Enviado Especial
Julho 2012
O glamour do correspondente acabou. A vontade de explorar, n찾o.
C창meras, cadernos, mapas e a vontade de fazer algo diferente!
Eloisa Cartonera: Precariedade vira incentivo, difundindo a literatura latina!
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Julho de 2012
O que é ser Enviado Especial? Revista Enviado Especial Programa Jornalismo Sem Fronteiras Diretora Responsável: Claudia Rossi claudia.rossi@linkconsultoria.com.br Projeto Gráfico e Arte: Hellen Medeiros hellen@linkconsultoria.com.br Editora: Natália Rossi natalia@linkconsultoria.com.br Colaboradores: Ana Storer, André Lima, André Silva, Beatriz Ávila, Bruna Bravo, Caio Prestes, Claudia Rossi, Fábio de Nittis, Gabriel Fabri, Gabriela Soutello, Giovanna Ferraz, Giovanna Mazzeo, Hellen Medeiros, Joelma dos Santos, Júlia Barbon, Maria Beatriz Gonçalves, Maria Cortez, Natalia Rossi, Tábita Faber Palestrantes: Alejandro Rebosio, Alfredo Fierro, Ariel Palacios, Clóvis Rossi Idealização: Link Consultoria e Assessoria em Comunicação Rua: Caiacanga, 133 - Mirandopolis São Paulo/SP Tel: (11) 25776480 / (11) 987530991 Comentários e sugestões: contato@linkconsultoria.com.br
Ser enviado especial é uma entre as muitas possibilidades de atuação que a profissão de jornalista proporciona. É instigante, sedutora. Um grande desafio que envolve diferentes competências: conhecer a realidade de outro país, entendê-la, traduzir isso para o seu leitor, conseguir se comunicar em outro idioma, mover-se por um lugar desconhecido.... Esta primeira edição da revista-laboratório Enviado Especial é resultado do Programa “Jornalismo sem Fronteiras” de 2012 . O objetivo do programa é proporcionar, a alunos de jornalismo, a possibilidade de uma imersão na experiência de um enviado especial. Uma semana de trabalho intenso e poucas horas de sono. Diversos tipos de atividades ocuparam os dias dos participantes. Nas palestras com experientes correspondentes internacionais conheceram um pouco da trajetória de cada um deles, ouviram muitas histórias e dicas valiosas para a profissão. Durante a visita ao Clarín, viram o processo de produção do jornal na redação e na gráfica conheceram um pouco sobre a briga daquele grupo de comunicação com o governo Kirchner e conversaram com os editores de assuntos internacionais. Mais dicas. Desta vez, vindas do outro lado, de quem chefia os correspondentes e enviados especiais. Na visita à radio Continental, foram convidados a dar uma entrevista ao vivo, contando a experiência em Buenos Aires. Como o objetivo era ampliar o repertório cultural dos futuros jornalistas, nada de City Tour convencional. Para entender um pouco do país, fizeram uma visita guiada pela cidade com um sociólogo que levou o grupo a marcos de grandes acontecimentos históricos em Buenos Aires, com direito a conversa com personagens que viveram alguns dos importantes momentos políticos da Argentina. Tudo isso para compor a bagagem necessária para as matérias que iriam escrever. Os participantes foram protagonistas de todas as fases do processo: definição das pautas, apuração, entrevistas, produção de fotografias e de textos. Aprenderam na prática, na conversa com profissionais da área e na troca com o grupo. Trouxeram na bagagem diversas experiências novas e muita historia para compartilhar. Algumas delas, podem ser vistas nas reportagens produzidas.
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Julho de 2012
Sumário 6 8 10
O Programa “Jornalismo sem Fronteiras” Os Correspondentes Internacionais Entrando no caldeirão
André Lima e Caio Prestes
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Locais peronistas
Fábio De Nittis
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Sustentado e sustentável
Júlia Barbon
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“Faltam mais vedetes”
Gabriel Fabri
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Os segredos da carne portenha
Giovanna Ferraz, Joelma Santos e Tábita Faber
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O olhar dos hermanos sobre a cultura brasileira
Beatriz Gonçalves
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Catadores invisíveis
Júlia Barbon e André Silva
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Os oitenta de Quino
Bruna Bravo, Beatriz Ávila e Maria Cortez
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“Jornalista não escreve com os dedos. Escreve com o cérebro, com o coração”
Natália Rossi
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Relato de um correspondente
Caio Prestes
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Palácio San Martín
Giovanna Mazzeo
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Experiencias sin fronteras
Gabriela Soutello
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Economia argentina
Fábio De Nittis
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Adeus, glamour
Gabriel Fabri
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Ouvir foi quase viver o momento
Bruna Bravo
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Foto: Link Consultoria
Os participantes produzindo suas matĂŠrias.
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O “Jornalismo Sem Fronteiras” “Jornalismo sem fronteiras” é um complemento da faculdade, que amplia o repertório cultural, prepara e impulsiona o ingresso do profissional de jornalismo no mercado nacional e internacional. É destinado a graduandos de jornalismo e profissionais recém-formados, com duração de uma semana, em Buenos Aires, na Argentina. Durante uma semana, os participantes assistem a palestras de correspondentes internacionais, conhecem a redação de
importantes veículos, fotografam, entrevistam, produzem trabalhos experimentais de vídeos e textos, vão a espetáculos culturais do país, conhecem pontos turísticos de Buenos Aires e têm a oportunidade de conversar diretamente com trainees e profissionais, entrando em contato, por meio de relatos e palestras, com a ex p e r i ê n c i a d o “ f a ze r u m a c o b e r t u r a internacional”, tendo como referências a cultura do país de origem e a cultura do país observado.
Foto: Link Consultoria
“Ser jornalista é ter mérito e bem feito e é ser reconhecido pelo trabalho frustradas e ter que lidar com expectativas desilusões.” – Gabriela Soutello
mpre "Ouvir a história dos outros se fala nos faz crescer.” - Julia Barbon sobre a palestra de Alejandro Rebossio 6
"Foi muito inspirador ver os palestrantes falarem com empolgação e amor do seu trabalho!" - Natålia Rossi
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Os Correspondentes Internacionais
Foto: Link Consultoria 8
CLOVIS ROSSI . Além de editor e repórter, faz coberturas internacionais há mais de
35 anos e foi correspondente em Buenos Aires e Madri pelo jornal Folha de S. Paulo. É repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor, entre outras obras, de “Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo” e “O Que é Jornalismo”. Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno “Mundo” e às sextas no site. Como enviado especial, tanto no “Estadão” como na “Folha”, produziu reportagens em todos os cinco continentes. Fez a cobertura da transição do autoritarismo para a democracia na Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru, Uruguai, Guatemala, El Salvador, Nicarágua, Portugal, Espanha e África do Sul, além do Brasil.
A L F R E D O F I E R RO Alfredo Fierro, especialista em economia argentina sub-diretor de Comércio e Investimentos da embaixada britânica em Buenos Aires.
A R I E L PA L ACI O S Fez o Master de Jornalismo do jornal El País (Madri) em 1993. Desde 1995 é o correspondente de O Estado de S.Paulo em Buenos Aires. Além da Argentina, também cobre o Uruguai, Paraguai e Chile. Ele foi correspondente da rádio CBN (1996-1997) e da rádio Eldorado (1997-2005). Ariel também é correspondente do canal de notícias Globo News desde 1996. Em 2009 “Os Hermanos“ recebeu o prêmio de melhor blog do Estadão (prêmio compartilhado com o blogueiro Gustavo Chacra).
A L E JA N D RO R E BO SSI O
Foto: Link Consultoria
É especializado em Economia. Trabalha no jornal espanhol “El País” como correspondente em Buenos Aires. Ele tem o seu próprio blog no El País, “Eco Americano”, onde analisa a economia latino-americana. Também é colunista da Rádio Continental, de Buenos Aires e escreve no jornal argentino La Nación e na Anfibia, uma revista digital de Gabriel García Márquez. Foi convidado pela Fundação Tomas Eloy Martínez para expor sobre como fazer jornalismo investigativo. É formado em Comunicação Social e Mestre em Jornalismo pela Faculdade do El País e da Universidad Autónoma de Madrid. 9
Foto: Imagenesi.net - divulgação
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Foto: Divulgação
Entrando no caldeirão Club Atlético Boca Juniors expõe sua mística através do “Museo de La Pasión Boquense” e da visita guiada pelas instalações de La Bombonera, atraindo cerca de 400 visitantes por dia, 70% deles provenientes do Brasil. Por André Lima e Caio Prestes
Sábado, 1° de abril de 1905, Praça Solís, bairro de La Boca. Santiago Sana, Esteban Baglietto, Alfredo Scarpatti e os ir mãos Juan e Teodoro Farenga conversavam sobre a criação de um clube de futebol. No dia seguinte os cinco amigos, descendentes de italianos, se reuniram novamente, agora na casa de Baglietto, enquanto sua mãe tomava chá com amigas. A discussão foi ficando demasiada acalorada, até que a monarca pediu gentilmente para que os rapazes se retirassem transferindo à reunião novamente para a Praça Solís. Lá chegaram ao acordo que Boca seria um bom nome, representando o bairro
onde viviam e o complemento seria Juniors, um toque inglês muito comum na época. E finalmente na segundafeira, dia 3 de abril, os companheiros da E s c o l a S u p e r i o r d e C o m é rc i o , fundaram oficialmente o clube que, anos mais tarde, chegaria a ter a maior torcida da Argentina. Além de possuir o maior número de fãs – são intitulados como “La Mitad mas uno”, ou seja, mais da metade dos torcedores do país - eles ainda podem se orgulhar dos inúmeros títulos conquistados no âmbito nacional e internacional de sua cria, como por exe m p l o, s e u s 3 0 c a m p e o n at o s
argentinos, as suas 6 Libertadores da América e os seus 3 Mundiais Interclubes. Além de esbanjar craques do calibre de Diego Ar mando Maradona, Gabriel Batistuta, Claudio Caniggia, ou mesmo os brasileiros Domingos da Guia e Heleno de Freitas que vestiram essa camisa. Atualmente o patrimônio boquense se resume muito mais a sua história e tradição do que da própria qualidade de seu material humano, como pudemos acompanhar no recente vicecampeonato continental de um selecionado muito aquém daquele que os xeneizes merecem.
Foto: divulgação
Museo de La Pasión Boquense Museo de La Pasión Boquense, “são cerca de 70% de visitantes do Brasil, outros 20% da Alemanha, Holanda, Inglaterra e outros 10% do Chile, Uruguai, Paraguai ou Equador. São muito pouco argentinos que nos visitam”. Para Steve Baymound, músico inglês que estava passando suas férias em Buenos Aires
“Boca Juniors é bem famoso na Inglaterra e como o futebol é muito popular por lá, resolvi dar uma passada pra ver como é. (...) É possível comparar as instalações daqui com as de clubes medianos do futebol da Inglaterra ou com os estádios mais antigos, sem tanto luxo”.
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chamou muito a atenção - não só nas imediações do museu, mas em toda a cidade - foi a pouca oferta de produtos oficiais, ou pela mentalidade dos visitantes ou talvez pela falta de capital do país, é quase impossível adquirir uma camisa ou qualquer souvenir licenciado pelo clube fora de sua loja oficial. Finalmente chegando ao campo o que espanta é o seu tamanho. Nem um pouco grandioso como se imagina. De perto a construção é muito mais simples e menor do que temos a impressão ao assistir as transmissões dos jogos pela televisão, com uma arquitetura em forma de retângulo e gramado com as medidas mínimas exigidas pela FIFA (105 metros por 68 metros). A arma secreta que possibilita um estádio de dimensão pequena parecer um gigante, possuir capacidade para 49 mil espectadores e ainda conseguir ter os torcedores bem perto dos jogadores, transformando o local em um alçapão de grandes proporções, é o ângulo das arquibancadas; os aficionados boquenses ficam a quase 90° do gramado. Com estruturas construídas de forma bem elevada, mas ao mesmo tempo próxima dos jogadores, se tem a impressão de que é possível toca-los e simultaneamente ter uma vista de jogo elevada.
Bandeira da torcida do Boca. “Como no somos los unicos decidimos ser los mejores”
Foto: divulgação Foto: divulgação
Com pouco dinheiro para bancar altos salários, muito graças a atual crise argentina – o real vale aproximadamente dois pesos - e também por incompetência de seus administradores, os azul-dourados não conseguem manter seus astros ou investir em renomados atletas. Porém uma fonte de renda bem tangível é visivelmente observada na Rua Brandsen, número 805 do tradicional bairro em que se localizada a “boca” do Rio Riachuelo. O Estádio Alberto J. Armando, mais conhecido como La Bombonera, atraí cerca de 400 visitantes diariamente, cobrando 55,00 pesos por pessoa para a visitação do Museo de La Pasión Boquense, um tour que passa pelos vestiários, pelas arquibancadas e até dá a permissão para dar alguns passos em la cancha e tirar uma foto com uma réplica da taça de campeão da Libertadores. O acesso não é dos mais fáceis, pois com transporte público é necessário utilizar o Subte (metrô) e um ônibus que atravessa o pobre bairro de La Boca, onde recebemos vários avisos alertando-nos a ficar “de ojo” bem aberto contra roubos e furtos. A estação mais próxima do estádio é a Constitución, terminal de ônibus e trens da linha C – azul de Buenos Aires. Em seguida, é necessário pegar o bus (que só aceita moedas) de número 53, que em cerca de meia hora deixa os turistas as margens do Rio Riachuelo. E tão importante quanto a infraestrutura ou a mística do imponente edifício é a sua localização, pois está encravado no histórico bairro de La Boca, colado ao polo turístico do Caminito. O bairro foi colonizado por imigrantes, pois se localiza em zona portuária, com destaque principalmente para descendentes de italianos genoveses. Um dos próprios apelidos dos torcedores do Boca é xeneizes, que significa justamente genoveses em genovês. Porém a principal atração do local não é o campo e sim o próprio Caminito, um dos lugares mais visitados de Buenos Aires, construído com restos de navios atracados no porto e pintado com sobras de tintas dos mesmos. Com o crescimento da visitação de pessoas do mundo todo, as ruas foram perdendo a sua particularidade e se transformaram no estereotipo turístico do país, com casais dançando tango pelas ruas, muitos brasileiros e restaurantes vendendo bife de chorizo. Mas, mesmo assim, descaracterizada, a região é uma grande parceira da Bombonera, como nos contou o comerciante Christian Rodríguez, dono de uma loja de artigos esportivos. O turismo da região impulsiona a visitação também no estádio, “os turistas ajudam muito, há vinte anos isso aqui não era nada. Principalmente os muitos brasileiros que vem nas férias, almoçam aqui com a família e podem passear depois no estádio”. Já Eva Lima, além de torcedora fanática do Boca Juniors, é vendedora há 15 anos de miniaturas de fachadas típicas do Caminito e nos contou um pouco sobre sua paixão: “torcer para o Boca sempre foi assim, a dez, vinte, cem anos... é intenso, você sente uma energia incrível. Vivemos e podemos matar pelo futebol. Em dia de jogos o bairro ferve, não é nada comparado àquilo que as pessoas podem acompanhar pela televisão”. Andando os poucos quarteirões – são cerca de cinco que separam as coloridas casinhas turísticas do gramado mais vitorioso de Buenos Aires, é possível perceber que o fanatismo pelo futebol só aumenta. Vão surgindo dezenas de casas e lojas caracterizadas com bandeiras, camisas, bolas, chaveiros e até estátuas dos grandes ídolos bosteros. Porém algo que nos
“Partida desempate”com o Cruzeiro do Brasil, setembro de 1977.
