Info 2014 06

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ano V l abr/mai/jun 2014

Ministro Dias Toffoli

Função da Advocacia-Geral da União é essencial à Justiça Eleições afetam pauta do Congresso Nacional

Os desafios dos jovens nas carreiras jurídicas



leia nesta edição

foto: Arquivo pessoal

foto: nelson jr./sco/stf

foto: Anajur

Ano V • abr/mai/jun 2014

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carta ao leitor

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pec 82 e movimento pró-honorários

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artigo

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entrevista

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artigo

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jovens advogados

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artigo

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artigo

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saúde

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coletânea

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publicações

Conquistas da Advocacia Pública Congresso avança nas demandas da Advocacia Pública Bendito cochilo constituinte Dias Toffoli: A Advocacia Consultiva e a sua importância para o Estado Brasileiro Pauta do Congresso em ano eleitoral Passei no concurso público.... e agora? O direito homoafetivo familiar no aspecto do Código Civil de 2002 O fim do BacenJud e a execução fiscal Má postura x Coluna História do Brasil contada pela Advocacia Pública Consultiva Reflexões sobre o Direito à vida e Anuário da Advocacia Pública

foto capa – Fellipe Sampaio/SCO/STF errata – Na edição de jan/fev/mar da Revista Anajur, no artigo “Pilates – Mudança de Postura”, a foto utilizada na publicação não corresponde à imagem correta. O artigo com a fotografia atualizada pode ser visto no site da Anajur: www.anajur.org.br.


ana jur Associação Nacional dos Membros das Carreiras da Advocacia Geral da União

Pioneira na defesa da Advocacia Pública Federal Visão

“Consolidar-se como referência na defesa das prerrogativas e interesses de seus associados, firmando-se como pilar da categoria na promoção do conhecimento, valorização e integração da advocacia pública federal junto ao estado e à sociedade brasileira”.

Missão

Diretoria Executiva Presidência Joana d’Arc Alves Barbosa Vaz de Mello Secretaria Geral Titular: Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta Adjunto: Thaís Helena Ferrinho Pássaro Diretoria Financeira Titular: Geneide Palmeira Machado Adjunto: Camilla Rose Thomaz de Lima Sá Diretoria Jurídica Titular: Márcia Regina Vicente Barbosa Adjunto: Ruth Jehá Miller Diretoria de Administração e Convênios Titular: Lúcia Helena Pigossi Neves Adjunto: Laura Maria Costa Silva Souza Diretoria de Recreação e Esporte Titular: Sérgio Ernesto Kopp
 Adjunto: Cláudia Maria Vilela Von Sperling Diretoria de Relações Associativas Titular: Luiz Fabrício Thaumaturgo Vergueiro Adjunto: Ulisses Fernandes Silva Diretoria de Eventos Titular: Luciana Villela de Souza Adjunto: Vânia Rons Lamor Pinheiro Diretoria de Comunicação Social Titular: Maura Campos Domiciana Adjunto: Merly Garcia Lopes da Rocha

“Representar e assegurar, com a expertise de seu pioneirismo e excelência de atuação, os interesses dos seus associados e da Advocacia Pública Federal perante os poderes constituídos e em benefício da sociedade brasileira”.

Diretoria de Assuntos Legislativos Titular: Maria Madalena Carneiro Lopes Adjunto: Luciano Brochado Adjuto

Valores

Diretoria de Relações com o Congresso Nacional Titular: Maria Lucila Ribeiro Prudente de Carvalho Adjunto: Maristela de Souza Ferraz Calandra

Ética, respeito, credibilidade, profissionalismo, integridade, transparência, união e democracia. Setor de Autarquias Sul – Quadra 03 – Lote 02 Bloco C Sala 705 – Edifício Business Point – Cep 70070-934 PABX: (61) 3322-9054 – Fax: (61) 3322-6527

Diretoria Cultural Titular: Leslei Lester dos Anjos Magalhães Adjunto: Luiz Edmar Lima Diretoria de Assuntos de Aposentados e Pensionistas Titular: Braz Sampaio
 Adjunto: Tânia Maria Carneiro Santos

Conselho Consultivo Efetivos

revista anajur

Jurema Santos Rozsanyi Nunes Nílson Pinto Correa Maria da Glória Tuxi F. dos Santos Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta Maria Anália José Pereira Manoel Teixeira de Carvalho Neto José Silvino da Silva Filho Annamaria Mundim Guimarães Borges Messin Merly Garcia Lopes da Rocha Jacyra Medeiros

Assessoria de Comunicação: Decifra Gestão e Conteúdo

Suplentes

www.anajur.org.br

Regina Maria Fleury Curado Felinto César Sampaio Neto Maria Olgaciné de Moraes Macedo Conselho Fiscal

Jornalistas responsáveis: Flávia Soledade e Cidinha Matos Edição: Glória Maria Varela Reportagens: Flávia Metzker e Matheus Feitoza Revisão: Fátima Loppi Projeto e edição gráfica: GDG – Cláudia Barcellos Impressão: Gráfica Gravo Papers Tiragem: 3 mil exemplares

Efetivos Álvaro Alberto de Araújo Sampaio Maria Socorro Braga Gilberto Silva Suplentes Norma Maria Arrais Bandeira Tavares Leite Lídio Carlos da Silva Conceição das Graças Amoras Mira


CARTA AO LEITOR

Conquistas da Advocacia Pública

sentimento de brasilidade toma conta do País em razão do maior evento esportivo relacionado com o futebol, que é a Copa do Mundo. Inicialmente notavamse desânimo e descrédito com a realização desse evento, mas o sentimento patriótico superou todas as expectativas. Temos, ainda, um ano eleitoral que inegavelmente impede que muitas demandas de interesse da sociedade sejam analisadas e aprovadas pelo Congresso Nacional. Essa, inclusive, é a abordagem do artigo redigido pelo jornalista e analista político Antônio Augusto de Queiroz, em um ano em que a Copa e as eleições trancam a pauta no Congresso Nacional, atrasando aprovações de projetos de lei importantes para a vida dos brasileiros. Mesmo diante dessa situação atípica, esta edição retrata que a advocacia pública obteve grandes conquistas como a inserção no texto do Código de Processo Civil dos honorários sucumbenciais para os advogados públicos nos três níveis da federação. Esse foi o primeiro passo dado perante a Câmara dos Deputados, cujo desfecho ainda depende do Senado Federal. Outra vitória de elevada importância, aqui também retratada, foi a aprovação do relatório da Comissão Especial criada para analisar os termos da PEC 82/07, denominada PEC da Probidade. Estamos a um passo de conquistar a tão sonhada autonomia, e, consequentemente, o fortalecimento institucional da advocacia pública nas esferas municipal, estadual e federal. Um tema caro à nossa associação consubstancia-se no sucesso alcançado com a criação da Cooperativa de Crédito Asacred, atualmente presidida pela Dra. Meira Mota, da qual a Anajur, orgulhosamente, é sócia fundadora, e que recentemente migrou para o sistema SICOOB. Credite-se esse sucesso não só à Anajur, como também à Anpprev, à Anpaf, ao Sinprofaz, ao Fórum Nacional da Advocacia Pública e à ADPU, entidades de classe representativas dos advogados públicos federais e defensores públicos da União, que, imbuídos pelo espírito empreendedor, autogestor e democrático, ousaram fundar essa cooperativa de crédito e, com isso, mais um marco na história dessas carreiras. Não podemos deixar de destacar a entrevista do ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, José Antônio Dias Toffoli, que sistematiza a importância da advocacia pública preventiva, mencionando, inclusive, exemplo de benef ícios trazidos para a União e ao erário, com a criação da Câmara de Conciliação, implementada em sua gestão, quando ocupante do cargo de Advogado-Geral da União. Dando continuidade à coletânea História do Brasil contada pela Advocacia Pública Consultiva, trazemos o caso da acumulação de cargos na administração pública

pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz. Entre os artigos, há um tema de interesse de toda a sociedade, abordado pelo Consultor-Geral da União, Arnaldo Godoy, com referência à retirada da penhora online do novo Código de Processo Civil, alterando, assim, a regra de bloqueio de contas daqueles que respondem judicialmente a processos promovidos pela União, além dos prejuízos que o Estado brasileiro pode sofrer com a alteração, comprometendo a efetividade das decisões judiciais. Trazemos também os artigos “Bendito Cochilo Constituinte”, de autoria do ex-deputado federal e autor da PEC 555/06, Carlos Mota, e “Direito homoafetivo familiar no aspecto do Código Civil de 2002”, da advogada Thamires Fernandes. No espaço destinado à saúde, o assunto versa sobre os problemas causados pela má postura no trabalho. Lançamos nesta edição uma seção destinada à divulgação de obras de autoria de advogados públicos. Os primeiros livros abordados são de autoria do associado Leslei Lester, e tratam de temas relacionados ao direito à vida. Ressaltamos ainda o lançamento do primeiro Anuário da Advocacia Pública do Brasil, que aconteceu em abril. É uma publicação inédita da revista eletrônica Consultor Jurídico e faz uma ampla radiografia da Advocacia-Geral da União. Finalmente, destacamos que a nossa associação completará em agosto próximo, 28 anos de lutas e conquistas em defesa dos direitos e prerrogativas desse segmento da advocacia, tendo em seus quadros grandes nomes, inclusive protagonistas da criação da AGU, sem se olvidar, contudo, da importância da integração de gerações, razão pela qual apresenta matéria ressaltando a luta e a dedicação para conseguir uma vaga na carreira pública. Os jovens advogados enfrentam um alto nível de estresse em função da carga de trabalho e da grande responsabilidade que envolve os assuntos e processos tratados por eles. Boa leitura! foto: Arquivo pessoal

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Joana d’Arc Alves Barbosa Vaz de Mello Presidente da Anajur

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pec 82 e movimento pró-honorários

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Congresso avança nas demandas da Advocacia Pública

A PEC 82 já foi aprovada em Comissão Especial e está pronta para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados.

