Ilustração Editorial, a grande pequena arte

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Ilustração editorial, a grande pequena arte

AUTORA Lívia Wu ARTE DA CAPA Lívia Wu São Paulo, 2016 ORIENTADOR Prof. Dr. Luli Radfahrer

FIG 1. Ilustração de Armando Veve para a revista Lucky Peach, em 2016, sobre um guia de 30 pratos icônicos gourmet

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e Propaganda, da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo.




ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

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Banca examinadora ORIENTADOR

MEMBRO TITULAR

MEMBRO TITULAR

SÃO PAULO,

DE

DE

FIG 2. Ilustração de Alex Eben Meyer para a revista CIO, em 2015, sobre cautela na hora de assinar contratos de gestão patrimonial.

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Resumo Desde o seu surgimento no século XIX, a ilustração editorial em revistas e jornais sempre foi tratada como uma arte menor. Muito já foi escrito sobre as belas artes, a fotografia, e, mais recentemente, sobre o design gráfico e seus filhos: a tipografia e o pôster. Até mesmo o grafite e a tatuagem já ganharam livros, coletâneas e análises. Contudo poucas palavras foram dedicadas à ilustração editorial em publicações até hoje. Este trabalho pretende explorar a ilustração editorial no contexto da publicação, tirá-la do rodapé do design gráfico e observá-la com mais profundidade, discutindo suas críticas, suas funções e peculiaridades, sua bagagem histórica, e, finalmente, um possível futuro considerando suas contribuições para o meio jornalístico. Palavras-chave: ilustração, editorial, mídia impressa, arte, design, ilustrado

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Abstract Since its inception in the 19th century, editorial illustration in newspapers and magazines has been considered a lower art. A significant body of work has been written on the subjects of fine art, photography, and, more recently, graphic design and its children, typography and the poster. Even graffiti and tattoo art have been given books, collections, analysis. However, few words have been dedicated to editorial illustration to this day. This study aims to explore editorial illustration in the context of news publications, to withdraw it from graphic design’s footnotes and observe it more deeply in its own terms, to discuss its critiques, roles and peculiarities, its historical baggage, and, finally, a possible future whilst considering its contributions to journalism. Keywords: illustration, editorial, print media, art, design, illustrated

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Se nós entendêssemos uma ideia somente de uma maneira, na verdade, não teríamos entendido nada. MARVIN MINSKY


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Agradecimentos Dedico esse trabalho à minha família e amigos. Obridada pai e Re, pelo apoio incondicional. Obrigada mãe, por todo o seu carinho e amor. Obrigada tia, pela sua sabedoria e generosidade sem fim. Minha prima Maria, você é incrível. Esse trabalho não seria possível sem vocês. Merci beaucoup Camila, por essa amizade mais forte que café bom. Obrigada André, pelo apoio fantástico. Obrigada ao meu orientador Luli, por acreditar em mim. Eu quero agradecer a USP por ser essa instituição pública tão valiosa e por providenciar recursos gratuitos a qualquer um que entrar pelos seus corredores, seja ele aluno ou não. Do mesmo jeito, quero agradecer as bibliotecas da FAAP, da Anhembi Morumbi e da Casper Líbero por me acolher como se eu fosse um dos seus. Acredito que o conhecimento tem de ser sempre assim - aberto, acessível, compartilhado e sobretudo, público.

FIG. 3 Ilustração da dupla Brosmind para a revista Le Monde, em 2014, sobre como chefs estão pareando bebidas com pratos que vão além do típico vinho.

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INTRODUÇÃO

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CAPÍTULO UM Uma arte inglória

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CAPÍTULO DOIS Um olhar mais de perto

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Arte pequena e efêmera

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Texto e/ou imagem

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Arte comercial

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Lacunas e ambiguidades

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Um canivete suíço

79

Cativar

83

Traduzir

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Levar à reflexão


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CAPÍTULO TRÊS Uma história esquecida

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O ilustrador como repórter (1840-1900)

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CAPÍTULO QUATRO Um futuro?

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CONCLUSÃO

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A ilustração como crítica social (1905-1940) Realismo Narrativo (1905-1959)

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Expressionismo Narrativo (1949-1969)

136

Ilustração conceitual (1959-1969)

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Surrealismo e o expressionismo opinativo (1970-Hoje)

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introdução

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Se perguntássemos casualmente para uma pessoa, “qual é seu artista favorito?”, é de certo que ela teria um ou dois pintores na ponta da sua língua. Ainda, se fizéssemos uma segunda pergunta; “qual é seu cartunista favorito?”, é razoável que ainda haja uma resposta, mesmo que essa venha acompanhada por uma pausa maior de consideração. Agora, se perguntássemos à mesma pessoa, “qual é seu ilustrador favorito?” é provável que a única resposta seja um silêncio. Apesar de ganhar muitos admiradores ao longo de seus quase 200 anos de existência, a ilustração de jornais e revistas, em sua grande maioria, continua sendo uma arte invisível para a população. Aqui temos uma arte extensa em sua aplicação, rica em sua história, múltipla na sua variedade técnica, plural na quantidade de profissionais que nela atuam, e ainda ubíqua no cotidiano de milhares de pessoas ao redor do mundo. Mesmo sob este vasto leque de condições favoráveis, é de se espantar que a ilustração editorial não receba maior atenção. Ademais, a negligência deste campo não ocorre somente de um ponto de vista popular. Toda uma discussão ao redor da teorização da ilustração editorial encontra-se demasiadamente escassa no âmbito da literatura teórica.

FIG. 4 Ilustração de Victo Ngai para a revista Planadviser, em 2012, sobre ter muita

Em uma publicação da revista Printmag, o crítico e escritor especializado em design gráfico, Rick Poynor, faz uma pertinente declaração acerca do estado atual da crítica da ilustração editorial. Nela, ele declara que

informação para conseguir processar.

1. POYNOR, 2010. Tradução da autora.

Crítica acerca do design gráfico encontra-se na pauta esses dias. Crítica acerca de ilustração, não. Muitas poucas revistas têm se dedicado exclusivamente ao assunto, e há longos intervalos, particularmente durante a década de 1990 - quando poucos livros sobre ilustração surgiram. Mais raro ainda era ver monografias dedicadas a ilustradores contemporâneos. Além do livro de Heller e Seymour Chwast Illustration: A Visual History (2008), que é praticamente somente feito de imagens, nenhum livro sobre a história internacional da ilustração existe nas prateleiras. A situação atual da ilustração é a mesma da do design gráfico em 1982, antes da

chegada de Philip Meggs (autor de História do

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Design Gráfico).1


Apesar desta ponderação ter sido feita em 2010, em seis anos o status da literatura teórica ao redor da ilustração editorial não passou por significativas transformações. Ainda que a literatura não represente nem uma parte da totalidade das pesquisas feitas sobre um dado assunto, ela é um forte indicativo de sua popularidade como um objeto de estudo na sociedade. Acredito que uma das principais responsabilidade da área acadêmica é estimular o conhecimento na sociedade. Com isso em mente, e considerando a lacuna que existe ao redor da teorização da ilustração editorial, parece- me estar mais do que na hora de serem pensadas maneiras de fomentar reflexões sobre a ilustração editorial. A julgar pelo vasto e nebuloso universo da ilustração editorial, é preciso primeiro definir os parâmetros e o enfoque deste trabalho. A ilustração editorial, como parte de um domínio maior que é a comunicação visual impressa, pode ser pensada como “imagens criadas manualmente para uma mídia jornalística”. Logo, pertencentes a esse grupo são a ilustração, mas também os cartuns, a caricatura, e o infográfico. O foco do presente trabalho diz respeito somente à primeira, e aqui a defino como: a ilustração de revistas e jornais que se refere necessariamente a um corpo de texto maior que uma simples legenda.

FIG. 5

Apesar de possuírem muitas das mesmas características, acredito que os cartuns e as caricaturas que não se referem a uma matéria escrita são essencialmente diferentes da ilustração editorial por não dividirem esta crucial relação com o texto. Ainda, o infográfico também apresenta especificidades próprias a ponto de exigir um estudo à parte.

FIG. 5

FIG. 6

Ilustração de Alena

Ilustração de Gracia

Skarina para a

Lam para o New

revista Global Brief

York Times, em 2013,

Magazine, em 2016,

sobre a dificuldade

sobre o potencial

de doutores em

de “poder brando”

acompanhar todos

do Irã.

os novos estudos

FIG. 6

médicos.

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Feitas essas importantes definições, este trabalho então visa discutir as críticas feitas ao campo da ilustração editorial e suas defesas, como também buscar nas suas particularidades uma reflexão sobre sua essência, e iluminar os seus papéis e utilidades. Somente através de um olhar aprofundado de sua natureza e função é possível obter uma maior compreensão da ilustração editorial. Ainda, o trabalho pretende traçar um panorama de sua rica história, e, por fim, discutir sobre seu possível futuro. Este estudo é, primeiramente e finalmente, uma reflexão sobre uma forma de arte que há tanto tempo convive conosco sem uma devida contemplação crítica.

FIG. 7 Ilustração de Ralph Steadman para o jornal Independent, em 2007, sobre a experiência de andar sem rumo e os pensamentos que isso gera. FIG. 8

FIG. 9

Ilustração de Alan

Ilustração de

Cober para a revista

Seymour Schwast

New York Magazine,

para a revista New

em 1987, sobre as

Yorker, em 2003,

ruas de Nova York.

sobre um artigo sobre fraldas.

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FIG. 8


FIG. 9

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capĂ­tulo um uma arte

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e inglรณria

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Arte pequena e efêmera 2. QUENTIN, 2003. Tradução da autora.

O ilustrador de livros infantis Quentin Blake (2003) certa vez disse: “suponho que a ilustração tende a viver nas ruas e não na atmosfera hermeticamente lacrada do museu, e, por isso, ela passou a ser levada menos a sério.”2 Uma das artes mais reverenciadas do mundo não se encontra em um museu, mas está próxima a isso. No Vaticano, o teto da Capela Sistina choca as pessoas com sua beleza todos os dias desde o ano em que foi completado, em 1512. Mesmo após ter que passar por filas de ingresso, filas de detectores de metal, e filas indianas de grupos turísticos, entrar e vê-la ainda é uma experiência de tirar o fôlego. Somos imediatamente envolvidos por sua imensidão. Existe, ainda, uma estranha sensação de reverência pelo fato de se estar testemunhando uma obra com tanta história - 500 anos dela - e que continuará a sobreviver mesmo após todas as pessoas daquela sala terem virado pó.

3. HELLER, 2007b.

Se para ser considerada importante, uma forma de arte precisa de perpetuidade e magnitude, então, o veredito não parece bom para o caso da ilustração editorial como uma arte de valor. Ademais, críticos culturais prontamente aceitam que as belas artes são uma “arte maior” que a ilustração em termos culturais. Uma razão para isso é que, de fato, a maioria das artes clássicas são fisicamente muito maiores.3 Ilustrações editoriais ocupam uma pequena porcentagem das páginas de revistas e jornais. Além disso, são folhas descartáveis, intencionalmente feitas para não sobreviverem às provas do tempo. Assim, a ilustração editorial é, antes de mais nada, pequena e efêmera.

4. STEINBERG apud BOXER, 1999.

No entanto, não haveria vantagens em ser menor e fugaz? Para alguns, o pequeno é singelo. O efêmero, precioso. Sob esse ponto de vista, o grande ilustrador Saul Steinberg certa vez disse que “o que eu desenho é um desenho, e o desenho deriva do desenho. Minhas linhas querem lembrar constantemente de que são feitas de tinta de caneta.”4 Steinberg admirava a simplicidade da caneta, do desenho e da revista justamente porque ela conseguia se comunicar com as pessoas sem

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FIG. 16 Ilustração de Ben Shahn para a revista Fortune, em 1953, sobre o mercado literário.

FIG. 17 Ilustração de Glauco Rodrigues para a revista Senhor, em 1960, sobre o conto “O Búfalo” de Clarice Lispector.

FIG. 18 Ilustração de Glauco Rodrigues para a revista Senhor, em 1959, sobre o conto “As Neves do Kilimanjaro” de Ernest Hemingway.

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grandes pretensões. Ele sabia que, ao encarar seus pequenos rabiscos, os leitores baixavam suas defesas e se sentiam mais dispostos a tentar compreender o que a imagem estava tentando transmitir. O potencial da ilustração editorial jaz justamente no fato dela existir através de uma “mídia modesta”. A exemplo desse fenômeno, imagine as experiências opostas que são olhar para os desenhos de Steinberg em uma revista e olhar para uma obra em uma galeria de arte. Nesta última, quando observamos um quadro moderno que apresenta uma sequência visual excessivamente complexa e codificada, e cuja leitura só é possível ser feita a partir de uma análise formal, a experiência pode ser de distanciamento. Quem nunca se sentiu confuso ao sair de uma exposição de arte? Uma coleção de imagens que não possui explicação, correlação ou referências externas pode virar ruído visual.5 Ao observar o trabalho dos artistas modernos nos anos 60, como as pinturas de Jackson Pollock, o ilustrador Robert Weaver comenta: O artista de hoje se encontra desapegado à sociedade. Não há responsabilidade mútua. Ele está ‘livre’, e ele gosta de viver dessa forma. Não é justamente essa liberdade que roubou a arte de sua

5. BLACK, 2014, P. 99

6. WEAVER apud GROVE, 2009, P. 71. Tradução da autora.

raison d’etre? Eu tenho notado que, levado até o seu maior extremo, o expressionismo abstrato não tem mais o poder de chocar ou mexer até os observadores mais conservadores. A reação é uma de ennui ... ‘auto expressão’ não é por si só um propósito, mas um subproduto inevitável de um outro propósito [extrínseco]. É nesse ponto que o ilustrador-pintor deveria aproveitar suas oportunidades.6

Como aponta Weaver, a ilustração editorial, ao contrário de grande parte da arte moderna, carrega sempre um propósito externo e surge a todo momento contextualizada. Em outras palavras, por trás da ilustração existe sempre uma intenção e um propósito editorial. Em razão disso, um dos maiores medos do diretor de arte, como também do ilustrador e até mesmo do editor da publicação, é a ilustração acabar por alienar seu leitor. Logo, uma ilustração que não comunique o seu propósito é, no ponto de vista de seus criadores, uma ilustração falha.

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7. WEAVER apud GROVE, 2009, p. 70

Assim, Weaver consegue resumir tanto o ponto de encontro como o ponto de divergência entre ilustração e belas artes: “o ilustrador pode até usar as ideias do pintor contemporâneo, mas seu objetivo final é a comunicação.”7 Ou seja, nos bastidores, ilustrador e diretor de arte podem trabalhar juntos para atingir uma ilustração não-óbvia, visualmente estimulante, e que apresente um conteúdo interessante. Mas, em última análise, a sua principal tarefa é trabalhar para que não haja uma falha de comunicação entre a mensagem do desenho, a mensagem do texto, e o seu público. Por isso, o resultado muitas vezes é uma ilustração que oferece uma leitura rica e que não afasta o leitor. Sobre esse potencial especial do desenho que o torna acessível a milhares de pessoas, o aclamado cartunista Bill Watterson, autor de Calvin e Hobbes, diz:

8.

Eu amo a despretensão dos desenhos. Se você

WATTERSON, 2015.

sentar e escrever um livro de duzentas páginas

Tradução da autora.

chamado ‘Meus Grandes Pensamentos sobre a Vida’, ninguém o leria. Mas se você colocar esses mesmos pensamentos em um quadrinho e empacotá-los com uma pequena piada, agora você está falando com milhões de pessoas. Qualquer escritor mataria para ter esse tipo de público. Que benção! 8

Podemos aplicar o mesmo raciocínio ao universo mais abrangente da ilustração editorial. Por todo esse campo é possível comunicar pensamentos complexos e informar ao mesmo em que se encanta, diverte ou provoca. A ilustração, além de profunda, é lúdica, e por isso não precisa fazer qualquer reivindicação de ser uma arte séria. Por que se restringir a um rótulo quando é possível se utilizar de todas as linguagens?

FIG. 19 Ilustração de Armando Veve para o New York Times, em 2015, sobre comida genéticamente modificada.

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Arte comercial A outra crítica que é historicamente direcionada às “artes aplicadas”, artes que possuem algum uso social e que fazem parte do cotidiano das pessoas, é o seu aspecto comercial. A ideia da “arte pela arte” remonta a Aristóteles e até hoje muitos historiadores e críticos hesitam a aceitar, como uma área legítima de estudo, o conceito de “arte” como também um produto de uma atividade mercantil e corriqueira.9

9.

Um desses críticos é o pintor Harold Rosenberg, que popularizou o termo “action painting” nos anos 50. Para ele, a capacidade de inovação e de revelar o inesperado constituía uma virtude primária da arte.10 Na sua opinião isso só seria possível através do método do pintor, que consiste em se engajar com a tela sem nenhum compromisso senão o de com suas próprias ideias. Para Rosenberg, esse processo é inerentemente superior a um processo comercial:

10.

Os materiais que uso - palavras, tinta, gestos - se tornam o meio para....revelar o inesperado. É por essa razão que uma obra de arte cujas ideias foram concebidas por outra pessoa - como é o caso da arte comercial, ou a arte feita sob a direção de

GOWANS, 1981, P. 4

HOLT, 2001, p. 108

11. ROSENBERG apud GROVE, 2009, p. 75. Tradução da autora.

[art] dealers, críticos, ou gerentes culturais - é obrigatoriamente inferior à arte que nasceu de um fluxo contínuo entre mente e mão de um individual livre.11

Rosenberg diz que o ilustrador não tem autonomia, e parte da suposição de que, por ser orientado pela revista, o ilustrador sempre sabe exatamente o que irá fazer antes sequer de pegar um lápis. Dessa forma, não há condições possíveis para uma arte verdadeiramente surpreendente nascer. Essa visão é discutível, a exemplo do já mencionado ilustrador Robert Weaver, que adotava uma postura de um jornalista na hora de abordar o assunto de sua ilustração. Weaver raramente sabia qual seria a forma do seu trabalho final quando saia às ruas para cobrir um assunto, como eleição, trabalho industrial, ou a ação policial. Seus diretores de arte sempre confiavam no ponto de vista pessoal que trazia para a ilustração. 12

12. GROVE, 2009; HELLER, 2007

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Contudo, vamos considerar que a crítica de Rosenberg não diz respeito somente à falta de autonomia na hora de executar o trabalho especificamente, mas também refere-se a um sentido maior de que, no caso da ilustração, há uma tarefa, um assunto, um conceito que foi designado e, assim, precisa ser respeitado, enquanto que, para o “artista livre”, não há nenhum tipo de limitação. Portanto, a disciplina da ilustração seria essencialmente restritiva, e, na opinião de muito críticos como Rosenberg, a restrição impede uma arte significativa de existir. Essa visão de que o aspecto comercial seria como algemas para a criatividade é repudiada pelo ilustrador e designer gráfico, Milton Glaser. Em uma entrevista, Glaser afirma que é justamente da restrição que aflora a criatividade. 13.

