Info 2014 09

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ano V • jul/ago/set 2014

Presidente Nacional da OAB Marcus Vinicius Furtado Coêlho

Valorizar o advogado, público ou privado, é respeitar o cidadão Advocacia Pública cobra compromissos dos presidenciáveis Aniversário Anajur: 28 anos em defesa do Estado brasileiro



leia nesta edição

foto: eugênio novaes / cFoab

Ano V • jul/ago/set 2014

foto capa – eugênio novaes / cfoab

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carta ao leitor

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anajur em ação

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entrevista

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coluna carlos mota

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artigo

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conciliação

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artigo

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aniversário

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transparência

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saúde

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coletânea

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publicações

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exposição

Valorização da Advocacia Pública Advocacia Pública cobra compromisso dos presidenciáveis OAB e Advocacia Pública unidas para o fortalecimento do Estado brasileiro Em defesa da representação política direta Direitos humanos e objeção de consciência – uma questão fundamental Métodos alternativos de resolução de conflitos Amazônia – Patrimônio genético, conhecimentos tradicionais associados e criação de produtos e tecnologia 28 anos da Anajur: comemoração na Cidade Maravilhosa Assessoria de Comunicação dá mais visibilidade às ações da AGU Mitos e verdades sobre os hormônios O caso da ocupação brasileira no Acre Uma reflexão sobre o direito do autor e direitos conexos A história contada pelo controle das nossas contas


ana jur Associação Nacional dos Membros das Carreiras da Advocacia Geral da União

Pioneira na defesa da Advocacia Pública Federal Visão

“Consolidar-se como referência na defesa das prerrogativas e interesses de seus associados, firmando-se como pilar da categoria na promoção do conhecimento, valorização e integração da advocacia pública federal junto ao estado e à sociedade brasileira”.

Missão

Diretoria Executiva Presidência Joana d’Arc Alves Barbosa Vaz de Mello Secretaria Geral Titular: Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta Adjunto: Thaís Helena Ferrinho Pássaro Diretoria Financeira Titular: Geneide Palmeira Machado Adjunto: Camilla Rose Thomaz de Lima Sá Diretoria Jurídica Titular: Márcia Regina Vicente Barbosa Adjunto: Ruth Jehá Miller Diretoria de Administração e Convênios Titular: Lúcia Helena Pigossi Neves Adjunto: Laura Maria Costa Silva Souza Diretoria de Recreação e Esporte Titular: Sérgio Ernesto Kopp
 Adjunto: Cláudia Maria Vilela Von Sperling Diretoria de Relações Associativas Titular: Luiz Fabrício Thaumaturgo Vergueiro Adjunto: Ulisses Fernandes Silva Diretoria de Eventos Titular: Luciana Villela de Souza Adjunto: Vânia Rons Lamor Pinheiro Diretoria de Comunicação Social Titular: Maura Campos Domiciana Adjunto: Merly Garcia Lopes da Rocha

“Representar e assegurar, com a expertise de seu pioneirismo e excelência de atuação, os interesses dos seus associados e da Advocacia Pública Federal perante os poderes constituídos e em benefício da sociedade brasileira”.

Diretoria de Assuntos Legislativos Titular: Maria Madalena Carneiro Lopes Adjunto: Luciano Brochado Adjuto

Valores

Diretoria de Relações com o Congresso Nacional Titular: Maria Lucila Ribeiro Prudente de Carvalho Adjunto: Maristela de Souza Ferraz Calandra

Ética, respeito, credibilidade, profissionalismo, integridade, transparência, união e democracia. Setor de Autarquias Sul – Quadra 03 – Lote 02 Bloco C Sala 705 – Edifício Business Point – Cep 70070-934 PABX: (61) 3322-9054 – Fax: (61) 3322-6527

Diretoria Cultural Titular: Leslei Lester dos Anjos Magalhães Adjunto: Luiz Edmar Lima Diretoria de Assuntos de Aposentados e Pensionistas Titular: Braz Sampaio
 Adjunto: Tânia Maria Carneiro Santos

Conselho Consultivo Efetivos

revista anajur

Jurema Santos Rozsanyi Nunes Nílson Pinto Correa Maria da Glória Tuxi F. dos Santos Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta Maria Anália José Pereira Manoel Teixeira de Carvalho Neto José Silvino da Silva Filho Annamaria Mundim Guimarães Borges Messin Merly Garcia Lopes da Rocha Jacyra Medeiros

Assessoria de Comunicação: Decifra Gestão e Conteúdo

Suplentes

www.anajur.org.br

Regina Maria Fleury Curado Felinto César Sampaio Neto Maria Olgaciné de Moraes Macedo Conselho Fiscal

Jornalistas responsáveis: Flávia Soledade e Cidinha Matos Edição: Glória Maria Varela Reportagens: Flávia Metzker e Matheus Feitoza Revisão: Maria Cristina Ramos Jubé Projeto e edição gráfica: GDG – Cláudia Barcellos Impressão: Gráfica Gravo Papers Tiragem: 3 mil exemplares

Efetivos Álvaro Alberto de Araújo Sampaio Maria Socorro Braga Gilberto Silva Suplentes Norma Maria Arrais Bandeira Tavares Leite Lídio Carlos da Silva Conceição das Graças Amoras Mira


CARTA AO LEITOR

Valorização da Advocacia Pública O associado da Anajur, Leslei Lester, faz uma reflexão sobre o instituto da Objeção de Consciência, princípio que pode ser extraído do artigo 5º da nossa Constituição da República de 1988, no artigo Direitos Humanos e Objeção de Consciência. O ex-deputado federal e autor da PEC 555/06, Carlos Mota, em sua coluna, faz a defesa de uma democracia mais direta, vislumbrando possíveis métodos de participação trazidos pelos avanços tecnológicos. Interessante perceber que o artigo coaduna os princípios da atual democracia à tecnologia da informação, tema bastante atual no mundo em que vivemos. Na matéria Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos, o diretor da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, Francisco Orlando Costa Muniz, e o presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, Francisco Cláudio de Almeida Santos, relatam experiências de resoluções de demandas por meio de métodos que evitam a judicialização e, consequentemente, diminuem o número de processos que afogam o Judiciário brasileiro. A revista Anajur traz, também, matéria sobre a importância do trabalho da comunicação na divulgação e no fortalecimento do trabalho da Advocacia-Geral da União. A visibilidade da AGU torna-a o segundo órgão mais citado pela imprensa no sistema judicial brasileiro, atrás, apenas, do Supremo Tribunal Federal. Em continuidade à coletânea História do Brasil Contada pela Advocacia Pública Consultiva, o consultorgeral da União, Arnaldo Godoy, cita o caso da ocupação brasileira no Acre, ocorrida no inicio do século XX, na época da expansão da economia de extração da borracha. Na seção Publicações, a associada da Anajur, Eliane Y. Abrão, apresenta a segunda edição do seu livro Direitos do Autor e Direitos Conexos, correlacionando um tema bastante atual com a realidade prática. E, por último, a revista Anajur traz dica acerca da exposição sobre a história do controle das contas públicas no Brasil. Boa leitura! foto: Arquivo pessoal

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cenário político nacional, em razão da proximidade das eleições, exige de todos nós habilidade no trato de questões de interesse da Advocacia Pública, principalmente para que não haja retrocesso quanto aos ganhos até aqui alcançados. A renovação do parlamento é inevitável! E, considerando que nesse processo o poder emana do povo, nos termos da Carta Política de 1988 (parágrafo único do artigo 1º), a responsabilidade de cada cidadão passa a ser ainda maior nos temas de interesse da sociedade brasileira. Destaca-se, nesse raciocínio, a Advocacia Pública, que está, há muito, a exigir especial atenção dos legisladores, bem como de quem estiver investido das atribuições de chefia da Nação. Nesse contexto, a luta pelo reconhecimento e fortalecimento da Advocacia Pública Federal continuará sendo a principal bandeira da nossa associação. Nesta edição, como de costume, a revista Anajur apresenta o acompanhamento das diversas demandas em prol dos advogados públicos, em que se destaca a homenagem do Movimento Nacional pela Advocacia Pública aos parlamentares que atuaram em favor dos nossos pleitos, reforçando a atuação proativa da Advocacia-Geral da União. Também se reservou um espaço ao documento apresentado aos presidenciáveis, com assuntos do interesse de nossa classe e ênfase à PEC 82/2007, conhecida por PEC da Probidade. No tocante a questões de relevante interesse da nossa classe, destacou-se o apoio da OAB-SP ao Movimento Pró-Honorários. Com grande maestria e conhecimento, o associado da Anajur e diretor eleito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas, Sebastião Marcelice Gomes, discute a importância de políticas públicas efetivas para a proteção do nosso patrimônio genético. O tema é relevante, pois o Brasil é indubitavelmente o país de maior diversidade biológica do mundo, razão pela qual a população deve zelar pela preservação dessa riqueza para que, de maneira consciente, possamos desfrutar de todas as suas benesses. Em entrevista, o presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Côelho, destaca a valorização das prerrogativas dos advogados, os honorários sucumbenciais para a Advocacia Pública, a autonomia para a AGU por meio da PEC 82 e o aniversário de 20 anos do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Esta edição traz ainda uma galeria de fotos sobre a confraternização realizada por ocasião do aniversário de 28 anos da Anajur, realizada em agosto, na cidade do Rio de Janeiro. No espaço destinado à saúde, o endocrinologista José Augusto Serrano explica, de maneira clara e sucinta, a função dos hormônios e como podemos lidar com o processo de diminuição da produção hormonal com o passar dos anos. A revista traz esse questionamento, pois sabe-se que a função hormonal, de fato, exerce influência impressionante em nosso organismo.

Joana d’Arc Alves Barbosa Vaz de Mello Presidente da Anajur

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anajur em ação

Advocacia Pública cobra compromisso dos presidenciáveis No trabalho de posicionamento dos pleitos durante o período eleitoral, as entidades da Advocacia Pública no âmbito federal encaminharam aos presidenciáveis uma carta com as demandas da classe e com o reforço da importância da Advocacia Pública para o Estado brasileiro.

O

documento solicitava que os candidatos contemplassem, em seus programas de governo, propostas para a Advocacia Pública como um todo. “Porque é preciso avançar, é essencial que os candidatos à Presidência

da República formulem programas de governo eficientes, com propostas para uma Advocacia-Geral da União (AGU) estruturada, valorizada e com autonomia técnica na defesa jurídica das políticas públicas. Somente assim o(a) governante, legitimamente eleito(a), poderá alcançar os resultados que a sociedade brasileira tanto precisa”. A equipe de apoio à candidatura de Marina Silva foi a primeira a atender ao chamamento da Advocacia Pública. No dia 19 de setembro, a presidente da Anajur, Joana Mello, o associado Luiz Fabrício Vergueiro e representantes das entidades de classe se encontraram com a assessoria da candidata no comitê central da campanha, em São Paulo. Durante o encontro, foram apresentadas as mais relevantes demandas de interesse da AdvocaciaGeral da União.

