Revista Visões - Redes Sociais

Page 1

12|

Entrevista Secretário da Líbia no Brasil ‘As manifestações intelectuais ganharam novo espaço’

26|

Análise Análise da cobertura feita pela Folha.com e pelo Observatório da Imprensa

Visões Muhammed Muheisen/AP

um olhar diferente

Galeria Confira fotos da revolução no Oriente Médio

Redes Sociais O poder e a importância da internet na organização e luta por direitos sociais 1


Índice

Capa: A importância das redes sociais para a organização das revoltas e conquista de direitos no mundo árabe. página 8 Entrevista: Segundo Secretário da Líbia no Brasil fala sobre as mudanças que ocorreram após as revoltas que culminaram na morte do ditador Muamar Kadafi. página 14 Carreira: Países contra jornalsitas. Como foi possível trabalhar durante as revoluções no mundo árabe. página 21

E mais: Entrevista - Embaixador da Síria fala sobre as revoltas. ‘Á Síria é um país muito diferente dos outros’. página 19 Opinião - Uma menina de coragem. página 11 Turismo - A guerra no Oriente Médio causa medo e afasta turistas. página 22

2


Editorial

A primavera e as flores

N

asce, sob diferentes óticas, a Revista Visões, cuja proposta é apresentar temas atuais e relevantes para aqueles que gostam de comunicar. Coberta de artigos, análises e entrevistas, a revista traz em sua primeria edição o “Redes Sociais”, propondo uma série de discussões políticas e analíticas sobre o acontecimento que revolucionou a história. Com a efemeridade de uma primavera, não carregada de flores, como de costume, a Primavera Árabe se espalhou como uma onda de protestos pelo norte da África e Oriente Médio, trazendo à tona assuntos antes desconhecidos para o mundo. O movimento iniciado na Tunísia, em dezembro de 2010, teve como estopim a morte de Mohammed Bouazizi, o jovem vendedor de frutas e verduras não imaginava que atear fogo ao próprio corpo, em protesto a cobrança de impostos, provocaria tamanha repercussão. Em luta por direitos e unidas contra a corrupção, desemprego e governos ditatoriais, milhares de pessoas foram às ruas e, apesar da repressão sofrida pelo governo e censura à imprensa, usaram as mídias sociais, como Twitter, Facebook e YouTube, para organizar e fortalecer do movimento. Em resposta às manifestações, quatro governos ditatoriais caíram, em sequência, Ben Ali, na Tunísia, Hosni Mubarak, no Egito, no Iêmen, Ali Abdullah Saleh e a morte de Muamar Kadafi, que controlava a Líbia há 42 anos. Muitos veículos de comunicação omitiram ou minimizaram o movimento para não serem fechados, pois a prática iria de encontro aos interesses governamentais. O difícil acesso ao que estava acontecendo nos países envolvidos, devido ao controle da mídia pelo Estado, deu espaço para o jornalismo cidadão. A cada post, a população relatava os últimos acontecimentos, criticava as forças armadas e denunciava os abusos. No entanto, entre civis, os jornalistas de vários lugares do mundo participaram da cobertura jornalística, e da mesma forma arriscaram a vida para noticiar os fatos. Isso não os torna heróis, mas, sem dúvida, configura um ato de coragem. Durante bombardeios e ataques, divulgaram a problemática e as consequências da Primavera Árabe. Apesar da tortura, prisões e milhares de mortes, a população não foi intimidada a parar. Pelo contrário, a cada flor deixada para um ente querido ganhava força pra se fazer ouvir. Não importando o sexo ou a idade, a busca por liberdade e melhoria na qualidade de vida impulsionaram as pessoas a continuarem lutando. Por mais que a situação ainda esteja indefinida em alguns países, e ter passado de dois anos do início da Primavera Árabe, a democracia antes devastada volta a florescer e com ela a esperança que os árabes e africanos possam ter a liberdade para escolher seus representantes. Visões traz a temática de forma clara e objetiva, fazendo com o que o leitor possa ter acesso a essa análise de forma coesa e imparcial, tendo para isso acesso às entrevistas exclusivas com alguns embaixadores dos países envolvidos. Além disso, nos preocupamos em trazer casos divulgados e que fazem com que a temática não perca seu espaço na história ou caia no esquecimento, como o caso de Malala Yousafzai, que sofreu um atentado por lutar por direitos à educação e permanece hospitalizada, mas com recuperação visível e positiva. Mostramos ainda que, devido aos conflitos nas regiões os turistas perderam o interesse em visitar as áreas atingidas pela revolução. Por fim, esperamos que tenham uma ótima leitura e mergulhem na temática que nos envolveu para produzir essa revista que chega a você, querido leitor. Um abraço,

VISÕES Editor Responsável Leandro Lisbôa

Revisores Leandro Lisbôa Rafaela Mendes Thamara Martins

Repórteres Leandro Lisbôa Rafaela Mendes

Colunistas Leandro Lisbôa Rafaela Mendes Thamara Martins

Projeto Gráfico e Diagramação Leandro Lisbôa

E-mail rvisoes@gmail.com

Twitter @revistavisoes

A Redação

3


Revoltas no oriente m茅dio: Leandro Lisb么a e Rafaela Mendes

Muhammed Muheisen/AP

France Presse

4


Oriente Médio

Muhammed Muheisen/AP

O despertar Árabe

Cansados das imposições dos ditadores, cidadãos iniciam uma série de conflitos por melhorias e direitos sociais 5


E

m dezembro de 2010, quando o jovem tunisia- dos governos ditatoriais. Após a queda dos ditadono Tarek Bin Tayeb Bouazizi, conhecido como res, os tunisianos e os egípcios organizaram suas Mohamed Bouazizi, ateou fogo ao próprio cor- primeiras eleições. po em forma de protesto, não era possível imaginar A Líbia viveu em regime de ditadura duranque isso desencadearia uma série de revoluções no te 42 anos. Muamar Kadhafi, o líder local, controlou norte da África e no Oriente Médio. Iniciadas na Tu- o país com pulso firme e para o próprio interesse até nísia, as revoltas no mundo árabe logo se espalha- sua morte em 20 de outubro de 2011, no que podia ram por outros países em um movimento que ficou ser chamado de “mega-fazenda”, segundo análise conhecido como “Primavera Árabe”. do pensador político e jornalista egípcio Mohamed A repressão das autoridades locais e as in- Hassanein Heikal. justiças cometidas E foi dessa aos comerciantes foi forma, utilizando as o que levou Bouazizi palavras de Heikal, a tomar uma atituque o segundo sede extrema. Ele não cretário da Embaixaconcordava com as da da Líbia no Distaxas abusivas de sutrito Federal, Faisal borno cobradas para Abohmaira explicou liberação das mercaa história pré-demodorias apreendidas cracia vivida no país. sem nenhum motivo “Os países árabes aparente. não eram governaA ação, condos por instituições, siderada o estopim seus presidentes godas revoltas, foi o vernavam os países que motivou cidacomo se fossem medãos do Egito, Líbaga-fazendas onde no, Bahrein, Líbia, a corrupção estava Iêmen, Argélia, Síria, infiltrada no sistema Jordânia e Iraque a político”, disse o seentrarem em protestos, manifestações, revoltas e gundo secretário. até mesmo guerras civis, reivindicando por direitos Faisal completou a frase do jornalista egípsociais. cio explicando como funcionava a corrupção. “O Vários jornalistas ao redor do mundo pas- presidente e seus familiares formam a primeira casaram a chamar os conflitos no Oriente Médio de tegoria, que tinha como segunda ‘casta’, dirigentes Primavera Árabe, em referência à “Primavera dos Po- ligados ao presidente do país, dentre eles, os milivos” – movimento revolucionário ocorrido em toda tares”. Europa no ano de 1848. Assim como no passado, Uma análise estatística feita pela Consultoos acontecimentos recentes têm relação a um “des- ria de Risco Político Geopolicity baseada em dados pertar” do povo em relação à sua condição social e do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostrou política. que Líbia e Síria foram os países que Além da luta por direitos, o tiveram manifestações mais violenas rebeliões que fez a nova revolução ganhar notas, com prejuízos financeiros maiopolíticas que toriedade foi forma de organização res, seguidos pelo Egito, Tunísia, realizada por meio das redes sociais, varreram o Oriente Bahrein e Iêmen. em principal, canais como Twitter e De acordo com Antônio Médio e Norte da Facebook iniciando uma verdadeira Carlos Lessa, doutor em história das “Revolução 2.0”. África custaram, em relações internacionais na UniversiPouco mais de um ano dade de Brasília (UnB), “as rebeliões 2012, mais de US$ após o início das revoltas no Oriente políticas que varreram o Oriente Médio o mundo árabe já vivia dis- 55 bilhões aos países Médio e Norte da África custaram, túrbios e conflitos maiores que os em 2012, mais de US$ 55 bilhões envolvidos vividos em décadas sob a repressão aos países envolvidos”.