Algumas pessoas usam considerações comerciais

GLASER apud

como uma desculpa para não fazer um trabalho

SHALAT, 2001. Tradução da autora.

extraordinário. Eles dizem “bom, não estamos completamente livres.” Mas, como sabemos, isso é raramente o caso. Um trabalho significativo avança e nasce independentemente de suas restrições. De fato, para muitas pessoas, restrições são o que tornam um bom trabalho possível. Eu nunca acreditei que estava comprometendo algo enquanto um artista comercial.13

14. NGAI apud JAMES, 2014

Como Glaser nos indica, uma arte significativa pode vir não da inovação pela inovação ou de uma expressão pessoal, como Rosenberg afirma, mas sim na forma de uma solução criativa e inovadora frente a uma situação adversa. Isto constitui uma visão popular entre outros artistas: ilustrar é uma solução visual para um problema exterior. A ilustradora Victo Ngai, em entrevista concedida ao Illustration Daily,14 condensa a ideia desta reflexão em um simples comentário sobre o motivo pela qual decidiu seguir a carreira profissional em ilustração ao invés de uma em belas artes. Um dos meus professores me disse no começo da faculdade, “fine artists [artistas das belas artes] gostam de criar problemas para eles mesmos [resolverem], enquanto ilustradores gostam de solucionar problemas dados a eles.” Eu amo

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FIG. 20 Ilustração de Robert Weaver para a revista Fortune, em 1957, sobre o dia a dia na fábrica da empresa de produtos industrializados Crane Co.

FIG. 21; FIG. 22; FIG. 23; FIG. 24 Ilustração de Robert Weaver para a revista Fortune, em 1960, sobre o funcionamento interno da empresa de supermercados Woolworths.

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15. NGAI apud JAMES, 2014. Tradução da autora.

16. HELLER; ARISMAN, 2004,

desenhar e eu amo solucionar problemas, por isso, [segui a área de] ilustração. 15

Já estabelecidos importantes valores próprios do caráter da ilustração, como criatividade e resiliência, torna-se cada vez mais evidente que o fato de uma arte ter sido autogerada, ou seja, não-comercial, não é um mérito por si só. Deveríamos atentar para outras qualidades, como, principalmente, nossa reação como observador. Heller (2004) reflete sobre essa visão quando diz Eu não considero e nem determino o que é arte de acordo com sua origem, se ela é uma obra

p. 46. Tradução da

encomendada ou autogerada. Eu considero o que

autora.

toca o meu coração, minha mente ou qualquer outro lugar em que [a arte] faça alguma impressão indelével ou temporariamente indelével. Uma grande ilustração comunica além do artigo que ela está ilustrando.16

17. HELLER; ARISMAN, 2004

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Se a origem não é mais o fator determinante de qualidade, são a sensibilidade e a reação do espectador que deveriam ser o critério pela qual qualquer arte é julgada. Para Arisman,17 não existe um critério superior ou inferior. Leonard Bernstein, maestro e compositor, compartilha da mesma opinião no campo da música ao inferir sobre o embate entre a música erudita e a música popular. Ao avaliarmos uma música, pouco importa se ela é uma música clássica, um pop, jazz, blues, ou um rap. Para Bernstein, tudo é música. Assim, acredito que podemos aplicar o mesmo pensamento à arte. O fato de uma obra estar exposta em uma parede de galeria ou de ter sido encomendada por uma revista não é o que determina sua qualidade.


FIG. 25 Ilustração de Eric Lundgren para a revista Esquire, em 1937, sobre um poema que narra o cotidiano nas ruas de Arkansas.

FIG. 26 Ilustração de Franklin McMahon para a revista Life, em 1955, sobre o julgamento da morte do menino Emmet Till no Mississipi. Nas palavras do illustrador: “Eu estava lutando para conseguir uma boa visão do que estava acontecendo, e depois que ele [Mose Wright, tio do menino assassinado] fez aquilo, era exatamente o que eu precisava. Ele despiu 300 anos de história para conseguir se levantar e apontar daquele jeito [para o acusado].” (MCMAHON apud MARTIN, 2012)

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capĂ­tulo dois um olhar

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r mais de perto

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FIG. 27 Ilustração de Stacey Rozich para a revista

Texto e/ou imagem

Lucky Peach, em 2015, sobre uma edição especial em torno de vegetais e frutas.

FIG. 28 Ilustração de Sarah Stilwell para a revista

Apontar uma única razão pela qual a ilustração editorial é uma forma de arte única é uma tarefa difícil. Há uma longa lista de características que a colocam em uma posição ímpar entre as artes. Entre elas, sua natureza colaborativa e o uso indiscriminado que ela faz de qualquer técnica artística para comunicar sua ideia editorial. Mas talvez o aspecto que a torna fundamentalmente diferente é a relação peculiar que ela estabelece com o texto.

Harper’s Monthly, em 1903, sobre o conto “The Mer-Mother & The Pine Lady” de Richard Le Gallienne.

FIG. 29 Ilustração de Jerome Snyder para a revista Fortune, em 1954, sobre a força por trás de bens capitais.

É fácil achar as primeiras evidências dessa relação. Basta procurar onde a ilustração vive. Se o normal é encontrar a pintura em uma parede emoldurada por madeira, a ilustração editorial, por sua vez, é encontrada em revistas e jornais emoldurada por palavras. O crítico literário J. Hillis Miller (1992), ao explorar o fenômeno dos estudos culturais, investigou a dinâmica entre formas verbais e visuais em trabalhos multimidiáticos. Em dado momento em sua obra Ilustrações (1992), ele chega a pensar texto e imagem como opostos extremos de um espectro, desde o azul cintilante do texto puro em uma ponta até o mais sangrento vermelho da imagem representativa na outra. E no meio desta faixa verbalgráfica encontram-se as publicações ilustradas, obras nas quais as duas mídias apresentam-se lado a lado. Entretanto, é preciso esclarecer que o casamento entre o visual e o verbal não é exclusivo à ilustração editorial. A história em quadrinhos, a animação e o filme são todos exemplos de formas de arte que mesclam os dois campos. O que torna a ilustração editorial especial é justamente o fato de ela não fundir as duas linguagens, mas sim coexistir paralelamente ao texto de maneira autônoma. Na história em quadrinhos, por exemplo, a parte gráfica depende da escrita para obter sentido, enquanto que a ilustração não depende das palavras que a acompanha. Roland Barthes (1977), filósofo francês, já descrevia o relacionamento entre imagem e texto dentro do contexto jornalístico e o apresentava como duas estruturas independentes porém cooperativas: uma visual e outra textual.

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FIG. 27

FIG. 28

FIG. 29

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18. BARTHES, 1977, p. 16. Tradução da autora.

A totalidade da informação é assim carregada por duas estruturas diferentes (uma delas é linguística). Essas duas estruturas são cooperativas, mas, como suas unidades são heterogêneas, necessariamente permanecem separadas uma da outra.18

Estamos, assim, diante de duas ideias aparentemente opostas e surge a pergunta: como a ilustração consegue ser tão intrínseca ao texto e ao mesmo tempo sobreviver sem ele? Primeiro é preciso discutir melhor as condições de sua independência. A ilustração editorial é, antes de mais nada, uma figura. Quando pensamos nela o que vem à nossa mente raramente é a página inteira de um jornal, com ilustração e matéria ao lado, mas sim somente a parte gráfica da imagem. Isso acontece porque como produto final a ilustração é um trabalho que começa e acaba em si mesmo, com sua lógica interna e que existe independentemente do seu contexto. Se retirada de perto do texto, ela continua a existir. Recortada de uma revista, colocada em uma parede e posta em exibição, a ilustração ainda exibe muitas de suas qualidades originais. Como se pode observar na ilustração de Tim Enthoven para o New York Times (FIG. 30), se a ilustração é engraçada quando vista em uma revista, as chances dela continuar sendo engraçada fora dela são grandes.

FIG. 30 Ilustração de Tim Enthoven para o New York Times, em Setembro de 2013, sobre o sofisticado software das máquinas de ‘Texas Hold ‘Em Heads Up Poker’ dos casinos. O software é programado para intencionalmente perder algumas vezes para atrair jogadores amadores.

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A ilustração como um quadro retém muito mais das suas qualidades originais que um frame retirado de um filme ou um painel de quadrinho com as falas censuradas. É nesse sentido que a ilustração se apresenta como uma obra autônoma. Contudo, na mesma medida que é possível imaginar um cenário em que a ilustração editorial passa a existir sozinha, é impossível pensar em outro cenário em que ela tenha sido gerada sem a escrita. Isso porque a ilustração editorial é resultado da necessidade do editor de juntar matéria com uma representação visual. Nas palavras da doutora Nanette Hoogslag (2013), pesquisadora e especialista em ilustração, Embora uma ilustração apresente uma imagem autocontida em que o significado está confinado dentro da sua própria narrativa, ela faz isso

19. HOOGSLAG, 2013, p. 22. Tradução da autora.

baseada em pistas visuais tiradas da história escrita, visualizando elementos do texto, bem como referindo-se às suas ideias subjacentes.19

Por isso o texto exerce uma parte crucial na criação da ilustração editorial. Como um trabalho comissionado, ela nunca nasce sozinha. É a partir desse assunto que Miller­20 escreve sobre as ilustrações das grandes ficções do século 19. Segundo o autor, “de forma mais ampla, a questão teórica que está por trás da função de ilustrações em romances é a relação da imagem para a palavra”.

20. MILLER, 1992, p. 21. Tradução da autora.

Discutir a relação imagem e texto é, portanto, discutir sobre sua essência e o porquê da sua existência. O que levanta a questão: por que que a ilustração, como uma imagem acompanhada por um texto, existe? Por que usar a ilustração e o que ela faz? “Imagens vendem!”, responderia em coro uma sala de redação de um jornal no século 18. Uma afirmação com a qual crianças que vendem notícias na rua, gritando Extra! Extra!, com certeza concordariam. O fato de que a imagem consegue chamar a atenção do público já foi descoberto há muito tempo. Uma das razões para o sucesso da revista ilustrada, quando ela surgiu em 1842 na Inglaterra, é o poder da imagem de atrair o olhar, de seduzir e atiçar a curiosidade das pessoas. Nesse contexto,

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FIG. 31 Ilustração de Merijin Hos para a revista La Petit Mort, em 2013, sobre uma edição especial em torno de hábitos.

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a ilustração funciona como uma vitrine, e o texto, o interior da loja. Mas reduzir a ilustração a um colírio para os olhos é um desserviço para com todo o seu potencial. Seria a ilustração puramente uma decoração?

21. MILLER, 1992

É a própria origem da palavra que nos ajuda a afastar essa noção simplista e que também nos traz pistas sobre sua real natureza. Ilustrar vem do latim illustrare e significa trazer à luz, tal como uma lanterna ilumina uma caverna, ou como a vela ilumina o manuscrito.21 Contudo, se a ilustração ilumina e elucida, o que resta ao texto fazer? Se ambos, texto e imagem, são linguagens que comunicam algo, qual é a diferença entre ler uma palavra e “ler” uma imagem? Para responder essa questão é preciso comparar imagem e texto, algo que, alguns diriam, é como querer comparar maçãs com bananas. Duas mídias completamente distintas, com lógicas próprias, formas tão divergentes e cujos processamentos são elaborados de maneiras diferentes pela nossa mente. Apesar das características polarizantes, é apenas por meio de sua análise, como componentes necessários para a emergência da ilustração editorial, que conseguimos chegar a um conhecimento mais profundo deste objeto de estudo. Assim como na biologia dissecamos o corpo em partes para ter uma compreensão melhor do funcionamento do humano como um todo, é preciso quebrar e examinar as partes que compõem a ilustração editorial. E é por isso que irei comparar maçãs com bananas. Miller (1992) começa essa discussão lembrando de um antigo ditado e reflete que Uma imagem vale mais que mil palavras? Se sim, por quê? Talvez porque a imagem apresente algo, a própria imagem torna esse algo mais presente do

22. MILLER, 1992, p. 62. Tradução da autora.

que qualquer palavra conseguiria, e faz isso de forma mais econômica. A escrita segue atrás da imagem, de maneira manca e desajeitada, com sua necessidade fatal de ter de enumerar coisas uma por uma, após a imagem já ter apresentado tudo de uma só vez. Talvez.22

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Ao contrário do que o ditado “uma imagem vale mais que mil palavras” implica, o gigante literário Mark Twain não considerava a imagem superior ao texto. Em uma rica passagem do livro Vida no Mississippi (1883), ele defende que a imagem fica desamparada sem a palavra. A imagem apresenta algo, mas é impossível saber com absoluta certeza o que, a menos que a rotule e a coloque de volta no contexto de alguma narrativa diacrônica. Como afirma Miller (1992), a interpretação de uma imagem é, para Twain, necessariamente verbal. Sem alguma indicação explícita em palavras de que instância da narrativa foi congelada no tempo e está sendo representada pela imagem, o espectador acaba confuso, oscilando entre histórias alternativas. O relato de Twain é verdadeiro quando tratamos de ilustrações botânicas, cujo significado é necessariamente direto, não podendo abrir espaço para qualquer sombra de dúvida, assim como livros de medicina necessitam representações visuais que ofereçam uma verdade absoluta e asséptica. Mas seria a função da ilustração editorial somente a de documentar algo? Para mim, o valor da ilustração não está em evidenciar, mas justamente na sua capacidade de fazer perguntas e atear fogo à imaginação. Robert Browning (1855) refletiu sobre a questão existencial da imagem feita pelo homem em seu poema Fra Lippo Lippi: 23.

God’s works - paint any one, and count it crime

BROWNING apud

To let a truth slip. Don’t object, ‘His works

MILLER, 1992, p. 67

Are here already; nature is complete: Suppose you reproduce her - (which you can’t) There’s no advantage! you must beat her, then.’ For don’t you mark? we’re made so that we love First when we see them painted, things we have passed Perhaps a hundred times nor cared to see; And so they are better, painted - better to us, Which is the same thing. Art was given for that...23

Nesse trecho, Browning reflete sobre as mesmas ideias que viriam a ser apresentadas também pelo Impressionismo, que na época ainda estava em estado embrionário e viria a nascer alguns anos depois nas ruas de Paris. Os impressionistas, assim como a poesia de Browning, não estavam interessados no retrato fiel da realidade. A natureza já está completa, diz

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FIG. 32 Ilustração de Sachin Teng para a revista New Yorker, em 2014, sobre a resenha do romance teológico “The Bone Clocks” no qual humanos são tratados como peões por deuses imortais.

Browning, não há nada mais a ser feito. Mesmo que você possa reproduzila, não há nenhuma vantagem. Então ele provoca: já que é assim, é preciso então superá-la. A imagem pintada tem o poder de fazer com que nós olhemos para coisas na nossa vida que passaram despercebidas centenas de outras vezes. Stéphane Mallarmé, crítico literário francês do séc. 19, também reconhecia o poder das imagens, mas ao contrário de Browning, que a admirava, Mallarmé a temia. ‘Sou a favor de - nenhuma ilustração’, dizia Mallarmé, ‘tudo que um livro evoca precisa passar pela mente ou espírito do leitor’. Miller (1992) relata as ideias de Mallarmé sobre o poder evocativo da narrativa: As palavras na página têm um poder performativo da evocação. Elas tornam presentes no espírito algo que de outra maneira estaria ausente. Se esse poder for distraído, jogado fora do seu curso, desviado para uma ilustração (presumivelmente depois de

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24. BROWNING apud MILLER, 1992, p. 67. Tradução da autora.

passar primeiro na mente do ilustrador), então não chegará aonde deveria, que é no espírito do leitor. Ele vai passar para a imagem e permanecer lá. O texto torna-se impotente na medida que ele não consegue trabalhar o seu efeito mágico de evocação na mente do leitor, invocando os espíritos dentro dele. Um livro, ao que parece, tem uma quantidade limitada de energia mágica. Uma ilustração irá drenar esse poder, deixando a letra em curto-circuito devido ao poder superior da ilustração de tornar algo presente.­24

Para Mallarmé, ilustrar é brincar com fogo. A ilustração suga tanta atenção do leitor que ela deveria ser mantida longe das páginas. A descrição era reconhecidamente dramática, mas a ideia de que a ilustração apresentava uma ameaça era uma opinião não rara entre outros escritores e críticos literários do século 19. Henry James, autor do romance inglês A Taça de Ouro (1904), quando discutia sobre as ilustrações a serem incluídas neste mesmo livro, descreveu seu desdém em cartas para o fotógrafo Alvin Langdon Coburn: 25.

Eu, particularmente, devo ter olhado com muita

JAMES apud MILLER,

desconfiança para a proposta dada a mim por parte

1992, p. 69. Tradução da autora.

dos meus associados no negócio, de enxertar uma imagem feita por outra mão que não a minha na minha própria obra - sendo que esse episódio é sempre, na minha opinião, um incidente sem lei, barbárico. 25

FIG . 33 Ilustração de Rafael Mayani para a revista Aire Magazine, em 2015, sobre sobrevoar México a noite

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Para Henry James a ideia de texto e imagem estarem lado a lado no livro é como ter uma planta com um galho estranho enxertado. E, como Miller elucida, “uma árvore enxertada que produz tanto uma maçã vermelha quanto uma maçã amarela é uma aberração.”­26

26. MILLER, 1992, p. 69.

A desconfiança de James vem da sua crença de que a ilustração é uma representação não natural de suas ideias. Ora, a ilustração pode não ser uma representação fiel da ideia, mas a palavra também não o é. Walter Benjamin introduz esta noção no seu ensaio A Tarefa do Tradutor (1921). Nele, Benjamin afirma que a substância essencial do trabalho literário é o que ele contém além da informação - algo que um tradutor pode reproduzir somente se ele também for um poeta. Ele ainda apresenta o pensamento de que o texto original já é uma tradução; a tradução da ideia em palavras. A tarefa do tradutor é navegar entre a necessidade de se permanecer perto da palavra escrita e de ir além; seu real papel é permanecer verdadeiro ao seu conceito, ao que as palavras propõem dizer. E, consequentemente, neste processo acaba-se construindo um novo entendimento. Nas palavras de Hoogslag (2011): É por isso necessário o uso da poesia [na tradução].