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uma completíssima linha do tempo, incluindo todas as conquistas, com os nomes dos vencedores, resultados das partidas, números de gols marcados por cada um e objetos da época, como a fl a m u l a d o B o r u s s i a Mönchengladbach, time batido pelos xeneizes em 1977, em sua primeira conquista mundial. Também não poderia faltar, há uma sala que homenageia os representantes do atual elenco, com pôsteres, dados e raros artigos de seus principais destaques, como chuteiras ou camisas usadas. Ao lado das escadas que rumam ao segundo andar está exposta uma maquete do bairro de La Boca, uma miniatura que possui música de fundo, iluminação simbolizando as luzes das pequenas casas de madeira e ao lado um quadro contando toda a história da ocupação da região. Ao final da escada temos um salão dedicado principalmente à exposição vídeos das conquistas continentais e internacionais mais recentes, como as Libertadores de 2000, 2001, 2003 e 2007 e dos Mundiais de 2000 e 2003, incluindo fotos dos principais craques derrotados nas conquistas, como Kaká, Clarence Seedorf, Raúl González, Roberto Carlos e Iker Casillas. Neste mesmo recinto, um televisor tem a seguinte i n s c r i ç ã o : “ ¿ S a m b a ? N o, t a n g o ” , reproduzindo repetitivamente imagens de todas as vezes que os bosteros eliminaram times brasileiros em fases de mata-mata da Libertadores da América. No terceiro e último andar está localizado o restaurante dos azuldourados, no qual as mesas se misturam com camisas enquadradas e um cardápio todo especial. A sugestão é se deliciar (ao lado de uniformes de grandes campeões como Martín
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Foto: divulgação
Chegando à entrada do estádio, podemos observar a loja do Boca Juniors e o seu museu. Para ver os produtos – camisas, DVDs com sua história, canecas, chaveiros ou tirar uma foto com um Maradona de bronze de três metros de altura - à entrada é franca. Para apenas visitar o passado do clube são cobrados 50,00 pesos e para poder ver suas taças, assistir filmes, acompanhar a trajetória do clube, de seus grandes jogadores e ser acompanhado por um guia para uma visita pelo estádio de aproximadamente 60 minutos, são 55,00 pesos, o que representa 100,00 e 110,00 reais, r e s p e c t i v a m e n t e. O t o u r p e l a s arquibancadas, vestiários e zona mista funciona todos os dias – em dias de jogos oficiais na Bombonera – das 10:00 às 17:30. Valendo muito mais a pena adquirir o pacote da visitação completa (cerca de 2,50 reais a mais que o simples), entramos e nos deparamos logo de cara com um mural que inclui fotos de todos os jogadores que atuaram em jogos oficiais com a camisa do mu l t i c a m p e ã o. C o m e ç a n d o n o s primeiros anos de fundação e indo até meados dos anos 2000, incluindo desde mitos a atletas que atuaram apenas em um jogo. Em frente a essas imagens, existe um quadro com o nome de todos os sócios-torcedores do clube, cada um sendo representado por uma estrela e mais a frente outros dois monumentos, desta vez de ídolos recentes, Román Riquelme e Martín Palermo são os homenageados da vez. Ainda no primeiro andar são projetados curtas-metragens de quinze a vinte minutos de duração, sobre a história do Club Atlético Boca Juniors e de seus principais jogadores, além de
Palermo ou Óscar Córdoba) com a curiosa pizza Riquelme – mesmo sendo a mais cara do menu – vale a pena experimentar, “a mais vendida. Ela é de mozzarella, presunto, com tomates, pedaços de pimentão, azeitonas e palmito”, conta Suzanne Camacho, garçonete boquense. E é nesse local no qual o passeio pelo estádio Alberto J. Armando começa, guiados por Nórman Zapata, guia há quase quatro anos, temos a oportunidade de andar pelas arquibancadas, numeradas, vestiários, zona mista e pisar no gramado com a réplica do troféu de campeão da América. O destaque fica por conta do local onde a La Doce – torcida organizada da La Mitad mais uno - fica, acima de onde o time visitante troca de uniformes, realiza sua preleção e seu aquecimento: “aqui é proibido sentar ou ficar parado. E que graças a arquitetura dos degraus, a acústica é excelente, irradiando o som tanto para la cancha como para abaixo, desestabilizando adversários menos experientes”, exalta Nórman.
Foto: divulgação
Cores do Boca Zapata ainda explica o porquê das cores do Boca: “as hoje tradicionais cores do clube provêm de um acordo entre seus fundadores. Às margens do rio Riachuelo, os cinco jovens decidiram que o primeiro barco que passasse as definiriam. A primeira embarcação a aportar foi uma de origem sueca, determinando o manto mais consagrado do futebol argentino”.
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Foto: Luiz Trimano
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Locais com decoração peronista são destaque em Buenos Aires Em diferentes partes da cidade, Perón e Evita continuam sendo lembrados e homenageados, mesmo após décadas de suas mortes Por Fábio De Nittis
Quem visita Buenos Aires logo percebe que Evita Perón está presente em todas as partes da cidade, apesar de transcorridos 60 anos desde sua morte. Existe uma estátua sua, acenando para os turistas no Caminito, no bairro de La Boca. Um retrato de vários andares de altura do lado de fora do prédio do Ministério de Desenvolvimento, em plena Avenida 9 de Julio, como se olhasse permanentemente para Buenos Aires. Também está presente em lojas, no comércio e em dezenas de tipos de lembrancinhas feitas para os turistas. Provoca filas todos os dias em seu túmulo no C e m i t é r i o d a Re c o l e t a . É u m a fi g u r a praticamente onipresente no dia-a-dia da capital argentina. Nascida na província de Buenos Aires em 7 de maio de 1919, Maria Eva Duarte de Perón pertencia a uma família pobre e não foi registrada pelo pai, fato que teria contribuído para despertar nela a vontade de se destacar na vida. Por isso, sonhava em ser artista e se mudou para Buenos Aires ainda aos 15 anos. Passou, em 1937, pelo cinema e foi contratada para atuar em radionovelas, destacando-se na série “Grandes mujeres de todos los tiempos”, na Rádio El Mundo. Costumava dizer, na adolescência, que só se casaria com um príncipe ou com um presidente. E foi o que aconteceu. Em 1944, ela conhece o general Juan Domingo Perón, com quem se casa. Evita se torna famosa na Argentina por sua elegância e especialmente pelo seu carisma,
aspecto fundamental para o sucesso do peronismo. Foi responsável pela conquista da população pobre, em sua maioria migrantes de origem rural, que se tornaram conhecidos como os “descamisados”. Para Francisco González, estudante de história e monitor no Museo del Bicentenario, Evita era o coração do casal Perón, porque era a responsável por fazer a conexão do governo com o povo. Vítima de câncer, morre em 26 de junho de 1952, pesando pouco mais de 30 kg. Teve um funeral longo, que durou 12 dias. A espera para dar o último adeus ao corpo de Evita mobilizou milhões de argentinos de todas as regiões do país e levava o dia todo. Seu corpo é roubado durante o golpe de 55. É encontrado na Itália dezesseis anos depois, enviado para a Espanha para posteriormente ser transladado para a Argentina e ser enterrado no Cemitério da Recoleta, onde permanece até hoje. Já o general Juan Domingo Perón viveu entre 8 de outubro de 1895 e 1º de julho de 1974. Foi o único presidente eleito três vezes: em 1946, completando o mandato deste ano até 1952; em 1951, para um mandado que começaria em 1952 e se seguiria até 1958, caso não fosse interrompido por um golpe militar em 1955, que resultou em bombardeios na Plaza de Mayo e fez com que Perón fosse obrigado a ficar 18 anos em exílio; e em 1973, para um mandato de quatro anos que não foi todo cumprido por conta de seu falecimento.
Museo del Bicentenário Quadro do casal Perón exposto no Museo del Bicentenário.
Foto de Evita Perón.
Foto: divulgação 15
Museo Testimonial de Eva Perón
Foto: divulgação
Museo del Bicentenário
Inspiração
Foto: divulgação
Locais peronistas Diante da importância histórica de Perón e Evita, Buenos Aires tem espaços que fazem referência ao período peronista. No Museo del Bicentenário, localizado atrás da Casa Rosada, na Plaza de Mayo, há uma seção especialmente voltada para o peronismo, além de um quadro de 1948 de Perón e Evita. O peronismo também é homenageado no Museo Testimonial de Eva Perón, inaugurado em 2003 em
S a n Te l m o, c o m q u a d ro s e documentos da época peronista. Foi lá que o corpo de Evita repousou durante quase três anos, até ser roubado em 1955. Evita também tem um museu próprio, localizado no bairro de Palermo, com dezenas de artigos da líder política. Além disso, há também bares e restaurantes temáticos sobre Perón, Evita e o peronismo.
Evita também é fonte de inspiração para a atual presidenta da Argentina, Cristina Fer nandez de Kirchner, viúva de Néstor Kirchner. A presidenta assumiu em 2007 e, após ter sido reeleita com 54% dos votos em 2011, está no segundo mandato, previsto para terminar no fim de 2015. Cristina utiliza discursos semelhantes ao de Evita, tanto em conteúdo quanto em forma. Além disso, frequentemente adota a maquete da imagem de Evita no Ministério de Desenvolvimento como cenário para os seus discursos. A imagem está localizada no Salón Mujeres Argentinas del Bicentenario, o salão na Casa Rosada feito em homenagem às mulheres mais marcantes nos 200 anos, desde o início do processo de independência da Argentina.
Foto: divulgação 16
Quadros com decoração peronista compõem o cenário do El General
Foto: Ariel Palácios - Estadão
El General
Foto: Link Consultoria Foto: Link Consultoria Foto: Link Consultoria
a decoração do local e que geralmente chegam ao local com alguns conhecimentos sobre Evita e sobre a E m d i f e re n t e s p a r t e s d a atual presidenta argentina. Além disso, o c i d a d e, Pe r ó n e E v i t a restaurante foi declarado lugar de continuam sendo lembrados e encontro político e cultural pela homenageados, mesmo após legislatura da cidade de Buenos Aires. décadas de suas mortes Logo na entrada, apresenta uma série de objetos da época de Evita e Por Fábio De Nittis Perón, como a constituição argentina, Uma ótima opção para quem passa quadros com citações do casal e por San Telmo, bairro movimentado fotografias. Dentro do El General, especialmente aos domingos por conta quadros retratam Evita e Perón em da feira de artigos que acontece na diversas situações, além de bandeiras região, é o bar El a rg e n t i n a s, i m a g e n s, General. objetos e depoimentos. O restaurante foi o O restaurante está p i o n e i ro d o s b a r e s O restaurante foi instalado em um temáticos do peronismo. o pioneiro dos ambiente re pleto de Fazendo jus ao espírito móveis de madeira, com trabalhista inspirado por bares temáticos paredes e tetos de Perón, há alguns anos o do peronismo. pequenos tijolos expostos. restaurante fechou por O local tem capacidade conta de briga entre os para 250 pessoas, no sócios, que deixaram o andar térreo e em um mezanino. estabelecimento com dívidas, inclusive O cardápio é bastante variado, em relação ao salário dos funcionários. com opções para todos os gostos. Há Os empregados, em busca de seus uma série de opções de entradas, direitos, acabaram ganhando o direito omeletes, tortilhas, carnes vermelhas e de controlar o bar. Com a ajuda do de porco, aves, porções, churrascos, governo nacional, foi montada uma peixes, frutos do mar, molhos, massas, cooperativa com 10 dos antigos saladas e sobremesas. Para beber, há funcionários e hoje são eles controlam o bebidas não alcoólicas e bebidas local – em novo endereço, mas ainda na alcoólicas, com variedade de vinhos. Avenida Belgrano – sob a liderança de A casa conta ainda com um show Victor Abalos, antigo garçom e atual de tango, que acontece todas as sextas e tesoureiro do local. sábados à partir das 22h. O local é bastante frequentado por turistas de todas as partes do mundo, inclusive pelos brasileiros, que admiram
Serviço Horário de funcionamento: todos os dias, das 12h às 16h e a partir das 20h. Endereço: Avenida Belgrano, 350 – San Telmo
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Foto: Ariel Palácios - Estadão)
Foto: Fábio De Nittis
Un Café con Perón O Un Café con Perón, no elegante bairro da Recoleta, fica localizado na rua Áustria, foi construído em 1922 e é um ponto importante na história argentina. Foi ali que o casal Perón viveu a partir do ano de 1946 e onde Evita morreu, em 26 de julho de 1952. A casa continuou sendo habitada por Perón até 1955, quando o então presidente sofreu um golpe militar. A habitação foi se degradando com o passar dos anos, mas foi restaurada recentemente para a inauguração do café temático, que ocupa uma parte do complexo. Apesar da reforma, vários aspectos dos ambientes foram mantidos, como o piso e a madeira, que foram reaproveitados . Também foram feitos alguns reparos com o objetivo de manter os objetos originais. Em 18 de outubro de 2010, um dia depois do aniversário do nascimento do peronismo (que ocorreu em 17 de outubro de 1945 e se tornou também o Dia da Lealdade), o café foi inaugurado. O espaço tem paredes claras e é bem iluminado por luz natural, ideal especialmente para tomar um café da tarde. A decoração é composta por imagens de diferentes etapas da vida de Perón e Evita, que estão espalhadas por todo o café, além de expor documentos daquela época. O grande destaque para os turistas é uma mesa com uma
estátua de Perón tomando café. É possível sentar ao lado da estátua e tirar foto como se estivéssemos interagindo com o ex-presidente. O café tem capacidade para 70 pessoas, distribuídas em mesas que tem marcações com datas e outros informações importantes do peronismo. O cardápio traz opções de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, como refrigerante, água e diversos tipos de chá e lanches. O preço está abaixo da média de outros cafés da cidade, apesar da localização em um dos bairros mais caros de Buenos Aires. Apesar do fácil acesso, o que poderia trazer gente demais , o bar, localizado em uma região tranquila e de muitos prédios residenciais, tem um ambiente bastante tranquilo. Por isso, em meio aos turistas, é possível encontrar muitos moradores , debatendo sobre o peronismo, sobre o governo atual e, inclusive, portando uma Constituição Argentina para esclarecer eventuais dúvidas. Mantido pelo Instituto Nacional Juan Domingo Perón, instituto voltado para os estudos e investigações de questões históricas, políticas e sociais, o local conta ainda com uma sala com sistema audiovisual para a transmissão de vídeos e documentários sobre Perón.