Entidades representativas da Advocacia Pública no encontro com a candidata à Presidência da República, Marina Silva 6

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As entidades frisaram a relevância de ser aprovada a Proposta de Emenda à Constituição 82/2007 (autonomia institucional), o distanciamento remuneratório das demais funções essenciais à Justiça e o projeto do novo Código de Processo Civil (honorários de sucumbência para advogados públicos). A presidente da Anajur apontou a disparidade entre as remunerações nas carreiras públicas: “Atualmente, a remuneração no final de carreira de um advogado público é menor que a do início de carreira de um membro da magistratura e do Ministério Público. Há uma desvalorização do trabalho da advocacia pública, e isso precisa ser revisto imediatamente”. O diretor de Relações Associativas da Anajur, Luiz Fabrício Vergueiro, apontou o desrespeito das prerrogativas que os advogados públicos sofrem durante o exercício profissional: “Nós, advogados públicos, temos o dever e a responsabilidade de defender o gestor público que teve um ato questionado em juízo. Precisamos defendê-lo para que ele possa trabalhar, mas não temos as garantias que o Ministério Público, por exemplo, possui. Nossos colegas se sentem constantemente vulnerados

por essa falta de garantias, e, uma vez que o defensor é intimidado, a própria defesa fica enfraquecida”. Após esse primeiro encontro, a Anajur e as demais entidades representativas da Advocacia Pública Federal participaram de uma reunião com a candidata à Presidência da República, Marina Silva, e com o candidato a vice-presidente, Beto Albuquerque, no dia 24 de setembro, em São Paulo. Durante a reunião, os representantes dos advogados públicos na esfera federal entregaram à candidata a “Carta da Advocacia Pública aos Presidenciáveis”, documento que apresenta a atuação dos advogados públicos e as demandas da classe, além de informativos do movimento em prol da aprovação da PEC 82, a PEC da Probidade. Até o fechamento desta edição da revista Anajur, as entidades permaneciam em contato com as demais candidaturas à Presidência da República, a fim de marcar encontros com os presidenciáveis, buscando demonstrar que o fortalecimento da AGU é fundamental para a viabilização das políticas públicas de interesse de toda a sociedade.

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Advocacia Pública presta homenagem àqueles que atuam no parlamento Procuradores de Estado do Centro-Oeste e Tocantins. O deputado destacou a importância da função exercida pelos advogados públicos em defesa do Estado brasileiro: “Sem Advocacia Pública, o Brasil perde o seu rumo”, afirmou Trad. Outro parlamentar que também recebeu homenagem do Movimento Nacional pela Advocacia Pública foi Alessandro Molon (PT-RJ). O deputado destacou-se pela atuação como presidente da comissão especial que analisou e aprovou a Proposta de Emenda Constitucional nº 82, que, se aprovada, garantirá autonomia administrativa, orçamentária e técnica à AGU. Durante o evento, realizado no centro do Rio de Janeiro, Molon agradeceu o apoio e o reconhecimento dos advogados públicos: “A atuação das entidades para a aprovação da PEC 82 na comissão especial foi muito importante. E ainda há muito a se fazer. Esta é a boa política. (...) Fico muito honrado com a homenagem”. O movimento ainda prestou homenagem aos deputados Lelo Coimbra (PMDB-ES), Vieira da Cunha (PDT-RS) e Jerônimo Goergen (PP-RS), todos apoiadores das demandas dos advogados públicos no parlamento. foto: divulgação

Os meses que antecederam às eleições de 2014 foram marcados pela atuação das entidades da Advocacia Pública na valorização dos parlamentares que atuam diariamente no Congresso Nacional em favor dos pleitos da classe. Foi o momento de demonstrar o reconhecimento do trabalho realizado por esses senadores e deputados durante o mandato. Como acontece em todo ano eleitoral, o Congresso trabalha de forma restrita nessa fase. Apenas algumas comissões continuam funcionando, além da rotina administrativa. Nos meses de agosto e setembro de 2014, o plenário reuniu-se apenas uma vez a cada mês no período conhecido como “Esforço Concentrado”. A Anajur e as demais entidades de classe da Advocacia Pública transferiram, no entanto, parte da atuação para os estados, a fim de homenagear aqueles que, de algum modo, representam a voz dos advogados públicos no Congresso Nacional. O primeiro a ser agraciado pelo Movimento Nacional pela Advocacia Pública foi o deputado Fábio Trad (PMDB-MS), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Advocacia Pública. Trad recebeu uma placa de homenagem durante o III Congresso Regional de

Dep. Alessandro Molon, homenageado pelo trabalho como presidente da comissão especial que analisou a PEC 82 8

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oab-sp apoia luta pelos honorários sucumbenciais para a Advocacia Pública A presidente da Anajur, Joana Mello, cumprindo a função institucional de diretora do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal, recebeu das mãos da presidente da Comissão da Advocacia Pública da OAB-SP, Anna Carla Agazzi, uma nota de apoio à luta em favor da manutenção do § 19 no artigo 85 do projeto do novo Código de Processo Civil, que prevê a destinação dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos. Joana Mello foi designada pelo presidente do Forvm, Dr. Heráclio Camargo, para representar a entidade no encontro. A nota assinada pelo presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, aponta que não há qualquer incompatibilidade com o regime remuneratório do subsídio, já que não há qualquer ônus para o Estado: “Trata-se de uma forma de valorizar a atividade dos advogados públicos e de promover a meritocracia no serviço público, motivo pelo qual se roga às autoridades da República que mantenham a previsão no novo Código de Processo Civil, como forma de avançar na legislação processual e reconhecer o papel de extrema relevância desempenhado pela advocacia pública”. A luta pela manutenção dos honorários sucumbenciais no texto do novo Código de Processo Civil é uma das bandeiras da Anajur e das demais entidades da Advocacia Pública nas três esferas da Federação. Em agosto deste ano, o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), relator do projeto, anunciou que manterá a garantia do recebimento dos honorários sucumbenciais pelos advogados públicos. Atualmente a matéria está em análise por comissão especial do Senado. Os senadores discutem as alterações no texto realizadas durante a tramitação do projeto de lei na Câmara dos Deputados, quando foram feitas 900 emendas ao texto original.

Joana Mello (Anajur) e Anna Carla Agazzi (OAB-SP): nota valoriza a atividade dos advogados públicos

Manter os honorários sucumbenciais no texto do novo Código de Processo Civil é uma das bandeiras da Anajur.

Joana Mello agradeceu o apoio da OAB-SP e exaltou a busca da integração da Advocacia Pública de todo o País. “Quanto mais unidas as três esferas da Advocacia Pública estiverem, mais forte estaremos para buscar as vitórias dos nossos pleitos” completou Joana.

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entrevista

Oab e advocacia pública

unidas para o fortalecimento do Natural de Paraibano, cidade do sertão maranhense, Marcus Vinicius Furtado Coêlho é formado pela Universidade Federal do Piauí e tem doutorado em Salamanca, na Espanha. Atualmente ocupa o cargo de presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No Conselho, Marcus Vinicius já foi eleito para quatro mandatos consecutivos, ocupando os cargos de secretário-geral, presidente da Comissão Nacional de Legislação e presidente da Coordenação do Exame de Ordem Unificado.

N

esta entrevista à Revista Anajur, o presidente nacional da OAB falou sobre a luta da entidade contra a violação das prerrogativas dos advogados, os honorários sucumbenciais para a advocacia pública e o aniversário de 20 anos do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, entre outros temas.

A OAB tem como bandeira a luta pela criminalização das violações de prerrogativas dos advogados. Como tem se dado o trabalho da OAB nesse sentido? – A OAB atuou junto ao Congresso Nacional a favor do Projeto de Lei da Câmara 83/08, aprovado recentemente pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, que criminaliza a conduta de violar direitos ou prerrogativas dos advogados, impedindo ou limitando sua atuação profissional, e prejudicando interesse legitimamente patrocinado. Entendemos que aqueles direitos e garantias dos advogados, tais como o de ter vista aos autos e de ser recebido em audiência por autoridades, são prerrogativas que pertencem aos cida10

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dãos. O advogado as exerce, pois, sem elas, os cidadãos não conseguem ser bem defendidos em juízo. Essa lei será uma conquista para a dignificação das prerrogativas dos advogados. Agora buscaremos a aprovação do texto também no plenário do Senado. Em nossa Agenda Legislativa de 2014, a Ordem afirma que é necessária uma melhor discussão do Projeto de Lei do Senado 385/13, que altera o Estatuto da Advocacia para transformar em crime a violação de prerrogativas e o exercício ilegal da profissão, além de estabelecer novas infrações para conselheiros e juízes do Tribunal de Ética da OAB que mantenham conduta incompatível com o cargo. A Advocacia Pública tem trabalhado junto ao Congresso Nacional pela aprovação do pagamento de honorários sucumbenciais para os advogados públicos. A OAB já se manifestou a favor do pleito. Na opinião do senhor, qual a importância de uma vitória para esse segmento da advocacia e por que esse assunto gerou controvérsia? – O recebimento de honorários é uma das prerrogativas do profissional da advocacia. Valorizar o advogado, seja ele da esfera pública ou privada, significa respeitar o cidadão. O advogado tem direito à percepção de valores dignos, visto que ele é representante da sociedade brasileira. A pauta da advocacia pública, por meio do “Movimento Pró-Honorários”, complementa a campanha “Honorários Dignos: Uma Questão de Justiça”, de autoria da OAB Nacional. O Movimento Nacional pela Advocacia Pública Federal, do qual a Anajur faz parte, tem lutado também pela aprovação da PEC 82, que vai trazer autonomia funcional e orçamentária à Advocacia Pública. Como o senhor enxerga essa demanda? – A OAB é favorável à proposta, que trará autonomia administrativa, financeira e orçamentária à advocacia pública. A chamada “PEC da Probidade” dará um caráter muito mais de Estado, em vez de governo, à advocacia pública. A autonomia institucional é fundamental ao


fotos: eugênio novaes / cfoab

Estado brasileiro

Valorizar o advogado, seja ele da esfera pública ou privada, significa respeitar o cidadão. O advogado tem direito à percepção de valores dignos, visto que ele é representante da sociedade brasileira.

