ZINE (DES) CONSTRUÇÃO #1

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Apresentação “Pode pá, que é nóis!” Palavras, estrofes, versos, poemas, amor, protesto, realidade, vida, mudança... Desse modo, o zine (Des) Construção #1 busca poetizar o cotidiano, distante do requintado mundo literário e próximo da periferia, escrevendo a história construída por pessoas simples, trazendo cultura e informação aos leitores, debatendo questões nem sempre discutidas, interpretando o mundo e a literatura de uma forma mais relativa, sem se limitar a temáticas, sem se prender a paradigmas. “Se a história é nossa, deixa que nóis escreve”. (Renan Inquérito) Então, que seja escrita, que seja desconstruída, que seja construída “por nóis mermo”. Aguardem as próximas edições... Vida longa à Literatura Marginal! “De tudo ficaram três coisas... A certeza de que estamos começando... A certeza de que é preciso continuar... A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar... Façamos da interrupção um caminho novo... Da queda, um passo de dança... Do medo, uma escada... Do sonho, uma ponte... Da procura, um encontro!” (Fernando Sabino)

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Herói

Neguinho esperto, No barraco passa aperto, Na quebrada tem conceito, Sujeito homem, não deixa falha com ninguém, Corre pelo certo. Homem de bem, sem bens, Honesto, digno de respeito. Mas é vítima de preconceito, Vítima de injustiça, Sem direito a recorrer aos seus direitos. Vê direito... O mundo te classifica baseado na sua classe social, Infelizmente, normal. A sociedade difere pessoas baseada em notícias superficiais dos jornais. Cor da pele e moradia, Define o caráter do cidadão. Cor da pele e mordomia, Define quem merece proteção. Cor da pele e moradia, Define quem é herói e quem é vilão. Vê direito... Neguinho esperto, Tem conceito na quebrada, Nunca portou uma quadrada, É bem visto pela rapaziada, Com a malandragem nunca deu mancada. Neguinho guerreiro. Trabalhador acorda cedo, enfrenta o dia inteiro a vida dura, Infelizmente, à noite, vira suspeito se trombar com a viatura. Neguinho “tranquilão”. Caminha com disposição sob a pressão da opressão.

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Sujeito homem, Com o suor do rosto sustenta a casa, o filho e a nêga. Se nega a comer o pão da desonestidade, Mesmo às vezes passando por necessidade. Homem Sujeito... Ao patrão, Neguinho se esforça ao máximo, No fim do mês recebe o mínimo. Herói sem reconhecimento, fora do conhecimento, De quem só tem olhos para o que se passa na televisão. Herói esquecido e injustiçado, Planta honestidade e tem como recompensa a discriminação.

Joel Nobre Jr.

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Um! Outro! Destino...

Um, outro. Destinos diferentes... Um nasceu em berço de ouro Criado como rei, herdeiro do tesouro. O outro nasceu numa palafita Gravidez indesejada, órfão de pai com vida. Um nos playgrounds, parque aquático, se divertia Boa alimentação, balanceada, três refeições por dia. O outro brincava nas ruas de terra Pique pega, de mamona fazia guerra Família baixa renda Café puro pela manhã e na escola merenda. Um não faltava nada, o que ele queria tinha na mão Menos dos pais, a atenção. O outro não tinha quase nada Mas sua mãe sempre lhe mostrou os passos da caminhada. Um distante dos pontos geográficos da venda de substância habitava, Mas era envolvido com a parada. O outro lado a lado morava, mas sempre desviou dessa estrada. Um cursou ensino médio Com pré-vestibular integrado O outro desde as 5 acordado Conciliava a bolsa com o trabalho. Um nem ligava O outro valorizava. O tempo passa... Pra um... Pro outro... Destinos diferentes...

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Um no canudo, overdose Adormeceu o corpo o espírito Cocaína tornou vício Seu vício lhe trouxe a morte O outro no canudo uma grande dose de conhecimento Na formatura, o reconhecimento Pra mãe, o agradecimento... Pra um, a vida acabou, Pra outro, uma nova etapa começou... Destinos diferentes... Um se matou, e financiando o tráfico, Matou muita gente O outro veio de família carente E provou pra muita gente Que pode ser diferente Destinos diferentes... Um, Outro... Juplin Jones