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ano de 2014 começou com a previsão de uma série de eventos e datas que, conhecidamente, geram atraso nas atividades do parlamento nacional. A Copa do Mundo, as eleições majoritárias para a chefia do Executivo Federal e Estadual e todos os movimentos políticos que abrangem a renovação das duas casas legislativas nacionais tendem a diminuir a produtividade dos parlamentares. No entanto, devido à força de trabalho e à mobilização da Anajur e das demais entidades da Advocacia Pública, diversos avanços foram conseguidos entre


Deputado Lelo Coimbra (ao centro de terno escuro) submete parecer à Comissão Especial deputados e senadores. Encontros, visitas e atividades nos gabinetes, inclusive a reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), fizeram parte do movimento em prol das pautas da classe. A principal vitória nesse período foi a aprovação do relatório do deputado Lelo Coimbra (PMDB/ES), referente à Proposta de Emenda Constitucional nº 82, conhecida como PEC da Probidade, na Comissão Especial instalada para discutir o texto. A presidente da Anajur, Joana Mello, presente na audiência, afirmou que aquele momento “representava o reconhecimento político da atuação dos advogados públicos”. E creditou à união das associações a responsabilidade pelo sucesso.

Autonomia para os advogados públicos A PEC 82 representa o fortalecimento da Advocacia Pública e equipara a força da Advocacia Geral da União (AGU) e das procuradorias estaduais e municipais às demais “Funções Essenciais à Justiça”, conforme estabelecido no texto constitucional de 1988. O autor da emenda, deputado Flávio Dino (PCdoB/ MA), justifica que a intenção é trazer mais igualdade entre as carreiras jurídicas. “As autonomias propostas são razoáveis e submetidas ao controle parlamentar, visando garantir melhores condições institucionais para que os membros da Advocacia de Estado exerçam suas

funções em favor da sociedade”, destacou Flávio Dino. Atualmente, a Advocacia Pública, apesar de figurar constitucionalmente como Função Essencial à Justiça e não estar subordinada ao Poder Executivo ou a nenhum outro Poder, ainda sofre com os entraves provenientes da falta de autonomia. A PEC 82 surge para resolver essa situação. Caso a AGU tivesse o controle orçamentário e administrativo, poderia resolver os principais problemas que a afligem na atuação diária como a falta de pessoal e carreira de apoio aos advogados públicos, a liberdade para aluguel ou construção de estruturas f ísicas adequadas a seus membros, além, é claro, de se fortalecer perante as demais carreiras jurídicas. Com o controle orçamentário sob responsabilidade da AGU, assim que fosse percebida uma deficiência no número de membros e também de servidores, a própria instituição poderia se organizar e realizar novos concursos públicos para suprir as vagas existentes. Do mesmo modo, ficaria a cargo da instituição a decisão sobre o aluguel de um prédio para a atuação de seus membros em um dos estados da federação ou a construção de um espaço permanente para a instituição. Desde a proposição, a PEC passou por análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, na qual o parecer do deputado Regis de Oliveira (PSC/SP) foi aprovado por unanimidade em agosto de 2007. Após essa aprovação, foi criada uma Comissão Especial para análise da proposta dentro dessa casa legislativa. REVISTA

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Após cinco anos de luta, finalmente a PEC 82 foi aprovada por unanimidade na Comissão Especial por meio de um substitutivo ao texto original da proposta, apresentado pelo relator, deputado Lelo Coimbra (PMDB/ES). “A missão da Advocacia Pública, para ser exercida na extensão e dimensão que lhe confere a Constituição, exige que a sua instituição seja complementada com o atributo próprio às funções essenciais à Justiça e que ainda lhe falta: a necessária autonomia”, afirmou Lelo Coimbra. O coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Advocacia Pública, deputado Fábio Trad (PMDB/MS), entende que a aprovação da PEC 82 representa um importante passo não só para o fortalecimento dos advogados públicos, mas, principalmente, para o fortalecimento do Estado brasileiro. “Defender o advogado público é defender o Brasil, defender o Estado, defender os princípios que regem a administração pública.” Depois de aprovada na Comissão Especial, a proposta seguiu para votação no plenário da Câmara. A Anajur e as demais entidades dos advogados públicos fortaleceram a luta na Câmara, realizando uma série de reuniões com deputados e com o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves, que se comprometeu a incluir na pauta do plenário a proposta de aprimorar o sistema político em defesa da advocacia pública. O encontro aconteceu no dia 28 de maio na presidência da Câmara dos Deputados, em Brasília. A proposta precisa ser aprovada nas duas Casas Legislativas. “Toda a Administração se beneficiará disso. Toda a sociedade se beneficiará com isso. Afinal, somente uma Advocacia Pública autônoma propicia um aparato jurídico de Estado efetivamente comprometido com os valores maiores da Constituição, livre de peias partidárias ou de interesses administrativos secundários”, lembra o deputado Lelo Coimbra. Para o autor da proposta de emenda à Constituição, deputado Flavio Dino, o momento é de mobilização da sociedade em favor do tema. “Esse é um momento importante para todos os brasileiros refletirem sobre a defesa das políticas públicas. A PEC 82 foi motivada para dar autonomia aos profissionais de carreira na advocacia pública – federal, estadual e municipal –, para que fortaleçam a prevenção da corrupção, a defesa de políticas públicas e a melhoria na prestação de serviços públicos”, defende Dino. 8

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Caminhos que apontam para a autonomia A autonomia orçamentária, funcional e administrativa da AGU é uma demanda urgente, percebida cada vez mais por aqueles que lidam com a Advocacia Pública. Além do universo prático, essa necessidade também foi observada em estudos técnicos realizados pelo Governo Federal. Durante o ano de 2011, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Reforma do Judiciário, publicou o I Diagnóstico da Advocacia Pública no Brasil. O estudo tinha o objetivo de mapear as principais áreas de atuação, projetos, iniciativas e experiências por meio de entrevistas com os membros da carreira. O diagnóstico apontou que ainda era insuficiente o grau de conhecimento sobre o funcionamento e a forma que vinha operando a Advocacia Pública no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios e dos municípios. Os resultados do trabalho mostraram um alto índice de jovens na carreira, dos quais 61,3% tinham menos de 10 anos de formação acadêmica. No entanto, mais de 37% dos integrantes da AGU responderam que pretendiam prestar concurso para outra área e mais de 90% desses advogados responsabilizaram a inexistência de garantias e prerrogativas funcionais pelo desejo de mudança de carreira. Outro motivo apontado foi a falta de estrutura de trabalho e de prestígio

Movimento Pró-Honorários: a luta pela manutenção dos honorários de sucumbência no texto do novo cpc Outra demanda cara à Advocacia Pública é a permanência dos Honorários de Sucumbência no texto do Novo Código de Processo Civil. Capitaneado pelo “Movimento Pró-Honorários”, do qual a Anajur é parte, os advogados públicos lutam pela manutenção do §19 do art. 85 do novo CPC, que prevê que advogados públicos recebam honorários de sucumbência , nos termos da lei.


desse segmento da advocacia. A ausência de garantias e prerrogativas, por exemplo, são observadas quando determinados advogados acabam sendo responsabilizados e ameaçados, inclusive de prisão, nos casos em que o gestor público descumpre uma determinação judicial. Situações como essa acabam afastando os profissionais da carreira. A preocupação com casos assim levou o advogadogeral da União, Luís Adams, e o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coelho, a realizarem uma audiência com a ministra-conselheira do Tribunal de Contas da União, Ana Arraes, para discutir as decisões do Tribunal que responsabilizam o procurador e o colocam na condição de réu, juntamente com o gestor público, em processos em que tenham emitido parecer. A preocupação principal é com o limite de responsabilização dos advogados públicos quando atuam na área consultiva. Na ocasião, Luís Adams disse que imputar ao parecerista a responsabilização por emitir seu entendimento jurídico, não havendo a comprovação de dolo ou fraude, é um atentado ao livre exercício profissional. No âmbito dos Estados, entre os pontos que geram descontentamento da classe estão “a falta de independência técnica decorrente da vinculação aos objetivos, interesses e perspectivas do Poder Executivo estadual”. Segundo a pesquisa, isso significa a perda de uma

prerrogativa que o Estatuto da Advocacia estende a todos os advogados, públicos ou privados. E completa: “Essa independência é inerente à atividade. É impossível prestar consultoria jurídica sem independência técnica”. Outro aspecto importante observado na pesquisa foi a necessidade de uma formação continuada para os advogados que ingressam na carreira, muitas vezes jovens, e para aqueles que já atuam há mais tempo como advogados públicos: “Caberia aqui a sugestão de que os órgãos de gestão da carreira pudessem estabelecer metas de formação continuada, e que a própria Escola de Formação da AGU pudesse oferecer cursos de especialização voltados mais especificamente para qualificar os advogados no que diz respeito à intervenção da AGU em suas várias áreas de atuação.” Ao final da análise dos dados, os responsáveis pelo estudo apontaram a necessidade da discussão da autonomia para a Advocacia Pública: “No contexto federal, medidas como maior autonomia funcional, administrativa e orçamentária, uma nova Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, obtiveram concordância quase unânime dos respondentes (advogados públicos entrevistados), indicando que esses são temas que devem ser debatidos pela instituição.

A presidente da Anajur, Joana Mello, e representantes da Advocacia Pública foram até o Palácio do Planalto para uma reunião com o chefe da Assessoria Especial da Casa Civil, Marco Antônio de Oliveira, com o objetivo de apresentar as reivindicações da classe. Oliveira afirmou que um grupo de trabalho já foi instituído para analisar o tema. Entre os apoiadores da manutenção dos honorários no texto do novo CPC está a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A entidade afirma que acompanha com preocupação a resistência de setores da sociedade “à digna retribuição do trabalho profissional dos advogados brasileiros”.