bom funcionamento da advocacia no setor público. Trata-se de mais independência técnica e funcional, para que se defenda sempre e unicamente o interesse público, estimulando uma melhor proteção gerencial da probidade administrativa. O projeto do novo Código de Processo Civil está em vias de aprovação na comissão especial do Senado e logo será apreciado pelo plenário da casa. Quais os avanços que ele trará para as carreiras dos advogados públicos e privados? – A advocacia, tanto pública quanto privada, tem muito a comemorar com o texto do novo CPC. São várias e importantes conquistas para a classe, a exemplo da

destinação de honorários de sucumbência à advocacia pública, a determinação de que os honorários têm natureza alimentar, do tratamento igualitário com a Fazenda Pública, a contagem de prazos em dias úteis, férias para os advogados entre 20 de dezembro e 20 de janeiro e ordem cronológica para julgamentos. Além disso, o projeto aprovado estabelece o fim da compensação de honorários, a sua percepção pela pessoa jurídica e os honorários recursais, com regras que impedem o aviltamento na fixação do valor da sucumbência. Quais os principais problemas que os advogados enfrentam hoje em dia na sua atuação? Quais as reclamações que mais chegam à OAB? REVISTA

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– O aviltamento de honorários e o desrespeito às prerrogativas profissionais são dois problemas que atingem em cheio a advocacia, dificultando o trabalho dos profissionais que são os defensores dos direitos do cidadão. A OAB criou, em 2013, a Ouvidoria de Honorários e a Procuradoria Nacional de Prerrogativas, que têm atuado em todo o País para evitar o aviltamento de pagamentos e a liberdade de atuação dos advogados. É importante estar vigilante a qualquer tentativa de diminuir o múnus público que é a advocacia. Nesse sentido, trabalho constantemente para evitar a criminalização de nossa atividade, como, por exemplo, em ações que incluem advogados como réus por terem emitido pareceres em licitações que foram alvo de investigações. Como a OAB atua na valorização do advogado público? – A OAB não faz distinção entre advogados privados e advogados públicos – as prerrogativas de um devem valer para todos. Em março deste ano, realizamos seminário em homenagem à advocacia pública, com a presença de diversos representantes da classe. A independência técnica do advogado público é essencial para o funcionamento do Estado brasileiro. Temos uma Comissão da Advocacia Pública com atuação brilhante, e as três esferas da advocacia pública – federal, estadual e municipal – participam de sua gestão. Além da luta pela percepção de honorários para advogados públicos, como destacado anteriormente, a OAB tem como compromissos a recusa ao ponto eletrônico para procuradores e a impossibilidade de nomeação de comissionados e consultores para funções próprias de advogados públicos. O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil comemorou 20 anos em julho. Ao longo desse período, quais os principais avanços trazidos pelo Estatuto que o senhor destaca? O que considera mais relevante para o Estado brasileiro? – O Estatuto da Advocacia é texto de referência e afirmação do Estado Democrático de Direito. Após a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, em que se assegurou um vasto conjunto de liberdades e garantias fundamentais, com destaque para a imprescindibilidade do advogado à realização da Justiça, a Ordem precisou refletir profundamente acerca do papel desse profissional nesse processo de transformação social. Nesse 12

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A chamada “PEC da Probidade” dará um caráter muito mais de Estado, em vez de governo, à advocacia pública. A autonomia institucional é fundamental ao bom funcionamento da advocacia no setor público.

contexto, a reforma do Estatuto representou a adequação da atuação da advocacia aos objetivos da nova democracia. Destaco quatro eixos principais que norteiam o texto, promulgado pela Lei 8.906, de 4 de julho de 1994: o reposicionamento estatutário da Ordem dos Advogados do Brasil no contexto político-institucional, em contraponto ao Estatuto de 1963; a clareza estatutária com relação à defesa dos direitos humanos; a advocacia como função essencial e indispensável à administração da Justiça; e maior destaque na defesa dos direitos dos advogados.


foto: Arquivo pessoal

coluna carlos mota

Em defesa da representação política direta Carlos Domingos Mota Coelho*

O

s avanços na área da tecnologia da informação, sobretudo a rapidez com que se consolidou a rede mundial de computadores, permitem vislumbrar o fim, em momento não muito distante, da democracia representativa, que, diga-se de passagem, já apresentava vícios parecidos com os hodiernos em seu próprio berço, a Grécia antiga. Não sem razão, muitos dos gregos, dentre eles Aristóteles, preferiam o sorteio dos postos públicos ao sistema de escolha via voto, pois entendiam que esse sistema mais se aproxima da oligarquia, não da democracia, na essência do que o termo representa. De fato, não apenas em terras brasileiras, mas em escala planetária, não dá mais para confiar no modelo político atual, que, em última análise, gera uma espécie de aristocracia eletiva, em que os eleitos só se lembram dos eleitores em época de eleição. É óbvio que, muito embora defendido por pessoas sérias, o sistema de sorteio dificilmente se livrará da órbita dos que consideram coisas assim como delírios ou devaneios. Mas, apesar disso, há que se buscar algo que substitua o modelo político atual, abatido pela crise de confiança, sem precedentes em nossa história. Tendo ocupado cadeira em nosso parlamento, talvez me falte a necessária isenção para abordar quão delicado tema, na medida em que isso pode parecer ressentimento de quem tentou, mas não logrou êxito em sua tentativa de reeleição. Por outro lado, o fato de eu ter estado no lado de lá e, em seguida, voltado ao time dos que, sem mandato popular, buscam influir em questões políticas, tal qual fazemos em entidades como a Associação Nacional dos

Membros das Carreiras da Advocacia Geral da União (Anajur) e a Associação Nacional dos Procuradores Federais da Previdência Social (Anpprev), descortinou para mim a conclusão de que não dá mais para esperar. Em outras palavras, não dá mais para continuar, a cada dois anos, legitimando, por obrigação constitucional, um sistema falido, um sistema no qual não mais acreditamos! As chamadas redes sociais nos permitem ver com os nossos próprios olhos o que se passa ao nosso redor e, sobretudo, nos permitem opinar, trocar informações, convencer e sermos convencidos, sem essa ultrapassada muleta chamada democracia representativa, onerosa, inoperante e, o que é pior, palco de mal disfarçadas rapinagens e tungas dos cofres públicos. E não é delírio imaginar a chegada de um tempo em que um toque característico em nossos tablets nos chamará a opinar e deliberar diretamente sobre os nossos destinos e sobre os destinos de nossa Pátria. Que esse dia chegue rápido!

Não dá mais para continuar, a cada dois anos, legitimando, por obrigação constitucional, um sistema falido, um sistema no qual não mais acreditamos!

* Procurador Federal e autor de diversas obras literárias. Foi deputado federal pelo PSB/MG (2003-2007).

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foto: Arquivo pessoal

artigo

Direitos humanos e objeção de consciência – uma questão fundamental Leslei Lester dos Anjos Magalhães*

É possível estabelecermos uma ética universal? Podemos dizer de comportamentos bons e maus que são comuns a todas as culturas e povos? Essa questão nos coloca diretamente em relação com a consciência moral. Será a moral um conjunto de princípios universais, que podem ser aceitos por todos os homens? A resposta é positiva. Mas como isso se dá, se todos os povos têm culturas tão diferentes, costumes particulares, padrões morais diversos, se as religiões pregam pontos de vista diferentes sobre um mesmo assunto, se as declarações de direitos humanos são interpretadas ao gosto da filosofia da moda de cada povo? Será mesmo possível uma ética universal?

A

pesar das aparências indicarem o contrário, de fato é possível termos uma teoria ética válida para todos os homens, exatamente porque todos nós somos seres humanos e temos, portanto, em comum a nossa forma de ser peculiar: somos seres racionais dotados de um corpo. Como diria Hugo de São Vitor, somos “existência individual de natureza espiritual”; ou, como dizia Boécio, filósofo da antiguidade que cunhou o conceito de pessoa, o ser humano é “substância individual de natura racional”. Dessa forma, podemos e devemos delinear as condutas que aperfeiçoam essa natureza em relação

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àquelas que a degradam. Nesse aperfeiçoamento, os fins existenciais inerentes aos seres humanos são capazes de nos indicar o caminho do bem; simultaneamente, o juízo moral encarrega-se de revelá-lo . Radica-se a verdade da existência da ética universal não somente na pesquisa filosófica sobre a antropologia humana, como também na experiência vivida por todos os povos. Esta demonstra que certas condutas são maléficas ao convívio social, onde quer que aconteça, tais como: matar um inocente, roubar, cometer adultério, ofender os pais, causar prejuízo à honra do próximo. Essas condutas são proibidas pelas leis penais de todos os povos. Há um consenso universal sobre condutas que depreciam a dignidade humana e rebaixam-na ao nível infra-humano, ao nível puramente animal. Dessa forma, podemos falar de um direito natural, que advém da natureza, isto é, da forma que o ser humano está feito e opera; que difere de um direito positivo, que decorre do consenso de um determinado povo acerca de aspectos funcionais da sociedade humana . Há, sobremaneira, uma relação íntima entre o direito natural – que em nossos dias é também chamado de direitos humanos ou direitos fundamentais– e o direito positivo ou legal. Este aspecto é muito importante, pois o último não se sustém sem o primeiro. Do direito natural decorrem os princípios gerais que depois devem ser amoldados a cada sociedade, reconhecidos positivamente pelo direito, a fim de que o Estado os faça valer de modo pacífico e organizado. Em consequência, se o direito positivo não se embasa nem reconhece os direitos naturais, passa a ser um sistema


de opressão do ser humano e não de sua libertação. Eis que o dissenso entre uma lei civil e uma lei natural causa uma dicotomia no sistema jurídico, que acarreta a falta de legitimidade do direito positivo. Ainda que o direito natural não tenha sido reconhecido pela lei, ele poderá ser invocado como direito, acarretando, portanto, o que chamamos de objeção de consciência. Em outras palavras podemos dizer que uma lei positiva em desacordo com uma lei natural não obriga em consciência e não merece ser obedecida. Em tal situação, pode ser até um dever do cidadão deixar de cumprir tal lei, quando em prol do próprio bem comum da sociedade. Está claro que uma lei injusta não é lei, é corrupção de uma lei; não é lei em sentido material, substancial, mas somente do ponto de vista formal. Essa doutrina remete aos filósofos gregos, em especial Platão e Aristóteles, e foi desenvolvida, posteriormente, por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino . Ao mencionar a liberdade, devemos ressaltar que é livre quem escolhe o bem; e é dever de todo ser humano seguir os ditames de sua consciência para ser realmente livre. Dessa forma, por exemplo, um médico que em consciência acredita que não deve matar uma criança em fase embrionária ou gestacional não está obrigado a fazer o aborto. O mesmo se pode dizer em relação a um doente ou a uma pessoa idosa, no caso da eutanásia. Invocando o direito fundamental à liberdade de atuar conforme a consciência, em face de uma lei positiva que ofende um direito humano natural, cada cidadão tem o direito e, às vezes o dever, de invocar a objeção de consciência para se autodeterminar conforme o bem da pessoa humana, que é um bem maior do que o mero cumprimento de uma lei – entendida em sentido formal. Nesse sentido, infelizmente, podemos verificar ofensas graves à liberdade de consciência na Comunidade Europeia, em que três profissionais da saúde, duas enfermeiras escocesas e um renomado médico polonês, foram demitidos por se recusarem a praticar abortos. Em outro caso de grande repercussão, na Inglaterra, uma funcionária de cartório foi demitida porque se recusou a homologar uma união entre pessoas do mesmo sexo. Nesses casos, a Comunidade Europeia está trilhando um perigoso caminho de intolerância e de violação da liberdade de consciência em temas de grande impacto moral, em que o juízo da consciência deve ser seguido. Há que se anotar que o aborto e a eutanásia já foram práticas utilizadas pelo regime nazista no afã de impor a sua ideologia da raça superior. De outra sorte, a união de pessoas do mesmo sexo viola o código moral das