27.

O tradutor utiliza essa capacidade para revelar as

HOOGSLAG, 2011.

realidades escondidas dentro do texto, saltando

Tradução da autora.

de uma realidade linguística para outra. A ideia da tradução apresentada por Walter Benjamin encontrase refletida no papel da ilustração. Ao traduzir ‘o que um texto contém além da informação’ em linguagem visual, e incorporando o papel de poeta visual, a ilustração consegue manter-se não só fiel à palavra mas também fiel ao conceito, aos valores inerentes e à sua intenção.27

Uma outra forma de compreender as virtudes da ilustração vem do universo da fotografia. Uma foto pode revelar, através do close-up ou da velocidade do obturador, as realidades ocultas da cena na frente da câmera. Quando olhamos para a ilustração editorial com mais cuidado, notamos algo semelhante. Da mesma maneira que a fotografia está sempre ligada à realidade material, a ilustração editorial está sempre ligada à intenção editorial. Como obrigatoriamente uma não-fotografia, a ilustração vai além da visualização do evento ou situação, e aponta para os conceitos, valores

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28. PBS, 2013. Tradução da autora.

e sentimentos que existem por trás dele possibilitando uma compreensão mais interessante. O lema pessoal da ilustradora Yuko Shimizu28 é “se eu penso numa ideia que ficaria melhor como uma foto, então a minha ideia não é boa.” (FIG. 34) (FIG. 35) Finalmente, a conclusão a que chego é que é justamente nas dessemelhanças entre imagem e texto - dois universos linguísticos com mundos de diferenças entre si - que surge o triunfo da publicação ilustrada. Quando ambos tratam dos mesmos conceitos e temas e os apresentam lado a lado, um é capaz de colaborar com o outro para, juntos, chegarem a uma experiência mais rica de leitura. Prefiro o termo “colaborar” a “complementar”, pois o último parece implicar que um se encontra incompleto sem o outro, o que não é o caso. Resgato aqui novamente a analogia do espectro de Miller (1992): se colocarmos essas duas linguagens tão distintas em um espectro colorido, teríamos um texto azul de um lado e uma imagem vermelha no seu outro extremo. A diferença, então, entre ler uma palavra e “ler” uma imagem é que elas são diferentes formas de uma mesma coisa, assim como azul e vermelho são ambos luz. No fim, palavra e imagem cumprem o mesmo propósito: o de iluminar ideias.

FIG. 34

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Lacunas e ambiguidades Se no subcapítulo anterior minha intenção foi buscar na literatura, na linguística e na filosofia elementos para trazer à tona a razão pela qual a ilustração existe (para acrescentar uma dimensão visual de significados para a matéria), neste capítulo quero discorrer sobre como ela faz isso. Ou seja, mostrar como a ilustração opera ou quais mecanismos inerentes a ela estão em jogo quando a pessoa está lendo um artigo acompanhado por uma imagem. Para tanto, é preciso primeiramente apontar para a experiência que é ler uma publicação ilustrada. Como qualquer sobrinho de cinco anos poderia dizer, ler um texto com figuras é completamente diferente de ler um bloco de texto corrido sem estímulos visuais. Quais são, então, as especificidades da leitura de uma publicação ilustrada? Na falta de literatura teórica voltada para a ilustração em revistas e jornais mais abrangente, vou me apoiar em teorias propostas por Sophie Van der

FIG. 34

FIG. 35

Ilustração de Yuko Shimizu

Ilustração de Yuko Shimizu

para a revista GQ, em

para a revista

Fevereiro de 2014, sobre

PLANADVISER, em

uma crítica literária do

Fevereiro de 2014, sobre

livro “On Such a Full Sea”

maneiras de se mensurar

de Chang-rae Lee sobre

rentabilidade

imigrantes vivendo em uma distopia na cidade de Baltimore

FIG. 35

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Linden (2011) e por Nikolajeva e Scott (2011) para a área de ilustração em livros infantis. Excetuando seu público infantil e sua narrativa sequencial, a leitura de uma página de um livro ilustrado é muito semelhante à leitura da publicação jornalística ilustrada. 29. LINDEN, 2011, p. 8.

Como já visto no capítulo anterior, uma matéria ilustrada evoca de imediato duas linguagens: o texto e a imagem. E, por isso, sua leitura “solicita apreensão conjunta daquilo que está escrito e daquilo que é mostrado.”29 A tentativa de se ler uma revista do seguinte modo: tentar examinar primeiramente a imagem e depois ler a totalidade do texto sem que os olhos vagueiem para a imagem em nenhum momento, mostra ser uma tarefa, para a surpresa de muitos, extremamente não-natural e difícil (FIG. 36). Nossa leitura natural desse tipo de texto não processa partes isoladas e sim varre o todo diversas vezes, indo e voltando entre cores, palavras, figuras, detalhes, parágrafos. Barthes (1977) já tratou da dinâmica entre esses vários elementos, e explicou que a imagem é colocada em relação direta com legendas, manchetes, introdução, corpo de texto, etc. Assim, o desenvolvimento de significado vem da proximidade física das estruturas. A construção de sentido emerge através desta cooperação entre imagem e texto. Já no seu artigo para a revista de ilustração Varoom !, Hoogslag (2013) descreve a experiência de se ler um artigo como um processo gradual de compreensão:

30. HOOGSLAG, 2013, p. 23. Tradução da autora.

Se num primeiro instante a imagem engaja e direciona a leitura inicial, é o texto que por sua vez dá forma a interpretação da imagem. Esse processo de compreensão pode vir por meio de uma análise consciente de ambas as estruturas independentes, bem como do significado construído entre eles.30

A essa altura já é possível perceber que a compreensão de uma página ilustrada é tudo menos simples e direta, mas extremamente flexível e energética. Assim, ler uma publicação ilustrada não se resume a ler a

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imagem e depois ler o texto. É isso, e também muito mais. É a apreensão conjunta de Linden (2011) ou a cooperação de Barthes (1977). É, como diz Hoogslag (2013), uma leitura que apresenta uma formação de significados fluída e simbiótica, na qual é através da leitura que a imagem carrega o texto, seguido por uma influência contínua e mútua de um sobre o outro.

FIG. 36 Ilustração de Al Parker para a revista Cosmopolitan, em 1954, sobre a historia de um casal recém-casado

Neste ponto é importante notar um detalhe. Barthes (1977) aponta que a presença da legenda ao lado da imagem editorial tem um primeiro papel importante de verificação. Isso pode muito bem ser verdade no caso de uma fotografia ou infográfico, mas, no contexto editorial contemporâneo, uma ilustração na maioria das vezes não possui uma legenda. A ilustração não verifica ou explica, mas sim sugere e reflete. Como uma imagem codificada, feita pelo homem e não pela máquina, ela não pode oferecer respostas explícitas ou soluções claras. Aqui, fatos não são dados. Tal como o gato de Alice no País das Maravilhas e suas falas enigmáticas, a ilustração é orgulhosamente sugestiva e ambígua, e exige a interpretação do leitor. É por isso que o processo da leitura acaba se tornando um desvendamento do sentido da história. É um trabalho de descascar camadas que já se inicia no momento em que o leitor bate os olhos na revista e nota algo

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FIG . 37 Ilustração de Eleanor Davis para o New York Times, em janeiro de 2014, sobre os perigos para gestores de fundos de investimento que aproveitam o “ar rarefeito” criado pelos sinais de uma economia forte, mas que um olhar mais atento revela ter muitas fraquezas.

interessante na ilustração que o leva a começar a ler o artigo. A ilustração de Eleanor Davis (FIG. 37) é um bom exemplo disso, ao criar uma situação curiosa que instiga mais perguntas do que apresenta respostas. 31. HOOGSLAG, 2013

Para conseguir seduzir o público a ler, a ilustração “deve sempre manter uma sensação de incompletude, porque, se ela fosse totalmente explicativa, deixaria o texto supérfluo. É apenas durante a leitura que um sentido mais completo pode se apresentar.31 É no transcorrer da leitura que os papéis mudam, no momento em que o entendimento do texto começa a influenciar a interpretação da imagem. É preciso também pontuar a importância da interpretação para o papel da ilustração editorial. Se uma fotografia tem como objetivo validar a história através da apresentação de uma camada de evidência visual, mostrando acontecimentos reais, pessoas reais e objetos, a ilustração não pode fazer o mesmo. Como uma imagem construída, ela será sempre uma interpretação. Ligada ao texto, ela só pode se referir ao que não é dito, à incompletude do texto escrito.

32. HOOGSLAG, 2013; BLACK, 2014; NIKOLAJEVA; SCOTT, 2014; LINDEN, 2011

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Essa ideia de incompletude é um tema recorrente nos estudos sobre a ilustração. Por vezes ela é chamada de “espaço” dentro do trabalho, “metáfora”, “subjetividade”, “trabalho”, “lacuna”, “ambiguidade”, e, por fim, “tensão”.32


FIG. 38 Ilustração de Henry Campbell para o New York Times, em outubro de 2016, sobre o resgate de neuroplasticidade, a habilidade do cérebro de formar novas conexões (algo mais prevalente durante nossa infância), no cérebro adulto.

A autora francesa Anne-Marie Christin a descreve como um “vazio”. Diz ela que “é indispensável também admitir que olhar [para o texto e imagem] não consiste em identificar objetos ou em matar o outro, e sim em compreender os vazios, ou seja, em inventar.”33

33. CHRISTIN apud LINDEN, 2011, p. 89.

A incompletude inerente à publicação ilustrada, a ser completada pelo leitor, é um conceito chave para entender a ilustração editorial. Ela é o mecanismo que opera no seu coração, o que a torna efetiva na hora de cativar o leitor e provocar reflexões. Como ela faz isso? Suponho imaginar que ao colocarmos uma imagem ao lado de texto abrimos uma lacuna. Sabemos que os dois elementos estão relacionados, mas não sabemos imediatamente como, e é por isso que começamos a caçar pistas, significados. Nós procuramos respostas na ilustração porque sabemos que é assim que ela funciona - há uma convenção e uma compreensão mútua entre público e publicação que foi formada ao longo de centenas de anos. Por conta dessa experiência, sabemos o que temos de fazer da mesma forma que quando olhamos para uma caixa com peças de quebra-cabeça. Na hora sabemos que temos que encaixar as peças para descobrir a imagem. No caso da ilustração, o ato de “encaixar as peças” nada mais é do que sua interpretação. Trata-se de uma relação recíproca: se por um lado a ilustração demanda interpretação, por outro nós estamos felizes em atender à sua solicitação.

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FIG. 39 Ilustração de Al Parker para Boy’s Life, em dezembro de 1969, sobre a historia de ficção científica de invasores do espaço.

“Settlers from Space”, ou “Invasores do Espaço”, é uma típica história de literatura pulp que a revista Boy’s Life trazia em toda edição para o seu público juvenil (FIG. 39). A combinação da ficção científica de Dave Colombo com a ilustração de Al Parker é um exemplo de que, até mesmo nas narrativas ilustradas consideradas menos sofisticadas e kitsch, existe a tensão tão necessária à boa ilustração. Nesse caso, a lacuna criada vem de uma discrepância: o começo do texto apresenta o início do conto, mas a imagem já nos joga para os acontecimentos que serão apresentados mais para o meio. Ora, se o texto é uma narrativa e a ilustração, um quadro da sua história, a tensão provém justamente do ato de ligar os pontos. A imagem diz “decifra-me”, e nossa mente tenta resolver o mistério: onde essa representação se encaixa na história ? As autoras Maria Nikolajeva e Carole Scott (2011) tomaram um interesse especial nessas tensões ao estudarem o livro ilustrado em “Livro Ilustrado: Palavras e Imagens” (2011). Nele, elas explicam que a natureza dessas tensões pode vir de contrapontos. Nas palavras de Nikolajeva e Scott, Essa tensão alerta o leitor para a interação inerente aos livros ilustrados entre a narrativa linear normalmente apresentada no texto e o aparente

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aspecto estático das imagens, e argumenta em favor de uma reavaliação de sua interação (...) os livros ilustrados que empregam o contraponto são

34. NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 26

particularmente estimulantes porque suscitam muitas interpretações e envolvem a imaginação do leitor.”34

Em um nível primário, essa tensão pode vir simplesmente de uma discrepância sequencial, como o caso de “Invasores do Espaço” nos mostra. Entretanto, em um nível mais sofisticado, podemos observar que ela pode vir de um contraponto de estilos, de gêneros ou de modalidades, e até mesmo de pontos de vista. Iremos agora nos aprofundar nesses casos.

A lacuna criada por um contraponto de estilos Em uma matéria ilustrada, as palavras podem ter um cunho jornalístico sério enquanto as imagens apresentam um tom leve e humorístico. O artigo “How Disney Turned ‘Frozen’ Into a Cash Cow”, da seção de economia do New York Times, investiga a máquina de licenciamento de produtos da Disney a partir do filme Frozen (FIG. 40; FIG. 41). É uma típica matéria de marketing, sóbria e informativa, porém a ilustração que a acompanha é qualquer coisa menos isso. Ao desenhar os produtos fictícios “ervilhas Frozen”, “termômetro Frozen”, “água Frozen”, Kelsey Drake faz uma observação espirituosa sobre o nível absurdo que o licenciamento atingiu. É esse contraponto de estilos que traz uma camada de ironia ao texto, tornando a matéria muito mais interessante.

FIG. 40; FIG. 41 Ilustração de Kelsey Drake para o New York Times, em dezembro de 2014, sobre o império de produtos licenciados que a Disney criou a partir do

Texto sério e imagem humorística

filme Frozen.

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FIG. 42 Ilustração de Carolyn Phillips para a revista Lucky Peach, em janeiro de 2015, sobre um guia dos diferentes tipos de dumplings chineses.

Texto humorístico e imagem séria O contrário também pode ser empregado. A matéria pode ser nada séria e acompanhar uma imagem tão austera quanto um desenho taxonômico, como é o caso do texto “The Beginners Field Guide to Dim Sum”, da revista Lucky Peach (FIG. 42). O humor vem justamente por trazer uma abordagem científica para um assunto banal. Entre as possibilidades adicionais, encontram-se contradições como romântico/realista, realista/ingênuo, histórico/anacrônico, “artístico”, “popular”, e assim por diante.

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A lacuna criada por um contraponto de gênero ou de modalidade As palavras podem ser “realistas” e as imagens sugerir fantasia, por exemplo. Marcos Shin ilustra um artigo financeiro sobre a rentabilidade de investimentos na área socioambiental com a imagem de uma fantasia folclórica japonesa (FIG. 43). Uma ilustração tão imaginativa que tem o poder de colorir a escala de cinza maçante que é um texto financeiro. Esta tensão entre uma narrativa “objetiva” e a “subjetiva” expressa por imagens é uma tendência contemporânea em artigos de revistas de negócios, psicologia e medicina. Texto realista e imagem fantasiosa

FIG. 43 Ilustração de Marcos Shin para a revista Chief Investment Officer, em abril de 2015, que discute o aspecto financeiro de se investir no setor ambiental e social, e a dicotomia rentável/sustentável.

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A lacuna criada por um contraponto na perspectiva ou ponto de vista 35. NIKOLAJEVA; SCOTT, 2011, p. 44

Nas palavras de Nikolajeva e Scott (2011), “em narratologia, faz-se distinção entre quem está falando (nos livros ilustrados expresso principalmente por palavras) e quem está vendo (expresso de modo metafórico, por palavras, ou de modo literal, por imagem.)”35 Este contraponto é muito interessante, pois apresenta dois pontos de vista distintos. Sendo assim, ele é especialmente eficaz se a matéria quiser transmitir empatia. Bianca Bagnarelli faz um belíssimo e, mais importante, estratégico uso de sua ilustração para uma série de cartas que mostra a correspondência entre uma jovem da periferia, Jessica, e um policial veterano, Carl (FIG. 44). Jessica teve seu primo injustamente morto por policiais enquanto ele lia em um banco no parque. Na carta “Dear Jessica, I’ve Seen Officers Misbehaving. And I Failed To Speak Up.” (Querida Jessica, Eu Já Vi Policiais Tendo Uma Má Conduta. E Eu Falhei Ao Não Conseguir Dizer Algo A Respeito.), Carl escreve para Jessica sobre o estado psicologicamente estressante e paranóico que a profissão gera. Como o texto é feito em primeira pessoa, era importante que a matéria não caísse no erro de encobrir, mesmo que acidentalmente, os atos hediondos dos policiais ou o sofrimento causado por eles. Por isso era necessário contrapor seu ponto de vista com uma ilustração que lembrasse a perspectiva de Jessica família da vítima. No fim, a matéria ilustrada consegue cumprir dois objetivos: evocar empatia do leitor pela situação de Carl e, ao mesmo tempo, empatia pela vítima e sua família. FIG. 44

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Um canivete suíço Até o momento, tratei do como e do porquê da ilustração editorial. Neste subcapítulo, vou apresentar a quais propósitos ela pode servir, especificamente. Já vimos que a ilustração tem o poder de acrescentar um novo olhar à leitura e que também possui uma natureza ativa por demandar a interpretação do leitor. Basta agora qualificarmos os seus usos. Como um canivete suíço, a ilustração contém um arsenal de funções e, por isso,é extremamente versátil. De imediato enxergamos essa pluralidade no seu amplo uso de diferentes técnicas. Embora a caneta seja a estrela mais famosa da ilustração, ao longo dos anos a área mostrou que existem poucas ferramentas que ainda não entraram para o estojo do ilustrador. Josh Murr (2012), ilustrador e designer, comenta: [A ilustração] jaz em algum lugar entre as belas artes, a fotografia, o graphic design, a tipografia e quase qualquer outra prática visual existente. É essa falta de limites que faz com que a ilustração funcione, pois é o que a permite trabalhar de uma maneira multifacetada.36

36. MURR, 2012. Tradução da autora.

FIG. 44 Ilustração de Bianca Bagnarelli para a publicação online Medium.com, em 2015, que mostra a correspondência entre uma jovem da periferia e um policial veterano.