Foto: Ariel Palácios - Estadão
Serviço Horário de funcionamento do café: de terça a domingo, das 9h às 20h. Horário de funcionamento do instituto: de segunda a sexta, das 10h às 17h. Com acessibilidade e elevador. Endereço: Rua Áustria, 2601 – Recoleta
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Perón Perón
de Perón ou aos termos conhecidos, como o prato “descamisada”, por exemplo. O local tem ainda depoimentos escritos por clientes nas paredes. Qualquer um que vá ao Perón Perón pode deixar o registro de sua passagem, escrevendo uma mensagem com canetão nas paredes. A maioria dos escritos se refere ao peronismo, com menção também ao atual governo do país. As mesas são de madeira e há uma série de artigos relacionados ao peronismo, alguns à venda e outros apenas para decoração.
Serviço Horário de funcionamento: de segunda a sexta das 16h às 2h Fins de semana a partir das 18h. Endereço: Rua Angel Carranza, 2225 Palermo
Foto: Clarín
Bairro vizinho à Recoleta, o Palermo abriga mais um dos bares temáticos do peronismo: é o Perón Perón, que recebeu este nome devido à fórmula presidencial que propunha Juan Domingo Perón como presidente e Evita Perón como vice-presidenta. O local é, dentre todos os bares, o que mais conta com artigos relacionados ao peronismo. São centenas de artigos , além de outros objetos relacionados à época, como aparelhos de TV bastante antigos. Algumas das televisões transmitem aos visitantes do bar documentários relacionados a este momento da história argentina. Além disso, o diferencial deste bar é fazer homenagens apenas a Evita e Perón. Há algumas mensagens de apoio ao kirchnerismo, um dos ramos do peronismo, que representa a linha de pensamento favorável ao governo de N é s t o r K i rc h n e r ( e x - p r e s i d e n t e argentino, que governou o país entre 2003 e 2007) e Cristina Kirchner, sua esposa e atual presidenta. Encontra-se grafado na parede, por exemplo, um desejo de força à atual presidenta e o agradecimento a Kirchner (Fuerza Cristina, Gracias Nestor) O local tem menus com nomes de pratos e bebidas relacionados ao peronismo, fazendo referências às frases
Foto: Ariel Palácios - Estadão
Foto: Fábio De Nittis
Foto: Matias Aimar - La Nación
No Perón Perón o visitante pode escrever o seu recado na parede
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Sustentado e sustentável O navio do Greenpeace, que representa o espírito da organização alimentada por doações, chega a Buenos Aires. Por Júlia Barbon
Há mais de 200 anos, uma velha índia Cree previu a destruição do meio ambiente pelo descaso dos homens e o surgimento de uma raça de guerreiros que viria para defendê-lo. Em 1971, dois jornalistas foram ao Alasca numa tentativa de impedir um teste nuclear dos Estados Unidos e conheceram a tribo, que finalmente confirmou a profecia na mobilidade e na confiança desses homens. Assim surgiu o grupo e o espírito que viriam a se chamar Greenpeace, hoje responsável pelo êxito de inúmeras denúncias e progressos pela preservação da natureza. Em 1977, o nome citado na profecia indígena, Rainbow Warrior (Guerreiro do Arco-Íris), batizou o barco que a organização procurava para ser usado contra navios baleeiros irlandeses e, que também serviu muito nas ações de combate a testes nucleares e a caça predatória de focas. É este barco, ou melhor a terceira edição dele,O barco, totalmente ecológico,que foi para o Porto Madero, em Buenos Aires, no dia 11 de julho para celebrar os 25 anos da organização na Argentina, após passar pelo Porto de Santos (SP). Pode ser visitado aos finais de semana e ficará na cidade até o dia 22.
Os passos do guerreiro A bandeira que anuncia o barco e complementa a sua proa é a da Holanda, local que sedia o Greenpeace. Do lado esquerdo, as cores na bandeira são as da Argentina, indicando a passagem do Warrior pelo país. A pintura do casco também ecológica – verde com a imagem de um arco-íris – é uma exclusividade da sua 3ª edição.
O barco original, encontrado em 1977 na Ilha dos Cães, em Londres, e comprado com 4 mil libras arrecadadas e mais 40 mil doadas pela organização WWF (World Wild Fund), gerou pela primeira vez um alerta internacional contra a caça às baleias até a metade da década de 80. Entretanto, após transportar uma frota pacifista em protesto aos testes nucleares franceses nas Ilhas Muroroa, em 1985, o primeiro Rainbow Warrior foi bombardeado e afundado pelo serviço secreto francês. A segunda embarcação foi lançada em 1989 após dois anos de reparos e participou de diferentes ações. Entre elas estão os movimentos contra a exploração de petróleo e a pesca predatória no Alasca e o combate aos testes nucleares na costa leste da Rússia. Em 1992, ele foi novamente protagonista da campanha em Muroroa, e pela primeira vez foram captadas imagens dos confrontos com a Marinha francesa. Passou também pela Rio 92 e em 1994 visitou alguns países do Oriente Médio para despertar a consciência das pessoas para os problemas ambientais, mas os conflitos com a França continuaram. Em 1995, comandos franceses entraram a bordo e tomaram o navio, solto devolvido só em 1996 em terrível mal estado. A segunda edição do barco serviu às causas do Greenpeace até 2011, quando foi doado a um hospital humanitário. Ele foi substituído pelo atual barco em exposição, exclusivamente construído para suportar as viagens do grupo e continuar na linha de frente da luta contra os abusos ambientais.
Greenpeace Uma organização global e independente que atua para defender o ambiente e promover a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos.
Foto: Greenpeace Argentina 20
Foto: Greenpeace Argentina
Nos tempos de hoje O terceiro Warrior, que tem capacidade para transportar até 32 pessoas, entre elas profissionais e voluntários, parece comportar todos os acessórios que um navio especial como esse precisa. A cabine de comando abriga um telefone – entre muitos outros – de emergência, que funciona por uma espécie de manivela, assim como radares e uma estrutura anticolisões. O navio conta com uma estação de tratamento de água e uma instalação de reciclagem dos resíduos. Possui até um heliponto e um inesperado estacionamento para helicópteros, que têm cujas suas asas devem ser dobradas. Essa estratégia é essencial para a apreensão de caçadores ilegais de baleias. As imagens e informações sobre as ações realizadas em diferentes regiões do mundo também são mandadas via satélite diretamente do barco. Esse sistema serve para que as manifestações não percam o seu impacto, crucial para que elas atinjam seus objetivos. Há também uma sala de conferência no andar de baixo, onde a imprensa é recebida e onde são organizadas as mobilizações durante as viagens, para que não se perca tempo. “No transamos con nadie" Seja nas ruas de Buenos Aires ou na televisão Argentina, a presença e o investimento midiático da organização no país chamam atenção. A maioria dos anúncios frisa o caráter independente do grupo, que também é bastante destacado pelos voluntários durante a visita ao barco. O Greenpeace prioriza essa autonomia política e econômica, que acaba
exigindo esforços dos voluntários para conquistar pessoas que façam doações e possibilitem a organização, os chamados sócios. Esse dinheiro é usado nas ações promovidas pelo grupo, que têm como princípio contar ao mundo o que está se passando e barrar as práticas que prejudicam o meio ambiente. Em geral essas ações se caracterizam por serem criativas e chamativas, principalmente quando incluem meios não tão convencionais e autorizados, como o comentado episódio de 2006 em que a rainha de carnaval de Gualeguaychú interrompeu a reunião do G20 seminua. Ela segurava uma placa que fazia alusão ao conflito entre Argentina e Uruguai pelo veto da primeira à construção de duas fábricas de celulose na fronteira entre os dois países. Segundo a coordenadora de imprensa Sol Gosetti, a repercussão das ações do Greenpeace depende do lugar em que acontecem e da causa que defendem. Normalmente as mais comentadas são as campanhas visuais e impactantes. "A relação entre os meios de comunicação e a organização é de muito respeito” – reforça ela – “Eles nos ajudam a divulgar o nosso trabalho". No Greenpeace, diferentemente de outras organizações militantes, as ações não podem ser feitas por qualquer voluntário. O participante que se inscreveu através do e-mail do grupo deve ainda passar por um treinamento: "No início o voluntário é responsável por captar sócios, ajudar em eventos como este (a visita ao Rainbow Warrior) e ir a escolas explicar o nosso trabalho", relata Fernando Diaz, que participou de uma mobilização no ano passado para parar as atividades de uma mineradora canadense.
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Ricardo Darin
Foto: Muestra Cine Argetino
Foto: Conexaobuenosaires’
“Faltam mais vedetes” Cinéfilos argentinos comentam a produção nacional Por Gabriel Fabri
Nos festivais de todo o mundo, o cinema argentino se destaca em relação aos concorrentes sul-americanos. Enquanto o Brasil nunca levou um Oscar, a Argentina tem entre suas produções grandes ganhadores, como A História Oficial, de Luis Puenzo, e O Segredo de seus olhos, de Juan José Campanella, por exemplo. Como a jornalista, Cynara Menezes, da Carta Capital, bem colocou em seu texto, Os viralatas de celulóide, os brasileiros invejam o cinema dos hermanos “sentimos vergonha, rimos de nós mesmos”, declarou. No Brasil, cinema argentino é sinônimo de qualidade, boas histórias e, sobretudo, de obra intelectual. Quais seriam as razões do sucesso do cinema argentino? E como os portenhos se relacionam com a produção nacional? Em Buenos Aires, ao redor da Universad del Cine, uma faculdade exclusivamente de cinema, encontra-se um ambiente jovem que contrasta com a arquitetura antiga e parisiense da cidade. Lá, todos tem algo em comum: apreço pela sétima arte. Na livraria especializada, uma estudante de cinema de outra universidade afirmou gostar da produção de seu país. Outro jovem, aluno da Universidad del Cine e fã de David Lynch e Sam Raimi, revelou o
que, para ele, é o panorama da produção argentina: uma série de filmes feitos de maneira a arrecadar o máximo gastando o mínimo – desses pouco são “aproveitáveis” artisticamente. Sucesso? Para ele, o cinema argentino está mitificado. “Você acha que o cinema argentino faz sucesso?”, respondeu ironicamente o diretor da universidade, Bebe Kamin, também cineasta, ao ser questionado sobre o tema. Ele explicou que apenas 8% do tempo de exibição das salas argentinas é ocupado com produções do país. De tantos Dos filmes produzidos por ano, que alega ser cerca de cem, pouquíssimos tem alguma repercussão comercial ou artística. Só os muito bons, com propostas que interessam e sejam comprometidas com a sociedade, fazem sucesso, o que é muito mais significativo no resto do mundo, do que em seu país de origem. Entre esses filmes estão os de Lucrecia Martel e Pablo Trapero, exemplificou o acadêmico. A reflexão de Kamin sobre a produção argentina mostra que a situação desse cinema não é tão diferente da brasileira. Há pouco espaço nas salas, influência do filme americano comercial e uma grande quantidade de filmes irrelevantes.
O cinema argentino nunca mais foi o mesmo depois que o ator RicardoDarín conseguiu fama internacional por seus personagens complexos e atuações intensas. A reflexão de Kamin sobre a produção argentina mostra que a situação desse cinema não é tão diferente da brasileira. Há pouco espaço nas salas, influência do filme americano comercial e uma grande quantidade de filmes irrelevantes. Nesse cenário, uma pequena minoria que se destaca pela qualidade ou por construir uma identidade de maneira ousada, assim como no Brasil, onde um exemplo recente é A Febre do Rato, de Claudio Assis, sem contar os diretores já consagrados, como Walter Salles, Fernando Meirelles, entre outros. Kamin acha que se deve melhorar a política cinematográfica na Argentina. Incentivar a produção não é suficiente: é preciso hierarquizar os projetos, facilitando a produção dos “mais valiosos”. Para Rodrigo Moreno, diretor premiado no festival de Sundance e de Berlin, o maior problema do cinema argentino é também sua maior virtude: não há uma tradição – os cineastas não têm base sólida para se apoiar, o que resulta em obras que partem de uma realidade – que, em sua opinião, não passa de falsa interpretação. Moreno não gosta do cinema argentino em geral e não se inspira nele em suas obras.
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Questionado sobre o, assim chamado, “sucesso” internacional dos longas, ele explica que esses filmes pertencem ao ciclo do cinema urbano e de classe média na América Latina, o que chama atenção, pois quebra o estigma do cinema latino-americano que só retrata problemas sociais. Sobre a recepção argentina a esses filmes, ele pensa que o público é cético em relação a eles, devido ao “espírito argentino individual e crítico”. Jovens amantes de cinema, como Fabio Fontana, que trabalha num bar na rua da Universidad del Cine, têm opiniões diferente. Enquanto conversava sobre cinema latino com sua colega uruguaia Andrea Silva, mostrou-se muito mais otimista com a cinegrafia de seu país. Acha que melhorou na última década, mas não por influencia da crise de 2001 e sim, porque foi se aperfeiçoando. Ele vê influências do cinema americano, que também evoluiu com o passar dos anos, com “finais abertos, melhor trabalho de personagens e histórias mínimas”. Para ele, o papel determinante para a produção nacional são os festivais estrangeiros – os filmes precisam fazer sucesso fora para impulsionar o público argentino. Enquanto Moreno considera que nessas produções mostra-se uma falsa realidade, Fabio acredita que trazem ensinamentos sobre a vida, por meio dos personagens. O que falta nas produções argentinas é, para Fontana, mais mulheres ou, em suas palavras, “vedetes”. Ele também quer ver efeitos especiais sendo usados, não em produções megalomaníacas como as hollywoodianas, mas em obras com teor mais artístico, como O Labirinto do Fauno, do mexicano Guillermo Del Toro. Já a professora brasileira formada em cinema na Universidade de La Plata, Livia Stevaux, acha uma grande falha não se produzirem filmes de ação.
Em entrevista, Stevaux afirmou apreciar muito a produção local, por causa principalmente dos roteiros, cujos diálogos são uma virtude e os personagens são fortes e complexos. Ela aponta para a facilidade em construir histórias que vem da “grande tradição literária e de estudos de narração”. Considera que o cinema argentino faz sucesso pela qualidade desses roteiros, mas admite que é tudo muito relativo: já escutou muitas vezes comentários do tipo “não existe” ou “o cinema nacional é horrível”, entretanto, acredita que a rejeição às produções locais é menor do que no Brasil. Por fim, é necessário ressaltar os números oficiais: segundo a publicação Haciendo Cine, edição de junho, nos primeiros cinco meses de 2012, estrearam 42 filmes argentinos. Desses, apenas cinco foram exibidos em mais de quarenta salas. Entretanto, isso pode mudar muito em breve: o governo Kirchner, por meio do secretário de comércio Guillermo Moreno, aprovou uma lei que une as grandes distribuidoras cinematográficas e os produtores locais à força – elas serão obrigadas a parar de negligenciar a produção nacional e se comprometerem a dar um novo fôlego para a distribuição do cinema local. Isso tudo pode ser o primeiro passo para a política cinematográfica que Bebe Kamin tanto acha importante. Conclui-se que, apesar de maior prestígio internacional e nacional, o cinema argentino também passa por problemas semelhantes ao brasileiro. Se esse prestígio pode ser considerado um “sucesso”, é verdade que há muita divergência a respeito desse tema. Ao estudar esse panorama com os cinéfilos da Argentina, percebe-se que a opinião sobre a produção nacional e seu sucesso não é unanime entre os portenhos.