6


Oração da Liberdade

Religiosidade

Apu Gomes/Folhapress

Rafaela Mendes

Rebeldes oram em estrada próximo a Zwetyna, Líbia

Reunidos aqui com minha família, os meus vizinhos e meus amigos Firmes juntos contra a opressão de mãos dadas Não importa de onde você é Ou se você é jovem, velho, mulher ou homem Nós estamos aqui pela mesma razão, queremos ter de volta a nossa terra Oh deus obrigado Por nos dar a força para aguentar Agora estamos aqui juntos Chamando-o para a liberdade, a liberdade Nós sabemos que você pode ouvir o nosso apelo Nós estamos chamando para a liberdade, lutando pela liberdade Sabemos que não nos deixará cair Sabemos que você está aqui conosco Não sendo mais prisioneiros em nossas casas Não tendo mais medo de falar Nosso sonho é apenas ser livre, apenas para ser livre Agora, quando temos de dar o nosso primeiro passo Rumo a uma vida de completa liberdade

Podemos ver o nosso sonho cada vez mais perto, estamos quase lá Oh deus obrigado Por nos dar a força para aguentar E agora estamos aqui juntos Chamando-o para a liberdade, a liberdade Nós sabemos que você pode ouvir o nosso apelo Nós estamos chamando para a liberdade, lutando pela liberdade Sabemos que não nos deixará cair Sabemos que você está aqui conosco Eu posso sentir o orgulho no ar E isso faz-me forte para ver todos De pé juntos, de mãos dadas na unidade Gritando, exigindo o seu direito de liberdade Oh Deus nós sabemos que você ouve o nosso apelo E nós estamos chamando você para a liberdade, a liberdade Nós sabemos que você pode ouvir o nosso apel Estamos pedindo a liberdade, apelando para a liberdade Sabemos que não nos deixará cair oh Sabemos que você está aqui conosco...

7


Capa

A utilização das Redes Sociais na organização das revoltas

Twitter e Facebook foram essenciais para a conquista de direitos do cidadão

Reprodução

Leandro Lisbôa e Rafaela Mendes

P

resente em todo mundo, mavera Árabe”, tiveram início na a internet e as a internet tem tido imporTunísia, quando um jovem ateou plataformas que tância cada vez maior na fogo ao próprio corpo para protesprodução de conteúdo, geração tar pelos abusos vividos. vieram com ela de conhecimento e interação A partir desse momento, funcionam para entre pessoas. Com a globalizapessoas simples passaram a orgação e o forte crescimento ocor- ajudar a comunicação nizar revoltas. Tendo como princirido na última década, pessoas pal ferramenta, redes sociais como e circulação de têm se organizado cada vez Twitter e Facebook as revoluções informações, mas mais por meio da rede mundial resultaram na destituição do prede computadores. ainda são fortemente sidente Zine al-Abidine Ben Ali, no As revoltas no Oriente Méque ficou conhecido como “Revocontroladas dio não iniciaram de forma difelução tuitada”, em menção ao dorente. Cansados das imposições cumentário “A revolução não será feitas pelos governos ditatoriais, cidadãos comuns televisionada”, que apresenta acontecimentos do passaram a se organizar para cobrar seus direitos. golpe contra o governo do presidente Hugo CháOs conflitos, que ficaram conhecidos como “Pri- vez, em abril de 2002.

8


Reprodução

cio, formas mais violentas de confronto. Ainda que não eliminem os protestos na rua, as tecnologias aplicadas à internet acabam ampliando as possibilidades de mobilização, além de atingirem um número maior de pessoas, como explica Antônio Carlos Lessa doutor em História das Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). “As redes sociais ajudam a dar novo vulto a esses protestos, transformam a voz individual em uma manifestação que atinge todas as partes. Deixa de ser No Egito, os manifestantes derrubaram Hosni Mubarak, no poder há 30 anos e a organização um protesto em uma praça, e vira uma mensapara o acontecimento também se deu por meio gem para todo o mundo”, afirma. O papel do Twitter, utilizado como forma de das redes, onde os manifestantes organizaram os protestos, convocaram mais pessoas e aumenta- busca e conquista por democracia, é importante. ram a abrangência das críticas contra o governo. Porém, ainda que o microblog esteja em alta, é Já na Líbia, o Conselho Nacional Transitório, abriu passível de controle governamental ou veto de uma conta no Twitter para se comunicar com os ditadores em relação a sua utilização e da intermeios de comunicação nacionais e estrangeiros net, como é o caso da Líbia. Segundo Faisal Abohmaira, segundo secrede forma direta. Na opinião do jornalista Jairo Marques, da tário da Embaixada da Líbia no Distrito Federal, Folha.com o Twitter acabou por se tornar um dos “na era Kadafi, qualquer veículo, jornalista ou meios de comunicação mais democráticos da atu- pessoa que falasse mal dele ou de seus familiares alidade potencializando questões étnicos-sociais sofria duras penas. A internet era controlada e a existentes nos países em conflito. “Não podemos liberdade de expressão era condicionada às vondizer que, no caso da Líbia, Egito e Tunísia, foram tades do controlador”. Além da Líbia, o Egito tamas redes sociais que revolucionabém impunha controle à interram o movimento. Ele já existia, a as redes sociais net e redes sociais. O Twitter foi insatisfação popular também, só controlado pelo governo e bloque as redes sociais potencialipotencializaram a queado no momento em que zaram a forma de atuação. Então, forma de atuação seu potencial foi percebido. Para elas permitem que mais pessoas das revoluções. Isso Leila Diniz, jornalista do Observapostem mais coisas, mesmo em tório da Imprensa, “a internet e as regimes ditatoriais cujo controle permitiu que as plataformas que vieram com ela é de ordem máxima”, disse o jorpessoas postassem funcionam para ajudar a comuninalista. Muito mais do que incenmais coisas, mesmo cação e a circulação de informações, mas ainda são fortemente tivo ou fonte de mobilização, a durante os regimes controladas”. internet tornou-se elemento de O fato é que, independente ditatoriais grande importância na derrubado controle e veto que sofreram, da de regimes autoritários em as redes sociais serviram e ainuma onda que se alastrou, com a ajuda do Facebook e Twitter, para outros países da servem como forma de organização dos protestos no Oriente Médio. Dessa maneira, países árabes. As redes sociais oferecem uma organização como a Síria, em conflito até hoje, têm manifesmais efetiva, que não envolve, ao menos no iní- tantes cada vez mais ativos nas páginas da web.

9


Internet

A importância da internet para a

cobertura internacional das revoltas Rede de computadores é o diferencial para a cobertura da briga da população por direitos Rafaela Mendes

N

o computador, pelo celular ou pelo tablet tuitou incessantemente todos os momentos do a internet tem revolucionado as formas de conflito, desde os bombardeios iniciais, o comcomunicação e, sobretudo, a forma de fa- bate corpo a corpo, até a tomada final da cidade zer jornalismo. Com a facilidade dos blogs, sites e com a rendição das forças leais. Luiza acredita que, redes sociais será que ainda faz sentido para uma “o twitter é muito importante para os jornalistas empresa jornalística equipar escritórios ou sim- que fazem cobertura internacional se você souber plesmente manter um correspondente no exterior quem seguir, vai ter uma informação certa”. quando a informação navega livremente e sem Para saber o que estava acontecendo bascustos pela internet? tava seguir os tweets para obter informações dos Essa questão é delicada, e gera muita polêmi- eventos. Inclusive foi o que vários veículos de coca, antes da disseminação da internet, a cobertura municação como a CBS, FOX News, Washington internacional era exclusiva às grandes empresas Post e alguns no Brasil fizeram. Passaram a produzir jornalísticas que dispunham de capital para con- flashes, notas e até matérias baseadas nos tweets tratar os serviços das agências de notícias interna- de Engel. Isso ilustra como a internet globalizou a cionais ou manter uma equipe no exterior. informação e fragilizou ainda mais a editoria dos Apesar de importante para correspondentes internacionais. a qualidade na produção de maPara Marcos Caramuru, o twitter é muito térias, hoje isso não é mais necesjornalista da Folha.com, “é uma sário, pois a informação foi depena que isso esteja ocorrendo, importante para mocratizada pela rede e acessá-la pois a redução no número de os jornalistas que ficou muito fácil. correspondentes internacionais Segundo a jornalista Luiza baseados em uma determinada fazem cobertura Souza, a cobertura jornalística região parece ser uma tendência internacional. Se você à longa distância foi banalizada mundial”. graças à internet, e a Primavera Várias empresas, como a souber quem seguir, Árabe ocorreu graças a essa baBBC de Londres, estão reduzindo nalização, “Hoje todos podemos vai ter uma informação o corpo editorial nesta área, hoje, fazer noticias basta ter uma inalém do uso das mídias sociais certa ternet que o mundo pode ver o para a cobertura há uma superque você pensa, hoje todos nos valorização das agências de notítemos voz independente da nossa posição social”, cias, que possuem excelente equipe. disse. A internet impôs ganhos e perdas. Em relaO twitter é outra ferramenta que veio sub- ção às coberturas jornalísticas internacionais não verter a necessidade física do repórter para a co- foi diferente. Os pequenos jornais agora têm chanbertura a distância, um fato recente disso foi que ce de trazer aos seus leitores notícias que antes só em 20 de agosto de 2011, o correspondente in- seria possível se um correspondente internacional ternacional da NBC, Richard Engel, acompanhou fosse contratado. Segundo Marcos Caramuru, “ter “in loco” e cobriu pelo Twitter a sangrenta batalha acesso às análises dos críticos e tudo isso sem ter pela tomada da capital Líbia, a cidade de Trípoli e que arcar com nenhum custo, pois o material está que resultou na derrocada do ditador Muamar Ka- disponível para uso, a única exigência é dar o devidafi. Engel foi o primeiro jornalista de TV a entrar do crédito para as fontes”. Isso, sem dúidas facilita a na cidade com os rebeldes quando eles avançaram vida de todos que querem ter acesso à informação, pela fronteira da Tunísia. seja jornalista há muito tempo, iniciante ou cidaPor meio da hashtag Trípoli (#tripoli), ele dão comum.