FIG. 45 Ilustração de Brianna Harden para a revista Lucky Peach, em 2013, sobre a história do Molten Chocolate Cake (petit gateau).

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37. MALE, 2007, p. 118

Conseguir trabalhar de uma maneira multifacetada é crucial para o trabalho da ilustração, na medida em que sua principal função “é ser simbiótica com o jornalismo contido dentro das páginas de jornais e revistas, o que sugere que o potencial para o seu uso e as possibilidades para sua aplicação são enormes.”37 Em outras palavras, a ilustração é tão plural quanto o jornalismo precisa que ela seja. Um mapa “psicodélico” feito em vetor digital é um ótimo par para um artigo de viagem sobre o espírito exuberante de feiras e festivais de comida que existem nos EUA (FIG. 46). Mas uma história pessoal sobre depressão e internações clínicas pode pedir uma pintura com linhas reduzidas, desprovida de todas as cores para poder captar o sentimento de desamparo (FIG. 47). Por sua vez, uma matéria de jornalismo gonzo, que é marcada pela parcialidade e pela não seriedade com que a notícia é tratada, demanda o ataque violento que somente uma caneta de tinta nas mãos de um ilustrador, como Ralph Steadman, poderia trazer (FIG. 48).

FIG. 46

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Ilustração Editorial

FIG. 46 Ilustração de Brosmind para a revista National Geographic, em 2014, sobre os melhores festivais de comida em cada estado dos Estados Unidos.

FIG. 47 Ilustração de Alexander Glandien para a publicação online Medium.com, em 2015, sobre o relato pessoal do autor de sua internação involuntária a uma clínica psiquiátrica após crises de depressão.

FIG. 48 FIG. 47

Ilustração de Ralph Steadman para a revista Cycle World, em março de 1995, sobre a experiência visceral de dirigir uma Ducati 900ss.

FIG. 48

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38. MALE, 2007 39. NIEMANN apud JAMES, 2010

Como esses exemplos demonstram, o casamento entre texto e ilustração precisa ser uma combinação certa, e é precisamente por isso que a ilustração dispõe de tantos gêneros e técnicas diferentes.38 O renomado ilustrador contemporâneo Christoph Niemann39 descreve esta junção entre o tom de um texto e sua representação visual como um designer gráfico em busca da tipografia perfeita:

40.

Eu sinto que para atingir um determinado tom você

NIEMANN apud

precisa encontrar o estilo certo [para a ilustração].

JAMES, 2010. Tradução da autora.

É como um designer gráfico ao escolher uma certa tipografia. [...] Se você escolher desenhar uma pessoa como um ícone, como o símbolo de um banheiro, ou se você fizer somente sua silhueta, tudo isso realmente altera o seu significado e muda a maneira como o leitor o olha e disseca o conceito. Se eu limitasse meu estilo a um determinado vocabulário visual restrito eu limitaria a minha maneira de poder expressar uma vasta gama de idéias.40

Como o trabalho de Niemann nos mostra, a escolha do material, seja ele grafite, aquarela, colagem ou até mesmo vetor digital, está sempre a serviço da representação mais pertinente à ideia por trás do artigo (FIG. 49; FIG 50; FIG 51). Para a ilustração editorial, as técnicas são somente meios para um fim maior: o da comunicação.

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FIG. 49 Ilustração de Christoph Niemann para o New York Times, em 2014, sobre uma resenha literária do livro “The Sixth Extinction” de Elizabeth Kolbert.

FIG. 50 Ilustração de Christoph Niemann para o New York Times, em 2006, sobre a crise eminente da economia americana frente ao aumento incessante de deficits.

FIG. 51 Ilustração de Christoph Niemann para o New York Times, em 2014, sobre uma edição especial da revista sobre alimentação infantil.

Por isso, a ilustração é como um canivete suíço, não apenas por conta de seu uso abrangente de diferentes técnicas mas também por conta das diferentes funções que ela dispõe como uma ferramenta comunicativa. Logo de imediato, a ilustração tem um primeiro papel de garantir que é o de garantir que o leitor perceba a imagem e se engaje com o texto relacionado: A ilustração é como um trailer de filme instantâneo.

41.

Ela dá uma idéia sobre a história e seu ponto de vista

HOOGSLAG, 2011.

e a conecta ao mundo do leitor. Isso não só envolve

Tradução da autora.

um estilo que atraia o leitor para dentro da narrativa contida na imagem, mas também um que o atraia para o texto.41

De um ponto de vista mercadológico, a imagem ajuda a atrair a atenção na banca de jornais, ou no momento em que o leitor está folheando a revista. De um ponto de vista de design, ela facilita a navegação dos olhos pela página, pois ajuda a distinguir uma matéria da outra.42 E, ainda como uma ferramenta editorial, ela ajuda a entregar informações visuais e apoia o texto que a acompanha.

42. HOOGSLAG, 2011

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43. ZSIGMONG, 2016

Quando bem explorado, um só desenho pode exercer vários desses papéis ao mesmo tempo, como um prédio que possui vários andares. Alexandra Zsigmond (2016), diretora de arte do New York Times Sunday Review e Opinion Section, diz que por vezes o ilustrador precisa “criar um trabalho artístico original que, com sorte, consiga elucidar e esclarecer um artigo, mas que também funcione independentemente como uma forte obra de arte.”43 A ilustração editorial tem o potencial mágico de se conectar com o leitor, ser franca, condensar a essência de um texto e ser visualmente impactante. Ela pode ser modular e apresentar somente um desses atributos, como pode ser elástica e apresentar todos eles ao mesmo tempo.

44.

A ilustração consegue resumir a matéria, fazer

NIEMANN apud

com que você queira lê-la, te dar um soco gráfico

JAMES, 2010. Tradução da autora.

e, idealmente, quando você acabar de ler o artigo, ela ainda pode te trazer uma segunda camada [de leitura]. [...] Eu não acho que uma ilustração conceitual é boa e uma representacional é ruim. Eu penso que cada tarefa precisa de uma certa abordagem, e algumas vezes múltiplas abordagens são possíveis.44

Baseando-me nas ideias trazidas até então, eu sugiro que a ilustração editorial possua três qualidades de engajamento. Estas qualidades podem ser intercambiáveis ou funcionarem como diferentes níveis ao serem somadas umas às outras. Cativar: A começar pela própria imagem, é a habilidade de impactar, envolver o leitor e levá-lo para dentro da história, da ideia, ou da publicação.

FIG. 52 Ilustração da dupla Brosmind para a revista Le Monde, em 2015, sobre a crítica do restaurante francês Yard.

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Traduzir: A habilidade de trazer o essencial da história, ou seja, seu conceito, seus valores e a intenções que há por trás da escrita. Além disso, a habilidade de fazê-lo em um formato visual original que o leitor consiga entender e apreciar. Levar à reflexão: A habilidade de provocar no leitor uma reflexão mais profunda em torno dos temas apresentados, de levantar perguntas e


conduzi-lo a pensamentos que previamente não existiam - ou desbloquear aqueles que estavam muito bem guardados.

FIG. 53 Ilustração de Monica Ramos para a revista Lucky Peach, em 2013, sobre uma edição especial de genêros.

Cativar Uma ilustração deve ser envolvente à primeira vista, ou exigir que você a olhe duas vezes, o que é, por muitas vezes, uma função de estilo e composição.

45. HELLER, 2004. Tradução da autora.

Um trabalho que não atraia o olhar tem pouca esperança de conseguir instigar a mente.45

A boa ilustração editorial, assim como qualquer boa comunicação visual, consegue fazer com que você sinta algo, e o sinta fortemente, seja esse um sentimento de tranquilidade, de vergonha, de curiosidade, ou até mesmo um riso ou um arrepio. Por isso quando falo em cativar, falo dessa sensação instintiva que um primeiro contato com a figura gráfica pode trazer. É esse poder impulsivo que faz com que as pessoas se conectem com a imagem num primeiro instante e que, caso ausente, pode acabar com qualquer tentativa adicional da ilustração em dizer algo. Assim como um carro que não consegue entrar em movimento por uma falha na ignição, o primeiro impacto de uma ilustração é um momento crucial na sua comunicação. A qualidade de uma ilustração em poder cativar a atenção pode ser considerada uma medida de sucesso.

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ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Sobre a importância em fazer com que o visual instigue nossa mente, o encenador e dramaturgo Robert Wilson certa vez disse que 46.

Muitas vezes no teatro, o visual repete o verbal. O

WILSON apud HOLM-

visual desaparece na decoração. Mas eu penso com

BERG, 1993. Tradução

meus olhos. Para mim, o visual não é um pós-escrito,

da autora.)

um pensamento tardio. Se ele diz a mesma coisa que as palavras, por que olhar? O visual precisa ser tão atraente a ponto de um homem surdo conseguir assistir uma performance inteira, fascinado.­46

Às vezes não podemos deixar de nos apaixonar pelo sentimentalismo que uma obra expressa. A ilustração de Mark English, em 1965, para um conto na revista Redbook sobre luto, traz um exemplo disso. Imediatamente nossos olhos são atraídos como imãs para o canto superior direito do desenho (FIG. 54). A poderosa composição, com suas poças negras e brancas que se repelem, obriga-nos a descansar os olhos no encontro de águas: um momento íntimo em que um homem consola uma mulher enlutada. A imagem emana a mais sincera ternura.

FIG. 54 Ilustração de Mark English para a revista Redbook, em 1965, sobre um conto romântico que narra

80

história de uma jovem viúva.


A ilustração pode também simplesmente intrigar pela quantidade de informações que ela nos transmite. Um dossiê de informação pode vir em camadas, como os desenhos complexos e ricos em detalhes de Victo Ngai (FIG. 55), ou pode explodir na sua frente de uma só vez como a bomba de cores que é a ilustração de Pedro Suarez (FIG. 56).

FIG. 55

FIG. 56

Ilustração de Victo Ngai para a revista Tor.com, em

Ilustração de Pedro Franz para a revista Piauí, em

2013, sobre um conto divertido e surreal no qual um

2013, sobre um romance na qual um sujeito morre

casal prestes a se casar que se encontram em fuga

e, ao chegar nas altas instâncias celestiais, descobre

de “goons” em uma realidade alternativa mágica dos

que foi uma encarnação de Deus na Terra, sem jamais

Estados Unidos.

se dar conta disso.

81


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

A ilustração ainda pode mexer com nossas vulnerabilidades, como faz Phil Hale nos seus inquietantes trabalhos para contos de terror (FIG. 57; FIG. 58). Nunca de maneira gratuita, Hale consegue trazer à tona visões perturbadoras ao entregar somente um vislumbre do sinistro e afastar-se para deixar nossa imaginação fazer o resto. Hale sabe que, algumas vezes, o que não é mostrado pode ser muito mais poderoso. Algumas vezes esta sensação de estranhamento pode ser explorada de maneira sutil, sem se utilizar de uma atmosfera ou um tom sombrio, mas simplesmente por mostrar algo que parece estar fora do lugar, como é o caso do retrato de Monteiro Lobato e Barack Obama que demanda um segundo olhar do leitor (FIG. 22).

FIG. 57 Ilustração de Phil Hale para a revista Playboy, em 2009, sobre um poema narrativo de terror escrito por Stephen King no qual um homem descreve sua jornada amaldiçoada por uma terra desconhecida.

FIG. 58 Ilustração de Phil Hale para a revista Playboy, em 2008, sobre um conto de terror no qual um americano viaja para o Afeganistão para investigar sobre a morte de seu amigo nas mãos do Talibã.

82


FIG. 59 Ilustração de Benício para a revista Piauí, em 2008, sobre uma resenha literária do romance utópicofuturista de Monteiro Lobato O Presidente Negro, escrito em 1926 mas ambientado no distante ano de 2228, sobre a eleição de um primeiro presidente negro.

Traduzir Eu tento encontrar algo da história - seja um incidente, uma faceta de um personagem, um símbolo, ou qualquer coisa - que eu sinto que é o que mais vale a pena traduzir em uma imagem. Meu

47. FUCHS apud APATOFF, 2013, p. 23. Tradução da autora.

objetivo não é simplesmente decorar a página, mas fazer ilustrações que contribuirão para, e talvez até aumentem, o significado, o drama ou a emoção das palavras. As pessoas deveriam se envolver pessoalmente com a imagem.47

Como o notável ilustrador do anos 60, Bernie Fuchs, nos relata, traduzir um texto em imagem não é sobre mimetizar. Trata-se de enxergar quais seriam os elementos mais valiosos para o leitor compreender da escrita e sintetizálos de maneira visual. Em outras palavras, a ilustração tem a capacidade de traduzir em uma só imagem conceitos, valores, temas, provocações e sentimentos contidos no texto. Algumas o fazem de maneira tão aguçada a ponto de iluminar ideias escondidas nas palavras.­48

48. HELLER, 2004

Como a ilustração refere-se a comunicar, essa iluminação das ideias pode vir por meio do uso de antigos elementos da arte da retórica como a metáfora, a metonímia, a sinédoque, ou a amplificação. Todas essas estratégias do discurso verbal possuem também um correspondente visual.

83


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Por exemplo, para retratar o artigo sobre o árduo processo que imigrantes enfrentam para conseguir obter um status legal nos EUA, e acabam presos em rodeios de intermináveis papeladas, Jason Arias escolheu ilustrá-lo como um círculo vicioso a la Escher (FIG. 60). Uma criativa metáfora que conseguiu acentuar a angústia que esse processo causa.

FIG. 60 Ilustraçã Ilustração

Outro exemplo é a ilustração de Victo Ngai para a revista Cincinatti Magazine sobre a melhoria em tecnologias para detecção de cancer. Ngai evitou clichês fáceis como imagens de raio-x, e, ao invés, traduziu a ideia de uma melhor “detecção” como uma imaginativa metáfora de um detetive que consegue encontrar facilmente um monstro em um labirinto (FIG. 61).

de Jason Arias para a publicação online Medium, em 2015, sobre um relato pessoal da luta de uma jovem, nascida nos EUA e de país imigrantes, pela obtenção de um

Algumas vezes uma revista publica um artigo com um conteúdo denso, cheio de ideias abstratas e filosóficas, cuja leitura e compreensão são lentas. Então a habilidade da ilustração de solucionar problemas de maneira visual é especialmente útil para esclarecer ideias complexas.

status legal.

49.

O que é especial sobre a ilustração é que ela nunca

HOOGSLAG, 2013,

é sobre evidência, mas sim sobre tentar convencer.

p. 28. Tradução da

Nunca neutra, ela tenta persuadi-lo [o leitor] a ver a

autora.

história sob uma luz particular, para entender o que o escritor e a revista tinham em mente e ajudá-lo a compreender ideias que são às vezes difíceis e complexas.49

Trago o exemplo da revista de filosofia alemã Hohe Luft que publicou uma matéria que discutia o conceito de livre arbítrio. Uma das ideias apresentadas é de que a concepção do livre arbítrio é determinante para nossa sociedade funcionar, pois sem ele não haveria responsabilidade. Tudo o que nós fazemos e consideramos serem escolhas racionais perderia o sentido se não tivéssemos a liberdade de escolha. Para conseguir agir, é preciso prescrever livre arbítrio. A fim de ajudar a refletir sobre uma questão tão complexa e com tantas ramificações, a revista utilizou o talento da dupla Brosmind (FIG. 62). O desenho sugere pensarmos nossa mente como um computador que necessita a inserção do “disco” livre arbítrio para funcionar.

84


FIG. 61

FIG. 62

Ilustração de Victo Ngai

Ilustração de Brosmind

para a revista Cincinnati

para a revista Hohe Luft,

Magazine, em 2012, sobre

em 2013, sobre uma dis-

novas e melhores

cussão filosófica acerca do

tecnologias para a

conceito de livro arbítrio.

detecção de cancer.

85


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Assim, o auge da boa tradução acontece quando a imagem consegue servir como um ícone para uma determinada ideia. Ou seja, ela resume o assunto do texto de uma maneira tão precisa, concisa e criativa que, dias após a sua leitura, basta um olhar para nos lembrarmos de toda sua mensagem. A mão-revólver de Murray Tinkelman (FIG. 63), que mostra o problema da posse de armas e a natureza impulsiva intrínseca ao homem, e a máquina de vendas de Kelsey Drake (FIG. 64), que apresenta o aspecto comercial de sites de namoro como o eHarmony, são ambos exemplos de ilustrações memoráveis.

FIG. 63 Ilustração de Murray Tinkelman para o New York Times, em agosto de 1972, sobre um pedido aos governadores para aumentarem o controle das armas.

FIG. 64 Ilustração de Kelsey Drake para o New York Times, em junho de 2014, sobre como sites de relacionamento nos ensina princípios de economia.