Universad del Cine
Foto: Centro Audiovisual Rosario
Foto: Universad del Cine
“Uma faculdade exclusivamente de cinema, encontra-se um ambiente jovem que contrasta com a arquitetura antiga e parisiense da cidade. Lá, todos tem algo em comum: apreço pela sétima arte.”
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Os segredos da carne portenha Entenda porque a carne argentina é, sim, melhor que a brasileira Por Giovanna Ferraz, Joelma Santos e Tábita Faber.
Foto: Tábita Faber
Considerada um dos países que mais produz carne bovina no mundo, com cerca de 2,48 milhões toneladas em 2011, a Argentina ganha destaque não só na produção, mas também na qualidade e no sabor do seu produto. O consumo de carne no país foi o menor dos últimos 90 anos. Apesar da queda, ainda apresenta o número expressivo de 55,5 quilos por habitante. Segundo a Câmara de Indústria e Comércio de Carnes e Derivados (CICCRA), os portenhos consumiram 3,7% a menos, em relação ao ano de 2010, por conta da alta dos preços dos produtos. Na Argentina, os gados criados são da raça Angus e Hereford. Tipicamente ingleses, eles se adaptaram ao relevo natural do país e ao clima temperado do hemisfério sul. “O solo plano encontrado nas regiões pampianas, parte central da Argentina, faz com que o gado não faça esforço, o que favorece a maciez da carne”, comenta Matias Carvalho, gerente há 12 anos do restaurante Cabaña Las Lilas. Os gados argentinos devem ser abatidos entre vinte e vinte quatro meses, ou seja, uma média de dois anos.
Em comparação aos zebuínos – bovinos predominantes no Brasil são abatidos aproximadamente seis meses antes. Segundo Carvalho, caso passe desse período, a textura e sabor mudam. “Se o animal é novo, a sua carne possuirá pouco sabor, se for grande, essa será dura. Por isso é importante que o animal tenha o peso ideal aproximadamente quatrocentos e cinquenta quilos – e que não passe de quatro anos de vida.” Após o animal ser sacrificado, ele permanece em descanso em câmara fria por dois dias. Depois desse período, é feita a realização dos cortes. Logo em seguida, indica-se que carne argentina fique vinte e um dias em repouso a vácuo e, assim, pronta para o fornecimento. Lembrando o sucesso da picanha brasileira, o tradicional bife de chorizo – centro do contra filé - é o mais pedido
nos restaurantes argentinos. “O chorizo é muito suculento. Além de ser mais macio que a picanha, o ponto rugoso da carne é especial” aprecia Muriel Paschoal, 38 anos, gaúcha e empresária. Já nos açougues, o chorizo custa em média R$40 e é o segundo mais vendido, perdendo apenas para o lomo, comprado aproximadamente por R$45. Diego Príncipe, quarta geração do açougue Nucho, situado há 65 anos no Mercado Del Progreso, bairro Del Caballito explica: “O lomo é muito macio, boa textura e é a parte do filé mignon no Brasil.” Localizado no “contra” do filé mignon, ou seja, separado pelas vértebras lombares do gado, o chorizo conquista os paladares dos turistas e moradores argentinos. O preço do bife de 300g varia de R$70 à R$120, dependendo do restaurante e sua localidade.
CURIOSIDADES
Modo de preparo A car ne argentina pode ser preparada de dois modos: o “asado a la parrilla” e o “asado criollo” com a técnica de fincar o espeto no chão. O primeiro é o típico churrasco brasileiro, já no segundo é utilizada a técnica do espeto no chão que também é conhecida como “fogo de chão”. Aproveitamento total Nos açougues e supermercados, os restos de carne bovina e de vaca podem ganhar um destino diferente, sendo transfor mados em almôndegas e hambúrgueres.
Foto: Grelha do La Caballeriza
Carvão argentino
Carvão portenho Importante passo do processo do preparo da carne argentina.
Conhecido como quebrado colorado, o carvão portenho é mais um importante passo no processo do preparo da carne argentina. Utilizado também em alguns restaurantes brasileiros, o que classifica a sua importância é o fogo uniforme, a durabilidade e a resistência.
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“O açougueiro do Princípe Nucho afirma que o que define o marmoreio – a suculência – e a nobreza da carne argentina é como o gado foi criado, a qualidade da ração e a idade de seu abatimento.” Matias Carvalho
Foto: Tábita Faber
Foto: Tábita Faber
Puerto Madero
Compartilhando da mesma opinião do gerente Matias Carvalho, o açougueiro do Princípe Nucho afirma que o que define o marmoreio – a suculência – e a nobreza da carne argentina é como o gado foi criado, a qualidade da ração e a idade de seu abatimento. Andando pelas ruas de Buenos Aires, encontramos uma enorme quantidade de restaurantes que oferecem uma suculenta carne por diversos preços. Com rede no Brasil e na Argentina, o restaurante Cabaña Las Lilas, localizado na Avenida Alicia Moreau de Justo, 516, é um dos lugares mais famosos da capital. Além de uma excelente carne e uma extensa carta Restaurantes no Puerto Madero: ótimas opções de carne de vinhos, o local foi o primeiro a implantar no cardápio o Ojo de Bife, parte central do contra filé, que compete com bife de chorizo. O restaurante também recebe personalidades famosas que registram suas presenças em um livro guardado a sete chaves. O estabelecimento ainda oferece um gostoso terraço aonde se pode comer de frente para um dos cartões postais da cidade, o Puerto Madero. A entrada, o bife de chorizo de 400g e a sobremesa, tudo sai por R$144.
Outra opção para quem procura um restaurante sofisticado é o La Cabrera Norte,Rua José Antonio Cabrera, 5127. Separado por um quarteirão da filial La Cabrera, o local serve cortes de qualidade com um excelente preparo. O diferencial do restaurante são as guarnições dos pratos que fogem do tradicional “carne com batata”. Uma refeição com entrada, bife de chorizo por 800g e sobremesa fica por R$74. Já para os clientes que preferem economizar, mas ainda sim degustar a especialidade argentina, há o El Mirador e o La Estancia. O primeiro, situado na Rua Boedo, 136, bairro Del Boedo, abriu em 1967 em um antigo espaço. Muitos portenhos consideram o El Mirador como sua segunda casa e essa tradição é passada de geração para geração. Além desse bairro, encontramos o estabelecimento na Recova, Puerto Madero, Tortugas e Campo y Mar. As especialidades da casa são a fraldinha do fino, a maminha e o matambre. A refeição com entrada, bife de chorizo de 400g e vinho sai por R$50 por pessoa. Já o segundo, está localizado no “centrão” de Buenos Aires , Rua Lavalle, 941. O charme do restaurante está nas costelas, cabritos e leitões assados à la cruz na vitrine. A refeição completa sai por R$65.
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O olhar dos hermanos sobre a cultura brasileira Argentinos gostam da musicalidade, mas ainda não estão inteirados do circuito cinematográfico Por Beatriz Gonçalves
Na década de 1960, teve início o movimento cinematográfico brasileiro que retratava a realidade nacional realçando os problemas sociais através de personagens conflituosos. A vertente agora se tornou tema de mostra de cinema na cidade de Buenos Aires. Duas das 26 bibliotecas municipais da capital argentina estão exibindo, de 7 de junho a 28 de julho, o circuito “La fantasia: una alternativa violenta” que conta com oito dos principais expoentes da vanguarda, entre eles Boca de ouro (1963, Nelson Pereira dos Santos), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964, Glauber Pedro de Andrade Rocha), Macunaíma (1969, Joaquim Pedro de Andrade) e Bye Bye Brasil (1980, Carlos Diegues). O tema “Brasil”, de acordo com o organizador do evento, Diego De Angelis (28), foi um pedido das pessoas que frequentavam outras mostras também realizadas pelas bibliotecas. “Contatamos a Embaixada Brasileira e, das opções que nos foram mostradas, escolhemos o Cinema Novo”, conta. A sessão do dia 12 de julho de Bye Bye Brasil foi realizada na Biblioteca Ricardo Güiraldes e fez com que o clima aconchegante, tomado por traços arquitetônicos do século XIX, se tornasse parte do espetáculo: o cômodo pequeno com espaço para poucas pessoas, o tom escuro da madeira dos móveis rústicos, a lareira acesa e o projetor fazendo a sua parte. Entre os 22 espectadores, estava o estudante de filosofia Paulo Montagut (21), que assistiu
“Olhamos muito para o Brasil, quando se trata de economia e política porque nos afetam de forma direta, mas culturalmente é um olhar ainda é restrito a certos grupos da sociedade”. Diego Jemio
Macunaíma e depois levou alguns amigos para ver Bye Bye Brasil. “Conheci a história do livro de Mario de Andrade por um documentário que vi em um canal estatal daqui da Argentina. Depois fiquei sabendo da mostra de cinema e vim”, relembra. Um de seus amigos era a estudante de biologia Inês Patop (21), que, durante o debate que se seguiu à exibição, julgou bastante ingênua a visão que os personagens tinham sobre as situações apresentadas. “A prostituição acaba sendo mostrada como uma coisa de muita alegria”, exemplifica. Diferentes cenários O conhecimento dos argentinos da cultura brasileira, assim como o inverso que também é verdadeiro, se mostra ainda tímido e restrito a determinados grupos que de alguma forma estão ligados às áreas de educação e comunicação ou que já viajaram para terras brasileiras. “Olhamos muito para o Brasil, quando se trata de economia e política porque nos afetam de forma direta, mas culturalmente é um olhar ainda é restrito a certos grupos da sociedade”, examina Diego Jemio (34), jornalista argentino que escreve para o jornal Clarín.
El Ateneo
Fotos: Blog semsentirsaudade
Fotos: taringa.net
A livraria funciona em um antigo teatro, inaugurado em 1919. São 100 mil títulos de livros e 10 mil de CDs, que tornam essa livraria uma das maiores da América Latina.
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O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco
Foto: Divulgação
Foto: Luiz Henrique Eltermann Viotti
Embaixada Brasileira em Buenos Aires
Clarice Lispector
“Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.” Foto: Editora Abril
“Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar.” Clarice Lispector
Quando se trata de cinema, o filme mais lembrado é Cidade de Deus, que teve quatro indicações para o Oscar de 2004, porque, no geral, as produções brasileiras têm mais espaço em circuitos alternativos, como o Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independente. O evento anual, que em abril chegou a sua 14ª edição, exibiu cerca de 20 longas e curtas-metragens brasileiros, dando destaque ao cineasta Carlos Prates e às produções da chamada Boca do Lixo, filmes produzidos na década de 1950 na região da cidade de São Paulo que hoje conhecemos como Cracolândia. Por sua vez, a Embaixada Brasileira, todas as quartas-feiras deste mês de julho, realiza o “Cine em la Embajada”, no qual exibe filmes do diretor brasileiro Hector Babenco, como Pixote (1977), O Beijo da Mulher Aranha (1981) e Carandiru (2003). Na literatura, os escritores mais procurados em grandes livrarias como El Ateneo são Clarice Lispector, Paulo Coelho e Guimarães Rosa. “Na maioria são os argentinos que compram os livros desses autores, porque os brasileiros vêm procurando por coisas mais refinadas que não temos aqui, como Vinícius de Moraes”, conta o vendedor Debret Viana (30). Chico Buarque é uma personagem da cultura brasileira que é lembrado na música e na literatura. “Os dois livros dele foram muito procurados quando foram lançados”, conta um vendedor de uma livraria mais afastada do centro da cidade portenha. O cenário musical é marcado por hits passageiros como Ai se eu te pego (Michel Teló) e Eu quero tchu eu quero tcha (João Lucas & Marcelo), mas em venda de discos, o sucesso maior é Marisa Monte, Toquinho, Ivete Sangalo e, novamente, Chico Buarque. No El Ateneo, entre os dias
01/07 e 11/07, haviam sido vendidas 10 unidades do último álbum de Marisa Monte, O que você quer saber de verdade, 11 unidades de IS, de Ivete Sangalo, e 6 unidades de Chico, de Chico Buarque. O vendedor Javier Szczytowixt (34) diz também gostar da produção musical brasileira. “Pessoalmente acho a música muito atrativa: o ritmo é mais alegre, mais divertido do que estamos acostumados aqui”, diz. Na loja Musimundo a venda de CDs tem destaque em épocas específicas, sem contar os artistas anteriormente citados e outros como Sérgio Mendes e Maria Creuza. “Os argentinos vêm aqui procurar coletâneas de carnaval e Bossa Nova”, conta o gerente Diego Natalio (39). O público, mesmo que restrito, se mostra bastante entusiasmado quando o assunto é o Brasil. “Já viajei para lá e gostei muito de feijoada e sinto falta daquele doce... como chama mesmo? Brigadeiro!”, lembra a estudante Ines. A mídia também não exerce grande função na propagação das produções brasileiras, restando aos viajantes a tarefa de trocar dicas e experiências com pessoas que conhecem durante a estadia na cidade. O número de pessoas que chega a Buenos Aires com o objetivo de estudar vem crescendo, o que contribui para criar um ambiente propício para o intercâmbio cultural. “Buenos Aires se tornou um lugar que abriga estudantes por um preço mais acessível, do que seus países de origem. Isso torna a diversidade muito maior”, analisa Diego Jemio. Essa parcela da população possui cargas culturais muito diferentes, e, até por seus objetivos acadêmicos e intelectuais, teriam satisfação em compartilhar as músicas de seu artista preferido ou ideias de seu autor de cabeceira.
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Foto universes in universe
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Catadores invisíveis Há dez anos a editora argentina Eloísa Cartonera faz livros com papelão coletado pelos cartoneros. Mas, quem são eles? Por Julia Barbon e André Silva
Publicando soluções A cooperativa edita obras de escritores latino-americanos utilizando os papelões coletados por alguns cartoneros – catadores de papel –, que selecionam os materiais adequados e os levam à editora. A pequena oficina se localiza no bairro La Boca, em Buenos Aires, e é totalmente independente do Estado. O t r a b a l h o é a u t o g e s t i o n a d o, s e m hierarquia, e os textos são escolhidos pelas pessoas que montam os livros. “A ideia inicial era nos ‘autopublicar’ [as obras latino-americanas] e utilizar detritos urbanos, ou seja, o papelão”, como afirma Alejandro, que trabalha na editora há quase cinco anos. Transformando a precariedade em incentivo, a iniciativa também busca difundir a literatura latina e ensinar que não é preciso ser um grande gênio para criar. A Eloísa Cartonera nasceu no bairro Almagro, mais ao centro da cidade, e se mudou há cinco anos para a região atual. Em 2005 compraram uma máquina de prensa alemã dos anos 70 para confeccionar os livros, o que refinou um pouco o formato das edições. O papelão é adquirido diretamente dos cartoneros por um preço maior do que geralmente lhes seria pago nos postos de coleta. O material é cortado e dobrado, e tem um livreto de papel branco colado no seu interior, formando um volume.