Ao mencionar a liberdade, devemos ressaltar que é livre quem escolhe o bem; e é dever de todo ser humano seguir os ditames de sua consciência para ser realmente livre.

principais religiões monoteístas do mundo, o que configura uma situação de confronto entre a lei e os preceitos morais adotados por uma parcela enorme da população mundial . Dessa forma, as autoridades europeias, ao ratificarem atitudes de intolerância do tipo descrito, estão adotando uma doutrina de relativização da liberdade de consciência, o último bastião da pessoa humana. Esse direito humano fundamental está presente na Declaração dos Direitos Humanos de 1948 e é garantido pela própria Convenção Europeia de Direitos Humanos (artigo 9o). No Brasil, a nossa Constituição Federal garante o direito de a pessoa agir conforme a sua consciência e não ser penalizada por isso, no art. 5º, inciso VI, que diz, expressamente, ser “inviolável a liberdade de consciência e de crença”. Diante de preceitos tão peremptórios e certos que propugnam e garantem essa liberdade fundamental, não devem caber dúvidas aos juristas, advogados, juízes e membros do Ministério Público, quanto à importância de se assegurar o direito à objeção de consciência em nosso País, em casos que tais. Diante do exposto, podemos concluir que a objeção de consciência é um direito natural que está salvaguardado pelas declarações de direitos humanos internacionais e por nossa Constituição Federal. Convém invocá-la sempre que os direitos humanos estejam em perigo, exigindo-se de todas as pessoas e dos profissionais do direito, em especial, a coragem de fazer valer esse direito, em atenção, também, ao princípio maior da dignidade da pessoa humana, do qual é expressão.

* Advogado da União, diretor cultural da Anajur, bacharel em Direito pela UnB. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Autor do livro O princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. REVISTA

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conciliação

Métodos alternativos de resolução de conflitos A tão aclamada Emenda Constitucional no 45/2004 trouxe uma nova redação ao inciso LXXVIII do artigo 5o da nossa Constituição da República de 1988. “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Desse modo, o Estado tem o dever de garantir aos seus tutelados um tempo razoável para a solução de seus conflitos no âmbito judicial.

Q

uem trabalha diretamente com o Poder Judiciário sabe, no entanto, que nem sempre é possível ter a sua demanda atendida ou receber, ao menos, uma resposta do Estado em curto espaço de tempo. Nosso Judiciário carece de estrutura f ísica e pessoal para atender à grande quantidade de processos tramitando nas justiças estaduais e federal. De acordo com dados do último relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de processos que tramitavam no Judiciário brasileiro, entre os anos de 2010 e 2013, cresceu 10,6%. Em 2013, havia 95 milhões de ações tramitando no País. O relatório do CNJ aponta que, apesar da melhoria na produtividade dos magistrados e dos servidores, a taxa de congestionamento processual ultrapassou os 70%. Uma solução para evitar a judicialização dessas lides são os métodos alternativos para a resolução de conflitos, que já são uma realidade no ordenamento jurídico nacional. Não é à toa que em 1996 foi promulgada a Lei 9.307, conhecida como a Lei de Arbitragem. A mediação

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e a conciliação são mecanismos estimulados pelo Estado de forma alternativa à judicialização. O ministro Ricardo Lewandowski, durante a cerimônia que o empossou presidente do Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2014, defendeu a adoção de medidas para garantir maior celeridade processual na Justiça brasileira e incentivar métodos alternativos de solução de conflitos. “Procuraremos acelerar a prestação jurisdicional, intensificando o uso de meios eletrônicos para a tomada de decisões, ao mesmo tempo em que desestimularemos as ações de índole temerária ou protelatória, mediante os meios legais disponíveis”, afirmou Lewandowski. Em seminário realizado pelo Supremo Tribunal Federal, ainda em 2011, a então ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, já apontava a necessidade da abertura cada vez maior do Poder Judiciário para esses mecanismos: “Os métodos alternativos de solução de litígio são melhores do que a solução judicial, que é imposta com a força do Estado, e que padece de uma série de percalços, como a longa duração do processo, como ocorre no Brasil e em outros países”, apontou Ellen Gracie. O estímulo a esses mecanismos estão cada vez mais presentes na Justiça brasileira. E, nessa perspectiva, algumas experiências destacam-se. Dentro da própria Advocacia-Geral da União (AGU), foi criada a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), com o objetivo de reduzir a judicialização de demandas entre entes da administração pública. No âmbito privado, as Câmaras de Arbitragem são espaços próprios para a resolução de demandas fora do Poder Judiciário. A reportagem da revista Anajur conversou sobre esse assunto com Francisco Orlando Costa Muniz, diretor da CCAF/AGU, e com o Francisco Cláudio de Almeida Santos, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e atual presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (Cebramar), o primeiro instalado na Capital Federal.


A atuação da AGU nos litígios entre entes da administração pública

foto: divulgação stj

Criada em setembro de 2007, a CCAF tinha o objetivo de prevenir e reduzir o número de litígios judiciais que envolviam a União, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. O ministro do Supremo Tribunal Federal, José Antônio Dias Toffoli, era o advogado-geral da União quando a CCAF foi instalada. Em entrevista à edição anterior da revista Anajur, ele relembrou a atuação da CCAF para evitar esses litígios no âmbito da administração. “Um grande exemplo disso foi a solução de uma demanda

Desde que se trate de direitos disponíveis, não há nenhuma objeção no direito posto brasileiro para a solução do conflito via arbitragem. Basta qualificar aquele direito como um direito disponível.

Francisco Cláudio de Almeida Santos, presidente do Cebramar

Apesar de ainda estarmos atuando em uma área muito restrita, o trabalho da Câmara pode aliviar, e muito, determinadas demandas que já estão judicializadas.

Francisco Orlando Costa Muniz, diretor da CCAF

do Estado do Rio de Janeiro com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), com a Petrobras e com a própria União, que iniciamos na Câmara de Conciliação à época em que eu estava à frente da Advocacia-Geral da União. Essa conciliação depois foi homologada, já na gestão do atual advogado-geral da União, Luís Inácio Adams”. Conforme se infere da fala do ministro Dias Toffoli, a atuação da CCAF não se limitou apenas aos entes da administração federal. Duas portarias posteriores ampliaram o campo de atuação, estendendo o trabalho a litígios que envolviam algum ente da administração federal contra estados e municípios. “É sempre necessário que um dos entes da administração federal esteja em um dos polos para que a câmara possa atuar”, explica Francisco Orlando Costa Muniz, diretor da CCAF. REVISTA

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As demandas chegam à Câmara, vinculada à Consultoria-Geral da União, de maneira voluntária, podendo existir questões de natureza fática, jurídica, e fática e jurídica na mesma demanda. Uma vez sob a tutela da CCAF, será iniciada uma tentativa de conciliação entre os litigantes. “A conciliação é uma ferramenta que você auxilia na condução e incentiva a composição. O resultado obtido na mesa de conciliação é produto das duas partes”, afirma o diretor. Orlando Muniz aponta os méritos da atuação da Câmara: “Apesar de ainda estarmos atuando em uma área muito restrita, o trabalho da Câmara pode aliviar, e muito, determinadas demandas que já estão judicializadas. Um dos casos que posso mencionar é a cobrança de taxa de lixo entre prefeituras municipais contra órgão da administração pública. Há uma quantidade imensa de processos que chegam em matéria repetitiva nas sessões judiciárias. Como as matérias são repetitivas, se você fizer um acordo com um município, todos os outros poderão seguir o mesmo caminho, e conseguimos aliviar muito a nossa área de contencioso e as seções judiciárias”. Atualmente a Câmara tem sede em Brasília e conta com 13 conciliadores, membros das carreiras da Advocacia Pública. No entanto, a CCAF está em um processo de descentralização, consolidando Câmaras de Conciliação nos estados da Federação para que possam fazer a conciliação no âmbito estadual sob a coordenação da CCAF. Elas reproduzem o funcionamento da Câmara em Brasília. Em um primeiro momento, as matérias passam por um juízo de admissibilidade na capital federal, e, celebrado o termo de conciliação, a matéria é encaminhada ao Consultor-Geral da União e homologada pelo Advogado-Geral da União. “Uma das nossas lutas internas é na disseminação da ferramenta. É colocar isso dentro de todas as Consultorias Jurídicas nos estados para que as pessoas saibam o que é a Câmara. Que digam: tem um ambiente na AGU que está atuando dentro dos órgãos da administração e que está resolvendo previamente alguns conflitos”, explica Orlando Muniz. Ainda não há previsão de uma abertura da CCAF para outro método de resolução de conflitos – a arbitragem entre União e entes privados, por exemplo. No entanto, de acordo com o STJ, nada impede que tal solução seja tomada. Já há precedentes de soluções arbitrais entre demandas envolvendo estados da Federação e a administração pública. Objetivando atender a essa demanda crescente de litígios, foi criado em Brasília o Centro Brasileiro 18

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de Mediação e Arbitragem (Cebramar), formado por advogados, juízes aposentados e ex-ministros, além de demais profissionais que se interessam pelo tema. E para além dos litígios privados, o Cebramar vislumbra a atuação também em contratos com a administração pública.