A OAB defende que os honorários não são verbas remuneratórias e, por isso, se coadunam perfeitamente com a Constituição de 88. “Exatamente por não serem ‘verbas remuneratórias públicas’, como sustentado corretamente pela Advocacia-Geral da União, não há incompatibilidade de percepção dos honorários sucumbenciais com os subsídios recebidos por boa parte dos advogados públicos, muito menos necessidade de observância da iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo para projeto de lei disciplinador da materia”, afirma Marcus Vinicius Furtado Coelho, presidente do Conselho Federal da OAB, por meio de nota divulgada pela Ordem. REVISTA

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Um dos argumentos contra a proposta é que os honorários poderiam ofender os limites de remuneração do serviço público. No entanto, no caso da Advocacia Pública Federal, prevê-se que cada profissional receberia cerca de R$ 707,75, bem distante do que seria o teto constitucional. Além do encontro no Palácio do Planalto, os representantes da Advocacia Pública se reuniram com senadores que são membros da Comissão Especial constituída no dia 2 de maio para a análise do texto do Novo Código de Processo Civil, entre eles, Antonio Carlos Valadares (PSB/SE) e Wilder Morais (DEM/GO) e com a assessora jurídica do senador Valdir Raupp (PMDB/ RO). Em todos esses encontros, os parlamentares mostraram-se receptivos a ouvir as demandas e analisar a previsão dos honorários no texto do CPC. Informaram, ainda, que pretendem realizar audiências públicas para discutir o tema.

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A primeira reunião da Comissão Especial aconteceu do dia 3 de junho, quando foi eleito José Pimentel (PT/ CE) como presidente; Antônio Carlos Valadares (PSB/ SE) como vice-presidente; e Vital do Rêgo (PMDB/PB) como relator. Já a comissão de juristas que dá suporte aos senadores é presidida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux. Para a presidente da Anajur, Joana Mello, não há justificativa legal para o não-recebimento dos honorários de sucumbência pelos advogados públicos. “O Estatuto da OAB não faz distinção entre a advocacia pública e a privada. É claro que os honorários são um direito do advogado. A própria Advocacia-Geral da União entendeu que, por meio de lei, o advogado público faz jus aos honorários sucumbenciais. Espero que o Senado Federal aprove o novo CPC, para, então, partir-se para a lei específica que trate sobre a forma de arrecadação e distribuição”, explicou.


foto: Arquivo pessoal

artigo

Bendito cochilo constituinte Carlos Domingos Mota Coelho*

Embora Capital desde 1960, Brasília não recebeu, de imediato, todos os órgãos que compunham a administração direta e indireta, por questões políticas, estratégicas, orçamentárias, logísticas, corporativistas, entre outras.

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transferência das autarquias previdenciárias (INPS, Iapas e Inamps), por exemplo, só começou no início de 1980, quando tive a oportunidade de me deslocar por longos períodos, de Belo Horizonte para a jovem Capital do Brasil, integrando a equipe de Recursos Humanos. Com isso, tive a rara oportunidade, por exemplo, de acompanhar o desenrolar da Assembleia Nacional Constituinte e, por vezes, receber incumbências do então ministro da Previdência Social, Raphael de Almeida Magalhães, para que fôssemos ao Congresso Nacional e lá acompanhássemos os desdobramentos da Constituinte em nossa área. Raphael nos ditou rabiscos em um pedaço de papel e eles, sem muitas alterações, estampam os artigos da nossa Constituição Cidadã que tratam da Seguridade Social. Aqueles que, como eu, tiveram a oportunidade de acompanhar a Constituinte se lembram de como ela transcorreu na base do improviso, da correria, do fazer na última hora, da desorganização, de forma que, à época, impossível era acreditar que daquele aparente caos pudesse nascer uma Carta Fundamental coerente, consistente, clara, apesar de volumosa e minudente. Isso me faz lembrar de arquibancadas caindo, gramados esburacados, banheiros interditados e outras tragédias vaticinadas em relação à Copa do Mundo de Futebol, que ora o Brasil sedia. E falando em Copa, não custa transcrever aqui uma do filósofo Ronaldo Fenômeno: “Gringo, no geral, não conhece o nosso jeitinho brasileiro de ser, de fazer as coisas...” Voltando à Constituinte, a infinidade de assuntos abarcando todos os ramos do direito, aliada ao curtíssimo lapso de tempo (abril de 1987 a outubro de 1988) fez com que alguns atraíssem mais atenção do que os outros, sobretudo os holofotes que pairaram em temas como os

Direitos Fundamentais, natural num país que mal saíra dos horrores da ditadura. Dos assuntos postos em plano secundário, a organização da Advocacia Pública foi um deles, tocado quase solitariamente pelo Dr. Saulo Ramos e pelo então deputado Nelson Jobim, sob o olhar atento de meia dúzia de interessados, entre eles o da nossa ex-presidente Nicóla Motta. Melhor ter sido assim, pois a classe política de então, tal como continua acontecendo, certamente jamais aprovaria a inserção da advocacia pública como uma das carreiras essenciais à Justiça, caso tivesse tido tempo para se aprofundar na análise desse tema. Com certeza, beneficiária de um Estado que não tinha mecanismos capazes de frear a sua volúpia por verbas e cargos, ingênuo seria esperar que ela desse um tiro no próprio pé, aprovando a criação de um órgão de controle feito a AGU. Pois bem! Se aparentemente fácil foi a inserção da Advocacia Geral da União naquela Constituição que se alinhavava, dif ícil foi a sua regulamentação, pois o Congresso, não mais atarantado e ofuscado pela profusão de temas, teve tempo mais do que suficiente para se aprofundar no assunto e, com isso, desfazer armadilhas que pudessem destituir a elite política do papel de Dona do Poder. Também acompanhei a tramitação do que é hoje a Lei Complementar 73 e, de alguma forma, participei ativamente do trabalho de convencimento à época encetado por colegas que fundaram a Anajur, a Anpaf, a Anpprev e o Sinprofaz, sem os quais o Estatuto da AGU, ainda prenhe de lacunas, não seria sequer um espectro do que hoje temos. Se hoje o governante de plantão é obrigado a engolir a seco a sua contrariedade com um parecer da AGU que o impede, por exemplo, de superfaturar uma obra, isso se deve ao que lá atrás aconteceu, inclusive o bendito cochilo dos constituintes em deixar passar batido um tema tão importante para o Povo Brasileiro, mas inteiramente contrário à cleptocracia instalada aqui desde a chegada das naus de Portugal! * Procurador Federal e autor de diversas obras literárias. Foi deputado federal pelo PSB/MG (2003/2007). REVISTA

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fotos: nelson jr./asics/tse

entrevista

Dias Toffoli: A Advocacia Consultiva e a sua importância para o Estado brasileiro Nascido em Marília, estado de São Paulo, José Antônio Dias Toffoli é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, corte a qual integra desde 2009, e será o responsável pela condução das Eleições de 2014. Dias Toffoli também é ministro do Supremo Tribunal Federal, no qual assumiu a cadeira que era ocupada pelo ministro Menezes Direito. 12

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ormado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo (USP), o ministro foi advogado-geral da União entre os anos de 2007 a 2009 e subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República de 2003 a 2005. Nesta entrevista à Revista Anajur, Dias Toffoli analisa a atuação da Advocacia-Geral da União (AGU), fala sobre a importância do advogado público e relembra o período em que foi advogado-geral da União. Em sua visão, o que levou o legislador constituinte a perceber a importância de desmembrar as funções do Ministério Público, concedendo à AGU a respon-


sabilidade de fazer a representação judicial e extrajudicial da União e a consultoria e o assessoramento jurídico dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal? – A principal razão foi que o Estado brasileiro era indefeso. A União não tinha quem defendesse os seus interesses e a Procuradoria da República se voltava muito mais para a atividade de Ministério Público do que para a advocacia. Tanto isso é verdade que os Atos das Disposições Constitucionais Transitórias previram a possibilidade de aqueles integrantes do Ministério Público Federal optarem pela carreira de advogado da União e não houve essa opção por parte dos profissionais. Eles permaneceram como membros do Ministério Público, carreira para a qual eles eram vocacionados. Essa necessidade de ter advogados públicos para defender o Estado é que levou a Constituição sabiamente a criar a Advocacia-Geral da União como um órgão de Estado, não de governo, e com uma função essencial à Justiça. O que representa em ganhos reais para o País o trabalho preventivo da AGU? – Os números são divulgados anualmente pela própria AGU e são dezenas, centenas de bilhões de reais que o Estado brasileiro deixa de perder em ações contra ele propostas ou arrecada em ações de execuções fiscais, de execuções das decisões condenatórias de tribunais de contas da União, de condenações de multas pelas agências e pelos órgãos do Estado, além dos casos em que se faz a defesa para que o erário não seja então atingido por ações indevidas para a União. Há ainda outra atuação muito importante, que é a da consultoria. Esta, muitas vezes, é dif ícil de mensurar, porque aquilo que um parecer evita de prejuízo, ninguém nem sabe que prejuízo seria. Mas é uma tarefa do cotidiano da Advocacia da União. Como a AGU atua para garantir a execução das políticas públicas do Estado? O senhor poderia destacar alguns exemplos que considera relevantes para a sociedade brasileira? – Isso se refere ao respeito e ao apoio ao voto do eleitor. O eleitor, quando vota, faz uma opção política por determinada linha de governo. A advocacia pública, no aspecto consultivo, dá o suporte para que essa linha de governo que assume o Estado brasileiro, em sua gestão, tenha o assessoramento jurídico adequado para implementar suas políticas públicas.

Existem representações extrajudiciais no âmbito internacional e no âmbito interno brasileiro. Esta ainda é uma atividade a ser cada vez mais incrementada.

