Revista Anajur - Dez/2014

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ano V • out/nov/dez 2014

Novo Código de Processo Civil

Aprovado no Congresso, aguarda a sanção da Presidência da República PEC da Probidade: apoio de deputados do governo e da oposição Avanço: Comissão Especial aprova PEC 443


CARTA AO LEITOR


leia nesta edição Ano V • out/nov/dez 2014

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carta ao leitor

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anajur em ação

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coluna carlos mota

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conquista

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artigo

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deputados eleitos

foto capa – bernardo rebello

Conquista de direitos inerentes ao exercício da Advocacia Pública Atuação política e institucional pelas reivindicações dos advogados públicos 2015 – Ano em que seremos iguais PEC 443 : Subsídios justos para os advogados públicos O sevidor público e o segundo governo Dilma Maria Helena Veronese Rodrigues – Uma advogada pública no parlamento nacional Raimundo Ribeiro – Atividade política deve preservar o interesse público

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patrimônio cultural

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saúde

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anajur pelo brasil

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artigo

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coletânea

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publicações

Acessibilidade e proteção dos monumentos de Brasília Atenção às mensagens do corpo, no dia a dia do trabalho e nas relações pessoais Câmara Local de Conciliação – CJU/PE Direitos autorais e seus limites O caso da exploração do telégrafo por empresa norte-americana, em 1906


ana jur Associação Nacional dos Membros das Carreiras da Advocacia Geral da União

Pioneira na defesa da Advocacia Pública Federal Visão

“Consolidar-se como referência na defesa das prerrogativas e interesses de seus associados, firmando-se como pilar da categoria na promoção do conhecimento, valorização e integração da advocacia pública federal junto ao estado e à sociedade brasileira”.

Missão

Diretoria Executiva Presidência Joana d’Arc Alves Barbosa Vaz de Mello Secretaria Geral Titular: Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta Adjunto: Thaís Helena Ferrinho Pássaro Diretoria Financeira Titular: Geneide Palmeira Machado Adjunto: cargo vago Diretoria Jurídica Titular: Márcia Regina Vicente Barbosa Adjunto: Ruth Jehá Miller Diretoria de Administração e Convênios Titular: Lúcia Helena Pigossi Neves Adjunto: Laura Maria Costa Silva Souza Diretoria de Recreação e Esporte Titular: Sérgio Ernesto Kopp
 Adjunto: Cláudia Maria Vilela Von Sperling Diretoria de Relações Associativas Titular: Luiz Fabrício Thaumaturgo Vergueiro Adjunto: Ulisses Fernandes Silva Diretoria de Eventos Titular: Luciana Villela de Souza Adjunto: Vânia Rons Lamor Pinheiro Diretoria de Comunicação Social Titular: Maura Campos Domiciana Adjunto: Merly Garcia Lopes da Rocha

“Representar e assegurar, com a expertise de seu pioneirismo e excelência de atuação, os interesses dos seus associados e da Advocacia Pública Federal perante os poderes constituídos e em benefício da sociedade brasileira”.

Diretoria de Assuntos Legislativos Titular: Maria Madalena Carneiro Lopes Adjunto: Luciano Brochado Adjuto

Valores

Diretoria de Relações com o Congresso Nacional Titular: Maria Lucila Ribeiro Prudente de Carvalho Adjunto: Maristela de Souza Ferraz Calandra

Ética, respeito, credibilidade, profissionalismo, integridade, transparência, união e democracia. Setor de Autarquias Sul – Quadra 03 – Lote 02 Bloco C Sala 705 – Edifício Business Point – Cep 70070-934 PABX: (61) 3322-9054 – Fax: (61) 3322-6527

Diretoria Cultural Titular: Leslei Lester dos Anjos Magalhães Adjunto: Luiz Edmar Lima Diretoria de Assuntos de Aposentados e Pensionistas Titular: Braz Sampaio
 Adjunto: Tânia Maria Carneiro Santos

Conselho Consultivo Efetivos

revista anajur

Jurema Santos Rozsanyi Nunes Nílson Pinto Correa Maria da Glória Tuxi F. dos Santos Nicóla Barbosa de Azevedo da Motta Maria Anália José Pereira Manoel Teixeira de Carvalho Neto José Silvino da Silva Filho Annamaria Mundim Guimarães Borges Messin Merly Garcia Lopes da Rocha Jacyra Medeiros

Assessoria de Comunicação: Decifra Gestão e Conteúdo

Suplentes

www.anajur.org.br

Regina Maria Fleury Curado Felinto César Sampaio Neto Maria Olgaciné de Moraes Macedo Conselho Fiscal

Jornalistas responsáveis: Flávia Soledade e Cidinha Matos Edição: Glória Maria Varela Reportagens: Flávia Metzker e Matheus Feitoza Revisão: Corina Barra Soares Projeto e edição gráfica: GDG – Cláudia Barcellos Impressão: Gráfica Ipanema Tiragem: 2 mil exemplares

Efetivos Álvaro Alberto de Araújo Sampaio Maria Socorro Braga Gilberto Silva Suplentes Norma Maria Arrais Bandeira Tavares Leite Lídio Carlos da Silva Conceição das Graças Amoras Mira


CARTA AO LEITOR

Conquista de direitos inerentes ao exercício da Advocacia Pública N

preservação do tombamento dos monumentos públicos e a garantia de acessibilidade a eles, tão importante para os portadores de necessidades especiais. E o analista político Antônio Queiroz faz uma previsão racional e precisa sobre a situação dos direitos dos servidores públicos no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, apontando o que deve ser afetado. Em mais um capítulo da coletânea História do Brasil Contada pela Advocacia Pública Consultiva, esta edição relata o caso de uma empresa norte-americana interessada em explorar o telégrafo sem fio no Brasil, em 1906. No espaço destinado à saúde, a psicóloga Madalena Santiago explica por que o estresse é parte integrante da natureza humana, inclusive nas relações de trabalho. E esclarece que, se não for bem administrado, pode se tornar extremamente prejudicial ao indivíduo e ao mundo corporativo. Carlos Mota, ex-deputado federal e autor da PEC 555/2006, ao mesmo tempo que comemora as conquistas alcançadas em 2014, fala do anseio que vai permear a luta da Anajur em 2015, para garantir a igualdade claramente prevista na Carta Magna de 1988. A revista Anajur traz, ainda, um artigo sobre os direitos autorais e seus limites. A advogada pública Eliane Abrão analisa essa questão, que está na pauta do Congresso Nacional e ainda gera muita polêmica entre autores, músicos, intelectuais, produtores e biógrafos. Finalmente, destacamos a participação do consultor jurídico da União Luciano Cavalcanti Batista, que inaugura um espaço nesta publicação, apresentando os resultados da Câmara Local de Conciliação de Pernambuco, em 2014. Boa leitura!

foto: bernardo rebello

esta edição, o leitor confirmará como o ano de 2014 foi decisivo para as mudanças que teremos pela frente. Então, que seja bem-vindo o ano de 2015! Entrevistas com dois colegas de carreira, atualmente investidos em mandatos políticos, enriquecem o con­ teúdo desta edição. Maria Helena Veronese – que já foi deputada federal entre 2003 e 2010 – apresenta as principais propostas para o novo mandato, ressaltando sua experiência como advogada pública, fator esse que hoje a auxilia na elaboração e no acompanhamento de projetos de interesse da sociedade. Ela também destaca a atuação proativa da Anajur no Congresso Nacional, em prol de questões de interesse das carreiras da Advocacia-Geral da União. E o deputado distrital Raimundo Ribeiro, que também assume mandato em 2015, conta sua trajetória profissional, da qual fez parte sua gestão como secretário de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do Governo do Distrito Federal, e discorre com maestria sobre as origens da Anajur. Numa retrospectiva das principais questões enfrentadas pelos advogados públicos, lembramos que, embora o ano que findou tenha sido afetado pela realização da Copa do Mundo e das eleições, nada foi capaz de inibir ou paralisar nossa luta. A Anajur concentrou toda a força de vontade e garra nas questões de interesse da carreira, e continuará nessa linha de ação até que sejam garantidos todos os direitos inerentes ao exercício da Advocacia Pública. Um assunto que merece destaque é a PEC 443/2009, que busca compatibilizar, merecidamente, o subsídio dos membros da AGU com a responsabilidade assumida na atuação em favor do Estado e da sociedade brasileira. A proposta de emenda constitucional foi aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados. Além disso, já no final de 2014, o Senado Federal aprovou o texto do novo Código de Processo Civil, do qual faz parte a previsão dos honorários sucumbenciais para a Advocacia Pública. Por fim, o Movimento Nacional pela Advocacia Pública trabalhou intensamente pela aprovação da PEC 82, a chamada PEC da Probidade. Reuniões das entidades associativas com representantes do Legislativo e do Executivo foram vitais para o sucesso dos pleitos. Em artigo sobre os monumentos de Brasília, o professor Paulo José Leite Farias aborda o papel do direito urbanístico como elemento de harmonização entre a

Joana d’Arc Alves Barbosa Vaz de Mello Presidente da Anajur

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anajur em ação

Atuação política e institucional pelas reivindicações dos advogados públicos O último trimestre de 2014 mobilizou a Advocacia Pública por uma importante causa. Um grande evento na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, mostrou que os advogados públicos estavam empenhados em lutar a favor dos pleitos da classe. Organizados em frente ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), representantes da classe instituíram, em 1º de outubro de 2014, o Dia Nacional de Paralisação da Advocacia Pública.

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urante o ato, do qual participaram mais de 200 pessoas, procedentes de diversos estados da Federação, a presidente da Anajur, Joana Mello, lembrou a necessidade premente de autonomia da AGU, nos seguintes termos: “A nossa Advocacia-Geral da União precisa urgentemente de autonomia. Pedimos apenas que os governantes deste País respeitem a Constituição e tratem a Advocacia Pública de forma simétrica às demais funções essenciais à Justiça”. A manifestação foi palco para denunciar as dificuldades enfrentadas pelos advogados públicos, que sofrem com a falta de uma carreira de apoio, com o desrespeito às prerrogativas funcionais e com a defasagem remuneratória. Graças à atuação da AGU, e a despeito de todas as dificuldades estruturais por ela enfrentadas, mais de 150 bilhões de reais foram revertidos aos cofres públicos no ano de 2013. Em contrapartida, apenas 2 bilhões e meio de reais foram previstos em orçamento para a instituição. Desse modo, para cada real investido na AGU, voltam aos cofres públicos 60 reais. Isso prova a eficiência da atuação da AGU em defesa do interesse público. O ato público foi o pontapé inicial aplicado pela Anajur e pelo Movimento Nacional pela Advocacia Pública para garantir a aprovação, no Congresso Nacional, de algumas demandas: a PEC 82, os honorários sucumbenciais para a Advocacia Pública e a PEC 443.

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Novo CPC garante honorários sucumbenciais para a Advocacia Pública Uma antiga reivindicação da parte dos advogados públicos é o direito de percepção dos honorários sucumbenciais. Tal direito foi garantido no texto-base do novo Código de Processo Civil, aprovado em 16 de dezembro de 2014, no plenário do Senado Federal. A aprovação se deu por meio de um substitutivo da Câmara dos Deputados ao projeto original do Senado (PLS 166/2010). Desde abril de 2014, o projeto vinha sendo examinado por uma comissão especial, presidida pelo senador José Pimentel (PT/CE) e apoiada por juristas, sob o comando do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. Durante a votação no plenário, o magistrado utilizou a tribuna do Senado para defender o projeto: “O Brasil consagrava uma litigiosidade desenfreada, impedindo que os tribunais pudessem se desincumbir da sua prestação de justiça num prazo razoável”. Para o ministro, o novo código, que conta com mais de mil artigos, trará maior celeridade à Justiça brasileira. O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, comemorando a aprovação do texto, declarou: “O novo CPC reúne um conjunto de conquistas que foram objeto de luta durante anos. É sem dúvida um dos momentos mais importantes já vividos pela advocacia brasileira”. A OAB foi uma parceira importante na garantia da permanência da previsão dos honorários sucumbenciais no texto final. O presidente da Ordem foi um dos 12 juristas responsáveis pela elaboração do anteprojeto do novo código. O senador Vital do Rego (PMDB/PB) foi o relator do texto no Senado. Em agosto de 2014, ele já havia se posicionado pela manutenção dos honorários sucum-


Advogados públicos de diversos estados da Federação participam do evento em frente ao Ministério do Planejamento

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Alterações do novo CPC* Além da previsão dos honorários sucumbenciais para a Advocacia Pública, o texto do novo Código de Processo Civil (CPC) aprovado em plenário traz uma série de mudanças para garantir mais agilidade e transparência à Justiça brasileira. Neste quadro, apresentamos algumas das principais mudanças trazidas pelo novo código: • Ações judiciais com o mesmo objetivo poderão ser julgadas de uma única vez, por um tribunal, que mandará aplicar a decisão a todos os casos. São os casos de ações repetitivas, que costumam ocorrer contra bancos, concessionárias de serviços públicos (luz e telefonia), Previdência e FGTS. • Limites aos recursos: o novo CPC prevê a extinção de alguns recursos, a fim de evitar as estratégias protelatórias que se utilizam desse instrumento. Além disso, encarece a fase recursal (haverá pagamento de honorário também nessa etapa, além de multas, quando a parte recorrer apenas para atrasar a decisão). • As ações serão julgadas em ordem cronológica de conclusão, ressalvados os atos urgentes e as preferências legais, ficando a lista de processos disponível para consulta pública. • Para isso, os tribunais serão obrigados a criar centros judiciários de conciliação e mediação, com profissionais

foto: moreira mariz / agência senado

benciais, conforme rege o § 19 do art. 85 do projeto de lei. Durante a votação, Vital do Rego destacou a função primordial do processo na consolidação dos direitos. Em suas palavras, “é por meio do processo que o direito da personalidade, o direito de propriedade, a dignidade da pessoa e outros tantos direitos fundamentais deixam o plano das ideias para ingressar no mundo real. O processo é a ponte que os injustiçados atravessam para encontrar a concretização da Justiça”. Durante a votação, o senador José Sarney (PMDB-AP) foi homenageado, por ter tomado a decisão de constituir a comissão de juristas que elaborariam o anteprojeto. À época, em 2009, Sarney era o presidente da Casa Legislativa. Além da importância jurídica, o novo CPC tem ainda um peso simbólico: uma vez sancionado, será o primeiro a ser adotado durante um período democrático. O texto estabelece os honorários com obrigação alimentar, com privilégios iguais aos créditos trabalhistas no processo e na execução da cobrança judicial, o que representa uma vitória para todos os advogados. A conclusão da votação do novo CPC ocorreu no dia 17 de dezembro de 2014, com a discussão dos destaques. Após a sanção do novo código pela Presidência da República, os honorários sucumbenciais para a Advocacia Pública serão estabelecidos em lei específica. A Anajur já se prepara para mais essa luta em favor dos advogados públicos.