Foto: Blog Microrrevoluções
Há uma década a Argentina passou pelo maior abalo econômico de sua História. A taxa de pobreza subiu de 10% em 1991 para 54% no ano da crise, enquanto o desemprego disparou de 18% para 24% em apenas alguns meses. Em um ato de desespero, o então presidente Fernando De la Rúa decretou o confisco do dinheiro dos argentinos, poupado nos bancos, e determinou sua sentença: renunciou 20 dias depois. O colapso político agravou ainda mais a situação do país, que volteou pelas mãos de cinco presidentes em duas semanas. Com o fechamento de centenas de indústrias, a própria população foi obrigada a firmar fontes de renda alternativas, o que visivelmente ecoa na cidade até hoje - a quantidade de táxis nas ruas e de pequenos negócios como lojas de flores e farmácias desperta certa atenção, por exemplo. O escritor Washington Cucurto, os artistas plásticos Javier Barilano e Fernanda Laguna, no entanto, foram além do objetivo de contornar a crise. Em 2003, criaram a editora Eloísa Cartonera, que se descreve como "um grupo de pessoas que se uniram para trabalhar de um modo diferente e por um bem comum e para aprender novas coisas através do trabalho".
As capas são pintadas à mão, uma a uma, com a cri ativ i dade de quem decidiu trabalhar na editora. Foto: Letterpress - of Arizona School of Art
Foto: Kate Granville-Jones - The Argetina Independent
Eloísa Cartonera faz livros com papelão coletado pelos cartoneros.
A iniciativa também busca difundir a literatura latina e ensinar que não é preciso ser um grande gênio para criar.
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Foto: Blog Microrrevoluções
Foto: Oscar Taffetani
“A Eloísa é uma editora popular e ao mesmo tempo erudita. Ou seja, tem uma origem no povo, pela forma de produção, mas também é lida por editores e críticos e vendida em universidades” Juan Mendoza
As capas são pintadas à mão, uma a uma, com a criatividade de quem decidiu trabalhar na editora. Assim, cada livro é único. “A Eloísa é uma editora popular e ao mesmo tempo erudita. Ou seja, tem uma origem no povo, pela forma de produção, mas também é lida por editores e críticos e vendida em universidades”, opina Juan Mendoza, escritor argentino e leitor afeito das publicações, em sua primeira visita ao local. Segundo ele, a proposta é muito heterogênea, porque “parece atravessar barreiras e atingir diferentes interesses”. O ambiente é pequeno e acolhedor, com espaço suficiente para acomodar não muito mais que as estantes com as publicações e os quatro trabalhadores, que usam as mesas de oficina para montar e pintar os livros. As caixas de papelão normalmente são compradas de cartoneros conhecidos, que trabalham pela região. Hugo é um deles, tido como o “cartonero oficial” da editora. Além dele, apenas mais dois ou três catadores, dependendo da demanda, vendem materiais para a confecção das capas. Ele coleta papelão há mais de quinze anos, mas contribui por lá há cinco. A sua parceria com os editores foi firmada quando, no meio do expediente pela região de La Boca, um garoto da vizinhança lhe contou que havia um lugar que comprava a unidade do material reciclável em vez do quilo. Inserido na rotina da Eloísa Cartonera, Hugo acabou conhecendo sua companheira Mirian, ex-cartonera e atual colaboradora. Ele prefere trabalhar sozinho, pois afirma que ganha mais. Entretanto, se quisesse, poderia vincular-se a uma cooperativa de cartoneros.
Catadores organizados As cooperativas disponibilizam caminhões e uniformes aos catadores de material reciclável, que saem às ruas no início da noite. Elas foram criadas durante os anos da crise e existem em grande profusão, dentro e fora de Buenos Aires: são quinze as englobadas pela Federación de Cartoneros y Recicladores, que é o esforço maior em unificar politicamente
e fazer ser reconhecido formalmente o trabalho dessas pessoas. Atualmente, há mais de dois mil trabalhadores recuperando 600 toneladas diárias de material reciclável na cidade de Buenos Aires, segundo estimativas do Movimento dos Trabalhadores Excluídos (MTE), uma organização social independente formada nos padrões de cooperativa e integrada à Federação. Mesmo andando pelos arredores do bairro nababesco da Recoleta no fim da tarde, encontram-se facilmente cartoneros, trajando o uniforme fluorescente da MTE e, preenchendo seus montanhosos carrinhos. Sergio e Paula, de 35 e 31 anos, desempenham a função há uma década, depois que ficaram desempregados. Trabalhando para o MTE, dizem ter liberdade para vender, para quem quiserem, o material reciclável separado em suas casas, além de receber um auxílio governamental mensal de mil pesos (o equivalente a 500 reais). Sergio explica que a rotina cartonera é diária, das 19h às 21h30, atuando numa área de dez quadras, no seu caso. Depois, eles se reúnem para separar por tipos o material coletado. Sua situação é semelhante à do ex-metalúrgico Monzón Isabelino, de 63 anos, que também é cartonero desde 2002, ano em que perdeu seu emprego. Ele não consegue outra ocupação por causa da idade avançada: “Tenho tempo de contribuição para me aposentar, mas pela idade não dá. Tenho que fazer 65 anos para me aposentar”. Enquanto isso, segue coletando lixo diariamente das 17 às 19 horas. Diferentemente dos anteriores, aos 25 anos, Alejandro trabalha independentemente. De boné e casaco pretos, barba por fazer e sem luvas numa das noites mais frias do ano, ele separava variados tipos de detrito no canteiro central da Avenida 9 de Julio, uma das maiores vias da cidade. É cartonero há três anos, sustentando mulher e filha, e não trabalha com cooperativas por causa da localização periférica delas, preferindo ir e voltar com o material da coleta a pé. “Saio de casa às 15h30, chego às 16h30 na [estação] Constitución e aí começo a caminhar até as nove”, declarou. A distância é de cerca de cinco quilômetros.
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Por seguir autônomo, também tem menos garantias. “Não tenho nada de nada. A única coisa que recebo é o auxílio maternidade, mas isso é tudo”, disse. Antes, Alejandro trabalhava no ramo da construção. Devido à instabilidade dos empregos que conseguia, atualmente combina bicos com o ofício de cartonero. Entretanto, o retorno financeiro diário oscila bastante: “um dia pode ser 200 pesos, outro dia 100 e, em outro, 50”. Ele completa a fala fazendo referência ao que sentiu mudar nos três anos de trabalho: “Melhor e pior, melhor e pior... Sempre igual. Tem dias.”
2003 ele já influenciou iniciativas semelhantes no Paraguai, Bolívia, Brasil, Uruguai, França, Espanha, Moçambique e até China. Porém, Juan González, que participa do trabalho há nove anos, aponta que cada uma das novas organizações opera com dinâmica própria, e que a Eloísa Cartonera vem se profissionalizando no decorrer desses dez anos: “Hoje em dia nós temos mais saída, mais venda. Temos que produzir em grande quantidade, pois recebemos pedidos de livrarias, universidades, de todos os lados”. Os dois últimos trabalhos da editora foram a confecção de 800 livros em seis dias para uma feira na província de Buenos Aires e de mil exemplares em uma semana para um pedido da Noruega. Durante a nossa visita à editora eles estavam terminando uma tiragem de 250 exemplares bilíngues de poesia marginal brasileira, encomendados pela Embaixada do Brasil. Eles chegaram até a publicar livros em “portunhol”, como é o caso do “El Astronauta Paraguayo”, de Douglas Diegues. González calcula que o concurso literário para novos autores, organizado pela editora aproximadamente a cada dois anos desde 2004, recebe cerca de 300 títulos para avaliação, podendo se dar ao luxo de recorrer somente à divulgação boca a boca ou à “publicidade grátis” na imprensa. E que sigam em pauta por mais dez anos – assim como os cartoneros.
Foto: André Silva
A Argentina ainda não se recuperou totalmente do susto da crise. O surgimento em peso dos cartoneros era algo impensável antes da crise de 2001.
Juan González
Foto: Libcom.org - Crisis to Cooperatives : André Silva
Dez anos depois Mesmo com o país em uma situação econômica ainda delicada, de desvalorização gradual da moeda local e de inflação escalando, a situação dos catadores “registrados” parece ter melhorado em relação a 2002. Sergio considera que a situação “avançou muito” em dez anos: “os carros [de lixo] vêm em um caminhão e as pessoas vêm sentadas em uma van, muito mais cômodo. Anos atrás vínhamos todos juntos, apertados. E agora temos um soldo”. Isabelino, por outro lado, lembra que no início os próprios cartoneros eram obrigados a dividir os custos do caminhão do próprio bolso. A Argentina ainda não se recuperou totalmente do susto da crise. O surgimento em peso dos cartoneros era algo impensável antes da crise de 2001. Os anos se passaram, muitos deles conseguiram melhorar de vida e o trabalho agora é encarado com uma certa naturalidade. Porém, apesar de terem diminuído em número, sua origem está atrelada a este passado recente, que ainda não se afastou suficientemente. Nesse contexto, a Eloísa Cartonera mantémse firme do alto de seus dez anos de existência. A popularidade do projeto é tamanha que desde
“Hoje em dia nós temos mais saída, mais venda. Temos que produzir em grande quantidade, pois recebemos pedidos de livrarias, universidades, de todos os lados”.
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“Não podemos realizar coisas agradáveis, inteligentes, que façam refletir, mas em meus desenhos não vejo nada que consiga fazer a algo ou a alguém vibrar realmente.” “É preciso respeitar as crianças. Os adultos falam com elas como se fossem todas retardadas.”
Foto: Site Skoob
Quino
Foto: Site Yodibujo
Os oitenta de Quino Cartunista completa oitenta anos; sua personagem mais famosa, Mafalda, foi desenhada pela primeira vez há cinqüenta Por Bruna Bravo, Beatriz Avila e Maria Cortez
Que me desculpem os estereotipadores de plantão, mas não é apenas no tango, na carne e no doce de leite que a Argentina se destaca. Junto com a Bélgica, país de Tintim e de Asterix, e o Estados Unidos, onde surgiu XXX, ela é também uma referência quando o assunto são histórias em quadrinhos. Em suas terras, formaram-se grandes cartunistas como Carlos Garaycochea, García Ferré, Sábat e Mordillo. No entanto, ainda que a produção argentina seja em sua maioria de excelente qualidade, foi a Mafalda de Quino que conquistou o mundo. Joaquin Salvador Lavado, o Quino, completa 80 anos neste julho. Em suas obras, constam os mais diversos temas, mas há sempre um denominador comum : o tom crítico, o humor cuja matéria prima é a miséria humana. Por meio de desenhos de qualidade, Quino procura um novo olhar sobre o mundo e o interroga, com uma sensibilidade que extrapola o contexto em que está inserido. Ainda que seu trabalho reflita as ideias, os valores e as preocupações de sua época, não se pode ter um olhar determinista sobre sua obra : afinal é justo o fato de ser universal e sua atemporalidade que o fazem um gênio. De seus desenhos, o mais conhecido é Mafalda, a baixinha que misturava visão de mundo da infância com
crítica adulta afiada. Porém, de 50 anos dedicados a quadrinhos pelo argentino, a menina ocupou apenas 10. Obteve tanto sucesso que hoje é um símbolo de seu país, com reconhecimento tanto local quanto internacional. Além da pequena, as histórias trazem outros personagens, como amigos e familiares. Dessa forma, constróem um contexto infantil para problemas adultos, o que contribui ainda mais para o humor, pois é a partir do inesperado e do paradoxo que o cômico se constrói.
Joaquim – Algo legal Nascido em Mendonça, Argentina, em 17 de julho de 1932, Joaquin Salvador Lavado comecou a se interessar por desenho através de seu tio - também Joaquin - que entretinha os sobrinhos com suas figuras. O caçula de três irmaos logo se familiarizou com ilustrações de revistas que o tio comprava, como a Life, e encantava-se com o cinema de John Ford. Enfrentou duras perdas na adolescência: a mae aos treze e o pai três anos mais tarde. Mesmo com tanto sofrimento, apostou no humor como pano de fundo para seus desenhos.
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Em 1964, consolidado já há dez anos como cartunista, Quino publica aquilo que lhe traria o grande sucesso e prestígio. Mafalda apareceu pela primeira vez em Gregorio, suplemento da revista Leoplán. Ao fim de setembro, o semanal Primeira Plana começa a publicar a personagem regularmente. O sucesso da pequena foi tanto que, já em 1966, Jorge Álvarez Editor lança o que seria o primeiro livro de coletâneas de seus quadrinhos. A edição de cinco mil exemplares esgotou-se em dois dias, o que levou, no ano seguinte, à compilação do segundo livro. Antes do fim da década, o livro de Mafalda é publicado pela primeira vez no exterior, com apresentação escrita por Umberto Eco. O teor do humor crítico da pequena irreverente, agregado a seu sucesso, incomodou. O lançamento da personagem e de suas historias no exterior, por exemplo, não foi sempre visto com bons olhos : o primeiro livro na Espanha foi censurado pelo regime franquista, obrigando-se a colocar uma capa que continha uma restrição de apenas adultos. Em 1973, Quino se despede do Siete Dias e de Mafalda, focando em outras historias e personagens. Seu engajamento político e social, no e n t a n t o, n ã o fi c o u e m s e g u n d o p l a n o, perturbando a ditadura implantada em 1976 na Argentina. O departamento onde trabalhava, na época, foi invadido por um grupo armado, coincidentemente após recusar-se a fazer uma ilustração a Jose Lopez Rega, ministro na época.
Sentindo o perigo da repressão, mudou-se para Milão com a esposa. Ganhou prêmios importantes durante sua carreira, como o Troféu Palma de Oro em 1978 e, em 1982, o titulo de Desenhista do Ano e o Premio Konex de Platino Artes Visuais de Humor Gráfico. Como humanitário, também foi reconhecido : ilustrou a Declaração de Direitos das Crianças da UNICEF em 1977 e recebeu o premio B’nai B’rith Direitos Humanos. Em 1984, o Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográficos realizou com Juan Padron, amigo pessoal de Quino, curtasmetragens baseadas em suas paginas de humor, os chamados Quinoscopios. Nove anos mais tarde, Mafalda também teve suas animações pelo mesmo orgão, que produziu 104 episódios de um minuto de duração cada. De quinze anos para ca, o artista teve alguns de seus livros relancados (A mi no me grite e Mundo Quino foram alguns deles), grandes feiras e exposições de suas obras ao redor do mundo. O fato de ter parado de desenhar, em 2009, não d i m i nu i u s e u p re s t í g i o n a c o mu n i d a d e internacional. Seu legado o faz um dos artistas e críticos sociais mais importantes e atuais : na técnica, na escolha de temas, na sensibilidade do olhar. Joaquin Lavado pode não ter mudado a sociedade, mas inseriu em seus rabiscos seu ver analítico, mudando o olhar dos espectadores sobre o meio e o cotidiano.
Mafalda As tiras da Mafalda foi traduzida para mais de 30 idiomas.