10


Uma menina de coragem

Opinião

Leandro Lisbôa

“C

Reprodução

laro que vão tentar matá-la. Uma adolescente a falar no direito das mulheres à educação é a coisa mais assustadora do mundo para os talibãs. Ela não pertence a uma ONG estrangeira. Ela é muito mais perigosa do que isso: é uma local, defensora do progresso da educação e do esclarecimento. Se pessoas como ela se multiplicarem, os talibãs não têm futuro”. A revista Status divulgou este comentário sobre o ataque sofrido pela paquistanesa em um ônibus. Malala Yousafzai, 14 anos, defende o direito das meninas muçulmanas de frequentar a escola, com o objetivo de ter uma vida melhor. Por defender esta causa foi vítima de uma tentativa de homicídio por parte de um atirador talibã, que disparou contra sua cabeça na van em que ela voltava da escola com colegas. A valente menina não é uma desconhecida no mundo árabe e muçulmano. Há três anos ela mantém uma campanha pelo fim dos ataques talibãs a escolas femininas em países como Paquistão e Afeganistão. A jovem escrevia um blog para a BBC sobre como era sua rotina, que acabou virando tema até de documentário. Chegou a receber um “Prêmio da Paz” concedido aos jovens pelo governo paquistanês, o mesmo que, de certa forma, contribuiu para o que lhe aconteceu. O pesadelo de Malala começou em 2009, quando a Sharia, código moral islâmico, passou a ter valor de lei no Vale do Swat, local onde reside com sua família. Com a nova lei em vigor, as meninas foram proibidas de receber instrução e ir à escola. Ela já era conhecida por seu ativismo, e teve medo. Sonhava com helicópteros e milicianos. Homens a perseguiam na rua. Mas Malala continuou. A menina assistia a aula sentada no chão da escola, tudo em nome da educação, sem temer nada e nem

ninguém. A sua determinação e coragem, obviamente, irritaram a facção terrorista fundamentalista que ainda sobrevive em vários vilarejos afegãos, principalmente os próximos da fronteira com o Paquistão. Sem esquecer que há fortes indícios de que o próprio governo paquistanês, que agora promete caçar o atirador e seus comparsas, faça vistas grossas aos criminosos. Malala está em um dos melhores hospitais da Inglaterra, enquanto isso, dezenas, talvez até milhares, saíram às ruas para protestar contra a covardia dos fundamentalistas. Vale lembrar que Malala é uma adolescente, de certa forma uma criança, e ainda assim não foi poupada, tudo em nome de um pensamento retrógrado e covarde. Apesar do episódio revoltante, sua luta determinada, sua coragem e sua inocência dão um recado sobre a beleza e a importância de se lutar pelo que se quer. Mostra a coragem cada vez maior de mulheres em defender suas prerrogativas, embora religiosos de vários matizes tentem impedi-las de ter os mesmos direitos que os homens possuem. Malala passa o recado de que há mulheres corajosas em vários lugares do mundo, nos piores lugares, que não irão desistir, embora sejam vários os argumentos que tentam racionalizar o preconceito e instrumentalizar os seus direitos sejam em questão que envolvam educação, direitos sexuais e reprodutivos, trabalho ou cultura. Que Malala viva para levar adiante este sonho e realize este direito inalienável das mulheres de viverem suas vidas com autonomia, sem interferências de quaisquer ordens, principalmente as religiosas. E que inspire outras Malalas que estão por aí a mostrarem seu rosto. Juntas, serão mais temidas do que os covardes que hoje tentam intimidá-las.

11


Opinião

A primavera das mulheres vs. as mulheres da primavera Rafaela Mendes

A

a corrupção nas altas esferas, a alta dos preços de alimentos e energia e a escassez econômica provocada pela diminuição das oportunidades de emprego. Como profissionais, além de donas de casa, as mulheres sofreram diretamente com todos esses problemas e com o sofrimento de seus filhos e maridos. Ou seja, muitos são os desafios que a mulher árabe deverá enfrentar nos próximos anos na busca por igualdade e por direitos sociais.

Anja Niedringhaus/AP

“Primavera Árabe” recebeu muita atenção na mídia norte-americana, mas um de seus elementos cruciais tem sido ignorado: o papel impressionante das mulheres nos protestos que varreram o mundo árabe. Apesar da mídia apresentar uma cobertura inadequada de seus papéis, as mulheres estiveram presentes e ainda permanecem à frente desses protestos e, apesar de marcharem lado a lado com os homens, sua participação política e efetiva continuam limitadas. Para começar, as mulheres tiveram posição significativa nas manifestações tunisianas que desencadearam a Primavera Árabe, muitas vezes marchando pela Avenida Habib Bourguiba, na capital Túnis, incentivando seus maridos e filhos a protestarem. Com o estopim do levante egípcio, que culminou na queda do presidente Hosni Mubarak, uma jovem apaixonada, por meio de um vídeo postado no Facebook, convocou uma manifestação na Praça Tahrir, Cairo, em 25 de janeiro. Entretanto, os gestos da ousadia foram acompanhados pelo medo ocasionado pela expectativa do futuro. As mulheres do médio oriente ainda temem que seus direitos não sejam garantidos nos novos regimes democráticos, fossem eles liberais, patriarcais ou fundamentalismos mulçumanos. Os historiadores, sem dúvidas, vão debater durante décadas as causas da Primavera Árabe. Entre elas estão os altos índices de desemprego das classes instruídas, políticas neoliberais de privatização, o enfraquecimento dos sindicatos,

12

Mulheres saem às ruas em manifestação de apoio à ofensia aérea promovida pela coalizão internacional contra as forças do ditador Muamar kadafi, em Benghazi

É possível que a Primavera Árabe tenha sido o início do despertar feminino que há de florescer nos próximos anos. Prova disso é o reconhecimento que algumas manifestantes receberam internacionalmente por lutarem por seus direitos. O importante é que, independente de qualquer coisa, algo extremamente importante já foi conquistado. As mulheres conseguiram iniciar a quebra do estereótipo da falta de voz feminina e, com isso, mostraram que as revoltas conhecidas por “Primavera Árabe” teriam sido impossíveis sem as “Mulheres da Primavera”.


O atentado que matou o embaixador dos Estados Unidos

Opinião

Thamara Martins

Q

uais são os verdadeiros motivos da morte do embaixador dos Estados Unidos, John Cristopher Stevens, e de outros três americanos no ataque ao consulado em Benghazi, na Líbia? A resposta aparentemente mais óbvia é a reação dos mulçumanos contra a publicação do filme anti- islã,denominado “Innocence of Muslims” (“A inocência dos muçulmanos”) no You Tube, em julho de 2012. Em telefonema ao Jornal Wall Street Journal, Sam Bacile declarou que “o islã é o câncer da sociedade”. O americano, natural da Califórnia é de origem israelense, foi o primeiro a postar o vídeo na internet, contou com a ajuda de 100 doadores judeus, custando cerca de cinco milhões de dólares. No entanto,somente após a tradução para o árabe, promovida pelo pastor Terry Jones, conhecido por queimar páginas do Alcorão, que o filme ganhou notoriedade. Com pouco mais de duas horas, o longa-metragem retrata o profeta Maomé como um aproveitador de mulheres e crianças e incentivador de massacres. Apesar do produto ter sido considerado preconceituoso e ofensivo, a sua veiculação foi permitida devido ao direito de expressão. E aí ficam as perguntas: Existe limite para o direito de expressão? Será que esse mesmo direito seria assegurado se um vídeo antissemita fosse produzido por neo-nazistas? O presidente americano, Barack Obama, homenageou o embaixador pela atuação na transição democrática na Líbia, e prometeu reforçar a segurança na Líbia e nas embaixadas dos Estados Unidos no mundo.Em comunicado, Obama condenou o atentado e prestou solidariedade às famílias das vítimas: “Os Estados Unidos rejeitam os esforços para denegrir as crenças religiosas de outros, mas todos devemos nos opor, sem equívocos, ao tipo de violência insensata que tirou a vida destes funcionários públicos”. No dia 11 de setembro de 2012, durante protesto contra o filme em frente a sede em Benghazi, o carro onde estava o embaixador foi atingido por foguetes. Os manifestantes atearam fogo no consulado. Em poucos dias uma onda de protestos