O que significa representar a União extrajudicialmente? Durante o período do senhor como advogado-geral da União, quais os casos de representação extrajudicial mais importantes? – Existem representações extrajudiciais no âmbito internacional e no âmbito interno brasileiro. Essa ainda é uma atividade a ser cada vez mais incrementada. Nesse aspecto, criei, quando fui advogado-geral da União, as Câmaras de Conciliação entre os entes da federação, para que a União não ficasse litigando com os estados, o Distrito Federal ou os municípios e isso fosse resolvido por meio de uma solução extrajudicial. Um grande exemplo disso foi a solução de uma demanda do estado do Rio de Janeiro com a Agência Nacional de Petróleo, com a Petrobras, e com a própria União, que iniciamos na Câmara de Conciliação à época em que eu estava à frente da Advocacia-Geral da União. Essa conciliação depois foi homologada já na gestão do atual advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. A Câmara de Conciliação foi instituída também entre os próprios entes da Administração Pública Federal. Era comum o INSS litigar contra a Caixa Econômica Federal ou contra entes da própria União, ou a própria União contra o Ibama de um lado, o Incra de outro, a Funai, de outro, a respeito, por exemplo, da construção de uma hidrelétrica. Isso era uma coisa absolutamente esquizofrênica, pois todos fazem parte da União. Então acabamos com esse tipo de litigância, que passou a ser função de representação extrajudicial da União, que se dá dessa forma. Qual é o reflexo do trabalho da advocacia pública na vida do cidadão? Esse reflexo se dá no dia a dia do cidadão que tem um Estado que cobra os impostos daqueles que deixam de pagar, um Estado que passa a fazer a sua atuação política de modo que se respeite a Constituição, graças ao apoio REVISTA

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consultivo dos advogados públicos. A Advocacia Pública tem esse dever e essa obrigação, que vem cumprindo de maneira bastante adequada a meu ver. Como garantir a separação entre advogar para a União e advogar para o governo do momento? Como garantir a independência da AGU? – A independência já é dada ao advogado. Todo advogado público, antes de ser um advogado público, é um advogado. É uma atuação independente. Nessa nobre missão de advogado, no contencioso jurisdicional, no judicial portanto, e no extrajudicial, a atuação só se vincula à Constituição e às leis do seu país. O governo não pode fazer o que bem entende. Ele tem que respeitar a Constituição e as leis do país e o advogado público tem essa autonomia de emitir seu parecer. O risco de seguir ou não o parecer é exatamente do gestor público. Nenhum gestor público, a não ser no caso do parecer vinculativo, é obrigado a seguir a opinião do seu consultor jurídico. Isso só se dá quando há um parecer aprovado pelo presidente da República. Mas fora essas situações, ele pode até não seguir, mas ele vai sofrer as consequências de estar tomando uma atitude sem parâmetro jurídico. Então a advocacia da União já é autônoma e o advogado público já é independente nessa função de auxiliar consultivamente os gestores públicos a gerirem a coisa pública. Como membro do poder Judiciário, qual é a sua visão da advocacia pública? – Minha visão é que a advocacia pública no Brasil, a cada ano que passa, vai se estruturando e, cada vez mais, atua de forma a exercer aquela função primordial de ser uma função essencial à Justiça, seja no trabalho judicial, seja no trabalho extrajudicial. Por que demorou tanto tempo para o Estado reconhecer a necessidade de implementar uma advocacia pública e, transcorridos quase 26 anos, ainda nos deparamos com resistências ao fortalecimento desse segmento da advocacia no que se refere às prerrogativas desses profissionais? – No momento que se tinha um Estado mais centralizado e um Estado em que havia um governo não democrático, como o Estado Novo ou os 20 anos de Governo Militar, esses governos eram de força, autoritários. Quando se vai para a democracia, temos um governo baseado na Constituição e nas leis. Por isso, a advocacia pública, 14

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O governo não pode fazer o que bem entende. Ele tem que respeitar a Constituição e as leis do país e o advogado público tem essa autonomia de dar o seu parecer.

na esfera nacional, é recente. Ela é recente porque o Estado Democrático de Direito no Brasil é algo novo e só há espaço para uma Advocacia Pública de Estado e independente em um Estado Democrático de Direito. Encerrando, o que o senhor poderia dizer sobre os avanços necessários para que o Estado tenha menos perdas de recursos por desvios ou malversação de recursos públicos? – É cada vez mais necessário que as consultorias sejam exercidas exclusivamente por quem é membro das carreiras da Advocacia Pública e com isso se terá uma maior qualificação da atividade consultiva.


foto: Arquivo pessoal

artigo

Pauta do Congresso em ano eleitoral Antônio Augusto de Queiroz*

Com dois eventos em que o país literalmente para – Copa do Mundo e eleições –, a tendência do Congresso Nacional já a partir do mês de junho é deliberar pouco e evitar temas polêmicos. Isso interessa, sobremaneira, ao Poder Executivo, que está numa fase de profunda contenção do gasto público.

A

Câmara dos Deputados, que é a casa por onde se inicia a tramitação das proposições externas, entre as quais os projetos de lei em regime de urgência e as medidas provisórias, que trancam a pauta, é a que mais tem matérias pendentes de deliberação. Para complicar o quadro, a Câmara será mais afetada pelos eventos citados, especialmente a eleição de 2014, na qual será renovada a totalidade de sua composição, ao passo que o Senado renovará apenas um terço de suas cadeiras. A pauta da Câmara é ampla e inclui, além das medidas provisórias, uma série de proposições polêmicas, como o Código de Mineração, a reforma política, o orçamento impositivo, entre outras. Além desses temas, estão pendentes de votação matérias reclamadas durante as manifestações de junho de 2013, consideradas pauta bomba pelo governo, como a ficha limpa para os servidores públicos; a que torna a corrupção crime hediondo; a que determina a perda imediata do mandato de parlamentar condenado, em sentença definitiva, por improbidade administrativa ou crime contra a administração pública; a redução do número de suplentes de senadores, de dois para um; e o fim da aposentadoria para magistrados e membros do Ministério Público como forma de punição disciplinar. O Senado, por sua vez, além de priorizar os temas federativos, como o novo indexador das dívidas dos estados e municípios, e a modernização de alguns códigos – como o Penal, o Comercial e de Defesa do Consumidor –, deve pautar o projeto sobre passe livre nacional para estudantes e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)

que acaba com o foro privilegiado para crimes comuns praticados por autoridades, inclusive parlamentares, entre outros temas pendentes. O governo, temendo a aprovação de matérias que afetem as contas públicas, tende a evitar que sejam avaliadas matérias da chamada pauta-bomba, que inclui uma série de temas polêmicos que implicam aumento de despesa para a União. São exemplos de projetos classificados como integrantes da pauta-bomba a PEC 300, que trata do piso salarial dos policiais militares e bombeiros; o fim do fator previdenciário e da contribuição dos servidores públicos aposentados e pensionistas (PEC 555); a isonomia salarial de várias carreiras de Estado com o subsídio de desembargador, entre outros. O Poder Executivo, que necessita aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2015, que precisaria ser votada até 17 de julho, sob pena de o Congresso não poder entrar formalmente em recesso, tem interesse na aprovação de uma série de projetos de lei e medidas provisórias de sua iniciativa, mas teme que os parlamentares avancem sobre temas com impacto nas contas públicas. Por fim, as próprias restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe a criação ou majoração de despesas nos seis meses que antecedem ao término do mandato presidencial, ajudam nessa estratégia governamental de selecionar as matérias que deseja que o Congresso vote neste ano atípico. A julgar pelos eventos mencionados e pela disposição do governo federal, o Congresso deve deliberar pouco no resto deste ano, transferindo parte da agenda remanescente, em particular a reforma política, para a próxima legislatura. Nem mesmo a confirmação da decisão do Supremo Tribunal Federal que acaba com o financiamento privado de campanha será capaz de mobilizar o Congresso e viabilizar mudança no sistema eleitoral este ano. Do ponto de vista legislativo, 2014 praticamente acabou. * Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamen­ tar (Diap). REVISTA

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jovens advogados

Passei no concurso público...

e agora?

Vagas previstas no Orçamento de 2014 atraem profissionais para concursos públicos

“O concurso público é democrático. Não precisa conhecer ninguém, só depende da gente, da nossa dedicação.” Aos 31 anos, Gabriel Bahia já contabiliza seis como membro de uma das carreiras da Advocacia Geral da União (AGU). Foi aprovado no concurso realizado em 2008, com pouco mais de um ano de formado. Mas, para isso, se dedicou e muito. Após o bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, ficou por conta dos estudos. “É atividade em tempo integral. Se não entrar de cabeça, pode até passar, mas demora muito mais. Tem que ter um cotidiano de estudo”. A boa notícia veio em fevereiro, quando saiu o resultado do concurso. Até ser chamado para trabalhar, em setembro do mesmo ano, Gabriel continuou a estudar e prestar mais provas.

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e acordo com o Ministério do Planejamento, o governo federal deve abrir mais de 47 mil vagas em 2014. Este é o número previsto no Orçamento desse ano, aprovado pelo Congresso Nacional. De 2012 para 2013 houve um aumento de 44,4% no número de postos de trabalho disponibilizados. A oferta subiu de 90 mil para 130 mil oportunidades de emprego em âmbito municipal, estadual e federal. Na área de Direito, a disputa é acirrada. Atualmente o País conta com 1,3 mil cursos. São 800 mil matrículas em todos os anos de graduação. São futuros profissionais que entram no mercado de trabalho a cada ano em busca de novas oportunidades. Mas o que atrai tantas pessoas para o serviço público? “A procura aumentou porque teve uma valorização das carreiras públicas federais.

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O salário era menor e as pessoas procuravam mais a advocacia privada. Hoje acontece o inverso. A maioria dos meus amigos procurou a carreira pública”, conta Gabriel Bahia. Já o juiz Frederico Ernesto sabia, desde o início, que sua vocação era a magistratura. Prestou vários concursos e, para ele, a faculdade foi a base mais importante para a formação do conhecimento jurídico. Em 2009, foi aprovado para o cargo de juiz no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). “A sensação foi de que o esforço foi recompensado e que havia uma grande responsabilidade a cumprir”. Essa responsabilidade dura 24 horas por dia. “O juiz deve ter sempre cuidado com suas decisões. Elas tratam da vida das pessoas, por isso o estudo e a preparação são constantes”. Engana-se quem pensa que, após a aprovação, acaba a pressão. Aí é hora de se preparar para enfrentar os desafios da nova carreira e assumir um cargo com muita responsabilidade, como os dos nossos entrevistados: advogado público federal e juiz. Para se ter uma ideia, apenas no âmbito da Advocacia-Geral da União, existem 20 milhões de processos registrados, divididos entre os mais de 7.800 membros das quatro carreiras da Advocacia Pública. Desses processos, 3.932 são relativos ao Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal. Entre as ações que ficam sob a responsabilidade desses advogados estão a garantia da realização das licitações da Agência Nacional de Petróleo, o leilão de linhas transmissão de energia elétrica, a restituição de vasto montante proveniente do combate à corrupção e da defesa do patrimônio público. Um bom exemplo é caso do juiz Nicolau dos Santos Neto. Os advogados públicos recuperaram R$10 milhões de reais para os cofres do Estado. Outro processo emblemático é o caso da advogada Jorgina: foram arrecadados


foto: mateus matos

O direito oferece muitas oportunidades, é valorizado, abre muitos caminhos.