O ministro do STF, Luiz Fux (segundo à esquerda), aplaude a aprovação do novo CPC no Senado, em dezembro de 2014 8

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especializados. Assim, as partes serão chamadas pela Justiça para audiências prévias, a fim de firmarem um acordo. • A prisão fechada para o devedor de pensão alimentícia será mantida, mas agora com a garantia de que o infrator ficará em cela própria, separada das dos presos comuns. • Fica mantida a regra atual que permite o bloqueio e a penhora antecipada (antes da sentença) de dinheiro, aplicações de recursos e outros bens do devedor, para assegurar o pagamento de crédito de terceiros. No entanto, com o novo código, para garantir a execução da sentença, o juiz poderá determinar a inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes. • O novo código definirá procedimentos para a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades. Atualmente, os juízes se valem de orientações jurisprudenciais consideradas incompletas. • Para que os advogados tenham férias e, durante esse período, não percam prazos, os processos ficarão suspensos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro do ano subsequente. Nesse período, também não haverá audiências nem julgamentos, sendo, porém, mantidas as demais atividades exercidas por juízes, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública, além dos serviços dos auxiliares da Justiça. (*) Com informações da Agência Senado.

PEC 82: Autonomia para a Advocacia Pública Logo após o anúncio da vitória da presidente Dilma Rousseff nas eleições majoritárias de 2014, o Movimento Nacional pela Advocacia Pública divulgou uma Carta Aberta à governante, na qual solicitava apoio à aprovação da PEC 82/2007, que garantirá a autonomia da Advocacia-Geral da União. O documento representou um gesto de posicionamento da classe, indicando que o tema é do total interesse dos advogados públicos. A Carta não foi a única iniciativa dos advogados públicos em favor da PEC 82. Diversos atos foram organizados no Parlamento Nacional, a fim de fortalecer o discurso de deputados sobre o interesse da classe na aprovação da proposta. Em um dos atos públicos, realizado no hall da Taquigrafia da Câmara, no dia 5 de novembro, deputados, governistas e oposicionistas, discursaram em favor da aprovação da PEC. “Aprovamos o texto do novo CPC na Câmara com muita luta, contrariando, inclusive, a orientação do governo. Mas precisamos da Advocacia Pública forte. Por isso, precisamos lutar para a aprovação da PEC 82”, declarou o deputado federal Efraim Filho (DEM/PB). O deputado Amauri Teixeira (PT/BA), mani­ festando-se a favor do movimento, lembrou a

Deputado Efraim Filho (DEM/PB): Precisamos de uma Advocacia Pública forte REVISTA

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necessidade de estabelecer limites claros entre Estado e governo. Segundo ele, “o nosso Brasil, que ainda tem característica patrimonialista, não pode mais ter um órgão de Estado submetido à vontade de governo. Milito aqui para que todos os órgãos de Estado não tenham que se submeter a governo nenhum”. Também participaram do encontro o senador Inácio Arruda (PCdoB/CE) e os deputados federais Alessandro Molon (PT/RJ), Paulo Teixeira (PT/SP), Paulo Rubem Santiago (PDT/PE), Jô Moraes (PCdoB/MG) e Lelo Coimbra (PMDB/ES). Coimbra, que é o relator da PEC 82, reforçou a necessidade de aprovação da proposta: “O relatório da PEC 82 é, para mim, o exercício do prazer de exercer a política em sua plenitude. Por isso, temos que trabalhar para sua votação em primeiro turno, se possível, antes do final desta legislatura”.

Encontro com o presidente da Câmara dos Deputados

Líderes políticos Na busca pela aprovação da PEC 82 antes do fim da última sessão legislativa, a Anajur e o Movimento Nacional pela Advocacia Pública participaram de uma série de reuniões com lideranças políticas. O objetivo é viabilizar a votação do texto no Congresso Nacional. O então presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), recebeu os advogados públicos em duas ocasiões, nos dias 12 e 18 de novembro. No primeiro encontro, Henrique Alves afirmou que tinha interesse em colocar a matéria em plenário para a votação dos deputados. Diante disso, líderes partidários assinaram e protocolaram um requerimento de inclusão da PEC 82 na Ordem do Dia da Casa, mas o trancamento da pauta impediu a votação da proposta. Na segunda oportunidade, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana (PT/RS), sugeriu que o assunto fosse discutido com o Ministério do Planejamento. Também estavam presentes o presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Advocacia Pública, Fábio Trad (PMDB/MS), e o vice-presidente Nacional da OAB, Claudio Lamachia. O ministro da Secretaria das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, recebeu os advogados públicos em audiência, no dia 24 de novembro de 2014. Durante a reunião, o Movimento Nacional pela Advocacia Pública apresentou ao ministro a Proposta de Emenda à Constituição e trabalhou para esclarecer os principais pontos polêmicos da PEC 82/2007. Ricardo Berzoini

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Reunião com o ministro das Relações Institucionais

comprometeu-se a levar ao conhecimento das demais esferas do governo o que tinha sido discutido ao longo da audiência.

Manifesto da OAB A autonomia da Advocacia Pública foi um dos pontos destacados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no “Manifesto à Sociedade Brasileira”, aprovado em plenário, no dia 2 de dezembro. O texto defende um combate mais efetivo à corrupção no nosso país. Entre as medidas propostas pela Ordem, está a “Valorização da Advocacia Pública como instituição de Estado, e não de governo, notadamente nas áreas de assessoria e consultoria jurídicas, constituindo um importantíssimo e efetivo instrumento de controle preventivo de desvios e ilícitos das mais variadas naturezas no âmbito da Administração Pública, conferindo-lhe autonomia administrativa e financeira para o regular exercício de suas funções”.


Anajur participa da Conferência Nacional da OAB e do Congresso da Advocacia Pública da OAB/SP A Anajur participou da XXII Conferência Nacional dos Advogados, promovida pelo Conselho Federal da OAB no Rio de Janeiro, em outubro de 2014. Mais de 15 mil participantes compareceram ao evento, que contou com 250 palestras, 40 painéis, lançamento de livros e outras atividades ligadas ao mundo jurídico. As entidades que representam as carreiras da Advocacia Pública Federal expuseram a atuação política do Movimento Nacional pela Advocacia Pública em um estande no setor de exposições do evento. Assim, os participantes puderam conhecer melhor a atuação dos advogados públicos e familiarizarem-se com os temas que são caros à classe. Além disso, durante a conferência, foi realizado o Encontro Nacional da Advocacia Pública. Entre os temas discutidos, alinhavam-se, entre outros: Direito à Percepção dos Honorários Advocatícios, Exclusividade das Atribuições dos Advogados Públicos, Independência Técnica do Advogado Público e Limites da Responsabilização do Advogado Público. A presidente da Anajur, Joana Mello, participou da mesa temática “Autonomia dos Advogados Públicos e das Instituições”, que discutiu a Proposta de Emenda Constitucional nº 82, conhecida como PEC da Probidade. Joana Mello

reiterou o compromisso de luta pela aprovação dessa proposta. “Os gestores deste País precisam entender que a Advocacia Pública não traz prejuízo, e sim resultados positivos. A nossa caminhada vai ser longa, mas, com empenho, conquistaremos a valorização da Advocacia Pública”. O presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, foi um dos participantes do encontro. Ele reforçou o compromisso da Ordem com a Advocacia Pública. “A OAB é a Ordem dos Advogados Públicos e Privados, e, portanto, devemos tratar dessa matéria com absoluto cuidado. Não são causas excludentes. Lutar pelos honorários da Advocacia Privada fortalece a luta por honorários da Advocacia Pública”. Outro importante encontro dos advogados públicos aconteceu em São Paulo. O diretor de Relações Associativas da Anajur, Luiz Fabrício Vergueiro, participou do III Congresso Estadual da Advocacia Pública, promovido pela OAB/SP. A autonomia e as prerrogativas da classe, os honorários advocatícios para o advogado público e a Advocacia Pública como função essencial à Justiça foram alguns dos temas abordados na reunião. Durante o encontro, o deputado federal Paulo Teixeira, relator do novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados, falou sobre o CPC e a Advocacia Pública, elencando pontos importantes do novo diploma para a classe. Luiz Fabrício Vergueiro participou da mesa “PLP 205/2012 – A Nova Lei Orgânica da AGU – aspectos positivos e negativos”.

Presidente da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, na XXII Conferência Nacional dos Advogados REVISTA

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2015 – Ano em que seremos iguais Carlos Domingo Mota Coelho *

Ano findo, tempo de ver pelo retrovisor o que aconteceu e o que foi feito, mas tempo também de olhar atentamente a paisagem à frente, sobretudo estar atento às armadilhas e ciladas no percurso. Tempo também de agradecer, renovar esperanças, esconjurar o pessimismo, reforçar laços e preparar-se para a luta, pois os desafios se prenunciam enormes e ávidos por engolir as nossas conquistas. O ano em que seremos iguais, eis o mote que deve nortear entidades que se colocam em defesa de uma classe, sobretudo em se tratando de uma classe de servidores públicos, essa incompreendida parcela da sociedade brasileira, sem a qual a ideia de Estado, muito menos a ideia de Estado Democrático de Direito, é capaz de subsistir. E é justamente isso o que pensa a Anajur, pois, como se não bastasse o fogo pesado vindo das linhas inimigas, ao longo de sua vitoriosa trajetória enfrentou– e lamentavelmente terá de continuar enfrentando – canhões e morteiros disparados dentro das próprias hostes, justo por aqueles que, ao invés de centrarem seus esforços na ingente tarefa de buscar a excelência dos serviços públi-

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foto: Arquivo pessoal

coluna carlos mota

cos, cerram fileiras em uma guerra funcional intestina e fratricida! A história da Anajur é a pré-história da AGU, órgão que jamais sairia do papel não fosse o esforço de nossos fundadores. Aliás, sem o nosso concurso, essa exuberante função essencial à Justiça sequer teria figurado na Constituição de 1988, pois até os pequizeiros no entorno da Praça dos Três Poderes e da Esplanada dos Ministérios sabem quão ferrenha foi a reação para que não ocupássemos patamar idêntico ao das demais. Formalmente, desde outubro de 1988, somos iguais: juízes, promotores públicos, advogados públicos e defensores públicos, somos absolutamente iguais, pois, sem um, os demais nada representam, vale dizer, não são nada! E, neste novo ano, o mote da Anajur será justamente fazer valer essa igualdade garantida pela Carta Constitucional! 2015 – Ano em que finalmente seremos iguais! (*) Procurador Federal e autor de diversas obras literárias. Foi deputado federal pelo PSB/MG (20032007).


conquista

Representantes de entidades da Advocacia Pública, defensores públicos e delegados da Polícia Federal discutem a PEC 443

Pec 443: Subsídios justos para os advogados públicos

Em 10 de dezembro de 2014, finalmente os advogados públicos federais de todo o País celebraram uma conquista, há muito esperada: naquele dia, o relatório da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 443/2009 foi aprovado pela Comissão Especial criada para discutir o tema. A PEC vincula o subsídio das carreiras da AdvocaciaGeral da União (AGU) ao subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a proposta, o subsídio do nível mais alto dos membros da AGU equivalerá a 90,25% do subsídio mensal dos ministros do Supremo.

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e autoria do deputado Bonifácio de Andrada, o projeto tramita na Câmara dos Deputados desde dezembro de 2009. Na ocasião, o projeto foi encaminhado para a Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ), tendo como relator o deputado Mauro Benevides (PMDB/CE). Depois de aprovada por unanimidade pela CCJ, em abril de 2010, foi instituída uma Comissão Especial para discutir a proposta. Mais uma vez, Mauro Benevides foi o responsável por relatar o

texto. Depois de intensas discussões e aceitas algumas alterações sugeridas pelas entidades beneficiadas e pelos próprios deputados, o relatório da PEC foi aprovado pela Comissão Especial. O texto original da PEC 443 previa uma alteração no § 3º do art. 131 da Constituição de 1988, que fixava novos parâmetros de remuneração apenas para os advogados públicos. Na justificativa da proposta, o autor, Bonifácio de Andrada (PSDB/MG), informou que, a despeito das indicações de inclusão da Advocacia Pública nas funções essenciais à Justiça, muito pouco se tinha feito para reconhecer esse status aos advogados públicos. Pontuou o autor: “A vinculação de suas funções a esses princípios gera, consequentemente, caracterização da necessidade de que seus membros recebam, de maneira explícita, na Constituição, o tratamento adequado, de forma que não haja hierarquia entre os interesses cometidos a cada uma das funções essenciais à Justiça, conferindo-lhes a adequada importância constitucional”. Bonifácio de Andrada deixou claro, ainda, a defasagem entre a remuneração dos advogados públicos e a das demais carreiras de Estado: “Enquanto o Poder Judiciário e o Ministério Público dos Estados alcançaram a maturidade por meio de leis nacionais que concederam REVISTA