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Foto: Blog novatanisso:
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Mafalda
Foto: Infoescola
Foto: Blog Nando Comunicando con Humor
Desenhada pela primeira vez para uma propaganda publicitária que não vingou, a grande personagem de Quino ficou dois anos guardada na gaveta até ser publicada em setembro de 1964. Os quadrinhos de Mafalda foram veiculados pelas revistas e jornal Primeira Plana, Siete Dias e El Mundo ao longo dos quase dez anos de dedicação do cartunista à sua criação. Nesse tempo, fazem parte do cenário histórico, portanto, a ditadura militar argentina e o contexto sociopolítico decorrente do período da Guerra Fria. A menina de seis anos e laço no cabelo aborda, com a ingenuidade da criança que é, questões de injustiça social, expressando o que muitos gostariam de dizer em época de repressão e guerra. O interesse e a c u r i o s i d a d e f a ze m c o m q u e a s observações da menina-filósofa revelem uma visão da sociedade que surpreende o mundo adulto pela inocência infantil e simplicidade com que se dá a crítica. Afinal, por que complicamos as coisas? Preocupada com a humanidade, crente de que o mundo pode ser melhor e a fim de alcançar a paz mundial, Mafalda opunha-se ao imperialismo, à
com os amigos), que a inteligência e ironia da personagem transformam a complexidade humana e social em algo óbvio. As tirinhas também contam com outras personagens, compondo um mosaico de personalidades, que às vezes se divergem, fazendo surgir as reflexões e críticas. No ambiente familiar onde cresce a pequena notável, a mãe de Mafalda é uma dona de casa e ajuda sua filha com aflições que tem sobre o mundo. O pai trabalha e quando está em casa sua maior diversão é cuidar das plantas. Os questionamentos de sua filha, muitas vezes, o entretêm. O último membro a chegar à família é Guille, que tem a mais pura inocência corrupção, aos governos militares, às por ser um bebê e estar experimentando guerras. Questionava temas como o o mundo pela primeira vez. papel da mulher na sociedade, as funções da ONU, os moldes capitalistas de produção e consumo, a liquidez de conceitos e práticas, como a democracia. Revoltava-se contra a pobreza, a fome e outros males sociais. Quino consegue expor suas opiniões usando a voz de uma menina comum dos anos 60 e 70 que não gosta de sopa e adora os Beatles. São em situações do dia-a-dia de uma criança (ouvindo à rádio, assistindo à televisão, indo para a escola, brincando no bairro
Personagens Felipe: dos amigos de Mafalda, é o mais próximo e, ao contrário dela, não tem muita iniciativa e atitude, preferindo viver no mundo da lua. Manolito: é o amigo capitalista e prático da turma que quer ser rico e desde já ajuda o seu pai no armazém; como um bom pragmático, não se interessa por filosofia, política nem por fantasias. Susanita: também é conservadora; caminha para o lado oposto de qualquer movimento feminista e seu maior desejo é ser dona de casa, mulher submissa e mãe.
Miguelito: o mais novo dos amigos de Mafalda, possui o autocentrismo de uma criança, mas tenta entender o mundo, mesmo que refletindo sobre assuntos de menor relevância. Liberdade: a preferida de Quino e última personagem a entrar para turma é representante radical dos ideais políticos socialistas. Conversa com Mafalda sobre política, porém, as opiniões se diferem: a última é mais realista, em contraposição à utópica Liberdade.
Foto: Blog Opinião e Cia 35
Foto: Blog da Monipin
Não importa o pais, a idade ou a cultura: Mafalda é quase uma unanimidade quando se trata de quadrinhos de qualidade. Em San Telmo, bairro onde Quino morava na época em que desenhou suas historias, e no qual as contextualizou, é possível ver dezenas de turistas todos os dias. A região é o bairro mais antigo da capital portenha e foi o reduto da classe alta da cidade em meados do século XIX. Hoje, reúne diversos artistas e intelectuais, cafés, antiquários e galerias de arte. É andando entre as casas de arquitetura com clara inspiração francesa, as ruas de paralelepípedo e os postes que ainda abrigam estruturas de lampião que encontramos Mafalda, pensando no mundo. Na calçada em frente ao antigo edifício do cartunista, mais precisamente na esquina das ruas Chile com Defensa, há um banco com uma estátua da menina. Em homenagem ao Quino, a obra do artista argentino Pablo Irrgang foi instalada em agosto de 2009. Fica no mesmo quarteirão do número 371 da Chile, onde morou Quino, como indica uma placa cedida pela administração da cidade. É preciso observar, porém, que tudo isto foi instalado devido a uma iniciativa popular : a partir de blogs na internet, um movimento reinvidicava que a casa de Mafalda fosse reconhecida como patrimônio cultural da cidade. Dario Gallo, jornalista, foi um dos líderes desta empreitada. A partir de informações em uma matéria feita por estudantes de jornalismo, Gallo descobriu a localização do edifício e buscou assinaturas para tornálo algo de interesse municipal. « A instalação de uma escultura de Mafalda
sentada nessa esquina de San Telmo terminou por delinear um centro de atração turística em um lugar onde anos antes não havia nenhum registro », diz. E complementa : « Mafalda é parte da cultura argentina » . Em poucas horas no bairro, já é possível ter um panorama bem amplo dos fãs da personagem. Alicia, uma senhora, é uma colecionadora de Mafalda e lê suas historias desde os 15 anos de idade. Vê a menina como um símbolo de irreverência e transgressão, e acredita que os temas de que trata são universais, pois vão servir para todas as épocas : são mais uma critica à sociedade, ao consumo e à indiferença do que à ditadura vista por Quino. Ao mesmo tempo, é possível encontrar pessoas mais jovens, como o casal
Mirian e Nestro, os quais acreditam que os quadrinhos de Quino trazem uma problemática econômica do mundo e são conhecidos por todas as idades. Uma prova de que Mafalda é uma referencia inter nacional são as nacionalidades dos turistas : além de Mirian e Nestro, do Uruguai, pode-se citar também o casal suiço Felipe e Ofelia. Para estes, a pequena representa a Argentina e sua política. Porém, observam que estas historias não são tão comuns na Suiça quanto na America do Sul, já que a Europa possui uma forte influência dos pólos belga e francês de produção de historias em quadrinhos.
Foto: comuna13diario:
Museo del Humor Carlos Garaycochea, Carlos Nine, Quino, o Ministro da Cultura de Buenos Aires Hernan Lombardi e outros fundaram em junho deste ano o Museu do Humor. O objetivo é criar uma instituição cultural para preservar o patrimônio e expor os novos talentos do humor das tirinhas. O museu é organizado em dois andares : no subsolo está o acervo permanente, que é uma apresentação cronológica de cartunistas argentinos e
estrangeiros, enquanto no térreo serão organizadas mostras temporárias dos artistas mais reconhecidos. Está localizado no Edifício de la Munich, em Puerto Madero, que foi construído em 1927. Primeiramente funcionava como uma cervejaria e era frequentada por políticos e intelectuais da época. Anos mais tarde, tornou-se sede da administração geral de museus da cidade.
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O cartunista argentino “Caloi”, morreu em maio de 2012, aos 63 anos. Foi o criador de “Clemente”, um peculiar pato com listas pretas e amarelas no corpo que não tinha asas nem braços. Clemente era um rapaz de um bairro portenho, bomvivant que amava o futebol, o tango, a política e as mulheres. E fazia psicanálise.
Foto: Portal Pepper
Foto: Divulgação
Foto: Portal Pepper
Panorama do Humor Argentino mesmas coisas e têm sentido porque o ser humano segue cometendo as mesmas estupidez de sempre » finaliza, em tom pessimista. Em tempos tão instáveis quanto os de nosso século, é complicado determinar os rumos que os quadrinhos e as tirinhas tomarão. No entanto, algo é certo: um contexto tão paradoxal como o atual é fonte fértil para novos pensadores, o que torna possível que produções tão geniais quanto as de Quino apareçam. Por isso, ainda que por outros meios, pode-se dizer que as risadas estarão garantidas e, quem sabe, continuarão a proporcionar uma reflexão critica sobre o mundo.
Crist, humorista gráfico argentino premiado na Itália, Brasil, Uruguai e Irã.
Foto: Tinta China
No inicio do século XIX, os primeiros quadrinhos e caricaturas focavam em sátiras sociais da classe mais alta e consumidas pela mesma, em um exercício de rir de si próprio. No entanto, com as transformações políticas na Argentina – como a Independência e, consequentemente, o processo de formação da nação – as ilustrações ganham um espaço de opinião e critica política. Essa visão do riso como transformador do panorama sócio-político foi desenvolvendo-se ao longo do século XX. « O humor gráfico sempre teve um lugar destacado nesse século » assegura Dario Gallo. Caloi, Crist e o próprio Quino são apenas alguns dos que se destacaram no cenário argentino. Fica a duvida de como o humorismo se desenvolverá agora. Para Quino, o humor passa por dificuldades, já que é fadado a repetir as mesmas piadas sobre os mesmo erros da humanidade. Em entrevista concedida à Siete Dias, revista de domingo do jornal argentino Tiempo Argentino, na última semana, o desenhista afirmou que, apesar de ficar feliz com o reconhecimento que tem e que perpassa pelas gerações, a atemporalidade pode denunciar a repetição e não superação de mazelas, pela sociedade. « Mafalda continua dizendo as
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“Jornalista não escreve com os dedos. Escreve com o cérebro, com o coração”. Por Natália Rossi
No começo todos estavam tímidos. Poucos ali se conheciam, por isso o silêncio tomava conta da sala nos primeiros minutos. Quando o relógio marcou 14h, começou a reunião sobre a viagem para Buenos Aires. Com seu espírito empolgado e acolhedor, a diretora da Link Consultoria e Assessoria, Claudia Rossi, estimulou os participantes a se soltarem e então o silêncio teve fim. As perguntas eram variadas e foram respondidas uma a uma. A campainha tocou. Faltavam três minutos para as 15h, Clóvis Rossi tinha chegado. Incrível perceber a responsabilidade e o profissionalismo do jornalista da Folha de S. Paulo. Apesar de sua forte gripe, estava de bom humor e conseguiu transformar uma simples palestra em uma conversa agradável. Diferente de outros palestrantes, Clóvis começou perguntando nomes, objetivos e o por quê da escolha de jornalismo. Anotou cada resposta em seu bloco de anotações. A timidez parecia estar sumindo do ambiente. Cada um foi contando de seus sonhos e o que esperam da profissão. Para ser feliz na profissão é preciso amá-la, dedicar-se a ela integralmente e, sobretudo, aceitar e superar as circunstâncias. Ninguém disse que é uma profissão fácil. Todos estavam conectados com a conversa Surpreendentemente, um jornalista de 70 anos conseguiu prender a atenção de doze jovens empolgados. Estava nos olhos deles. Clóvis Rossi falava de suas histórias profissionais com tanta paixão e foi contagiando a todos os que estavam presentes. Sobretudo
quando mencionou sonhos. Existe uma grande diferença em alimentar falsas esperanças, destruir sonhos e conectá-los com a realidade. Ter sonhos e uma meta para seu futuro profissional não é algo ruim. Mas jornalismo não é uma profissão de contos de fadas. É preciso estar preparado para frustrações e para trabalhos nada relacionados com sua área de interesse. Se você souber lidar bem com frustrações, e nem por isso desistir do seu sonho, é sim muito bom sonhar. A conversa estava quase no fim, toda a timidez tinha desaparecido e as perguntas começaram a surgir. Clóvis Rossi se preocupou em lembrar o nome de cada um, o gosto de cada um. Com 50 anos de carreira, era nitidamente perceptível que há uma felicidade muito grande quando percebe que estudantes de jornalismo são interessados e têm perguntas pertinentes. Foi então que a maior prova de que o sorriso não é a única maneira de se mostrar felicidade apareceu. Os olhos brilhavam de forma que, até nas fotos tiradas pela equipe da Link, dava para perceber. Estavam todos ali, conversando como velhos conhecidos com um mesmo interesse em comum. Porém, infelizmente estava na hora de finalizar a palestra. Cada participante recebeu 3 dos livros publicados por Clóvis Rossi e depois se juntaram para uma foto em grupo. E para quem pensa que acabou por aí, uma surpresa. Ao longo do caminho para irem embora, os até então desconhecidos participantes, já estavam conversando uns com os outros, empolgadíssimos com a viagem que acontecerá em menos de uma semana.
Palestra do jornalista Clóvis Rossi, na Link Consultoria e Assessoria
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Relato de um correspondente Alejandro Rebossio falou sobre sua carreira e deu dicas fundamentais para estudantes brasileiros de jornalismo que pretendem seguir carreira internacional.
As palavras de Alejandro Rebossio impactaram os estudantes, passando seu caminhão de experiências sobre eles.
Por Caio Prestes
“Ouvir a história dos outros sempre nos faz crescer”. Julia Barbon
para o blog em seu site oficial. Hoje, além do trabalho no El Pais, Alejandro é colunista no programa Catalejo, da Radio Continental, freelancer do La Nación e redator da Infolatam. As palavras de Alejandro Rebossio impactaram os estudantes, passando seu caminhão de experiências sobre eles. “Ouvir a história dos outros sempre nos faz crescer”, comentou a Julia Barbon, 17, estudante do primeiro ano de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Além de contar sua carreira, Rebossio também deu importantes sugestões de pautas para que os jovens jornalistas pudessem se localizar melhor com a cultura de Buenos Aires. “Aquela sugestão sobre as cuevas que trocam d ó l a res fo i s en s a c i o n a l , n em a experiente Joelma e os correspondentes Clovis Rossi e Ariel Palacios tinha pensando em uma coisa dessas”, exaltou André Ferreira Lima, estudante do segundo ano também da Faculdade Cásper Líbero.
Foto: Link Consultoria
negativas com seu chefe. “Ele tratava todo mundo mal. Se não gostava de alguma coisa, dizia que a gente escrevia com os pés”, disse. Esse foi um fator que o ajudou a tomar a decisão de sair do diário. Foi então que ingressou no La Nación, um dos maiores jornais da Argentina. “Essa experiência foi muito diferente da primeira. Por ser um diário grande, eu podia dar notícias ‘normais’, não havia a loucura de buscar notícias diferentes.” Um ano mais tarde, Alejandro participou do Master de Jornalismo do El Pais, quando viveu durante doze meses na Espanha e teve suas primeiras experiências como correspondente internacional, época em que passou a escrever notícias espanholas para o La Nación. Quando retornou, já em 2000, realizou o fluxo contrário do que fazia na Espanha: começou a enviar notícias sobre a América Latina para o El Pais. Durante a crise de 2011, Alejandro foi requisitado para escrever sobre a política argentina para o periódico espanhol, já que os dois correspondentes argentinos estavam sendo o suficiente com a quantidade de informações que havia. Após 14 anos como redator do La Nación, no final de 2011 o jornalista foi contratado pelo El Pais e deixou o j o r n a l a rg e n t i n o, s e d e d i c a n d o integralmente ao periódico espanhol, escrevendo para a versão impressa e
Foto: Link Consultoria
Político ou jornalista. Essas eram as duas opções que Alejandro Rebossio desejava, quando criança, seguir como profissão. A ideia de viver de política foi deixada de lado ao perceber as sujeiras em que tramas poderia se meter ao entrar nesse mundo. Com 17 anos, ingressou na faculdade e nem sonhava que um dia seria c o r re s p o n d e n t e d o j o r n a l m a i s importante do idioma espanhol em âmbito internacional. Durante a faculdade, Alejandro estagiou nos mais diferentes meios de comunicação, como tvs, jornais e rádios. O primeiro trabalho foi em uma revista financeira, que não o agradava muito. “O tema não falava de uma economia prática, era chato, com informações da bolsa, de bancos”, afirmou. Foi ali que a carreira começou. Com a efetivação de um estágio. Fato que ele atribui mais à sorte do que ao talento. Para ele, “é uma questão de sorte você ser contratado ou não. Não basta apenas você ser muito bom. Se não tiver vaga, você sai”, disse. Exemplo disso, foi a sua entrada no Âmbito Financeiro, periódico em que trabalhou durante dois anos, entre 1996 e 1998. Conta que havia, além dele, mais três estagiários trabalhando, entre eles sua ex-namorada, e que dois deles seriam contratados. Alejandro não foi um dos escolhidos, mas como um dos selecionados ficou doente, acabou efetivado. “Foi uma casualidade”, completou. O jornalista contou também que trabalhar em jornais menores, como é o caso do Ámbito Financiero, é mais complicado porque você deve procurar focos diferentes a dar às matérias para que elas fujam do comum, fujam do que pode ser encontrado nos tradicionais Clarín e La Nación. Também foi nesse jornal que Alejandro teve experiências
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Foto: Guascatur
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Foto: Link Consultoria
Foto: Link Consultoria
Em 1946, foi adquirido pelo Estado e destinado à sede do ministério de Relações Exteriores. Em 1977, foi declarado Monumento Histórico Nacional pelo decreto 437 do Poder Executivo Nacional.
