levavam ao andar de baixo e, como se tivesse adivinhado seus pensamentos, foi justamente a garota quem veio recebêla. Correu ao seu encontro, acompanhada por Frederick e cheia de perguntas. — Vai cortar meu cabelo hoje, Murie? E a bainha do meu vestido? — dizia, muito agitada. — Claro que sim, meu bem. Se quiser corto seu cabelo agora mesmo. Mas quanto à bainha, prefiro fazê-la tranqüilamente à noite, depois do jantar, sentada com calma diante da lareira. — Oh... mas que pena. Desse jeito não vou poder usar o vestido na hora do jantar. Murie olhou detidamente para a menina. Algumas coisas eram importantes demais para serem adiadas e os sentimentos de uma criança rejeitada estavam entre elas. Dar atenção à menina era mais importante do que qualquer limpeza. — Tem razão. Então vou fazer a barra mais cedo, está bem? Agora vá lá fora e me espere que vou buscar o que preciso para aparar seu cabelo. — Obrigada, Murie! Você é a melhor irmã que qualquer um pode ter! As duas crianças saíram saltitantes, rindo de expectativa sob o olhar comovido de Murie.
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— Essa sua chantagem emocional pode dar certo com a menina. Ninguém se deu ao trabalho de usar a tática antes — disse uma voz soturna. — Clement... — Murie se virou para encarar o cozinheiro. — Está precisando de alguma coisa ou veio aqui só para me abespinhar com seu mau humor? O homem piscou surpreso, fechando ainda mais a carranca. Pelo visto ninguém se atrevia a confrontá-lo com medo de que ele pudesse fazer algo ruim com a comida em represália. Pensando bem, a atitude de Murie estava sendo um tanto arriscada. — Cecily me disse que milady ia percorrer o castelo para ver onde é preciso fazer modificações — o homem respondeu, abrandando a voz. — Então vim lhe pedir se podia revistar as cozinhas primeiro. Assim estarão livres quando for a hora de preparar o almoço. Era um pedido razoável e Murie teve que concordar. — Está bem, Clement. Vou checar as cozinhas assim que acabar de acertar o cabelo de Juliana, concorda? — Perfeitamente, milady. Se quiser posso buscar os instrumentos de que precisa para aparar o cabelo da menina. — ele disse fazendo uma pequena referência antes de se retirar. Sua atitude agora era mais solícita e condescendente. — Eu agradeço. — Ah, estou vendo que também já conseguiu ganhar a simpatia de Clement — observou Gatty, que vinha entrando. — Parece que sim, mas nem sei direito porquê. — Porque não o bajulou. Ele está habituado a que todos se dobrem às suas vontades e oscilações de humor. Até o velho lorde Gaynor pisava em ovos quando estava perto dele, deixando-o fazer o que bem entendesse. Clement está muito mal acostumado. — Quer dizer que ele sempre foi assim, carrancudo? Pensei que fosse só agora por causa da situação de penúria em que se vive desde que a peste passou por aqui. — Que nada, milady! Todos acham isso, mas Clement sempre foi rabugento, desde o dia em que lady Gaynor o tirou do castelo do nosso vizinho, lorde Aldous, e trouxe para cá. — Como? Lorde Aldous é vizinho daqui? — Sim. O vizinho mais próximo, mas as famílias Aldous e Gaynor sempre foram rivais e vivem às turras. Na juventude, lorde Gaynor e o velho Aldous eram ambos apaixonados por lady Gaynor e ela acabou escolhendo lorde Gaynor para casar. Aldous nunca
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perdoou isso. Os dois passaram a vida se confrontando, mesmo que não abertamente. E a mania passou para os filhos. Balan e Malculinus fizeram treinamento militar em Strathcliffe e viviam brigando. Parece que Malculinus mandava um grupo de valentões bater em Balan para disfarçar e não ter que fazer ele mesmo o trabalho sujo. E nem poderia mesmo enfrentar milorde. Malculinus sempre foi miúdo e frágil. Nunca ganharia uma briga com milorde. — Quer dizer então que lorde Gaynor contratou Clement, tirando-o do Castelo Aldous? — Isso mesmo, milady. Há mais de quinze anos. Os tempos eram outros, é claro. Lady Gaynor ainda vivia e a propriedade era opulenta e próspera. Foi só depois da morte de milady que tudo começou a decair. Lorde Gaynor perdeu o ânimo de viver e não dava mais atenção a nada. No verão anterior à chegada da peste, ele teve um súbito momento de interesse e decidiu mandar fazer um lago maior para a criação de peixes. Gastou muito dinheiro nessa empreitada e teve muitas dificuldades porque no meio da obra caíram chuvas torrenciais e houve enormes inundações. — Lembro bem desse verão. Muitos perderam a safra de grãos com as plantações sendo invadidas pela água e a lama. — Aqui também perdemos muito. Boa parte do orçamento havia sido gasta com o projeto da criação de peixes, depois vieram as inundações e por fim a Peste Negra. No final, se lorde Gaynor não tivesse desperdiçado tanto dinheiro com a construção do lago, estaríamos em melhor situação para manter um número maior de empregados e a fazenda funcionando. — Pode ser, mas nesse caso, estariam com mais bocas para alimentar e sem os peixes para fazê-lo — ponderou Murie. Gatty olhou pensativa para a patroa. Suas palavras faziam sentido. — Além disso, quem garante que alguns empregados a mais seriam suficientes para cuidar dos animais e impedir que eles fugissem ou fossem roubados? — Murie continuou. — Não esqueça de que estamos perto da fronteira da Escócia e os escoceses são conhecidos por praticar saques e pilhagens. Talvez o fato de lorde Gaynor ter feito o lago seja uma sorte maior do que pensa, Gatty. Afinal peixe é um alimento saudável e que dá sustento, mesmo que se torne enjoativo ter que comê-lo todos os dias. Neste instante, Clement voltou, trazendo os itens necessários para Murie aparar os cabelos de Juliana e ela se despediu de Gatty antes de ir cuidar disso. Jamais tinha cortado o cabelo de alguém em toda a sua vida, entretanto, nada podia
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ficar pior do que os recortes desiguais que a criança tinha feito na própria cabeça. Com entusiasmo, Murie encarou os fios castanhos da menina, aparando uma ponta e outra até chegar a um resultado mais regular e bonito. Ambas estavam satisfeitas com o que se havia conseguido. Juliana pulou de alegria, saiu correndo para mostrar o corte para Clement, Thibault, Gatty e Frederick, e em seguida, subiu as escadas em disparada para ir trocar de roupa e por seu vestido novo. Vendo que o dia passava depressa, Murie tratou logo de marcar a bainha com alfinetes e mandou a menina se trocar outra vez enquanto ela ia inspecionar as cozinhas. Terminada a inspeção, ela foi até o jardim. Pretendia dar apenas uma rápida olhada, mas uma touceira de salsinha, crescendo em um canto perto da porta da cozinha, chamou sua atenção. Horrorizada caiu de joelhos e começou a arrancar a planta, puxando as folhas com força, quando ouviu um chamado. — Milady! Por Deus que está fazendo? — Clement gritou. Olhando por sobre os ombros, Murie viu a expressão incrédula do cozinheiro. — Arrancando a salsinha. — Mas... — Não se preocupe. Vou replantá-la do lado de fora do portão. — Preciso dela aqui perto, milady, para usá-la no tempero da comida e não lá longe, fora do portão. — Então o que prefere? Ter que caminhar um pouco mais para apanhar salsinha ou correr o risco de que alguém morra neste castelo? — O quê?! __Será que você não sabe que deixar salsinha plantada no jardim significa que alguém vai morrer na casa antes que o ano acabe? — ela respondeu com irritação. — Então, o que está querendo? Decretar a minha morte ou a do meu marido? Pois saiba que não vou deixar isto aqui de jeito nenhum. A salsa vai para o lado de fora e tenho certeza de que não lhe custará nada dar alguns passos a mais para apanhar o que precisar. Perplexo, Clement, continuou olhando para sua senhora sem saber o que dizer. Sua expressão era de pena ao ver o ramo de salsinhas, arrancadas desde a raiz, que Murie tinha na mão. — Mas afinal, Clement o que veio fazer aqui fora, atrás de mim? — É que... lorde Balan e Osgoode chegaram trazendo um javali que caçaram e eu saí
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para pegar algumas ervas para temperar a carne. — Que bom! Vamos ter carne para o jantar, então — disse Murie, levantando-se e sorrindo como se nada de mais estivesse acontecendo. — Onde está meu marido? No saguão principal? — Não, milady, ele e o primo seguiram para o rio. Parece que tiveram que lutar um pouco com o javali, estavam sujos de sangue e em vez de me pedir para levar bacias de água até lá em cima aos seus aposentos, preferiram ir lavar-se no rio. — Entendo. E esse rio fica longe? — Não muito — respondeu o cozinheiro com os olhos pregados no ramo de salsinha, parecendo querer tirá-lo das mãos de Murie para colocá-lo outra vez no mesmo lugar, indiferente à ameaça que isso pudesse representar. — Muito bem, então, vou até lá depois de plantar isto num lugar adequado. Preciso ter uma conversa com meu marido. Murie percebeu o suspiro de desalento de Clement quando ela se afastou. O homem estava desconsolado. Sinceramente não compreendia como alguém fazia tanto estardalhaço por ter que andar um pouco mais, sabendo que assim podia estar salvando uma vida. No fim das contas, ela acabou não plantando a salsinha fora da cerca, como havia prometido. A crendice só dizia que não se deve ter a planta no jardim, sem especificar o resto. Então, resolveu colocá-la no pomar, perto de uma fila de macieiras. Assim Clement não teria que andar tanto para buscar seu precioso tempero. Em seguida limpou as mãos, batendo uma na outra, e partiu para o rio à procura de Balan. Estava agradecida por ele ter ido caçar. De fato javali recheado ia ser uma deliciosa refeição. Nunca gostara muito de peixe e a perspectiva de ter que comê-lo três vezes ao dia a deixava meio enjoada como estava se sentindo naquele momento. Não era à toa que recusara a jantar no dia anterior e que "esquecera" do desjejum, distraída com o corte de cabelo de Juliana e com a visita às cozinhas. Murie ficou muito satisfeita com as instalações da cozinha. Clement fizera um excelente trabalho de manutenção ali. Enquanto o restante do castelo estava em más condições, precisando de pintura, de reparos, e até de cortinas e mobília novas, as cozinhas estavam em perfeita ordem. Só seria preciso abastecê-las de mantimentos e contratar alguns empregados para que voltassem a funcionar normalmente. Tinha expressado sua satisfação com a eficiência de Clement a ele. Muito rígido, o homem apenas respondeu que aquele era o seu trabalho. Mas um certo brilho no olhar do
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cozinheiro demonstrou o orgulho que ele sentia pelo que havia conseguido. Talvez o que faltasse para abrandar aquela pobre alma fosse um pouco de reconhecimento dos seus méritos, ponderou Murie. Ele nunca chegaria a ser alegre e simpático como Thibault, mas quem sabe o reconhecimento pudesse torná-lo uma pessoa mais agradável. — Murie! — Osgoode que vinha caminhando pela trilha na sua direção, chamou-a. Os cabelos pingavam e as roupas todas molhadas, colavam ao seu corpo. — Ah estou vendo que resolveu poupar as criadas do trabalho de lavar suas roupas e resolveu lavá-las você mesmo, ainda vestidas. — Murie murmurou, rindo para ele. — Meu marido ainda está tomando banho? — Está sim. Não sei por que Balan adora tanto ficar na água. Passa horas na banheira quando está dentro de casa. No rio, então, é ainda pior. Eu não. Para mim é só entrar e sair. Murie sorriu, evitando dizer a Osgoode que aquele seu método, entra e sai, na verdade deixava muito a desejar. Ele ainda tinha uma mancha de sangue no pescoço, em baixo da orelha esquerda. — Clement disse que o javali resistiu bastante. Você se machucou? — O quê? Por causa disto? — respondeu Osgoode, passando a mão pelo pescoço. — Ah, não foi nada. É que o bicho não estava muito interessado em parar na nossa mesa. — Balan também se feriu? — Não. Ele é mais rápido do que eu. Pulou do cavalo sobre o lombo do javali e cortou a garganta dele. Eu fui tolo de ficar na frente do bicho antes que estivesse totalmente dominado e tive que sair correndo para me safar. Foi então que bati num galho e feri de leve o pescoço, foi só isso. Murie balançou a cabeça. Caçar javalis era uma atividade muito perigosa. Em geral eles não eram abatidos de vez quando atingidos pela flecha. Esta apenas os deixava mais furiosos e era preciso enfrentá-los para acabar de matar. — Bem... já estou indo — continuou Osgoode. — Quero ver se Clement está preparando a carne direitinho. Despedindo-se do primo, Murie continuou pela trilha. Não sabia quanto faltava para chegar ao rio, mas suspeitava que já estava perto. Aproveitou para apreciar a paisagem enquanto caminhava. Notou um pé de bétula a um lado, um freixo mais ao longe e até uma touceira de cebolinhas selvagens que crescia em meio a um tapete de trevos. Tudo isso trazia bons fluidos e carregar um pouco consigo seria bom. Seu marido estava mesmo precisando de sorte.
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Depois de colher uma folha de bétula e outra de freixo, ela se agachou e procurou entre os trevos, tentando achar algum que tivesse quatro folhas. Gastou algum tempo com isso, todavia, não achou o que procurava. Voltaria ali em outra hora, resolveu, seguindo então seu caminho. Quando chegou à clareira que beirava o rio, percebeu desapontada que não havia ninguém ali. Será que Balan tinha passado por ela sem notá-la quando estava agacha-da procurando o trevo da sorte? Um barulho na água, um pouco mais adiante, chamou sua atenção. Talvez os rapazes tivessem ido se banhar mais longe para não serem vistos por alguma mulher que passasse pela clareira principal, ponderou. Caminhou um pouco à frente até conseguir ver o lugar de onde vinha o barulho. De repente seu coração gelou ao ver um pedaço de tecido azul flutuando na superfície... era igual ao da casaca que encomendara para Balan e que ele vinha usando desde então. Desesperada, Murie correu até a margem, tentando se aproximar ainda mais. Nesse instante viu as costas do marido sobre a água. O restante de seu corpo estava submerso. Tomada de pavor, ela gritou o nome de Balan diversas vezes e, sem pensar mais, se atirou no rio. Num instante seu vestido estava ensopado, enrolando-se em suas pernas e atrapalhando os movimentos. O tempo que levou para chegar até Balan pareceu-lhe uma eternidade e, assim que conseguiu, apanhou a ponta da casaca e puxou para virá-lo. O rosto do marido surgiu na superfície. Estava pálido e inerte. Murie segurou-lhe a nuca com a mão para ajudá-lo a retomar o fôlego. Ele, porém, não respirava. Horrorizada concluiu que chegara tarde demais. Neste momento notou a mancha de sangue que escorria por sua mão, a mesma que segurava a cabeça de Balan. Levantou um pouco mais o corpo do marido, afastou as mechas molhadas do cabelo dele e então pôde ver o corte largo e profundo na parte de trás da cabeça. Aquilo não era um ferimento de caça... era obra humana. Alguém havia atingido Balan com algum objeto pontudo. Havia muitas pedras de quina afiada à beira do rio que podiam ter servido para isso. Maldição! Tentaram matar seu marido mais uma vez! Murie segurou firme nos ombros de Balan e começou a puxá-lo para a margem como pôde. Isso era mais fácil enquanto o corpo estava na água, mas, chegando em terra firme, ela teve que fazer um esforço enorme para conseguir arrastá-lo para fora. Sem saber de onde tirava tanta força, foi puxando e empurrando de todo lado até apoiar sobre a areia a parte superior do corpo dele, deixando as pernas ainda na água rasa da margem. Então começou a bater no peito do marido e a virar a cabeça de lado, tentando ver se ele reagia.
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Em segundos Balan tossiu e, num espasmo violento, jogou uma enorme quantidade de água. Depois tossiu mais um pouco, deu um gemido, se virou de lado e per maneceu em total silêncio. — Meu marido... — Murie sussurrou ao ouvido dele, ajoelhando-se ao seu lado. Passou-lhe a mão pela testa, afastando os cabelos e fitou seu rosto que começava a ganhar uma leve cor. Mas apesar disso, ele continuava inconsciente. Murie bateu de leve com a palma da mão em suas faces para ver se ele acordava. Feito isso, tomou coragem e deu um tapa mais forte. Contudo, nada surtiu efeito. Balan continuava inerte, largado no chão. Em desespero, Murie olhou à sua volta, procurando decidir o que fazer. Mal acreditava que o marido pudesse ainda estar vivo. O bom senso lhe dizia que devia ir buscar ajuda. Nunca seria capaz de carregar Balan sozinha de volta até o castelo. No entanto, sabia que quem tinha feito aquilo podia muito bem estar ainda rondando por ali escondido na mata esperando para terminar o serviço. Não havia condição de deixá-lo sozinho nem um minuto sequer. Seus pensamentos giravam enlouquecidos, à procura de uma solução, quando os olhos se detiveram sobre a casaca de Balan. Analisou o tecido por um instante, depois olhou para o próprio vestido e em seguida para as folhas e os troncos trazidos pela água que se acumulavam na clareira onde estavam. Havia dois galhos que pareciam resistentes e de bom tamanho. Seria capaz de... Não. Nem mesmo para salvar a vida dele? Hesitou por um instante, mas a idéia prevaleceu. Admitindo que não havia outra saída, Murie ficou de pé e começou a tirar a roupa.
