Águas Gerais: Riquezas do Quadrilátero

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Águas Gerais: Riquezas do Quadrilátero A Serra do Espinhaço pode ser considerada nossa espinha dorsal ou cordilheira brasileira, uma cadeia de montanhas de pequena variação longitudinal, situada no sentido nortesul com mais de 1000km de extensão. Área de enorme diversidade biológica, ela é composta por vários mosaicos de vegetações (cerrado, caatinga e mata atlântica), espécies únicas e formações rochosas e cavernícolas. Devido a sua importância e sua fragilidade, criou-se, em 2005, a Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como território prioritário de conservação das riquezas socioambientais do planeta. Ao longo dessa cadeia construiu-se inúmeros centros urbanos. Território também em que habitam vários povos, comunidades tradicionais, extrativistas e indígenas com suas singulares culturas, saberes e formas O Sr. a Geraldo é considerado pelas de existir. Uma mega sociobiodiversidade conhecer! comunidades como um grande conhecedor das plantas e, na pesquisa, foi um parceiro fundamental. Chamado de Guardião da Agrobiodiversidade e da cultura popular da região, ele participa de vários movimentos sociais (grupos religiosos e musicais e associações de agricultores). Como explicou: cuido de nosso alimento, para pessoas conhecer, o que tem e o que já se perdeu. Tem pessoas que tem muita saudade e vontade de adquirir novas sementes.

Julho de 2021

Ipê-Amarelo (Tabebuia ochracea), a beleza dos ipês-amarelos se destaca por entre as matas nos meses de agosto e setembro, com flores tubulosas, amarelo vivas. A árvore apresenta até 10 metros de altura, casca grossa e ramos tortuosos. .

Sistema Agrícola Tradicional dos/as Apanhadores/as de Flores Sempre-Vivas Reconhecido como Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) em 2020. A região é território tradicional de várias comunidades apanhadoras de flores semprevivas e quilombolas. Veja mais nas referências.

Rã-berro-de-boi

(Physalaemus maximus), com cerca de 6 cm

Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), maior canídeo da América do Sul, com pelagem alaranjada a avermelhada e pernas e focinhos negros, alimenta-se principalmente de plantas e aves, preferindo a lobeira (Solanum lycocarpum). Tem hábito noturno e solitário e apresenta forte ameaça de extinção. Veja mais em: “Projeto Sou Amigo do Lobo” encurtador.com.br/dkNR5

de comprimento, vive em meio à folhagem do chão e só foi encontrada na Serra do Brigadeiro e na Serra do Ouro Branco. Na época das chuvas, os machos vocalizam sons que lembram os berros de bezerro.

“La espina dorsal del planeta es mi cordillera” Ouça a música “Latinoamérica” de encurtador.com.br/hpvY6

Calle

13,.

em:


Quadrilátero: uma formação geológica singular

Na porção mais ao sul da Serra do Espinhaço, tem-se o chamado Quadrilátero Ferrífero. Representado por um conjunto de unidades geológicas, o Embasamento Cristalino, o Supergrupo Rio das Velhas e o Supergrupo Minas, formadas durante diferentes tempos desde o período Pré-Cambriano, cerca de 3,2 bilhões de anos atrás com a formação das primeiras crostas continentais, em processos de aproximação e superposição de rochas. Muitas delas mostram evidências que auxiliam a compreender a evolução da atmosfera, biosfera e hidrosfera nos inícios da evolução da Terra. A paisagem resultante varia bem, desde serras escarpadas com afloramentos de quartizitos, a solos de vegetação rasteira sobre filitos e a serras com altos platôs constituídas de itabiritos. O nome quadrilátero é devido ao arranjo geométrico praticamente retangular da orientação do conjunto de serras e passou a ser conhecido como quadrilátero ferrífero em virtude de suas jazidas de minério de ferro a céu aberto.