Palácio San Martín Por Giovanna Mazzeo
O Palácio de San Martín se divide entre a vocação de ser um ponto turístico e a de ser um ponto cultural no centro de Buenos Aires. Ele foi construído rapidamente com o intuito de hospedar a princesa Isabel de Bourbon, durante sua visita à Argentina. A visita não se concretizou e o palácio foi posteriormente usado para encontros sociais, como o Baile de Centenário da Independência, em 1916. Foi também residência de Mercedes Castellanos, filha de um dos pioneiros da colonização agrária e do início da colonização europeia na Argentina e de Don Aarón Castellanos. O projeto do palácio foi realizado em 1906 pelo arquiteto Alejandro Christophersen, um dos principais arquitetos argentinos. Atendendo ao pedido da família, Christophersen criou um conjunto de três residências independentes, construídas ao redor de um pátio de honra. A
casa da esquerda era habitada por Mercedes Castellanos de Anchorena e seu filho, Aarón. A central por Enrique Anchonera e família e a da direita por Leonor Uriburu, viúva de Emílio Anchonera. O Palácio Anchorena, ou San Martín, inspirado na arquitetura parisiense, está localizado próximo ao Palácio Paz, atual circuito militar, ao Plaza Hotel e ao edifício Kavanagh. Este patrimônio arquitetônico portenho do século XX está localizado na Praça San Martín, no bairro do Retiro, em Buenos Aires. A praça é patrimônio histórico nacional e um dos pontos turísticos mais visitados de Buenos Aires. Em 1946, o Palácio foi adquirido pelo Estado e destinado à sede do ministério de Relações Exteriores. Em 1977, foi declarado Monumento Histórico Nacional pelo decreto 437 do Poder Executivo Nacional.
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Experiencias sin fronteras Por Gabriela Soutello
Buenos Aires é uma cidade de cores. De árvores secas, de céu limpo e de simpatia. Cada pedacinho de todo o plano constitui uma pincelada diferente e a tela é essa terra florida, onde perguntar a distância da Recoleta a San Telmo ou pedir un pan de miga con queso no restaurante da esquina, derrete qualquer receio de brasileiro acostumado com descaso, mau atendimento e fingi-que-nem-ouvi. Os argentinos são solícitos, atenciosos, divertidos. “Trajiste una rosa mí?”, foi a indagação do caixa quando viu que a Nati segurava uma rosa junto à media luna na padaria “La Exposición”. “Te acompaño hasta La calle que necesitas”, disse outro, que logo se tornou guia, absolutamente voluntário, nos 30 minutos de caminhada da estação Lima do metrô até a esquina do nosso Hotel. Na verdade, o que realmente encanta é um fator pueril e quase simples, não fosse a profundidade – da intenção, da pupila, ou, como dizem alguns, da alma. Argentinos te olham nos olhos. Tango, alfajor ou o melhor dos dulces del leche tornam-se clichês tão baratos quanto um peso, quando comparados a uma das mais peculiares características encontradas no país. Na Argentina é comum se alguém olha, sem medo e sem sorrisos regulados, nos olhos das outras pessoas. É perceptível a todo o momento. Depois de aparecer na primeira página do Clarín e
Casa Rosada
Fotos: Link Consultoria
“Buenos Aires é uma cidade de cores. De árvores secas, de céu limpo e de simpatia. Cada pedacinho de todo o plano constitui uma pincelada diferente e a tela é essa terra florida.”
compartilhar muita moeda nos ônibus sem catraca, essa forma de olhar foi novamente fisgada. Agora, enquadrada em um outro viés: empolgação. Enquanto observávamos a rotina de uma sexta à tarde na redação do jornal, passamos ao lado da editoria inter nacional, que interrompeu a reunião de pauta que faziam para dividir conosco aquilo que vibravam em palavras: a paixão pelo que fazem. Ser um jornalista bem sucedido está inerente a fazer uma boa construção de si; ultrapassar o fardo de ser apenas um “jornalista como commodities”, igual a todos os outros, é essencial. Estabelecer uma marca própria, só sua, diria Alejandro Rebossio. Constituir uma formação sólida, composta por olhar curioso, conhecimento de outros idiomas, vasto repertório literário e conhecimento robusto, disseram-nos eles. Acreditamos. Acreditar na profissão é sinônimo de entrega, é esquecer tempo ou timidez. Ainda no Brasil, Clovis Rossi indagou o que cada um de nós almejava ser. Em Buenos Aires, por trás dos cachecóis, gorritos e luvas, as respostas foram relembradas na prática: expostos ao desafio de andar pelas ruas de um país de língua, ruas e meios de transporte diferentes, agarrados às câmeras, aos cadernos e aos mapas de bolso, o medo do desconhecido foi substituído justamente p e l a vo n t a d e d e f a z e r a l g o d i f e r e n t e.
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O Belisco
Av. 9 de Julho
Fotos: Link Consultoria
Jornalista tem que ser plural. Tem de ser de mil países, submergindo na cultura de um para falar na cultura de outro. Tem que se virar em mil línguas, tem que ter a simpatia de um argentino e também a de um brasileiro.
momento foi só o começo de uma série ininterrupta de Casa-da-Mafalda, Fotos-comMafalda, Armazém-do-Manoelito, Museu-dohumor, entrevistas, entrevistas, entrevistas. Entrar na cultura da Argentina é entrar em um mundo onde Perón e Evita, para grande parte do país, são herói, e os reflexos da longa ditadura permanecem inerentes aos espaços públicos da cidade. As histórias da Casa Rosada, da aparição do bairro Puerto Madero, dos centros clandestinos de detenção e um riquíssimo acervo de conquistas de Eva Perón – em jornais, homenagens e muita história no CGT – Confederación General del Trabajo – nos foram apresentados em um City Tour absolutamente diferente do turístico usual. Conhecer cada pedacinho da cidade ao passo em que ouve a empolgação de (sobre)viventes de uma história de construções e ruínas é entrar em um mundo de vestidos longos, sangue derramado e brilho nos olhos de um povo que almejou e almeja, ainda, justiça e liberdade.
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Na exaustão que acompanhava cada fim de dia agitado, André Silva e Júlia Barbon não descansaram até entrevistarem três cartoneros, moradores de rua que coletam papelão. Na noite seguinte, sapato social nos pés – resquícios da visita ao Palácio San Martín – e tripé em mãos, arriscaram ir até o bairro La Boca para entrevistar os trabalhadores da Editora Eloisa Cartonera, mesmo que sem aviso prévio. A surpresa dos editores pôde ser percebida; a vergonha dos dois, não. Persistência e jogo de cintura permitiram que, em meio ao papelão, coletassem entrevistas, vídeos e fotos, acompanhados apenas pelo portunhol arranhado. Quando Ariel Palacios sentou-se diante de nós no Café La Biela, esquina da Quintana com a Ortiz, relembrou suas próprias experiências e revelou uma facilidade gritante em encontrar caminhos para qualquer pauta. Um olhar incrível, um leque de possíveis fontes e um empolgadíssimo falar, falar, falar e – un poquito más – falar, sobre experiências e dicas. Ariel conseguiu dar vivacidade e contorno às pautas recém formadas. Conselhos como tomem-cuidado-não-saiam-àsruas-sem-bateria-na-câmera (que o Caio jura ter seguido, esquecendo-se apenas do adaptador 220-110V, o que fez seu vídeo ser gravado pela metade), e telefones de “gente importante”, daquelas que assistimos, admiramos e almejamos ser, despertaram nos estudantes ainda mais possibilidades – de conhecer, de exercer e de misturar espanto e sorrisos enormes – Bruna, Maria e Bia que o digam. A pauta escolhida por elas foi completamente dedicada à personagem Mafalda, e o encanto surgido, após lerem o telefone do cartunista Quino, foi uma dessas misturas de choque com felicidade. Aquele
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Jornalista tem que ser plural. Tem de ser de mil países, submergindo na cultura de um para falar na cultura de outro. Tem que se virar em mil línguas, tem que ter a simpatia de um argentino e também a de um brasileiro. Tem que saber a forma certa de seduzir a fonte, compartilhar identidades, entender o subjetivo do outro, transformando-o em coletivo. Tem que se preparar antes, durante e depois, tem que estar aberto a fontes surgidas de última hora, imprevistos, acréscimos positivos e decepções. Ser jornalista é ter mérito e ser reconhecido pelo trabalho bem feito e é ter que lidar com expectativas frustradas e desilusões. É ter fome de informação e falar com os protagonistas das histórias. É começar como qualquer outro e impressionar por não ser um qualquer. Descobrimos que trocar dinheiro com desconhecidos nas ruas turísticas – aquela mesmo, que a doida da Ana fez, e por sorte se deu bem, com uma cotação de dólar valendo 4.7 pesos – p o d e s e r p e r i g o s o. A s i t u a ç ã o econômica da Argentina hoje, apesar de boa, já que vem continuamente crescendo após o fim da crise de 2002, está agravada pela proibição da circulação de dólar no território nacional e, assim, as ofertas de compra da moeda por um preço alto são frequentes. Descobrimos, também, que aqui também é preciso ser maior de 18 anos para conseguir entrar na balada – a Julia até tentou, mas o jeito foi virar a sexta-feira num barzinho de Palermo. Apesar disso, correr riscos sempre pode ser divertido. Nada como o friozinho na barriga que a Mabi deve ter sentido na hora de ser entrevistada pelos radialistas argentinos em programa ao vivo da Rádio Continental. Estávamos dentro do estúdio, acompanhando o programa e fomos chamados para uma entrevista relâmpago. Éramos os estudantes brasileiros de periodismo ouvidos por alguns minutos no carro, na casa ou no escritório de milhares de ouvintes. Surpresas como essa fazem a frustração por não ter visto o quadro da Tarsila do Amaral no MALBA, museu de arte m o d e r n a d e B u e n o s A i re s, s e r esquecida. As idas aos estádios de futebol como o Boca e o River renderam ao Caio Prestes e ao André Lima muito mais do que uma matéria de cinco muitíssimo bem diagramadas páginas e
dois vídeos narrados com vozes de locutores. A visita ao Rainbow Warrior, navio sustentável elaborado pelo Greenpeace, rendeu a segunda matéria da Julia, enquanto a visita ao Palácio San Martín, Ministério de Relações Exteriores, foi narrada nas palavras da Gi Sacco. A pauta sobre música brasileira em solo argentino, feita pela Mabi, sobreviveu à MusiMundo, sempre fechada, e aos portões malassombrados de bibliotecas escondidas. O cinema argentino e suas vertentes mostraram ao Gabriel que sua paixão por filmes ultrapassa, de fato, as fronteiras dos países. Os bares peronistas foram muito bem aproveitados pelo Fábio, e não pela experimentação da cerveja “Evita” – que (in)felizmente não ocorreu – ou pela foto tirada ao lado da estátua do Perón: uma matéria com a opinião de donos e frequentadores veio acrescida de um guia de bares para quem se interessa por política, principalmente a Argentina. Se jornalismo é cooperação, aqui não faltou nem uma gota: todos os dias havia um que ia com outro e outro que ia com um. Os almoços resultavam em risadas, compartilhamento de histórias malucas e cada dia uma nova observação sobre a cultural local. Buenos Aires é cidade de portões altos, arquitetura francesa, largas
avenidas. É interessante ver que a Pepsi é mais vendida que a Coca-Cola e que é infinitamente mais fácil achar uma sorveteria Freddo nas esquinas do que um quiosque de casquinhas do McDonald’s. As placas de carro têm apenas três letras e três números, a água mineral é mais densa que a brasileira, as ruas estão empesteadas de cocô de cachorro e um dos mais frequentes costumes da região é tomar café, à tarde, lendo jornal. É comum levar choque ao encostar em qualquer coisa por aqui. O metrô é repleto de pichações e os bancos são almofadados com veludo; algumas linhas têm trens cujas portas devem ser abertas por nós mesmos – em uma das idas em busca de fonte para a pauta sobre carne argentina, só a Giovanna Ferraz conseguiu entrar num desses. Joelma e Tábita tiveram que esperar o próximo trem, enquanto a Gi se virava sozinha, com o espanhol que nunca havia estudado. O resultado não podia ser outro: sucesso! Qualquer argentino que parava nas ruas, nas linhas de metrô ou nos restaurantes que visitaram foi absolutamente prestativo.
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Mesmo quando estão caminhando em direção a determinado lugar e, param para dar a atenção solicitada – pegam o mapa, procuram, ajudam. Nenhuma rejeição de fonte e saldo final da viagem positivo. Mais uma vez, foi provado que competência e vontade ultrapassam língua, espaço e pessoas desconhecidas. Sem dúvida alguma foi uma delícia, enfim, experimentar as histórias da carne argentina – quase tão prazeroso quanto olhar o resultado positivo de algo feito por nós mesmos. Mas, é claro, há sempre uma pedra no sapato de quem anda bastante. O cansaço e a dúvida entre dedicar-se à matéria ou aos palestrantes do programa, além do fato de os dias parecerem osmais-rápidos-do-mundo, foram os maiores contribuintes à tranquilidade caótica que nossa profissão gentilmente nos oferece. O tempo por aqui correu, os dias foram apertados e, as noites de sono, mal-dormidas. Cafés engolidos, corridas pelas ruas, ônibus perdidos, sono, fontes monossilábicas, desencontros. Mas o gostoso de ver é que, apesar de toda a loucura, concordamos com o que disse o Caio: “sujamos os sapatos” como nunca o fizemos na faculdade. Apesar do frio, como disse a Joelma, fomos acolhidos. A sensação de “dever cumprido” é uma das melhores, e o reconhecimento é coletivo. Ao final, acho que podemos juntar todos os “opens” de pão, de vento, de wi-fi e de jornalismo em três “opens” principais, resumidos: open de aprendizagem, de experiência e de novas amizades. Ninguém aqui conseguiria voltar para São Paulo do mesmo jeito que veio. Conversando com nosso grupo, Clovis Rossi ressaltou que a sorte tem um papel nada
Mas o gostoso de ver é que, apesar de toda a loucura, concordamos com o que disse o Caio: “sujamos os sapatos como nunca o fizemos na faculdade.”
desprezível na profissão. É aquela velha questão, de estar-no-lugar-certo-e-na-hora-certa. Alejandro também experimentou esse “fator sorte” quando foi contratado “graças” à ausência, por motivo de doença, de um dos selecionados, na hora de assumir o cargo. Mas a sorte, sozinha, não é suficiente: a dedicação diária é fundamental. O fazer bem feito nem sempre resulta em sucesso, devido às adversidades, injustiças e incoerências que podemos encontrar durante nossa trajetória – e, afinal, quem foi que falou que a vida é coerente? Mesmo com muita dedicação, Alejandro não escapou de sofrer muitas frustrações e humilhações de um chefe que teve no início de sua carreira – “você escreve com as patas” foi uma das recorrentes frases que era obrigado a ouvir. Por casualidade – ou destino, ou sorte – o Jornalismo sem Fronteiras surgiu na vida de cada um de nós entre os dias 10 e 17 de julho de 2012. Mergulhamos na oportunidade que tivemos de mostrar toda a nossa dedicação. Sorte, acrescida d e e m p o l g a ç ã o, e m m e i o a u m g r u p o dedicadíssimo e um país completamente receptivo. Estávamos lá: hora e lugar certos.