Gabriel Bahia – Advogado Público Federal

R$ 145 milhões de reais através do leilões de bens da quadrilha da fraudadora do INSS. O impacto de cada um desses casos chega à marca dos bilhões de reais.

Estresse na magistratura Juliana Barros de Oliveira é doutora em Psicologia pela PUC/Campinas. E sua tese, elaborada em 2007, foi justamente sobre o estresse que atinge quem trabalha na magistratura. Ela entrevistou 220 magistrados e servidores públicos do TRT da 15a Região. Desses, 72% apresentaram algum tipo de estresse com fatores aliados principalmente à administração da vida pessoal e do trabalho. A psicóloga acredita que esse tipo de estudo é importante para se chegar a estratégias de intervenção em situações de estresse. Hoje, ela desenvolve um trabalho nessa área com os servidores do TRT da 15a Região. “São visitas às unidades de 1ª instância para a identificação dos principais agentes estressores presentes no cotidiano de magistrados e servidores. Nessas visitas, temos a oportunidade também de verificar os níveis de estresse e alguns indicadores de qualidade de vida, os quais nos instrumentalizam para oferecermos orientações personalizadas, quando necessário”.

Juliana explica que o estresse em si não pode ser considerado prejudicial. É uma reação psicofisiológica, uma tentativa de vencer um desafio e lidar com uma adaptação necessária, mesmo que seja algo desejado e esperado. Para ela, a população exige cada vez mais dos agentes públicos e por isso a pressão é maior. “O aumento da demanda por serviço de boa qualidade e as novas tecnologias em pleno processo de implantação são desafios importantes no cotidiano de qualquer agente público. Um dos maiores causadores de estresse nesse tipo de serviço, de alta responsabilidade, é a expectativa social e institucional de grande produtividade quando se desenvolvem trabalhos em que a qualidade requer tempo, reflexão, análise e estudo cuidadoso de cada caso concreto. A pressa é extremamente ansiogênica quando se precisa aprofundar o estudo de um tema”. O advogado Gabriel Bahia explica que, no início, é preciso contar com a ajuda de colegas: “Alguns concursos têm curso de formação, mas é muito rápido, mais para apresentar a carreira. Experiência só se adquire com a prática diária. Se antes de entrar de cabeça as pessoas pudessem passar por vários departamentos, ajudaria. Só se adquire experiência com o trato diário do trabalho”. O juiz Frederico Ernesto complementa: “Em qualquer cargo que assuma, a pessoa nunca estará com a devida experiência, pois esta se adquire no dia a dia. Ninguém assume um cargo sendo 100% experiente”. Mas para o juiz, a falta de experiência pode ser compensada pela inteligência e pela vocação: “Vejo que há um grande preconceito com jovens assumirem cargos públicos. Ora, há vários jovens muito inteligentes e vocacionados e que são capazes de, no primeiro ato, já adquir experiência na função. E se ainda não possuem a experiência, têm a inteligência necessária de procurar alguém mais experiente para orientá-los. Ainda que inexperiente, o jovem não é imprudente. Com calma, vai aprendendo a trilhar seu REVISTA

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foto: Arquivo pessoal

É importante reconhecermos os nossos próprios limites para identificar o momento de parar e de nos envolver em atividades de lazer e relaxamento. Digo ainda, com convicção, que o ambiente harmonioso, amistoso, onde as relações interpessoais são saudáveis, dificilmente propicia o adoecimento por estresse excessivo.

Juliana Barros de Oliveira – Doutora em Psicologia

caminho. Aliás, são esses jovens que conseguem sanar os vícios perpetuados nas instituições públicas”. A psicóloga Juliana Barros de Oliveira explica por que o desafio pode ser maior para os mais novos: “Jovens em cargos públicos de grande responsabilidade têm um desafio maior sim, mas não em virtude da falta de conhecimento prático e, sim, por características como impulsividade, ansiedade e idealismo exacerbado, naturais da juventude. Com o passar dos anos, tendemos ao desenvolvimento de recursos cognitivo-afetivos que nos auxiliam no enfrentamento de adversidades e da própria responsabilidade no trabalho, tais como a moderação e a tolerância. Entretanto, o vigor da juventude, o gosto por novas ideias e a paixão pelo trabalho e suas repercussões são importantes aliados desse grupo de profissionais que tem se mostrado extremamente renovador no serviço público”. Juliana apresenta a dica para fugir do excesso de estresse e conseguir exercer o trabalho da melhor forma possível: “Estudos mostram que uma das melhores formas de controlar o estresse excessivo é a regulação emocional, que vem a ser a habilidade em manter a calma diante de situações adversas ou que provocam ansiedade. O controle de impulsos, a adequada análise causal das contingências e o otimismo são também importantes 18

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fatores de proteção. Outra habilidade importante é a empatia – capacidade de se colocar no lugar do outro –, que nos ajuda a compreender melhor as razões que levam as pessoas a se comportarem de determinada forma, ainda que essas nos pareçam estranhas, num primeiro olhar. Quando fazemos esse exercício, percebemos que diminuem significativamente as ocasiões em que nos sentimos irritados e impacientes”. E para quem ainda não foi aprovado ou quer tentar um cargo melhor, fica a dica do advogado público Gabriel Bahia: “O conselho que eu dou é ter disciplina e ser obstinado. É questão de estudar. Se você tem trato diário com as matérias, ajuda. Mas tem que se dedicar e acompanhar o que está sendo discutido nos tribunais”.

O juiz é juiz por 24 horas. Às vezes isto cansa, mas por mais vezes sinto que exerço minha vocação e fico satisfeito.

Frederico Ernesto – Juiz do TJDFT


foto: Arquivo pessoal

artigo

O direito homoafetivo familiar no aspecto do Código Civil de 2002 Thamires Loyane Barbosa Fernandes*

e comprometidos que são equivalentes aos relacionamentos heterossexuais em aspectos essenciais. A

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homossexualidade é um tema polêmico na área humana, causador de grande impacto na sociedade; embora seja considerado um assunto de aceitação recente, sua origem é antiga. Conforme explica Cláudia Thomé Toni : “O vocábulo homo é oriundo da raiz da palavra grega hómos, que significa semelhante, e da palavra latina sexu, que significa relativo a sexo, conclui-se, portanto, ser a escolha humana por alguém do mesmo sexo”. Ao longo de toda a história comportamentos como esse foram tolerados, condenados ou admirados, variando de acordo com a cultura do povo local, portanto, trata-se a homossexualidade de um comportamento que se encaixa dentro de uma orientação sexual, tais como a bissexualidade, heterossexualidade e assexualidade. Observam-se na natureza cerca de cinco mil espécies que possuem esse tipo de comportamento, em que o ser humano é apenas mais um adepto. É importante ressaltar que em um mundo onde as diferenças são norteadoras de comportamentos por um grupo de pessoas, embora seja apenas uma classificação, a homossexualidade vai além de uma simples opção por alguém do mesmo sexo. Há também o aspecto afetivo, dentro do qual casais se predispõem a constituir laços familiares e com as mesmas bases de um casal heterossexual. No ano de 2006, a Associação Americana de Psicologia, Associação Americana de Psiquiatria e Associação Nacional de Assistentes Sociais firmaram entendimento em um amicus curiae, apresentado à Suprema Corte do Estado da Califórnia, nos seguintes termos: “Gays e lésbicas formam relacionamentos estáveis

instituição do casamento oferece benefícios sociais, psicológicos e de saúde que são negados aos casais do mesmo sexo. Ao negar a casais do mesmo sexo o direito de casar, o Estado reforça e perpetua o estigma historicamente ligado ao homossexualismo. A homossexualidade continua a ser estigmatizada e esse estigma tem consequências negativas. A proibição do casamento para casais do mesmo sexo na Califórnia reflete e reforça o estigma.”

As relações homossexuais perduram desde os primórdios da constituição da sociedade, como na antiga Grécia, em que as mulheres eram vistas como verdadeiras servas e objetos, e não como seres humanos dignos de valorização, portanto, as relações homossexuais entre homens se justificavam pelo simples fato de que apenas os homens possuíam valor diante de uma relação. Durante muito tempo na história, esse comportamento foi tratado como um distúrbio mental, e as pessoas que se comportavam dessa maneira deveriam se submeter a tratamentos psicológicos, conforme explica Dias: “Na Idade Média, em face da influência das concepções religiosas, a Medicina considerava o “homossexualismo” uma doença, enfermidade, que acarretava a diminuição das faculdades mentais. Um mal contagioso, decorrente de um defeito genérico.”