atingiu outros países: como Austrália, Tunísia, Egito, Sudão, levando a morte de oito pessoas , provocando também o bloqueio ao acesso do YOU TUBE no Afeganistão Segundo informação do grupo de inteligência Site Monitoring Service, no dia 26 de outubro , O líder da AL QAEDA, Ayman al-Zawahiri postou vídeo em sites islâmicos para pedir que os mulçumanos continuem protestando para fechar as embaixadas dos Estados Unidos, inclusive incentivando o sequestro de ocidentais, para facilitar a libertação de presos. Em contrapartida o presidente do Egito, Mohammed Morsi, fez um apelo na televisão pedindo para que os não atacassem as Embaixadas dos Estados Unidos O vice ministro da Líbia, Wanis al Sharef, acusa os aliados as forças de Kadafi pelo atentado, acredita na represália pela extradição do ex-chefe de inteligência do governo, Abdullah al-Senoussi”. Havia granadas lançadas por foguetes, o que mostra que havia forças que exploravam isso. Eles são resquícios do regime”, acredita Sharef. De acordo com o Ministério do Interior da Tunísia, um suspeito pelo ataque, Ali Harzi, está preso em Túnis. Após a morte do ditador Muamar Kadafi, em outubro de 2011, a Líbia tem sido governada pelo Conselho Nacional de Transição, formado pelos opositores do governo de Kadafi com apoio da comunidade Internacional. No mundo ocidental, há o temor de que os árabes e africanos não escolham bem os seus representantes, e que por meio das eleições coloquem grupos islamitas que ameacem o governo democrático . Porém, os líbios já fizeram a parte mais difícil, destronaram o ditador que comandava o país há quarenta e dois anos, cabe a eles decidirem o melhor para o país. Segundo dados de 1992, os mulçumanos representam 97% da população da Líbia,é um país riquíssimo em petróleo e gás natural, possui as maiores reservas da África, cerca de 44 mil milhões de barris. Será que a Líbia precisa realmente dessa intervenção política? Ou por trás do ideal democrático dos Estados Unidos existem outros interesses?

13


Entrevista

Faisal Abohmaira: ‘as manifestações intelectuais ganharam novo espaço’ Secretário da Líbia no Brasil fala sobre o que mudou com a morte do ditador Muamar Kadafi Leandro Lisbôa e Rafaela Mendes

Revista Visões: Em sua visão, essa infiltração na política citada por Heikal seria por parte dos militares? Faisal Abohmaira: Essa corrupção funciona da seguinte forma: O presidente do país e seus familiares seriam a primeira categoria, em segundo, os dirigentes ligados ao presidente do país, entre eles, os militares.

sem mega-fazendas onde a corrupção está infiltrada dentro do sistema político”. Foi com essa explicação que o Segundo Secretário da Embaixada da Líbia no Brasil, Faisal Abohmaira, iniciou a entrevista sobre as revoluções ocorridas no país e explicou como era antes e com ficou após da morte do ditador Muamar Kadafi. Reprodução

E

m outubro de 2010, o jornalista e pensador político Mohamed Heikal fez uma análise sobre os documentos vazados do site Wikieleaks relacionado aos governos do Egito, Tunísia e Líbia, chegando ao seguinte resumo: “os países árabes não são governados por instituições. Seus presidentes governam esses países como se fos-

Então o que havia ali não era um país edificado em bases de instituições sólidas e democráticas. A decisão sobre assuntos do país estava na mão de uma única pessoa, sem conselheiros para orientar Estamos respirando com mais tranquilidade atuale os três países estavam preparando seus sucesso- mente. O decreto da independência da Líbia é de 24/12/1951, data da declaração de independência res para governar. da Líbia. Antes da independência do país, uma coPara o senhor, o que fez com que os cidadãos missão da Organização das Nações Unidas (ONU) foi ao país para estudar se o país tinha indepenlíbios iniciassem as manifestações? O que inspirou as revoluções na Líbia foram as ma- dência ou não, tendo em vista que o Estado tinha nifestações na Tunísia e no Egito. Quando em uma sido herança da segunda guerra mundial. pequena manifestação o Kadafi usou armas letais contra uma população indefesa, aí a coisa mudou. A comissão escreveu um relatório sobre a situação Pode se dizer que foi a força popular que fez a da Líbia, em 1942. Nele havia a seguinte frase: “a Líbia é uma região recém-saída da Setransformação na Líbia. gunda Guerra Mundial, sem infraestrutura, sem hospitais, mal há profissioa Líbia é Você é dono de uma revolução justa. nais para cuidar da área de saúde...” E As vezes alguns revolucionários comeconsiderada finalizava assim “...a Líbia é considerada tem excessos, esses excessos não deniuma caixa de uma caixa de areia fechada!”, fazendo grem a imagem da sua revolução, ela menção ao deserto. continuam sendo legítima, pois excesareia fechada Posterior a esse relatório, veio a indesos acontecem em qualquer lugar. pendência do país sob o reinado do rei Idris, que era uma monarquia com parComo foi para a Líbia, após 42 anos vivendo lamento, partidos, tinha liberdade de expressão o regime ditatorial do Kadafi, ficar agora sem política e o país começou a se reestruturar. Escolas, ele?

14


faculdades, universidades começaram a ser cons- tícias que entravam e saíam do país? truídas. Em relação principalmente a Líbia, quando começou a revolução, as pessoas começaram a foA primeira produção de petróleo aconteceu em tografar pelo celular e divulgar pela internet, daí 1964. O país estava se desenvolvendo de uma for- cortaram a internet e começaram a rastrear os tema política, democrática, econômica, mas em 1 de lefones. Cada pessoa que saía da Líbia da área de setembro 1969 um grupo de tenentes deram um exclusão aérea, na época da guerra, tinha que sair golpe contra a instituição democrática e legal do por terra e seguiam para a Tunísia. Na alfândega, país, sob o comando de um tenente chamado Mu- os telefones eram vistoamar Kadafi. riados para banir fotos e durante a E depois de 42 anos de governo de Kadafi, ele abo- vídeos dos protestos. liu o parlamento, aboliu os partidos e até a liberda- Para trocar informações guerra, a de de pensamento. Kadafi ainda envolveu a Líbia com as emissoras de TV principal arma em problemas com os países vizinhos. árabes, os líbios trocavam Dessa maneira, em 2010, a imagem da Líbia era a de chip do celular, faziam de ataque de Muamar Kadafi. O que impossibilitou as pesso- as fotos ou vídeos e decontra a força as de conhecer a poesia, o teatro, a literatura e o pois voltavam ao anterior, esporte líbio do país. Qualquer pessoa intelectual para escapar da barreira. aérea era conhecido ou de renome, que pudesse oferecer Durante a guerra, a principerigo, Kadafi dava um jeito de acabar com a pes- pal arma de ataque contra desestruturar a soa. Tudo isso remeteu à expressão da ONU “é uma a força aérea era desestrucomunicação caixa de areia fechada”, sem nada. turar a comunicação. Em relação a essa restrição imposta por Kadafi, como era o acesso para jornalistas estrangeiros e locais na cobertura de eventos como as revoluções na região? FA: Em 1976 havia alunos universitários, eles entraram em partidos nacionalistas, partidos democráticos, liberais, comunistas. Foram todos executados na praça no campus da universidade sob acusação de traição, apenas por ter uma ideia que diferia dos ideais de Kadafi. Essa execução continuou acontecendo anualmente, sempre em 7 de abril, até meados de 1980. Em 2006, um jornalista líbio foi assassinado porque escreveu um artigo contra o gabinete dos comitês revolucionários, braços do governo.

Como era feito para que uma emissora de rádio, TV ou web aqui do Brasil pudesse obter informações, levando em consideração o bloqueio no país? Primeiro era enviado o nome do jornal e do jornalista para a Líbia para obter a aceitação do visto em Trípoli. Mas era a embaixada que enviava esses dados? Na Líbia há um departamento chamado “Departamento de Informação do Exterior” ou de informação externa. As pessoas desse gabinete recebiam os grupos de jornalistas estrangeiros e colocavam um segurança com eles. Esse segurança não era para proteger os jornalistas, e sim, para tomar a câmera deles, caso fosse feita alguma fotografia ou filmagem não autorizada. O segurança também servia para observar os jornalistas quando eles fossem falar com as pessoas na rua.