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remuneração semelhante em todos os estados da Federação, o mesmo não foi feito para as procuradorias dos estados e do Distrito Federal, e o que se vê é uma grande disparidade no tratamento remuneratório dos procuradores, o que não é conveniente para a Federação Brasileira. A eficiência da Advocacia da União e dos Estados é de responsabilidade desta Casa e não pode haver prejuízo ao interesse público”. Estimulados pelo andamento da PEC, que enfrentou uma série de discussões nas comissões por onde tramitou, membros de outras carreiras solicitaram a inclusão de sua categoria profissional na proposta. E seu requerimento foi tão bem recepcionado que, ao final, defensores públicos e delegados das polícias federal e estaduais também foram contemplados com as previsões da PEC 443. Os defensores foram incluídos por meio do apensamento de uma outra PEC, a 465/2010. Outras carreiras também quiseram ingressar nas previsões da PEC 443, como os auditores fiscais e os agentes da polícia federal, mas os deputados entenderam como mais salutar mantê-los em outras propostas, também aprovadas no dia 10 de dezembro. No relatório apresentado à Comissão Especial, Mauro Benevides comparou o tratamento remuneratório dispensado aos advogados públicos com aquele das demais carreiras judiciárias: “Sucede, entretanto, que inexiste, no texto da Carta, a atribuição de um tratamento remuneratório coerente e uniforme, como no caso do Poder Judiciário (arts. 37, XI, e 93, V, ambos da Constituição Federal), entre as carreiras integrantes do grupo de funções essenciais à Justiça. Com efeito, ressalvada a situação do Ministério Público, as carreiras da Advocacia Pública e da Defensoria Pública ainda se ressentem da ausência de um modelo remuneratório compatível com suas relevantes funções constitucionais, capaz de suprimir distorções salariais a um só tempo persistentes e injustificáveis”. O deputado lembrou, ainda, que o fortalecimento da Advocacia Pública representa um grande avanço para o Estado brasileiro: “O aprimoramento das instituições públicas não se esgota no interior do Estado, apresentando, ao contrário, visíveis benef ícios para a população e para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Nesse contexto, a valorização da Advocacia Pública e da Defensoria Pública representa relevante objetivo a ser atingido”. No final, em vez de propor uma emenda ao art. 131 da Constituição Federal, os deputados decidiram fazer uma alteração dos valores do subsídio com a inclusão do § 8º e incisos no art. 39. Para o presidente da Comissão 14

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O presidente da Comissão Especial, dep. José Mentor, e o relator da PEC 443, dep. Mauro Benevides

Especial, deputado José Mentor (PT/SP), a vitória foi fruto de muito trabalho dos parlamentares e das entidades associativas. “Esta aprovação é o coroamento da luta das categorias que vêm há muito tempo batalhando por uma melhor remuneração e acho que ficou comprovada a capacidade do Legislativo de harmonizar, articular e resolver pendências, respeitando as divergências e as diferenças entre uma categoria e outra”, afirmou o presidente da Comissão. Decididamente, Mentor desempenhou uma importante função no processo de aprovação da PEC 443. Ele foi um dos principais responsáveis pela articulação entre os parlamentares e as entidades de classe envolvidas, a fim de construírem um texto coerente e que pudesse atender a todos os interessados. Em diversas ocasiões, o deputado convocou reuniões para discutir com as entidades a melhor forma de dar prosseguimento à proposta no Legislativo. Por fim, o presidente da Comissão destacou a importância da aprovação da PEC para todas as carreiras. “Cada um desses setores tem um instrumento de luta para valorizar as categorias e fortalecê-las com a sua remuneração. Agora elas vão ficar mais armadas para desenvolver a luta, que não vai ser pouca”, concluiu Mentor. A Proposta de Emenda Constitucional segue agora para aprovação, em dois turnos, nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.


foto: Arquivo pessoal

artigo

O servidor público e o segundo governo Dilma Antônio Augusto de Queiroz*

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servidor público e suas entidades representativas vão precisar intensificar a pressão sobre o governo da presidente Dilma para evitar que seus direitos e vantagens sejam congelados ou escolhidos como variável do ajuste que virá nos dois primeiros anos da nova gestão. Todos sabemos que a presidente, em razão das políticas anticíclicas adotadas para amenizar os efeitos negativos da crise internacional sobre o País, terá de promover ajustes nas contas públicas, de um lado atualizando as tarifas públicas represadas nesse período e, de outro, cortando gastos correntes, tanto para equilibrar as contas públicas, quanto para evitar novas altas nas taxas de juros. Registre-se, por dever de justiça, que qualquer presidente que fosse eleito teria de promover tal ajuste. Os compromissos políticos e ideológicos do governante e de suas equipes é que definiriam a amplitude e a intensidade do ajuste, bem como quem ou que setores escolher como variável do ajuste. O objetivo a ser perseguido é que o aumento das tarifas públicas se dê de forma gradual, para não sufocar o orçamento das famílias, e que o ajuste nas contas públicas seja seletivo, preservando os programas sociais e os investimentos em infraestrutura, e assegurando, até mesmo com a reposição das defasagens, o poder de compra dos salários dos servidores, que têm caráter alimentar. Tudo leva a crer que haverá uma grande disputa na sociedade e no interior do governo para se proteger dos cortes, e os servidores e suas entidades precisam agir preventivamente. Devem buscar interlocução e diálogo com a equipe que se relaciona com as entidades de servidores (MPOG, Casa Civil e Secretaria-Geral da Presidência) e pressionar as autoridades, sob pena de mais uma vez serem escolhidos como variável do ajuste. Nesse diapasão, os servidores e suas entidades devem organizar uma agenda positiva, de caráter propositivo, e outra negativa ou reativa, para poder orientar sua estratégia nessa disputa. A agenda positiva deve consistir, entre outras questões: 1) na imediata regulamentação da Convenção

nº 151 da OIT, que trata da negociação das condições de trabalho no serviço público; 2) na defesa de uma política salarial permanente, que reponha anualmente o poder de compra dos salários; 3) na reposição dos efetivos das carreiras, promovendo os concursos públicos necessários à recomposição de quadros, sem terceirização em funções típicas de servidor público de carreira; 4) na regulamentação do art. 37, inciso V, da Constituição, para limitar as situações de livre provimento, com valorização dos servidores de carreira na ocupação dos cargos comissionados; 5) na isonomia de vencimentos e benef ícios dos servidores dos três poderes da União; e 6) na aprovação da PEC 555/06, que extingue, de forma gradual, a contribuição dos aposentados e pensionistas do serviço público. Já na agenda reativa, os servidores e suas entidades devem, por todos os meios, evitar que quatro ameaças se concretizem no próximo governo: 1) o desmonte do aparelho de Estado, seja substituindo contratação por terceirização, seja substituindo órgãos estatais por organizações sociais, serviços sociais autônomos ou ONGs, na prestação de serviços públicos; 2) a aprovação do PLP 92/07, que trata das fundações estatais; 3) a aprovação do PLP 248/98, que trata da dispensa por insuficiência de desempenho; e 4) a aprovação dos PLPs 1/07 e 549/09, que limitam o aumento do gasto com pessoal, a fim de evitar o crescimento de sua participação relativa na despesa. Ambos estão em discussão na Câmara. O alerta tem o propósito de contribuir para a montagem de estratégia para enfrentar os próximos dois anos, que certamente serão dif íceis para os servidores. As reflexões deste texto são produto da experiência, da análise de fatos, dados e informações disponíveis. Tratase, portanto, de análise isenta e feita considerando desde questões relacionadas às finanças públicas, passando por autoridades que tratam dos assuntos de pessoal (MPOG e Casa Civil), até documentos e declarações oficiais. (*) Jornalista, analista político, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – Diap e consultor de diversas entidades sindicais e associações de classe. REVISTA

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deputados eleitos

Uma advogada pública no parlamento nacional Maria Helena Veronese Rodrigues volta ao Congresso Nacional para a legislatura 2015/2018. Como deputada federal, já tinha representado o estado de Roraima em duas legislaturas seguidas (de 2003 a 2011). Advogada, formada pela Universidade Federal de Santa Maria/RS, é pós-graduada em Serviços Municipais, pela Escola Nacional de Administração Local de Madri/ Espanha. aria Helena foi procuradora-geral do município de Boa Vista (RR), de 1975 a 1978, e conselheira federal da OAB, em 1993/1994; foi diretora-presidente da Empresa Municipal de Habitação e Urbanismo de Boa Vista, de 2011 a 2013, e coordenadora do Procon de Boa Vista, de 2013 a 2014. Nesta entrevista, a deputada e associada da Anajur fala sobre a campanha eleitoral e os principais assuntos que nortearão o novo mandato, entre eles lutar pela aprovação da PEC 443. A senhora foi deputada federal entre os anos de 2003 e 2010, período correspondente a duas legislaturas. O que mudou desse período para esta legislatura, que começa em 1º de janeiro de 2015? – Acredito encontrar um parlamento mais independente e fortalecido. Em termos pessoais, sinto-me mais preparada, em razão da experiência adquirida ao longo de oito anos de mandato como deputada federal. Quais as suas principais propostas para o Congresso Nacional neste novo mandato? – Neste mandato, vou continuar defendendo a valorização das carreiras no âmbito do serviço público, contribuindo para a melhoria da infraestrutura urbana dos municípios e para o fortalecimento da qualidade do ensino, mas quero me dedicar também à defesa, à ampliação e à garantia dos direitos dos consumidores brasileiros. 16

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foto: tatiana rehbein

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A Advocacia Pública luta pela aprovação da PEC 82/2007, que garantirá autonomia orçamentária e administrativa à Advocacia-Geral da União (AGU). O que a senhora pensa da proposta? – Da mesma forma que o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, a Advocacia Pública é imprescindível à administração da Justiça, conforme preceitua a Constituição Federal. Para atuar com independência, cumprindo suas atribuições institucionais, a Advocacia Pública necessita ter autonomia orçamentária, administrativa e financeira. Essa autonomia facilitará sua estruturação e sua modernização administrativa, e possibilitará a melhoria da remuneração de seus


membros. A AGU, atualmente, padece com salários defasados e uma estrutura f ísica obsoleta, o que a faz perder membros para carreiras mais valorizadas. Portanto, me empenharei pela aprovação da PEC 82/2007. A senhora, como advogada pública, leva uma vasta experiência para o Congresso Nacional. Qual a importância de contar com uma advogada pública no centro das decisões políticas nacionais? – A minha experiência como advogada pública será extremamente importante no meu trabalho parlamentar. Com certeza, essa experiência me ajudará a elaborar, apresentar e acompanhar projetos de lei e a assumir a relatoria de matérias. Será importante também nos debates nas comissões e frentes parlamentares, assim como nas negociações de propostas com os ministérios. Como a senhora enxerga a atuação da Anajur e das demais entidades da Advocacia Pública na luta pela aprovação das pautas de interesse da classe? – Tem sido da maior importância a atuação da Anajur e das demais entidades da Advocacia Pública na defesa da classe. Pode-se dizer que devemos à Anajur a criação da Advocacia-Geral da União. Hoje, a Anajur atua com muita competência no Congresso Nacional, facilitando a sensibilização dos deputados e senadores no que diz respeito a todos os assuntos de interesse da classe. A tendência é que essa atuação seja cada vez mais organizada e fique cada vez mais fortalecida. Muitos brasileiros esperavam por uma eleição mais propositiva em 2014, após as manifestações de junho de 2013. O que a senhora achou da campanha eleitoral de 2014? A senhora percebeu uma mudança na postura dos eleitores? – Na realidade, esperava-se uma mudança na postura dos eleitores em razão das manifestações nas ruas e nas redes sociais, das notícias divulgadas nos meios de comunicação sobre os escândalos políticos e do próprio governo. O resultado das urnas não refletiu, porém, o apelo por mudança, expressado pelo povo nas manifestações de 2013. Seu partido, o PSB, saiu fortalecido da campanha de 2014, tendo, com efeito, indicado candidatos competitivos na eleição presidencial, e apresentado grande influência no segundo turno. Como esse fortalecimento influenciará politicamente este próximo ciclo?

– Realmente o meu partido, o PSB, saiu fortalecido nas eleições de 2014, em que elegeu três governadores, 34 deputados federais e seis senadores, além de dezenas de deputados estaduais. Em relação ao governo, assumimos posição de independência. Nessa posição, o PSB está disposto a apoiar medidas que eventualmente se aproximem do programa do partido, e também aquelas que julgar de real interesse para o Brasil. Assim, a legenda poderá manter a unidade, a independência, a identidade política e o ideário, aproximando-se ou afastando-se das forças políticas nacionais, na medida em que essas se aproximarem ou se distanciarem da nossa visão de desenvolvimento do País.

O resultado das urnas não refletiu o apelo por mudança, expressado pelo povo nas manifestações de 2013.

A senhora é uma das ilustres associadas da Anajur. Como foi o seu primeiro contato com a associação e como vê a atuação da Anajur na defesa dos seus associados? – Meu primeiro contato com a Anajur foi por intermédio da então presidente da Associação dos Assistentes Jurídicos do ex-Território de Roraima, Elena Fortes, atualmente delegada da Anajur. Mas meu ingresso na associação deu-se a convite da ex-presidente Nicóla Motta, que sempre atuou, com muita competência, para o fortalecimento da entidade. Por fim, o que os seus eleitores podem esperar da sua atuação a partir de 1º de janeiro de 2015? – Nesta eleição de 2014, recebi o apoio de políticos que têm uma história de trabalho por Roraima, como a prefeita de Boa Vista, Teresa Surita, e o senador Romero Jucá. Posso dizer que me sinto gratificada com esse apoio e com a resposta do povo, que reconheceu o meu trabalho por Roraima, tanto como servidora pública, quanto como parlamentar. Sinto-me extremamente responsável pela confiança e pelo reconhecimento expressados nas urnas. Enfrentei uma eleição dif ícil, tendo como armas apenas o meu nome e a minha história. Darei o melhor de mim para honrar cada voto que recebi. Foram votos de quem espera mudança e quer verdadeiramente o melhor para o seu estado e para o seu país. REVISTA

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Atividade política deve preservar o interesse público Natural de Piracuruca, interior do Piauí, Raimundo Ribeiro é advogado, professor e um dos fundadores da Anajur. Chegou em Brasília ainda jovem, e na capital construiu a carreira que o levou à Advocacia-Geral da União. Com a experiência adquirida como advogado público, Ribeiro foi convidado a assumir diversos cargos, como a Gerência de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e a Secretaria de Estado, Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do Distrito Federal (Sejus).