A arbitragem entre os entes particulares e a administração pública Após a aprovação, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, do relatório sobre o PL 7108/14, que trata da ampliação do âmbito de atuação da Lei de Arbitragem, um tema voltou à tona: a previsão legal para a solução de conflitos em contratos da administração pública por meio de arbitragem. Durante a votação, o deputado Miro Teixeira (PROS-RJ) solicitou que fosse incluída no parágrafo que dispunha sobre a solução arbitral em controvérsias referentes a contratos administrativos a seguinte complementação: “desde que previsto no edital ou nos contratos da administração, nos termos do regulamento”. Tal emenda gerou uma controvérsia apontada pelo ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, em entrevista ao site Consultor Jurídico: “Se o Poder Público entende ser necessária a regulamentação, que em nosso entendimento é uma questão íncita, ele poderia fazê-la sem alteração no projeto. Isso pode gerar controvérsia e instabilidade nas arbitragens que já estão em andamento”, explica Salomão. Para além da divergência apontada, o importante é que o projeto de lei traz uma abertura ainda maior para a resolução de demandas via arbitragem. O texto inclui na Lei de Arbitragem contratos da administração pública, disputas de participação societária, relações de consumo e relações trabalhistas de executivos e diretores de empresas. Essas modalidades já estão sendo tentadas na prática, e a proposta coloca na lei uma regulação para elas. O presidente do Cebramar, Francisco Cláudio de Almeida Santos, explica que basta a vontade da entidade para que seja resolvida uma demanda por meio de uma contratação de arbitragem. “Desde que se trate de direitos disponíveis, não há nenhuma objeção no direito posto brasileiro para a solução do conflito via arbitragem. Basta qualificar aquele direito como um direito disponível”.


foto: fellipe sampaio/ sco/stf

O ministro Ricardo Lewandowski, na cerimônia de posse como presidente do Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2014, defendeu a adoção de medidas para garantir maior celeridade processual na Justiça brasileira

Dentre as inúmeras vantagens da resolução arbitral, uma delas é a confidencialidade. Parte do valor de mercado das empresas está ligada à sua marca e a seu potencial de ganhos. Nesse universo, informação é uma arma valiosa. Por meio da arbitragem, resguarda-se toda a confidencialidade do processo, algo que seria mais dif ícil em caso de judicialização da lide. O presidente do Cebramar aponta ainda outro ganho com a escolha da arbitragem. “Uma das vantagens da arbitragem é a especialidade do tema. Ela oferece mecanismo muitas vezes simplificado que dispensa até a perícia. Desde que as partes apresentem laudos relativos ao problema daquela obra e que venham fornecer elementos para a solução arbitral, às vezes não há nem a necessidade da perícia. Depende da complexidade do tema. No entanto, simplicidade do procedimento, sem prejuízo das partes apresentarem as suas defesas, é uma grande vantagem deste processo”. Para Francisco Cláudio, o que falta para a consolidação ainda mais forte da solução arbitral é a informação e

a confiança nesses processos: “Nós não temos ainda uma cultura sedimentada sobre arbitragem. Nossa cultura ainda está em formação, mas em alguns estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais, já há uma cultura mais bem sedimentada nesse sentido. Eu, por exemplo, já participei de dois processos envolvendo um ente da administração pública no Estado de São Paulo. Atuei como árbitro. O governo do Estado não opôs nenhuma resistência ou objeção à realização da arbitragem. Ela foi realizada, e tudo foi aceito tranquilamente”. Para disseminar ainda mais essas possibilidades de resolução de conflito, o Cebramar realizará, em 2015, a Conferência Nacional de Arbitragem na Administração Pública e Mediação de Conflito, trazendo especialistas para discutir o tema na capital federal. “Brasília reúne condições e ambiente apropriados para ser uma sede, no Brasil, das arbitragens nos contratos com a administração pública em todos os setores: parceria público-privada, financiamentos de bancos oficiais, obras públicas e outros”, completa o presidente do Cebramar. REVISTA

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Amazônia

foto: Arquivo pessoal

artigo

Patrimônio genético, conhecimentos tradicionais associados e criação de produtos e tecnologias Prof. Dr. Sebastião Marcelice Gomes*

O acelerado desenvolvimento tecnológico causa impactos marcantes nos processos produtivos. Com o avanço do desenvolvimento da biotecnologia, tem ocorrido grande crescimento das indústrias baseadas em material biológico e, consequentemente, apropriação dos recursos genéticos em razão da necessidade de maior dinâmica na disponibilização de novos produtos no mercado com o objetivo de manter a competitividade.

N

esse cenário científico e tecnológico, o patrimônio genético e os saberes a ele associados passaram a ser vistos como forte potencial industrial, posto que podem se constituir em ponto de partida para o desenvolvimento de novos produtos farmacêuticos, químicos, agrícolas, entre outros. A valorização da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais a ela associados deve ser, portanto, um dos princípios basilares na condução de políticas públi-

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cas, pois, muito além da importância científica, social, estética e econômica, a biodiversidade é fundamental para a sustentabilidade dos ecossistemas. O valor dos produtos naturais, especialmente das plantas medicinais, para a sociedade e para a economia é incalculável. Nessa trilha, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que há uma grande dependência da população mundial em relação aos medicamentos naturais ou tradicionais. Desse modo, a importância dos componentes do patrimônio genético para a indústria farmacêutica pode ser medida pelo número de medicamentos receitados. De acordo com o World Resources Institute (1992), cerca de um quarto do total contém ingredientes ativos extraídos de plantas, e mais de 3 mil antibióticos derivam de organismos vivos. Ainda, os 20 medicamentos mais vendidos nos Estados Unidos contêm compostos extraídos de plantas, microorganismos e animais, sendo que a demanda medicinal triplicou na última década. No âmbito interno, o mercado brasileiro de medicamentos e cosméticos movimenta grandes somas de recursos correspondentes à produção de remédios oriundos de produtos naturais e fitoterápicos.


Ressalte-se, no caso em debate, que o Brasil é o país de maior diversidade biológica do mundo e possui alguns dos biomas mais ricos do planeta, ou seja, não existe na esfera global um país com tanta riqueza de ecossistemas e de espécies de plantas, animais e microorganismos encontrados em todo o território nacional. A bem da verdade, como aludem Santana e Assad (2002a, p. 32), “a composição total da biodiversidade brasileira não é conhecida e talvez nunca venha a ser, tal a sua magnitude e complexidade”. Nesse cenário de exuberância da biodiversidade brasileira, a Amazônia concentra a maior parte da biodiversidade do planeta. Em nenhum lugar do mundo existem mais espécies de animais e de plantas do que na Amazônia, tanto em termos de espécies habitando a região como um todo (diversidade gama), como coexistindo em um mesmo ponto (diversidade alfa). De acordo com Begouci (2009, p. 7), “em poucos quilômetros quadrados da floresta amazônica há mais espécies de animais que na América Central. Uma única árvore pode servir de lar a 1.700 tipos de invertebrados que vão de formigas a aranhas, de abelhas a besouros”. Como fonte de produção e sistema de inovação, os conhecimentos tradicionais destacam-se pelo vasto campo e variedade que comportam. Esses conhecimentos vão desde técnicas de manejo de recursos naturais, métodos de caça e pesca, conhecimento sobre os diversos ecossistemas e sobre propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas de espécies, e as próprias categorizações e classificações de espécies de flora e fauna utilizadas pelas populações tradicionais. (SANTILLI, 2004, p. 191-192). Os conhecimentos tradicionais associados correspondem a saberes acumulados ao longo dos séculos de forma coletiva, apoiados na tradição, na observação e na utilização dos recursos e processos biológicos,

exprimindo-se por meio de mitos, rituais, narrações de caráter oral e práticas relacionadas com sistemas de ordem ambiental. Nessa demanda, impõem-se o debate e a análise dos mecanismos jurídicos que regulam o acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados, ou seja, os instrumentos normativos que disciplinam essa apropriação e a utilização desses elementos para a transformação e criação de novos produtos e tecnologias. Entendo que, no âmbito dessa discussão, três objetivos específicos devem ser priorizados: analisar o acesso aos conhecimentos tradicionais associados e ao patrimônio genético, como novo modo de apropriação da natureza e dos recursos naturais que proporcione a justa repartição de benef ícios; discutir direitos de propriedade dos povos amazônicos entre o coletivo e o individual; e avaliar os processos de conhecimento e inovação, refletindo sobre a transformação e possibilidades de criação de novos produtos e tecnologias na Amazônia. Diante da necessidade de se buscar o equilíbrio para a utilização econômica de componentes da diversidade biológica de modo e ritmo tais que não levem à diminuição do patrimônio genético, mantendo potencial para atender às aspirações das gerações presentes e futuras, o Poder Público deve promover a implementação de políticas públicas que possibilitem o acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais a ele associados para a criação de produtos e processos com o objetivo de desenvolvimento regional, de forma sustentável e com a garantia de justa partilha dos resultados obtidos com o seu uso. * Delegado da Anajur no Amazonas, diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). fotos: Rachel guimarães fraga

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aniversário

28 anos da Anajur: comemoração na Cidade Maravilhosa A Anajur completou 28 anos no último dia 18 de agosto. E, para comemorar o aniversário da instituição pioneira na defesa da Advocacia Pública Federal, a diretoria da entidade reuniu-se com seus associados em um restaurante no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro (RJ). O encontro serviu para a confraternização dos associados e para fortalecer essa importante entidade criada durante os debates da Assembleia Nacional Constituinte e que apoiou a ideia do Dr. Saulo Ramos de retirar do Ministério Público a incumbência de defender judicial e extrajudicialmente os interesses da União. Após todos esses anos de lutas e conquistas, o desafio agora é o de conseguir a autonomia financeira e administrativa da Advocacia-Geral da União. E, mesmo no clima festivo de comemoração do aniversário da Anajur, manteve-se acesa a chama da luta pelas demandas dos advogados públicos.