Cidade de Buenos Aires
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Redução na diferença de importação e exportação caiu significativamente em relação ao ano passado Por Fábio De Nittis
O Brasil e a Argentina são países cujas economias propulsionam o crescimento da América Latina.
argentina e o crescimento do país. No período compreendido entre 2003 e 2011, sob o governo do casal Kirchner, o país cresceu em média 7,2% ao ano, ocupando a posição de 19ª economia mundial. Dessa forma, pôde se recuperar da crise político-econômica de dezembro 2001/janeiro 2002 e renegociar a dívida externa com o FMI (processo iniciado em 2003 e finalizado em 2006). Tal melhora econômica refletiu-se no aumento das reservas financeiras, que hoje chegam a 10% do PIB, além de uma melhora no valor da renda per capita, atualmente em quase US$ 18 mil, o maior da América do Sul. Também houve benefícios na área social, como a diminuição da pobreza. O maior fechamento da economia argentina afeta principalmente o Mercosul, pois a maior parte de suas relações comerciais (25%) é com este grupo. É importante observar que o bloco foi criado na tentativa de proteger a democracia (objetivo alcançado até então) e facilitar as trocas econômicas entre os países, ao desencorajar qualquer protecionismo ou forma de comércio desleal. Por isso, ainda que
boas para a Argentina, as medidas de Kirchner vão radicalmente de encontro aos acordos antes fechados. Impasses comerciais como esse alar mam não apenas os países participantes do bloco. O Brasil e a Argentina são países cujas economias propulsionam o crescimento da América Latina, área que chama a atenção mundial. Sua população, por exemplo, é a maior que a do continente europeu. As melhoras estruturais da última década também impressionam: 40 milhões saíram da pobreza, 72 milhões de empregos foram criados, é uma região democratizada (à exceção de Cuba). As antigas colônias de exploração não são mais agrárias - a maior parte de sua riqueza provém do setor terciário. De acordo com o relatório Perspectivas Econômicas Globais do FMI, o crescimento da América Latina deve continuar e inclusive aumentar. Para 2012, a projeção é de que a região cresça 3,75. Já para 2013 o crescimento do PIB deve ser de 4,1%.
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A balança comercial argentina é superavitária em cerca de US$ 9 bilhões. Porém, quando o assunto é a relação com o Brasil, a situação se inverte. Apesar da redução em 61% na diferença entre as importações e as exportações, o saldo continua favorável para o Brasil. Para continuar neste mesmo caminho, Cristina Kirchner tem adotado medidas protecionistas, que vão inclusive contra regras do comércio mundial, arriscando a relação com um de seus maiores parceiros econômicos (cerca de 40% do total de exportações argentinas são de produtos industrializados, a maioria deles destinadas ao Brasil). Ainda que tenha sido muito criticada por órgãos como a OMC, tal política econômica tem gerado o aprimoramento da indústria
Alfredo Fierro
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Diminui a disparidade da balança comercial BrasilArgentina
Alfredo Fierro é sub-diretor de Comércio e Investimentos da embaixada britânica em Buenos Aires
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Correspondente do Estadão em Buenos Aires, é enfático ao afirmar:
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“O glamour do correspondente acabou”. Ariel Palacios
Adeus, glamour Por Gabriel Fabri
Um dos filmes menos recordados do mestre do cinema, Alfred Hitchcock, descreve a aventura de um jornalista enviado dos EUA à Europa, personagem que, ao cobrir um assassinato, se vê envolvido em uma conspiração de grandes proporções. O longa de 1940, Correspondente Estrangeiro, indicado ao Oscar de melhor filme, trazia no papel principal um casal típico hollywoodiano - muito utópico- jogava o jornalista numa aventura emocionante. Toda aquela glória em torno da personagem interpretada por Joel McCrea fica, na atualidade, fica restrita à ficção e a alguns poucos sortudos. Ariel Palacios, correspondente do Estadão em Buenos Aires, Argentina, é enfático ao afirmar: “O glamour do correspondente acabou”. Ariel esteve em uma reunião com os participantes do projeto Jornalismo Sem Fronteiras, em que estudantes de jornalismo de São Paulo foram produzir reportagens em Buenos Aires, para sentir um pouco da rotina de um enviado especial ou de um correspondente. O jornalista contou para os jovens sua trajetória, até atingir o status que ocupa hoje. Contou a respeito do curso que fez no El Pais, dos freelas e da viagem de uma semana para Buenos Aires, que acabou se transformando no início de dezessete anos, trabalhando para o Estadão na cidade. Ele confessou: “foi bem na louca (sic) que eu vim para cá”. Como dica aos aspirantes à profissão de jornalista, Ariel contou que muitos correspondentes estão dentro de uma espécie de bolha, e mesmo que vivam por muitos anos num mesmo lugar, não entendem nada dele. Por isso, ele ressaltou que o jornalista deve ter a mente sempre aberta para
entender a lógica do país e a mentalidade das mais diferentes pessoas que constituem sua população. Conversar com todos, entender as diferenças e ter claro que o que funciona em um lugar, não necessariamente dará certo em outro. É preciso ser flexível para se adaptar ao local sem perder a noção de que escreve para um leitor de outra cultura, também com outra visão de mundo. Saber lidar com a saudade de casa também é essencial. E claro, informar-se por diferentes meios de comunicação local, para chegar a uma opinião genuína. Sobre a vida de um jornalista internacional, Palacios contou algumas de suas histórias. A mais memorável, foi a cobertura de um terremoto no Chile, em que passou seis dias sem tomar banho e com comunicação limitada. Na ocasião, fez a cobertura mandando as informações por SMS para o celular de sua esposa, que fez a intermediação entre ele e o Estadão, já que, nos primeiros dias, não havia energia elétrica. Aproveitou o exemplo para falar a respeito do que é essencial por na mala, quando se é chamado de emergência para outro país, como quando descobriu, na academia de ginástica, que precisava pegar um avião para o Equador – terno, gravata e adaptadores de tomada. A vida de correspondente pode ter perdido o glamour, as aventuras podem ser para poucos e o trabalho, duro e cansativo. Entretanto, nada pareceu desanimar os estudantes em seu primeiro dia de viagem. Mesmo com o cansaço, a palestra com Ariel Palacios foi a mais proveitosa. E mesmo que o glamour do cargo não exista mais, é impossível não se sentir atraído por um trabalho que permita conhecer os mais diversos lugares, culturas e povos do mundo.
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Ouvir foi quase viver o momento Por Bruna Bravo
Último dia em Buenos Aires. A correria e a curta noite de sono para escrever as reportagens não tiraram a curiosidade e vontade de fazer mais um passeio: o city tour! Por incrível que pareça, nosso último passeio não foi sentar nos andares de cima de um ônibus turístico e ouvir um guia no microfone. O city tour organizado pela agência Cultour nos permitiu fazer um passeio por momentos históricos, políticos e sociais da cidade. Fundada e estruturada por estudantes e professores da Universidade de Buenos Aires (UBA), a empresa busca um “turismo com identidade”. Com guias sociólogos, historiadores e cientistas sociais, passam aos turistas uma visão histórica e cultural dos pontos visitados. Esse turismo alternativo visa apresentar aos visitantes um pouco mais sobre os diferentes momentos vividos pelo país. Era necessário um bom preparo físico para aguentar a caminhada que enfrentamos. A primeira parada foi no monumento dedicado a Julio Argentino Roca, que em um movimento expansionista, exterminou os povos nativos que moravam onde hoje é o sul do país. Como resultado, em 1879 a Argentina ocupou todo o território que hoje conhecemos. Na parada seguinte, entramos em um dos edifícios mais antigos da cidade, que ainda preserva sua arquitetura colonial: paredes de
tijolos expostos, pátio interno, arcadas... Assim como Roca, a prepotência e beleza da imagem escondem o que realmente foi: um centro de etnocídio. O local foi um convento, além da primeira Igreja Jesuíta de Buenos Aires onde catequizavam os nativos locais, ensinando os costumes europeus e a religião católica. Acreditavam que, assim, estariam tornando-os mais civilizados e “salvos”. Hoje, o edifício é patrimônio histórico e público, que abriga lojas e restaurantes. Vale notar que ele é um dos últimos edifícios que ainda preservam a arquitetura vigente da época, apesar do processo de modernização na cidade. Caminhando mais um pouco, chegamos à Praça de Maio, marcada historicamente pela revolução, em 25 de maio de 1810, que seis anos mais tarde trouxe a independência do país. Há também vários edifícios de importância histórica e governamental ao redor da praça. Em uma volta de 360 graus passamos pelo passado e presente político da cidade. Qualquer explicação superficial, dessas que se encontra em guias turísticos, é evitada. O passeio ainda permite questionamentos, discussões e diálogos, tirando o turista do papel de observador. A sensação final foi de que, mesmo no sétimo dia de viagem, conhecemos ainda mais a cidade!
Madres de la Plaza de Mayo
Grupo de senhoras que lutava pela recuperação dos filhos e netos desaparecidos no genocídio praticado pela ditadura argentina do período 1976/1983. "Os adultos de algo somos sempre culpados. Mas as crianças, de que podem ser culpadas as crianças?" Ernesto Sábato
Foto: 48 Hour visit 48
Foto: Cultour
Foto: Cultour Foto: Cultour
“Um passeio por momentos históricos, políticos e sociais da cidade.”
contada por Lorenzo, um senhor que chegou a conhecer Evita e se tornou um dedicado e apaixonado guia do museu. Enquanto contava as histórias de cada imagem, ficava a sensação de ele voltava ao passado. Mas, ao contrário, para Lorenzo os momentos eram bem distintos: “Uma cosa és contarte, a otra és vivir en eso momento”.
Foto: Cultour
Apesar de percursos diferentes, a Cultour não ignora pontos de interesse comum às demais agencias de turismo que tem relevância para a cidade, como a Casa Rosada (sede da presidência) que também guarda suas histórias. Inicialmente, tinha dois edifícios distintos: a casa de correios e o governo. Mais tarde se integraram, passando a funcionar como local de trabalho do presidente. A cor da casa, o que dá seu nome: “rosada”, envolve duas lendas: A primeira delas diz que foi a união de dois partidos: um vermelho e um branco, porém nunca houve um branco e sim, azul. A segunda explica que a pintura era feita com sangue de boi e cal por ser mais barato e impermeável, ou seja, resistia à umidade vinda do rio. O cansaço de tanta caminhada não tornou a última parada menos importante: o “Museo Testimonial de Eva Perón”. Fundado em 2003 na sede da Confederação Geral do Trabalho, teve posse do corpo de Evita durante três anos após sua morte, em 26 de Julho de 1952. Em uma casa de aparência antiga, a exposição ocupa dois cômodos com as paredes cobertas de fotos, páginas de jornais e painéis explicativos. Porém, nada melhor do que ouvir a história
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André Ferreira Lima: Cursa o 2º ano de Jornalismo na Cásper Líbero e o 2º semestre de Educação Física e Esporte na USP. Costuma ler livros relacionados ao futebol: história dos clubes, psicologia esportiva, sociologia do esporte. Beatriz Helena Arias Ávila: Cursa o 1º ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Gosta muito de investigar e estar sempre em contato com pessoas. Pensa em atuar na área de política internacional. Caio Prestes Leme de Siqueira: Aluno do 2º ano de Jornalismo da Cásper Líbero. Possui interesse em trabalhar com esporte, de preferência como cor respondente, fazendo exatamente o o que foi vivido em Buenos Aires. Fábio de Nittis: 3° ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Tem planos de se mudar para Buenos Aires quando de formar. Pretende atuar em revistas, sites ou em rádio, mas na parte de bastidores envolvendo sociedade e cotidiano.
André Silva: Cursa o 3º ano de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Se informa majoritariamente por portais ou revistas. Seus interesses na área jornalística são política e cultura. Bruna Loyelo Bravo: Aluna do 1º semestre de Jornalismo na PUC. Fez um curso do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, “Lado B do Jornalismo”, em que teve uma aula sobre técnica de entrevista.
Claudia Rossi: Diretora executiva da empresa Link Consultoria e Assessoria e idealizadora d o P r o g r a m a Jo r n a l i s m o S e m Fronteiras.
Gabriel Fabri: Estudante do 1º ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Costuma ler obras de ficção ou literatura em geral, além de cinema. Tem um blog de cinema e música pop, o Pop with Popcorn. 50
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Colaboradores Gabriela Soutello: Estudante do 4º semestre de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Costuma ler muita literatura, blogs e notícias pela internet. Pretende atuar escrevendo sobre cultura.
Giovanna Ferraz Borges: 2º ano de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Quer trabalhar na área de cotidiano voltado para a investigação no exterior, sendo correspondente ou enviada especial.
Giovanna Mazzeo Sacco: Aluna do 1º semestre do curso de Jornalismo da ESPM. Gosta muito de ler e escrever sobre variados temas, principalmente sobre cultura, lazer, cotidiano e cidades. Costuma ler a mesma notícia em mais de um jornal.
Júlia Barbon: Estudante do 2º semestre de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Acredita que o jornalismo permite conhecer muitos personagens, histórias e lugares, escapando de uma rotina circular e monótona.
Maria Beatriz Gonçalves: Cursava o 2º ano na Faculdade Cásper Líbero quando foi ao Jornalismo Sem Fronteiras. Gosta muito de falar sobre cultura e tem pensado em economia.
Maria Cortez: Estudante do 2º ano de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e o 1º ano de filosofia na USP. Adora assuntos como cultura e gastronomia, e publicações com aprofundamento, não apenas o hardnews.
Natalia Rossi: Aluna de Jornalismo na ESPM. Trabalha em uma empresa de comunicação, trabalhando com assessoria de imprensa, mídias sociais, produção de textos,vídeos e coberturas fotográficas.
Tábita Araújo Faber: Estudante do 2º ano de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Tem o sonho de trabalhar em uma grande redação. Ama apurar, ouvir e escrever sobre gastronomia. 51