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m 2014, conquistou pela segunda vez o cargo de deputado distrital, pelo PSDB. Ele também responde pela apresentação do programa de televisão Tribuna Livre, em que discute temas variados, como política, economia e sociedade. Nesta entrevista à Revista Anajur, Ribeiro relembra a história da consolidação da AGU, analisa a evolução da entidade ao longo desses 25 anos de existência da Constituição de 1988 e fala sobre o seu mandato como deputado distrital. Queríamos que nos contasse sobre sua trajetória profissional, as funções públicas que ocupou e as origens da sua vida pública. – Minha trajetória profissional iniciou quando eu tinha apenas 13 anos de idade, quando, então, trabalhava como entregador de telegramas da Empresa Correios e Telégrafos (ECT). Minha primeira participação no serviço público foi no Ministério da Educação e Cultura (MEC), onde segui carreira até me tornar assistente jurídico. Fui presidente da Associação dos Funcionários do MEC (Asmec) e gerente do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), além de professor de Direito Tributário e Direito Administrativo, no Centro de Ensino Universitário de Brasília (UniCeub). Depois de algumas tentativas, em 2006 fui eleito deputado distrital. Logo no início do mandato, eu

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me licenciei para colaborar com a criação da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejus), tendo me tornado o primeiro secretário da pasta. Em 2009, voltei à Câmara Legislativa, onde assumi a Segunda Secretaria da Mesa Diretora. Nas eleições de 2014, obtive 10.026 votos, o que me credenciou a assumir novamente uma cadeira na CLDF. Quais são os desafios que espera enfrentar neste segundo mandato, e o que o difere do primeiro? – Meu principal desafio é ajudar a resgatar a digni­ dade na atividade política, que hoje se encontra desacreditada. A população tem dado vários recados de que não aceita esses desvios na atividade política. O fundamental neste momento é ter uma atuação que preserve o interesse público e respeite valores como a ética, para que a população possa se orgulhar dos seus representantes. No caso de Brasília, os desafios são imensos porque a cidade é, hoje, uma terra arrasada por um péssimo governo, que esteve envolvido em um lamaçal de denúncias de corrupção e incompetência; um governo no qual os serviços públicos não funcionam. Esse é o principal desafio do governador Rodrigo Rollemberg, e pretendo ajudar a enfrentá-lo. No primeiro mandato, eu ainda era muito inexperiente e queria resolver tudo de uma só vez. Mas o Parlamento é, pela própria natureza, uma casa de atuação muito lenta, porque precisa do amadurecimento das ideias e das discussões. Desta vez, estou bem mais tranquilo, sabendo que a dinâmica dos fatos consiste exatamente em queimar determinadas etapas. Consegui o feito de aprovar oito leis no primeiro mandato; no atual, talvez não alcance esse número, mas tenho a certeza de que, agora, as leis serão mais aperfeiçoadas. Que propostas o senhor pretende apresentar? Quais são suas perspectivas para o novo período? Há algum projeto direcionado especificamente à Advocacia Pública?


foto: arquivo pessoal

– Minhas perspectivas são as melhores possíveis. Pretendo ouvir a população, para, então, criar leis que tragam melhorias para o DF. Entre as propostas, destaco a criação de um fórum de debates, a implantação do projeto “Médico nas Escolas” e a firme determinação de dar continuidade ao processo de regularização dos condomínios residenciais e dos quiosques de comércio e serviços. Já em relação à Advocacia Pública, tenho um compromisso com ela, na condição de cidadão. Ela é uma atividade de Estado, e não de governo, e, lamentavelmente, nos últimos tempos, com o aparelhamento da máquina pública feito pelos três últimos governos, sua atividade foi desvirtuada. A despeito disso, a Advocacia-Geral da União, órgão público do qual provenho, exibe um quadro de excelentes profissionais, que saberão recolocar a Advocacia Pública no seu devido e merecido lugar. O senhor, que atualmente é deputado, já foi secretário de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do Governo do Distrito Federal. Que efeitos, que vantagens, a experiência na Advocacia Pública acarreta para quem atua em cargos políticos? – Ter vivenciado uma experiência administrativa ajuda muito no desempenho da função. No meu caso, com mais de 30 anos de serviço público, a ajuda foi indiscutí-

A Advocacia-Geral da União, órgão público do qual provenho, exibe um quadro de excelentes profissionais, que saberão recolocar a Advocacia Pública no seu devido e merecido lugar.

vel. Quando cheguei à Secretaria de Justiça, que, naquela época, era um órgão em criação, procurei imprimir essa visão. Apesar de ser uma secretaria com viés político, ela trata fundamentalmente daquilo que queremos construir para o País: a cidadania. A experiência na AGU me ajudou demais. A AGU me empresta uma respeitabilidade, uma responsabilidade enorme, até mesmo perante as pessoas mais simples. Eu noto isso na minha atividade política. As pessoas me respeitam tanto individualmente quanto ao que represento institucionalmente, porque enxergam a AGU como uma instituição acima de qualquer suspeita, por ser a casa da legalidade. REVISTA

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E como aconteceu essa transição do cargo público institucional para o cargo político? Quais as situações encontradas ao sair do espaço de execução das normas para o da criação delas? – Foi com muita naturalidade. Por toda a minha vida, sempre batalhei pelos direitos de classe. Quando fui bancário, atuei no órgão de representação do banco em que trabalhei. Quando fui servidor do MEC, eu me tornei presidente da Associação de Servidores daquele ministério, no tempo em que ainda não existia sequer um sindicato, e eram as associações que assumiam seu papel. Então, por uma série de razões, sempre estive envolvido com questões políticas. Daí, para entrar na vida partidária, foi um passo. Foi muito fácil. Fui eleito deputado distrital em 2006 e, ao mesmo tempo, convidado a criar a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania. Naquela situação, consegui implementar um programa de ressocialização de apenados no DF. Essa ideia foi até federalizada, isto é, copiada por outras unidades da Federação. Consegui criar uma Praça da Cidadania no Distrito Federal, onde as pessoas com deficiência encontram representações dos serviços públicos para atender às suas reivindicações. Enfim, são coisas que me trazem muita satisfação e que também são reconhecidas por uma parcela significativa da população, principalmente por parte daqueles que mais precisam. O senhor é um dos pioneiros da Anajur. Quais os primeiros desafios para a criação de uma entidade de defesa dos interesses da Advocacia Pública? – O primeiro desafio era conseguir mostrar para todos os colegas, integrantes dos diversos órgãos de carreira, que nós tínhamos pontos em comum, e que, para sermos ouvidos, era necessário formarmos uma unidade. Essa unidade chegou no momento certo. Com a compreensão de todos, fomos para o Congresso Nacional quando se discutia uma Assembleia Nacional Constituinte, e ali foi possível colocar no texto constitucional a figura da Advocacia-Geral da União, transferindo para ela algumas funções até então exercidas pela Procuradoria-Geral da República. Qual a principal diferença entre a AGU embrionária e a instituição de hoje em dia? – A AGU passou a trabalhar de uma forma mais uniforme. Mas o que considero mais importante é o trabalho desenvolvido pelos advogados, firmando a indispensabilidade de um órgão voltado para a defesa dos interesses do Estado. Para mim, isso foi muito importante. Os resultados são a recuperação financeira de inúmeros 20

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prejuízos causados por maus governantes. E a atividade preventiva. Hoje, é praticamente uma norma não escrita consultar a AGU antes de adotar determinados atos administrativos. O senhor observa alguma mudança no campo da representação de classe ao longo desses anos de AGU? – Sim, vejo muito. Vejo que, com a criação da AGU e a consolidação da Anajur, nossa categoria passou a ser mais ouvida. A partir do momento em que se consolida a AGU, consolida-se também sua substância: os advogados públicos federais, que hoje gozam do maior respeito perante todos os poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário. Hoje há uma grande discussão sobre o que seria uma advocacia para o Estado, em contraposição a uma advocacia para o governo. A esse respeito surgiram diversas propostas, entre as quais algumas que sugerem dar maior independência à Advocacia Pública. Como o senhor enxerga essa situação? – Essa discussão não deveria nem existir mais, pois a AGU não nasceu para advogar para o governo, até porque governo é transitório pela própria natureza. A AGU é um órgão permanente. Ela não defende interesses circunstanciais do governo. Ela defende interesses do Estado. Evidentemente que o governo, como condutor provisório da coisa pública, tem aprovado, nas urnas, projetos de governo dentro dos limites que a lei estabelece. Então, este é o nosso papel: implementar realmente uma advocacia de defesa intransigente dos interesses da União. Esses deveriam ser os interesses do governo, mas sempre há desvios comportamentais de governantes, que consideram que a Advocacia lhes pertence, assim como julgam que o Estado lhes pertence também. Cabe à AGU dizer que não. Quando eu fui secretário de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, propus também a autonomia da Defensoria Pública do Distrito Federal, exatamente em coerência com esse viés de que alguns órgãos precisam de autonomia. Esses não são órgãos de governo, mas do cidadão. Quais os próximos desafios que o senhor antevê para a classe? – Lutar, cada vez mais, para o fortalecimento, a institucionalização e a sistematização de uma instituição responsável pela análise da legalidade e, consequentemente, da viabilização de políticas públicas indispensáveis aos interesses da sociedade brasileira.


PATRIMÔNIO CULTURAL

Catedral Metropolitana de Nossa Senhora Aparecida, Brasília, DF

Acessibilidade e proteção dos monumentos de Brasília Paulo José Leite Farias*

Os prédios tombados necessitam de atenção especial, não podendo ser modificados sem critérios, por serem patrimônio histórico. O patrimônio cultural brasileiro, segundo a definição dada pela Constituição Federal em seu art. 126, caput, compreende os bens de natureza material e imaterial, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, incluindo-se as edificações e os conjuntos urbanos.

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reconhecimento do valor cultural de um bem, que o transforma em patrimônio oficial, é feito por meio do tombamento. Esse instrumento legal mostra-se como uma forma de intervenção do Estado na propriedade, com o objetivo de salvaguardar o chamado patrimônio cultural e garantir a continuidade de sua memória. A competência para a realização do tombamento é entregue ao Poder Executivo, podendo ocorrer em escalas federal, estadual e municipal. Essa proteção ao chamado patrimônio cultural tem como um de seus principais fundamentos o princípio da igualdade, vez que se busca garantir o direito de as futuras gerações apreciarem esses bens de valor histórico e cultural acentuado, em sua integralidade, com a mesma liberdade que possui a presente geração. REVISTA

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Por seu turno, a Constituição Federal garante o direito de todos à igualdade sem distinção de qualquer natureza, bem como o direito das pessoas portadoras de deficiência à acessibilidade. O § 2º do art. 227 do texto constitucional prevê que a lei disporá sobre normas de construção, assim como sobre a adaptação de logradouros e dos edif ícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo, a fim de garantir o acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, e em legislação específica federal, estadual e municipal. Cria-se, portanto, um conflito aparente entre o amplo acesso aos monumentos e a proteção do patrimônio cultural por meio do tombamento. Castegnaro de Jiménez (2004, p. 14), em detalhada monografia intitulada “Turismo em Brasília: um desafio para as pessoas portadoras de necessidade especial”, destaca “a carência de acessos e vias aos monumentos e prédios públicos em Brasília para pessoas portadoras de deficiências f ísicas”. Portanto, o tombamento e a acessibilidade constituem dois direitos fundamentais que precisam ser harmonizados nos monumentos de Brasília.

Urbanismo e Direito Urbanístico: preocupação com o coletivo O surgimento dos conglomerados urbanos é fato histórico, geográfico e, acima de tudo, social. Nesse aspecto, surge a preocupação do Urbanismo e do Direito, como ciências ordenadas dos fatos sociais ocorridos nas cidades. O Direito Urbanístico é o conjunto de preceitos ou de normas de que a administração se vale na coordenação e no ordenamento do território (urbano ou não), em nome do interesse coletivo e dos titulares dos direitos de propriedade. Segundo José Afonso da Silva (1997, p. 30), seu maior objetivo é ordenar a realidade no interesse da coletividade. As imposições urbanísticas, assim como as normas penais, são preceitos de ordem pública, cogentes, fruto do poder de polícia do Estado, que, intervindo na disciplina das relações jurídicas, estabelece o condicionamento do exercício do direito de propriedade ao interesse coletivo. Nesse sentido, Ricardo Lira (1986, p. 7) ensina: “a localização de uma cidade, sua extensão, sua configuração, sua magnitude não são, nem podem ser realizações privadas; são realizações coletivas, talvez o 22

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fato coletivo por excelência das sociedades humanas”. É nesse contexto que deve ser analisado o papel do Direito Urbanístico de harmonizar o tombamento dos monumentos com a acessibilidade a eles.

Como harmonizar a proteção do monumento com a acessibilidade: a função social dos monumentos Na concepção e na implementação dos novos monumentos de Brasília, a preocupação da acessibilidade deve estar presente na metodologia do desenho universal, também conhecido como projeto inclusivo, projeto para todos e projeto centrado no homem. A mensagem é a mesma: o trabalho será melhor para todos por meio da habilidade funcional para o maior número possível de pessoas. A evolução do desenho universal começou na década de 1950, como uma nova atenção a projetos para pessoas portadoras de deficiências. Na Europa, no Japão e nos EUA, projetos “sem barreiras” foram desenvolvidos para remover obstáculos no ambiente construído. A partir de 1964, foram criados, nos Estados Unidos, direitos civis para as raças minoritárias. Pela primeira vez, o projeto arquitetônico era reconhecido como uma condição para o alcance desses direitos, com base em argumentações sobre a igualdade de oportunidade. Na década de 1970, a Europa e os EUA começaram a dar ênfase a soluções especiais por meio de normalizações e integração. A terminologia utilizada era “projeto acessível”. É o momento em que a discussão começa a refletir uma mudança de postura no ato de projetar, ampliando as responsabilidades dos projetistas diante de uma sociedade ávida por direitos de amplo acesso aos bens urbanos. Na década de 1990, Ron Mace criou um grupo constituído de arquitetos e defensores desses ideais para estabelecer os sete princípios do desenho universal, nos quais se destaca o uso universal e acessível para qualquer pessoa. Assim, os novos monumentos na capital da República devem ser construídos com a preocupação de atendimento das necessidades especiais. Essa preocupação deveria ter pautado, por exemplo, a construção do Museu da República, monumento bastante recente na história da cidade. E o que fazer com os monumentos antigos? Pessoas com deficiência não podem frequentar esses lugares?