86


Levar à reflexão Para discutir sobre a última qualidade que apresento da ilustração, a reflexão, pego emprestado os pensamentos do intelectual Umberto Eco (1979) sobre a subjetividade no mundo moderno: Um mundo ordenado baseado em leis universalmente reconhecidas está sendo substituído por um mundo baseado na ambiguidade, tanto no

50. ECO, 1979, p. 54. Tradução da autora.

sentido negativo de que nos faltam faróis para nos orientar, quanto no sentido positivo, porque valores e dogmas estão sendo constantemente postos em xeque.50

Essa visão de ambiguidade como uma faca de dois gumes aplica-se também à natureza subjetiva da ilustração, e aponta para uma de suas melhores qualidades: a de provocar novos questionamentos. Diria que é uma das melhores, mas também a mais difícil de realizar. Fazer com que o leitor reflita é uma tarefa que requer originalidade e percepção, e depende das próprias referências individuais que a pessoa traz consigo. Uma combinação de fatores tão específica que trata-se, quase, de um alinhamento dos astros. Mas quando acontece, a ilustração consegue fazer com que consideremos o mundo de uma forma diferente. Isso ocorre porque a ilustração pode introduzir uma nova perspectiva sobre um dado tema. Ainda que algumas vezes o pensamento que ela provoque seja tão contrário a crenças já enraizadas em nós, o pensamento vem a superfície, mesmo que por um segundo, antes de nós conseguirmos enterrá-lo novamente. É exatamente isso que acontece quando a ilustração tenta nos persuadir sobre um assunto controverso. Nos anos 60, os Estados Unidos vivia um período turbulento em que o movimento pelos direitos civis dos negros encontrava grande relutância. Neste contexto, a edição de maio da revista Look, em 1967, trazia um artigo sobre o influxo de famílias negras que se mudavam para subúrbios que até então eram tipicamente brancos. Jacqueline Robbins, uma dona de casa negra que havia se mudado com sua família para o bairro branco de Park Forest, Illinois, dizia no artigo, “ser um negro no meio de pessoas brancas é como estar sozinha no meio de uma multidão”. No meio dessa situação

87


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

FIG. 65 Ilustração de Norman Rockwell para a revista Look, em 1967, sobre uma matéria que cobria a repercussão do aumento de famílias afro-descendentes em bairros do subúrbio americano em meio a luta pelos direitos civis negros.

88


tensa, uma ilustração entitulada “Novas Crianças no Bairro” aparecia na matéria (FIG. 65). A pintura feita por Norman Rockwell narra uma situação fictícia, porém comum: o dia de mudança em que uma nova família negra chega a uma rua predominantemente habitada por brancos. Em vez de usar adultos, Rockwell focou na perspectiva das crianças, que se entreolham, curiosas. No canto superior esquerdo da imagem, um vizinho espia-os pela cortina da janela, desconfiado. A imagem captura os segundos antes da primeira interação entre as crianças. Assim, o ilustrador não deixa escapatória ao leitor e praticamente pede a este que complete a sua imagem: como será que a interação entre essas crianças, seus pais, sua comunidade, sua sociedade, irá se desenvolver? Para fomentar essa provocação, Rockwell ainda incluiu elementos em comum entre as crianças: os meninos carregam luvas de beisebol, as meninas usam as mesmas fitas rosas no cabelo, os dois grupos possuem um animal de estimação. Como a poeta Maya Angelou disse à época, “Somos mais iguais, meus amigos, do que somos diferentes.” Rockwell, ao que parece, também tentou transmitir um pouco dessa ideia, ao apresentar a inocência infantil em meio ao confronto turbulento entre adultos, ou, simplesmente, ao deixar as crianças serem crianças. A ilustração pode ainda nos fazer refletir sobre questões universais, como a morte. Talvez porque a ideia da morte, assim como o amor, seja um conceito tão abstrato, ela é melhor discutida através da linguagem igualmente abstrata das imagens. Da mesma forma como mil canções diferentes sobre o amor já foram escritas, múltiplos aspectos e abordagens diferentes da morte também podem ser expressadas pelo desenho.

89


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

A ilustração pode nos confrontar com a realidade fria e banal da morte, como a figura de Matt Dorfman, que retrata de maneira arrasadoramente cínica e factual o falecimento de parentes em hospitais (FIG. 66). E, do mesmo modo, a ilustração pode também nos ajudar a estar em paz com a morte, como nos mostra o desenho singelo de Daehyun Kim sobre a inevitabilidade natural da morte (FIG. 67). Sua ilustração nos sugere a morte faz parte da nossa essência como seres vivos, paradoxalmente.

FIG. 66

FIG. 67

Ilustração de Matt Dorfman para o New York Times, em 2010, sobre um

Ilustração de Daehyun Kim para o New York Times, em 2013, sobre

relato pessoal de uma mulher que se encontra na difícil situação de ter

as reflexões de um homem sobre a inevitabilidade da morte que se

de escolher entre continuar ou não com os procedimentos médicos

desencadeiam após sua mãe se mudar para um asilo de idosos.

invasivos de seu pai que está à beira da morte.

90


FIG. 68

FIG. 69

Ilustração de Eiko Ojala

Ilustração de Sam Weber

para a revista Wired, em

para o New York Times em

2016, sobre cancer de

2009, sobre a existência

mama.

de pretóleo em ruínas antigas.

91




capĂ­tulo trĂŞs uma hist

94


tรณria esquecida

95




1840 - 1900

ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

O ilustrador como repórter A história da ilustração editorial começa com a invenção da imprensa e no contexto dos avanços da Revolução Industrial que transformavam a sociedade no século XIX. Antes deste período, a reprodução de desenhos era feita à mão, o que tornava inviável sua comercialização em larga escala. Mesmo se a produção e distribuição de baixo custo de um jornal ilustrado fossem possíveis, não havia demanda para tal em uma sociedade agrícola e analfabeta como a da época. Porém, tudo isso mudou no século XIX: 51. MEGGS; PURVIS, 2009, p. 175

maior igualdade social e mais alfabetização para todas as classes. O público para materiais de leitura aumentou na mesma medida. A comunicação gráfica tornou-se mais importante e de acesso generalizado durante esse período instável, de incessantes mudanças. Tal como aconteceu com outras mercadorias, a tecnologia reduziu os custos unitários e aumentou a produção dos impressos. Por sua vez, a maior disponibilidade criou uma demanda insaciável que trouxe consigo a aurora da era da comunicação de massa.51

52. HOGARTH, 1967

53. PYKETT, 1989; SACKETT; WOLFF, 1982

98

As Revoluções Francesa e Americana resultaram em

Não haveria ilustração moderna sem este conjunto de fatores tecnológicos e sociais decisivos: a diminuição dos custos de produção da imprensa e sua demanda criada por uma nova classe média de leitores formada por comerciantes, lojistas e operários contagiados pelas ideias de progresso.52 O caminho para o sucesso do jornalismo estava aberto, e culminou na explosão da popularidade do periódico ilustrado na Inglaterra, na última metade do século XIX. Em 1842, o visionário editor Herbet Ingram casou a xilogravura com a redação editorial e, assim, nasceu o primeiro jornal ilustrado, o London Illustrated News. Seu sucesso instantâneo foi copiado por uma onda de concorrentes que juntos trouxeram à tona uma nova fase para a mídia impressa.53 A mesma revolução acontecia no Brasil, sendo que o Ostensor


Brazileiro está entre os primeiros periódicos brasileiros cujas as imagens são tão ou até mais importantes que o texto (FIG. 73).54

54. MELO; RAMOS, 2011, p. 34

Olhando para esses jornais agora, é difícil imaginar como eles traziam alguma novidade para a época. Somente quando os comparamos, colocando-os lado a lado com a página ininterrupta de um jornal não ilustrado da mesma época, como o Kentucky Gazette, é que conseguimos apreciar o impacto que a inclusão de imagens nas páginas causou para a disseminação do periódico (FIG. 70; FIG 71).

FIG. 73 Página do Ostensor Brazileiro, de 1845.

FIG. 70

FIG. 71

Página do Kentucky

Página do The

Gazette, de 1840.

Illustrated London News, de 1851.

99


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Além de chamar a atenção com seus complexos retratos, a ilustração tinha ainda um importante trabalho de reportagem. Se nos dias de hoje estamos acostumados a ver fotografias que validam acontecimentos que ocorrem em tempo real, em 1870 a câmera fotográfica era tudo menos portátil, e fotografar eventos para notícias era pouco prático e demorado. A tarefa de reportagem era então relegada ao ilustrador-repórter. 55. HOGARTH, 1967

100

As ilustrações contidas nos periódicos semanais eram muitas vezes a única janela pela qual o resto do país conseguia ver como era a vida na cidade, quem eram seus moradores desfavorecidos e como eles viviam. Quando os editores mandavam seus artistas para as ruas para cobrir o drama vivido nas estações de trem, nos bares de gim, nos sanatórios e asilos, eles sabiam que essas ilustrações seriam de grande valor para a sociedade. Hoje a televisão tomou conta dessa função, mas em pleno século XIX eram as ilustrações estampadas nas páginas de 30x22 cm que davam ao leitor uma visão privilegiada de como era estar faminto, velho ou abandonado.55


FIG. 74

FIG. 75

Ilustração de George Pinwell para o

Ilustração de Hubert Herkomer para o

jornal The Graphic, em 1870, sobre uma

jornal The Graphic, em 1877, sobre as

criança perdida nas ruas de Londres.

condições de um asilo de idosos em Westminster Union.

101


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

102


O jornal semanal The Graphic foi um dos primeiros e mais notáveis periódicos a se interessar pela vida cotidiana da população. Seus belos desenhos, ricos em detalhes, mostravam situações difíceis da era vitoriana em Londres de maneira franca e ao mesmo tempo tocante (FIG. 74; FIG. 75; FIG. 76; FIG. 78). O trabalho do The Graphic representou um marco não somente na história da reportagem, mas também na história da arte. Por um tempo, suas ilustrações exerceram uma enorme influência em uma geração mais jovem de artistas. Um de seus admiradores foi Van Gogh, que se dedicou a fazer desenhos da vida popular de sua cidade, Hague, para mandar para o jornal. Infelizmente, sua timidez o impediu de enviá-las.56 “Para mim teria sido a maior honra, um ideal, ter trabalhado no que o The Graphic começou,” escreveu ele para seu irmão Theo em 1882, “o que Dickens foi como escritor, o que a Household Edition [coletânea de seu trabalho] foi como publicação, é o que foi o início sublime do The Graphic.”57 É importante notar que as ilustrações dessa época eram narrativas cuidadosamente construídas e dramatizadas a ponto de não deixarem dúvidas quanto a sua história e interpretação. Se por um lado seu objetivo era retratar as notícias o mais realisticamente possível, por outro lado o jornal também possuía a consciência de que sua interpretação de um mundo que

56. HOGARTH, 1967 57. GOGH, 1990

FIG. 76 Ilustração de P. Renouard para o jornal The Graphic, de 1887, sobre a situação crítica de moradores de rua na cidade de Londres.

103


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

58. PYKETT, 1989; SACKETT; WOLFF, 1982

59. MELO e RAMOS, 2011, p. 49

estava rapidamente se transformando servia como bússola moral para seus leitores.58 Essa dicotomia era o que forçava a ilustração a se equilibrar entre fato e ficção. É possível observar essa linha tênue nas páginas da revista brasileira Revista Ilustrada, de Angelo Agostini, considerada o mais importante periódico brasileiro do século XIX, devido, em grande parte, ao importante papel político que cumpriu na luta pela causa abolicionista.59 A capa da edição de 1887, da referida revista, mostra-nos a notícia de um fazendeiro que mandou seus escravos punirem um trabalhador português, branco e livre (FIG. 77). É importante lembrar que o desenho foi feito com base em um telegrama do ocorrido, sem nunca o artista ter testemunhado o evento, ou seja, os detalhes da ilustração foram necessariamente fabricados. A punição é ilustrada de maneira clara, porém a decisão editorial de manter o pedreiro vestido com calças e sapatos enquanto os negros estão descalços mostra que até mesmo em uma situação na qual há uma inversão de papéis, o branco ainda mantém sua posição social superior a do negro.

FIG. 77 Ilustração de autor desconhecido para a Revista Ilustrada, de 1887, sobre a notícia de que um fazendeiro de Campinas mandou punir a chicotadas um funcionário português.

FIG. 78 Página do jornal The Graphic, de março de 1870, sobre as relações políticas entre a Inglaterra e a

104

Irlanda.


105


1905 - 1940

ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

A ilustração como crítica social 60. HOGARTH, 1967

61. BEEGAN, 2008; BENJAMIN, 1936; CARRINGTON, 1905; HUTT, 1973; REED, 1997; RUSKIN, 1872; SINNEMA, 1998 apud HOOGSLAG, 2013

62. MEGGS; PURVIS, 2009

O começo do fim da era do artista como repórter foi anunciado em 1889, com a chegada da câmera portátil Kodak ao mercado. Por todo o mundo, mesas de editores de repente encontraram-se inundadas de fotografias que rapidamente se afirmaram como uma opção mais conveniente e eficiente para capturar acontecimentos. Em 1905, a maioria dos diários populares já usava a fotografia para cobrir a maioria de suas notícias.60 Walter Benjamin (2002) descreve, em seu ensaio “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica”, de 1926, esse período como uma mudança radical que balançou a área das artes visuais e da sua reprodução. O poder da imagem fotográfica forçou as outras disciplinas visuais a redefinirem os seus papéis e isso marcou um momento crucial na história da ilustração. Embora esta tenha perdido seu papel de documentar o real, a ilustração ganhou uma nova força ao se reinventar como uma ferramenta visual individual e expressiva. De certo modo, a fotografia libertou a ilustração - agora o artista estava livre para explorar o lado reflexivo, sugestivo e imaginário da ilustração.61 Antes da virada do século XX, na Europa, as mudanças já estavam sendo sentidas, a começar pelo estilo das artes gráficas. O desenho ganhou um traço mais moderno e curvilíneo nas mãos de Aubrey Beardsley (18731898). A simplificação de suas formas singulares, inspiradas também nas artes visuais japonesas, marcou a sua obra (FIG. 79). Sob uma variedade de nomes diferentes (Estilo Moderno, Art Noveau, Jugendstil), este novo estilo se espalhou como fogo pela Europa. De Londres a Barcelona, Paris, Munique, Berlim, Viena e São Petersburgo, a Europa inteira vivia uma revolução gráfica.62 Contudo, a reinvenção da ilustração ia além da sua estética. Seu poder crítico mostrou- se útil em um momento em que a Europa entrava em um período turbulento de revoltas sociais, no início do século XX. Uma nova geração de artistas olhava atentamente para os efeitos colaterais da sociedade burguesa que havia se instalado. Miséria, fome e desigualdade social serviam de combustível para um descontentamento

106


que crescia entre as massas populares. E foi na ilustração que muitos artistas encontraram uma poderosa voz para poder expressar suas duras críticas. Nas palavras de Hogarth (1967), “não poderia haver uma cena mais efervescente para artistas desenharem desde a queda do Império Romano.”62

62.

63.

HOGARTH, 1967,

HOGARTH, 1967, p. 48

p. 44

Armados com canetas e pincéis, os ilustradores desse período fizeram milhares de desenhos que se alternavam entre impiedosas denúncias e sátiras mordazes repletas de alegorias, muitas no estilo art noveau. A maioria de suas ilustrações era publicada nas revistas alternativas da época. Muitos dos trabalhos mais inspiradores deste período floresceram na França, onde artistas e escritores mostravam, de maneira polêmica, sua desaprovação da sociedade burguesa. As publicações com um veio mais político tinham os melhores editores, que eram na sua grande maioria anarquistas, que não só davam aos seus artistas liberdade para mostrar seus próprios pontos de vista como os encorajavam a encontrar maneiras menos convencionais para expressá-los.63

FIG. 79 Ilustração de Aubrey Beardsley para a revista The Savoy, em 1896, sobre um poema que narra o leito da morte do personagem de comédia teatral Pierrot.

107


FIG. 80 64. HOGARTH, 1967, p. 48

65. HOGARTH, 1967, p. 48

Pela cidade inteira, artistas corriam para tentar agarrar essas oportunidades únicas. Um desses artistas chamava-se Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901). Lautrec é mais reconhecido pelos seus famosos cartazes publicitários do Moulin Rouge, mas durante a sua prolífera carreira contribuiu com vários desenhos da vida boêmia para jornais e semanais da época como o Le Mirliton, Le Figaro IllustréI e Le Rire64 (FIG. 80) Com um traço influenciado pela estética adstringente de Beardsley, Lautrec criou uma corrente forte o suficiente para formar ideias de artistas que viriam a trabalhar em linhas completamente novas.65 Aqui, vale notar o trabalho inovador de algumas publicações que beberam da influência de Lautrec: as revistas alemãs Simplicissimus, Jugend, e a francesa l’Assiette au Beurre. Ainda na França, chefiado pelo jornalista anárquico Gustave Blanchot, sob o pseudônimo “Gus Bofa”, l’Assiette au Beurre atacava os mais variados assuntos da sociedade francesa burguesa: a corrupção dos ricos, a construção excessiva de prédios, as idiossincrasias de turistas, os políticos nacionais e também os estrangeiros (FIG. 81). Todos eles foram vítimas de suas sátiras impiedosas e afiadas.

108 FIG. 81


FIG. 80 Illustrações de Henri de Toulouse-Lautrec para a revista Le Rire, em 1895, sobre um artigo humorítico que narra a esquete de uma trupe de circo, entre eles o palhaço Chocolate. FIG. 81 Ilustração de autor desconhecido para a revista l’Assiette au Beurre, em 1901, sobre uma série humorística que imagina o futuro dos congestionamentos.

Já na Alemanha, em 1896, dois periódicos revolucionários foram introduzidos, Jugend e Simplicissimus. 66.

Jugend codificou um estilo gráfico distintamente

HELLER, 2007a, p. 64

moderno e Simplicissimus traduziu-o em comentário-gráfico social. Ambos sinalizaram uma rebelião da juventude contra o romantismo e a industrialização desumana.66

Os dois periódicos em conjunto introduziram, com uma porção polêmica de elementos gráficos, uma variante alemã do art noveau francês, chamada Jugendstil. O Jugendstil alemão era mais retilíneo que curvilíneo, rejeitando a decoração floreada tão popular na França. O Jugend, publicado pelo Dr. George Hirth, deu nome e voz ao Jugendstil, ou “estilo jovem”, mas foi Simplicissimus, editado por Albert Langen e Thomas Theordore Heine (1867-1948), que aproveitou da força gráfica desse novo movimento e utilizou-a como ferramenta de polêmica. Simplicissimus foi uma das revistas mais mordazes e satiricamente críticas já publicadas.67 Fundada em 1896 em Munique, Alemanha, por um grupo de artistas e escritores, Simplicissimus era apaixonadamente antiburguesa e popular em sua rejeição ao materialismo e à modernização, ao mesmo tempo em que celebrava os trabalhadores e camponeses. Seus ataques ao clero, ao governo e ao exército da Prússia resultaram na prisão de seu editor, o que aumentou a popularidade da revista.68

67. HELLER, 2007a 68. WIGAN, 2009

Entre os notáveis ilustradores de Simplicissimus estão Käthe Kollwitz (1867-1945) e George Grosz (1893-1959). Vale aqui destacar Kollwitz pela sua tocante série “Retratos da Miséria” (1909), que nos traz uma compaixão que nos remete a Rembrandt (FIG. 83; FIG. 84; FIG. 85). Kollwitz utilizou a oportunidade aberta pela linha editorial da revista para denunciar as grandes e pequenas tragédias da vida nas capitais em sua série de desenhos

109


feitos com carvão e inspiradas nas cenas reais que ela testemunhava. Em uma carta publicada na coletânea de seu trabalho, Kollwitz (1941) escreve: 69. KOLLWITZ, 1941,

Eu conheci a mulher que veio ao meu marido pedir ajuda e acabou também por vir a mim, e fui pega pela

p. 43. Tradução da

força brutal do destino do proletariado. Problemas

autora.

sem solução como prostituição e desemprego me aflingem e me atormentam. Eles contribuíram para o meu sentimento de que eu preciso continuar a perseverar em meus estudos das classes mais baixas. Retratá-los em meus desenhos, de novo, de novo, e de novo, abriu uma válvula de escape para mim; fez com que a vida fosse suportável.69

110


FIG. 83; FIG. 84; FIG. 85 Ilustração de Käthe Kollwitz para a revista Simplicissimus, em 1908, sobre uma série que retrata a miséria da classe proletária na Alemanha.