Capítulo XIV
— Está me dizendo que ela fez o quê? — urrou Balan. Sentia uma dor como se milhares de agulhas estivessem perfurando sua cabeça. Acordara em cima de sua cama desmontada, mas, ao contrário do que esperava, não encontrou a esposa cuidando dele com adoração. Quem estava ali era Osgoode de um lado e Cecily do outro. A criada acabava de lhe contar que Murie salvara sua vida, trazendo-o de volta do rio onde o encontrara desacordado. Mas era Osgoode quem lhe dizia como ela havia feito isso.
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— Fez o quê? — repetiu, colocando a mão na cabeça para aplacar um pouco a dor. — Isso mesmo que você ouviu, primo — Osgoode explicou. — Ela tirou toda a roupa e a sua também. Depois usou as vestes e dois galhos secos para fazer uma espécie de maca e arrastou você aqui para o castelo. — Oh, meu Deus... — Foi a coisa mais incrível que eu já vi na vida. — Você viu? — Todo mundo viu. No começo não reconheceram direito porque você estava nu, meio enrolado e coberto de folhas grudadas ao corpo. Mandaram me chamar e também a Anselm. Murie tinha os cabelos molhados escorrendo sobre o rosto. Vendo-a de longe pensamos que fosse alguma louca vagando por aí e arrastando seus pertences. Todo mundo subiu na muralha para ver. Foi só quando ela chegou ao pontilhão da entrada que Cecily a reconheceu. — É sim — confirmou a criada um pouco sem jeito. — Então entrei correndo no castelo, peguei uma das mantas, fui cobri-la e livrá-la de sua carga. Osgoode balançou a cabeça e comentou com uma ponta de inveja. — Murie deve amá-lo muito para ter feito tudo isso, primo. Balan fitou o primo longamente. Amor? Será que era por amor que ela o tinha carregado nu de volta até o castelo? Será que o amava de verdade? Não... se o amasse estaria ali, velando por ele, cuidando de suas feridas. — E onde está minha mulher, agora? — perguntou, contrariado. — Ela desceu para ver se conseguia alguma coisa que diminuísse suas dores quando você acordasse. — Sei... — Balan se mostrou desconfiado. — Murie estava muito preocupada com você e só saiu do seu lado depois que Cecily e eu prometemos ficar aqui. — Ah... — Balan se virou lentamente sobre o colchão. Era aceitável que Murie tivesse ido buscar algum lenitivo e que houvesse pedido para Cecily e Osgoode cuidá-lo. Mas, mesmo assim, preferia que ela estivesse ali naquele momento. Afinal, ele havia cuidado dela dia e noite em Reynard, sem deixá-la a sós por um minuto. — Consegue lembrar o que foi que aconteceu? — indagou Osgoode. — Como foi que você caiu no rio e bateu a cabeça?
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— Eu não bati a cabeça. Não foi um acidente. Alguém veio por trás de mim e me deu um golpe violento na cabeça... então devo ter caído ou me empurraram para dentro da água. Osgoode ajeitou-se melhor na ponta do colchão onde estava sentado, com um ar pensativo. Como no quarto não havia cadeiras, os três estavam sobre o colchão de palha estendido no chão: Balan deitado no meio, Cecily e Osgoode sentados cada um em um dos lados. — Não acha que Murie poderia ter... — Pare com isso, Osgoode! — gritou Balan, interrompendo o raciocínio do primo. — Acaba de me dizer que minha mulher se deu ao trabalho de tirar a roupa e arrastar-me até aqui para salvar minha vida. Será que agora vai sugerir que antes disso ela tentou me matar? Que é idiota o suficiente para tentar me matar primeiro e depois me salvar? Se é isso que vai sugerir, juro que me levanto daqui e mesmo com esta dor de cabeça lhe dou uma surra dos infernos! — Não... nada disso... — Osgoode murmurou. Os olhos arregalados diante da expressão do primo. — Foi apenas uma idéia boba... — Ainda bem. Mas onde está minha mulher, afinal? — Muito bem, agora que consegui companhia para meu marido, me digam. O que há de tão importante para me fazerem vir até aqui e me tirarem do lado dele justo quando Balan mais precisa de mim? — Murie perguntou, olhando para o grupo de pessoas aglomeradas ao lado da muralha. Estavam todos ali: Gatty, o filho e as duas filhas, Juliana, Clement, Thibault e até o último soldado que havia naquela propriedade. Certamente haviam escolhido aquele lugar a fim de não deixar as muralhas desprotegidas durante a reunião. Todos evitavam olhar diretamente para ela e ninguém respondia à sua pergunta. Murie percebeu qual era o problema. Eles a tinham visto nua em pêlo no dia anterior e agora estavam envergonhados na sua presença. Um contra-senso, pois quem havia ficado exposta era ela. No entanto, era a única que não estava constrangida. — Anselm? — Murie chamou o homem que Balan deixava a cargo da propriedade quando se ausentava e que parecia ser o líder do grupo. — Qual é o assunto? — ela insistiu. O soldado deu um passo à frente e a fitou com dificuldade, como se ela ainda estivesse nua e não vestindo a longa bata branca que usava. — É que nós ficamos pensando, milady... — ele começou, constrangido. — As únicas
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pessoas que estavam na sua viagem da corte até Reynard eram os próprios lorde e lady Reynard, os criados e seguranças deles, a sua criada Cecily e por fim Osgoode. — Exatamente. — Então, concluímos que só pode ser um deles o autor das ameaças à vida do nosso patrão — atalhou Godart. Murie franziu a testa analisando as palavras do soldado. Cecily era uma boa moça, uma criada fiel que a acompanhava desde criança e que a consolara sempre que as outras garotas da corte a agrediam. Quanto a Osgoode, ainda não o conhecia muito bem, mas gostava do primo do marido e não podia conceber que ele fosse culpado de alguma coisa. — É importante pensarmos na motivação — ela disse, depois de alguns minutos. — Quem poderia ter motivos para desejar a morte de Balan? Com certeza nem Cecily nem Osgoode têm qualquer motivo para isso. — Não sei quanto à sua empregada, milady, mas Osgoode pode ter — Anselm declarou, solene. — E qual seria o motivo? — ela quis saber. — Se Balan morrer ele será o herdeiro de tudo. — Mas a herança não iria para Juliana, nesse caso? Ela é irmã de Balan. — A propriedade Gaynor sempre passou de uma geração a outra pela linhagem masculina, milady. É sempre um filho ou um sobrinho quem herda. Juliana só receberia os bens advindos de sua mãe, mas todas as terras de Gaynor ficariam com Osgoode, incluindo o castelo. O olhar de Murie deslizou para a menina. Juliana não parecia nem um pouco surpresa nem magoada com o fato. — Precisamos pensar bem. Pode haver outras possibilidades — Murie disse, confusa. — Como quais? — Anselm perguntou. — Bem... talvez outros viajantes tenham passado por perto e invadido nosso acampamento sem que percebêssemos, por exemplo. Um deles pode ter colocado os espinhos na sela e envenenado o assado. — Outros viajantes? Como lorde Malculinus e a irmã Lauda? Milady disse que eles partiram da corte quase que ao mesmo tempo em que sua comitiva, não foi? Está achando que eles podem ser os culpados? — Não tinha pensado nisso e nem estou afirmando nada, Anselm. Mas agora que mencionou o fato, vejo que há algumas coincidências. Os ataques pararam quando ficamos
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hospedados em Reynard. Agora recomeçaram e estou sabendo que Aldous é nosso vizinho. — É sim — confirmou Erol. — No entanto, me parece difícil que isso esteja relacionado aos incidentes. O mais provável é que alguém do seu próprio grupo seja o culpado, milady. Um estranho de fora seria notado com muita facilidade. O ar de preocupação se acentuava no semblante de Murie. Preferia desconfiar dos irmãos Aldous do que de qualquer um de seus companheiros de viagem. — E se Aldous tivesse subornado algum dos homens de Reynard para fazer os ataques? — Ah, isso sim seria possível — ponderou Godart. — Como viajava junto com a caravana, ninguém desconfiaria dele. E este último ataque aconteceu no rio, fora da divisa de Gaynor, portanto qualquer estranho poderia estar lá. — É verdade — concordou Anselm. — É bem capaz que Aldous tenha subornado alguém para realizar essas maldades. — Por quê? — Gatty interrompeu. — Há anos que Balan e Aldous não se dão bem, mas Malculinus nunca tentou matá-lo. Por que faria isso agora? Murie se adiantou para dar uma possível explicação à criada. — Acontece que Aldous e Lauda tentaram me enganar para que eu me casasse com Malculinus. Balan descobriu, interceptou o plano dos dois e eu acabei casando com ele. Talvez Malculinus queira se vingar. — Ou então queira deixá-la viúva para que se case com ele — arriscou Anselm. — Deus me livre! Eu não me casaria com Malculinus nem que fosse o último homem vivo em toda a Inglaterra. Todos ficaram em silêncio, intrigados, repassando mentalmente as diversas possibilidades que haviam levantado e imaginando como fazer para impedir novos incidentes. Foi então que Murie retomou a palavra: — Bem, por enquanto temos diversos suspeitos, mas nenhuma certeza de quem é o culpado. Diante da nossa falta de pessoal para vigiar todos os suspeitos, proponho destacar dois homens para vigiar Balan e fazer a sua guarda. — Dois? — disse Anselm com espanto. — Mas milady, faltam braços para a lavoura. Não pode ser apenas um? — Está bem, mas ele deve ficar ao lado de Balan o tempo inteiro e bem alerta para evitar qualquer incidente até que se resolva a questão. Não poderá largá-lo nem por um
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minuto. — Ah, lorde Balan não vai gostar nada disso — resmungou Erol. Era verdade. Murie logo imaginou o quanto Balan ficaria irritado tendo alguém o seguindo por toda parte. Com certeza ia mandar o homem embora e o coitado teria que obedecer. — Então vamos fazer o seguinte. O vigia ficará sempre a uma certa distância, evitando que Balan o veja, mas muito atento a qualquer ameaça. — Assim pode funcionar bem — concordou Anselm. O grupo todo parecia também estar de acordo e Anselm se encarregou de dar as ordens. Apontou para Erol e Godart dizendo: — Vocês dois vão fazer a guarda de Balan em turnos. Um fica durante o dia e o outro durante a noite. Decidam o rodízio entre vocês. Agora um aviso aos demais: todos devem ficar de olhos bem abertos quando lorde Balan estiver por perto para ver se tudo está em ordem e se não há nada suspeito ou estranho acontecendo. Entenderam? Se estiverem de acordo, podem voltar ao trabalho. Sentindo-se um pouco mais aliviada com essas medidas de segurança para Balan, Murie seguiu o grupo que se afastava das muralhas e foi entrando no castelo. Já tinha atravessado o salão principal quando notou que Juliana a seguia com uma expressão de ansiedade no rosto. Havia se esquecido da menina, diante de tantos acontecimentos inesperados. Procurando redimir-se, estendeu a mão à menina que a segurou, entrelaçando seus dedinhos entre os de Murie. — Você salvou a vida de meu irmão — Juliana balbuciou com voz trêmula. — Mas estou com medo que consigam matá-lo da próxima vez. Que vai ser de mim? Ele é a única coisa que tenho... — Nada disso, mocinha — Murie respondeu, procurando sorrir. — Agora você tem também a mim e se alguma desgraça acontecer eu cuidarei de você. — E... e se for preciso eu também tomo conta de você — disse timidamente a menina. — Que bom saber, minha querida! Para isso é que servem as irmãs, não é? De repente Murie se deu conta de que estava gostando daquela criança quase tão intensamente quanto gostava de seu irmão. Ficou tão surpresa com isso que nem prestou muita atenção quando Juliana se afastou, dizendo que ia com Frederick até o estábulo para ver a cadelinha que acabava de dar cria. Ela ficou sozinha, parada aos pés da escada, a mente girando, conjeturando sobre o
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que acabara de descobrir. Era certo que gostava muito do marido, que sentia respeito por ele e que definitivamente se davam muito bem na cama, mas será que isso era amor? Como podia ser amor se tinham tão pouco tempo de convivência? O casamento dos pais de Murie fora sólido e harmonioso. Era um casal que se amava e sabia demonstrar seu afeto. Mas Murie sempre achara que um casamento assim era a exceção e não a regra, em especial depois de ver como as coisas aconteciam na corte. Aqueles nobres, por mais bem casados que fossem, viviam pelos cantos escuros do castelo, vadiando com as criadas enquanto suas esposas se entregavam aos amantes, de maneira mais discreta, mas não menos adúltera. Tinha visto homens bêbados batendo nas suas mulheres diante de todos, e homens sóbrios ofendendo-as em público. Mas Balan nunca havia feito nada parecido e Murie tinha certeza de que ele jamais faria. Era um homem honrado e digno demais para fazer uma coisa dessas. Mas amor...? Será que era mesmo amor o que sentia por ele? Sim, teve que admitir para si mesma. Ela o amava. E não aceitaria perdê-lo, de forma alguma. Faria tudo que estivesse a seu alcance para que quem quer que fosse que estivesse tentando matá-lo, jamais conseguisse seu intento. Bem devagar, Balan abriu os olhos. Por sorte não sentia mais aquela terrível dor na cabeça. O remédio que Murie lhe ministrara havia surtido efeito. Era um preparado viscoso, amargo e de gosto desagradável, mas, pelo visto, eficaz. O único problema é que provocava sono e ele acabara dormindo outra vez. Sem saber que horas eram, notou que o quarto estava às escuras, iluminado apenas pelas chamas da lareira que se refletiam nas paredes, parecendo dançar. Por um momento achou que a esposa o tivesse deixado sozinho outra vez, mas em seguida, percebeu que ela estava ali, ajoelhada na frente do fogo, concentrada, costurando algo que devia ser o vestido de Juliana. Já ia chamá-la quando sentiu um cheiro estranho que invadia o aposento. Parecia cheiro de cebola, mas não era possível que um quarto de dormir cheirasse assim. — O que é esse cheiro? — perguntou. — Ah, você acordou — respondeu Murie, levantando a vista da costura. Ela deixou o vestido de lado, foi até a cama e colocou a mão na testa de Balan, avaliando-lhe o aspecto. — Seu rosto está mais corado. Parece que o repouso lhe fez bem. Como está sentindo a cabeça? — Muito melhor — ele confirmou. — Mas que cheiro é esse? Parece cebola. — É de cebola mesmo — respondeu Murie, pegando a caneca que deixara ao lado da
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cama e que continha a sua milagrosa poção. — Vamos, beba um pouco — completou ao aproximá-la dos lábios de Balan. — Não quero. Isso me dá muito sono. Mas por que é que nosso quarto está cheirando a cebola? — Porque há cebolas nele — ela disse sem maiores explicações e estendeu novamente a caneca à Balan. — Este preparado é diferente do outro. Não provoca sono. É um reconstituinte que vai ajudá-lo a recuperar as forças. Vamos, beba. Primeiro Balan olhou desconfiado para o líquido, e depois pegou a caneca e bebeu tudo de um só gole. — Argh! É ainda pior do que o outro. O que há nele? — Alecrim, salva, espada de São Jorge e uma porção de outras ervas. — Nossa... mas agora me explique. Por que há cebolas no quarto? — repetiu Balan ao lhe devolver a caneca vazia. — Elas evitam infecções e febres. — Sei... — Está com fome? — Estou sim. Será que sobrou um pouco de carne de javali? — Claro — Murie respondeu, indo até um de seus baús que estava sendo usado como mesa e sobre o qual havia uma travessa. — Guardaram os melhores pedaços para você. Clement trouxe antes que os outros começassem a comer. Está aqui, esperando você acordar. Sentado no colchão e com a travessa apoiada no colo, Balan começou a comer avidamente, mastigando com gosto cada pedaço da carne macia. Murie o fitava feliz por ver que ele se recuperava tão bem do trágico incidente. — Balan, consegue lembrar de como tudo aconteceu? — perguntou-lhe. — Sim. Osgoode e eu fomos até o rio, lavamos nossas roupas, colocamos sobre as pedras para secar e depois entramos na água para tomar banho. Osgoode acabou antes de mim, vestiu-se e foi embora para voltar ao castelo. Eu também já estava me vestindo quando senti um forte golpe na cabeça. Devo ter desmaiado e caído na água outra vez. É tudo que lembro. Murie ficou pensativa e em silêncio por alguns segundos. — Você não ouviu passos nem viu quem foi que fez isso?
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— Não ouvi nada. As corredeiras do rio fazem bastante barulho quando a água passa por cima das pedras. Vai ver foi por isso que não ouvi alguém se aproximar. — Encontrei com Osgoode pelo caminho. Ele estava com as roupas molhadas — disse Murie olhando fixamente para o marido. — Claro. Não deu tempo de secar. As minhas também estavam molhadas quando comecei a vesti-las — ele respondeu alheio, mais interessado na comida. Clement tinha se esmerado. A carne estava suculenta e muito bem temperada. De fato o cozinheiro ainda reservara os melhores pedaços para ele. — Quer dizer então que ele não estava molhado por ter empurrado você para dentro da água? Balan levantou a vista e, perplexo, parou de mastigar. — O quê?! — Só estive pensando... não acha possível que ele tenha... — Murie gaguejava, sem saber como falar claramente sobre suas desconfianças. Balan a interrompeu, soltando uma forte gargalhada. — Pare com isso, mulher! Não foi Osgoode quem me deu aquele golpe e me jogou no rio para eu afogar. Ela tentou sorrir sem muito êxito. — Tem certeza? Disseram-me que ele seria o herdeiro de tudo caso você morresse. Balan franziu a testa ao dar-se conta dessa realidade, mas em seguida reagiu. — Não, nada disso. Osgoode tem me protegido sempre, desde que éramos crianças. Salvou minha vida por diversas vezes, quando lutávamos na França, e eu também salvei a dele. Confio plenamente no meu primo. Não foi ele quem me agrediu. — Dizendo isto, Balan retomou a refeição até limpar por completo a travessa. — Quer que eu vá buscar mais? — Murie se ofereceu. — Não, obrigado — ele respondeu, engolindo um naco do pão que acompanhava a carne e que estava tão saboroso quanto ela. — Pode voltar à sua costura. Não quero atrapalhar. — Prefiro ficar aqui ao seu lado, lhe fazendo companhia. — Então que tal se jogássemos aquela partida de xadrez que você me prometeu? — Ótimo! Vou buscar o tabuleiro lá em baixo. Quer que lhe traga algo para beber?