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Morador de Rua

Ele vaga pelas ruas, sem destino, sem direção, trajando roupas rasgadas, carregando sobre os ombros um cobertor e um velho papelão. Sua barba é longa, seu cabelo é crespo, seus dentes são amarelos, sua pele é escura, tem hematomas pelo corpo e um semblante abatido, exprimindo a vida que leva íngreme e dura. Faz poucas refeições ao dia, às vezes um pão velho, às vezes um prato de comida ganhado, às vezes alimentos encontrados no lixão, que com cachorros e urubus foram disputados. Sem lar, sem residência, vive a mercê do sol, da chuva e da madrugada fria, fazendo de viadutos, pontos de ônibus e praças, efêmeras moradias. Talvez ele viva assim por ter problemas psicológicos, por ser viciado em álcool, em crack, em algum tipo de droga, talvez por não ter família, talvez por viver na miséria, talvez porque ninguém com ele se importa. Para as crianças, o homem do saco, para os adultos, vagabundo, para o sistema, um indigente, os policias o batem, as pessoas o maltratam, será que ele não é humano? Será que ele não é gente?

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Considerado um mero mendigo, considerado apenas um número estatístico, ele é um de um milhão e oitocentos mil*, de moradores de rua que vivem jogados as traças, jogados ao relento na imensidão desse nosso Brasil.

Janio Silva * No Brasil há cerca de 192 milhões de habitantes, segundo o CENSO do IBGE 2011. Entre 0,6% a 1% são população de rua. É uma variação que calcula novos moradores de rua e os que deixam de morar na rua. Em números, há até 1,8 milhões de moradores de rua em todo o território brasileiro.

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Catador Eficaz

Ele não faz corpo mole para essa vida dura vive do jeito que dá, sempre mantendo a postura. Quando a cidade dorme, lá vai ele a procura tem que ser rápido antes de passar o coletor da prefeitura. Passa a madrugada acordado, pra garantir pro filho o pão dormido tem que ser assim, senão no fim, não honra os compromissos. Carrega no rosto as marcas de um senhor vivido para os filhos, um bom pai. Para esposa, um bom marido. Catador de reciclados numa cooperativa filiado se sente honrado Pois a sociedade tem ajudado a natureza preservado tem um trabalho digno e não caiu no caminho errado E do outro lado... “... catador eficaz, com 16 já foi manchete de jornal o rapaz” (Sabotage). E é assim desde os 12 de idade quando conheceu os malucos da tal criminalidade começou catando as “Patty” nas portas das boates já teve carro zero, 1100, iate hoje tem quem sabe um lugar na eternidade. Essa era sua profissão: um, cinco, sete no assalto as “Patty” passou no teste Se formou num amarelão da Prosegur pós-graduado numa agência do Itaú.

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Catador de malote chefe de uma quadrilha, firma forte Se sente arrependido Será que valeu apena essa vida de bandido? Hoje é a mãe que sofre sem o filho. E do outro lado... Se existir esse outro lado Com certeza, ele olha e manda o recado: - Moleque, não siga o caminho errado.

Juplin Jones

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Tempo

Cada segundo é único e efêmero, cada minuto é um minuto passageiro. Num piscar de olhos, num instante desatento, o tempo passa sem deixar tempo para se voltar ao tempo, saiba que assim é o tempo, ágil, rápido, corrido... Mas infelizmente muitos passam o tempo sem o tempo ter vivido... Passam o tempo, observando o tempo passar, Passam o tempo, sem tempo para o tempo aproveitar, Passam o tempo, lamentando-se do tempo que não vai voltar. Para os ansiosos, o tempo é um grande obstáculo, para bolsa de valores, o tempo é dinheiro, é cálculo, para os amantes, o tempo com a pessoa amada é um eterno espetáculo. Para os homens, o tempo tem vários significados, o tempo, é tempo futuro, tempo presente, tempo quente, tempo frio, tempo chuvoso, tempo passado.

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Para o tempo, o tempo é tempo, para quem vive o tempo, uma fração de tempo, pode ser um inesquecível, um grande momento. Tempo, tempo, tempo, tempo...

Janio Silva

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Marcas, passos

Marcas ficam a cada passo, Caminhos marcados por pegadas por onde passo. Um passo adiante, Não posso pensar na possibilidade do tempo passar, E eu perder tempo, Passando tempo pensando em apagar marcas do passado. O passado passou, o presente se fez, É preciso aprender com as marcas, Para não precisar passar por tudo outra vez. Posso prosseguir caminhando sem olhar para trás Porém, mesmo assim as marcas ficam, Fazem parte do aprendizado. Posso até permanecer parado no caminho, Pretendendo por fim na caminhada, Por medo de ser marcado por espinhos que existem na beira da estrada. Mas que nada, Prefiro permanecer no meu trajeto Deixando marcas por onde passo, Mesmo sendo os meus passos, no caminho, um tanto discretos. Caminho devagar por onde passo, Passo tempo caminhando no presente e deixando marcas para o futuro. Planejo cada passo, Embora, cada trecho do caminho no presente, Venha trazer lembranças de marcas do passado, Que se misturam com planos feitos para um amanhã ainda obscuro.