A evolução humana requer e necessita desse enquadramento, pois é preciso saber diferenciar o que faz parte de distúrbios psicológicos do que é considerado apenas um dogma revestido de preconceito e de não-aceitação. REVISTA

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É inegável que o ano de 2011 foi um grande marco para os casais homossexuais, mais especificamente no dia 5/5/11, no julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIN 4277/2009) e da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1322008), quando o Supremo Tribunal Federal deu nova interpretação ao artigo 1.723, do Código Civil, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil do ano de 1988, equiparando a união dos casais homossexuais à união estável dos casais heteroafetivos. Oportuno é salientar que o status ora conferido aos casais homoafetivos repercute em todas as esferas do Direito, em específico, ao objeto do presente artigo, no âmbito familiar. Cumpre ressaltar que o direito dos casais homoafetivos possui total respaldo constitucional, já que diz respeito aos princípios norteadores de toda a sociedade, quais sejam o princípio da dignidade da pessoa humana, liberdade de expressão, e, principalmente, o previsto no artigo 5°, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, explicitando a igualdade de todos, vedando a discriminação de qualquer natureza, velando pela inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade. Demonstra-se, ainda, um importante passo rumo ao reconhecimento almejado pelos casais homoafetivos, a proposição do anteprojeto de lei, feita pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que visa instituir o Estatuto da Diversidade Sexual, e, assim, oferecer maior proteção aos casais que hoje se encontram desamparados diante da ausência de lei específica, abarcando as brechas legislativas e aplicando lei benéfica ao que for contrário ao bem-estar e social desses casais. O certo é que não há uma lei no Brasil que proíba a união homoafetiva. O pensamento Kelseniano afirma: “Tudo o que não está explicitamente proibido, está, implicitamente, permitido”. Essa ideia é amplamente protegida pela Constituição Federal, ao afirmar que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Art. 5°, inciso II CF/88. Em respeito a esse posicionamento, Fabio Ulhoa Coelho certifica: “Toda estrutura de um imperativo sancionador, para o pensamento kelseniano, aquele Juiz que enxerga lacunas no Direito está, na verdade, pretendendo aplicar sanções a uma conduta não sancionada ou deixar de aplicar sanções a condutas sancionadas. Ou seja, ele pretende inverter o sentido da norma [...], em Kelsen, o julgador só considera que há lacunas no ordenamento quando não o satisfaz a solução oferecida.” 20

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Em análise, é valido observar a mutabilidade que caracteriza o Direito e as leis. Assim como o fator temporal e a mudança nos costumes são elementos que influenciam os valores presentes em cada civilização, o Direito deve acompanhar as transmutações ocorridas e, em favor delas, afastar o preconceito e criar leis em nível de compatibilidade com os reais anseios da sociedade. Portanto, diante das diversidades existentes, o conceito de família se liga indiscutivelmente ao afeto, não podendo, portanto, a legislação invadir essa esfera subjetiva do ser humano. Esse direito é reconhecido, não há que se discutir sobre sua legalidade. Nossa Carta Magna de 1988 estipula o direito à dignidade da pessoa humana como um direito fundamental, a ser aplicado a todos, indiscriminadamente. Com o advento da Carta de 1988, a entidade familiar recebeu, de maneira privilegiada, novos contornos no tocante ao próprio conceito, destacando-se como primordial, por exemplo, o afeto, in verbis: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 3o – Para efeito da proteção do Estado, é reco­

nhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

(...)

§ 7o – Fundado nos princípios da dignidade da

pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8o – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Ou seja, a Constituição Federal de 1988 foi propulsora de uma significativa modernização em toda a estrutura social e familiar e, por esse motivo, denominou-se “Constituição Cidadã”, uma nova base jurídica, preocupada com a aplicação dos princípios constitucionais basilares de um Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal permitiu que se reconhecessem constitucionalmente, em perspectiva pós-moderna, dois princípios fundamentais para a entidade familiar sob o aspecto do novo Código Civil de 2002, qual seja a proteção à unidade familiar e a proteção aos filhos, considerados em sua individualidade.


O ano de 2011 foi um grande marco para os casais homossexuais, quando o Supremo Tribunal Federal deu nova interpretação ao artigo 1.723, do Código Civil, equiparando a união dos casais homossexuais à união estável dos casais heteroafetivos. Além do mais, a relação homoafetiva permeia todas as searas existentes do Direito. Exemplo claro disso se faz presente no parecer 038/2010 aprovado pelo advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Lucena Adams, que reconhece a união estável homoafetiva para o pagamento de benef ícios previdenciários, direito constitucional garantido em nossa Carta Magna. Esse parecer, elaborado pelo Departamento de Análise de Atos Normativos (Denor) da Consultoria-Geral da União (CGU/AGU), afirmou que as discriminações sofridas pelos homossexuais não estão de acordo com os princípios constitucionais. Mais uma vez torna-se evidente que a Constituição Federal de 1988, vigente em nosso Estado, não possui cunho discriminatório e segregador, pelo contrário, é garantidor dos princípios fundamentais inerentes à natureza humana. Diante de todo o exposto pela Carta Magna de 1988, bem como pelos princípios constitucionais derivados da interpretação do citado diploma legal, não se pode chegar a outra conclusão que não seja a de que esse

novo tipo de entidade familiar tem total respaldo legal, já que, a partir da Constituição Federal de 1988, a família afetiva, constituída pelo casal homoafetivo, passou a ser reconhecida em todos os seus pormenores, de modo que o afeto tem exercido um relevante papel social e moral, equiparando em um patamar igualitário de direitos e obrigações os casais homoafetivos e heterossexuais, fator fundamental para que, de fato, se observe nos moldes legais, um legítimo Estado Democrático de Direito. *Advogada. autores citados – TONI, Cláudia Thomé. Manual de direitos dos homossexuais. São Paulo: SRS, 2008. – DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito e a justiça. 5. Ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2011a. – ULHOA COELHO, Fábio. Roteiro de lógica jurídica. 3ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1997. REVISTA

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O fim do BacenJud e a execução fiscal Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy*

No contexto da discussão de um novo Código de Processo Civil para o Brasil, retoma-se o tema do bloqueio dos ativos financeiros dos devedores, por intermédio de modelo conhecido como BacenJud, o qual se pretende esvaziar, tão logo entre em vigor o texto recentemente aprovado na Câmara dos Deputados e que ainda aguarda votação no Senado Federal.

A

fórmula, também conhecida como penhora online, viveria seu canto de cisne. É de reconhecida utilidade para os credores. No presente texto refiro-me especialmente aos créditos fiscais, bem como à utilização do BacenJud na cobrança da dívida ativa federal. Corre-se o risco de se perder importantíssimo instrumento para cobrança de créditos fiscais, hoje subordinados à Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, texto normativo de 1980, e que espelha uma época distinta dos dias de hoje. O estoque da dívida federal, o volume de execuções fiscais, a média de duração desses processos e as preocupações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional suscitam um conjunto de soluções gerenciais e legislativas que apontam para a necessidade da manutenção do mecanismo do BacenJud. Outras medidas precisam ser tomadas (ou mantidas), a exemplo da melhoria em cadastros e fluxos de informações, do uso da informática e de processos eletrônicos, bem como a simplificação na forma de quitação de débitos ajuizados, insuficientes para um enfrentamento adequado do problema. O modelo brasileiro de cobrança judicial de créditos tributários, plasmado na Lei nº 6.830, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública e dá

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foto: Arquivo pessoal

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outras providências, esgota-se pela própria seiva. Exige alternativas. O texto vigente substituiu o Decreto-Lei nº 960, de 17 de novembro de 19381, que, por sua vez, emendou o Decreto nº 10.902, de 29 de maio de 19142, que ainda substancializava excertos do Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850. A arqueologia normativa remete o interessado aos títulos IX, X, XII e XIII, do Livro Primeiro, das Ordenações Filipinas3. O modelo que se tem é centrado na atuação do Poder Judiciário, para o qual se deslocam quase todas as discussões fiscais, produzindo-se impressionante multiplicação de procedimentos e de medidas, com prejuízos para a Administração e para os Administrados, orçados sobremodo nos custos que provocam. Por intermédio do uso do BacenJud, e enquanto não existe um modelo administrativo (e firme) de cobrança de créditos fiscais, pode-se verificar atuação eficiente do Poder Judiciário. O bloqueio de contas correntes, nesse modelo, não depende de demoradas requisições que emperram em procedimentos burocráticos, típicos de uma cultura que cultua o procedimento e não o resultado. Papel e correio são instâncias que no modelo do BacenJud apenas evocam o passado. Ainda que com muitas críticas, deve-se reconhecer que a fórmula potencializa a efetividade da execução fiscal, quando nesse procedimento utilizada. Em contrapartida, o desbloqueio, na eventualidade do excesso de penhora, também não depende de uma marcha burocrática demorada e inadequada. Presentemente, o BacenJud conta com marco regulatório fixado no art. 655-A do Código de Processo Civil, em redação que decorre da Lei nº 11.382, de 2006. Nesse sentido, dispôs-se que, para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem lutado incessantemente pela diminuição do quadro preocupante relativo ao número de execuções fiscais que há no Brasil.

execução. Além do que, dispôs-se que as informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução. Ainda que a execução deva se processar de modo menos gravoso para o devedor, deve-se levar em conta também que é da essência da execução fiscal (art. 11 da Lei de Execuções Fiscais) a penhora em dinheiro, o que afastaria a prioridade e a preferência da garantia do juízo por intermédio da penhora em bens imóveis do devedor (art. 206 do Código Tributário Nacional). Isto é, nada impede que o juiz recuse a penhora de bens imóveis (ou móveis) na hipótese de que o devedor detenha recursos suficientes para a garantia da execução. De tal modo, é entendimento hoje sedimentado de que o uso do BacenJud não hostiliza o princípio da não-onerosidade, com o qual o Código de Processo Civil contempla o devedor (art. 620). A liquidez, a certeza e a exigibilidade do crédito fiscal, tais como espelhadas na certidão de dívida ativa (art. 3º da Lei de Execuções Fiscais), justificam a utilização do modelo do BacenJud, do ponto de vista da surpresa do devedor. É que a execução fiscal se desdobrou de um processo administrativo no qual ao devedor foi outorgada a ampla defesa. O Poder Judiciário, infelizmente, transformou-se em instância especializada para cobrança de créditos públicos. De algum modo vê-se dividido entre deveres de neutralidade (que a segurança jurídica exige) e de eficiência (anelo do Fisco e dos contribuintes). O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem lutado incessantemente pela diminuição do quadro preocupante relativo ao número de execuções fiscais que há no Brasil. Poderia se cogitar de um ato de constrição preparatória e provisória, de competência da Fazenda Pública credora, cabendo seu controle ao Judiciário. A melhoria em cadastros e fluxos de informações, o uso da informática e de processos eletrônicos, bem como as simplificações na forma de quitação de débitos ajuizados não foram suficientes para enfrentamento definitivo do

problema. A ineficiência da cobrança decorre do uso de um modelo cogitado para o ano de 1980, e que reproduzia a concepção de execução e de modelo processual que então se conhecia. Tem-se a impressão de que o fim do BacenJud assusta, uma vez que afasta a execução fiscal da velocidade e das técnicas de informática com as quais convivemos. A necropsia institucional pela qual passamos comprova que o modelo está falido e que precisa ser alterado. Porém, o fim do BacenJud, se assim aprovado pelo Congresso, representa um regresso institucional, fragilizando-se ainda mais a execução fiscal.