Kollwitz assim como Lautrec e todo o prolífero trabalho encontrado na Jugend, Simplicissimus e l’Assiette au Beurre, constituíram um farol que guiou toda uma maneira nova do jornalismo para denunciar a realidade que os artistas conheciam. E, ao fazer isso, marcaram uma época de veemente crítica social. Poucas publicações tiveram uma influência coletiva tão profunda, não somente sobre a opinião pública mas também sobre todo um estilo gráfico que continua a impactar os trabalhos de Tomi Ungerer, Sue Coe, Ralph Steadman, Edward Sorel, entre outros.70

70. HELLER, 2007, p. 16; WIGAN, 2009, p. 43

111


1905 - 1959

ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Realismo narrativo 71. HELLER; ARISMAN, 2004.

72. APATOFF, 2013; MEGGS; PURVIS, 2009. 73. HELLER; ARISMAN, 2004.

Enquanto a Europa caía de amores pelas linhas artísticas abstratas dos movimentos impressionista, cubista, dadaísta, futurista, fauvista, e todos os outros “istas” do início do século XX, do outro lado do oceano os ilustradores nos Estados Unidos continuavam a criar pinturas figurativas.71 Ilustradores excepcionalmente habilidosos, como Howard Pyle, Sarah Stilwell, J. C. Leyendecker e Norman Rockwell, faziam telas usando antigas técnicas de pintura de luz e composição para criar imagens realistas e vívidas.72 O primeiro deles, Howard Pyle (1853-1911), é reconhecido hoje como o “pai da ilustração americana”.73

74.

O trabalho e o talento extraordinário de [Howard]

MEGGS; PURVIS,

Pyle como professor fizeram dele a principal força

2009, p. 211.

de deflagração do período chamado de a Era de Ouro da Ilustração Americana. Estendendo-se pelas décadas de 1890 a 1940, esse período na história das comunicações visuais nos Estados Unidos foi dominado em grande medida pelo ilustrador.74

O sucesso de Pyle foi construído em cima de uma prolífera carreira ao longo de seus curtos 58 anos, na qual ele aplicava uma imaginação aguçada e uma mão talentosa para dar vida a histórias fantásticas de piratas, sereias, e cavaleiros da idade média em revistas como Harper’s Monthly. 75. MAY, 2015 76. HELLER; ARISMAN, 2004, p. 10.

Embora suas técnicas fossem conservadoras, Pyle trouxe uma nova abordagem para a ilustração ao dizer que era preciso trazer a alma da história para dentro da pintura.75 Anos mais tarde, quando consolidou a escola de artistas Brandywine, ele insistia a seus alunos que era preciso projetar suas mentes para dentro da cena que eles estavam criando até o ponto em que a estivessem vivendo ela. O resultado eram imagens eletrizantes e cheias de ação nas quais os personagens pareciam ganhar vida. “Viva as suas imagens”, dizia ele, “cavem fundo”.76 Quando olhamos para uma de suas pinturas de piratas (FIG. 86; FIG. 87; FIG. 88), conseguimos notar como cada escolha funciona para contar a história da cena representada. A composição e as cores jogam-nos para

112


FIG. 86; FIG. 87; FIG. 88 Ilustração de Howard Pyle para a revista Harper’s Monthly, em 1905, sobre as aventuras de um navio de piratas à busca de um tesouro perdido.

113


a pequena porção do ouro que aparece no centro da imagem. As poses inquietas, os olhares atentos. Cada detalhe acentua a tensão da repartição de tesouro entre ladrões. É a representação fiel de cada detalhe e emoção do quadro que nos convence por um segundo de que aquilo que estamos vendo aconteceu, por mais improvável que isso seja. 77. MAY, 2015

Seus quadros são tão icônicos que até hoje sentimos seus efeitos em filmes como Piratas do Caribe e Robin Hood, que basearam cenas inteiras em suas composições, cores, atmosfera e, até, figurinos.77 Muitos historiadores apontam para a habilidade técnica maestral de Pyle, que de fato era excepcional. Porém, seu maior legado talvez tenha sido mostrar o poder da narrativa em uma imagem.

78. HELLER; ARISMAN, 2004

114

As ilustrações de folclore e fantasia de Pyle duraram até o fim da primeira década do século XX, quando as revistas, numa tentativa de atrair mais anunciantes, focaram em assuntos mais modernos, como estilo de vida.78 Então, ilustrações de homens e mulheres estilosos de Charles Dana Gibson, Howard Chandler Christy, James Montgomery Flagg e J.C. Leyendecker começaram a fazer parte das revistas ilustradas.


FIG. 89

FIG. 90

FIG. 91

Ilustração de J. C.

Ilustração de J. C.

Ilustração de J. C.

Leyendecker para

Leyendecker para

Leyendecker para a revista

a revista Collier’s,

a revista Saturday

Collier’s, em 1920, sobre um

em 1918, sobre uma

Evening Post, em

conto que gira em torno de

edição especial de

1933, sobre futebol

uma importante partida de

carros.

americano.

futebol americano.

Entre esses ilustradores, J.C. Leyendecker (1874-1951) destacou-se como um dos talentos mais cobiçados do seu tempo. Entre 1896 e 1950, ele pintou mais de 400 capas de revistas, sendo que a maioria delas foi para o popular Saturday Evening Post. A famosa capa com fundo branco e uma ilustração no meio que dominou as revistas da época foi popularizada por Leyendecker (FIG. 89; FIG. 90; FIG. 91). Um estilo distinto para as capas não foi a única coisa que Leyendecker criou. Ele também foi responsável por desenvolver um ideal de beleza nos meios de comunicação de massa.79 Seu estilo particular, com pinceladas em riscos que transformavam superfícies suaves em formas nítidas, reforça a aparência polida de seus elegantes modelos, todos vestidos impecavelmente e com rostos angulares.

79. HELLER; ARISMAN, 2004; SEGAL, 2002; CUTLER, 2008

A versão de Leyendecker de um homem másculo, esportivo e galanteador foi o que reinou como o padrão da beleza da época, disseminado por uma das revistas mais conservadoras da época. A ironia era que Leyendecker, além de estrangeiro (havia nascido no extinto império germânico), baseou as suas figuras no seu modelo favorito e companheiro de 50 anos, o canadense Charles A. Beach. A cara do ideal masculino conservador americano que perdurou por anos, senão décadas, era, literalmente, a cara de um homem estrangeiro gay, pintado por outro homem estrangeiro gay.

115


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL : A GRANDE PEQUENA ARTE

FIG. 92 Ilustração de Norman Rockwell para a revista Saturday Evening Post, em 1947, sobre férias de verão em família.

FIG. 93 Ilustração de Norman Rockwell para a revista Popular Science, em 1920, sobre a historica busca científica pelo mito da máquina de movimento perpétuo.

Ao longo dos anos 20, enquanto Leyendecker continuava a pintar suas figuras estilosas, surge um talentoso artista que, na virada da década de 40, já irá ter se tornado um dos ilustradores mais famosos dos Estados Unidos. Enquanto Pyle havia feito pinturas que eram frutos de uma imaginação fantástica e Leyendecker, pinturas de um estilo de vida glamourizado, Norman Rockwell (1894-1978) produzia arte para que as pessoas comuns pudessem se identificar e se relacionar. Ao contrário da maioria das outras ilustrações da época, Rockwell não pintava as pessoas de suas ilustrações com floreios. Não que suas obras não fossem renderizações meticulosamente - e superficialmente - montadas, mas seus homens e mulheres definitivamente não possuíam o mesmo ar de estrelas de Hollywood, nem as suas crianças eram retratadas como anjos. As pessoas representadas eram reais, e o resultado desta nova abordagem constituía uma das melhores qualidades de suas pinturas:

80.

[As pessoas de Rockwell] eram marcadas pelos atritos

GUPTILL, 1971, p. xxii.

da vida, e estas marcas eram fielmente retratadas em

Tradução da autora. 81. STEWART, 2014

suas telas em forma de rugas, calos, pés de galinha, até no detalhe de seus narizes tortos. Estas eram pessoas que haviam passado por tempos difíceis e que haviam celebrado suas pequenas vitórias; que haviam passado fome e que também haviam festejado em banquetes.80

De fato, a razão pela qual seus homens e mulheres pareciam tão verossímeis era que, muitas vezes, eles eram baseados em pessoas reais. A preocupação em representar seu objeto de forma fiel era tamanha que Rockwell recorria à fotografia para ajudá-lo. O diretor de cinema George Lucas, admirador de seu trabalho pelas suas qualidades cinematográficas, comenta que Rockwell “fazia um casting de suas pinturas, não se tratava de um grupo aleatório de personagens”.81 A dedicação de Rockwell em dar vida a um traço verdadeiramente humano ia além da reprodução habilidosa de uma gota de suor de um de seus personagens. Sobretudo, Rockwell acreditava que a


117



pintura era mais do que suas cores e formas. Para ele, a ilustração precisava carregar uma historia consigo e, assim, costumava dizer que “a história é a primeira coisa e última coisa.”82 Desta forma, Rockwell sempre procurava dentro do texto quais suas emoções mais humanas, ainda que elas não fossem centrais à história.

82. GUPTILL, 1971

Um exemplo desta atitude perante o seu trabalho como ilustrador é um retrato que Rockwell criou de uma sala de espera hospitalar feita para acompanhar um conto no Saturday Evening Post, em 1937. Dentro deste conto sobre dois meninos que decidem fazer uma viagem de bicicleta, há um pequeno trecho sobre uma lembrança de um deles. O garoto recorda que há um ano atrás ele estava em um hospital, sentado ansiosamente na sala de espera. Para Rockwell, esta situação carregava uma atmosfera tensa e representava algo significativo de um comportamento universal e humano. Assim, ele não resistiu e tentou capturar as reações destas pessoas (FIG. 94). Rockwell relata, Muitos ilustradores olham para uma história e

83.

tentam achar nela a cena mais dominante ou

ROCKWELL apud

dramática, e aí eles ilustram isso. Eu prefiro descobrir a atmosfera da história - o sentimento por trás dela

GUPTILL, 1971, p. 85. Tradução da autora.

- e então expressar essa qualidade essencial. Esta cena que eu retratei aqui teve um pequeno papel na história, mas ela me impactou e eu enxerguei nela a essência da ilustração, era aquilo que mais me atraiu. Então eu tentei expressar essa tensão de uma sala de espera de um hospital.83

Rockwell era um contador de histórias e ele encontrou no realismo uma forma de se conectar com seus leitores de maneira universal. O realismo tem este poder especial de encantar, na medida em que o reconhecimento de uma situação do cotidiano em uma obra é algo que fascina tanto do ponto de vista técnico quanto psicológico, ao representar certa magia de reprodução-criação sobre um dado concreto. FIG. 94 Ilustração de Norman Rockwell para a revista Saturday Evening Post, em 1937, sobre as aventuras de uma viagem de bicicleta de dois amigos.

119


1949 - 1969

ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Expressionismo narrativo À medida que o mundo entrava na era moderna, urbana, atômica e do rock n’ roll dos anos 50, as revistas corriam atrás para tentar acompanhar as mudanças e oferecer novos formatos de entretenimento. Isso tudo, acompanhado por fatores sociais, culturais, e econômicos, levou a uma transformação no visual estético das ilustrações. As revistas norte-americanas que antes exibiam cenas do subúrbio idílico, agora pareciam completamente ultrapassadas. Até o fim da década, revistas femininas, como McCalls, Ladies’ Home Journal, Cosmopolitan, e até mesmo masculinas, como Boy’s Life, Sports Illustrated e Playboy, passaram a publicar enormes ilustrações em página dupla com pinceladas expressivas, composições dinâmicas e cores ousadas de encher os olhos. Após anos sob uma demanda de quadros ultrarrealistas a la Norman Rockwell, na qual era possível contar os fios de cabelo das pessoas na cena, um espírito contagiante de experimentação de repente tomou conta dos artistas, que jogaram as regras rígidas da pintura acadêmica pela janela. 84. TINKELMAN, 2013. Tradução da autora.

Um dos ilustradores da época, Murray Tinkelman, relata: “Eu estava, assim como todo mundo, muito entusiasmado com os materiais: ‘vamos pintar isso com gordura de galinha em papel manteiga e assar no forno!” [risos].84 Só a experimentação com as cores já rendia resultados completamente novos: desenhos praticamente bicolores de tanto contraste, também pinturas lavadas com variantes de um mesmo tom, e ainda outras que pareciam uma chuva de confetes coloridos. O primeiro estilo a exibir fortes tons contrastantes certamente bebia da fonte de um novo gênero de filme que ganhou exibições pelas salas de cinema do país inteiro nos anos 40, o noir. Caracterizado por sombras escuras e luzes marcantes, tal

120


FIG. 95

FIG. 96

FIG. 97

FIG. 98

llustração de Mark

Ilustração de Al Parker

Ilustração de Edwin

Ilustração de Austin

English para a revista

para a revista Ladies

Georgi para a revista

Briggs para a revista

Playboy, em 1964, sobre

Home Journal, em 1958,

Saturday Evening Post,

Cosmopolitan, 1960,

modas de verão.

sobre um conto que

em 1956, sobre um

sobre um conto em que

narra um misterioso

romance entre uma

um casal americano

telefonema de uma

mulher recém-casada

encontra misteriosos

mulher pedindo ajuda a

e um homem que se

acontecimentos no

um doutor David Blair na

arrepende por não

seu hotel durante uma

calada da noite.

ter confessado seus

viagem a Londres.

sentimentos.

FIG. 96

FIG. 95

FIG. 98 FIG. 97


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

FIG. 99 Ilustração de Al Parker para a revista Cosmopolitan, em 1952, sobre

como postes de luz em uma noite chuvosa, o estilo noir concedia uma atmosfera decididamente misteriosa para as histórias pulp que tomavam conta das revistas (FIG. 95; FIG. 96; FIG. 97; FIG. 98).

uma mulher que redescobre um sentido para sua vida nas ilhas Samoa.

FIG. 100 Ilustração de Lorraine

Pioneiro na época, Al Parker (1952-1992) soube aproveitar como ninguém as formas negativas, as áreas ao redor do texto e até os espaços entre estes. Nesta ilustração para uma história tipicamente kitsch da época, nenhum milímetro da página foi desperdiçado (FIG. 99).

Fox para a revista Good Housekeeping, em 1954, sobre diversas dicas na cozinha.

FIG. 101 Ilustração de Bernard D’Andrea para a revista Cosmopolitan, em 1956, sobre um conto de suspense que narra um misterioso assassinato.

85.

Quando você começava a entrar no [mercado da]

KANE, 2002.

ilustração, naquela altura a ilustração de revistas

Tradução da autora.

estava completamente dominada pelo que eu chamo de ilustradores masculinos - até Norman Rockwell. Foi então que [Al] Parker chegou no momento em

FIG. 102

que histórias femininas e de aventura começaram a

Ilustração de Bernie

jorrar [para dentro das revistas]. Ele criou uma escola

Fuchs para a revista

de artistas que terminou por dominar a indústria da

Sports Illustrated, em 1961, sobre técnicas

ilustração editorial por um tempo.85

diferentes de jogar tênis.

122

Uma legião de ilustradores juntou-se a Parker, como Austin Briggs (19081973), Coby Whitmore (1913-1988), Lorraine Fox (1922-1976), Bernard D’Andrea (1923- ), Bernie Fuchs (1932-2009), Mark English (1933-), Bob Peak (1927-1992) e muitos outros. Juntos, eles deram um novo fôlego exuberante para a cara da ilustração. Formas renderizadas deram lugar a formatos mais estilizados e abstratos, como a cena de um romance de mistério de Bernard D’Andrea (FIG. 101). Áreas chapadas de cor substituíam fundos movimentados, como os vistos nestas dicas culinárias ilustradas por Lorraine Cox (FIG. 100). Nas revistas de esporte, jogos finalmente ganhavam movimento e ação explosiva (FIG. 102).


FIG. 100

FIG. 99

FIG. 101

FIG. 102


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Foi nesse período dominado por representações glamorosas, se não irreais, e chamado de “ponytail period” (a era do rabo-de-cavalo, em referência ao estilo colegial e romântico das personagens nas populares revistas femininas) que despontou Robert Weaver (1924-1994). 86. GROVE, 2009, p. 73

Weaver é lembrado como o “padrinho da nova ilustração expressiva” por conta das inovações avant-garde que ele trouxe para a disciplina. Se a escola de Al Parker introduziu um novo estilo expressivo, Weaver multiplicou-o, tirou-o da tinta, o jogou no espaço da caneta, do lápis, da colagem e de volta para a tinta. Não satisfeito, ainda injetou uma abordagem jornalística no seu trabalho.86 Certa vez, ao ser interrogado sobre a razão pela qual dispensava as tendências românticas vistas nas revistas ilustradas, Weaver respondeu que

87.