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— Sim, um barril inteiro de cerveja — rindo, Balan respondeu. — É brincadeira, mas pode trazer um pouco de vinho para nós dois. — Já sei, está querendo me embebedar para que eu perca a partida, não é milorde?
Quando Murie saiu do quarto, Balan se recostou mais nos travesseiros para esperar que a esposa voltasse. Nesse instante o cheiro de cebola se acentuou, ferindo suas narinas. Intrigado apoiou-se num dos braços e olhou para baixo pelo lado do colchão. Uma fileira de cebolas descascadas e cortadas ao meio se alinhava à sua volta, pelo menos uma ou duas dúzias delas. Havia mais nos cantos do quarto e ao longo das paredes, estas intercaladas por folhas e galhos de plantas diversas. Aquilo tudo devia ser para protegê-lo e trazer-lhe saúde e sorte, de acordo com as tolas superstições de sua mulher, concluiu. Nunca havia visto nada igual. Na sua estadia em Reynard, soubera por Emilie que Murie sempre fora assim, supersticiosa ao extremo desde criança. Emilie acreditava que essa era a maneira de ela lidar com as incertezas da vida, de encontrar um apoio para superar a perda dos pais e sua súbita ida para a corte onde fora infeliz e maltratada pelas outras jovens. Apoiar-se nessas crendices parecia ajudá-la a enfrentar os imprevistos e a vencê-los, quando possível. Sendo assim, melhor deixá-la com suas simpatias e agradecer por ela não estar fazendo nada negativo ou que trouxesse azar. Balan sorriu bem mais calmo e voltou a se recostar nas almofadas. Nesse instante a porta se abriu e Murie entrou saltitante, com o tabuleiro de xadrez nas mãos. Atrás dela vinha Cecily, trazendo o vinho. — Obrigada, Cecily — ela agradeceu. — Deixe o vinho aí em cima do baú e pode se recolher. Não vou mais presar de você esta noite. — Pois não, milady. Boa noite. A criada se retirou depois de servir duas taças de vinho enquanto Murie arrumava as peças de xadrez em cima do tabuleiro. Já haviam começado a partida quando Balan indagou: — Quem foi que lhe ensinou a jogar xadrez? O rei? — Não, foi meu pai. Mas quando cheguei à corte, o rei quis me ensinar de novo e, para não desapontá-lo dizendo que eu já sabia, fingi não saber. Por que está rindo e me olhando desse jeito, Balan? — Estava só pensando o quanto você é generosa e tem bom coração — ele disse,
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ampliando o sorriso. — E também que vou lhe dar a maior surra nesta partida. Nunca vai conseguir ganhar de mim. Duas horas depois, Balan teve que engolir em seco as palavras quando, sem pestanejar, a esposa comeu seu rei e ganhou a terceira partida, depois de ter vencido também as duas primeiras que disputaram. Balançou perplexo a cabeça e se ajeitou nas almofadas da cama outra vez. — Estou impressionado com sua habilidade, minha mulher. Não é à toa que o rei desistiu de jogar com você. — Isso quer dizer que também não vai mais jogar comigo? Posso tratar de perder, de vez em quando, se isso lhe agrada. Mas tenho certeza de que você perdeu por causa do seu ferimento na cabeça, Balan. Ainda deve estar doendo, não? — Que nada. Perdi porque você jogou melhor e é claro que vou querer jogar outras vezes. O semblante dele demonstrava um pouco de cansaço e Murie se preocupou. — Agora é melhor tratar de dormir, milorde. — Mas já dormi a tarde inteira. — Seu ferimento foi profundo e precisa descansar bastante para se recuperar. Acho que vou lhe dar um pouco mais daquele remédio. — Não, por favor! — ele atalhou. A lembrança daquele horrível gosto amargo era suficiente para espantar qualquer dor que estivesse sentindo e ele aceitou repousar como Murie sugeria. Esticou-se sobre o colchão e ajeitou melhor a cabeça sobre o travesseiro. — Não vem se deitar comigo? — perguntou à esposa. — Eu tinha pensado em costurar mais um pouco, antes de deitar. — Ah, não... deite aqui. Ele ainda estava fraco demais para fazer amor, mas queria ter o conforto de Murie ao seu lado. Ela vacilou por um instante, mas, em seguida, tirou o vestido, ficando só de anágua. Assim que se deitou, Balan virou de lado, passou o braço firme pela cintura de Murie, puxando-a contra si e foi fechando os olhos. — Durma bem, meu marido. Em segundos ele pegou no sono e quando acordou, algumas horas depois, se deu conta de que Murie não estava mais na cama, apesar de ainda ser noite. Olhou em volta e a
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viu deitada no chão sobre uma coberta, em frente à lareira. Dormia abraçada ao tecido claro do vestido de Juliana. Com um esforço, Balan afastou os lençóis e procurou levantar. Tinha esquecido das cebolas e, assim que pôs o pé no chão pisou numa delas, perdeu o equilíbrio e caiu de costas de novo sobre o colchão de palha, com um gemido de dor. Soltou uma imprecação e tentou levantar novamente, desta vez de quatro e evitando tocar nas cebolas. Maldizendo as crendices da esposa e as mulheres em geral, arrastou-se até Murie e a pegou no colo para levá-la de volta à cama. Adormecida, ela balbuciou alguma coisa sem sequer abrir os olhos nem reclamar quando ele a colocou sobre o colchão, deitando-se outra vez agarrado a ela. Assim dormiram por mais algumas horas até o dia clarear. A luz da manhã entrou pelas janelas, entre as frestas das mantas que as cobriam. Balan esfregou os olhos para acabar de acordar. Então viu novamente o lugar de Murie vazio. Desta vez não estava na frente da lareira e nem mesmo no quarto. Ela havia saído. Irritado, ele se levantou e novamente esqueceu das cebolas e tropeçou em uma delas. O corpo rodopiou e ele tentou se segurar, porém acabou despencando com um estrondo sobre as tábuas do chão bem na hora em que a porta do quarto se abria. — O que está fazendo, marido? — gritou Murie, correndo para ampará-lo. — Não devia ter levantado. Ainda está muito fraco. — Não foi a fraqueza que me derrubou, Murie. Foram suas malditas cebolas. — Oh, mas mesmo assim não devia levantar. Precisa ficar na cama. — Isto aqui não é uma cama — ele disse, irritado. — É um desgraçado de um colchão velho de palha em cima do maldito chão. Vou mandar meus homens fazerem uma cama decente e conseguir um colchão novo. E também seria bom arrumar umas duas cadeiras para colocar na frente da lareira. — Está bem, está bem — Murie respondeu, segurando o braço de Balan e tentando levá-lo de volta até o colchão. — Agora venha se deitar. — Não é mais preciso. Já estou bastante recuperado e bem disposto — retrucou Balan altivo, ignorando a pontada de dor que ainda sentia com o movimento da queda. — Além do mais, está na hora de usar parte do dote que recebi com nosso casamento para comprar umas cabeças de gado e contratar mais alguns empregados. Vou com Osgoode até Carlisle onde acho que encontrarei o que precisamos.
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— Carlisle? Você vai cavalgar até lá? — Murie perguntou enquanto Balan começava a pegar suas roupas que estavam dobradas sobre um dos baús. — Sim. — Mas a viagem a cavalo até Carlisle leva quase um dia inteiro! — Eu sei. Não se preocupe. Osgoode e eu somos rápidos na montaria e chegaremos depressa. A volta é um pouco mais demorada. Creio que só chegaremos aqui depois de amanhã, provavelmente no fim da tarde — ele respondeu, acabando de se vestir. — Por Deus, Balan. Pense bem. Ainda não está em condições de viajar. — Já lhe disse que estou muito bem, Murie, e preciso resolver essas coisas com urgência. Era impossível convencê-lo do contrário e apesar de desgostosa, ela acabou por concordar. — Pelo menos me prometa que vai tomar muito cuidado — pediu por fim. — Tomarei sim, fique tranqüila. As vestes de Balan estavam ainda com manchas e um pouco rasgadas em alguns lugares depois de terem sido usadas como maca no seu salvamento. Por isso ele decidiu que também precisaria comprar algumas peças novas na viagem e talvez voltar a usar a casaca do seu pai já que a sua estava em mau estado. Vendo que o marido estava quase pronto, Murie abriu a porta e foi saindo. — Aonde vai? — Já que você insiste em viajar, vou juntar algumas coisas para sua viagem. Não vá embora antes de eu voltar, está bem? — Voltar de onde? — perguntou Balan. Não houve resposta e Murie já estava longe.
Capítulo XV
Mas onde se meteu minha mulher? — reclamou Balan, montado em seu cavalo que andava impaciente de um lado a outro dentro da cocheira. Em vez da esposa, quem pareceu aflito foi Anselm. — Será que Godart e Erol ainda não conseguiram encontrá-la? — de mau humor ele questionou o homem. — Não milorde, mas logo, logo vão achar — ele respondeu, alterando o olhar entre
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Balan e Osgoode que também estava ali. — Tem certeza mesmo de que não quer que mais um ou dois homens o acompanhem no trajeto, milorde? — Temos escassez de gente. Não podemos tirar ninguém do trabalho para isso — Balan retrucou, visivelmente irritado com o sumiço de Murie. Anselm fizera a mesma pergunta umas seis vezes antes. Parecia estar preocupado em deixar Balan viajar sozinho com Osgoode. Será que ele, assim como Murie, também tinha alguma suspeita em relação a seu primo? — Pronto, aí está ela — disse Osgoode chamando a atenção de Balan para a figura de Murie que atravessava o portão da cocheira e vinha apressada na direção deles. — Peço mil desculpas pelo atraso, meu marido. Não pretendia demorar tanto, mas tive dificuldade em achar o trevo de quatro folhas. As outras plantas também não foram tão fáceis de encontrar — disse Murie, enquanto cobria a roupa de Balan com ervas. — Mulher, por que está colocando todas essas folhas e pedacinhos de galho na minha roupa? — Aquilo era demais. Sua paciência chegara ao fim e a voz estava alterada. — Calma. Não precisa gritar, são todos amuletos para lhe dar sorte. O galho é de bétula que tem poderes de proteger contra mau-olhado. E as folhas... Ele não queria ouvir mais nada. Abaixou-se, e fez a esposa calar com um beijo longo e úmido. Foi o suficiente para pensar até em adiar sua partida. A vontade era de pegar Murie no colo, carregá-la para a cama e fazer com ela algo do qual certamente sentiria saudade quando ele se fosse. Mas resistiu à tentação. Se fizesse isso acabaria não viajando mais e a viagem se fazia muito necessária. Na realidade era mais do que necessária, era imprescindível. O que ia buscar em Carlisle fazia uma falta enorme em Gaynor e ele não podia adiar mais a decisão. Se por um lado a insistência de Murie em submetê-lo a todas essas crendices o deixava irritado, por outro era comovente ver o quanto sua mulher se preocupava com ele. Por fim, bateu com os calcanhares na anca do cavalo, fazendo-o começar a andar e acenou para Anselm. — Cuide bem de Murie na minha ausência. — É claro, milorde — respondeu o soldado. — Ei, espere um pouco! — Murie gritou, correndo atrás do cavalo que já se aproximava das muralhas. — Esqueci de uma coisa! Osgoode e Balan pararam. Ela se aproximou do marido com as bochechas cheias e, de repente, soltou uma cusparada. Sem acreditar no que acabara de ver, Osgoode perguntou horrorizado:
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— Diabos! Será que vi direito? Você acabou de cuspir em Balan? — Sim — ela confirmou satisfeita, como se fosse a coisa mais normal do mundo. — Dá sorte cuspir na pessoa que vai viajar. É uma proteção. Quer que eu cuspa em você também? — Não! — atalhou Osgoode, começando a rir. — Você também costumava cuspir no rei quando ele saía de viagem? — Eu não, mas garanto que a rainha cuspia porque certa vez lhe falei sobre isso e ela se mostrou muito interessada. — Ah, Murie... — Balan e Osgoode riam às gargalhadas — Venha aqui, minha mulher. Desconfiada ela deu um passo adiante e encostou-se à montaria de Balan. — Que foi meu marido? Curvando-se na sela ele a levantou pela cintura e tornou a beijá-la. — Sabe de uma coisa? Eu te amo, minha feiticeirazinha — disse baixinho ao ouvido dela, antes de tornar a colocá-la no chão. Em seguida atiçou o animal e as duas montarias saíram a galope. Balan só se virou para dar o último aceno quando já cruzava o portão das muralhas. — Tive a impressão de que Anselm não estava nada satisfeito em me ver indo com você nesta viagem — comentou Osgoode enquanto passavam sobre o pontilhão. — Penso que ele desconfia de mim. Será que acha que tenho algo a ver com os atentados? — Não sei — respondeu o primo. — Mas Murie desconfia. — O quê? Não me diga uma coisa dessas. Como pode Murie suspeitar de mim? — Ora, você também não desconfiou dela? — Eu sei, mas era diferente... — Era mesmo — Balan caçoou com um sorriso, adiantando seu cavalo. Não queria mais falar sobre esse assunto. Queria apenas ficar pensando na sua mulher e em tudo que faria com ela na cama quando voltasse para casa.
Foi o barulho de Cecily entrando no quarto que fez Murie acordar. Sonolenta, ela abriu os olhos com lentidão, enquanto a criada ia cuidadosamente tirando algumas roupas do baú até escolher a preferida de Murie: o vestido vermelho com a sobre-saia preta. Ela bocejou e tornou a fechar os olhos. Passara os últimos dois dias trabalhando como uma
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insana e estava exausta, querendo dormir mais um pouco. Assim que Balan se fora, ela havia reunido todos os criados disponíveis em Gaynor para ajudá-la no trabalho. Primeiro tiraram todas as tapeçarias e os enfeites das paredes do salão principal para remover-lhes a poeira, lavá-los e deixá-los limpos. Antes de recolocálos no lugar, pintaram com cal as paredes e se livraram das passadeiras velhas que havia no chão, lavando as que ainda prestavam para poder usá-las novamente depois de secas. No fim do dia todos estavam esgotados, mas, na manhã seguinte bem cedo, já voltavam entusiasmados ao trabalho. Quem sabe esse ânimo todo era por causa dos emprega dos novos que o marido ia trazer ou então pela perspectiva de ter uma dieta bem mais variada quando chegasse o gado que Balan compraria. No segundo dia, Murie distribuiu outras tarefas. Alguns criados foram fazer os poucos reparos necessários nas cozinhas e outros subiram ao segundo andar para renovar o que era preciso. Havia pedido a Anselm que escolhesse alguns homens com habilidade em carpintaria para que fizessem um estrado de cama novo e estes já se ocupavam em cortar a madeira. Também mandara colher palha fresca para renovar o colchão deles e o de Juliana. Todos trabalharam sem cessar até o anoitecer, varrendo os cômodos e os corredores, lavando os pisos, esfregando, e cuidando de tudo com esmero, até o último canto do castelo. Assim os colchões ficaram prontos e a maior parte da faxina também. Mas, apesar de tanto esforço, o estrado da cama ainda não estava acabado quando Murie se recolheu e os marceneiros prometeram que terminariam no dia seguinte. Agora ela tinha novos planos. Naquela manhã mandaria que começassem a construir cercados para os animais de forma a que estivessem prontos quando Balan chegasse com o gado. Também queria que fossem feitas novas venezianas para as janelas. Ela, por sua vez, trabalharia no jardim. Clement havia feito o possível para manter o jardim em ordem, mas era tarefa grande demais para um homem sozinho que também precisava cuidar da cozinha. Espreguiçou-se lentamente, absorvendo a luz forte do sol que chegou até ela quando Cecily afastou a manta que cobria uma das janelas. Era hora de levantar e começar a labuta, pois seu marido retornaria naquela tarde. — Bom dia, Cecily. Parece que o dia está bem bonito hoje, não? — disse, indo até a bacia de água para se lavar. — Sim, milady. É um belo dia — a criada respondeu. — Quais serão as nossas tarefas de hoje? Vai pedir que lavemos com água e sabão todas as muralhas da propriedade? — completou, bem humorada. Murie riu.