Na era de Kadafi, o jornalismo na Libia criticava o papel do Premiêr do Estado e não do presidente. As críticas sobre corrupção e má gestão eram direcionadas ao Premiêr, sob as ordens do próprio Nessa época, se o jornalista conseguisse algum Muamar Kadafi. furo de reportagem e se fosse publicado, o punido seria a pessoa da Com isso, a liberdade jornalística a Líbia está se embaixada que tivesse autorizana Líbia era classificada como uma preparando para do a entrada do jornalista no país. das piores do mundo. Qualquer jornal árabe, local ou de outros países, mostrar ao mundo Principalmente se a matéria fosse falando mal do Kadafi ou de um de que falassem mal do Kadafi, tinha a edição proibida de circular no país. o que o país tem de seus familiares. Durante a Primavera Árabe, melhor como era feito o controle das noEntão foi por isso que a embaixa-

15


da aqui no Brasil comemorou quando soube da morte dele? Sim e não só aqui. Na Colômbia, o presidente se mostrou contente, pois Kadafi apoiava as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

As eleições ocorreram de forma limpa e satisfatória e os líbios ficaram felizes com o resultado. Muitas pessoas postaram no Facebook as fotos dos dedos manchados para identificar as cédulas de votação e confirmar o voto. O Congresso Nacional Geral é como se fosse o conselho constituinte do país. Eles vão ter que elabo-

16

Leandro Lisbôa

rar uma nova Constituição para o país, que deverá conter a formação do Governo e outros pontos. Esse conselho observa muito a história do Brasil, a mudança que houve desde a ditadura para a democracia. A constituição brasileira é bem maleável, não tem centralização de poder, respeita os Em relação às manifestações culturais, antes direitos humanos, além da liberdade de imprensa e de expressão, o que torna a proibidas, com a morte do Constituição Federal de 1988 e Kadafi, como é atualmente? a Constituição brasileira leis brasileiras um modelo para Hoje há muitas emissoras de é bem maleável, não tem a Líbia. TV particulares, imprensa livre, que criticam o congresso centralização de poder, A mulher teve direito ao voto nacional, os ministros, fazem nessas eleições? respeita os direitos perguntas, sugerem pergunNa própria constituição do tas e esperam respostas dos humanos, além da Conselho ou do Congresso comandantes do país. a necessidade da existênliberdade de imprensa e está Hoje a opinião pública é percia de, no mínimo, 20% dos mitida, o cidadão pode se exde expressão, o que torna partidos serem constituídos pressar, o multipartidarismo já a Constituição Federal de por mulheres. é permitido; os partidos políticos devem elaborar progra1988 e leis brasileiras um Qual a idade mínima para mas de desenvolvimento; as votação? modelo para a Líbia pesquisas feitas nas universiTanto para homens, quanto dades independentes, que são para mulheres, a idade mínima públicas, agora não são mais é de 18 anos. controladas pelo governo. Em relação às punições aos crimes de morte, O curso de jornalismo tinha sido abolido ou como funciona? apenas havia uma restrição muito grande em A Líbia está tentando instituir um judiciário justo, relação às publicações? transparente, com a existência de observadores A formação do jornalista na Líbia é boa como a de internacionais para julgar todos os acusados de qualquer outro país, mas a prática , na era Kadafi, crimes contra o povo líbio, pois estão perseguindo as pessoas que estavam com Kadafi, não para exeera impossível. A diferença agora é a liberdade. cutar, mas para condená-los justamente. A Líbia já possui sistema eleitoral, onde as pesFaisal encerrou citando uma frase que escutou em soas podem escolher seu governante? Em 7 de julho de 2012 foi eleito um Congresso Na- sua época acadêmica. “Nós não proibimos a palacional Geral. O alto Comissariado Eleitoral, com o vra, mas é preciso saber falar apenas quando sua apoio logístico da ONU, foi quem elegeu os candi- fala não for melhor que seu silêncio” e é por esse datos para disputar as eleições. O primeiro pleito motivo que a Líbia está se preparando para mosem 42 anos teve o acompanhhamento e observa- trar ao mundo o que o país tem de melhor. ção da União Europeia e do Instituto Carter – Instituto que leva o nome do 39º presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter.

Embaixada da Brasília - DF

Líbia

em


Na visão de Ahmed Darwish, “O Egito está mudando”

Entrevista

Embaixador do Egito fala sobre a situação do país pós-Primavera Árabe Rafaela Mendes

A

considera que os militares que assumiram o poder estão ainda muito ligados ao antigo regime. Há vários aspectos do processo revolucionário ocorrido no país que resultou na queda do ditador Hosni Mubarak. Atualmente, o clima de esperança é muito grande para a população egípcia, principalmente para a classe trabalhadora e a juventude.

Revista Visões: Qual a sua visão sobre a Primavera Árabe? Ahmed Darwish: Acompanhei tudo com enorme interesse, sobretudo porque é meu país, minha nação, o futuro do país da minha família. Foram três anos como embaixador no Irã, três anos e meio na Turquia e, agora, mais de três anos no Brasil, sem dúvida um dos grandes motores dos protestos foi a presença massiva de jovens nas rua, a maioria sem emprego, pois boa parte deles estavam

nessa situação. A distribuição de renda também era muito ruim no Egito. Uma parte da população vivia com o equivalente a um ou dois dólares por dia. Um absurdo! Não dá pra viver só com isso. Nos últimos anos não houve nenhuma reforma social. Uma grande massa da população foi extremamente impactada pelo aumento da inflação, particularmente mais grave no caso dos produtos alimentícios. A classe média, embora pequena, também foi afetada o que explica porque também saiu às ruas,

Amr Nabil/Associated Press

Primavera Árabe chegou em diversos países árabes, causando inclusive a queda de alguns governos muito antigos, como o de Hosni Mubarak, no Egito, que teve cerca de 2 mil mortos em conflitos. Como boa parte dos desejos dos manifestantes se concretizou, o movimento rapidamente enfraqueceu, embora não tenha acabado. No Egito, ainda há manifestações, pois o povo

Opositores de Hosni Mubarak jogam pedras em partidários do ex-ditador egípcio em frente a tribunal no Cairo

17


Reprodução

solidarizando-se com os jovens e os setores mais prazo? pobres da população. Foi a conjunção destes fato- Existe uma série de demandas políticas, econômires que levou milhões de pessoas às ruas. cas e salariais que ainda não foram atendidas, os sindicatos estão muito ativos e, no que diz respeito O que ocasionou a queda do presidente Hosni a uma possível propagação, mas os países do OrienMubarak? te Médio são muito diferentes. Costumo comparar A falta de respeito às liberdades civis e a falta da com a percepção que se tem em relação à Améordem econômica rica Latina. Muita do país. É preciso gente, que olha de ter em mente que longe acha que os a economia do Egipaíses e os povos to foi muito atingisão muito parecida pelos protestos dos. Sabemos que dos últimos meses. não são. No Egito Os prejuízos para é a mesma coisa. É o país foram muito normal, mas erragrandes, a populado pensar isso do ção tinha a razão Oriente Médio. Os de estar naquele iranianos são perdesespero. Essa sas, os turcos são revolução aconteotomanos, uns são ceu exatamente no sunitas, outros são período de maior xiitas. Os 22 países afluxo de turistas, quando a temperatura não é tão da Liga Árabe têm uma diversidade muito grande. quente. Calcula-se que mais de um milhão de turis- O Egito e a Turquia, por exemplo, são repúblicas. tas foram embora, o que representa uma perda de Vários outros países são monarquias. Isso significa aproximadamente 11% da riqueza nacional. Além que é preciso analisar caso a caso antes de fazer disso, muitas empresas cancelaram ou adiaram in- previsões. vestimentos que estavam planejados. Isso deixou a população ainda mais revoltada. Do ponto de vista político, quais são as possíveis consequências dessa turbulência no OrienComo está a situação no país após a queda de te Médio? Mubarak? Creio que o que está acontecendo Há duas prioridades que estão abre um espaço maior para a poa distribuição de sendo enfrentadas agora, um molítica na região. Considerando os renda também era problemas sociais e econômicos vimento institucional, que é a convocação de uma comissão especial que estão na base dos protestos, muito ruim no que vai emendar os artigos mais imagino que os novos governos Egito. Uma parte da de países como o Egito e a Tunísia importantes da Constituição em vigor desde 1977, que atualmente é população vivia com terão interesse nos programas somuito autoritária. A outra prioridaciais. O sentimento é, sobretudo, o equivalente a um de é restaurar a ordem econômica, de esperança. As classes sociais o comércio e os bancos. Mubarak ou dois dólares por que saíram para as ruas no Egito bloqueou a internet durante uma têm uma expectativa muito grandia semana. Imagine o impacto que de de que a vida vai melhorar. É isso cusa na economia de um país um país com mais de 80 milhões atualmente. A Bolsa de Valores foi suspensa. Além de habitantes, com muitos jovens e que vem gadisso, há várias categorias profissionais em greve. nhando cerca de 2,5 milhões de habitantes a cada Temos dois movimentos na oposição que conduzi- ano. Esses números indicam a grande responsabiram os protestos. lidade que recai sobre o governo de transição e, Na sua opinião, o que deve acontecer a curto depois, sobre o futuro governo.