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“Cada um dos senhores aqui presentes é responsável por uma parte da consolidação da Advocacia-Geral da União. Cada um de vocês tem o seu pedacinho na construção da AGU.” Joana Mello, presidente da Anajur

“Contamos com todos os amigos e colaboradores que estão aqui para alcançar os nossos objetivos. Paulatinamente estamos chegando lá. Vamos trabalhar juntos.” Braz Sampaio, diretor de Assuntos de Aposentados e Pensionistas da Anajur


Da esquerda para a direita: Maria Socorro Braga, conselheira fiscal; Ruth Jehá Miller, diretora jurídico-adjunta; Joana Mello, presidente; Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta, secretária-geral; e Luciana Villela de Souza, diretora de Eventos da Anajur

“Foi graças a uma luta à qual a Anajur se integrou que se garantiu, no projeto do novo Código de Processo Civil, a previsão dos honorários de sucumbência para os advogados públicos.” Miro Teixeira, Deputado Federal (PROS-RJ)

“Lutar pela Advocacia Pública é, antes de mais nada, prestar um serviço à nação. Por isso, a causa da Advocacia Pública não é só dela, mas de todos aqueles que têm um compromisso com o Brasil.” Alessandro Molon, Deputado Federal (PT-RJ)

“A presidente Joana é uma parceira na luta diária dentro do Congresso Nacional. Nós que acompanhamos o dia a dia vemos o empenho da Anajur e percebemos a importância dessa parceria.” Antônio Rodrigues, presidente da Anpprev

“Estamos irmanados com a Anajur e com as demais entidades para cada vez mais levantar a bandeira da Advocacia Pública.” José Márcio Araújo de Alemany, presidente da Apaferj REVISTA

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Aniversário de 28 anos da Anajur, no Rio de Janeiro

“Estamos dando um grande impulso às ações dos associados da Anajur. Sempre que precisarem de auxílio jurídico, estaremos prontos.” Ruth Jehá Miller, diretora jurídico-adjunta da Anajur

A presidente da Anajur, Joana Mello; o presidente da Apaferj, José Márcio Araújo de Alemany; e a associada da Anajur, Eleuza Vaz Cardozo

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Associados da Anajur em tarde de confraternização

Equipe jurídica da Anajur reunida com Dr. Beckston Bujacher

Associados participam de sorteio de brindes

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transparência

Assessoria de Comunicação

Criada pela Constituição Federal de 1988, a Advocacia-Geral da União (AGU) tem hoje 4 mil servidores administrativos e 8 mil advogados públicos federais, entre advogados da União, procuradores federais, procuradores da Fazenda Nacional e procuradores do Banco Central. Como traduzir a atuação desses 12 mil integrantes da instituição espalhados por todo o País? É aí que entra em cena a Assessoria de Comunicação Social (Ascom).

A

lém da produção de notícias, a Ascom responde pelo relacionamento da AGU com a imprensa. O trabalho tem gerado bons frutos. Segundo dados de uma empresa especializada em monitoramento de mídia, a AGU se manteve pelo terceiro ano consecutivo como o segundo órgão no sistema judicial mais citado pela imprensa brasileira, ficando atrás apenas do Supremo Tribunal Federal (STF). Para manter esse índice, o segredo é a transparência total e agilidade. A demanda por parte de jornalistas que chega à assessoria é imediatamente processada. Dos pedidos de informação ou de entrevistas, 53% são atendidos em até uma hora. Resultado que só é possível porque o trabalho é feito de forma integrada com as diversas áreas da instituição. Cada uma tem um interlocutor com a assessoria, designado pelo coordenador-geral. “Eles sabem que a comunicação é importante. E o próprio ministro Luís Inácio Adams fica em contato direto conosco quando o assunto é mais relevante. Toda a direção é sensível às demandas da Ascom, pois compreende o papel de trincheira que desempenhamos na defesa da imagem da AGU”, explica Adão Paulo Oliveira, chefe da Assessoria de Comunicação. A produção de notícias, principal meio de divulgação da AGU para a sociedade, é parte importante do trabalho da assessoria. De janeiro a dezembro de 2013, foram

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fotos: wesley pereira dos santos / agu

Mais visibilidade às ações da agu

Adão Paulo: comunicação integrada para mais eficiência 1.711 matérias – o equivalente a sete textos a cada dia útil. Número que se torna ainda maior quando comparado ao que era produzido em 2006, quando começou o investimento no trabalho da assessoria. De lá para cá, houve um aumento de 684% na produção de notícias. Tudo o que é publicado sobre a AGU na imprensa e nas mídias sociais é monitorado. Os dados são registrados ano a ano e disponibilizados por meio de um balanço publicado pela Ascom, que ajuda a aprimorar o trabalho e mostra o quanto uma boa estratégia de comunicação é importante. A visibilidade dada às ações da AGU chamou a atenção das unidades espalhadas pelo País, e hoje todos querem dar sua contribuição. Mesmo sem representantes diretos nos estados e municípios, a assessoria produz material local com a ajuda dos integrantes das unidades. O próprio advogado ou procurador manda uma minuta ou resumo com os dados do caso. Para decidir o que deve ser publicado, a assessoria segue alguns critérios, como impacto jornalístico e econômico, repercussão social e diversidade do tema, além da regionalidade e do órgão de atuação da AGU. Como acompanhar, porém, todo esse trabalho? Basta escolher a forma que mais lhe agradar. O material produzido é disponibilizado no site, em mídias sociais, em programas de rádio e, no ano passado, ganhou o


reforço da WebTV, canal de vídeos do Youtube. E quem liga para a AGU também pode conferir informações e serviços que são reproduzidos enquanto a pessoa espera atendimento. “Temos uma preocupação constante com a modernização. O primeiro desafio foi mudar o site. Já estamos na terceira versão. Depois mudamos a linha editorial: tudo o que a Advocacia-Geral da União faz vira notícia. E o terceiro desafio foi criar cargos para equipar a Ascom”, completa Adão Paulo. E nem são tantos cargos assim... Quem pensar que para fazer tudo isso a assessoria conta com uma estrutura gigantesca, engana-se. São apenas 14 pessoas na equipe, mas na hora do trabalho elas parecem se multiplicar. “Nós adotamos um conceito importante – temos uma comunicação integrada, o que atualmente é uma tendência. Todo mundo faz de tudo. A tecnologia traz facilidades e permite isso”, explica Adão Paulo. O chefe da assessoria também faz questão de ressaltar que dedicação é o que não falta: “É importante destacar a qualidade técnica e a dedicação dos jornalistas, publicitários e assistentes de comunicação que integram o grupo. Todos têm convicção da importância da assessoria na construção e preservação da imagem de uma instituição sólida e transparente perante a sociedade. No nosso setor, não há setoristas. Todos desenvolvem mais de uma função, dentro de uma perspectiva de comunicação integrada”. Os números comprovam que toda essa dedicação tem surtido efeito. A AGU já contabiliza mais de 122 mil seguidores no Facebook e outros 74 mil no Twitter. Mais de 15 mil pessoas visualizaram os vídeos disponibilizados no Youtube, e quem quiser também pode ter acesso a material de alta resolução pelo Flickr, que já oferece quase 3 mil imagens. A AGU também se faz presente na programação do satélite RadioSat, aberta para mais de 10

Notícias sobre a AGU abertas a mais de 10 mil emissoras de rádios em todo o País pelo satélite RadioSat

Tempo de atendimento à imprensa 15,2%

20,4%

14,4%

46,5%

53%

10,8%

23,9%

15,8%

2012 1 hora

2013 3 horas

5 horas

1 dia

mil rádios brasileiras. Neste ano, o programa AGU Brasil foi o vencedor do XII Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça, na categoria programa de rádio. A premiação destacou as mais importantes produções das assessorias de comunicação social de todo o País. Além disso, a assessoria produz boletins internos. O AGU Comunica é encaminhado semanalmente a todos os e-mails cadastrados com @agu.gov.br. O AGU Notícias é distribuído a cerca de 2.500 endereços eletrônicos de jornais e de pessoas que solicitam o recebimento pelo site da AGU. A Ascom produz ainda um relatório anual de gestão sobre as ações de órgãos da AGU, que, em 2013, passou a ser denominado Panorama AGU. “Cada órgão tinha seus números e apresentava ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Presidência da República, mas a sociedade não tinha conhecimento. Agora, a Ascom faz a compilação e a finalização dos dados”, explica o chefe da assessoria. Os próximos desafios são levar a expertise do trabalho com o público externo também para o público interno. Para isso, eles esperam a contratação dos novos jornalistas já aprovados em concurso da AGU. E vem mais novidade por aí... Já está em processo de contratação, por pregão eletrônico, uma produtora de vídeo que será responsável pela execução de um programa semanal a ser exibido na TV Justiça. Mas, no futuro, eles planejam fazer esse mesmo trabalho com os profissionais da casa. “A ideia é ser a primeira assessoria de comunicação a fazer um programa de televisão 100% produzido pelos próprios profissionais da casa”, finaliza Adão Paulo. Para conferir todo esse trabalho, acesse o site da AGU: www.agu.gov.br. REVISTA

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saúde

Durante os últimos anos, a expectativa de vida dos brasileiros vem apresentando um crescimento considerável. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2011 a expectativa de vida era de 74,1 anos. Em 2012, esse número subiu para 74,6. Parece pouco, mas, se considerarmos a última década, o aumento foi de três anos e sete meses. Há cinco décadas, a expectativa de vida era de apenas 48 anos.

foto: arquivo pessoal

Mitos e verdades sobre os hormônios

D

iante desses números, a sociedade e o Estado precisaram se preparar para as consequências que decorrem da longevidade da população. Discussão da reforma previdenciária e ampliação dos direitos para os idosos são alguns dos pontos a serem repensados com o novo cenário. A medicina não ficou atrás e também tratou de pesquisar formas de amenizar as consequências do envelhecimento. A revista Anajur entrevistou o endocrinologista José Augusto Serrano*, que esclareceu algumas dúvidas e falou sobre o tratamento com hormônios homólogos, que começaram a ser usados no Brasil. Quando se considera que a gente começa a envelhecer? A partir dos 30 anos de idade, todos nós, homens e mulheres, começamos a apresentar uma perda na nossa produção endógena de hormônios. Mas esse é um processo lento. No caso da mulher, a partir dos 30 anos inicia-se um declínio que pode durar de 15 a 25 anos, em média, até a menopausa. Na maioria delas, após os 45 anos de idade os sinais de deficiência em estrogênio já são muito evidentes, culminando nos cinco anos posteriores em uma parada na produção. E há algumas mulheres que 10 anos antes da menopausa começam a perceber o que se chama de climatério, que são aqueles sintomas: fogachos, irritabilidade, calores, humor alterado, insônia etc. Outras mulheres só vão perceber que estão entrando na menopausa quando param de menstruar. Nos homens, apesar das características específicas do gênero, a queda