* Livre docente em Teoria Geral do Estado pela Facul­ dade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontif ícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Consultor-Geral da União.

NOTAS 1

Por exemplo, o art. 59 do referido decreto-lei dispunha que a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda não poderia ser submetida a juízo arbitral. Essa regra firmava a natureza do modelo, típico do Estado Novo, plasmado pela hipertrofia do Estado. Cf., portodos, Thomas Skidmore, Politics in Brazil, 1930-1964, New York, Oxford University Press, 1967, p. 21-48.

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O referido Decreto reorganizava a Procuradoria da República no Distrito Federal. Cuida da execução fiscal (arts. 72 e ss.), que nominava de executivo fiscal. O art. 133 dispunha que os procuradores da República (que então conduziam as execuções fiscais de créditos federais) poderiam promover ex-officio processos que confirmassem a insolvibilidade de dívidas da União, reconhecendo-as como falidas e insolúveis, ou por se acharem os devedores em estado manifesto de insolvibilidade, ou por terem falecido sem deixar bens, ou haverem se ausentado para lugares não sabidos.

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Os aludidos títulos dispõem sobre os juízes dos Feitos da Coroa e da Fazenda, bem como sobre seus respectivos representantes legais.

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saúde

A má postura no ambiente de trabalho pode provocar, em longo prazo, problemas na coluna vertebral e, consequentemente, comprometer outras articulações, como ombros, braços, quadris, joelhos e pés e até prejudicar o funcionamento de órgãos internos. Ficar atento à postura e tomar alguns cuidados no dia a dia ajudam na prevenção.

foto: Arquivo pessoal

Má postura X Coluna

M

aíra Alvarenga Santullo é fisioterapeuta pós-graduada em Traumato-ortopedia e Reumatologia pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em RPG pela Philippe Soucharde e em posturologia pela Bernard Bricot. É instrutora de Pilates pelo Instituto de Medicina do Esporte TAO PILATES e da D & D Pilates. O que a má postura ou as horas seguidas sentado em uma mesma posição podem causar na coluna? Podem causar muita pressão entre as vértebras, nos discos intervertebrais e em toda a estrutura que os sustenta, como tendões e ligamentos, o que leva a desvios na coluna vertebral, dor e encurtamento das estruturas musculares. Quais são as queixas mais comuns de quem tem que passar muitas horas sentado? As queixas mais relatadas em consultórios médicos e clínicas de fisioterapia são de dores nas regiões de pescoço, ombros, punhos e na coluna lombar. Que região é mais afetada? A região mais afetada é, sem dúvida, a coluna lombar, pois é nela que se concentra a maior parte da descarga de peso do nosso corpo. Como reconhecer se as dores são provocadas por má postura ou por outra causa? A má postura não necessariamente causa dor. O problema inicial da má postura é estético, porém, com o passar do tempo, ela começa a afetar o funcionamento do sistema corporal inteiro, inclusive os órgãos. No caso

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de dor e/ou má postura, a recomendação inicial é sempre procurar ajuda médica. Que especialidade da medicina quem sofre com esse problema deve procurar? Como a grande maioria dos casos de dor na coluna é de origem muscular ou articular, a especialidade médica mais indicada para se procurar inicialmente é a ortopedia. Se por acaso a causa da dor for algo que não compete a esse profissional, este indicará ao paciente o especialista adequado, geralmente o neurologista. Quais são os efeitos mais extremos provocados por má postura? Comprometimento funcional do corpo (isto é, deficiência do aparelho locomotor), hérnia de disco, diminuição da capacidade cardíaca e respiratória. Que tipo de prevenção se pode fazer? Inicialmente a ergonomia no local de trabalho, pois é


onde a pessoa fica mais tempo em uma mesma posição. Outra questão importante é a prática de atividade f ísica constante. O mais adequado é uma atividade em que a pessoa possa contar com a orientação de um profissional capacitado e que trabalhe a consciência corporal, porque nesse caso ela poderá aplicá-la em qualquer lugar de sua rotina. Há algum tipo de exercício que possa ser feito durante o expediente que alivie quem sofre com esse problema? Existem vários, mas isso depende do tipo de trabalho de cada um. O ideal seria ter a orientação de um profissional. Porém, como a grande maioria das pessoas que sofrem com esse problema passa um excessivo número de horas em frente ao computador, as grandes empresas já dispõem para seus funcionários da ginástica laboral. Para quem não pode contar com isso em seu local de trabalho, o melhor é dar uma pausa de cinco minutos a cada hora e fazer alongamentos de pescoço, braços, punhos, pernas e trabalhar mobilidade na coluna lombar.

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História do Brasil contada pela Advocacia Consultiva

foto: sérgio moraes

coletânea

A acumulação de cargos e de remunerações pelo Dr. Oswaldo Cruz – 1908 Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy*

Em 1908, um Aviso do Ministro da Justiça suscitou manifestação da Consultoria-Geral da República, a propósito de eventual acumulação de cargos e de remunerações, por parte do Dr. Oswaldo Cruz. Trata-se de renomado médico e sanitarista brasileiro, nascido em 1872, e que morreu em 1917, ainda jovem, aos 44 anos, quando era prefeito de Petrópolis (RJ). Oswaldo Cruz notabilizou-se por seus estudos de moléstias tropicais. Combateu a febre amarela e a varíola no Rio de Janeiro, durante a presidência Rodrigues Alves, situação que lhe proporcionou muitos inimigos: Oswaldo Cruz foi duramente combatido pela imprensa.

E

xperiente – Oswaldo Cruz havia estagiado na França – dirigiu o Instituto de Manguinhos, já à época denominado Instituto Oswaldo Cruz. Exerceu também o cargo de diretor-geral da Saúde Pública ao longo da campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro, momento marcado por várias rebeliões populares, especialmente a Revolta da Vacina Obrigatória. Oswaldo Cruz foi membro da Academia Brasileira de Letras. O fato de Oswaldo Cruz ter ocupado simultaneamente os cargos de diretor-geral da Saúde Pública e de diretor do Instituto de Manguinhos preocupou o Executivo. O ministro da Justiça pediu manifestação do consultor-geral da República, quanto à possibilidade da acumulação: havia autorização constitucional para tal?

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À época a matéria era balizada pelo art. 73 da Constituição de 1893, que dispunha que os cargos públicos civis, ou militares, são [eram] acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial, que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as acumulações remuneradas. O referido artigo da Constituição era de aplicabilidade fática discutível, e desta percepção o parecer de Araripe Júnior nos dá muitas provas. Basicamente, entendia-se que a acumulação seria absolutamente vedada em três hipóteses, nomeadamente: quando a lei expressamente o declarasse, quando as atividades fossem contraditórias e repugnantes pela própria natureza ou quando a acumulação dificultasse o bom desempenho de uma das duas. O parecerista insistiu que o problema estaria na acumulação de remunerações e não, necessariamente, na acumulação de cargos. De qualquer modo, os contornos atuais da questão estão bem dimensionados no parecer que revela preocupação com a incompatibilidade de atuações, sempre tendo em vista a concepção de outorga de um serviço público adequado. Por fim, chama atenção a coragem do parecerista. Araripe Júnior registrou a admiração que tinha por Oswaldo Cruz, porém, observou que não lhe era lícito deixar de lado os fundamentos jurídicos da questão. Segue o parecer. Gabinete do Consultor Geral da República. — Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1908. Sr. Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores. – Respondo ao Aviso desse Ministério n. 1473, de 17 de julho findo, relativamente a dúvida que ocorre sobre o exercício simultâneo do Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz como diretor do Instituto “Oswaldo Cruz” e diretor geral da Saúde Pública, em comissão.


Oswaldo Cruz observa um microscópio ao lado de seu filho Bento e de Burle de Figueiredo, no interior de um dos laboratórios do Castelo de Manguinhos. Rio de Janeiro 1910. (acervo da Casa de Oswaldo Cruz)

Tratando-se de um caso de acumulação remunerada

a firmar um conceito claro sobre o que se devia entender

previsto no art. 73 da Constituição da República, cingir-

como vedado, em matéria de exercício cumulativo de

me-ia a uma simples referência ao parecer que emiti no

cargos públicos.

Ofício n. 79, de 27 de janeiro de 1905, se não fossem as

Já os Alvarás de 8 de janeiro de 1627, de 26 de outubro

responsabilidades oriundas da interpretação de um dis-

de 1644, os decretos de 21 de setembro de 1677, 18 de

positivo constitucional, que tem sido tão frequentemente

julho de 1681, 3 de setembro de 1682, 30 de março de

impugnada, é forçoso dizê-lo, pelos interessados, em face

1686, 29 de fevereiro de 1688, 12 de novembro de 1701 e

da perplexidade da jurisprudência dos diversos departa-

de 18 de junho de 1822, proibiam que o mesmo indivíduo

mentos da administração pública, os quais não puderam

exercesse mais de um emprego. A resolução de consulta

chegar ainda a um acordo definitivo.

de 24 de abril de 1818, entretanto, permitia a acumulação

A Lei n. 44 B, de 1892, nada adiantou regulamentando

de dois ofícios, justificada essa providência em face da

o preceito daquele artigo; antes pelo contrário, deu cabi-

exiguidade dos respectivos rendimentos, contanto que tal

mento para que aumentasse a variedade de opiniões; e o

acumulação não resultasse prejuízo ao exercício de outro.

que é certo é que hoje se sente mais dificuldade em cumprir

No decreto de 18 de junho de 1822, porém, foi terminante-

francamente a regra estabelecida pela Constituição Fede-

mente proibido que “se reunisse em uma só pessoa mais de

ral, do que antes do aparecimento dessa lei.

um oficio ou emprego, e vencesse mais de um ordenado”.