18


Entrevista

Mohammed Khaddour: ‘A Síria é muito diferente dos outros países’

O embaixador da Síria no Brasil fala sobre a sua visão de como é a relação do governo sírio com a população. Rafaela Mendes

E

m 2011, uma onda de protestos começou na Síria contra o governo de Bashar al-Assad, iniciada na cidade de Homs, desencadeou um conflito armado que já dura mais de um ano. Para compreender esse levante é preciso considerar o

contexto sociopolítico dos países vizinhos, pois o que ocorre na Síria é reflexo de um movimento comumente chamado de Primavera Árabe é um termo que remete à esperança do florescimento da democracia na região.

Repreodução

Mohammed Khaddour, embaixador da Síria no que representa o caminho da legalidade e nunBrasil, jornalista de formação, que nas últimas dé- ca ameaçou os laços diplomáticos, como outros cadas ocupou cargos países fizeram”. de chefia no ministério da informação e Revista Visões: nos principais meios Como o senhor vê a de comunicação do Primavera Árabe? governo disse que a Mohammed KhadPrimavera Árabe dedour: Pessoalmente veria ser chamada de considero isso tudo “Bagunça Árabe”, pois uma “bagunça árasó representou instabe”, que ocorreu por bilidade para a região. vontade externa. Questiono se hoje Khaddour disse ainda que Bashar al-Assad, no existe de fato alguma estabilidade na Líbia, na poder há 11 anos, herdou a cadeira de presiden- Tunísia, no Iêmen e sobretudo no Egito. Questiote do pai, que governou durante 30 anos. O em- no se esses países conseguiram melhorar a vida baixador completou dizendo que o atual presi- da população. dente não deve ser visto como ditador, e sim, um grande reformista. Então o senhor acredita que seria melhor sem a Primavera Árabe? Para o representante da Síria no Brasil há um A imprensa precisa ser razoável e entender a lóequívoco por parte da Organização das Nações gica da região. A diferença cultural é muito granUnidas (ONU) ao dizer que o país vive uma guer- de. Somos um país de terceiro mundo, não de ra civil, mesmo com as mais de 10 mil mortes em primeiro. De que democracia estamos falando? apenas 15 meses. “Desde que Houve ”Primavera” no Iraque, não haja críticas diretas ao pre- a Síria é muito diferente que os americanos invadiram? sidente, aos interesses soberaE a Arábia Saudita, que é a dos demais países do nos da nação e da liberdade maior aliada dos americanos? religiosa, tudo é permitido na Oriente Médio. Não há Por que reivindicam uma deSíria”, afirmou. mocracia nesses moldes na Síconflito religioso, e o “É preciso lembrar que a imria e não reivindicam na Arábia prensa não deve chamar nosso povo nunca foi às ruas Saudita? presidente de ditador, como tem feito. Gostaria que a imprensa local seguisse a política externa adotada pelo governo,

pedir a renúncia do seu governante

A Síria é um país democrático?

19


Reprodução

Manifestantes protestam a favor do presidente Bashar al-Assad

A Síria é muito diferente dos demais países do Oriente Médio. Não há conflito religioso, e o povo nunca foi às ruas pedir a renúncia do seu governante. O nosso Presidente foi eleito democraticamente pelo povo para cumprir um mandato de sete anos e depois foi reeleito. Permanecerá no poder até 2014, por vontade popular, determinada em votação. Por isso é incorreto dizer que a Síria sofre ditadura. Temos um presidente querido pela popuçação.

Temos órgãos oficiais e independentes. Em todos, prevalecem as mesmas regras: desde que não se critique ou se faça humor com o presidente, com os interesses soberanos da nação e com a liberdade religiosa, tudo pode. Eu reafirmo o que já disse, aqui na Síria não existe nenhum tipo de censura. A nossa imprensa pode publicar o que está de acordo com a nossa constituição. Portanto, o que você vê repercutindo na internet ou nos meios de comunicação nem sempre são verídicos. Tratamos muito bem todos os jornalisÉ possível fazer oposição ao governo dentro tas. Uma estudante de jornalismo, por exemplo, da Síria? poderia ter livre acesso às coisas desde que resDesde que não haja um desrespeito às nossas peitasse o que lhe fosse pedido. leis, sim. Temos partidos a favor e contra o governo. O problema é a oposição no exterior, forma- Por várias vezes o senhor disse que o Presida por gente que teve relação errada com o Esta- dente da Síria não é um ditador. Na sua visão, do. É uma visão deturpada que a imprensa passa Muamar Kadafi poderia ser considerado um? mostrando uma visão que não temos. Algo tão Para nós, qualquer pessoa benquista pelo seu errado que chega a ser antiético. povo não pode ser chamada de ditadora. Talvez esse seja um dos pontos de encontro e desenA ONU diz que a Síria está em guerra civil. contro culturais que existem entre os árabes e o Você confirma? Ocidente. Os longos períodos sob um governo A Síria não vive uma guerra civil e os números do e a transição de poder de pai para filho como governo dão conta de 9 mil mortes. O presiden- herança são um processo natural. Isso vale para te conta com o apoio de 70% da população. vários regimes da região, como os emirados do Uma imprensa livre como no Brasil, caberia Kuait e de Bahrein ou a Arábia Saudita, com o rei Abdallah. na Síria?

20


Países vs. Jornalistas: Como trabalhar?

Carreira

A liberdade de expressão distante do Oriente Médio

Apu Gomes/Folhapress

Rafaela Mendes

Jornalistas estrangeiros entrevistam soldado do exército de Kadafi, capturado por rebeldes em Benghazi

A

situação continua crítica principalmente nos países do mundo árabe. As várias ondas de violência, que vêm aumentando ao longo dos anos, acarretaram mudanças profundas, porém não significa que, em geral, o trabalho dos jornalistas nos territórios árabes tenha se tornado mais fácil. A atividade jornalística na Tunísia, não é tão difícil como antes. Já na Síria, diversos profissionais morreram desde o início da repressão. O atual grau de perigo para a classe é mais ou menos comparável ao do Iraque, há alguns anos . “A Primavera Árabe desencadeou grandes conflitos. Os jornalistas precisam estar in loco e são atacados sobretudo pelos governos, obviamente”, diz Faraj Hassan Ali vice-presidente da Sociedade Palestina para Todos. Já em alguns países, as expectativas quanto a uma maior liberdade não se cumpriram. “O Egito, por exemplo, em que se depositavam grandes esperanças, voltou a viver esta falta de liberdade de expressão, pois o governo militar decretou novas leis de estado de exceção, restringindo novamente a liberdade de imprensa”, disse Farj Hassan.

Para os meios de comunicação, o aspecto inovador da Primavera Árabe foi a abundância de conteúdos produzidos por usuários, como vídeos e gravações feitas por cidadãos locais. Isso ajudou muito a imprensa mundial, pois a falta de acesso de jornalistas e cinegrafistas aos pontos cruciais do conflito fez com que conteúdos produzidos por usuários em geral ou fornecidos por ativistas com fortes interesses nos resultados dos conflitos levassem ao mundo o que estava ocorrendo nestes lugares. A mudança no mundo árabe demonstrou o poder da combinação das aspirações pelos direitos com os ‘media’ tradicionais e os novos ‘media’, e mostrou a importância do jornalismo cidadão. Em uma nota, a ONU divulgou seu ponto de vista sobre o que foi a Primavera Árabe e os ataques sofridos por jornalistas, “as revoltas recentes em alguns estados árabes destacaram o poder dos media, a busca humana pela liberdade de expressão e a confluência da liberdade de imprensa com a liberdade de expressão, através dos vários meios de comunicação tradicionais e novos”.

21


Turismo

A guerra no Oriente Médio

causa medo e afasta turistas Para não perder os clientes, agências de viagens encontram alternativas Leandro Lisbôa e Rafaela Mendes

O

22

Maria Khevisng

Oriente Médio, palco de guerras infinitas e índice de mortos elevado teve mais um ponto negativo. Se por um lado as revoluções dão ao povo uma esperança de dias melhores, por outro, impulsiona a economia para baixo ao “espantar” os turistas de suas cidades. A região, que recebe turistas de todo o mundo, principalmente devido ao contexto histórico e religioso tem tido cada vez menos visitas após o início das revoltas na busca por direitos sociais. Entretanto, esse não é o único motivo da ausência de visitantes. A falta de um governo sólido e com ações estratégicas foi ponto decisivo na ausência de confiança por parte de investidores na economia dos países envolvidos nos conflitos. Países como o Egito, que já sofria com a grande crise econômica mundial, tiveram um prejuízo ainda maior. A desvalorização da libra egípcia em comparação ao dólar americano é muito grande – atualmente cada US$ 1 dólar equivale a 6,10 libras – o que enfraquece o comércio local, pois os turistas preferem utilizar a moeda americana para aumentar o poder de compra. Como afirma Thiago Souza agente de viagens da Mappa Turismo. “As pessoas que buscam nossa agência preferem utilizar o dólar em países dessa zona devido ao maior poder de compra”. Outro ponto que dificulta o desenvolvimento econômico é a segurança dos turistas. Por não conseguir garantir a segurança dos clientes que compravam pacotes de viagem, muitas agências pararam de vender passagens para Egito, Tunísia, Síria e

outras regiões que pudessem estar envolvidas nos conflitos. Como alternativa, as agências se movimentaram e criaram alternativas aos seus clientes. “O período de conflitos foi bem complicado para nós. Tivemos cancelamentos de clientes que estavam na área e queriam voltar ou sair de lá com urgência, por medo as pessoas que de sofrer um atentado ou ser atingidos buscam nossa pelas manifestaagência preferem ções. Dessa forma, passamos a ofereutilizar o dólar em cer as Américas do países dessa zona Sul e do Norte como alternativa”, afirmou devido ao maior Thiago, da Mappa poder de compra Turismo. Entretanto, os conflitos não são a única preocupação dos turistas que querem ir ao Oriente Médio. Os desafios de inserir-se em uma nova cultura, com costumes e linguagem diferentes são pontos que tiram o sono de quem quer ir aos países árabes.