Joel Nobre Jr.

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Mulheres Mulheres guerreiras, mulheres batalhadoras, donas de casa, mães, empregadas, estudantes, professoras. Que sofrem a dor do parto, que a uma nova vida dão a luz, mulheres que choram, que sonham, que por nove meses uma criança conduz. Vocês são exemplos de vida, de batalha, de determinação, de coragem, de força, de espírito de luta, exemplos de superação. São persistentes, mesmo em meio aos obstáculos, mesmo em meio às dificuldades, enfrentam o machismo, enfrentam o preconceito, dessa insana, dessa irracional sociedade. Mulher, tu és fascinante, mulher, tu és inexplicável, tu és misteriosa, tu és sedutora, tu és indesvendável. Dentre as rosas, tu és a mais linda, dentre as rosas, tu és a mais bela, transmuta dias sombrios, dias tristes, em deslumbrantes dias de primavera. Mulher, tu és muito mais que essa simples poesia, tu és a que merece ser amada, a que merece ser cuidada, a que merece ser lembrada não só no 8 de março, mas em todos os nossos dias.

Janio Silva

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Menina mulher

Chama atenção, dilata minha retina, Sedutora, mas não perde o jeito de menina. Sorriso branco, pele macia e cheirosa. Mulher linda, gostosa, esperta e perigosa. Envolvente, dona de uma beleza natural, Charmosa, discreta, estilosa e original. Muitos querem ser dela, mas, no momento, ela é de ninguém, Exclusiva, não quer fazer parte de nenhum harém. Acorda cedo, se arruma em frente ao espelho, Passa o batom vermelho, ajeita o cabelo, Fica bonita, o dia inteiro. Independente, consciente do que quer, Tem força e fragilidade, Mistura que existe em toda mulher. Inteligência, decência, simplicidade, Possui requisitos que fazem dela hoje uma raridade. Guerreira, conquista sua vitória diária com dedicação, Enquanto homens diariamente se dedicam, Para conquistar seu coração. Misteriosa, difícil de decifrar, Ela se cala, se esquiva, desvia o olhar, finge nem ligar... Finge. Guarda segredos, oculta um sentimento no peito que precisa revelar, Mas também carrega medos, Teme se envolver, a pessoa errada se entregar, depois se arrepender, se frustrar e se machucar. Realista, encara a realidade como deve ser encarada. Sabe que a falsidade é mascarada, Que a mentira é maquiada por palavras bonitas e sorrisos, Então, ela tenta não se iludir. Observa, espera o tempo te mostrar onde existem riscos.

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Sonhadora, solitária, sonha acordada na escuridão do quarto antes de pegar no sono, Almeja um companheiro, mas teme o abandono. Sonha com um homem de verdade, um amor verdadeiro, Que lhe proporcione carinho, cuidados, fidelidade, E “se não for demais” que pense nela o dia inteiro. Mulher menina, Menina mulher. Dentre várias mulheres no mundo, Ela é diferente, desperta sentimentos profundos. Difícil de conquistar, para isso tem que fazer por merecer. Admirável, fácil de gostar, impossível de esquecer. Mulher menina, Menina mulher. Dentre várias mulheres no mundo, Diz pra mim, uma dessas, quem é que não quer?

Joel Nobre Jr.

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África Mãe

Mãe, mãe, África mãe Sei que me escuta do outro lado do atlântico o meu choro, os meus cânticos Choro derramado desde a escravatura Capitão do mato, vermes de viatura arrancaram-me dos seus braços, mas não conseguiram enfraquecer os laços Dos batuques dos tambores, as batidas do RAP, Dos passos de dança na reunião tribal ao FUNK de James Brown, nós, pretos, dançamos igual. Resistência! Resistência! Mãe, mãe, África mãe Filhos seus sangram diariamente Diário de um combatente As crianças de tranças e o sorriso das tias nos traz esperança Padre reze por nós, pastor ore por nós E o orixá que na mãe preta manifesta voz peço resistência para lutar... Em nome do pai, do filho do espírito santo e da Mãe África... Amém!

Juplin Jones

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