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na produção hormonal também é acentuada e precisa ser acompanhada por um médico. Os efeitos da redução na produção hormonal variam de pessoa para pessoa. O que o envelhecimento provoca no organismo? Hoje, há muitos estudos que mostram que o envelhecimento está intimamente relacionado com o declínio hormonal, no homem e na mulher. É sabido que tanto a gônada masculina quanto a gônada feminina passam a produzir menos hormônios ao passar dos anos, sendo que, no caso da mulher, há uma exaustão com a chegada da menopausa. Nesse momento, não existe mais a produção de hormônios, os óvulos da mulher se esgotam, e ela entra em falência de estrogênio. Isso é considerado normal, mas as alternativas de tratamento a partir daí dividem a classe médica. Quais alternativas? Eu sempre fui a favor da reposição dos hormônios. Nesse


tratamento, ao avaliar cada caso o médico calcula as dosagens hormonais necessárias para começar algum tipo de procedimento. Mas o que divide a classe médica é que os hormônios que nos são oferecidos, pelo menos os mais comuns, são hormônios sintéticos. Assim, há profissionais que incentivam o uso desse tipo de hormônio, e outros, não. Entendo que os efeitos colaterais deles são mais intensos para o organismo. Esses hormônios sintéticos são administrados por via oral, parenteral (injeção intramuscular ou implante subcutâneo) e transdérmica (pela absorção da pele por meio de gel ou adesivo). Aqueles administrados por via oral passam pelo f ígado e sofrem metabolização. A via mais natural e que geraria menos danos ao organismo seria mesmo a via transdérmica. A diferença é que, na forma sintética, o hormônio administrado não é igual ao hormônio produzido pelo organismo. Logo, suas consequências poderiam trazer prejuízos à saúde. Uma alternativa aos hormônios sintéticos são os hormônios homólogos, que possuem composição molecular idêntica aos hormônios naturais. Aqui no Brasil, a indústria farmacêutica disponibiliza no mercado apenas alguns hormônios homólogos como o beta estradiol, hormônio feminino igual ao que a mulher produz no ovário. E foi lançada agora uma testosterona básica, idêntica à que o homem produz, para ser utilizada na axila por via transdérmica. A fabricação de hormônios homólogos então é recente? Não. Já existe a levotiroxina sódica usada pra tratar o hipotireoidismo. Há também o HGH, utilizado em tratamento de crianças com baixa estatura e déficit de HGH ou em adultos com baixos níveis do hormônio. Mas os mais recentes são o beta estradiol e a testosterona. Como atualmente existe pouca disponibilidade de outros hormônios homólogos no mercado farmacêutico, a alternativa para que se possa ter maior acesso a esses tratamentos individualizados é a manipulação em farmácias artesanais de confiança. E como são produzidos os hormônios homólogos? Eles são fabricados em laboratórios com técnicas de bioengenharia (engenharia genética). A partir de bactérias, são produzidos hormônios iguais aos produzidos pelo nosso organismo. Não é natural no sentido estrito do termo. Para ser natural, teríamos que tirá-los de um organismo e transferi-los para outro. Mas o que interessa é que eles possuem as estruturas moleculares iguais às do hormônio natural.

E qual seria a vantagem de se optar por hormônios homólogos no lugar dos sintéticos? Os hormônios, tanto os homólogos como os sintéticos, utilizam os receptores do nosso organismo para se acoplarem e atuarem. O receptor é o mediador que vai fazer com que o hormônio seja enviado para as glândulas alvos. Acontece que os sintéticos, quando utilizados no lugar do natural, ocuparão o receptor que não lhe é próprio; afinal de contas, esses receptores precisam se adaptar à nova composição molecular do hormônio. Com isso, pode ficar acoplado nesse receptor por mais tempo, provocando inibições centrais. A diferença é o acoplamento. Enquanto o natural ocupa e desocupa com a rotina de uso, o outro permanece ocupando o receptor por muito tempo, o que levaria uma supressão endógena mais demorada, atrasando a recomposição das funções naturais do corpo a partir do momento que deixar de ser usado. Nesse sentido, hormônios homólogos são idênticos aos produzidos em nosso organismo, uma vez que possuem a mesma composição molecular. Outra questão que já mencionei é que o hormônio sintético, quando administrado por via oral, vai passar pelo f ígado e gerar substâncias intermediárias. Essas substâncias metabólicas, sim, poderão levar a doenças, inclusive neoplasia da mama. Esse risco já não ocorre com os hormônios homólogos. Claro que não se deve desprezar o controle periódico. É preciso fazer sempre exames de sangue preventivos. Não existe uma relação de hormônio homólogo com câncer. A maioria dos cânceres ocorre quando já há uma deficiência de hormônios. Por fim, é necessário acompanhar as concentrações hormonais no organismo para se ter um controle das dosagens durante o tratamento, que necessitam ser precisas e seguras, porque qualquer hormônio, mesmo o homólogo, utilizado excessivamente vai causar efeitos colaterais. Quais os benef ícios mais importantes da utilização desses hormônios? Além da qualidade de vida já bastante conhecida, a utilização de hormônios homólogos ajuda a prevenir e retardar doenças degenerativas como Alzheimer, Parkinson e esclerose múltipla, mais comuns na terceira idade. Atualmente, vemos esses tipos de doenças aumentarem principalmente depois que as pessoas sofrem o declínio dos seus hormônios. Vemos o ser humano vivendo mais, envelhecendo. Porém, na média, são poucos os que passam dos 80 anos com melhores condições. Quem sabe não estaria aí uma das explicações. Nós estamos deixando a pessoa perder seus hormônios, e, com isso, REVISTA

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a janela terapêutica de prevenção. Até a primeira metade do século passado, a vida média de um homem não chegava a 50 anos. As mulheres, um pouco menos de 60. Hoje, as nossas mulheres já vivem, em média, mais de 80 anos, e os homens, 70. E isso vai continuar aumentando. Daqui a 15 anos, em 2030, vamos ter pessoas com média de 90, 100 anos. Mas será que com autonomia ou cada vez mais dependentes de outas pessoas? A utilização de hormônios homólogos é uma reposição hormonal? Pode-se chamar assim? Prefiro usar o termo modulação. É uma reposição dentro de níveis fisiológicos, usando uma dosagem definida de hormônios com o intuito de manter o equilíbrio do nosso corpo. Mas essa é uma discussão para daqui a alguns anos. Se você pesquisar, vai ver que existe algo em torno de 20 mil trabalhos de profissionais em que pessoas já são beneficiadas com esse tipo de tratamento. A tendência natural é a melhoria da qualidade de vida do ser humano. Essa seria uma medicina preventiva? É, eu acho que tem que quebrar paradigmas, mitos. A escola de medicina tem que começar a formar médicos com base fisiológica e não treinar só para tratar a doença. São duas medicinas em paralelo, a preventiva, que tentaria manter os níveis fisiológicos até onde for seguro, e a medicina curativa, que é essa baseada já no aparecimento da doença.

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Quando se fala em hormônio, pensamos em hormônio masculino e feminino, mas há outros tipos de hormônios que regem o corpo, não é? O organismo depende de renovação de células, e o que mais se aproxima, além da alimentação e do estilo de vida – o que você faz no dia a dia – é a parte hormonal. Os hormônios fazem o abastecimento de todo o organismo durante toda a vida. E, quando eles começam a diminuir, cabe aos médicos tentar impedir a queda da saúde que pode ser muito rápida. Quando se começa mais cedo um tratamento, é possível prolongar esse processo. Ninguém vai viver a eternidade, mas temos que trabalhar com a ideia de que vamos viver mais, e é preciso dar qualidade de vida para as pessoas. A gente tem que parar também de achar que uma pessoa de 60, 70 anos é velha. Não é mais assim. As pessoas têm que continuar produzindo, trabalhando, e, para isso, precisamos melhorar as condições, tentar restaurar a energia, a vitalidade, a memória, a cognição.

* José Augusto Serrano é formado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Atualmente, possui consultório em Brasília e é membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).


foto: sérgio moraes

coletânea

História do Brasil contada pela Advocacia Consultiva

O caso da ocupação brasileira no Acre Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy*

Conhece-se por Revolução Acreana o que aconteceu por volta de 1902, quando o gaúcho Plácido de Castro comandou um grupo militar que ocupou a região do Acre, então dominada pela Bolívia. Na região, um sindicato norteamericano explorava a extração da borracha. Na sequência, um tratado foi assinado em Petrópolis (RJ), em 1903, discutido e confeccionado por forte influência do Barão do Rio Branco.

N

os termos desse pacto firmado entre Brasil e Bolívia, regularizou-se a presença brasileira no Acre. Em troca, pagamos uma indenização (2 milhões de libras esterlinas), bem como nos responsabilizamos pela construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré. Plácido de Castro, no entanto, na qualidade de chefe militar da região, logo após a ocupação outorgou títulos de propriedade de terras na região, beneficiando alguns brasileiros. Ocorre que se tratava de áreas regularmente ocupadas, em relação às quais havia legítimos títulos de propriedade. Chegou à Consultoria-Geral da República consulta relativa à prestabilidade das outorgas de terra feitas por Plácido de Castro, especialmente se cotejadas com direitos de propriedade, de titularidade dos prejudicados. Cuidava-se de se fixar qual a validade dos títulos de

propriedade assinados por Plácido de Castro, referentes a terras no atual estado do Acre, e que já contavam com legítimos proprietários, como se demonstrou. O Consultor-Geral insistiu na tese de que a troca de soberania significava também o respeito a direitos adquiridos. Isto é, não se podia fazer um “botim” de guerra, trivializando-se títulos de propriedade, prestigiando-se forças militares que tomaram a região. Bem entendido, ainda que essas forças fossem brasileiras e que tivessem ampliado a extensão do território nacional. Direitos reais garantidos pela soberania boliviana persistiam perfeitos e acabados com a transferência de soberania para o Brasil, especialmente nos termos do pactuado no Tratado de Petrópolis. Não se admitiria o esbulho militar; o direito dos povos civilizados exigia que se respeitassem situações consolidadas, que antecediam a presença militar brasileira na região. O Consultor-Geral da República desconsiderou parecer do Consultor do Itamaraty, para quem teria havido, em favor do reconhecimento da legitimidade dos títulos emitidos por Plácido de Castro, uma occupacio belica, isto é, uma mera ocupação de guerra. Na prática internacional, essa última poderia, em princípio, sufragar a validade dos títulos emitidos por Plácido de Castro. Nos termos do parecer de Araripe Júnior, o Tratado de Petrópolis garantia aos titulares de terras na região do Acre o reconhecimento da validade dos títulos de propriedade negados indiretamente pelos documentos emitidos por Plácido de Castro. Trata-se de importante REVISTA