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— Não. Será um trabalho mais fácil. Quero que você e as filhas de Gatty recolham as passadeiras limpas e as coloquem nos cômodos do andar de cima. Assim ficarão livres de mim para poder rir e brincar à vontade por algum tempo. Eu vou trabalhar no jardim. — Há muita coisa a fazer ali, milady. — É verdade. As plantas cresceram muito sem ninguém que as cuidasse. Vou ver o que ainda serve, arrancar o mato e também cuidar da horta. Algumas das ervas de tempero podem ser secas e guardadas para o inverno. Caso contrário teremos comida sem gosto, quando o frio chegar. — Tem razão, milady. Mas, de qualquer maneira, será melhor comer frango e carne de boi, mesmo sem tempero, do que peixe três vezes ao dia. Murie concordou, balançando a cabeça. A carne de javali acabara e há dias que tinham voltado à terrível dieta de peixe. — Pronto! — disse a criada quando acabou de ajudar Murie a se vestir e arrumar o cabelo. — Posso ir chamar as filhas de Gatty agora ou há algo que devo fazer antes disso? — Pode ir, Cecily. Quanto antes começarmos o trabalho melhor. Quero que tudo esteja em ordem quando Balan chegar. — Ele voltará hoje? — Sim. Pretendia terminar seus assuntos em Carlisle ontem à tarde e em seguida começar a viagem de volta. Disse que passaria a noite acampando no meio do caminho e chegaria aqui no fim da tarde. — Então é melhor nos apressarmos, não é milady? — Isso mesmo. Vamos ao trabalho. A maior parte do dia transcorreu como os anteriores, com todos andando de um lado a outro, atarefados procurando deixar tudo arrumado. Murie cuidava das plantas, no entanto, seu trabalho era interrompido a toda hora. Primeiro, os homens que faziam os cercados vieram lhe pedir para que fosse definir a localização exata de onde deveriam começar. Depois foram os que construíam o estrado da cama que vieram avisar que estava pronto e que o tinham levado para o quarto no andar de cima. Ela precisou parar de trabalhar novamente para ir ver o resultado e elogiar os homens por sua dedicação. Por fim apareceu Cecily acompanhada pelas outras duas garotas, informando que o quarto de Juliana fora arrumado, estava com cortinas novas e passadeira limpa no chão. E isso não era tudo. Um pouco mais tarde vieram os homens das venezianas trazendo uma amostra para saber se o tamanho e o formato estavam certos. O trabalho de Murie não rendia e ela já havia perdido a paciência. Por isso foi brusca com Anselm,
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quando ele apareceu. — Que foi agora? — perguntou-lhe com voz cortante. O soldado arqueou as sobrancelhas. — Vim avisar que temos visitas. É lorde Aldous. Murie estava ajoelhada ao lado de um canteiro e se levantou espantada. — Sozinho? — Não, com Baxley. — Quem é Baxley. — Um suposto criado dele, mas que na verdade atua como guarda, seguindo Malculinus por toda parte para protegê-lo de qualquer perigo. — Na corte Malculinus não estava com nenhum guarda ao seu lado. — Talvez achasse que ali não fosse necessário, milady. — Pois lhes diga que estou muito ocupada e não posso recebê-los. — Será que isso é o mais conveniente, milady? — O que quer dizer, Anselm? — Talvez recebendo Malculinus, milady pudesse descobrir se ele tem algo a ver com os ataques a lorde Balan — o soldado sugeriu. — Quem sabe ele não deixa escapar alguma palavra ou então age como se ainda tivesse esperanças de se casar com milady em caso de morte do seu marido. Murie permaneceu em silêncio, pensando na situação. Não tinha a mínima vontade de olhar para aquele homem, muito menos de falar com ele. Além do mais, havia muito trabalho ainda esperando por ela. Mas se era para conseguir dados que esclarecessem os atentados, a sugestão de Anselm era aceitável. — Está bem — disse por fim. — Vou ver se descubro alguma coisa. — E eu ficarei por perto, caso haja algum problema. — Obrigada, Anselm — Murie respondeu, certa de que dificilmente Malculinus causaria qualquer inconveniente ali, posto que seus métodos para conseguir o que queria eram sempre agir nas sombras e pelas costas. — Milady, que prazer! — disse Malculinus levantando-se da cadeira ao vê-la entrar no salão principal. — Vejo que tem feito maravilhas neste castelo que estava tão abandonado depois que a peste passou por aqui. Agora está voltando a ser um lugar habitável. Meus parabéns.
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— Obrigada, milorde — ela respondeu, seca. Era o elogio mais mal intencionado que já havia recebido na vida. Por que apenas "habitável"? A ela parecia que o castelo estava ficando surpreendentemente lindo. Irritada olhou para o homem que acompanhava Malculinus. Nunca o tinha visto antes, mas por algum motivo, sua figura lhe parecia algo familiar. Ele era alto e mais franzino do que se espera de um guarda-costas. Seus cabelos eram loiros, um pouco avermelhados. Ainda estava tentando lembrar se já o tinha visto em algum lugar quando Malculinus tomou sua mão e a beijou. — Não há de que — ele respondeu, com os lábios ainda roçando na mão de Murie. — E gostaria que soubesse que será muito bem vinda se vier ao castelo Aldous. Aliás, eu estava agora mesmo dizendo a Baxley que ficaria muito feliz caso tivesse uma esposa tão laboriosa quanto milady ao meu lado. Mas é claro que nenhuma mulher jamais se igualaria às suas qualidades. Murie puxou a mão. Estava indecisa sem saber se aquilo era apenas uma ousadia ou se Malculinus estava com outras intenções. O olhar de Anselm lhe dizia que de fato havia segundas intenções. Malculinus acabava de declarar abertamente que gostaria de tê-la como esposa. Só que ela já era casada. Como se estivesse lendo os pensamentos dela, em seguida Malculinus perguntou: — Onde está seu marido? Espero que já tenha se recuperado do ferimento na cabeça. A notícia do acidente chegou a Aldous e eu vim apresentar-lhe minhas condolências. — Não há necessidade de condolências. Balan está muito bem. — Que bom. Então ele está aqui? — No momento não — Murie limitou-se a responder. Se Malculinus fosse mesmo o responsável pelos ataques, era perigoso dar muitos detalhes sobre o paradeiro de Balan. — Posso lhe oferecer alguma bebida, milorde? Ou algo de comer? — ela continuou com cortesia. A aparente gentileza da oferta era na realidade quase uma punição. Os insossos bolinhos de peixe eram a única coisa que havia e a pouca cerveja caseira disponível era de péssima qualidade. Em Aldous certamente possuíam todos os recursos necessários para fazer cerveja de primeira e ter uma enorme variedade de iguarias. Gaynor não era páreo para eles. — Peixe e cerveja ruim? Não, obrigado — respondeu Malculinus, rindo.
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Murie fechou a cara e fuzilou o homem com o olhar. — Parece que sabe de tudo que acontece em Gaynor, não? — Sei sim. A irmã do seu cozinheiro ainda trabalha para nós. Não lhe contaram? — A irmã de Clement? Murie não sabia que o cozinheiro tinha família porque ele era muito retraído e nunca falara disso. — Exatamente. Ela vem sempre visitar o irmão com bastante freqüência e fica a par dos acontecimentos. Gosto de saber como andam as coisas por aqui, então de vez em quando pergunto a ela. A moça ficou muito contente quando soube que Balan ia contratar mais empregados e comprar um pouco de gado para melhorar as condições de vida do pessoal. Andava muito preocupada com o irmão. Ouvindo isso, Anselm partiu com a cara amarrada na direção da cozinha. Com certeza ia passar um pito em Clement por ele estar fazendo mexericos inconvenientes. Seu olhar era furioso e Murie não podia permitir que ele fizesse isso. — Anselm, por favor. Volte aqui — chamou-o. Ela mesma cuidaria do caso mais tarde e contaria ao cozinheiro que sua irmã estava sendo forçada por Malculinus a lhe dizer tudo que ficava sabendo sobre Gaynor. Para dizer a verdade, tinha dúvidas de que fosse Clement quem espalhava as notícias. O homem era carrancudo, sério e calado demais para tanta conversa. O mais provável é que a irmã dele soubesse de tudo através das outras criadas ou simplesmente registrando aquilo que via, quando andava pelo castelo. Ou ainda por Estrela e Livith, as filhas de Gatty, que eram muito faladeiras. Por coincidência, justamente naquele momento, as duas irromperam na sala, acompanhadas de Cecily e carregando os tapetes que tinham levado para limpar do lado de fora. Olharam espantadas para as visitas e, depois de cumprimentar com um leve aceno, começaram a subir as escadas, levando a sua carga. Com risinhos maliciosos, as garotas pareciam impressionadas com Baxley. Só agora Murie percebia o quanto ele era um homem atraente. Estrelda, a mais nova, chegou a tropeçar em um dos degraus quando virou a cabeça para fitá-lo, mas Cecily a segurou, evitando que caísse. Satisfeito com a comoção que estava causando, Baxley sorria e piscava para as meninas, aproveitando para passar-lhes a mão com a desculpa de ajudá-las a segurar os tapetes. Tal patrão tal subalterno, pensou Murie. Foi um alívio quando as garotas acabaram de subir e sumiram pelo corredor. Assim Murie pôde voltar-se de novo para Malculinus que continuava falando e segurava outra vez sua mão.
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— Lamento vê-la em tão precária situação, milady — ele estava dizendo, enquanto acariciava os dedos dela com seu polegar. — Se houver alguma coisa em que eu possa ajudar... — Ajudar como? Da mesma forma que ajudou lady Jane? — Murie retrucou secamente. Já estava farta da presença daquele homem em sua propriedade e duvidava que conseguisse arrancar dele qualquer possível confissão sobre os atentados. Ele, por sua vez, se mostrava surpreso com o comentário que acabara de ouvir. — O que sabe sobre lady Jane? Durante a partida de xadrez, Balan havia lhe contado tudo que Osgoode vira na noite de Santa Inês. Agora ela sabia que Malculinus seduzira Jane e o achava um sujeito desprezível. Com certeza tinha prometido casamento à pobre moça para que ela aceitasse ir para a cama com ele. Depois a deixara entregue à própria sorte e à humilhação que passaria quando todos na corte soubessem do ocorrido. As coisas seriam ainda piores para ela se por acaso tivesse engravidado. — Agradeceria se fosse embora agora, milorde — declarou Murie, sem responder à pergunta dele. — Tenho muito que fazer antes da volta do meu marido e não posso dispensar-lhe mais tempo. Furioso, mas fingindo compreensão, Aldous disfarçou. — Oh, é claro. Desculpe a minha falta de tato. Imagino que tenha tarefas das mais pesadas ainda por realizar. Só espero que isso não afete a sua saúde ou cause algum dano ainda mais grave. Murie nada respondeu, apenas dirigiu-lhe um olhar de raiva. Então Malculinus continuou: — Em minha opinião o rei cometeu um erro ao deixá-la escolher o marido. Escolheu muito mal, Murie. É fato que não sobraram muitos homens solteiros depois da praga, mas podia ter escolhido algo melhor. Senão veja a sua condição agora. É uma das mulheres mais belas da corte e, no entanto, está reduzida a isso. Parece uma camponesa suja e desgrenhada. Meu Deus, que decadência...
Tremendo de raiva, Anselm foi se aproximando como disposto a escorraçar Malculinus dali. Mas Murie fez um sinal para detê-lo. Engolindo o insulto, ela mordeu o lábio e procurou se controlar. — Já terminou, milorde? — disse com voz o mais calma possível.
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— Por quê? Caso contrário vai começar a gritar e a fazer um de seus tradicionais escândalos. Hein, minha birrentinha? Murie se empertigou ao ouvir seu antigo apelido. Aquele sujeito estava fazendo tudo para que caísse na armadilha de armar um escândalo, como fazia antes. Seria até divertido, pensou, mas não ia dar esse gostinho a Malculinus. Não tinha tempo para isso. Indignada, chegou mais perto dele e, sem saber porquê, sem que tivesse a intenção de fazê-lo, de repente seu punho fechou e o braço partiu na direção do rosto do infeliz, dando-lhe um violento soco no nariz. A dor nos nós dos seus dedos foi forte, mas ver Malculinus berrar como uma criança, segurando o nariz sangrento, compensava tudo. Baxley correu para acudir o patrão, examinou o nariz dele e concluiu que estava quebrado. Com um lenço tentou estancar o sangue e em seguida foi amparando Malculinus porta afora, sem dizer uma palavra. Murie foi atrás. Mesmo contando com a proteção de Anselm, queria ter certeza de que eles iam mesmo embora. Nunca mais queria ter que falar com Malculinus ou ficar perto dele. Viu quando Baxley o ajudou a subir no cavalo e depois montou o próprio animal, puxando o do patrão pelas rédeas como se levasse uma criança e não um homem feito com o nariz sangrando. — Muito bem! — disse Anselm com um sorriso. — Se lorde Aldous tinha alguma pretensão de casar com milady, garanto que agora não tem mais. Ninguém quer casar com uma mulher que é capaz de lhe dar uma surra. Murie também sorriu e foi saindo. — Se precisar de mim estarei lá fora, no jardim. — Perfeitamente, milady. E eu vou ver como andam os trabalhos e contar a todos o que milady acaba de fazer. Vão achar muito divertido e com certeza lorde Balan também, quando ficar sabendo. No restante da manhã não houve mais interrupções e Murie conseguiu adiantar bastante o serviço do jardim. sol já brilhava alto no céu indicando que era hora de fazer uma pausa para o almoço, quando ela ouviu um grito. — Milady! Godart vinha correndo agitado na sua direção. — Lorde Balan está chegando! Os homens da muralha o viram atravessar o pontilhão e dizem que ele traz seis vacas, alguns porcos e três carroças. Numa delas há gente e nas outras parece que são rolos de tecido e gaiolas com aves. Animada, Murie se levantou. Balan tinha voltado. É claro que as mercadorias e os
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novos criados eram importantes, mas, o mais importante de tudo, é que seu marido estava de volta. Ele já havia dito que a amava e agora era sua vez de fazer-lhe a mesma declaração. Feliz da vida correu pela trilha até o castelo, atravessou o salão e foi para a escada da porta principal, esperar por ele. Ali já estavam todos os outros moradores do castelo, aglomerados no primeiro degrau, aguardando ansiosos a chegada do patrão com tantas novidades. A pequena comitiva atravessou os pastos e o grande pátio da frente do castelo até parar diante deles. Em segundos a multidão rodeou os recém-chegados. Thibault correu para dar as boas-vindas aos novos empregados, Clement e Habbie foram ver os animais, contentes com as vacas leiteiras e lambendo os beiços ao avaliar os porcos e as galinhas. Gatty foi ver as peças de tecido, seguida por Juliana e Frederick. Os olhos dela se encheram de água pensando na alegria das filhas quando soubessem que poderiam fazer vestidos novos. E, por sorte, nenhum dos rolos de fazenda era mais de cor marrom. Menos interessados em tecidos, os soldados exclamavam com satisfação vendo os barris de bebida que também vinham na carroça. Enquanto a multidão explodia de alegria, Murie e Anselm, no topo da escada, olharam com mais cuidado para a caravana. De fato havia dois homens a cavalo à frente das carroças, mas não eram Balan e Osgoode. — Onde está meu marido? — ela perguntou confusa, dirigindo-se a um deles. — E quem são esses homens? — apontou para os soldados armados atrás deles. — Marido? Está falando de Osgoode? — Não, meu senhor, estou falando de Balan! Eu sou lady Gaynor. Quem são vocês? — Fomos contratados por seu marido para fazer a segurança das carroças de Carlisle até aqui. Mas como conseguiu voltar ao castelo tão rápido? — Eu? Voltar? Mas como se eu nunca saí daqui? Estava lá atrás, cuidando do jardim. Os dois homens trocaram olhares, deixando Murie ainda mais nervosa. Alguma coisa tinha acontecido. — Mas afinal, onde está meu marido? — repetiu com contundência. — Lá em baixo, no vilarejo fora das muralhas. Osgoode disse que tinha visto a esposa de lorde Gaynor entrar em um dos casebres. Como havia fumaça saindo da chaminé, ele resolveu verificar. Então mandou que nós viéssemos para cá com as bagagens e os dois foram buscá-la na vila. Murie olhou para Anselm alarmada. As feições dele transmitiam a mesma apreensão.
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— Vou reunir alguns homens e verificar o que está acontecendo — ele disse ao sair com passos rápidos rumo às cocheiras. Os pensamentos rodavam na mente de Murie. Tinha certeza de que aquilo se tratava de mais uma ameaça à vida de Balan. Era urgente tomar alguma providência. Não podia esperar que Anselm reunisse os homens e encilhasse os cavalos. Ia demorar tempo demais. Fitou novamente os homens armados que agora desciam de seus animais. Com um movimento rápido, arrancou as rédeas da mão de um deles e montou na sela sem vacilar. — Ei! Esse cavalo é meu! — o homem gritou, tentando detê-la. Mas Murie não se deixou deter. Disparou a galope pelo terreiro, cruzando a toda velocidade a passagem pelas muralhas. Nada mais lhe importava a não ser encontrar seu marido que corria perigo.
Capítulo XVI
— Tem certeza de que era Murie? — Balan perguntou ao primo quando percorriam a fileira de casebres abandonados do vilarejo. Haviam esperado nas muralhas até ter certeza de que os guardas com as carroças chegassem ao castelo. A carga era valiosa demais e não queriam correr o risco de que fosse roubada ou desviada pelos próprios guardas. Só depois de assegurar-se de que tudo chegara bem é que haviam se dirigido ao vilarejo para procurar Murie. — Sim. Ela estava com aquele vestido vermelho que sempre usa — confirmou Osgoode. — Fico pensando o que ela foi fazer na vila? Será que está pensando que vamos dar morada aos novos empregados ali? Balan franziu as sobrancelhas. Nunca havia lhe ocorrido que sua mulher pensasse algo assim. Contudo, a sugestão era até uma boa idéia. A vila ficava suficientemente próxima ao castelo para que os criados pudessem ir a pé para o trabalho todos os dias. Além do mais, morando na vila, cada um teria sua própria casa com espaço suficiente para fazer uma pequena horta, plantar suas verduras e até criar algum animal para consumo. Podia ser uma forma de evitar que os empregados fossem embora, atraídos por proprietários mais ricos. E também daria nova vida ao vilarejo, evitando a degradação total dos casebres. — Ou será que ela foi preparar alguma surpresa para você? — Osgoode continuou.