Cuidados ao viajar para o exterior

D

e acordo com o livro “Superdicas de Etiqueta”, da jornalista Claudia Matarazzo, ao viajar, é fundamental estar em sintonia com o modo de vida e com o pensamento das pessoas

com quem você vai estar. No caso, cidadãos árabes. Dessa maneira, é necessário se informar antes de chegar ao próprio destino, coletar detalhes do local para onde está indo.

Nome correto do país a visitar – o México, originalmente chama-se Estados Mexicanos Unidos; a Alemanha, República Federal da Alemanha, mesmo que não haja mais uma República Democrática da Alemanha (Alemanha Ocidental).

O nome da capital - confundir a capital do país pode ser um problema, então é preciso não esquecer onde se está.

A forma de governo – democracia parlamentarista, democracia constitucional, ditadura, monarquia, é bom saber também o que isso significa, pois o país pode se chamar “república” e ainda assim ser uma ditadura. Isso faz diferença no sentimento nacional da população.

O nome do governante - e das principais autoridades do governo nacional e da região para onde se vai. Em alguns países, o primeiro ministro é mais importante que o presidente. Se existe uma religião nacional – e qual é ela. Não é conveniente presumir, por exemplo, que todos os países árabes são muçulmanos.

Reprodução

Reprodução

Temple of Apollo, Líbia

Maria Madai Khevisng

Reprodução

Mosquee of Okba, Tunísia

Citadel of Aleppo, norte da Síria

23


Países que participaram

Líbia - Protestos por habitação e grandes manifestações públicas com várias mortes. Morte de Muamar Kadafi. Jordânia - Pequenos protestos no país. Mudança de governo e apelo do rei Abdullah ll, com uma rápida reforma democrática. Omã - Pequenos protestos que foram parados com o aumento do salário para o setor privado. Líbano - Os protestos não geraram nenhum resultado para a população. Palestina - Os protestos isolados não trouxeram mudanças ao país.

24

Djibuti - Protestos isolados em pequenas vilas. Argélia - Grandes manifestações ocorreram, porém o presidente Abdelazis Bouteflika prometeu colocar um fim no estado de emergência do país.

Iêmen - Com muita manifestação, para acalmar a população o presidente Salen resolveu não se candidatar novamente. Egito - Grandes protestos que culminaram na renúncia do presidente Hosni Mubaraki.


Mapa

da

Primavera Árabe

e morte pelo país. Para conter os manifestantes, o presidente prometeu reformas no governo. Tunísia - A autoimolação de Mohammed Bouazizi levou a grandes manifestações públicas que resultaram na deposição do ditador Ben Ali. Mauritânia - Ocorreram vários protestos. Bahrein - As grandes manifestações só chegaram ao fim, quando o rei Hamad prometeu soltar os presos políticos do país.

Iraque - Protestos espalhados por todo o país.

Kuwait - Grandes manifestações públicas, porém sem nenhuma consequência importante para o

Síria - O país se tornou campo de batalha entre manifestantes e militares com muita violência

país.

Arábia Saudita - Protestos se espalharam pelo país, mas com pouca relevãncia. Marrocos - Depois de muitos protestos o rei Mohammed VI organizou um referendo que levou à mudança da Constituição.

25


Análise

A cobertura da primavera árabe é opinativa

A Revista Visões fez uma análise da cobertura da Primavera Árabe realizada pelos veículos Folha.com e Observatório da Imprensa Thamara Martins

D

urante a análise de dez matérias sobre a co- realidade onde estão inseridas” (BORDENAVE, 2005, bertura jornalística da Primavera Árabe, sen- p.36). do a metade do site Observatório da ImprenÉ necessidade do ser humano se comunicar, sa e a outra do site Folha.com, o que não faltou foi a inclusive é um direito garantido no artigo 5° da opinião, ou melhor, a presença do “ethos” - apresen- Constituição Federal de 1988. “XIV - é assegurado tação da autoridade do locutor. a todos o acesso à informação e resguardado o siNas palavras de Dominique Maingueneau, no gilo da fonte, quando necessário ao exercício prolivro Análise de textos de comunicação, fissional; como também IX - é livre a “toda fala procede de um enunciador expressão da atividade intelectual, a cobertura encarnado; mesmo quando escrito, artística, científica e de comunicação, jornalística foi um texto é sustentado por uma voz- a independentemente de censura ou liessencialmente cença”. Exercendo uma dupla função, de um sujeito situado para além texto” opinativa, e os as pessoas precisam se informar e os (pg.95). Porém, até que ponto o comunicador usa a pessoalidade para infor- textos revelaram comunicadores existem para essa finamar, persuadir ou divertir as pessoas? pessoalidade e lidade. “E para que serve a comunicaEntretanto, a impessoalidade interpretação ção? Serve para que as pessoas se reditada pelo código de ética dos jornalacionem entre si, transformando-se listas é algo questionável. Há recursos mutuamente e a realidade que as rodeia. Sem a como o discurso direto, que conferem autenticidacomunicação cada pessoa seria um mundo fecha- de e distanciam o enunciador da matéria. Todavia, do em si mesmo. Pela comunicação as pessoas nem sempre nos textos os dois lados da história são compartilham experiências, ideias e sentimentos. apresentados, e quando são é possível perceber a Ao se relacionarem como seres interdependentes, opinião dos enunciadores reveladas nas aspas dos influenciam-se mutuamente e, juntas, modificam a entrevistados.

Matérias analisadas (Folha.com) 1 - Secularismo no resgate da Primavera Árabe. Por Fadi Hakura (3/6/2011) 2 - Egito reprime atos de homenagem à revolução com furor. Por Marcelo Ninio (30/6/2011) 3 - 1 ano depois, êxito islâmico é como espectro sobre revoluções. Por Salem H. Nasser (17/12/2011) 4 - Egito condena Mubarak, mas matém alicerces de seu tempo. Por Arlene Clemesha (4/6/2012) 5- Tunísia condena à prisão perpétua ex-ditador Ben Ali. Por Marcelo Ninio (14/6/2012)

26


No objeto de análise, a utópica impessoalidade dá lugar a relação do “eu e você”, são encontrados verbos na segunda pessoa do plural e enunciadores que direcionam o discurso para o leitor. O texto “Os rebeldes” e o futuro da Líbia, publicado no Observatório da Imprensa, confere valor pragmáti-

Num dia incerto e não sabido, quando for decretado o final da ‘guerra’, todos os rebeldes entregarão candidamente suas armas às forças da ONU ou talvez nos escritórios do ente político criado pelos insurgentes: o Conselho Nacional de Transição. Você acredita nisso? co, relação com o destinatário, quando trata o leitor por você. Segue trecho: O ethos é mais próximo do leitor, instável, sendo possível identificá-lo, seja pelo uso de metáforas, opiniões ou interpretações. Em geral, comentários para explicar a própria fala são identificados nos textos, os termos “Ou melhor” (linha 5) e “Em geral” (linha 54) são exemplos propositais de modalizações autonímicas. Os textos da cobertura apresentam poucos erros nas notícias, palavras difíceis e fontes. Três fontes não foram identificadas, quatro tiveram generaliações, sem citar os nomes das pessoas envolvidas: “Segundo o Exército”, “Ministério da Saúde”, “Organizações de Direitos Humanos” e “Centro Pew de Pesquisas”. As matérias tiveram contraste de três versões do nome do ex-ditador da Líbia: “Muamar el Gadafi”, “Muamar Kadafi” e “Qaddafi”.