Entretanto, se recorrêssemos à legislação anterior a Re-

Em 1847, todavia, o assunto começou a ser regido por

pública, verificamos, sem grande dificuldade, que, postos

um ato de mero expediente ministerial, contido no Aviso n.

de parte os abusos que a Constituição de 24 de fevereiro

89, de 4 de junho do dito ano, no qual se estabelecem os princípios que deveriam ser aplicados aos casos ocorrentes. São estas as palavras textuais deste Aviso:

pretendeu dissipar, inserindo no seu texto o citado art. 73, a jurisprudência administrativa tinha pelo menos chegado

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Oswaldo Cruz recepciona o ex-presidente americano Theodore Roosevelt, durante visita deste ao Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, outubro de 1913. (acervo da Casa de Oswaldo Cruz) “A incompatibilidade do exercício de empregos diversos pode proceder de três princípios diferentes: quando a lei expressamente a tem declarado; quando as funções dos ofícios repugnam entre si por sua própria natureza; quando da acumulação deles resulta a impossibilidade de ser cada um deles servido e desempenhado satisfatoriamente. O efeito, porém, é sempre o mesmo, e consiste em inabilitar o empregado para servir outro ofício, sendo certo que a lei ter criado os empregos para o bem público, e não para benefício de quem os ocupa; e é esta uma das razões porque, por antiquíssimas e expressas disposições, está sancionada a doutrina de se não acumularem os ofícios em uma só pessoa”. Esse Aviso, assinalando as regras dentro das quais se deviam manter a administração no provimento dos cargos públicos, distinguiu os casos de incompatibilidade virtual dos casos que constituíam mera acumulação. A incompatibilidade, propriamente dita, existe desde a investidura, e provém da impossibilidade legal e da natural ou material de exercer funções consideradas antagônicas. A nomeação para um exclui a investidura de outro. Não é esta a ideia que se liga à proibição de acumular, ou exercer simultaneamente dois ou mais cargos não 28

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antagônicos, segundo a compreensão dos autores da nossa Constituição, os quais não fizeram senão consagrar o que já existia nas leis da Monarquia; semelhante proibição teve unicamente por fim evitar o arbítrio, que resultava da faculdade discricionária que se permitia à Administração, de verificar quando “da acumulação de empregos provinha a impossibilidade de ser cada um desempenhado satisfatoriamente”, na conformidade da 3ª regra mencionada no referido Aviso de 1847. O exemplo dessa tendência abusiva tem, entre outros, no Aviso n. 77, de 31 de março de 1864, que declarou dependente de circunstâncias variável a incompatibilidade proveniente da impossibilidade do exercício simultâneo de vários empregos, “pois cargos havia que em certos lugares podiam ser acumulados sem desvantagem, ao passo que em outros era esse exercício impossível ou inconveniente”. Daí se depreendia a dificuldade de proferir uma decisão genérica e absoluta, dizia o Governo. Foi esse arbítrio que a Constituição da República pretendeu eliminar, firmando uma regra genérica e absoluta. Hoje, porém, argumenta-se com o texto da citada lei n. 44B, de 1892, que interpretou o art. 73. Como, porém, julgo ter demonstrado naquele meu parecer, o elemento histórico não deixa nenhuma dúvida sobre o


... pois cargos havia que em certos lugares podiam ser acumulados sem desvantagem, ao passo que em outros era esse exercício impossível ou inconveniente.

que se votou no Congresso, e se converteu em texto legislativo. Do projeto, dos pareceres e da discussão que houve então, se evidencia o acerto do conceito emitido pelo Dr. Fernando Lobo, no relatório do Ministério do Interior, de 1893: “O art. 2° da lei declara que o exercício simultâneo de serviços públicos, compreendidos por sua natureza no desempenho da mesma função, de ordem profissional, científica ou técnica, não deve ser considerado como acumulação de cargos diferentes, para aplicação do final do art. 73 da Constituição Federal. Ora, há quem entenda que, na explicação contida nesse artigo, acham-se compreendidos todos os cargos análogos (semelhantes), bem como os vencimentos das patentes, dos postos e cargos inamovíveis, à vista do disposto no art. 74, da mesma Constituição. Penso, contudo, que a lei citada não alterou o preceito absoluto do art. 73, e é obvio que a inteligência que o legislador procurou firmar tem o seu critério na unidade da função constituída dos cargos públicos, interpretação esta que é confirmada pelo elemento histórico. Assim, pois, devem ser incluídos na proibição todos os serviços públicos que forem diferentes em quantidade, e não unicamente em qualidade, isto é, todos aqueles que, por sua natureza, não estejam compreendidos no desempenho da mesma função integral, de ordem profissional, cientifica ou técnica”. De fato, é estranho que, referindo-se a lei terminantemente “ao desempenho de uma mesma função”, se despreze a sinonímia usual e corrente, utilizada pelo legislador, isto é, função-emprego, para tomá-la no sentido abstrato, quando logo adiante o artigo citado fala de empregos diferentes. Nos papéis juntos procura-se saber se o Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz incide na disposição constitucional,

Oswaldo Cruz dirigiu o Instituto de Manguinhos, já à época denominado de Instituto Oswaldo Cruz, e exerceu também o cargo de Diretor-Geral da Saúde Pública ao longo da campanha contra a febre amarela no Rio de Janeiro.

embora exerça interinamente ou em comissão um dos dois cargos para que foi nomeado. A lei, quando veda, não cogita precisamente dos cargos, mas da remuneração; e, a meu ver, a interinidade ou o caráter provisório da ocupação do lugar de Diretor Geral de Saúde Pública, do qual o Dr. Oswaldo foi exonerado, naturalmente por se julgar que o caso era de incompatibilidade, não autoriza a adoção de outro critério para se permitir a acumulação do cargo em comissão com o cargo efetivo, porque a situação continua a ser a mesma. O regular seria deixar o titular a função efetiva, durante o tempo em que desempenhasse a comissão. Tem sido esta a prática constante, nos casos de empregos só incompatíveis, para o exercício simultâneo. Sei quanto se tornará desagradável resolver a dúvida no sentido indicado. Trata-se de um dos funcionários que mais serviços tem prestado a administração sanitária, lançando, como homem de ciência, dotado de méritos incontestáveis, um brilho excepcional sobre seu país. Não me é licito, porém, por esse fato, esquecer os princípios jurídicos que regem o assunto. Sem embargo disso, penso que o Governo deveria de uma vez firmar a sua jurisprudência nesse particular, para que se não possam os incompatibilizados queixar de falta de justiça relativa, porquanto, ao passo que se encontram casos, como os citados na informação do Sr. Diretor Geral da Contabilidade, nos quais se aplicou rigorosamente a proibição do art. 73 da Constituição, se reproduzem mais recentemente outros, em que esse rigor tem sido atenuado até ao ponto de parecer que tal proibição não existe de fato. — T. A. Araripe Junior. * Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontif ícia Universidade Católica de São Paulo. ConsultorGeral da União. REVISTA

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PUBLICAÇÕES

Reflexões sobre o Direito à vida N

a obra ‘O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Direito à Vida’, o jurista e advogado da União, Leslei Lester, apresenta uma abordagem sobre a defesa do direito à vida desde a concepção até a morte. A Constituição de 88 reconhece o início da personalidade com o nascimento com vida, mas assegura o direito do nascituro. Assim, o autor empreende uma análise sobre a importância dos direitos do novo ser ainda em formação. “Estão abrangidos pela temática os conceitos essenciais de justiça, direito, e liberdade. Abordei-os no livro na visão do jusnaturalismo clássico. O princípio da dignidade da pessoa humana é, nesse contexto, um dos focos principais da pesquisa, pois envolve a discussão sobre o início da vida humana, portanto o surgimento da pessoa humana, dotada do inalienável direito à vida”, explica Leslei Lester. O livro é uma análise aprofundada dos princípios éticos e morais que norteiam as questões da dignidade da pessoa humana e o direito à vida. De acordo com o autor, a

obra é para todos aqueles que se interessam pela teoria e pela filosofia do direito. “A temática do Direito à Vida sempre me chamou muita atenção, por ser o primeiro e principal direito do ser humano e por sua constante violação, embasada em leis autorizativas do aborto e da eutanásia no mundo”, afirma o autor. ‘O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Direito à Vida’ é resultado dos estudos do autor para sua dissertação de mestrado. A obra, de 198 páginas, é editada pela Editora Saraiva. Leslei Lester também é colaborador na obra ‘Inviolabilidade do Direito à Vida’, coordenada pelos juristas Ives Gandra e Paulo de Barros Carvalho. A obra reúne trabalhos de juristas, médicos e pesquisadores que abordam questões sobre o direito à vida. Temas como aborto, eutanásia e cuidados paliativos aparecem nos artigos reunidos nesse livro. Na obra, Leslei Lester assina o texto ‘O Dever à Vida’. O livro é editado pela Editora Noeses.

AGU e Conjur lançam Anuário da Advocacia Pública A

Advocacia-Geral da União e a revista eletrônica Consultor Jurídico lançaram neste ano a primeira edição do ‘Anuário da Advocacia Pública

do Brasil’. A Anajur, uma das patrocinadoras do anuário, foi representada na solenidade por sua presidente, Joana Mello. Também prestigiaram o evento, dentre associados e membros da diretoria da Anajur, Ruth Jehá Miller, Merly Garcia Lopes da Rocha, José Silvino da Silva Filho e Naiara Cabeleira. A publicação retrata os integrantes das carreiras jurídicas de defesa do Estado no país e a atuação das unidades e órgãos da AGU, das Procuradorias-Gerais dos estados e dos municípios, e dos departamentos jurídicos das principais estatais brasileiras. Para o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, “esse anuário traz uma bela radiografia da Advocacia Pública e registra um momento de uma história que vem sendo construída há muito tempo e que cresce e se torna efetiva e reconhecida no que se compromete a realizar no país. Além de ser fundamental por mostrar o que fazem as procuradorias, é um ‘quem é quem’ importantíssimo da AGU e das Procuradorias dos Estados”.

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