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— Quem sabe um piquenique para que vocês dois fiquem juntinhos ao pé do fogo — completou, com um sorriso maroto. — Seria um belo piquenique — respondeu Balan, rindo também. — Peixe e bebida ruim, numa casa imunda e caindo aos pedaços, diante de um fogo desnecessário com estes dias quentes. — Tem razão, primo. O tempo ainda não exige aquecer as casas. Mas então por que será que ela acendeu o fogo? Viu a fumaça saindo da chaminé? — Quem sabe está queimando algumas ervas perfumadas para afastar o mau cheiro deste lugar. Ou então é mais uma daquelas suas malditas superstições. Estava bastante cansado das crendices da esposa e ia ter que dar um jeito nisso. Não podia mais admitir que ela continuasse a se jogar no chão cada vez que um pássaro piava ou a imaginar uma tragédia quando outro pássaro cantava. — Espero que ela já tenha descartado aquela ridícula idéia de que eu estou querendo matá-lo, Balan. — Acho que sim. Mas por quê? Alguma vez você chegou a pensar nisso? — perguntou Balan, fitando o primo com o canto dos olhos. — Eu? Matar você? Ficou maluco? — Herdaria todos os meus bens, sabe disso, não? — Claro que sei. Herdaria um castelo velho e depredado, campos onde os grãos apodreceram, uma falta de dinheiro absoluta para contratar empregados ou fazer os consertos necessários e uma enorme dor de cabeça. Que maravilha! Acho até que vou pegar minha espada e acabar com você agora. — Osgoode retrucou com uma gargalhada. — As coisas não estão tão mal assim. Em um ou dois anos tudo vai voltar à sua antiga forma. — Eu sei, mas você tem duas coisas muito valiosas a seu favor: Murie e o dote dela. — De fato, o dote vai ser útil para recuperar Gaynor mais rapidamente, mas Murie é quem realmente tem valor para mim. Notou que o primo o fitava com intensidade. — Você a ama — disse, com ar de caçoada. — Ih, está apaixonado! — continuou, soltando uma gargalhada. — Por que está rindo? Qual é a graça? — Nada. Estava só lembrando da sua reação na primeira vez lá na corte, quando
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sugeri que pedisse Murie em casamento. Se não me engano disse que jamais se casaria com a birrenta e mimada afilhada do rei, não foi? — Ah, está bem. Pode rir, se quiser. O que importa é que estou muito feliz com Murie. — Certamente. Foi uma sorte encontrá-la. Espero ter uma sorte igual à sua, algum dia. — Talvez eu possa ajudá-lo, primo. Murie deve conhecer alguma outra garota da corte que seja agradável, tenha um bom dote e uma bela propriedade para você administrar. — Deus me livre! Nem pense nisso. — Por que não? — Nunca me casaria com nenhuma daquelas fulanas. São pretensiosas demais. Murie foi a única que não nos olhou com desprezo nem reparou nas nossas roupas, lembra? Só ela e lady Emilie, mas essa já é casada. Não, de jeito nenhum. Sou muito novo ainda e, além do mais, vocês iam sentir a minha falta se eu casasse e fosse embora daqui. — Íamos sim — admitiu Balan, rindo da expressão do primo. Desde crianças ele e Osgoode andavam sempre juntos. Não lembrava de um único dia em que Osgoode não estivesse por perto quando fazia alguma travessura ou se aventurava pela propriedade. Mas sabia que chegaria o dia em que ele se casaria e deixaria aquelas terras para ter seu próprio lar. Era certo que sentiria falta dele. — Que tal se você se casasse com Lauda? — ousou sugerir. — Assim teria a sua casa e ao mesmo tempo continuaria por perto já que ela é nossa vizinha. — O quê?! E ter Malculinus como cunhado? Nem pensar. — Bem, se esse é o único inconveniente, sempre é possível achar uma desculpa para provocar um duelo e acabar com ele. Que acha? Em vez de rir da descabida proposta, Osgoode arregalou os olhos e apontou para um dos casebres. — Aquilo não está me parecendo fogo de lareira. Veja, Balan. Parece mais um incêndio.
A fumaça saía por baixo da porta da cabana. Ela era um pouco maior que as demais e
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havia pertencido ao ferreiro do lugar. Mas a peste matara toda a família e a cabana estivera vazia desde então. Assustado, Balan fixou o olhar na direção apontada. — É ali que você disse ter visto Murie entrar? — É sim. Sem pensar em mais nada, ele cravou as esporas na sua montaria e partiu a galope para lá. Em um instante estava diante da porta. Pulou da sela e com um pontapé a abriu. — Murie! Murie! Onde está você? — gritou. Uma nuvem constante de fumaça densa e escura saía aos borbotões pela porta, impedindo que ele conseguisse ver para dentro. Cobriu o rosto com a ponta da casaca e entrou assim mesmo. Osgoode imitou seu gesto e foi atrás dele. — Murie! — os dois chamavam em desespero. Dentro do casebre a fumaça era ainda mais densa e eles andavam tropeçando nas paredes e tossindo sem parar. O calor estava insuportável. — Ela deve ter desmaiado por causa da fumaça! — gritou Osgoode, começando a sufocar. — Deve estar por aí, caída no chão. — Vou procurar nos outros cômodos — retrucou Balan, abaixando-se para rastejar de quatro rente ao chão, onde a fumaça era um pouco menos densa. — Saia e me espere lá fora Osgoode. Durante os anos em que morara ali, o ferreiro enriquecera trabalhando para o pai de Balan. Com isso havia aumentado diversos quartos à construção original e a casa era cheia de recortes e recantos. Isso tornava ainda mais difícil encontrar o caminho em meio à fumaça. — Nada disso! Eu vou com você — disse Osgoode abaixando-se como o primo. — Mas onde você está, Balan? Não consigo ver nada! Balan pensou em abrir uma janela para deixar a fumaça sair, mas ao tentar, viu que havia tábuas pregadas nas folhas das janelas, impedindo que fossem abertas. Com os pulmões ardendo devido à falta de ar, os dois rastejaram por toda parte, movendo-se com rapidez e apalpando o piso até chegar ao último cômodo que estava com a porta trancada. Com muito esforço, Balan conseguiu se levantar e, segurando o pano da casaca sobre o nariz, puxou com força o trinco. A porta se abriu e o fogo rugiu como um animal, lançando chamas incandescentes sobre suas cabeças. Balan puxou Osgoode pelo braço e os dois deram um pulo para trás.
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— Ela não pode ainda estar viva aí dentro — disse Osgoode com desânimo. O foco do incêndio estava justamente naquele local e o quarto inteiro ardia em fogo. Por um instante Balan não se moveu. Sua mulher certamente já estava morta naquele braseiro se de fato tivesse entrado ali. De repente, um pensamento lhe passou pela cabeça. O fogo... as janelas pregadas com tábuas... aquilo tudo não fazia sentido, ponderou. E Murie não teria motivo algum para vir até o casebre com tanta coisa que havia planejado fazer no castelo. Não, ela não estava ali! Aquilo era um engodo. Ele havia sido enganado. — Vamos sair! — urrou, puxando Osgoode pelo braço. — Isto é uma armadilha. Vamos embora! Rastejando outra vez, foram aos poucos procurando a porta por onde haviam entrado. O calor e a fumaça eram cada vez mais intensos, as chamas ameaçando se espa lhar pelo restante da casa. Piscando com dificuldade, Balan por fim conseguiu distinguir o retângulo mais claro da porta de entrada, mas, antes que conseguisse alcançá-la, notou que se fechava. Alguém os estava trancando lá dentro. — Não disse que era uma armadilha? Pois acabamos de cair nela! — ele gritou, desesperado. — Percebi que há uma mesa pesada no outro canto da sala — disse Osgoode. — Vamos tentar usá-la para arrombar a porta — propôs antes de se desmanchar num novo acesso de tosse. — Está bem! Os dois ficaram de gatinhas e foram tateando até encontrar a perna da mesa. Era de fato uma peça sólida e robusta. A muito custo conseguiram virá-la de lado para segurar um par de pernas cada um. — Vou contar até três e então correremos contra a porta, entendeu? Um, dois... três! Seguraram a mesa com força, reuniram o fôlego que conseguiram e, com toda a velocidade de que eram capazes, deram três passos na direção da porta. Entretanto, antes que chegassem a golpeá-la, a porta se abriu e Murie gritou: — Balan! Balan em vão tentou frear o impulso, mas só conseguiu gritar para que ela se abaixasse. Era tarde demais. Como um bólido saíram porta afora, passando por cima de Murie e atingindo-a em cheio com a mesa. — Não deve se levantar, milady. — Já estou muito melhor, Cecily.
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— Mesmo assim, ainda não é conveniente. Esqueceu que está acidentada? — Só porque fui atingida por dois homens e uma mesa? Ora, fiquei apenas com um galo na cabeça, nada mais. — Não é só um galo. Gatty teve que dar pontos — insistiu a criada. Murie lembrava claramente da dor que havia sentido quando a agulha atravessava sua pele. Era uma dor quase superior à que sentira com a batida. Do resto tinha apenas uma lembrança difusa. Sabia que havia montado no cavalo de um dos guardas e que galopara como louca até a vila à procura de Balan e Osgoode, quando avistou os animais de ambos em frente a uma das cabanas. Quis abrir a porta para chamá-los, mas, teve muita dificuldade em fazê-lo, uma vez que do lado de fora havia um tronco colocado como alavanca, com uma das pontas enterradas no chão, para evitar que fosse aberta por dentro. Além do mais, a fumaça que saía por baixo da porta era sufocante. Ouviu gritos e isso lhe deu a certeza de que Osgoode e Balan estavam mesmo lá dentro. Engoliu a fumaça e juntou todas as suas forças, decidida a socorrê-los. Então, agarrou e puxou o tronco até conseguir removê-lo e por fim abrir a porta. No momento seguinte um vulto disforme surgiu entre a fumaça e veio direto para cima dela, sem dar-lhe tempo de se esquivar ou de proteger-se com as mãos. A partir daí não lembrava mais de nada a não ser da pancada, da dor e de sentir que estava caindo ao chão. Haviam-lhe contado que, depois disso, Balan e o primo largaram a mesa às pressas e foram acudi-la. Como estava desmaiada, o marido a pegou nos braços, montou no cavalo com ela e saiu em disparada rumo ao castelo, sem sequer parar para explicar o acontecido a Anselm e seus homens, que vinham pelo caminho na direção oposta. Osgoode seguia Balan, igualmente apavorado. O ferimento na cabeça de Murie estava sangrando muito. Então Anselm e os soldados deram meia volta e seguiram o patrão, esperando poder de alguma forma ajudar. Segundo o relato de Juliana, Balan guiou o cavalo até o último degrau da escadaria na entrada do castelo e, assim que Gatty abriu-lhe a porta, ele correu para o andar de cima para colocá-la na cama. Em seguida foi a própria Gatty quem se encarregou de limpar o sangue e dar-lhe os necessários pontos na testa com sua agulha de coser. Essa era a narrativa dos acontecimentos que ouvira e não precisava que lhe contassem mais nada porque com a dor da agulha perfurando a pele da testa, ela havia acordado e tinha plena consciência do que se passara depois. Gatty lhe dizia palavras de alento e Balan segurava sua mão para ampará-la, quando ela gritava de dor.
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O rosto dele estava desfigurado, tenso e completamente sem cor. Ficou ali, consolando-a até o fim da dolorosa experiência e, assim que Gatty terminou, deixou-a entregue às mãos da criada e saiu do quarto. Não devia estar suportando vê-la passar por tanto sofrimento. Um pouco depois, Murie sentia-se ainda muito fraca e estava tremendo quando Gatty a ajudou a tirar a roupa e a acomodou na cama. O corpo e a cabeça doíam a cada movimento. A cabeça ainda sangrava um pouco e hematomas se formavam por todo o corpo. Ela sabia, contudo, que ficar deitada por muito tempo só fazia os músculos enrijecerem e as coisas ficarem ainda piores. Era por isso que agora queria levantar, apesar das reprimendas de Cecily. Queria se pôr de pé para mexer-se um pouco e também para receber seu marido, quando ele voltasse. Precisava dizer a Balan o quanto o amava. Era especialmente parar isso que tinha ido à vila atrás dele. E se não fosse pelo maldito atentado, teria conseguido. — Eu lhe imploro, milady. Por favor, fique deitada. Caso se levante, o patrão vai pôr a culpa em mim e dizer que não cuido bem da senhora. — Nada de chantagens, Cecily — respondeu Murie, fazendo um esforço para se levantar. — Elas não vão adiantar — completou, pondo-se de pé. A criada estava com ela havia dez anos e sempre tivera a incumbência de cuidar dela quando apanhava um resfriado ou alguma das doenças comuns na infância. Durante todo esse tempo tentara inúmeras maneiras de mantê-la na cama, mas sempre sem sucesso. — Se deitar de novo eu lhe trago um pouco daquela bebida gostosa que lorde Balan trouxe de Carlisle. Vai lhe fazer bem. — Mas o que é isso, Cecily? Suborno? — Ai, Senhor! Milady é a mulher mais teimosa que já conheci — disse a criada, segurando-a pelo braço. Devia estar meio cambaleante para que Cecily a segurasse dessa maneira, mas havia decidido levantar e nada podia detê-la. Por fim, desistindo de argumentar, Cecily foi até o baú para escolher sua roupa. — Está bem, milady. Que roupa quer usar então? — Qualquer uma que esteja limpa. A criada separou um fino vestido bege com detalhes em marrom. Era quase uma roupa de festa.
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— Vista isto. É delicado demais para que o use no trabalho. Assim, pelo menos terei a certeza de que não vai fazer também a bobagem de querer trabalhar. Murie aceitou sem nada dizer. Não estava mesmo com vontade de trabalhar. Só não queria ficar o dia inteiro trancada no quarto como se fosse uma inválida. Cecily continuou resmungando baixinho enquanto a vestia, reclamando de sua teimosia e repetindo que ela não devia se ocupar com nada naquele dia a não ser em ficar sentada no salão bem quieta. Disse que ia ampará-la para descer até o salão, pois não queria que ela caísse na escada e quebrasse o pescoço. Apesar do mau-humor da criada, Murie a fitou com carinho. Sabia que Cecily a queria bem e que se preocupava com ela. Era uma boa moça e uma fiel companheira, a quem devia muito. Aceitou de bom grado sua ajuda para descer os degraus da escadaria e acomodar-se no salão. Ainda sentia muita fraqueza e pensou que talvez não tivesse sido mesmo uma boa idéia sair da cama tão cedo. Contudo, jamais admitiria isso à sua criada. Cecily saiu em seguida para ir buscar as roupas sujas de sangue que pretendia lavar. Assim que se viu sozinha, Murie olhou à sua volta. O salão estava vazio. Não havia ninguém. Todos estavam cuidando de suas tarefas nas várias dependências do castelo. Ia ser muito aborrecido ficar ali sem companhia e sem ter nada para fazer. Ocorreu-lhe que podia aproveitar o tempo remendando algumas das muitas vestes que se haviam rasgado nas aventuras dos últimos dias. Mas para isso precisaria subir as escadas outra vez e apanhar seus apetrechos de costura. Esforço demais que não estava disposta a fazer. Então, acabou desistindo. Depois de algum tempo sentada à toa, começou a tamborilar com os dedos sobre a mesa à sua frente. Começava a sentir sede. A poção do medicamento que Gatty lhe dera também havia deixado sua boca amarga. Gostaria de beber alguma coisa. Apoiando-se no braço da cadeira, ficou em pé. Sentiu uma tontura passageira, mas não o suficiente para fazê-la desistir de ir até a cozinha. Segurou-se na parede e deu os primeiros passos naquela direção. Antes que chegasse à cozinha, porém, a porta se abriu e surgiu uma mulher que Murie achou já ter visto antes dentro de uma das carroças. Assim que deu de cara com ela, a moça voltou rápida para trás e entrou na cozinha novamente, fechando a porta. Mas, no instante seguinte, a porta se abriu outra vez e apareceu Clement, ainda mais carrancudo do que de costume. Sua testa estava franzida e o maxilar apertado, fazendo com que sua boca Parecesse uma linha reta cravada no rosto. — Não devia ter saído da cama, milady — disse tão logo a fez sentar, segurando-a pelo braço.