Imagem de satélite do Quadrilátero. 1 – Serra do curral; 2 – Serra da Moeda; 3 – Serra do Caraça; 4 – Serra do Gandarela; 5 – Morrarias Dom Bosco; 6 – Pico do Itabirito (UHLEIN & NOCE, 2012). Na região, encontra-se também grandes concentrações de ouro, , manganês, alumínio e topázio, dentre outros bens minerais. Essa riqueza mineral foi historicamente destacada na perspectiva da exploração, primeiramente pela Coroa Portuguesa e posteriormente pelo capital estatal e privado. A região teria uma “vocação mineral”. Porém essa narrativa construída historicamente esconde uma realidade extremamente diversificada que foi e é importante justamente para possibilitar que a atividade minerária ocorra. Por exemplo, são os bens agropecuários, a circulação de pessoas, bens e serviços, a diversidade cultural e socioambiental presentes.

Outros olhares: quadrilátero aquífero Os relevos formados por itabiritos, ricos em ferro, são porosos e retêm grandes quantidades de água. Neles o acúmulo de ferro provocado por intemperismos origina cangas, estruturas ferruginosas, que protegem a área de erosões e favorecem a recarga de água. Como numa caixa d’água, elas armazenam água e vão alimentando as águas subterrâneas como verdadeiros aquíferos, que posteriormente serão o berço das águas superficiais, rios, nascentes e lagoas, principalmente nas bacias hidrográficas do rio Doce e do rio São Francisco. .

Veja “A caixa d’água do Brasil” do grupo Agroflorestas Em Rede no Jequitinhonha, em: encurtador.com.br/jDG17

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O termo canga deriva do tupi tapanhoacanga, uma palavra composta que significaria cabeça de negro e foi utilizado por mineradores locais no século XIX para designar essa formação rochosa (AZEVEDO et al., 2012).


Água: Nosso Bem Comum Sabemos que a água é fonte de vida e sem ela a vida não existiria como conhecemos hoje. Mas, como temos cuidado desse bem? Para diferentes pessoas e grupos sociais e historicamente, a água possui significados e importâncias distintas. E isso influenciará as suas formas de apropriação e usos. Para vários povos originários, como os Guarani Mbya e os Krenak, por exemplo, existe uma sacralidade da água, com entidades protetoras que regem e permitem ou não seu acesso. Além disso, muitas organizações sociais veem a água como um patrimônio da sociedade em que devemos ter soberania. A constituição da sociedade ocidental moderna desde os filósofos socráticos (século V antes de Cristo) se baseou na concepção da separação do ser humano da natureza. Tal concepção se intensificou com as Revoluções Científica e Industriais. Caberia à natureza ser dominada e explorada a serviço do ser humano. Ao longo do tempo, observamos a perpetuação dessa matriz de pensamento materializada por meio do modo de produção capitalista e escravista que colonizou o território a ser chamado Brasil.

O Estado permaneceu (e permanece) subordinado a interesses privados e as corporações transnacionais apropriaram-se e apropriam-se de grande parte dos bens naturais, por elas intitulados recursos e transformados em mercadorias. Nessa lógica, removem montanhas de ferro, retiram volumes de água enormes, contaminam águas, solos e vidas. Uma dessas expressões mais cruéis disso foram os crimes socioambientais da Vale, Samarco e BHP Billiton em 2015 e da Vale, novamente, em 2019. Diante de recorrentes crises hídricas, das mudanças climáticas, da pandemia e mais do que “cada um faça a sua parte”, a questão da água deve incidir sobre os atores mais responsáveis pelo uso, desperdício e poluição, que são os setores do agronegócio e das indústrias. Veja os gráficos abaixo produzidos pela Agência Nacional de Águas (ANA). . A concentração de terras, o modelo de produção agrícola, o aumento do desmatamento e das queimadas agravam a situação e fragilizam a formação dos rios voadores que abastecem as demais regiões do país. Tem-se também a canalização dos rios nas áreas urbanas e a perca de infiltração da água nos solos. Ademais, é importante evidenciar os diversos conflitos pela água que ocorrem no Brasil e no mundo devido à contaminação e ao controle dos mananciais e dos territórios por empresas do agronegócio e mineradoras.