Além de abordar a Política Internacional, todos os textos são coesos e coerentes. Porém, alguns jornalistas, seja por distração ou por conhecer bem o leitor-modelo, deixam de explicar palavras difíceis. Exemplo disso é a matéria Consultoria critica mistificações, escrita por Mauro Malin. “A consultoria de estratégia Stratfor mandou na quarta-feira (2/11) aos destinatários de seu mailing”, em outra parte do texto, quando inclui um discurso direto, “A Primavera Árabe é um manual clássico de wishful thinking da mídia hegemônica [mainstream media]”. Mailing significa “lista de e-mails”, e a expressão inglesa wishful thinking tem por sinônimo as palavras “utopia, ilusão e excesso de otimismo”. Independentemente do tamanho das matérias [pequeno (20 linhas), médio (até 35 linhas) ou grande (acima de 35 linhas)], o enunciador pôde escolher a forma de apresentação mais apropriada, ora pirâmide invertida (cinco), fatos mais relevantes no início, ora forma literária (uma), quando o melhor é deixado pro final, ou ainda quando o sistema é misto (quatro), tanto no começo, quanto no final. A forma analítica esteve presente em todos os casos, ou seja, respondendo às perguntas: quem, o quê, quando, onde, como e por quê? Além da função de informar, a persuasão foi encontrada em oito das dez matérias, sendo clara a presença do jornalista no texto. Entre os 11 itens analisados (fontes, viés/abordagem, estrutura textual, tamanho, notícia sintética/analítica, função da notícia, formas de apresentação, erros das notícias, ethos, contraste e logos ) o “ethos” foi o item de destaque, logo, as conclusões das premissas e observações leva a crer que a cobertura jornalística foi essencialmente opinativa, e que os textos revelaram pessoalidade e interpretação.

Matérias analisadas (Observatório da Imprensa) 1 - O caminho da democracia no Oriente Médio. Por Thiago Antonio Melo (7/1/2012) 2 - A dimensão da onde revolucionária. Por Ian Bremmer (12/6/2011) 3 - Redes Sociais e democracia. Por Michael Moran (1/6/2012) 4 - Consultoria critica mistificações. Por Mauro Malim (3/12/20122) 5 - Os “rebeldes” e o futuro da Líbia. Por Samuel Lima (30/8/2012)

27


Cultura

O

Quando surgiu o Islamismo?

islamismo surgiu no século VI na Arábia, região do Oriente Médio que era habitada por cerca de 5 milhões de pessoas. Eram grupos de sedentários e nômades organizados em tribos e clãs. A população era de maioria politeísta, mas existiam algumas tribos judaicas e outras de tradição cristã.

templos locais. Maomé passou a pregar a crença num único deus, Alá, e reuniu suas mensagens num livro sagrado para os muçulmanos, o Corão. Perseguidos em Meca, o profeta e seus adeptos fugiram para criar a primeira comunidade islâmica em Medina, em um oásis próximo.

Nesse contexto surgiu o criador do islamismo, o profeta Maomé, chamado de Muhammad pelos muçulmanos. Órfão desde cedo, ele se tornou um condutor de caravanas, o que lhe possibilitou o contato com noções básicas da doutrina cristã. Quando adulto, o profeta passou a se dedicar a retiros espirituais e, segundo os seguidores do Islã, começou a ter visões divinas com mensagens que deveria divulgar. As primeiras pregações públicas de Maomé em Meca, sua cidade natal, tiveram pouco sucesso e geraram atritos locais.

Essa migração forçada, conhecida como Hégira, marcou o início do calendário muçulmano e, aos poucos, o profeta atraiu cada vez mais seguidores até ter força para derrotar os rivais que o expulsaram de Meca. Usando como doutrina a nova religião que assimilava tradições judaicas, combinada aos conceitos cristãos e ideais das tribos árabes, ele conseguiu unificar toda a Arábia sob sua liderança.

Admirador do monoteísmo, ele criticava uma das maiores fontes de renda de Meca: a peregrinação dos idólatras, que adoravam as várias divindades dos

Após morrer, em 632, seu sogro Abu Bakr passou a conduzir a expansão do islamismo, que nos séculos seguintes se espalhou pela Europa, Ásia e África, levado não apenas por árabes, mas por outros povos convertidos.

Você sabia?

Cinco orações diárias

Que os nomes mais utilizados no Oriente Médio são: Muhammad e Mai.

O fiel deve rezar todos os dias em cinco horários diferentes: 5h00, 12h30, 16h00, 18h30 e 20h00. Para isso, deve entrar na mesquita sem sapatos e dirigir-se a Sala de Oração, que ocupa a ala de um jardim aberto. No centro do jardim, há um poço de purificação, para antes da prece.

O Alcorão não obriga a mulher usar o véu, vai do bom senso de cada uma. Nos Países Árabes a mão esquerda é considerada impura, pois é destinada a higiene pessoal, então não ofereça ou receba documentos esta mão. Para os muçulmanos o ideal é manter uma distância respeitosa entre sexos opostos, até dentro dos transportes públicos, pessoas de sexo oposto não se sentam lado a lado. Na Árabia Saudita arrotar após as refeições é sinal de boa educação e de satisfação pela comida. É comum que homens andem de mãos dadas. Isso é um sinal de respeito e amizade. Não se deve mostrar o solo do sapato. É sinal de impureza.

28

No muro que dá para a Meca, o mihrab indica a direção para qual se deve rezar. Durante a oração, o fiel se inclina para a frente, prostrando-se no chão, em sinal de respeito ao Criador ORAÇÃO: Em nome d’Allah, ó Clemente, ó Misericordioso, Louvado seja Allah, Senhor do Universo, Clemente, ó Misericordioso, Soberano do Dia do Juízo, Só a Ti adoramos e só de Ti imploramos ajuda! Guia-nos á senda reta, À senda dos que agraciaste, não a dos abominados, nem a dos extraviados. Fonte: Alcorão


Uma Líbia que poucos conhecem

Crônica

Reprodução

Rafaela Mendes

Oásis no deserto líbio

P

repararam-se os jeeps Toyota Land Cruiser de tração às quatro rodas, espaçosos e praticamente novos, verifica-se uma vez mais todo o equipamento e, por último, carrega-se a pick-up apelidada de “kitchen car” que sonha acompanhar logisticamente a curta expedição pelo deserto do Sahara. Primeiro objetivo: as dunas de Murzuq. Então vamos lá. A estrada que a une Ubari a um vale transfigurado, viçoso e verdejante, a razão de tanto verde em tão inóspito local é, na verdade, bem simples de explicar. Um dos vários projetos megalômanos do governo do período Kadafi consistiu em produzir vegetais em pleno deserto, após a descoberta de veios de água, a pouca profundidade precisamente no vale entre as localidades de Shaba e Ubari. Ao longo de 200 quilômetros, foram construídas e oferecidas grandes quintas a habitantes locais, cada uma com “círculos” de plantio de três a cinco quilômetros de raio, irrigados com a água recém-descoberta. Uma visão no mínimo surpreendente aos turistas, os enormes círculos verdejantes misturan-

do-se ao laranjado do deserto, mas a verdade é que o projeto resulta em cerca 80% de todos os vegetais produzidos na Líbia, em um lugar conhecido como “Vale da vida”. Já no Sul do país, aparecem os terrenos áridos à medida que as dunas vão se aproximando, até que, o final da tarde, já no seio das dunas de Murzuq, acha-se um local tranquilo e agradável para montar o acampamento, o abrigo perfeito para qualquer

eventualidade. Já o lado Norte, próximo ao chamado “Mar de Areia”, da para apreciar as milenares figuras rupestres existentes em Wadi Mathkendoush. Da aridez de um leito de rio ressequido saltam à vista elefantes, zebras, bois, avestruzes, burros e girafas, e ainda, alguns humanos caçadores ou como são conhecidos xamãs. São dezenas de figuras rupestres datadas de 10.000 a 7.000 a.C., esculpidas ao longo dos 12 quilômetros de falésia rochosa que acompanha o rio. As figuras fazem adivinhar uma savana repleta de vida animal, no que agora é um dos maiores desertos do planeta. Que é como quem diz, dunas, dunas e mais dunas e uma nova noite com céu estrelado. Fazem parte da belíssima paisagem da Líbia alguns lagos rodeados de palmeiras que se esforçavam por contrariar os tons laranjados da bela paisagem de areia e dunas. Os mais conhecidos são o lago Mefuo, depois o Gabr-Aun e o lago seco Mandara e por fim o belíssimo Umm Al Ma literalmente “Mãe de Água”, onde o céu e a areia se encontram, formando uma paisagem incrível.

29


Anja Niedringhaus/AP

Associated Press

Gianluigi Guercia/FrancePresse

Milhares de líbios comemoram em Bengazi; Forças de Kadafi lançam mísseis scud contra cidade de Misrata

Criança segura uma arma em manifestação de apoio à ofensiva aérea promovida pela coalizão internacional contra as forças de Muamar Kadafi, em Benghazi

30


Goran Tomasevic/Reuters

Galeria

Rebeldes líbios queimam roupas de soldados leais ao ditador Muamar Kadafi

Manifestantes pedem a condenação de Hosni Mubarak em frente à Academia de Polícia do Cairo, onde o ex-governante foi julgado

Amr Nabil/Associated Press

Homem segura bandeira do Egito em frente à Embaixada de Israel no Cairo que foi invadida por manifestantes

31


32


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.