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— Mas é que... — Não há desculpa cabível. Seu acidente foi terrível e deixou a todos nós muito assustados. Se tivesse um mínimo de bom senso não teria levantado. Murie notou que Cecily descia as escadas e ia para a cozinha, mas sua atenção estava centrada no homem que tinha diante de si. Nunca haviam lhe dirigido a palavra nesse tom, nem seu pai nem mesmo o rei. Se por um lado isso a surpreendia, por outro a fazia sentir-se querida, vendo que o cozinheiro se preocupava tanto com ela. — Clement tem razão — interveio Thibault, que acabava de chegar. — Perdeu muito sangue e está bastante pálida, milady. Seria melhor que voltasse para a cama. — Eu só ia até a cozinha para beber e talvez comer alguma coisa — ela explicou, meio desnorteada. O argumento pareceu convencer Clement, mas apesar disso o tom de sua voz continuou seco. — Pois devia ter pedido para alguém vir buscar o que desejava. Eu matei uma galinha para fazer-lhe uma sopa. Está no fogo há duas horas, desde que houve o seu acidente, e já deve estar pronta. Vai ajudá-la a recuperar as forças — anunciou solene. — Trarei um pouco imediatamente e também a bebida que deseja. Enquanto isso, Thibault, não deixe milady sair dessa cadeira. — Obrigada, Clement. Estou sentindo o aroma da sopa daqui e o cheiro é divino — disse Murie quando o cozinheiro ia saindo. Ele desapareceu atrás da porta da cozinha e Murie fitou o mordomo. — Acho que você estava certo, Thibault. Ele é muito carrancudo, mas no fundo tem um coração enorme. — Não disse? Viu que ele quase chegou a sorrir quando milady elogiou o cheiro da sopa? — Thibault respondeu. — Mas agora preciso ir — continuou tão logo viu Estrelda vindo com a tigela de sopa e uma caneca de bebida nas mãos. — Mesmo com mais empregados, tenho ainda muito trabalho a fazer. Bom apetite, milady. — Obrigada. Murie sorveu o primeiro gole. Há muito que não tomava uma sopa tão gostosa. Era grossa e bem temperada, cheia de pedaços de carne e de verduras. Em pouco tempo tomou satisfeita toda a sopa e comeu o pão que a acompanhava. Quando terminou já se sentia refeita, voltando a ter quase as mesmas forças de antes, Era hora de achar alguma
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coisa para fazer. Apesar de terem trabalhado tão arduamente para melhorar a aparência do castelo, a tarefa não estava terminada. Ainda faltava uma porção de consertos, mas todos eles eram pesados demais para que ela os realizasse naquelas condições e, sobretudo vestindo as roupas finas que Cecily a fizera usar. No entanto, havia algo do qual podia se encarregar. Recolher ervas aromáticas para perfumar os cômodos do castelo. Muitas delas também traziam sorte e proteção, inclusive as folhas de sabugueiro que diziam proteger contra incêndios. Além do mais, respirar o ar puro do jardim só podia fazer-lhe bem, concluiu. Com passos lentos, para se assegurar de que a tontura não voltaria, foi se dirigindo à porta de saída. Precisava ser cuidadosa, porque se alguém a visse saindo, com certeza ia querer impedir. Do lado de fora, as únicas pessoas que poderiam vê-la eram os guardas das muralhas, mas como usava um vestido bege, de cor bem semelhante à roupa de todos os empregados, de longe iam pensar que era apenas uma das criadas, concluiu. Olhando de um lado a outro para ter certeza de que não havia ninguém por perto, abriu a porta e saiu. — Pronto. Estão todos aqui agora? — perguntou Balan quando Clement, Cecily, Estrelda e Thibault chegaram para juntar-se ao grupo. — Desculpe o atraso, milorde — disse Thibault. — Mas é que lady Murie desceu para comer alguma coisa e nós... — Como? Ela se levantou? — Sim, mas está sentada bem quieta no salão, tomando a sopa que Clement preparou para ela. Servir primeiro milady é nossa obrigação e por isso nos atrasamos. O patrão queria que ela também viesse para cá? — Não — Balan retrucou. — É justamente para falar sobre ela que chamei a todos. — Falar sobre ela? — repetiu Gatty. — Não é possível que ache que lady Murie tem algo a ver com os atentados, não é milorde? — Claro que não. O que leva você a pensar uma coisa dessas? — É que da última vez em que convocaram uma reunião aqui no canto das muralhas, todo mundo foi chamado menos aqueles sobre quem recaíam suspeitas. — Vocês se reuniram aqui antes? — Osgoode perguntou com surpresa, só então percebendo que se não havia sido chamado fora porque desconfiavam dele. — Quer dizer então que vocês pensam que eu estou tentando matar Balan?
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— E desconfiam também de mim... — Cecily murmurou. Muito sem-graça, todos se entreolharam sem coragem de encarar a criada e nem o primo. Então Balan retomou a palavra: — Bem, mas isso não importa. Não chamei vocês aqui para falar sobre quem está tentando me matar, mas sim sobre minha mulher. Vou ser bem claro para que todos entendam perfeitamente, inclusive os guardas das muralhas. Quero que fiquem atentos à minha esposa o tempo todo, sem deixá-la sozinha por um minuto sequer. Dois homens farão a guarda dela continuamente, em todos os momentos, até que o culpado pelos ataques seja encontrado. Compreenderam bem? Houve um silêncio prolongado até que Anselm falou: — Compreendemos milorde, mas o matador está atrás do senhor e não da sua esposa. Ela está em segurança completa. — Não está, não. Hoje mesmo ela... — Mas milorde... — interveio Erol. — Não me interrompa. Estou dizendo que hoje mesmo ela correu muito perigo, tentando me salvar. E há alguns dias precisou me tirar do rio e foi forçada até ficar nua para poder me arrastar sozinha de volta ao castelo. É evidente que... — Mas veja, milorde... — Já disse para não me interromper, Erol! Se eu estou correndo perigo, minha mulher também está, e quero que ela seja protegida o tempo todo. Alguma pergunta? — Sim, milorde — disse Erol conseguindo por fim falar o que queria. — Aquela não é lady Murie lá longe, entrando sozinha na floresta enquanto ficamos aqui discutindo a segurança dela? Balan esticou o pescoço para poder ver por cima do canto da muralha. Vislumbrou, então, sua mulher fazendo exatamente o que Erol dizia e, depois de soltar um sonoro palavrão, saiu correndo atrás dela.
Capítulo XVII
As folhas mais perfeitas costumam ficar no topo dos arbustos e era por isso que Murie estava trepada no galho de um freixo quando ouviu o galope do cavalo. Ali de cima
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viu seu marido passar montado em Trovão e não pensou em chamá-lo. Ele parecia preocupado e devia estar a caminho de alguma tarefa urgente. Por isso não valia a pena distraí-lo. Continuou recolhendo calmamente as folhagens e guardando as que escolhia nos bolsos do vestido. De repente ouviu novamente o barulho de cascos do cavalo e Balan passou por ela, desta vez na direção oposta, sem notá-la. Ele tinha cumprido a tarefa muito depressa, concluiu. Do que estaria se ocupando? Já ia descer do galho quando inesperadamente Trovão passou de novo, agora a toda velocidade com Balan agarrado firme na sela. Que coisa estranha... o que estava acontecendo para fazê-lo correr assim de um lado a outro? E por que não havia ninguém com ele, contrariando as ordens que dera para que Balan fosse sempre seguido? Assim que voltasse ao castelo precisava ter uma conversa muito séria com Erol e Godart. Não podia permitir essa displicência. Desceu da árvore, relembrando os atentados e imaginando o que teria feito Osgoode pensar que era ela quem entrara na cabana do ferreiro no vilarejo. Teria sido enganado por algum vulto entrando ali? Era muita coincidência que Malculinus e seu assistente aparecessem justamente um pouco antes desse último atentado. Mas, por outro lado, estava claro que Osgoode não poderia se confundir tanto, a ponto de achar que um dos homens fosse ela. Caminhou até o amontoado de trevos que cresciam entre a relva e se pôs de joelhos para procurar algum que tivesse quatro folhas. De quatro, vasculhou as folhagens na esperança de achar aquilo que acreditava ser um poderoso amuleto da sorte. Então ouviu o galope de Trovão novamente. — Murie! — exclamou Balan que desta vez a viu. Ainda agachada no chão, ela levantou a vista e observou seu marido frear o animal e rapidamente saltar da sela. Sorriu satisfeita para ele, mas o rosto de Balan era de poucos amigos. Mesmo assim, admirou sua figura. Era um homem alto, bem proporcionado e de músculos definidos que se moviam com desenvoltura e agilidade como os de um felino. Seu porte era elegante quando caminhava até ela. Sentira muito a sua falta nos três dias em que se ausentara. As noites haviam sido muito longas, sem seu toque e o calor do corpo dele ao seu lado. Perguntou a si mesma se a proximidade dela era igualmente prazerosa para Balan. Devia ser, concluiu. Caso contrário ele não ficaria beijando e acariciando-a com tanto empenho, sempre que ficavam juntos.
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Murie, por sua vez, não sabia muito bem como agir para retribuir-lhe esse prazer. Na corte ela havia flagrado casais fazendo amor pelos cantos e notara que isso podia ser feito de diversas formas. Mas nunca tivera coragem de prestar mais atenção, pois nessas situações ficava muito envergonhada e logo saía correndo do lugar. Agora que estava casada, talvez fosse o caso de se armar de audácia e perguntar a Balan quais eram as preferências do marido. — Minha mulher — ele disse parando de pé ao lado dela. Sua expressão ainda era fechada, mas Murie tratou de ser gentil. — Boa tarde, Balan. É um belo dia para uma cavalgada, não? Você foi tratar de algum compromisso importante? — Sim. Do compromisso de achar você. Que está fazendo aqui fora quando devia ficar de cama? — É muito cansativo ficar na cama. Principalmente sem você, meu marido. A declaração pareceu abrandá-lo e ele se ajoelhou rente a Murie com o semblante mais suave. Tocou-lhe a mão carinhosamente e sorriu de leve, percorrendo o corpo dela com o olhar que se tornou mais brilhante quando chegou ao decote. — Pode ser, mas, mesmo assim... — Balan? — ela interrompeu. — Que foi? Ele agora acariciava seus cabelos, e os dedos foram descendo suavemente pela trilha do pescoço até alcançar os seios e tomar um deles inteiramente na palma da mão, afagando-o com delicadeza como se fosse uma jóia preciosa. Murie estremeceu de prazer. — Eu andei pensando se... — Pensando o quê? — perguntou Balan, vendo que ela tinha dificuldade em terminar a frase e continuando as carícias. Murie havia esticado o braço para tocar a parte interna das pernas dele e passava a mão avidamente por suas coxas. Apesar de um tanto surpreso, Balan não se afastou, deixando que ela o tocasse conforme sua vontade. — Vamos, Murie, pode falar. — Andei me perguntando se você... se gostaria que fizesse em você algumas das coisas que faz em mim com sua boca e que me dão tanto prazer... Algumas das coisas como as que vi na corte... O queixo de Balan caiu e ele arregalou os olhos. Não conseguia dizer nada. Só sentia
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a mão de Murie subindo por suas pernas até chegar ao membro intumescido e segurá-lo com firmeza. Sem conseguir se segurar, gemeu antevendo o que estava por vir. A resposta do marido deu coragem a Murie para continuar. Ela abriu o tecido da calça, livrando o membro, tomou-o entre os lábios e deixou que entrasse em sua boca por inteiro à medida que se avolumava cada vez mais Balan se contorcia e os gemidos ficavam cada vez mais altos até que, de repente, se afastou, fazendo-a parar. — Fiz algo errado? — ela perguntou, corando de vergonha. A resposta foi um beijo. Enlouquecido, Balan a tomou nos braços e colou seus lábios aos dela, deixando a língua invadir-lhe a boca para sentir seu gosto e explorar todos os úmidos recantos. — Onde aprendeu isso? — perguntou em seguida aos sussurros. — Hum... eu vi uma garota com o amante na corte... E achei que você poderia gostar e... não sei... Será que eu estava fazendo direito? — Murie respondeu corando de ansiedade. — Estava sim. Sem mais nada dizer, Balan arrancou suas roupas e as jogou longe. Em seguida, abriu o vestido de Murie, ajudando-a a tirá-lo também. Então se deitou sobre ela, entregando-se por inteiro às tentações do amor. Penetrou-a com a fúria do desejo que ansiava por ser satisfeito e da paixão que queria se consumar. Ela correspondia aos arroubos, agarrando-se os cabelos dele, arqueando o corpo para que a penetrasse melhor, arfando e gemendo de prazer a cada impulso. Seus gemidos ecoavam na solidão da mata, como se fossem o lamento de algum animal. De olhos fechados, girava a cabeça como querendo mais e mais. Em certo momento abriu-os por um instante e, então, viu que havia ao seu lado justamente o trevo de quatro folhas que tanto tinha procurado. Amassou-o entre os dedos, certa de que a sorte que ele previa já tinha chegado. E foi assim, enroscados um no outro como se fossem um único ser, que permaneceram até culminar numa convulsão final de gozo. Aliviados, continuaram abraçados em meio ao tapete de trevos por algum tempo. Murie ainda tremia de prazer quando Balan por fim se levantou. Suas costas estavam molhadas, mas não era só de suor. Ele estendeu a mão e olhou para o céu. Só então se deu conta de que estava chovendo. A chuva começara a cair enquanto eles faziam amor e agora uma tempestade se desencadeava. Mas a fúria da natureza era inferior à fúria da paixão dos dois. Balan estendeu a mão para ajudar Murie a se levantar e correram nus procurando abrigo entre as árvores da floresta. Suas roupas ficaram onde estavam, amontoadas perto de um tronco à
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beira da clareira de trevos. Conseguiram resguardar-se debaixo da folhagem densa de uma árvore, e ficaram ali abraçados e quietos, esperando a chuva passar. Foi assim que ouviram os gritos de alguém que os chamava. As vozes estavam se aproximando. — Será que é Osgoode? — ela perguntou, alarmada. — Murie! Balan! — Parece ser a voz dele e também a de Anselm — respondeu Balan. — Ai, por Deus, temos que nos vestir! Não podem nos encontrar assim, sem roupa. — Não dá tempo. Estão muito perto. Vamos nos esconder — retrucou o marido, puxando-a pela mão e embrenhando-se em disparada pela mata. Os gritos continuavam e o som dos cavalos estava chegando cada vez mais perto. Agora tinham a impressão de que eram mais de dois animais. Será que todo mundo havia saído à procura deles? — Precisamos apanhar nossa roupa — Murie reclamou ao ver que se afastavam cada vez mais da clareira. Balan a fez calar, colocando a mão sobre sua boca. A chuva estava diminuindo e teriam que continuar ali até que os homens se afastassem. Depois de algum tempo, Balan arriscou puxá-la para trás de uns arbustos que estavam mais perto da clareira. Olharam em silêncio entre as folhas e viram Erol e Godart aparecer e, para seu completo azar, parar os cavalos bem em cima da clareira. Os dois homens conversavam. — Onde será que se meteram? — perguntou Erol, empinando-se na sela para olhar em volta. — Será que o matador os apanhou? — Godart inquiriu. — A estas horas já era para lorde Balan ter voltado. Os homens continuaram discutindo o assunto, apavorados com sua sorte caso os patrões tivessem mesmo desaparecido, mas Murie não estava mais prestando atenção. Havia percorrido com os olhos toda a clareira e notara que o cavalo de Balan não estava mais ali. — Trovão sumiu! — cochichou para o marido. — Não se preocupe. Vi Osgoode passar, puxando-o pelas rédeas — ele respondeu baixinho. — Mas se ele viu Trovão na clareira deve também ter visto nossas roupas. — É claro que viu. Não percebeu que estão todas dobradas com cuidado ao lado daquela árvore e não espalhadas como as deixamos? Com certeza fez isso para que não se
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molhassem tanto e para que os outros não as vissem. — Se levou Trovão, então por que Osgoode não levou a roupa? — Para que pudéssemos voltar e vesti-la. Dobrou-a com cuidado e deixou ali, meio escondida em baixo da minha casaca, está vendo? E deve ter levado o cavalo para evitar que ele chamasse a atenção dos outros homens. Se vissem Trovão, certamente iam vasculhar a clareira e acabar nos achando. Conheço bem meu primo. Ele está querendo nos proteger. — Ah — Murie suspirou, aliviada. — Agora espere aqui — ordenou Balan. Ela viu o marido se esgueirar entre os arbustos, correndo agachado de uma árvore a outra até conseguir chegar ao tronco ao lado do qual estavam as roupas. Escondido atrás dele, esperou que os homens olhassem para outro lado e, com um movimento rápido, agarrou a pilha, e se escondeu de novo. Largou as roupas de Murie no chão e ligeiro foi se vestindo de qualquer jeito. Primeiro a calça e as perneiras de couro, depois a camisa e as botas, e por cima de tudo, a casaca. Fez um sinal para ela, indicando-lhe onde estava seu vestido, e levou o dedo aos lábios, sinalizando para que ficasse em silêncio. Depois se empertigou e, como se nada tivesse acontecido, saiu dos arbustos e foi ao encontro dos dois homens que estavam na clareira. — Milorde! — exclamou Erol com alegria. — Que bom que está a salvo! — Estou sim — Balan respondeu com um sorriso impávido. — Minha esposa também. Ela já vem vindo. Por trás das folhagens Murie, então, notou que Balan estava com a casaca toda torta, mal abotoada e com uma das pontas presa entre as pernas. Ele procurava distrair os homens, levando-os para o outro lado da clareira de maneira a permitir que ela conseguisse apanhar seu vestido sem ser vista. Quando Erol e Godart olharam na direção oposta, Balan disfarçadamente fez sinais para ela, sugerindo que se apressasse. — Aconteceu algo com sua mão, milorde? — Godart indagou. — Vejo que está abanando de um lado a outro. Está machucado? — Não foi nada. De gatinhas Murie se arrastou pelo mato até dar uma corrida final e finalmente pegar sua roupa. Foi bem a tempo porque naquele instante Anselm apareceu no seu cavalo e foi se juntar aos outros na clareira. Faltou menos de um segundo para que ele a visse. Os homens conversavam, enquanto escondida atrás dos arbustos, Murie tratava de entrar no vestido. Com algum custo conseguiu e, depois de ajeitar com a mão os cabelos, assumiu o ar mais sereno de que era capaz e deu uns passos saindo do esconderijo.