foto: arquivo pessoal

Paulo José Leite Farias destaca a função social dos monumentos arquitetônicos O direito de ir e vir e o direito de acesso à cultura e ao lazer constituem elementos básicos de preservação do patrimônio com respeito a sua função social. No Brasil, porém, isso ainda não está muito claro. Em contrapartida, em diversos países da Europa e também nos Estados Unidos, existem construções seculares que dão acesso especial a pessoas com deficiência f ísica e mobilidade reduzida, garantindo, assim, que usufruam da cultura ali presente. O patrimônio não deve ser “imutável”. Preservação não é sinônimo de imutabilidade. A proteção do meio ambiente cultural, nos termos do art. 225 da CF, deve ser feita buscando o equilíbrio de bem de uso comum para as presentes e futuras gerações. Essa é a noção da função social da propriedade, aplicável tanto para os bens particulares quanto para os bens públicos. A acessibilidade é uma imposição urbanística para a garantia do acesso à cultura e ao lazer na cidade. A proteção dos monumentos é finalística: o usufruto deles para as presentes e as futuras gerações. Não são feitos monumentos que não possam ser admirados pelo homem. A acessibilidade é preceito de ordem pública, cogente, fruto da garantia do pleno acesso a bem de uso comum intergeracional. O exercício da propriedade do monumento pelo Estado a ele se subordina. Vale lembrar, porém, que a colocação de passarelas e elevadores nos monumentos deve ser feita com sensibilidade – não deve desvirtuar o projeto arquitetônico

do monumento, não se sobrepondo à sua beleza. O projeto arquitetônico deve, pois, garantir a harmonia do principal (monumento) com o acessório (interferências garantidoras da acessibilidade). Sistema de lazer é sinônimo de sistema de recreio, traduzindo a ideia de espaço público reservado ao lazer ou à cultura, modalidade de direito social tutelado pela Constituição Federal (art. 6º), que, na lição de José Afonso da Silva (1997, p. 248), exprime uma necessidade urbana. Para ele, lazer e recreação são funções urbanísticas; são, então, manifestações do Direito Urbanístico. E acrescenta: o lazer e a recreação requerem lugares apropriados, tais como museus e conjuntos arquitetônicos acessíveis. Uma política de cultura e de lazer que mobilize grupos tradicionalmente prejudicados deve incluir a acessibilidade. A omissão estatal no campo do amplo acesso à cultura implica o agir favorável à discriminação do acesso de todos à cultura. Monumentos da capital do País, como a Praça dos Três Poderes e o Espaço Lúcio Costa, carecem de rampas, estacionamentos, sinalização, banheiros e iluminação (Castegnaro de Jumenez, 2004, p. 40-47). Por fim, na ponderação do tombamento e da acessibilidade, o respeito às funções urbanísticas da cidade tem papel de destaque, consoante a diretriz pública constitucional de planificação das cidades para a garantia do bem-estar de todos os seus habitantes (art. 182 da Constituição Federal). Brasília carece de projetos com desenho universal. Apesar de a cidade ter sido planejada segundo fundamentos arquitetônicos e sociais, descuidou-se, no seu projeto, das estruturas essenciais de apoio às pessoas portadoras de necessidades especiais. Urge que o Poder Público entre em ação para instrumentalizar o amplo acesso aos monumentos tombados. (*) Professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Promotor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Mestre em Direito pela UnB, Doutor pela UFPE, Pós-Doutor pela Universidade de Boston (EUA). Referências CASTEGNARO DE JUMÉNEZ, Eugenia Barrantes. Turismo em Brasília: um desafio para as pessoas portadoras de necessidades especiais. (Monografia). Brasília: UnB, 2004. LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. MUKAI, Toshio. Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004. SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997. REVISTA

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saúde

foto: arquivo pessoal

Atenção às mensagens do corpo, no dia a dia do trabalho e nas relações pessoais O

estresse é uma resposta do nosso organismo a certos estímulos ou circunstâncias ameaçadoras, mudanças bruscas, agressões de ordem física, psíquica ou infecciosa, que podem perturbar o equilíbrio corporal. Todos nós vivemos diariamente toda ordem de pressão, em maior ou menor grau, e nosso corpo está equipado para lidar com isso, ou seja, enfrentar essas condições desafiadoras que põem nossa vida em risco: são problemas familiares, financeiros, nos relacionamentos, a violência urbana, congestionamentos, jornadas de trabalho extenuantes etc. Em entrevista à Revista Anajur, a psicóloga Madalena Santiago* afirma que o problema começa quando perdemos a capacidade de administrar essas pressões. O estresse torna-se, então, excessivo, disfuncional, levando a distúrbios provisórios que, persistindo, podem provocar doenças graves, despertando até mesmo aquelas para as quais a pessoa possa ser geneticamente predisposta, por exemplo, o diabetes. O estresse está incorporado no dia a dia das pessoas? – A toda hora se ouve alguém dizer que está estressado. Na verdade, esse adjetivo ganhou uma conotação ampla; virou sinônimo de preocupado, cansado, tenso. Se, na vida social, o estresse é comum, o que se dirá no trato profissional, em que os problemas e desafios são bem maiores?! O termo “estresse” vem do inglês (stress) e significa “pressão”. Conquanto seja um sintoma natural, vem ganhando dimensões incontroláveis, em todas as idades e no mundo inteiro. Tem origem em vários elementos, como, por exemplo, no ritmo acelerado da vida moderna, na extrema competitividade nas relações de trabalho e na pressão feita por uma sociedade altamente tecnológica, na qual uma infinidade de informações cria tensão contínua sobre o cidadão, obrigando-o a estar permanentemente conectado e atualizado.

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Madalena Santiago: o problema do estresse começa quando perdemos a capacidade de administrar as pressões

O estresse é basicamente provocado por algum tipo de pressão? – É provocado sempre por uma pressão, seja ela interna, própria do indivíduo, seja externa. O estresse é, na verdade, um estado natural, estando todo ser vivo exposto a ele. É um sintoma, não é uma doença, e, como todo sintoma, é uma tentativa de resolução de alguma questão que agride o corpo. Muita fome, por exemplo, é uma condição de estresse, a requerer uma solução, que seria, neste caso, a saciedade da fome. Acima de tudo é a sinalização do nosso sistema nervoso mais primitivo, a nossa memória mais antiga, e que nos ajuda a criar soluções para podermos dar conta das pressões que a vida apresenta, em todos os meios. Esse sintoma provoca alterações químicas no organismo? – A nossa inteligência hormonal regula a quantidade de cortisol, de adrenalina e de outras catecolaminas no nosso organismo. Tanto é que o exame recomendado para detectar essas taxas é o cortisol, exame que deve ser feito no início da manhã, antes mesmo de “começarmos a


vida”. Essas substâncias são naturais no nosso corpo e nos colocam sempre numa posição de defesa da vida. O estresse é a alteração excessiva dessas substâncias, que, então, se tornam nocivas, disfuncionais, e até mesmo letais. E o que pode acontecer nessa situação? – Um apagão, por exemplo. Numa situação de muito medo, liberamos adrenalina. Mas, passado o medo, descemos a montanha-russa e tudo volta ao normal. Aí, continuamos a brincadeira no parque de diversões. E o que acontece sob o estado de estresse? A quantidade de cortisol sobe, mas a montanha-russa nunca acaba, e ele, o cortisol, não abaixa. As funções básicas de autorregulação, responsáveis pela sobrevivência, como sono e fome, começam, então, a ser prejudicadas. Uma baixa qualidade de sono vai trazer transtornos ao funcionamento do organismo, até mesmo ao descanso do cérebro. Na verdade, não controlamos esse sistema de autorregulação. Se você está transitando de carro por uma rua e sofre uma fechada de outro veículo, o impacto lhe provoca uma descarga emocional. No momento da ocorrência ou alguns minutos depois, você vai sentir os efeitos desse estresse, como ter uma tremedeira, ficar muito pálido, sentir a boca seca ou ter um ataque de choro. Não conseguimos exercer nenhum controle sobre isso. Mas temos consciência disso, pois já expressamos o estresse, principalmente no mundo corporativo, por expressões como “matar um leão por dia”, “a vida é uma selva”. Pode se dizer que há um tipo de estresse tipicamente profissional? – Sabemos que quanto maior for o desafio profissional, maior será a carga de reponsabilidade. Momentos de mudanças no emprego e o desafio representado por um cargo novo geram, temporariamente, uma forte carga estressante. Mas sabemos que precisamos nos acostumar à nova situação, e aprender a enfrentá-la, para seguirmos uma rotina intensa, mas sem muita aflição. Existem, é verdade, ambientes de trabalho que exigem um estado constante de alerta, em que um alto nível de adrenalina é até desejável, para se manter em estado contínuo de prontidão. E a sociedade moderna está sempre cobrando maior produtividade, mais criatividade, impondo jornadas longas de trabalho, exposição contínua a estados de perigo, principalmente por conta do alto nível de estímulo tecnológico, marca dos novos tempos. Certamente algumas categorias profissionais vivem intensamente essa pressão constante, como profissionais de saúde (especialmente cirurgiões), policiais, agentes carcerários, motoristas, jornalistas, gerentes, executivos, profissionais da área de TI, entre tantos outros. Esses profissionais estão, sem dúvida, mais sujeitos a doenças ocupacionais, que geram um alto índice de falta no trabalho, aposentadoria forçada, esgotamento nervoso, burn out, enfim, adoecimentos de diversas ordens.

Quais são as causas mais frequentes do estresse? – Vamos remontar ao início da civilização, imaginar o homem correndo na savana em busca de alimento, enfrentando grandes perigos. Vivendo, então, sob estado contínuo de estresse. Pressão e estresse sempre existiram, sempre existirão. Fazem parte do nosso ciclo de sobrevivência. Mas a maior fonte de pressão e, portanto, de estresse, no mundo coorporativo, no mundo do trabalho, no mundo social, chama-se competição. No mundo do trabalho, a competição é perversa – pode implicar atos como “derrubar o outro”, “puxar o tapete”. Não tem nada mais estressante do que isso. Quem se sente ameaçado costuma ameaçar? – Exatamente. Durante todo o tempo a pessoa luta para defender o cargo ocupado, para defender a indicação. É um espaço por si só insano para qualquer ser humano. E o consumismo, uma das marcas da sociedade ocidental, também cria situações de estresse. Vive-se empenhado em ter o que o outro tem, não por causar prazer ou saciar alguma necessidade, mas por mera competição. Então, os valores estão muito distorcidos. Em que momento começou essa distorção? – Na sociedade ocidental, começou basicamente com a Revolução Industrial, quando a vida na cidade mudou radicalmente. Saltou da tranquilidade da condição de artesão de aldeia (ofício que passava de pai para filho) para a de trabalhador de fábrica. A partir daí, a competição (e consequentemente a pressão) foi aumentando cada vez mais. E chegou um momento na história ocidental em que a mulher passou a ocupar um posto nas fábricas, deixado pelo marido, que tinha partido para a guerra. A família começou a se alterar profundamente, principalmente nos últimos 40 anos, e a se transformar nessa família moderna, cada um por si, desde muito cedo. Perdemos muito em termos de quantidade e qualidade das relações familiares e humanas, em geral. Progredimos imensamente enquanto sociedade tecnificada, é fato, mas a que preço? A que sinais devemos ficar atentos? – A lista certamente é longa, pois vai das mais simples manifestações, como aparente desmotivação e dificuldade de manter o foco, até irritabilidade acima do habitual, brancos de memória, insônia, perda de libido, impotência, picos de pressão. Até que chega um momento em que esses sinais viram sintomas, gerando forte pressão sobre a saúde física e a psíquica, podendo, em consequência, instalar-se uma gastrite, uma úlcera, debilidade do sistema imunológico, queda de cabelos, síndrome do pânico. Nos pacientes que chegam ao consultório, é possível perceber que já estão vivendo em rotas de fuga para aliviarem-se dos efeitos do estresse, recorrendo ao tabagismo, ao uso REVISTA

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constante de drogas lícitas (álcool, ansiolíticos) ou ilícitas, desenvolvendo obesidade... O que fazer num momento de crise? – Na verdade, há que se lembrar que toda mudança é uma situação potencialmente estressante: nascimento de um filho, morte na família, proximidade de um casamento, mudança para outra cidade, separação, perda de emprego ou mesmo de cargo, enfim, episódios da vida sobre os quais não temos controle. São esses momentos de muita ansiedade, medo, incerteza que vão mobilizar aqueles recursos naturais de que dispomos, em resposta a esse estresse. Nesse momento, é preciso dar tempo para o autoconhecimento, aprender a respeitar os próprios limites e necessidades, fortalecer os laços afetivos, cuidar, por exemplo, de um animal de estimação, resolver aquelas pequenas pendências que vamos protelando, procurar um amigo querido – mas ao vivo, no mundo real, e não só por meio das redes sociais. Enfim, lembrar que somos humanos e que precisamos humanizar nossas relações, fazendo meditação, praticando exercícios físicos, seguindo uma dieta saudável, respeitando os horários de sono e de alimentação, dando-se o direito de praticar atividades de lazer, que tragam carga energética de boa qualidade, como frequentar grupos de dança, onde nos movimentamos e estabelecemos trocas afetivas. São momentos de muito valor. No mundo corporativo, onde se vivencia toda forma de pressão, como evitar que se chegue a situações de confronto, de rompimento? – Em uma situação de pressão, a primeira coisa com a qual você perde contato é consigo mesmo, com seu corpo, com seus limites, com suas possibilidades, com seus recursos. Começa-se a desconfiar, a não acreditar, a sentir insegurança. Tem hora que se duvida até mesmo da própria sanidade. Por isso, o primeiro passo é observar o ritmo da própria respiração, a forma como se está lidando com o seu tempo, e botar o pé no chão, como medida de perceber o lugar onde se está, de se perceber, de se escutar, de escutar as mensagens do seu corpo. Às vezes, um alerta vem por meio da instalação de uma doença que se repete. Sem confiança, sem autoconhecimento, compra-se a pressão. Se você é um chefe, precisa tomar cuidado para não se render a essas pressões e submeter e sacrificar toda a sua equipe. Como lidar com um chefe ou um colega de trabalho em situação de estresse? – Garantir uma relação humanizada é criar possibilidades de compartilhar com o outro, de interessar-se verdadeiramente por aquilo que o outro vive. Já vivemos com a pressão no trabalho; somem-se a isso as pressões com os filhos, com o casamento, com a família, o que não é inco26

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mum, até pela falta de disponibilidade para conviver com os familiares. Ter a oportunidade de compartilhar isso, ter alguém com quem desabafar, isso é uma coisa que todo mundo pode – e deve – fazer. Cuidar um do outro pode ajudar bastante. Quando a pessoa deve procurar ajuda médica? – Quando ela estiver manifestando sinais de problemas fisiológicos, certas falhas biológicas, por exemplo, seja lá em que área for. A primeira fase é chamada de aguda; se a pessoa conseguir pedir ajuda nesse momento, certamente evitará as fases seguintes, que são mais graves. Às vezes, a pessoa acha que é um quadro depressivo; então, toma medicamentos, mas não melhora, porque, na verdade, não está vivendo, não está seguindo, tem empecilhos, não consegue estabelecer relações. Se isso for percebido, já será meio caminho andado. Mesmo as crianças passam por situações de estresse, principalmente quando elas não estão dando conta das agendas cheias – o que é comum, atualmente. Ademais, lá na escola, tem de enfrentar os padrões de aceitação, vivenciar toda uma pressão para ser aceita pelo grupo. Ver, no outro, problemas que sentimos também ajuda. É que às vezes não conseguimos ver o próprio estresse, avaliar o grau de pressão que sofremos, o nosso sofrimento. Por isso, prestar atenção no outro é também um meio de prestar atenção em nós mesmos. Todos nós temos que diminuir o ritmo, sempre que possível, como uma forma de retomar o pulso natural. Quase sempre, quando estamos nesse pico de pressão, nós nos descarregamos, mas não voltamos a nos recarregar. Ainda bem que nosso corpo é nosso maior amigo, é muito maleável e, por sorte, se adapta. Estresse tem cura? – Estresse é uma coisa com a qual vamos ter, necessariamente, de aprender a conviver. Se aprendermos a conviver com as pressões naturais na vida, poderemos, então, aprender a conviver com outras formas de pressão, para ter de fato qualidade de vida, com mais prazer e com mais descanso. Não há de fato uma fórmula, mas tem uma regrinha básica: vou descarregar hoje, mas amanhã vou descansar; estou num lugar muito barulhento hoje, mas amanhã vou precisar de silêncio, porque preciso me reabastecer. O estresse tem a função de defender a vida, que chamamos vida de relação, que é a nossa vida com o mundo, de troca com os outros.