Saiba mais em: Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil. Brasília: ANA, 2019.

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Em defesa das águas, das pessoas e da vida! “A água é um projeto de viver” Carlos Drummond de Andrade Atualmente, discute-se o novo Plano Nacional de Recursos Hídricos para o período de 2022 a 2040. Ele é um dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997) e tem como objetivo estabelecer um pacto nacional para a definição de diretrizes e políticas públicas que visem a melhoria da oferta de água, em quantidade e qualidade, gerenciando as demandas, fundamental na implantação das políticas setoriais. De acordo com o marco legal, a gestão dos “recursos hídricos” deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. A fim de conservar mananciais hídricos e de os territórios e suas populações terem projeções de futuro e de bem-viver, vários grupos sociais tem-se organizado em defesa das águas, das pessoas e da vida. Movimentos tentam constituir territórios livres de mineração em seus mananciais hídricos como no município de Serro (MG) e na região metropolitana de Belo Horizonte (MG). São eles que propõem o termo Quadrilátero Aquífero como forma de evidenciar e construir novas narrativas para essa região tão importante e tão ameaçada. Conheça mais em:

Conheça o Projeto: encurtador.com.br/cFGM9

Assista à animação Abuela Grillo: https://vimeo.com/11429985

@Manuelzão

Leia “Os (des)caminhos do Meio Ambiente de Carlos Walter Porto-Gonçalves

Agradecimentos às comunidades e aos movimentos sociais que resistem, ensinam outras formas de se relacionar e ser “com” o mundo e constroem novos amanhãs. À Universidade Federal de Ouro Preto e à Rede PROFBD – Observatório da Educação para Biodiversidade, por propiciarem espaços de reflexão-ação e promoverem uma educação gratuita, pública e de qualidade! Autora: Lis Soares Pereira Orientação e revisão: Fábio Augusto Rodrigues e Silva Fotografia: João Roberto Ripper (Apanhadoras de flores sempre-vivas); Leonardo Fagundes Fernandes (Quadrilátero). Ilustrações: Imagens sem referência são de domínio público. Disponíveis em: <www.pixabay.com> e <https://commons.wikimedia.org>. Mapa da Reserva da Biosfera Serra do Espinhaço: <http://www.serradoespinhaco.com.br/mapa>. Arte gráfica: Lis S. Pereira Referências: ABUD, L. & CASAS, N. Quadrilátero Ferrífero: Parque Estadual Serra do Rola Moça, Belo Horizonte-MG. Viçosa/MG: UFV, 2018. 4p. AZEVEDO,

U.

R.

de

et

al.

Geoparque

Quadrilátero

Ferrífero

(MG):

proposta.

CPRM,

2012.

38p.

Disponível

em:

<https://rigeo.cprm.gov.br/handle/doc/17149>. Acesso em: 30 set 2016. CARMO, F. do et al. (Orgs.). Geossistemas Ferruginosos do Brasil: áreas prioritárias para conservação da diversidade geológica e biológica, patrimônio cultural e serviços ambientais. Belo Horizonte: 3i Editora, 2015. MONTEIRO, F. R. et al. Sistema Agrícola Tradicional da Serra do Espinhaço Meridional, MG: Transumância, biodiversidade e cultura nas paisagens manejadas pelos(as) apanhadores (as) de flores sempre-vivas. In: EIDT, J. S. & UDRY, C. (Editoras técnicas). Sistemas Agrícolas Tradicionais no Brasil. 1ed. Brasília, DF: Embrapa, v. 3, 2019. p. 93-140. UHLEIN, A. & NOCE, C. M. (in memorian). Quadrilátero ferrífero. In: HASUI, Y. et al. (Orgs.). Geologia do Brasil. São Paulo: Beca, 2012. p. 227-235. SÃO PEDRO, V. de A. et al. Os anfíbios e a Serra do Ouro Branco - Minas Gerais. Viçosa/MG: UFV, Belo Horizonte: FAPEMIG, 2008. 16p.

APOIO: Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências Instituto de Ciências Exatas e Biológicas – ICEB/UFOP

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