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— Ah, milady! — Anselm a cumprimentou. — Estávamos agora mesmo dizendo ao lorde o quanto ficamos preocupados quando não retornaram ao castelo antes da tempestade. Por isso, assim que a chuva amainou, saímos para procurá-los. Ainda bem que decidiu se proteger em baixo de uma árvore, como o lorde acaba de nos explicar. — Foi isso sim, Anselm — ela respondeu, tentando sorrir e dirigindo ao marido um olhar de gratidão. Agora era Osgoode quem vinha chegando, montado em seu cavalo e trazendo Trovão pelas rédeas atrás de si. — Obrigado, primo — disse Balan, pegando as rédeas do animal. Ao longe se ouviu o som de galopes e de vozes chamando. Anselm ficou alerta. — Preciso ir avisar aos outros de que está tudo bem e que podem parar de procurálos porque já estão em segurança. — Pode ir. — Balan concordou. Antes de sair, porém, Anselm dirigiu-se a Godart e Erol com voz de comando: — Vocês dois, acompanhem lorde e lady Gaynor até o castelo — ordenou, afastandose em sua montaria. — É mesmo hora de voltar para casa, não acham? — disse Osgoode, dirigindo um olhar maroto a Balan e Murie. — Vamos, Murie? — Balan ofereceu sua mão para ajudá-la a subir em Trovão. — Mas eu queria ficar mais um pouco e acabar de colher as folhagens que procurava. — Nada disso — retrucou o marido. — Ainda está muito fraca para fazer algo cansativo assim. — Cansativo? Duvido que recolher folhas seja mais cansativo do que o que estávamos fazendo antes. — As palavras saltaram da sua boca sem querer. Desta vez Osgoode não se conteve. Começou a rir a toda, as lágrimas escorrendo com cada risada. — Oh, que será que faziam, hein? Ah, estou só imaginando... só imaginando... — Pois então imagine em silêncio — disse Murie secamente. — Está bem — Osgoode se segurou, passando a mão pelo rosto para enxugá-lo. — Só mais uma observação, primo. A ponta da sua casaca está presa entre as pernas. E você, Murie, tem os laços do vestido amarrados ao contrário. Vermelhos de vergonha, os dois repararam nas vestes que usavam, constataram que
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o primo dizia a verdade e fizeram uma careta de desagrado. Mais do que depressa, trataram de se endireitar. — Não permito que você fique aqui sozinha — continuou Balan, retomando a fala. Aquilo começava a irritar Murie. Pelo visto o amor que sentiam não era capaz de resolver todos os conflitos. As diferenças precisavam ser tratadas com alguma condescendência se quisessem se entender. — Muito bem. Então mande Cecily vir aqui. Assim não ficarei sozinha, E peça a ela para trazer uma cesta. Será melhor para recolhermos os galhos e as folhas que desejo. Balan não aparentou estar satisfeito com essa solução, mas sabia que alegar fraqueza para impedir Murie de fazer o que desejava era um contra-senso. Em especial depois de toda a atividade na qual tinham se envolvido, momentos antes. — De acordo — acabou por aceitar. — Vou mandar Cecily para cá. Erol e Godart fiquem aqui até a criada chegar. — Perfeitamente, milorde — os dois responderam, parecendo atrapalhados por ter que acatar a ordem. Na hora Murie entendeu a razão disso. Eles eram precisamente os mesmos homens que ela havia mandado guardar Balan e agora teriam que desobedecê-la. — Isso não vai ser necessário, Balan — ela tentou consertar a situação. — Deixe só um deles aqui. O outro pode ir com você. — Não, ficam os dois. — Mas... O marido a silenciou com um rápido beijo e foi pegar as rédeas de Trovão. Era um homem teimoso ao extremo, difícil de dobrar, pensou. Desse jeito ia acabar morrendo nas mãos do assassino. Ao pensar nisso, lembrou da pergunta que quisera fazer a Osgoode. Ele estava no outro canto da clareira, encaminhando seu cavalo para acompanhar Balan. Mas Murie o impediu, aproximando-se e segurando a ponta da bota que ele apoiava sobre o estribo. — Um momento, milorde. O primo de Balan olhou para baixo. — Que foi? — indagou. — Um dos guardas da carroça me disse que foi você quem me viu lá na vila. Isso é verdade?
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Osgoode bufou exasperado. — Murie, não me diga que ainda pensa que sou eu quem está querendo matar seu marido. Vai sugerir agora que eu o ludibriei para que entrasse naquele maldito incêndio? — Não é nada disso, milorde. — Ufa, ainda bem! — Eu só estava querendo saber o que foi exatamente que viu. — O que vi onde? — Entrando no casebre. O que foi que o fez achar que era eu? Malculinus e Baxley tinham acabado de sair de Gaynor. Não poderia ter sido um homem, vestido de mulher, quem entrou na cabana? — Homem vestido de mulher? Ah, não. Tinha silhueta de mulher, bem cheia de curvas... — ele disse, balançando as mãos diante do peito para indicar o volume dos seios. — Não era homem, não. Era mulher. — Acha que podia ser Lauda? — Ele pensou por um instante. — Também não. Não era Lauda. Ela é muito alta e quase não tem peito. — Quer dizer que a pessoa era mais baixa? — Sim, mais miúda e de corpo arredondado, como você. Aliás, eu tive certeza de que era você. — Por quê? Como podia ter certeza se viu de tão longe? — Minha vista é boa. — ele respondeu e Murie viu desconfiança na expressão de seu rosto. Pelo visto Osgoode não estava de todo convencido ainda de que ela não tinha nada a ver com os atentados. — Os cabelos eram claros como os meus? — Sim, mas não foi isso que me deu a certeza. — O que foi, então? — A cor das roupas. Usava um vestido vermelho com sobre-saia preta como aquele que você gosta tanto. — Osgoode levou a mão à testa e se calou. Parecia estar repensando a situação. Momento depois tornou a falar: — Ah, mas pensando bem, você usava outra roupa quando saímos do incêndio. É... eu me enganei. Não era você.
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— Não mesmo. — Fico feliz em saber. Balan está apaixonado por você e eu não gostaria de vê-lo sofrer caso soubesse que está tentando matá-lo. Agora, se me der licença, vou acompanhar meu primo. Não quero que ande sozinho por aí. Murie afastou a mão que segurava a ponta da bota de Osgoode e deu um passo atrás. Então ele chicoteou o cavalo e foi atrás de Balan que já galopava pelo caminho rumo ao castelo Gaynor. Ela observou o homem desaparecer na mata, mas não prestou muita atenção. Sua mente estava ocupada tentando descobrir por que Cecily queria matar seu marido.
Capítulo XVIII
— Quer fazer o favor de me dizer o que foi que eu fiz? — Balan fuzilou o primo com o olhar. — E então, Balan, vai dizer ou não? — insistiu Osgoode. — Não sei do que está falando. — Estou falando dessa sua cara amarrada, do jeito feio de me olhar. — Então por que é que você não fala logo e me conta que tanto andou conversando com minha mulher? Osgoode arqueou as sobrancelhas. — Ah... está com ciúme, não é? — Não, estou apenas curioso. Com uma risadinha zombeteira, Osgoode explicou: — Ela estava só me perguntando por que tinha achado que era ela a pessoa que entrou na cabana do ferreiro. — E por que foi? — Por causa da silhueta e principalmente do vestido vermelho e preto que usava. Depois lembrei que Murie estava com outra roupa quando nos achou e, portanto, não podia ser ela. É impossível trocar de roupa tão rápido. Tinha que ser outra pessoa. — Isso mesmo, outra pessoa — repetiu Balan.
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— Por sorte parece que Anselm parou de desconfiar de mim depois de ver que eu também estava preso no incêndio. Ele andou me contando as suspeitas que os homens levantaram. Eles acham que o culpado é alguém que seguia na nossa caravana. Pensam que se fosse um estranho, teríamos percebido sua presença no acampamento. — Então, tinha que ser alguém da nossa caravana... uma mulher... que tivesse acesso ao vestido vermelho de Murie... De imediato Balan fez seu cavalo dar meia volta e disparou pela estrada por onde vinham. — Ei! Aonde vai? — gritou Osgoode. — A única pessoa que se encaixa nessa descrição é Cecily! — Balan respondeu de longe. — Cecily? — Osgoode repetiu incrédulo para si mesmo.
— Que interesse podia ter Cecily em acabar com Balan? Perturbada, Murie torcia as mãos com ansiedade. Desde que Osgoode a deixara na clareira, só conseguia pensar na maneira em que ia abordar Cecily para fazê-la confessar a verdade. Erol e Godart haviam sido dispensados e as duas agora estavam sozinhas. — Por que deseja matar meu marido? — ela perguntou por fim. Cecily não tinha pressa em responder. Um silêncio pesado tomou conta da clareira. Até os pássaros e os insetos da mata se calaram como se o tempo tivesse parado. AS duas estavam frente a frente, silenciosas, angustiadas. De repente ouviu-se o pio de uma gralha e, como se o canto do pássaro fosse uma deixa, Cecily falou: — Não estou entendendo, milady. — Está sim. Eu vi quando pegou meu vestido vermelho. — Seu vestido? — Isso mesmo. Eu ainda estava meio adormecida, mas percebi quando pegou o vestido. Achei que ia separá-lo para que eu usasse naquele dia, mas depois, quando acordei de vez, vi que você tinha escolhido outro. — Eu... — Na hora isso não me chamou a atenção — continuou Murie. — Só quando Osgoode me contou que vira uma mulher vestida de vermelho e preto na vila é que juntei os fatos. O vestido era meu, Cecily. O mesmo vestido que vi você pegar no baú.
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— Osgoode está mentindo! É ele quem quer matar seu marido. O desespero de Cecily chegava a lhe dar pena. Preferiria que a criada tivesse alguma explicação plausível e que provasse sua inocência. Mas a reação dela só servia para confirmar que de fato era culpada. — O que é que eu ganharia, matando seu marido? — dizia quase em lágrimas. — Osgoode é quem tem muito a ganhar, herdando toda a propriedade. — Como sabe que Osgoode seria o herdeiro? Eu mesma só fiquei sabendo há pouco, durante uma reunião do pessoal na muralha, quando Anselm me contou. Mas você não estava lá, estava? — Não, milady. Estava cuidando de lorde Balan junto com Osgoode, como milady mandou. — Então, como sabe? — Alguém deve ter me contado... não sei... — Nada disso. Você foi escondida à reunião, não é? Vamos, diga como foi. Balan mandou que fosse me chamar? E você aproveitou para ouvir o que discutíamos? Cecily só balançava a cabeça, sem dizer nada. — Quando voltei para o quarto Balan perguntou onde eu estava. Disse que tinha mandado você me procurar. Olhando para o chão, a criada continuava negando tudo com a cabeça, mas Murie não conseguia acreditar nela e continuou falando: — Aí você ficou sabendo que Osgoode seria o herdeiro dos bens de Balan e também que destacamos dois homens para fazer a segurança dele daí em diante. Deve ter ficado desapontada, não? Isso ia dificultar os seus planos, sua intenção de matá-lo. Só que logo depois Balan levantou da cama e decidiu ir a Carlisle fazer compras. Viajou sozinho com Osgoode, portanto, se algo lhe acontecesse Osgoode seria o único possível culpado. O retorno deles era o momento perfeito para você pegar meu vestido, preparar o fogo dentro da cabana e, ao vê-los voltar, chamar a atenção de ambos da porta para que Balan entrasse. Só não esperava que Osgoode também fosse entrar, não é? — Milady perdeu o juízo! — disse a criada em desespero. — Na hora eu estava apanhando os tapetes com as filhas de Gatty, como mandou. — Desconfio que se eu perguntar isso a Estrelda e Livith elas vão me dizer que você não ficou o tempo todo com elas. Que em algum momento saiu por aí sozinha. Estou certa?
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— Não! O que é que ganharia com a morte de lorde Balan? — É exatamente essa a pergunta que eu me faço. E é o motivo pelo qual a defendi o tempo todo quando achavam que o culpado só podia ser Osgoode ou você. Pensava que não teria nada a ganhar com a morte de Balan. Pensava isso até que... Baxley apareceu. — Baxley?! O que tem Baxley a ver comigo? Eu vi o homem uma única vez, quando ele veio visitá-la junto com lorde Malculinus. — Mentira! Você e Baxley se conheceram na corte. Emilie até me mostrou um dia, dizendo que minha criada tinha arrumado um namorado. Fiquei muito contente por você. — Não culpe Baxley por nada! Eu é que quero acabar com Balan. Baxley nunca faria uma coisa dessas. — Mas qual o motivo? Balan nunca lhe fez nada de mau. — Fez sim. Casou com milady! — Como? — Casou com milady e a arrastou para este maldito lugar! Os olhos de Cecily estavam vermelhos e ela falava com fúria na voz. — Gaynor é um belo castelo mesmo que esteja passando por algumas dificuldades. Em um ou dois anos estará plenamente recuperado — argumentou Murie. — Não vou esperar um, dois ou três anos! Parece que milady não entendeu nada! — Não entendi mesmo. — Olhe para mim. Veja como estou. Ficando velha, sem marido, sem filhos... tudo por culpa sua! — Minha culpa? — Isso mesmo. Eu tinha um namorado em Somerdale. Chamava-se William. — William, o mordomo? — Ele mesmo. Íamos casar quando seus pais morreram e o rei veio buscá-la. Ele achou que sua babá Elsie estava velha demais para viajar até a corte junto com vocês. Murie piscou, lembrando da bondosa Elsie que cuidava dela nos primeiros anos da infância. — Eu tive o azar de estar no mesmo cômodo quando o rei decidiu isso — continuou Cecily, soltando as palavras com raiva. — Então apontou para mim e disse que eu iria acompanhá-la, sem perguntar se eu queria ou não. Foi uma ordem do rei e eu tive que
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obedecer. Fiquei furiosa. Não tinha vontade alguma de ficar cuidando de uma criança mimada. Eu trabalhava na ala principal do castelo e estava sendo preparada para assumir a chefia de todos os empregados. Corri chorando para pedir ajuda a William, mas ele não pôde fazer nada. Apenas procurou me acalmar. Disse para eu ficar na corte até que milady casasse e voltasse com seu marido para Somerdale e nós dois estaríamos juntos outra vez para recomeçar nossa vida. — Engolindo em seco, Cecily procurou tomar fôlego para terminar sua fala: — Então acompanhei milady até a corte. Ali tive que suportar todos os avanços inconvenientes dos nobres que achavam que eu era uma garota fácil como muitas das outras criadas. Em silêncio agüentei tudo. Passou um ano, depois outro e mais outro até chegar ao quinto e nada de milady casar. Depois seis, sete e por fim oito anos. William e eu continuamos trocando recados durante todo esse tempo por meio de empregados ou dos mascates que iam e vinham da corte. Ele cumpriu a promessa. Não se casou com outra. Estava esperando por mim — disse com as lágrimas escorrendo. — Então veio a Peste Negra... — balbuciou Murie, comovida. Lembrava do dia em que perguntara à criada como teriam sobrevivido à doença os habitantes de Somerdale. Ela havia respondido que a maioria morrera, como nos outros lugares, dando especial ênfase ao nome de William. — Em seis meses ele morreu, segundo me contaram. Suas últimas palavras foram para pedir que me dissessem que ele me amava muito. Murie mordeu o lábio. Havia percebido a tristeza de Cecily durante o surto da doença, mas pensava que fosse por causa de toda a situação, do medo, da desolação, dos cadáveres que se empilhavam à beira das estradas. Não sabia nada sobre William nem da importância que ele tinha para Cecily. — Fiquei resignada, decidida a nunca me casar — continuou Cecily. — Conformada em virar uma velha solteirona, presa para sempre na maldita corte porque tinha a impressão de que milady nunca se casaria. Mas aí o rei decidiu o contrário e ordenou que achasse um marido. Bem que ele podia ter feito isso quando milady era mais nova já que a própria filha dele casou aos catorze. Mas a essa altura, pouco me importava. Para mim era tudo indiferente. — Entregue, Cecily suspirou fundo, segurando as lágrimas. Seu ar era de completo desânimo. — Foi então que conheci Baxley. Ele era tão bonito e elegante... Comentou que seu patrão estava interessado em milady e que se casassem iriam morar no castelo Aldous. E eu e ele estaríamos juntos e poderíamos começar uma família. Foi como se um novo horizonte se abrisse para mim, uma nova esperança de por fim ter um lar, marido e filhos. Mas para isso era preciso que milady casasse com Malculinus.