(*) Psicóloga clínica, psicoterapeuta corporal reichiana, coordenadora do Espaço Reichiano de Brasília, onde ministra cursos de formação de novos terapeutas em análise corporal reichiana, acompanha grupos de supervisão clínica. É consultora para a implantação de programas de controle do estresse.


Anajur pelo Brasil

Câmara Local de Conciliação da CJU/PE

Economia para os entes federais A

o encerrar o ano de 2014, a Câmara Local de

sentam 22 milhões de reais em créditos tributários

Conciliação da Consultoria Jurídica da União

cobrados pelo Município do Recife/PE em face da

no Estado de Pernambuco registrou o marco de 220 conciliações em execuções fiscais movidas pelo Município de Recife contra a União e suas autarquias. Os acordos realizados somaram 4 milhões de reais e representaram, para os entes federais, uma economia de 5,2 milhões de reais.

União e de suas autarquias. Além disso, o projeto racionaliza os custos pela redução de demandas judiciais contra organismos da Administração Pública, evitando, assim, a judicialização de novas demandas. A Câmara Local de Conciliação é um ambiente

As ações judiciais conciliadas tinham como ob-

institucional sob a coordenação da Consultoria Jurídi-

jeto a cobrança da Taxa de Limpeza Pública (TLP) e

ca da União no Estado de Pernambuco, órgão da Ad-

do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), cujos

vocacia-Geral da União, cuja finalidade é solucionar

valores correspondiam a 9,2 milhões de reais.

controvérsias entre órgãos e entes da Administração

Outras 400 execuções fiscais que tratam das

Pública, de forma descentralizada da Câmara de

mesmas matérias foram remetidas pelas Varas de

Conciliação e Arbitragem da Administração Federal

Execução Fiscal da Justiça Federal em Pernambuco e

(CCAF), esta última com sede em Brasília.

devem ser objeto de conciliação nos próximos meses. A expectativa da unidade é submeter à conciliação, no ano de 2015, outras 600 ações judiciais, que repre-

Notícia enviada por Luciano Cavalcanti Batista, Consultor Jurídico da União no Estado de Pernambuco e associado da Anajur.

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artigo

Direitos autorais e seus limites Eliane Yachouh Abrão*

A premissa de que tudo o que seja considerado criação original do espírito é protegível por via dos direitos autorais não tem fundamento. Trata-se, na verdade, de premissa circunscrita a outra premissa, que normatizou o sistema: a de serem unicamente as obras categorizadas em literárias, artísticas e/ ou científicas as passíveis de proteção. Ideias, conceitos, tecnicidades e métodos podem reter enorme cabedal criativo, mas o sistema autoral não os abriga.

A

pioneira Convenção de Berna, em seu art. 1º, fornece o real objetivo do sistema autoral: a proteção dos direitos dos autores sobre as suas obras literárias e artísticas. No art. 2º, explica que o termo obras literárias e artísticas inclui não só as nele elencadas, mas igualmente as produções do domínio científico, qualquer que seja seu modo ou sua forma de expressão. A Convenção Universal de Genebra, no mesmo sentido (art. 1º), promete proteção “suficiente e eficaz”, não só aos autores (pessoas f ísicas), como também aos titulares dos mesmos direitos sobre as obras literárias, científicas e artísticas. Titulares são pessoas f ísicas ou jurídicas a quem o autor transferiu a gestão de seus direitos patrimoniais de autoria. Ambos os diplomas internacionais socorrem-se do numerus clausus, vale dizer, a relação de obras protegidas não é exaustiva e, para se candidatarem à chancela, há que se considerar uma série de pré-requisitos, entre eles o primeiro e excludente dos demais: encontrar-se a obra no domínio das artes, da ciência, da literatura. Nem o Tratado sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (Trips) alargou essas fronteiras; ao contrário, enquadrou os programas de computador como obras literárias no art. 10, e ainda, no art. 9º,

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endossou os arts. 1º a 21 de Berna, com exclusão do 6 bis, que trata dos direitos morais de autor, instituto. Isso faz toda a diferença entre Berna e as demais convenções e tratados sobre propriedade intelectual.

Normatividade e conteúdo A matéria é regulada no Brasil, entre outras: por dois incisos do art. 5º da Constituição da República; pela Lei Federal nº 9.610 de 19/2/1998; pela Lei dos Direitos Autorais, doravante identificada pela sigla LDA; por artigos do antigo e do novo Código Civil; pela Lei nº 9.609 de l9/2/1998; pela Lei nº 6.533 de 24/5/1978; pelos decretos nº 75.699 de 29/4/1975 e 76.905 de 24/12/1975, que promulgaram as convenções internacionais de Berna e Genebra, respectivamente; pelo Decreto nº 1.355 de 31/12/1994, que promulgou o Tratado sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o comércio, conhecido pela sigla Trips em inglês, ou pela sigla Apdic em espanhol; pela recente Lei nº 12.853, de 2013; pelos artigos 184 a 186 do Código Penal; pelos artigos 524 a 530 do Código de Processo Penal; e pelos demais tratados internacionais, bi ou multilaterais, a que tenha o Brasil aderido. Acerca da natureza jurídica da matéria, a melhor doutrina pátria é unanimemente dualista: direitos de autor são um conjunto de prerrogativas de ordem moral e de ordem patrimonial, que se interpenetram quando da disponibilização pública de uma obra literária, artística e/ou científica. Os direitos morais pertencem exclusivamente à pessoa f ísica do criador, e, no caso da obra audiovisual, são exercidos pelo diretor. Os patrimoniais, ao criador originário, se não os transferiu, ou ao terceiro, pessoa f ísica ou jurídica, a quem os tenha cedido ou licenciado. Herdeiros podem exercer alguns dos direitos morais e têm legitimidade para todos os patrimoniais no período que entremeia a morte do criador da obra intelectual e


foto: arquivo pessoal

São direitos patrimoniais de autor aqueles inerentes aos atos de fruir e de dispor publicamente da obra do modo que convier a seu titular, observados os preceitos de ordem pública.

Advogada especializada em propriedade imaterial, Eliane Y. Abrão aborda os direitos morais e patrimoniais do autor a queda da obra em domínio público. São direitos morais de autor: o direito ao inédito, o direito de ter seu nome sempre vinculado à obra, o direito de se opor a quaisquer modificações que nela se pretendam introduzir, e a outras disposições expressamente previstas na lei especial. Quando violados dão ensejo a reparações sempre relacionadas aos usos das obras, e, por isso, não se confundem com os danos puramente morais, de ordem subjetiva. São direitos patrimoniais de autor aqueles inerentes aos atos de fruir e de dispor publicamente da obra do modo que convier a seu titular, observados os preceitos de ordem pública. Entre os direitos patrimoniais de autor, o mais importante é o direito de reprodução. Por reprodução devem ser entendidas cópias idênticas de qualquer obra fixada em suporte, de modo a permitir a extração de exemplares. Qualificam-se, igualmente, como direitos patrimoniais: os direitos de tradução, o direito de adaptação e o direito de inclusão (autorização do titular para que uma determinada composição musical seja sincronizada a uma novela ou a um filme, por exemplo). Em todos, a regra é uma só: nenhuma obra do

espírito pode ser utilizada publicamente por terceiro sem o prévio e expresso consentimento do titular do direito, qual seja, o próprio autor, seu herdeiro, ou seu sucessor (cessionário, ou licenciado). O sujeito de direito autoral criador de uma obra estética é sempre uma pessoa f ísica, não importando sua condição pessoal, social, política ou jurídica, sua crença espiritual ou grau de civilização. O titular do direito deverá ser uma pessoa f ísica ou jurídica, que adquiriu essa condição por transferência contratual ou decorrência natural (morte do autor), com sua expressa aquiescência, pois. Autor como pessoa jurídica originária é qualidade decorrente de presunção legal, caso da obra coletiva. O fato gerador dos direitos morais é o fato da criação, isto é, a expressão formal e estética registrada em qualquer suporte tangível ou intangível, independentemente da observância de qualquer formalidade (registro público ou particular ou menção de reserva). O fato gerador dos direitos de ordem patrimonial é a publicação da obra.

O que é e o que não é direito autoral Uma vez publicada, isto é, no mundo do comércio, a obra intelectual está sujeita a limitações de caráter intrínseco e de caráter extrínseco. Do ponto de vista intrínseco, deve atender a determinados requisitos para ser considerada uma criação do espírito, como o fato de ser original, entendida esta como possuidora de identidade, isto é, não pode ser reprodução idêntica de outra que lhe seja anterior. Deve também estar dentro do período de proteção fixado pela lei especial – hoje o de 70 anos contados de 1º de janeiro subsequente ao do falecimento do autor ou do último dos coautores – e integrar o mundo das artes e das ciências. Após o advento REVISTA

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do chamado acordo Trips, estendeu-se a proteção aos programas de computador e à base de dados, alçando-os, artificialmente, à condição de obra literária. Mas essa extensão é excepcional. Extrinsecamente, ou a obra intelectual é do tipo que comporta proteção (seja por constar do elenco legal de obras protegidas, seja por ter reconhecida essa condição por meio de julgados dos tribunais), ou está isenta de proteção, em situações excepcionais previstas expressamente em lei, ou está fora do alcance do direito autoral. Tomando de empréstimo a configuração jurídica do direito tributário, há no sistema legal dos direitos autorais um campo de incidência, um campo de isenção ou de não incidência, e um campo de imunidades aos direitos autorais. O campo de incidência do direito autoral é o das obras protegidas. São exemplos de obras protegidas: textos de obras literárias, artísticas ou científicas, conferências, músicas, letras de música, poemas, fotografias, desenhos, ilustrações, filmes, videoclipes, adaptações, traduções, arranjos musicais, coreografias, obras dramáticas e dramático-musicais, obras de pintura, de escultura, os esboços e maquetes de cenografia, engenharia e arquitetura. É a lista do art. 7º da LDA, que não é exaustiva. Outras obras de engenho, fruto do intelecto, serão consideradas passíveis da mesma proteção por acordo entre as partes, e limitados os efeitos a estas, ou por meio de decisão judicial, ou por meio de leis também especiais. Ora, a mesma lei que elenca as obras protegidas também oferece limites à proteção, isto é, relaciona as hipóteses de dispensa da prévia autorização dos autores e/ou titulares para seu uso público. É o que chamamos campo de isenção do direito autoral. Pelos princípios que regem a matéria, algumas obras deveriam situar-se dentro do campo de proteção, mas, por liberalidade do legislador, e em razão de interesse social relevante, ou atendendo a conveniências próprias dos autores ou dos titulares, dispensam a prévia autorização para sua utilização. São exemplos de obras que podem ser utilizadas livremente em decorrência de expressa isenção legal: a reprodução de material jornalístico, com referência à fonte; a reprodução em jornais ou revistas de discursos públicos; a reprodução em um só exemplar de trechos de obra publicada para uso privado; a citação para fins de estudo ou crítica, havendo referência à fonte (nome do autor e origem da obra); o apanhado de aulas e lições para uso pessoal do aluno; a utilização das obras nos estabelecimentos comerciais que as expõem à venda, e 30

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somente para esse fim; a reprodução em quaisquer obras de pequenos trechos de obra preexistente. O uso de obras protegidas para fim de paródias e paráfrases é livre, desde que estas últimas não impliquem descrédito àquelas. E há um campo de verdadeira imunidade a qualquer proteção de caráter autoral: é o caso das ideias, dos conceitos, dos métodos, dos sistemas, dos cálculos. Toda obra parte de uma ideia, de um conceito, de uma sinopse, contém um método, um cálculo. Isso é só o ponto de partida. Para se chegar à obra concretizada, há um longo caminho a percorrer, a começar da materialização da ideia, passando pela produção da obra, até a disponibilização dela ao público. A ideia, ponto de partida, não se confunde com a obra. Uma é inspiração, outra é o resultado de inspiração combinada com muita transpiração. O resultado sensorial dessas ideias, métodos, conceitos, isto é, a forma ou expressão fixada em base corpórea, ou incorpórea, é que é protegida pela lei autoral, e não as ideias, os métodos, os cálculos em si, e que nelas se incrustam. Exemplifica-se: o livro de ensino de matemática é de criação de determinado autor, mas não os cálculos utilizados em cada exercício. O mesmo ocorre com o livro de ficção que se utiliza do triângulo amoroso, ou das variadas relações sociais que permeiam a trama, temas de obras literárias desde a Antiguidade até o Terceiro Milênio. O direito autoral não cobre qualquer ideia ou conceito existente por detrás da obra criada, nem qualquer personagem nela retratado. Esse conceito é universal e vem expresso na Circular nº 45, do Copyright Office, órgão estadunidense vinculado à Biblioteca do Congresso, responsável pelos registros de obras autorais e importante referência na medida em que se trata o direito autoral de um direito de origem anglo-saxã. Pertencem também ao campo das imunidades: os formulários, a reprodução de textos de lei e de decisões judiciais, informações de uso comum, como calendários e legendas, e os nomes e títulos isolados das obras.