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parecer jurídico que bem esclarece a doutrina dos direitos adquiridos em âmbito de ocupação internacional. Segue o parecer. Gabinete do Consultor Geral da República. Rio de Janeiro, 4 de março de 1906. Exmo. Sr. Dr. J. J. Seabra, Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores. — Restituo os papéis que acompanharam a carta de V. Ex., de 20 do corrente, com as considerações que me ocorrem relativamente ao assunto neles exposto. Trata-se de saber qual a validade dos títulos de propriedade assinados e expedidos pelo governo revolucionário acreano do coronel Plácido de Castro e referentes ao território situado ao sul do paralelo de 10º 20'. O tratado firmado em Petrópolis aos 17 de novembro de 1903, aprovado pela lei n. 1.179, de 18 de fevereiro de 1904, e em execução desde o decreto n. 5.161, de 10 de março do mesmo ano, não fazendo senão consagrar o princípio universalmente aceito em direito internacional, dispôs em seu art. 2° que a “transferência de territórios resultante da delimitação descrita no artigo precedente compreenderia todos os direitos que lhes são inerentes e a responsabilidade derivada da obrigação de manter e respeitar os direitos reais adquiridos por nacionais e estrangeiros, segundo os princípios de direito civil”. Efetivamente, em casos semelhantes, o Estado não cede a outro território, renuncia apenas o imperium sobre os seus habitantes. “Ainda mesmo nos Estados patrimoniais, poderá o Estado ceder o seu direito de propriedade, se todo o território lhe pertencia a esse título, mas o objeto principal do ato jurídico era em princípio a renúncia da autoridade pública. O que existe simplesmente é a substituição de uma soberania por outra sobre os habitantes de uma região delimitada por acordo das partes.” (...) Já Portalis, dizia, na exposição de motivos relativa ao título da propriedade e ao soberano o Império, e que esta última expressão compreendia somente o poder de governo, ideia admitida não só naquele código, mas também no da Itália e no da Bélgica. Na Alemanha e na Áustria o proprietário tem um direito exclusivo, e o Estado deve desapropriá-lo nos casos de necessidade e interesse público, mediante indenização, usando de uma faculdade derivada do imperium, que todas as nações civilizadas têm adotado. No sentido do direito internacional, adquirir território não é adquirir direito de propriedade sobre a parte cedida, mas sujeita-la a soberania da nação adquirente. (...) 32

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Madeira-Mamoré: compensação brasileira definida por tratado

“A propriedade, observa Lafayette (Direito Internacional, I, § 88), do território adquirido continua a subsistir no patrimônio dos particulares, por entre os quais se acha dividida, e só vem para o domínio nacional às porções de terra que já faziam parte das coisas públicas.” É obvio, portanto, que, tendo a Bolívia cedido ao Brasil, por aquele tratado, o território ao sul do paralelo de 10° 20’, onde sempre exerceu incontestada soberania, não foram nem podiam ser modificados os direitos reais adquiridos preexistentes ao mesmo tratado. O Brasil, deste modo, terá de reconhecer as posses anteriores à execução do tratado, como título legítimo da aquisição, ainda por ocupação primária. Ora, tratando-se de fatos jurídicos que se completaram fora do império da lei brasileira, prevalece a opinião emitida no parecer junto pelo consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, isto é, que é inadmissível invocar contra a ocupação das terras devolutas a lei n. 601, de 18 de setembro de 1850 e o decreto n. 1.318, de 30 de janeiro de 1856, em apoio da “proibição de adquirir terras devolutas por outro título que não seja o de compra”. Os princípios expostos, porém, não legitimam os títulos expedidos pelo coronel Plácido de Castro, nem o anterior esbulho militar. Os seus atos dão mais a impressão de distribuição de terras em regiões abertas a conquista, ou em terras não sujeitas à soberania e jurisdição de terceiro, do que de um reconhecimento de posses não coetâneas da invasão e da violência. Entretanto, para justificar estes atos, o citado consultor invoca o princípio da occupatio bellica. “Em virtude do acordo de 21 de março de 1903, assinado em La Paz, diz ele, as tropas brasileiras ficaram ocupando o território em litígio (ao norte do paralelo de 10°-20') e foi autorizado o governador militar brasileiro a mandar destacamento ao sul do paralelo 10°-10', em território reconhecidamente boliviano, para o fim de evitar conflitos entre os acreanos e as tropas bolivianas,


Estrada de ferro avança floresta amazônica adentro

devendo continuar a exercer a sua autoridade ao sul do dito paralelo o governador aclamado pelos acreanos.” E acrescenta: “Foi assim reconhecida a occupatio bellica em virtude da qual o ocupante exerce de fato todos os direitos do adversário a quem sucede, quer quanto à soberania, quer quanto aos bens do seu patrimônio não podendo dispor da substância destes; sendo nulas as alienações, se por ocasião de se fazer a paz não forem ratificadas expressa ou virtualmente.” No meu fraco conceito, nem houve occupatio bellica, no sentido do Direito Internacional, nem do acordo de 21 de março se pode deduzir o reconhecimento da soberania de fato no chefe um bando, cuja ação dois governos apenas buscou paralisar. Na verdade, como era possível conciliar essa soberania de fato com a faculdade que o acordo concedia ao chefe matar brasileiro de mandar destacamentos ao sul do paralelo de 10º - 20’, para o fim de evitar conflitos entre acreanos e tropas bolivianas? O que é evidente é que no acordo não se cogitou senão de tomar providências de polícia militar naquela região, e de manter a ordem, enquanto se resolvia entre as duas nações a gestão de limites, sendo certo que a continuação do exercício da autoridade do coronel Plácido de Castro ficou de fato subordinada à intervenção do chefe militar brasileiro incumbido de fazer cessar a luta entre os acreanos e as tropas bolivianas. Vê-se, assim, que o acordo, longe de reconhecer a soberania de fato do grupo invasor, sub-rogou a autoridade a que alude na do interventor brasileiro. É preciso um grande esforço de logica para atribuir a uma porção de indivíduos insurretos qualidades que o Direito Internacional só reconhece a forças armadas regulares ou a beligerantes. Que as forças armadas pelo coronel Plácido de Castro não podiam como tais ser consideradas, afirmam os internacionalistas.

(...) Se por um lado ao séquito daquele coronel faleciam os caracteres de uma força armada regular, por outro se verifica que, ainda quando essa qualidade estivesse assegurada, a ocupação militar não chegara a realizar-se. “A ocupação militar ensina Lafayette, reputa-se constituída, desde que o beligerante se apossa efetiva e realmente de uma parte, de um distrito, de uma região, província ou totalidade do território do inimigo, e aí estabelece de uma maneira absoluta e exclusiva o poder de suas armas (Direito Internacional, II, § 348)”. (...) As forças do coronel Plácido de Castro não conseguiram dominar a região invadida. É escusado, pois, atribuir-lhes o exercido de uma soberania de fato. A sua situação foi ali muito diversa. Colocado aquele chefe entre o Brasil e a Bolívia em virtude da ação conjunta dos dois países litigantes, foi obrigado a desistir das hostilidades. Nem se diga que esse fato importava num armistício. As condições da luta não permitiam senão a submissão ao acordo celebrado entre os dois países, isto é, ao interventor brasileiro, acordo a cujas estipulações ficou completamente estranho o referido coronel. Acresce ainda uma consideração de valor. O consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores diz que o Brasil, pelo tratado de Petrópolis, sucedeu a Bolívia, quanto ao estado de direito, e ao governo acreano quanto ao estado de fato, ficando desta maneira ratificados e confirmados os atos concernentes às terras devolutas ao sul do paralelo 10°- 20'. Para ter como certa a segunda afirmação seria necessário inverter a ordem natural dos fatos. Quando foi que se fez a paz com Plácido de Castro? Qual o ato em que este interveio oficialmente, de modo a tornar imperativa a ratificação dos atos que praticou? É bem de ver que há um lamentável equivoco em admitir, entre o Brasil e a Bolívia, um terceiro soberano de fato, que nem foi ouvido, nem tratou com o inimigo, e que por fim, se diluiu diante da ação policial conjunta dos dois países. Nestas condições, penso que na execução do art. 20 do tratado de Petrópolis não se compreendem o reconhecimento da validade dos títulos de propriedade ou de concessões; de terras assinados e espedidos pelo coronel Plácido de Castro. — T. A. Araripe Júnior. * Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontif ícia Universidade Católica de São Paulo. Consultor-Geral da União. REVISTA

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PUBLICAÇões

Uma reflexão sobre o direito do autor e direitos conexos A associada da revista Anajur, Eliane Y.

De acordo com o advogado Manuel Alceu Affonso

Abrão, lançou a segunda edição, revis-

Ferreira, que assina o prefácio do livro, a autora mergulhou

ta e ampliada, do seu livro Direito do

a fundo na problemática que permeia o Direito Autoral.

Autor e Direitos Conexos, pela Editora

“Na empreitada a Dra. Eliane externou conceitos, argutos

Mgalhas. A obra resulta de uma atuali-

e da melhor qualidade; desceu às profundezas de con-

zação do trabalho publicado em 2002 e

cretos problemas contemporâneos, resgatou, sob aguda

contou com a ajuda de 20 renomados

e percuciente óptica, permanentes celeumas; enfrentou,

especialistas na área autoral.

sem nenhuma covardia ou susto, os percalços da ‘Internet’;

Para além de uma obra acadêmi-

discutiu medidas tuteladoras, judiciais e extrajudiciais; não

ca, Eliane trabalha o Direito do Autor

hesitou em adentrar a concorrência desleal, o abuso do

sempre correlacionando o tema com a realidade prática e

poder econômico e a pirataria punível; nem sequer lançou

utilizando um pensamento moderno, em consonância com

às urtigas, como desimportantes, as correlatas relações

as novas demandas sociais. “Por muito tempo assistimos,

trabalhistas e tributárias”.

perigosamente, a discursos, enfadonhos e lineares, sobre

O livro traz uma visão ampla sobre o tema. Com uma

o ‘direito autoral’ como algo extremamente individualista,

abordagem didática, busca esclarecer novos conceitos que

autoritário e narcisista, e não um direito complexo, sutil,

surgem com a revolução digital e a nova ordem comercial.

voltado ao incremento das artes e da ciência. Nos países

“A tentativa de monopolizar a arte, a ciência, ou o entrete-

de maior tradição desse direito, havia, e há, espaço para

nimento é um abuso, e este livro também fala dos abusos

todos os criadores, com a consciência generalizada de

praticados em nome do direito autoral. Na verdade, deve-

que a sociedade é a grande beneficiária desse processo”,

se respeito à liberdade de criação do outro tanto quanto

explica Eliane.

se exige o respeito à sua”, completa Eliane.

exposiÇão

O Tribunal de Contas da União foi criado no Brasil no ano de 1890, pouco antes da Proclamação da República. No entanto, nem sempre o órgão responsável pelo controle da legalidade das contas do País teve esse nome. O controle dos gastos públicos nos remete aos registros contábeis da Corte Portuguesa, que começaram a ser documentados no século XIV com a Criação da Casa dos Contos. Uma exposição realizada no Museu do Tribunal de Contas da União apresenta a alteração das estruturas de controle dos gastos públicos que se iniciam antes mesmo da consolidação do Brasil como um país independente. A mostra narra a trajetória das instituições que propiciaram o desenvolvimento da gestão dos recursos públicos até a criação do TCU por Rui Barbosa. A exposição fica aberta das 9 às 18 horas, no hall de entrada do Edifício Sede do Tribunal de Contas da União, em Brasília. O visitante tem até o dia 12 de dezembro para conferir! 34

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fotos: museu do TCU

A história contada pelo controle das nossas contas




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