[Esse tipo de ilustração] não está ligado ao mundo

HELLER; ARISMAN,

real, e é por isso que eu gosto do aspecto jornalístico

2004, p. 20. Tradução da autora.

do meu trabalho. Eu acho que muitos artistas têm o desejo de reproduzir aquilo que eles vêem. E eu sinto que esse é o papel do ilustrador.87

124


FIG. 103

FIG. 104

FIG. 105

Ilustração de Robert

Ilustração de Robert

Ilustração de Robert

Weaver para a

Weaver para a revista

Weaver para a

revista Playboy, em

Esquire, em 1968,

revista Esquire,

1963, sobre uma das

sobre a eleição de

em 1971, sobre um

historias escritas por

Richard Nixon.

artigo revisitando

Ian Fleming sobre o

a presidência de

famoso espião James

Franklin Delano

Bond.

Roosevelt.

125


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

FIG. 106; FIG. 107; FIG. 108 Ilustração de Robert Weaver para a revista Esquire, em 1959, sobre uma reportagem que faz

126

um retrato de J. F. Kennedy e sua possível eleição.


127


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

128


Weaver via-se como um jornalista que relatava e refletia sobre o mundo real. Ao receber um novo trabalho, fosse ele sobre esportes, política ou economia, fazia questão de visitar os lugares, falar com as pessoas, e fazer rascunhos no local. Foi assim que ele desenvolveu ensaios visuais enquanto investigava sobre seu tema, e não antes.88

88.

O grande ilustrador combinava elementos figurativos e abstratos de um modo jamais visto por ninguém antes. E fez isso durante um período que a visão pessoal do artista na ilustração editorial, com exceção ao cartum, estava praticamente morta. Seu trabalho, imbuído de um ponto de vista pessoal, definiu o seu tempo.89

89.

GROVE, 2009, p. 72.

HELLER; ARISMAN, 2004, p. 30. GROVE, 2009, p. 72.

[...] a visão pessoal de um

90.

artista foi aplicada para ilustrar

HELLER; ARISMAN,

uma história multifacetada. [Robert Weaver] teve a sorte de

2004, p. 8. Tradução da autora.

encontrar uma mídia para a sua abordagem pessoal de um assunto criativo. Aconteceu desta mídia ser em páginas de revistas e não em paredes de galerias, e [Weaver] estava contente com isso.90

FIG. 109; FIG. 110 Ilustração de Robert Weaver para a revista New York Magazine, em 1970, sobre um artigo acompanhando o dia a dia dos despachadores de uma central de polícia.

129


1959 - 1969

ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

130

Ilustração conceitual Até os anos 60, a noção de que o verbo ilustrar podia ir além da representação de um trecho do manuscrito era bastante radical. Mesmo com os desenhos expressivos de Weaver, que testavam barreiras estilísticas e apresentavam uma espécie de jornalismo, a ilustração continuava sendo marcada, sobretudo, pela ênfase na sua narrativa. Isso chegou ao fim na década de 60 com a introdução da ilustração conceitual. 91. MEGGS; PURVIS, 2009, p. 576.

A importância das imagens conceituais na segunda metade do século XX desenvolveu-se em resposta a muitos fatores, e as ideias e formas de arte moderna se mesclaram às culturas populares. Ao usurparem das artes gráficas sua função documental, a fotografia e o vídeo reposicionaram a ilustração gráfica rumo a um papel mais expressivo e simbólico. A complexidade das ideias políticas, sociais e culturais e as emoções que os artistas gráficos precisam comunicar podem, muitas vezes, ser apresentadas com mais eficácia por imagens icônicas e simbólicas do que por imagens narrativas.91


Ao revisitar as origens desse movimento, encontramos a arte simbólica de Saul Steinberg (1914-1999) que, junto a uma onda de talentosos ilustradores europeus que atingiu os Estados Unidos no anos 40 e 50, ajudou a formular o que é conhecida hoje como ilustração conceitual.92

92.

FIG. 111

HELLER; ARISMAN,

Ilustração de Saul

2004, p. 95.

Steinberg para a revista New Yorker, em 1960.

FIG. 112

Steinberg foi famoso pelas suas figuras que mais pareciam doodles, ou rascunhos feitos a caneta, e que encontraram um lar acolhedor nas páginas da sempre espirituosa revista New Yorker, durante toda a década de 50. Lá, seus desenhos finos e afiados misturavam símbolos e faziam observações existenciais, como a ilustração de uma caixa de surpresas com a palavra “amor”. Pela primeira vez, os personagens principais de uma ilustração não eram pessoas e situações, mas sim cubos sonhadores, triângulos filosóficos e linhas que tinham uma mente própria (FIG. 111; 112; 113; 114).

Ilustração de Saul Steinberg para a revista New Yorker, em 1960.

FIG. 113 Ilustração de Saul Steinberg para a revista New Yorker, em 1962.

O crítico de arte Harold Rosenberg chamou Steinberg de “um escritor de imagens, um arquiteto da fala e do som, um desenhista de reflexões filosóficas”.93 É certo que Steinberg foi mais um cartunista do que um ilustrador de textos, no entanto seu exemplo ousado de trazer o conceitual para dentro dos seus desenhos semeou um campo fértil para outros ilustradores explorarem.

93. ROSENBERG apud

FIG. 114

BOXER, 1999

Ilustração de Saul Steinberg para a revista New Yorker, em 1960.

131


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Saul Steinberg, assim como os ensinamentos europeus do cubismo, de Klee e Kandinsky, e do grande pioneiro do design gráfico norte-americano, Paul Rand, sinalizou que já não era mais o momento de transmissão de informação narrativa, mas sim o do despertar de ideias, provocações e conceitos.

FIG. 115 Ilustração de Reynold Ruffins e Milton Glaser para a revista Push Pin Monthly, em 1959, sobre uma edição especial natalina que destaca trechos de antigos livros de receita e uma tabela ilustrada de temperos.

O ilustrador que simplesmente interpretava o

94. MEGGS; PURVIS,

texto de um escritor deu lugar a um profissional

2009, p. 547

preocupado com o projeto total do espaço, que trata palavra e imagem de forma integrada e, sobretudo, cria suas próprias afirmações.94

FIG. 116 Ilustração de Seymour Chwast para a revista Push Pin Monthly, em 1959, sobre um poema que se configura como um ode ao tempero.

Quando os anos 60 finalmente chegaram, uma nova espécie de ilustrador começava a surgir: o designer-ilustrador intelectual. Esses artistas tentavam aplicar um novo tipo de compreensão e pensamento visual a seus trabalhos comerciais e, assim, produziram obras altamente inventivas e individuais. Liderados por um grupo de jovens artistas gráficos em Nova York, que juntos fundaram o influente estúdio Push Pin Studios, eles acabaram por criar um papel mais simbólico para ilustração. Seymour Chwast (1931 - ) e Milton Glaser (1929 -) foram os principais atores a testarem os limites da ilustração editorial e se tornaram uma referência internacional no campo do design gráfico (FIG. 115; FIG. 116; FIG. 117; FIG. 118; FIG. 121). Glaser olhava para as tendências modernistas da época que ditavam um design gráfico com formas e cores precisas, consumia suas ideias de representações abstratas, mas descartava qualquer noção de minimalismo pelo minimalismo (FIG. 119; FIG. 120): Menos não é necessariamente mais. Como cria do modernismo, ouvi este mantra a minha vida toda. Menos é mais. Um dia, ao acordar, percebi que isso não fazia sentido nenhum, que é uma proposição absurda e também consideravelmente sem importância. Mas soa muito bem porque contém nela um paradoxo que é resistente à compreensão.

132 FIG. 115


95. GLASER, 2016. Tradução da autora.

133 FIG. 116


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

134

FIG. 117

FIG. 118

FIG. 119

FIG. 120


Mas ela simplesmente não prevalece quando se pensa no visual da história do mundo. Se olhar para um tapete persa, você não pode dizer que menos é mais porque você percebe que cada parte daquele tapete, cada alteração

95. MEGGS; PURVIS, 2009, p. 547

de cor, cada mudança de forma é absolutamente essencial para seu sucesso estético. Você não consegue provar para mim que um tapete liso azul é superior de alguma maneira. Isso também serve para o trabalho de Gaudí, miniaturas persas, art noveau e tudo mais. No entanto, tenho uma

FIG. 117

alternativa para esta proposição que acredito ser mais apropriada: “Apenas

Ilustração de Milton

o necessário é mais”.

Glaser para a revista

95

New York Magazine, em 1968, sobre a

Assim como os impressionistas marcaram o começo de uma nova era moderna para a arte ao mostrar uma alternativa à rigidez romântica e acadêmica até então, os jovens ilustradores dos anos 50 abriram as portas para infinitas possibilidades dentro da ilustração. Com novas formas pregnantes, metáforas visuais e experimentação a ilustração ganhou uma nova atitude em relação à comunicação visual.

matéria da capa acerca dos problemas administrativos que afetam o funcionamento do aeroporto JFK. FIG. 118 llustração de Milton Glaser para a revista New York Magazine, em 1976, sobre a matéria da capa que investiga os significados do fenômeno da “fofoca”.

FIG. 120 Ilustração de Milton FIG. 119 Ilustração de Milton Glaser para a revista Life, em 1969, sobre a matéria da capa que discute a nova

Glaser para a revista Life, em 1967, sobre uma edição especial que trata da condição dos americanos indígenas no país.

identidade do herói

FIG. 121

americano nas

FIG. 121

telas do cinema,

Ilustração de

comparando os

Seymour Chwast

antigos faroestes

para a revista Push

de John Wayne

Pin Monthly, em

com o personagem

1959, sobre um

conturbado de

artigo refletindo

Perdidos na Noite,

sobre os perigos

estrelado por Dustin

do nacionalismo na

Hoffman.

busca pela paz.

135


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

1970 -

Surrealismo e o expressionismo opinativo Ao final dos anos 60, a indústria jornalística já começava a sentir os efeitos da ascensão da televisão como principal fonte de entretenimento e informação. Em razão do declínio de investimentos em favor das mídias televisivas, o orçamento das revistas para as grandes ilustrações de páginas duplas também encolhia. No começo dos anos 70, em ocasiões cada vez mais raras em que diretores de arte optavam pelo desenho ao invés da fotografia, os desenhos que surgiam eram carregados de simbologia e fortes opiniões, frutos das novas ideias fomentadas na década anterior. Alguns ilustradores, como Jerome Podwill, combinavam um ultrarrealismo com situações absurdas, criando uma espécie de realismo fantástico visual (FIG. 122; FIG. 123). Outros, como Ralph Steadman, optaram por uma abordagem distintamente menos controlada. Steadman aproveitou o caminho aberto por Robert Weaver - trazer um ponto de vista pessoal para a ilustração, mas também assimilou uma forte influência do passado: os cartuns ácidos e críticos de George Grosz dos anos 20. Assim, os desenhos de Steadman eram linhas e manchas de tinta de caneta que se emaranhavam de um jeito feroz, porém era na sua distorção que elas conseguiam revelar a verdadeira natureza dos seus personagens (FIG. 124; FIG. 125). 96. NAVASKY, 2013

Era exatamente essa agressividade que J. C. Suares, diretor de arte da pequena revista Scanlan, estava procurando quando contratou Steadman, na época um ilustrador underground em Londres, para cobrir o Kentucky Derby, com o escritor Hunter S. Thompson, no ano de 1970.96 Thompson escrevia em primeira pessoa e abandonava qualquer pretensão de objetividade ao se inserir na história. Além disso, suas aventuras eram muitas vezes repletas de drogas e delírios. Foi assim que o próprio Steadman acabou se tornando parte da história do Kentucky Derby.

136


FIG. 122 Ilustração de Jerome Podwil para a revista Playboy, em 1973, sobre um artigo que explora a ideia de que estamos sendo vigiados 24/7 pelo governo e pelas corporações, desde o nascimento até a morte.

FIG. 123 Ilustração de Jerome Podwil para a revista Playboy, em 1973, sobre os problemas da medicina americana, sobretudo a crise de qualidade no atendimento médico e a desigualdade entre clínicas de diferentes distritos.

137


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

“O restante daquele dia virou uma névoa na loucura” o artigo publicado relatava. “Steadman teve sorte de conseguir sair de Louisville sem nenhuma lesão mais séria, e eu tive sorte de conseguir sair de lá, ponto.” As imagens que Steadman criou dos dias em Kentucky eram visões loucas e implacáveis que complementavam perfeitamente a prosa selvagem de Thompson (FIG. 127; FIG. 129; FIG. 130). Steadman enxergava nas suas ilustrações o que Thompson via em suas palavras. Seus desenhos faziam um comentário social tão afiado quanto o artigo, sem nunca se tornarem subordinados a ele. A química que a dupla encontrou naquele dia viria a render diversas outras colaborações pelos anos seguintes. 97. NAVASKY, 2013

As ilustrações de Steadman eram tão perturbadoras que o seu diretor de arte, Suares, chegou a chamá-lo de matador de aluguel ao dizer que suas caricaturas eram o equivalente a assassinos97 (FIG. 125). No entanto, ao mesmo tempo, elas conseguiam ser deliciosamente engraçadas (FIG. 128; FIG. 129). No documentário dedicado ao seu trabalho, For No Good Reason, Steadman diz:

98.

A minha ideia de [um bom] humor era que ele

FOR NO GOOD

precisava ser levemente maníaco [...] eu começava a

REASON, 2012. Tradução da autora.

ter essa consciência de que tudo valia, e quanto mais louco melhor.98

FIG. 124; FIG. 125; FIG. 126 Ilustração de Ralph Steadman para a revista Rolling Stone, em 1971, sobre a historia “Fear and Loathing in Las Vegas” em que os personagens fazem

138

uma viagem, regada a

FIG. 127

alcool e drogas, à Las

Ilustração de Ralph

Vegas, à procura do

Steadman para a

“sonho americano”,

revista Scanlan,

enquanto refletem

em 1970, sobre a

sobre o fracasso

cultura de excesso e

do movimento

decadência exibida

contracultural dos

ao redor do evento

anos 60 americano.

Kentucky Derby.

FIG. 124


FIG. 125

FIG. 127

FIG. 126

139


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

FIG. 128 Ilustração de Ralph Steadman para a revista Rolling Stone, em 1971, sobre a historia “Fear and Loathing in Las Vegas”

FIG. 129; FIG. 130 Ilustração de Ralph Steadman para a revista Scanlan, em 1970, sobre a cultura de excesso e decadência exibida ao redor do evento FIG. 128

140

Kentucky Derby.


FIG. 129

141 FIG. 130


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

FIG. 131 Ilustração de Brad Holland para o New York Times, em 1975, sobre a crise do aumento da mensalidade nas universidades americanas e sua subsequente inacessibilidade às classes mais vulneráveis.

FIG. 132 Ilustração de Brad Holland para o New York Times, em 1977, sobre discriminação de gênero em empresas cujo seguro de saúde exclui doenças causadas por gravidez ou parto.

FIG. 133 Ilustração de Roland Topor para o New York Times, em 1972, sobre a dicotomia entre a nossa evolução para um “homem do espaço”, civilizado e globalizado, e a natureza “selvagem e primitiva” que ainda existe dentro de nós.

142

Outro grande artista que despontou no início dos anos 70 foi Brad Holland. Se Ralph Steadman buscava nos seus instintos a inspiração para criar suas ilustrações ferozes, Holland buscava no seu repertório intelectual as ideias para criar ilustrações enigmáticas, repletas de simbologia e opiniões próprias do autor. Seu trabalho opinativo era resultado direto de uma visão pessoal que colocava a ilustração em um mesmo patamar de importância que o texto que ela acompanhava. O diretor de arte e crítico Steven Heller (2007) descreve o seu primeiro encontro com Holland e a postura rebelde que marcou profundamente o trabalho deste:


No final da década de 1960, eu conheci Brad Holland pela primeira vez. Ele declarou, de modo desafiador, para qualquer pessoa que o escutasse que ele nunca

99. HELLER, 2007. Tradução da autora.

iria meramente ilustrar, mas sim interpretar suas encomendas. Por que meu ponto de vista visual não deveria ser tão válido ou profundo quanto a de um escritor?, ele indagava.99

Os comentários visuais de Holland ganharam força e exposição na recém inaugurada seção Op-Ed do New York Times. Esta, por sua vez, foi extremamente influente em ajudar a moldar uma nova era mais pessoal e introspectiva da ilustração.

143


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

100; 101. NEW York Times, 2010. OP-ED at 40: A Brief History of the Art, 2010

No dia 21 de setembro, em 1970, o New York Times estreou uma nova seção chamada Op-Ed ou a página Opposite Editorial (oposta ao editorial). O título implicava tanto a sua localização física quanto a sua posição editorial. Era uma página sem precedentes editoriais e sua artes distintas, feitas por ilustradores e cartunistas com um vasto repertório político, a tornou ainda mais singular [...] “O que nós queríamos para nossas ilustrações na página não era o tradicional cartum político.” [palavras de Louis Silverstein, assistente editor administrativo do New York Times ] Silverstein logo contratou um jovem ilustrador de espírito impetuoso e brilhante que havia se tornado diretor de arte, J. C. Suares. Sua missão no New York Times: estabelecer sua personalidade gráfica. 100

J. C. Suares, o mesmo diretor de arte que naquele mesmo ano havia contratado Steadman para a matéria do Kentucky Derby, tinha uma visão para o Op-Ed. Ele declarou que queria que “queria que a arte fosse bem feita e queria que ela criasse alguma reação emocional [nas pessoas]”.101 Foi assim que as páginas do Op-Ed trouxeram à tona influências do surrealismo francês, do expressionismo alemão, e do dadaísmo por meio de ilustradores como Roland Topor, Eugene Mihaesco, leszek Wisniewski , Murray Tinkelman e, principalmente, Brad Holland. O léxico visual de Holland era uma mistura de representação subjetiva e iconografia e ajudou a definir o estilo do New York Times Op- Ed Page. Esta nova linguagem pictorial, que se livrou das tradições restritivas das ilustração, foi desenvolvida porque Holland queria iluminar ideias em vez de iluminar palavras.

144


FIG. 134

FIG. 136

Ilustração de leszek

Ilustração de Brad

Wisniewski para o

Holland para o New

New York Times, em

York Times, em 1979,

1986, sobre a ameaça

sobre o acidente de

crescente de uma

Three Mile Island

guerra nuclear devido

e a existência de

a uma declaração da

uma classe cultural

União Soviética de

de intelectuais

continuar seus testes

que exibem um

nucleares.

compromisso maior em colocar panos quentes do que em

FIG. 135

comunicar verdades

Ilustração de Brad

para o público.