Conclusão Não é qualquer obra ou trabalho predominantemente intelectual que terá, ipso facto, reconhecido seu status de obra autoralmente protegida. É preciso que se encontre nos domínios da arte, da ciência, da literatura, e que atenda a outros requisitos, entre eles, o de provir de uma pessoa f ísica (ou de várias), e o de não pertencer


ao domínio público, isto é, encontrar-se dentro do prazo de proteção conferido pela lei. Obra protegida ou é enquadrada como tal pelo legislador (ex.: art. 7º da Lei nº 9.610/1998), ou resulta de uma combinação entre partes interessadas, com efeitos limitados a elas, ou depende de declaração judicial. Nesse caso, nula é a sentença que não atende aos pré-requisitos mínimos exigíveis, sendo a certeza da autoria o grande divisor de águas. Na declaração judicial de autoria, há que ser o julgamento minucioso, principalmente tendo em vista o longo tempo de proteção conferido à obra, que é hoje, internacionalmente, o de 50 anos mínimos, mas também porque carrega consigo inúmeras consequências, como a necessidade de autorização prévia e todos os demais consectários da reserva, pela exclusividade. A propósito, a exclusividade no uso outorgada pelo legislador autoral, como de resto em toda a propriedade intelectual, não pode ser confundida com monopólio; é um mero privilégio conferido pelo legislador para estimular a veia criativa dos autores, e com isso colaborar

para o desenvolvimento científico e cultural de toda a sociedade. Não pode, porém, servir de obstáculo a outras formas e expressões criativas, porque o exercício dessa atividade é direito fundamental da pessoa humana. Por essa razão, os prazos de proteção são determinados, pré-fixados, e, ao se esgotarem, todos poderão fazer uso livre e público daquela que foi um dia obra protegida, isto é, sujeita à autorização para uso público, porque o sistema entende que o autor e a sociedade em que ele viveu foram parceiros na criação da obra, tendo aquele aprendido e apreendido, com ela tudo o que deixou registrado na obra naquele momento histórico.

(*) Advogada especializada em propriedade imaterial. Graduada e pós-graduada pela Universidade de São Paulo (USP), com especializações no exterior (EUA, UK, Suíça). Autora do livro Direitos de autor e direitos conexos, em sua segunda edição (2014), é titular do sitewww.direitoautoral.com.br, e associada da Anajur. E-mail: eyabrao@uol.com.br

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História do Brasil contada pela Advocacia Consultiva

O caso da exploração do telégrafo por empresa norte-americana, em 1906 Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy*

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m 1906, uma conhecida empresa norte-americana pretendia explorar serviços de telégrafo e de telégrafo sem fio no Brasil. A empresa requereu a prerrogativa ao ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, que encaminhou consulta à Consultoria-Geral da União. Questionava-se se os serviços de telégrafo eram monopólio da União, bem como se inquiria se havia impedimentos para que a interessada explorasse o telégrafo sem fio, uma novidade, então, invenção que revolucionava as possibilidades de comunicação. De um modo mais específico, era questionado se a União poderia conceder a particulares direitos de concessão para a exploração do serviço público de telégrafos. E mais: se a exploração do telégrafo sem fio estaria regulamentada pelo mesmo modo como se regulamentava o telégrafo com fio. E também, se a autorização para o funcionamento no Brasil de empresa estrangeira que atuava na área de telégrafos significaria certa tolerância do governo brasileiro que, no contexto de uma quarta questão, deveria indeferir o pedido, porquanto se tratava de um monopólio. O consultor-geral da União entendeu que a União poderia efetivar concessões a particulares, para a exploração do telégrafo; no entanto, havia necessidade de lei,

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produzida no Congresso, que permitisse a realização desses contratos administrativos de concessão. Para o parecerista, a Constituição não fixava monopólio em matéria de exploração de telégrafo; a Constituição dispunha sobre uma série de cautelas. Alguns aspectos referentes ao federalismo também foram apreciados, no sentido de avaliar se os estados da Federação poderiam legislar sobre a matéria. A União, de fato, poderia conceder a particulares direitos de exploração de atividade de telégrafo, a depender, no entendo, de lei definidora do alcance e dos limites de tal contrato administrativo. A invenção do telégrafo sem fio, na concepção desse substancial parecer, não alterava a linha definidora da situação. E porque a Constituição de 1891 não tratava do telégrafo sem fio, simplesmente pelo fato de este último não existir à época da queda da Monarquia no Brasil, não se poderia colmatar a ausência de marco regulatório com fixação jurídica qualquer. Nas palavras do parecerista, a eletricidade não podia ser regida por princípios do Direito Romano. De tal modo, ainda que passível de realização de contrato de concessão, a ausência de norma expressa autorizadora do negócio obstaculizava que se deferisse o pedido da empresa norte-americana. Segue o parecer.


Gabinete do Consultor-Geral da República. Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1906. Sr. Ministro de Estado da Indústria, Viação e Obras Públicas. Respondo ao Aviso desse Ministério, nº 99, deste ano, e a que acompanharam os papéis que devolvo. Tendo a “Amazon Wireless Telegraph and Telephone Company”, organizada no Estado de Maine, na América do Norte, pedido, de acordo com a legislação brasileira, autorização para funcionar, sucede que o objeto social é a exploração do serviço de telégrafo e telégrafo sem fio; e, como o serviço de telégrafos foi pela Constituição atribuído à União, salvo a restrição do art. 90, § 40, ordenastes que consultasse com o meu parecer sobre os seguintes pontos: 1º. Pode a União fazer a particulares concessões que tenham por objeto a exploração do serviço público dos telégrafos? No caso afirmativo, depende de autorização legislativa? 2º. A circunstância de tratar-se do novo invento de telégrafo sem fios altera porventura a solução do 1º quesito da proposta? 3º. A concessão de autorização para funcionar no Brasil, dada a uma companhia estrangeira que tem por exclusivo objeto social a exploração do serviço de telégrafos, nos termos do requerimento do peticionário, envolve concessão para a exploração desse serviço ou ao menos obriga implicitamente o Governo a tolerar ou reconhecer direito a essa exploração por parte da companhia autorizada a funcionar na República? 4º. No caso de solução afirmativa, ao quesito nº 3, deve o Governo indeferir o pedido de autorização para funcionamento, fundando o seu ato em que o serviço público que constitui o objeto social da companhia não pode ser explorado por particulares ou por empresas particulares? Estudado o objeto da consulta, respondo aos quesitos propostos pela forma seguinte: 1º. Nada impede, em tese, que a União faça a particulares concessões que tenham por objeto a exploração do serviço público de telégrafos. À vista, porém, da disposição do nº 15 do art. 34 da Constituição, que confere ao Congresso competência privativa para legislar sobre o serviço federal de telégrafos, é claro que tais concessões não poderão ser feitas senão de acordo com a lei que as tiver autorizado. A matéria de que se trata é regida atualmente pelo regulamento aprovado pelo Decreto nº 4.053, de 24 de

junho de 1901, que consolidou, em virtude da autorização constante do art. 22, nº 3, da Lei nº 746, de 29 de dezembro de 1900, o Regulamento nº 1.663, de 30 de janeiro de 1894, e disposições legislativas posteriores. Do exame desses regulamentos, todavia, verifica-se que o Congresso ainda não cogitou de regular, de modo preciso, o exercício daquela faculdade. É verdade que os decretos citados aludem a linhas telegráficas e telefônicas particulares, providenciando sobre o tráfego mútuo das linhas das estradas de ferro subvencionadas e das da União, bem assim autorizando a Repartição Geral dos Telégrafos a se incumbir da direção dos trabalhos de construção das linhas particulares, quando as respetivas administrações o requisitarem, ou os Estados o fizerem, por não disporem de material necessário ao seu serviço, conforme se vê dos arts. 30, § 2°, 40 e 50, parágrafo único, do citado Decreto nº 4.053. Outrossim, o art. 7º deste decreto dispõe que “será completado o plano geral da rede telegráfica da União, tendo-se em vista o interesse da administração e o estabelecimento de novos circuitos interestaduais, pelas localidades do interior de maior movimento”; e o 8°acrescenta que “logo que a administração de uma linha particular, de concessão federal, resolva não continuar a trafegar a sua linha, reverterá esta, sem indenização, ao domínio da União, que, se julgar conveniente, a mandará conservar e trafegar.” O Decreto nº 4.053, pois, pressupõe as concessões de que se trata; mas a pressuposição do Poder Executivo, nesse ato puramente regulamentar, não estabelece, só por si, relações jurídicas. REVISTA

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O art. 10 do mesmo decreto, apesar de sua redação, não me parece ir além dessa suposição: “Nenhuma autorização será dada para a construção de uma canalização elétrica para correntes fortes, nas proximidades de linhas da União, sem que o seu traçado e o modo do seu estabelecimento sejam aprovados pela Repartição Geral dos Telégrafos, não somente no intuito de proteger os condutores elétricos da União e evitar avarias dos aparelhos das estações telegráficas e telefônicas, como para prevenir desastres para o público e empregados de estações.” Este dispositivo exprime uma medida de polícia, extensiva a toda canalização de eletricidade que, prejudicando o serviço da União, ainda pode redundar em perigo público. Não se deve entender como limitada às canalizações destinadas à transmissão do pensamento, isto é, as linhas telegráficas e telefônicas de comunicação das estradas de ferro, e que são aparelhos complementares indispensáveis das linhas férreas autorizadas pela União, mas também a toda e qualquer canalização forte de distribuição de força elétrica que incida na providência. Outra inteligência tornaria inócua essa disposição. Deste modo a autorização de que cogita o art. 10 é relativa à zona magnética das linhas trafegadas pela União e não me parece particularizada, referindo-se, como se refere, a indeterminada autoridade. É verdade que o Regulamento anterior, nº 1.663, de 30 de janeiro de 1894, no capítulo 1°, onde trata dos direitos da União sobre as linhas telegráficas, condutores elétricos e organização de sua rede telegráfica, declara o seguinte: Art. 1°. “O direito de estabelecer e explorar linhas telegráficas interestaduais pertence exclusivamente à União. Sob a denominação de linhas telegráficas estão compreendidas as linhas telefônicas.” Parágrafo único. “O exercício desse direito poderá ser concedido a empresas particulares, sujeitando-se elas à fiscalização do Governo Federal, tanto na construção, como no tráfego, e aos demais ônus fixados no ato da concessão.” Art. 2º. “É também da exclusiva competência do Governo Federal a concessão para estabelecimento de quaisquer condutores elétricos, que não sejam da prerrogativa dos Estados por disposição constitucional.” Art. 4º. “Os condutores elétricos pertencentes aos Estados, às vias férreas e outros concessionários terão a denominação de linhas estaduais e particulares, respetivamente, para se distinguirem das da União.” Art. 5º. “Os Estados, as companhias de vias férreas e outros concessionários, já possuidores de condutores 34

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elétricos, desde a promulgação do regulamento da Repartição Geral dos Telégrafos, de 28 de dezembro de 1870, e os que, em virtude de disposições de prerrogativa constitucional, ou de concessão obtida, construírem, de ora em diante, condutores elétricos, são obrigados a dar à Repartição Geral um fio paralelo para as comunicações gerais.” Tais determinações, que, a meu ver, salvo as que reconhecem direitos adquiridos, tem caráter legislativo, exorbitariam da autorização contida no Decreto Legislativo nº 193, de 9 de outubro de 1893, que, estabelecendo as bases para a reorganização da Repartição Geral dos Telégrafos, apenas se refere à distribuição do serviço e aos vencimentos dos respetivos funcionários, se se considerasse o Poder Executivo armado, por delegação do Congresso, da faculdade de alterar a legislação anterior, e habilitando a revogar in totum o Decreto nº 372 A, de 2 de maio de 1890, que era lei, porque o Marechal Deodoro da Fonseca, nesse tempo, reunia em si todos os poderes. Essa revogação, que se vê do art. 558 do citado Regulamento nº 1.663, de 1894, coincide com a eliminação daqueles artigos no Decreto nº 4.053, de 1901. Ora, o Decreto nº 372 A, em seu art. 2º, diz o seguinte: “É também da exclusiva competência do Governo Federal a concessão para estabelecimento de quaisquer comunicações por meio de condutores elétricos.” E no art. 204: “Serão observadas todas as disposições constantes da convenção e regulamento internacionais anexos ao presente regulamento.” O Congresso, que me conste, não tocou nestas disposições. A autorização para a reforma realizada pelo Regulamento nº 4.053, de 1901, é a que se lê no art. 22, nº 3, da citada Lei nº 746, de 29 de dezembro de 1900: “Fica o Poder Executivo autorizado a reformar, na vigência desta lei, sem aumento de despesa, o regulamento aprovado pelo Decreto nº 1.663, de 30 de janeiro de 1894, consolidando as disposições legislativas posteriores e introduzindo outras que a experiência tenha aconselhado.” De tudo quanto fica exposto resulta que, quanto a concessões relativas ao serviço telegráfico, o único assento legislativo existente é a lei de 1890. Resta saber, porém, que modificações poderia ter sofrido essa lei, em face do sistema adotado pela Constituição de 1891. Dos termos empregados pelo legislador constituinte, no nº 15 do art. 34 do nosso pacto fundamental, verifica-se que os serviços dos correios, como os dos telégrafos, não foram considerados somente um instrumento econômico


A Constituição, se não criou na espécie um monopólio no rigor da expressão, tomou todas as cautelas para que, em matéria de tal magnitude, a Federação não convertesse esse instrumento de progresso; e ao mesmo tempo o mais eficaz condutor de ordens oficiais e de comunicações políticas com o mundo exterior, num aparelho desordenado e anarquizante.