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— Não me diga que você sabia do truque que Malculinus e a irmã planejavam usar para conseguir isso! — Sabia sim. Baxley me contou. — Foi esse o motivo de você dar corda à simpatia de Santa Inês dizendo que sua irmã logo casou com o homem com quem sonhara? — Eu estava muito contente, naquela noite. Tinha certeza de que o truque ia funcionar, que milady casaria com o belo e rico lorde Malculinus e que todos iríamos viver no castelo Aldous, felizes para sempre. — Pode até ser que você fosse feliz ao lado de Baxley, mas eu estaria arrasada tendo que viver com Malculinus, o próprio homem que me havia enganado. — Milady nunca ficaria sabendo do truque e podia ser feliz sim. — Mesmo sem saber do truque eu nunca viveria feliz com um homem sem caráter como Malculinus. — Caráter? De que serve isso? Não importa se ele é fraco e covarde. O que importa é que é rico e tem muitos empregados. Em Aldous, milady, não teria que trabalhar como uma escrava como faz aqui. — Não, mas precisaria dividir meu marido com lady Jane. A criada deu de ombros, como se também soubesse do caso de Malculinus com Jane. — Isso não faz diferença. Os homens nunca são fiéis. — Quer dizer que William não era fiel a você? — Ele também era homem. Isso não me importa. — Muito bem, pense como quiser. Mas nada do que me disse até agora explica por que estava querendo matar Balan. Afinal, mesmo que preferisse me ver casada com Malculinus, eu já casei com Balan e isso não vai mudar. — Ah, vai sim... Surpresa com essa reação de enfrentamento, Murie apertou os olhos, encarando a empregada. — Foi você quem colocou os espinhos em baixo da sela e quem envenenou a carne? — Fui eu sim. Os espinhos, o veneno na carne, a batida na cabeça perto do rio, o incêndio... eu fiz tudo. Tudo! Mas nada deu certo graças à sua maldita interferência! A heroína sempre tinha que aparecer para salvar o maridinho, mesmo correndo risco de vida. Sempre vinha para impedir que eu realizasse meu mais profundo desejo que é o de
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acabar de vez com aquele desgraçado e ir morar em Aldous. Perplexa, Murie olhou para a criada que parecia ter enlouquecido. Aquela mulher era uma completa insana. — Mesmo que tivesse conseguido seu intento, eu nunca me casaria com Malculinus, entendeu? — disse aos gritos. — Casaria sim. — Jamais! O rei não ia permitir que eu casasse outra vez assim, tão cedo, e mesmo que permitisse, Malculinus seria o último homem na face da Terra que eu aceitaria como marido. A criada nem piscou. Apenas afirmou com convicção. — Seu marido vai morrer, milady. E depois que ele morrer, vai se casar com Malculinus. Passei dez anos sofrendo na corte por sua causa e agora me deve isso. — Eu não lhe devo nada! Recebeu um belo pagamento por esses dez anos de serviço. E se queria ir embora da corte, era só explicar ao rei os seus motivos que ele lhe daria permissão para voltar a Somerdale. Era só pedir. — A gente não pede nada ao rei. A gente recebe ordens, abaixa a cabeça e obedece. — Pura bobagem! Você é uma criada, não uma escrava. Veja quantos peões se foram daqui porque lhes ofereceram salários melhores em outro lugar. — Isso acontece agora, que os empregados começam a ser valorizados por falta de mão-de-obra. Mas não dez anos atrás, quando o rei me levou para a corte. — Se desejava tanto morar no castelo Aldous por que não pegou suas coisas e foi em vez de gastar toda essa energia tentando matar meu marido? A criada não respondeu. Seus olhos continuavam transmitindo um ódio sem limites. — Já sei! — Murie exclamou de repente. — Baxley só quer você se conseguir que eu me case antes com o patrão dele. — Cale a boca! — gritou Cecily, perdendo totalmente o controle. — Ele é meu e vou ficar com ele. Mereço ter Baxley depois de perder William! E milady vai casar com Malculinus. — Não vou me casar com ele e nem deixar que você mate meu marido, entendeu? — Vai sim! Caso contrário sua existência não terá nenhum valor para mim e é melhor que eu acabe logo com sua vida. Naquele momento Murie percebeu seu terrível engano ao decidir enfrentar Cecily
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sozinha. Durante anos confiara na criada que sempre se mostrara fiel, mas agora via que tudo fora um grande fingimento. No fundo Cecily a detestava. Ela a culpava pelas desgraças de sua vida, por ter sido levada para a corte e pela perda de William. Queria causar-lhe um sofrimento igual ao que ela havia passado ao perder o companheiro. Murie ainda pensava em como lidar com essa situação quando, subitamente, Cecily puxou uma faca. — Acho que vou acabar com você agora mesmo. Já agüentei tempo demais as suas intromissões! — a criada gritou, furiosa. Murie arregalou os olhos, tomada de surpresa. Nunca podia imaginar que Cecily andasse armada. Tudo indicava que, naqueles anos todos, tinha avaliado muito mal o caráter da criada. Cecily não era a moça boa e carinhosa que ela pensara. De repente a criada deu um pulo à frente, apontando a faca e instintivamente Murie se esquivou. Depois pegou a cesta que Cecily havia trazido e a jogou contra a cabeça dela. Cecily perdeu o equilíbrio e foi ao chão, mas Murie não ficou por perto para ver o que acontecia. Saiu correndo e se embrenhou na mata, fugindo do ataque. Corria com todas as forças para que a criada não a alcançasse. Era mais jovem e mais forte do que ela, mas ainda estava combalida depois do acidente na vila. Não tinha tanta certeza de que conseguiria fugir. Continuou correndo na direção que achava ser a do castelo. Os galhos batiam na sua cabeça machucada e os troncos atrapalhavam o caminho, mas não podia parar. Quando chegou ao fim da floresta, saiu para o campo aberto pensado ter alcançado a entrada do castelo. Olhou à sua volta e então percebeu que estava bem longe dele. Na realidade estava mais perto do vilarejo. Era melhor esconder-se ali do que andar pelo campo, onde facilmente seria vista por Cecily, ou procurar chegar ao castelo. A criada havia perdido a razão e era bem capaz de esfaqueá-la mesmo que fosse na frente dos guardas da muralha. Com toda rapidez, foi se esgueirando entre os casebres. Ainda havia muita fumaça na cabana do ferreiro. Balan tinha decidido que era melhor deixá-la queimar de vez, pois já estava tão depredada. Só era preciso tomar cuidado para o fogo não se espalhar. O teto do casebre tinha despencado, com as vigas consumidas pelo fogo, e as paredes continuavam em chamas, mas o fogo não se espalhara para as outras moradias. Murie decidiu se abrigar em uma delas, um pouco mais adiante, rezando para que Cecily não a visse entrar. A construção era bem pequena, escura e úmida, evidenciando a falta de uso. Ela chegou perto da janela e espreitou para fora, na direção da floresta, para ver se Cecily a tinha seguido. Seu coração batia forte de ansiedade e medo.
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Procurou acalmar-se pensando que, com um pouco de sorte, a criada ainda estaria na clareira, desmaiada por causa da batida na cabeça e os homens de Balan teriam facilidade em achá-la. Esse pensamento mal passou por sua cabeça quando viu Cecily ao longe, saindo da mata. Indecisa, ela olhou primeiro para todos os lados e por fim tomou exatamente o rumo do vilarejo como se adivinhasse que sua vítima estava escondida ali. Em desespero Murie vasculhou o casebre. Devia ter uma porta aos fundos que lhe permitisse fugir caso a criada entrasse. Achou a porta que felizmente não estava trancada e tornou a espreitar pela janela. Cecily percorria a passagem entre os casebres, resmungando alguma coisa, abrindo as portas e verificando cada um. Seu rosto estava desfigurado e brandia o punhal de forma ameaçadora. Foi chegando cada vez mais perto e Murie, apavorada, correu para a porta do fundo e saiu, fechando-a atrás de si. Escapuliu em silêncio pelos fundos, os ouvidos atentos a qualquer ruído que pudesse indicar a proximidade da empregada. Já ia se arriscar a correr até a próxima cabana quando, de repente, Cecily surgiu à frente dela, bloqueando sua passagem e apontando-lhe a faca. Murie se jogou de lado, evitando a primeira estocada, mas caiu de bruços, numa posição muito vulnerável. Virou-se com rapidez, porém Cecily foi mais rápida. Pulou sobre ela, sentando sobre sua barriga e imobilizando-a. O braço levantado segurava o punhal e o sorriso dela era cruel. — Sabe quantas vezes sonhei em enfiar sua cara na bacia de água para que se afogasse? Quantas manhãs tive essa fantasia quando era obrigada a levar-lhe a bacia para madame se lavar? — Não sou culpada por você ter ido parar na corte, Cecily! — Pode ser que não. Mas se tivesse morrido eu podia ir embora dali. — Se não foi capaz de falar com o rei por causa de William como é que agora está disposta até a matar por causa de Baxley? Vai ver você nunca amou William de verdade. Estava à espera de um partido mais rico, mais poderoso, não é? Como isso nunca aconteceu agora quer me culpar por todos os seus fracassos. — Cale a boca, cretina! — gritou Cecily, levantando mais o braço para dar-lhe o golpe fatal. Mas esse golpe nunca veio, porque naquele instante um vulto se jogou sobre a criada, derrubando-a no chão. Confusa, Murie sentou e olhou à sua volta. Então, viu Osgoode que saía de trás de um dos casebres e vinha correndo na sua direção. Só então compreendeu que o primeiro vulto era seu marido. Levantou-se, ofegante, e olhou para os dois corpos que se debatiam no solo. Balan estava tentando ficar em pé e segurava Cecily com força.
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Quando por fim conseguiu se levantar, viram, estupefatos, que o punhal estava cravado no peito da empregada. Ela havia caído sobre a sua própria arma. Tão espantado quanto os outros, Balan, soltou a moça e então o corpo despencou inerte no chão. Seus olhos estavam fechados, mas no rosto permanecia o sorriso amargo e maldoso de antes. Balan se ajoelhou ao lado da criada, moveu-lhe a cabeça, colocou o ouvido no peito e verificou a respiração. Em seguida ficou de pé outra vez. — Acha que ela está... — começou a perguntar Osgoode. — Sim, ela está morta — respondeu Murie, interrompendo-o. — Como sabe, Murie? — Porque ouvi a gralha cantar. E quando a gralha canta é porque alguém vai morrer — explicou candidamente, Virando-se para ir embora. Seus sentimentos em relação à morte da empregada eram contraditórios. Sentia tristeza porque afinal aquela mulher havia sido sua companheira nos últimos dez anos, mas também sentia alívio ao pensar que o marido agora estava livre das ameaças. Havia se afastado alguns passos quando Balan a abraçou pela cintura. — Eu te amo, minha mulher — ele disse baixinho, apertando o abraço. — Eu também. Eu também amo muito você, Balan. — Murie respondeu encostando aliviada a cabeça no ombro do marido.
Capítulo XIX
— Murie está melhor? — indagou Osgoode com interesse. — Ela vai ficar bem — assegurou Balan. Ambos estavam sentados à mesa da sala de jantar tomando um gole de cerveja para apaziguar os nervos. Na volta ao castelo, Murie havia contado ao marido tudo que Cecily lhe dissera. Na opinião de Balan, a pobre moça tinha ficado completamente maluca. Dissera isso à esposa e depois tratara de fazê-la descansar, ficando a seu lado até Murie pegar no sono. Agora os dois homens relaxavam, sorvendo a bebida. — Está exaurida e muito chocada com tudo que aconteceu, mas vai se recuperar. É uma mulher forte.
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— De fato — concordou Osgoode e olhou atentamente por cima do ombro de Balan, fazendo com que ele se virasse para ver também. Murie vinha descendo apressada as escadas. Sem sequer notar a presença deles, atravessou o salão e saiu pela porta principal do castelo. Muito irritado, Balan empurrou de lado a caneca de cerveja. Aquilo já era demais! Murie não parava quieta nem quando implorava para que ela repousasse. — Onde será que ela foi agora? — perguntou Osgoode. Sem responder, Balan se levantou e foi atrás de Murie. Pisou fora da porta e já ia chamá-la para passar-lhe um pito quando notou um grande grupo de carroças e carruagens que se aproximava, cruzando o pontilhão das muralhas. — Que diabos é isso?! — Ah, tinha esquecido de lhe dizer, Balan, mas enquanto você estava lá em cima os homens avisaram que tinham visto uma caravana, vindo nesta direção. Parece que traz o estandarte com as cores do rei. Murie estava lá em baixo, no primeiro degrau da entrada, em meio a uma aglomeração de empregados, guardas e soldados. Parecia muito satisfeita. — Mulher! Que está fazendo aí? Ela se virou e lhe dirigiu um sorriso radiante. — São as minhas coisas que vem chegando! — Suas coisas? — Sim os meus pertences. — Mas pensei que aqueles dois baús que vieram conosco eram todos os seus pertences. Tem mais? Balan e Osgoode agora haviam se juntado ao grupo e fitavam admirados a aproximação da caravana. Carroças e carruagens não acabavam de entrar, enchendo o pátio frontal do castelo. — Claro que sim. — Ela ria como uma criança. — Os dois baús tinham apenas algumas roupas para usar até que minhas coisas chegassem. A rainha prometeu empacotar todo o resto e mandá-lo junto com uma porção de encomendas que fiz, antes do nosso casamento. — Ah... — ele respondeu, estupefato.
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Murie não se continha. Pulava de alegria e batia palmas à medida que as carroças iam parando na frente do castelo. Balan, ao contrário, não parecia nada alegre. — Santo Deus, para que uma mulher precisa de tanta roupa? — Calma, marido. Não é só roupa que há dentro das carroças. — Não? — Há muitas outras coisas que encomendei como queijo, farinha e temperos que não temos aqui. — Queijo, farinha e temperos? — repetiu Clement, entortando os lábios da forma mais parecida a um sorriso que era capaz de fazer. Balan tinha comprado alguns legumes em Carlisle, mas não trouxera farinha nem queijo. — Isso mesmo, Clement. E também vinho, cerveja, trigo além de cadeiras e outros móveis, tecidos, roupa de cama, uma porção de coisas, enfim. Também deve vir mais gente para trabalhar. Pedi ao rei que mandasse Becker contratar alguns empregados. Murie foi interrompida pela multidão que corria para ver o que havia na primeira carroça. — Você conseguiu conquistar definitivamente todo o meu pessoal — comentou Balan baixinho. — E tudo que precisei foi oferecer-lhes um pouco de conforto e alimento. — Nada disso, Murie. Não foi nem a comida nem o conforto que os conquistou. Foi o seu coração. O fato de ter pensado neles, assim como pensou em Juliana, antes mesmo de conhecê-la. Mandou vir tudo isso porque sabia que aqui lhes fazia falta. — Sua gente agora é minha também, Balan. Sou igualmente responsável pelo bemestar deles. Ele a pegou nos braços com carinho, em meio aos criados que subiam e desciam as escadas, carregados de caixotes e mantimentos. — Vão levar muito tempo para descarregar todas as carroças, mas eu nunca os vi tão felizes nem trabalhando com tanto empenho. — Isso me deixa muito contente. Afinal, são essas as pessoas que se mantiveram fiéis a você, Balan. Não foram embora quando tanto outros preferiram partir. Merecem um pouco de alegria e de conforto. — Ei, esperem! — exclamou Osgoode — Aquele não é o rei?
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— Não, não pode ser, mas... Nossa! É ele mesmo! — retrucou Balan com espanto, observando Eduardo dar a mão à rainha Felipa para ajudá-la a descer do seu cavalo. — Mas que está fazendo aqui? — Sou afilhada dele, esqueceu? — Murie interveio. — Deve ter vindo me visitar e ver como andam as coisas por aqui. Balan sei que minhas superstições o irritam, que minha criada tentou matá-lo e que já lhe causei uma porção de transtornos. Diga com sinceridade. Está arrependido de ter se casado comigo? Ele a olhou com surpresa e depois, colocando o rosto bem perto do dela, disse de forma carinhosa: — Murie, fico cada dia mais feliz por ter me casado com você. Nunca tinha percebido o quanto minha vida era calma e tranqüila antes de você vir a fazer parte dela. Osgoode soltou uma gargalhada ao ouvir a declaração e só então Balan percebeu que tinha usado as palavras erradas. Murie parecia decepcionada e ele tentou consertar a gafe. — Não, não... O que estou querendo dizer é que você trouxe animação e caos à minha vida... caos no bom sentido, é claro. Agora Osgoode ria mais ainda das trapalhadas do primo e resolveu intervir: — O que Balan quer dizer é que a vida por aqui era monótona e maçante, antes de você chegar, compreende? — Isso mesmo, milady — disse Thibault que vinha passando com um barril de cerveja nas costas. — Éramos um grupo desanimado e sem perspectivas. — Não havia esperança, nem alegria — acrescentou Gatty que subia com uma peça de tecidos nas mãos. — Milady devolveu a esperança a Gaynor. Nos mostrou que era possível ver o lado positivo das coisas. — É, e também consertou meu corte de cabelo — disse Juliana. Balan suspirou e segurou as mãos dela contra seu peito. — Eu lhe avisei que não sabia conversar com mulheres, não avisei? Pois então, Murie, só vou dizer que te amo e pronto. Será que isso é suficiente? — Mais do que suficiente, meu querido. Mais do que suficiente. Aliviado ele a beijou e depois a levantou nos braços, levando-a no colo para dentro do castelo. Rapidamente subiu os degraus que iam ao segundo andar. — Ei! Aonde vai? — gritou Osgoode. — Balan, não pode me deixar aqui sozinho para receber o rei! Que vou dizer a ele?
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— Diga-lhe que eu amo a afilhada dele e que a estou levando até lá em cima para provar isso a ela. Ah, e diga também que não espere vê-la nas próximas horas. — Talvez até nos próximos dias... — Murie acrescentou, rindo. Ignorando o olhar desolado do primo, Balan carregou a esposa para o quarto. Tinha certeza de que casar com a famosa birrenta era a coisa mais acertada que já havia feito em toda a vida.
FIM
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