Holland para o New York Times, em 1971, sobre as falhas no sistema do Welfare State, sobretudo nas tentativas de reabilitação de dependentes químicos.

145


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

FIG. 137 Ilustração de Alan Cober para a revista Mother Jones, em 1979, sobre uma reportagem que investiga as alegações de uma psíquica chamada

As ilustrações ao longo dos anos 80 ganharam tons mais sombrios nas mãos de artistas como Alan E. Cober, Marshall Arisman, Matt Mahurin, Gary Panter e Sue Coe. Esses artistas juntavam a agressividade de Ralph Steadman e a atitude opinativa de Brad Holland para criar trabalhos violentos, desafiadores e penetrantes. Sua paleta de cores escuras, suas formas tortas e a atmosfera inquietante eram inspiradas diretamente na atitude punk rock que dominou a cultura da década de 80.

Helen Palmer.

FIG. 138 Ilustração de Marshall Arisman para a revista Time, em 1981, sobre uma recente onda de crimes violentos.

FIG. 139 Illustrações de Marshall Arisman, Gary Panter, Sue Coe e Mat Mahurin, respectivamente, para a revista Mother Jones, em 1984, sobre uma reflexão acerca dos quatro anos da presidência Ronald Reagan e especulações sobre como seriam outros quatro sob este presidente.

FIG. 140 Ilustração de Alan Cober para a revista New York Magazine, em 1988, sobre as implicações da legalização das drogas.

146

A nova abordagem apresentada por Holland e popularizada por essa onda de artistas “neoexpressionistas” e “neossurrealistas” permitiu ao ilustrador apresentar ideias abstratas que um desenho realista e representacional não poderiam. Até hoje essa é a linguagem visual mais utilizada nas ilustrações contemporâneas.


147


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Contudo, se a produção de ilustrações com tons surrealistas viria a perdurar até o momento atual, não significa que ela não passou por transformações. Ao longo dos últimos anos a ilustração desenvolveuse e ganhou novas vertentes, em grande parte devido à sua prevalência em revistas e textos de teor mais reflexivos, que demandam uma maior introspecção. Revistas que debatem perspectivas sobre psicologia, ciência, negócios, economia, resenhas literárias e opinativas representam uma grande parcela dos contribuidores das ilustrações que vemos hoje. Além de ilustrações conceituais e textos profundos complementarem-se bem, essas publicações consideram que as imagens evocativas são uma poderosa arma para poder se destacar em um mar de revistas que lutam contra o declínio geral da mídia impressa frente a uma era cada vez mais digital e pulverizada. Esse fluxo de um jornalismo com foco em oferecer perspectiva aos seus leitores demonstrou ser um campo fértil para novas experimentações na área da ilustração. Nos últimos, a regra parece ser a de combinar e misturar elementos com estilos, gêneros, ideias e estéticas diferentes. A disparidade entre esses elementos em um mesmo desenho é justamente o que torna a matéria mais interessante. Além do mais, essa combinação tem a habilidade de apresentar novas metáforas ricas que ajudam a esclarecer conceitos complexos do texto.

FIG. 141 Ilustração de Robin Davey para a revista Nautilus, em 2016, sobre a teoria de que nossos sonhos

102. SMALL, 2013

são uma forma de treinamento para nossa vida consciente.

FIG. 142

É com base nessa visão que uma revista de ciência como a Nautilus se propõe a ser um “tipo diferente de revista científica”, como proclama seu diretor de arte Len Small.102 Alinhado a uma linha editorial que desejar apresentar a “ciência e suas conexões infinitas com a nossa vida”, ela une assuntos sóbrios como neurociência a imagens extremamente pop, divertidas, e até sonhadoras (FIG. 141; FIG. 142; FIG. 143; FIG. 144). O diretor de arte Len Small elabora, ao dizer que

Ilustração de Robin Davey para a revista

103.

Nautilus, em 2016,

SMALL, 2013.

sobre a descoberta

Tradução da autora.

A ilustração acompanha nossas matérias mais longas, e abre as portas para as grandes ideias que estamos

de um “circuito

pedindo para nossas escritores explorarem. Ela cria

musical” no nosso

uma conexão ainda maior com o leitor da historia

cérebro.

quando eles voltam para a arte inicial e exclamam “oh!” Nós queremos criar esses momentos de “a-ha!” na nossa revista.103

148


FIG. 143 Ilustração de Tim O’Brien para a revista Nautilus, em 2016, sobre como nossos cérebros escolhem interpretar imagens.

FIG. 144 Ilustração de Gracía Lam para a revista Nautilus, em 2014, sobre o descobrimento de dados que informam que humanos ainda estão evoluindo em uma ilha em Quebec.

149


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE FIG. 145

FIG. 146

FIG. 147

Ilustração de Victo Ngai para a revista Planadviser,

Ilustração de Jillian Tamaki para a revista Chief

Ilustração de Victo Ngai para a revista Planadviser,

em 2014, sobre as camadas de planejamento

Investment Officer, em 2016, sobre uma análise dos

em 2016, sobre como avaliar um novo produto

estratégico que uma empresa precisa impor para

benefícios de investidores locais versus agentes

olhando-o de diferentes angulos.

proteger seus bens.

familiares com mercados estrangeiros.

FIG. 145

FIG. 146

150

FIG. 147


Já as revistas Plansponsor/Plansadviser e Chief Investment Officer são exemplos de publicações cujas personalidades gráficas incomuns as fazem se destacar em outro campo saturado: o das matérias sobre negócios. As duas linhas editoriais investem em ilustrações surrealistas e nitidamente fantásticas, que misturam elementos absurdos com elementos de contos de fada e folclore (FIG. 145; FIG. 146; FIG. 147; FIG. 148). Os leitores se surpreendem ao verem que um diagnóstico do mercado de ações pode vir acompanhado por um desenho que parece que fora retirado diretamente das páginas de As Crônicas de Nárnia.

FIG. 148 Ilustração de Tianhua Mao para a revista Plansponsor, em 2016, sobre as consequências da nova lei fiduciária para patrocinadores.

151


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

O New York Times, por sua vez, continua sendo um dos jornais que mais dá voz à expressividade de seus ilustradores. Devido à sua incessante buscar por novos talentos, ela também acaba por servir como propulsora de uma grande pluralidade de artistas de todo o mundo. Suas páginas apresentam desenhos que juntam conceitos artísticos do surrealismo com o do minimalismo, e, assim, mostram que é possível ilustrar poderosas ideias através de um uso econômico de traços e cores (FIG. 149; FIG. 150; FIG. 151; FIG. 152; FIG. 153; FIG. 154).

FIG. 149

FIG. 149

FIG. 150

FIG. 151

Ilustração de Monica

Ilustração de Anna

Ilustração de Dadu

Ramos para o New

Parini para o New

Shin para o New

York Times, em 2014,

York Times, em 2013,

York Times, em 2016,

sobre a necessidade

sobre o livro de

sobre a experiência

de diversidade racial

Alexander Maksik “A

de um jovem cego

nos livros infantis.

Marker to Measure

ao dar apoio a uma

Drift” que conta a

mãe e seu filho, este

temporada de exílio

que recentemente

e sem-teto na vida

descobriu que

de uma jovem mulher

também irá perder

liberiana fugindo da

sua visão.

guerra em seu país.

152

FIG. 150


0

FIG. 152 Ilustração de Dadu Shin para o New York Times, em 2016, sobre um paraplégico tentando se libertar da imagem “inspiracional” que as pessoas impõe nele.

FIG. 151

153


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

154


FIG. 153

FIG. 154

Ilustração de Elisa

Ilustração de Eleanor

Talentino para o New

Davis para o New

York Times, em 2016,

York Times, em 2012,

sobre a historia do

sobre como nós

amadurecimento

enxergamos nossa

precoce, e

ansiedade.

involuntário, de uma menina na Jamaica.

155


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

No Brasil, é possível destacar o trabalho consistente da revista Vida Simples, que traçou uma reconhecida identidade gráfica própria. A publicação surgiu em 2002 como um suplemento da revista Superinteressante, da Editorial Abril, junto ao slogan “para quem quer viver mais e melhor”. Alinhada à esse discurso de bem-estar, a revista explora conceitos e sentimentos com ilustrações claras, que abusam de tons pastéis sob fundos lisos. Notávelmente, sua linha editorial exibe uma preferência por experimentações com materiais diferentes, o que oferece uma interessante tridimensionalidade para as páginas da revista (FIG. 154; FIG. 155; FIG. 156; FIG. 157; FIG. 158).

FIG. 154

156

FIG. 155


FIG. 154

FIG. 158

Ilustração de Everson

Ilustração de Carlo Giovani para

Nazari para a revista

a revista Vida Simples, em 2013,

Vida Simples,

sobre a importância da cortesia

em 2015, sobre

do dia-a-dia e como por trás de

como lidar com a

cada pequeno gesto existe um

procrastinação.

vasto universo de filosofia.

FIG. 155; FIG 156; FIG 157 Ilustração de Dandara Hahn para a revista Vida Simples, em 2015, sobre a diferença entre a saudade que te faz bem e aquela que é negativa para a sua mente.

FIG. 158

157




capĂ­tulo quatro um futur

160


ro?

161




ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Um panorama histórico focado em suas transformações e destaques permitiu visualizar o caminho que a ilustração vem traçando até os dias atuais. Agora, para refletirmos sobre seu futuro é preciso primeiro refletir sobre os desafios que ela enfrenta hoje, que não são poucos ou simples. A começar pela montanha de stock art que surgiu nos anos 90, acervo digital de ilustrações prontas que são vendidas a preços baixos e que hoje atrofia o mercado para ilustradores que sobrevivem às custas de encomendas editoriais. Apesar de serem versões automatizadas e genéricas de uma ilustração personalizada, muitas revistas ainda assim preferem a stock art devido ao seu preço competitivo. 104. HELLER, 2004.

Além disso, há o advento da ferramenta do Photoshop, que embora trouxe grandes vantagens para o ilustrador, também permitiu que diretores de arte criassem ilustrações instantâneas, que imitam a estética da ilustração, mas que nem sempre possuem um conteúdo qualitativo.104 Outros diretores de arte consideram a ilustração como um forma de arte ultrapassada e preferem preencher suas páginas com composições tipográficas conceituais que dão a aura de complexidade. Porém, a dúvida paira sobre a sua capacidade de evocar os mesmos sentimentos e reflexões que a ilustração consegue. Assim como a ilustração não conseguiria cumprir o que o design gráfico faz, o último também não é um substituto real para a ilustração. Ainda existe o problema maior da crise financeira do jornalismo que afeta diretamente a área da ilustração editorial, já que não é possível haver o último sem o primeiro. A capacidade da internet de conectar o mundo inteiro possibilitou um fluxo de informação jamais visto antes na história e, pelo mesmo motivo, acabou sendo absolutamente disruptivo para a indústria do jornalismo. Com um aumento quantitativo da comunicação, há um declínio na sua qualidade enquanto mais e mais publicações fecham suas portas. Durante este aparente período negro do jornalismo, o cartunista e editor de revistas, Art Spiegelman, nos oferece um farol: “Em um mundo onde as revistas não podem mais competir com os jornais, e jornais não podem mais competir com a CNN, e a CNN não pode mais

164


competir com a internet, não faz mais sentido tentar imaginar a revista como um veículo primário de informação. O que a revista pode oferecer é perspectiva e atitude.”105

105. SPIEGELMAN apud HELLER, 1999, p. 215. Tradução da autora.

A visão de Spiegelman parece concordar com a frase de E. O. Wilson que diz que “estamos afogando em informação enquanto sofremos, famintos por sabedoria”. Caso isso seja verdadeiro, qual a melhor forma de oferecer uma perspectiva esclarecedora do que pelas lentes subjetivas da ilustração? A recente ascensão de ilustrações que acompanham histórias, ideias, opiniões mais profundas já é um indicativo dessa capacidade “elaborativa” da ilustração. A tendência é de que a ilustração caminhe de mãos dadas com o jornalismo rumo a um futuro mais reflexivo. Além do que, se há algo que a história nos mostrou sobre a ilustração é o seu poder de se adaptar. Dada a sua destituição como uma ferramenta de evidência após a fotografia assumir a reportagem, ela recorreu a desenhar o que os olhos não podem ver. Com espaços cada vez menores nas páginas, ela lançou obras lindas, elaboradas e bem pensadas em quadrados 5x5 cm. Com prazos cada vez mais curtos, o mundo da ilustração disse “o que mais você tem?” e disparou desenhos extraordinários feitos em uma hora. O mundo pode mudar, mas a resiliência da ilustração mostra que ela sempre mudará com ele. Assim nos elucida Al Parker (1964) ao dizer que, “uma das coisas que eu mais gosto sobre a ilustração é o fato de que ela está sempre mudando. É sempre amanhã.”106

106. PARKER, 1964. Tradução da autora.)

FIG. 159 Ilustração de Andrea Wan para o New York Times, em 2015, sobre a complicada relação entre mães e filhos adolescentes.

165




conclusĂŁo

168


169


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

O presente estudo se propôs a oferecer uma visão mais aguçada para a ilustração editorial, iluminando-a assim como a própria faz com o texto que ela acompanha. Uma visão que pretendeu elucidar o pensamento existente a respeito da ilustração, de suas críticas, de suas particularidades, da sua história e de um possível futuro. A dinâmica deste trabalho é uma de aproximação e afastamento. Ele caracteriza-se por olhar de perto e examinar elementos da sua especificidade para construir as bases de uma reflexão a seu respeito. Contudo, o trabalho também busca um panorama aéreo pela história da ilustração para, assim, fazer refletir sobre suas realizações pela (pequena parcela da) história aqui levantada. Acredito que, em um âmbito acadêmico, o trabalho tenha se configurado como um pequeno empurrão na tentativa de abrir as portas para o avanço de uma área que possui tantos aspectos tão particulares. A sua relação especial entre imagem e texto, a pluralidade de suas funções, a sua história rica, todos esses campos precisam ser explorados mais a fundo. Principalmente as particularidades da ilustração editorial brasileira. Por isso, a proposta deste trabalho é abrir mais caminhos e mais olhares do que sinalizar conclusões. Em um âmbito pessoal, espero ter conseguido apresentar para alguns uma nova lente com a qual olhar para a ilustração editorial. Como desejo ter evidenciado no decorrer do trabalho, a ilustração editorial é um camaleão extraordinário. É impossível contar as vezes em que as palavras “dinâmica, simultânea, ao mesmo tempo” apareceram nestas páginas. O dom que ela possui para se conectar com o leitor é ilimitado, assim como os prazeres de sua leitura: 107.

Os leitores entretidos em uma página por um detalhe

LINDEN, 2011, p. 7.

específico, atentos aos efeitos da diagramação, surpresos pela ousadia de uma representação ou encantados por uma inesperada relação texto/ imagem descobrem nesses momentos uma dimensão suplementar a história.107

170


FIG. 157

FIG. 158

FIG. 159

FIG. 160

FIG. 161

FIG. 162

171 FIG. 163

FIG. 164


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

Ela ignora qualquer constrição ou rótulo e surpreende-nos ao conseguir ser tantas coisas ao mesmo tempo. Uma mesma ilustração consegue ser boba e tocante, inocente e estranha, impertinente e séria, linda e macabra, engraçada e maldosa. E, acima de tudo, é atenciosa, pois a essência da ilustração é comunicativa, com preocupação especial em ser compreendida pelo seu público. A ilustração editorial recebe pouco e oferece muito. Mesmo ganhando uma pequena atenção crítica, ela continua a nos presentear com imagens emocionantes. Por essas razões e muito mais, o que a ilustração editorial consegue realizar não é nada menos do que mágico. Por isso, na próxima vez que ver uma ilustração nas páginas de uma revista, olhe mais uma vez.

FIG. 157

FIG. 158

FIG. 159

FIG. 160

FIG. 161

Ilustração de Cristoph

Ilustração de Tim

Ilustração de Sam

Ilustração de Jun

Ilustração de

Niemann para a

Enthoven para a

Weber para a

Cen para a revista

Kelsey Drake para

revista Money, em

publicação online

publicação online Tor.

Planadviser, em

o New York Times,

2008, sobre como

Medium.com, em

com, em 2015, sobre

2014, sobre planos

em 2015, sobre as

manter uma cabeça

2015, sobre um artigo

um conto que trata

de aposentadoria

implicações técnicas

fria durante tempos

satírico que imagina

de rituais de morte.

independentes.

da comercialização

incertos no mercado

uma distopia trazida

de ações.

pelas mudanças

da maconha..

climáticas.

FIG. 162

FIG. 163

FIg. 164

FIG. 165

FIG. 166

Ilustração de Sachin

Ilustração de Matt

Ilustração de Dola

Ilustração de Jason

Ilustração de Lisel

Teng para a revista

Dorfman para o New

Sun para a revista

Arias para a revista

Jane Ashlock para a

Fortune, em 2014,

York Times, em 2012,

Vice, em 2016, sobre

Guernica Mag, em

revista Out Magazine,

sobre tecnologia

sobre uma reflexão

o pranto de um jovem

2016, sobre a busca

em 2012, sobre o

de reconhecimento

em torno da ideia de

que matou uma

por “slow thinking”

poeta Jonathan

de voz utilizado por

livre arbítrio.

pessoa enquanto

(pensamento lento).

Galassi, que escrevia

companhias aéreas.

estava sob efeito de

belíssimos poemas

drogas psicodélicas.

enquanto batalhava internamente com sua sexualidade.

172


FIG. 165

FIG. 166

173


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

FIG. 167 Ilustração de Jose Mendez para a revista Fuet, em 2015, sobre a relação entre comida, ícones e pop art.

174


FIG. 168 Ilustração de Dadu Shin para a revista Makeshift, em 2014, sobre como as pessoas em Kenya estão reutilizando o que muitos consideram ser lixo para criar objetos funcionais do dia a dia.

175


ILUSTRAÇÃO EDITORIAL, A GRANDE PEQUENA ARTE

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FIG. 169 Ilustração de F. Dannenberg para a revista Jugend, em 1897, sobre inspiração.

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