e social, mas principalmente um aparelho indispensável ao Governo e por isso, na essência, oficial. Nada importa o emprego da expressão “federais” e a existência do art. 9º, § 4º, que declara ficar “salvo aos Estados o direito de estabelecerem linhas telegráficas entre os diversos pontos de seus territórios, e entre estes e os de outros Estados que se não acharem servidos por linhas federais, podendo a União desapropriá-las, quando for de interesse geral”, porque o espírito da Constituição é claríssimo. Por motivos, quer de natureza internacional, quer relacionados com a segurança interna, quer de ordem moral, como é o sigilo da correspondência, garantido pelo art. 72, § 18, da Constituição, era forçoso que se imputasse à União a responsabilidade integral, no que toca à comunicação de ordens, e, em regra, do pensamento, por meio daqueles dois veículos. Num governo federativo, diz João Barbalho, Comentários, pág. 112, “a gestão e superintendência de serviços tais, de imensa importância social e econômica, e que se estendem a relações exteriores de grande alcance para a nação e para o comércio, indústria e particulares, de razão era que ficasse na competência da União, além do mais, para uniformização desses serviços, e tamanha é a necessidade dela que não se impõe só quanto ao interior de cada país; para consegui-la, se fazem tratados internacionais. Ora, compreende-se que dificuldades não adviriam para a realização das uniões postais e telegráficas, se semelhantes tratados dependessem não dos altos poderes da nação, mas dos governos particulares em que ela é dividida. E entre os poderes federais, a tarefa de regular superiormente tais serviços evidentemente deve tocar ao Poder Legislativo, que fixa as taxas que neles

se arrecadam, as despesas que exigem, regulamenta o comércio, navegação e vias de comunicação no País e em suas relações com o estrangeiro, aprova os tratados internacionais etc. (art. 34, nº 15 e 12; e art. J, nº 4).” A Constituição, se não criou na espécie um monopólio no rigor da expressão, tomou todas as cautelas para que, em matéria de tal magnitude, a Federação não convertesse esse instrumento de progresso; e ao mesmo tempo o mais eficaz condutor de ordens oficiais e de comunicações políticas com o mundo exterior, num aparelho desordenado e anarquizante. À vista, pois, do sistema da Constituição, o Governo Federal tem a suprema ingerência dos serviços telegráficos, de onde se segue que os Estados não a exercem autonomicamente, mas si et in quantum, nos termos do art. 9º, ex-vi do qual podem ser desapropriados. Nem outra coisa resulta da jurisprudência corrente na América do Norte, em cuja Constituição nos inspiramos. O serviço dos correios, telégrafos e telefones [...] pertence ao Governo Federal, se este o quer; não lhe pertence necessariamente. O texto concede um direito, mas não impõe uma obrigação ao Congresso. A jurisdição que pretendiam ter certas colônias sobre os correios respectivos, os Estados a detêm sobre os correios e, por analogia de razão, sobre os telégrafos e telefones, enquanto o Congresso não lhe tira. Na medida até onde chega, a lei federal será havida por nula. Outro tanto não sucede quando a lei local não contrariar ou dificultar a lei federal; e com maioria de razão, quando a facilitar. Em outros termos, não parece da essência, nem mesmo da natureza do serviço, que ele fique, em absoluto, sob a autoridade exclusiva do Congresso. A jurisdição que pretendiam ter certas colônias sobre os correios respectivos, os Estados a detêm sobre os correios, e, por analogia de razão, sobre os telégrafos e telefones, enquanto o Congresso não lh’a tira. Na medida até onde chega a lei federal, seja de um ponto a outro do mesmo Estado, e logo que essa lei regula as comunicações postais, telegráficas e telefônicas, a lei local é obrigada a ceder diante daquela. A lei local que contrariar ou dificultar a aplicação da lei federal será havida por nula. Outro tanto não sucede quando a lei local não contrariar ou dificultar a lei federal; e com maioria de razão, quando a facilitar. Em outros termos, não parece da essência nem mesmo da natureza do serviço que ele fique em absoluto sob a autoridade exclusiva do Congresso. Todavia, [...] a faculdade de ceder tem sido por vezes contestada pelo Congresso, o que não impede que o REVISTA

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serviço de telégrafos seja entregue, sob condições determinadas, a companhias particulares, as quais o Governo Federal concede, pelo menos e de ordinário, o direito de trânsito e o de se utilizarem de materiais nas terras de domínio público, impondo-lhes, em troca, a sanção de penas pecuniárias, a prioridade para expedição de despachos oficiais e mediante avaliação a faculdade de resgate. Nos Estados Unidos, deste modo, apesar de reconhecido o domínio eminente e o direito imediato da União de cassar as autorizações por lei do Congresso, funcionavam em 1902 vinte companhias de telégrafos, pelo menos, cujas ações eram negociadas nas bolsas americanas [...]. É o que há de suceder no Brasil, se o Congresso não tomar as medidas que se leem nas entrelinhas da Constituição. E num país como o nosso, em que a vigilância é ainda mais que muito indispensável para a defesa, tanto interna, como externa, compreende-se quanto é urgente legislar sobre o assunto. Os americanos do Norte dispõem de uma vitalidade defensiva natural, de que nós não dispomos; e se bem que o presidente Roosevelt já houvesse iniciado o amordaçamento dos trusts, que ameaçam substituir-se nas indústrias a soberania do Estado, o seu descuido não tem deixado de merecer críticas acerbas. No ponto de vista constitucional, a nossa lei básica oferece, quanto ao assunto de que se trata, alguma coisa de mais positivo, porquanto, ao passo que lá a influência local deriva de uma posse tradicional, que os Estados da União, ciosos da sua autonomia, resguardam para alegar nos momentos críticos, aqui se verifica que a faculdade de estabelecer serviços postais e telegráficos foi pelo novo regime outorgada com limitações às províncias do extinto Império, as quais viviam tuteladas, em quase tudo, pelo governo central. Em minha opinião, pois, os Estados não podem delegar jurisdições, que a Constituição lhes outorgou, como delegações da União, e cassáveis por lei ordinária do Congresso, o que quer dizer que se devem considerar inoperativas todas as concessões feitas pelos Estados em matéria de telégrafos. Às considerações acima expostas acrescentarei mais as seguintes: As convenções internacionais telegráficas vigentes, a que aderiu o Brasil, prescrevem o direito de correspondência, obrigam ao sigilo, a boa expedição daquela e a suficiência dos fios, estabelecem regras de tarifas e medidas de alta polícia, sobre a segurança do Estado e relativas à ordem, e bons costumes, bem como firmam regras atinentes à regulamentação de empresas particulares, no interesse 36

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geral do desenvolvimento progressivo das comunicações. Isto quanto às relações internacionais; quanto à administração interna e às relações de direito criminal, civil e comercial, convém ter em vista as prescrições do art. 72, § 18, da Constituição, arts. 189 e 255 do Código Penal, art. 84 do Regulamento nº 4.053, de 1901, art. 305 da Nova Consolidação das Leis Civis, de C. de Carvalho, e art. 122 do Código Comercial, em face da jurisprudência que assimila o autógrafo do telegrama à carta. Tais relações jurídicas, principalmente a primeira e a última, definem de modo positivo a jurisdição primária da União, no que respeita a matéria, subtraindo, ex-vi dos arts. 34, a. 5. e 60, letra G, da referida Constituição, a qualquer outro poder a suprema ingerência nos serviços telegráficos. Nestas condições, penso que a União pode fazer a particulares concessões que tenham por objeto a exploração do serviço público dos telégrafos. No estado atual, porém, da legislação brasileira, essas concessões estão dependentes de autorização legislativa para cada caso, e o estarão até que o Congresso vote uma lei, regulamentando definitivamente o dispositivo constitucional. 2º. A circunstância de se tratar de novo invento de telégrafo sem fio altera profundamente a solução dada ao primeiro quesito da proposta. Em caso nenhum o Governo Federal ou o Congresso poderá desaforar a União da jurisdição exclusiva. Desse serviço, parecendo-me que essa questão, assentando em novas razões de ordem científica, que afetam intimamente a natureza da exploração, só pode ser resolvida à vista dos princípios internacionais, a que temos de subordinar a interpretação da nossa lei básica. As aplicações do direito, definidas pelas leis administrativas e firmadas pela jurisprudência dos tribunais, no que se refere à eletricidade canalizada e à propriedade de estações, máquinas, aparelhos, postes e fios, ocupando regiões mais ou menos extensas, de domínio público ou particular, não encontravam dificuldade na prática, porque limitadas a superf ície da terra e circunscritas em zonas perfeitamente demarcáveis, não variavam em substância, nem escapavam aos princípios reguladores da posse, da servidão e do regimento tutelar das obrigações. Todavia, no que toca à propriedade, essas aplicações jurídicas não tem sido isentas de divergências. Assim, vemos que a Corte de Gênova, em sentença de 28 de dezembro de 1898, atendendo a um contrato pelo qual se concedia, durante certo período, o uso de uma determinada quantidade de energia elétrica, declarou


que se tratava de uma verdadeira locação de coisa e não de trabalho. Os autores, diz a aludida sentença, classificaram o seu direito como de locação de força elétrica, e tal é o caso, pois a eletricidade não é senão uma coisa. A Companhia do Aqueduto, com as suas oficinas hidroelétricas, com seus maquinismos, em suma, com um complexo de coisas, fixou um estabelecimento em que se produz a força, e para depois tirar uma renda desta sua propriedade, concede, por locação, essa força armazenada ou em contínua reprodução nas preditas oficinas. E tal é o fim e objeto do contrato de locação com a Companhia Agrícola, a qual, usando da força elétrica, a emprega nos seus trabalhos; a hipótese é semelhante aquela em que se cogitasse de um manancial, cujo proprietário cedesse uma porção côngrua, conservando não obstante a substância. É igualmente esta a doutrina da Corte de Cassação de Roma, em aresto de 13 de julho do mesmo ano [...]. Isto posto, vê-se quanto a complexidade do problema aumenta, em face do novo invento da telegrafia sem fio, do qual a Constituição da República não podia cogitar. Na deficiência da legislação, ainda mesmo tumultuaria, da eletricidade canalizada, o que levou Francesco Nitti a dizer que a complexidade desse problema é pela maior parte ignorada, de onde tem resultado preconceitos fiscais que, longe de favorecer, tem embaraçado o desenvolvimento útil das forças naturais, afastando os governos de um programa racional [...]; na ausência dos remédios que em França já se procurou, aliás sem grande êxito, ministrar, instituindo-se pela lei de 1875 o Conselho Permanente de Eletricidade, no intuito de dar unidade a esse serviço e neutralizar, confusão oriunda da diversida-

Em caso nenhum o Governo Federal ou o Congresso poderá desaforar a União da jurisdição exclusiva. Desse serviço, parecendome que essa questão, assentando em novas razões de ordem científica, que afetam intimamente a natureza da exploração, só pode ser resolvida à vista dos princípios internacionais, a que temos de subordinar a interpretação da nossa lei básica.

de de critério das autoridades que intervêm no assunto, parece que a legislação sobre tal matéria deve ter caráter internacional, como sucede com os mares rios navegáveis, etc., porque se é verdade que a eletricidade não seja um corpo, é um elemento ou força hoje dominada pelo homem, em condições porventura especialíssimas, porque o envolve e o solicita, não como o ar e a água, que admitem a apropriação por exclusão, mas estabelecendo relações e contratos que podem abranger regiões indeterminadas. É justamente o caso da telegrafia sem fio, invento este que coloca qualquer indivíduo, armado de uma forte máquina, em condições de agitar o ambiente, muitas vezes perturbando-o numa extensão de zona, cujos limites dependem unicamente da potência utilizada. Ora, é intuitivo que a eletricidade assim manipulada não pode ser mais regida pelos princípios que encontramos consagrados no Direito Romano, sobre a res omnium communis. Não sendo o usus dessa força, assim definida, suscetível de limitação por direito contíguo, ao contrário, só conseguindo o homem utilizá-la dispersivamente, numa irradiação absoluta, é óbvio que, pelo imprevisto, constitui ela um aspecto inteiramente novo no direito, o qual tem de ser regulado pelas nações. A meu ver, portanto, a eletricidade sem condutos escapa a propriedade particular; e ainda mesmo os Estados, servindo-se dela, serão impelidos a monopolizar o seu emprego, pelo menos enquanto não for objeto de uma convenção internacional. Deste modo, deixando de entrar no desenvolvimento que comportaria tão interessante assunto, como, por exemplo, a coexistência dos interesses dos inventores privilegiados, os perigos adjetos ao seu exercício, bem como as perturbações das correntes inferiores, máxime na hipótese de comunicações concernentes a defesa dos Estados, em tempo de guerra, penso que não existe base em que se firme o Governo para deferir o requerimento da Amazon Wireless Telegraph and Telephone Company. 3º. A matéria do 3º quesito respondo com as razões expostas na solução do segundo. É intuitivo que a concessão da autorização requerida, a vista do objeto exclusivo da exploração, importaria no reconhecimento implícito do direito dessa exploração. 4º. Este quesito resolve-se pelas razões desenvolvidas nas respostas anteriores. É este o meu parecer, que submeto ao alto critério do Sr. Ministro. — T. A. Araripe Júnior. * Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontif ícia Universidade Católica de São Paulo. Consultor-Geral da União. REVISTA

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PUBLICAÇões

Os rumos do Direito Ambiental são discutidos em livro O livro “Perspectivas do Direito Ambiental”, publicado pela Editora Tipográfica, é uma compilação de artigos jurídicos que relacionam o Direito Ambiental com os demais ramos do direito. O objetivo é apresentar a multiplicidade de situações em que o Direito Ambiental interfere nas relações jurídicas. O advogado público Elmo José Duarte de Almeida Junior é um dos autores da obra. Ele participa com o artigo “Direitos sociais, reserva do possível e meio ambiente – entre o constrangimento orçamentário e a proteção ambiental”. O livro foi lançado no estande do Movimento Nacional pela Advocacia Pública, durante a XXII Conferência Nacional do Advogado, realizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro.

Membros da AGU divulgam obra sobre licitações e contratos A Editora Ixtlan lançou, em novembro de 2014, o livro “Licitações, contratos e convênios: visão de membros da AGU sobre temas sensíveis”. No trabalho, os advogados discutem temas litigiosos, que afetam diretamente a vida do cidadão e que demandam a atuação da Advocacia-Geral da União. Entre os assuntos abordados, estão os efeitos da desoneração nas licitações, o regime diferenciado de contratações públicas e a contratação direta para a locação de imóveis. Participaram do projeto os advogados públicos federais Marcus Monteiro Augusto, Leonardo Stuckert Lima, Rui Magalhães Piscitelli, Fabiano de Figueiredo Araújo, Marcelo Lopes Santos, Thaísa Juliana Sousa Ribeiro e Elvira Carolina Moreira de Rezende.

A história da princesa brasileira No livro “A história da princesa Isabel: amor, liberdade e exílio”, a jornalista e biógrafa Regina Echeverria relata passagens da vida dessa importante figura histórica brasileira. Na obra, fruto de um intenso trabalho de pesquisa, são relatadas cenas do cotidiano, da infância, do casamento e das relações políticas da princesa. Imortalizada em nossa história por ser a responsável pela assinatura da Lei Áurea, que extinguiu a escravidão no Brasil, a princesa Isabel é apresentada nesta obra sob o ponto de vista público e privado. O livro também destaca a relação dela com o marido, o conde d’Eu, que transparece nas cartas estudadas pela pesquisadora. Com 359 páginas, o livro foi publicado pela Editora Versal.

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