As GRANDES Aventuras de Daniella L. L. Alves
PRÓLOGO
Fecho os olhos e suspiro. Deixo a água escorrer, deixo o líquido amargo verter sobre a bochecha, enquanto meus dedos murcham. O que eu tinha feito? O que estava fazendo com a minha vida todo aquele tempo? Engulo em seco, engasgo e abro os olhos. Minha visão está embaçada, os ladrilhos do banheiro parecem mundos desconhecidos, como passagens para outra dimensão: preto, branco, preto, branco. Pisco. Tudo mudara em tão pouco tempo. Da criança gorducha fanática por bolachas de morango até a adolescente espinhenta com quilos a mais. Então da adulta autodestrutiva e sem autoestima para a adulta superconfiante e com um supernamorado. E aí? E aí tudo mudara. Bom, não tudo, para dizer a verdade. Estou sendo melodramática, deu para perceber? A questão é que esse é o meu desabafo. A verdadeira história dessa catarinense — desse ser vivo, único, tão insignificante para tantos. A narrativa desse mísero ponto no universo significou, significa ou ainda vai significar alguma coisa? Ah, sei lá. Ignore essas perguntas filosóficas. A gente sempre acaba se perdendo nelas. Então, quer ouvir minha história? Tem certeza de que quer continuar? Já digo que não será o que você está esperando. Não será o conto de fadas com príncipes encantados e carruagens. Sério, alguém ainda acredita nisso? Bom, esse é o meu relato, que começo a contar aqui mesmo, em um banheiro de ladrilhos preto e branco, enquanto a água escorre pelos meus cabelos castanhos acobreados e sinto a pele murchar e murchar e murchar como uma uva-passa... Uma grande uva-passa velha e fedorenta.
Depois disso tudo você continua aqui? É, estou vendo que a história vai ser longa. Precisamos começar logo, certo? Então vamos lá. Conheça a verdadeira e única crônica de Daniella Fagundes, na íntegra! Desligue a TV, mande o colega chato calar a boca e se concentre... Essas são... As GRANDES Aventuras de Daniella.
PARTE 1 Aquela parte do “Era uma vez... mas espera aí. Alguma coisa deu errado”.
UM
— Vamos sentir tanto a tua falta! — Você vai me fazer chorar, cala a boca! Vou parecer um urso panda daqui a pouco. Olhei para as minhas duas amigas, Sabrina e Paula; garotas tão lindas, cheias de vida, com seus olhos brilhando, unhas roídas (por minha causa, devo dizer) e confesso que foi difícil segurar o choro. Elas eram como irmãs para mim desde o momento em que as conheci, como se fossem parte de um só ser, uma só amiga que conseguia me compreender em ocasiões que nem eu me entendia. Eu ri, mas o riso saiu engasgado, fui abraçada com força pelas duas pernudas. Deixei que mexessem em meus cabelos, cutucassem e fingissem que não estavam chorando. Olhei mais de perto e tentei gravar aquele sorriso na memória, para quando eu me sentisse um lixo. Encontrei os olhos de Sabrina, minha loira artificial preferida. Sua raiz nunca estava castanha, por isso, apenas suas amigas mais íntimas sabiam de sua mudança capilar. Seus cabelos eram lisos, descendo até a cintura, destacando os olhos claros, esverdeados. Seu corpo era fino e delicado, dando espaço apenas para as curvas — nada de estrias ou celulite. Já Paula tinha um jeitão de moleca, pele negra, boca grossa e seios fartos... É claro que os meus eram maiores (Deus, como eu gostava disso), mas seu corpo magro lhe dava um ar de modelo. Ambas passavam por várias dietas malucas e frequentavam academia, ao contrário de mim, claro, que amo comer... Dieta? Humpf. Eu suspirei e me foquei no presente. Como sentiria falta da companhia delas. — A gente vai continuar se vendo, parem de ser tão dramáticas, meninas. Vou mudar de emprego, não de País. — E você acha que sair de um emprego não é quase uma mudança de país, guria? — Sabrina replicou, passando o dedo anelar com rapidez abaixo dos olhos. — Mudanças sempre trazem mais mudanças, ou algo assim, sei lá. — Se Nicolau Maquiavel estivesse vivo, ele te daria uma surra. — Impliquei. Sabrina revirou os olhos e Paula imitou o gesto. Eu sabia que ela provavelmente vira a frase no Facebook e achara descolada, mas desconhecia a fonte. Se tivessem dito a ela que foi Obama que falara em um dos seus discursos, tenho quase certeza de que acreditaria.
— E agora me responda, sabe-tudo: de que adianta conhecer o nome desse cara aleatório? Fingi estar afetada e elas riram. — Isso é ser intelectual. É muito sexy, para a sua informação. — Bom, o Thiago provavelmente te acha sexy de qualquer forma, Dani, não só quando você diz nomes de caras mortos quando vocês estão tr... — Entendi, entendi! — Interrompi, exasperada. — Deixe de ser tão pudica! — Paula gargalhou, seus grossos lábios se divertindo à minha custa. — Transar, transar, transar. Qual o problema? Eu senti as bochechas corarem e fiquei ligeiramente sem graça. Não sabia a razão de ainda ficar tão nervosa quando o assunto era esse; meu corpo só reagia sem que a mente processasse direito à informação. Você sabe, né? Tive dois namorados antes do Thiago e as experiências não foram nada agradáveis, para não dizer deploráveis. Então eu tinha decidido fechar as pernas — quer dizer, o coração — para qualquer pessoa até encontrar Thiago. Minha vida mudou tanto em um curto período de tempo que parecia até surreal. Eu só conseguia pensar: “finalmente encontrei o príncipe encantando... não é?”. Enfim, deixe para lá. Não é o momento certo para contar essa parte. Temos muita coisa pela frente, a história vai ser longa, lembra? Afinal, sou uma pessoa muito prolixa (procurei essa palavra no dicionário e simplesmente fiquei encantada, agora sempre que dá uso). Sabrina olhou para o relógio, fez uma careta e jogou os cabelos loiros para o lado, mania que deveria ter desde adolescente. — Precisamos ir, Dani. Lembra como o Marcelo é um pé no saco, né? Sei que você tem tempo de sobra porque agora... — pigarreou, teatralmente. — Trabalha na empresa de advocacia do Thiago, mas nós, meras mortais, precisamos seguir horários e ser escravizadas. Só faltam as chibatas! — É um trabalho como outro qualquer, meninas. Fui selecionada porque sou uma ótima profissional, a melhor do mercado, não porque estou... — Tu tá transando com ele, sim, nós sacamos isso. — Paula brincou e me deu outro abraço, apertando minhas gordurinhas e pele flácida. — Cara, lembro como tudo isso começou e é tão louco, não é? Estou tão feliz! Em todos os sentidos, porque tu merece tudo isso, amiga. E também, é claro, por ter aquele corpinho escultural todo para você... Até fico arrepiada. Qualquer dia desses coloca uma câmera escondida no quarto e nos mostra do que você é capaz.
— Paula! Elas gargalharam e Paula me soltou, meus braços molengas caíram para os lados do corpo. Olha, entendo que falando assim parece que me sinto horrível, que odeio meu corpo, talvez eu realmente odeie, mas não vou admitir isso, não agora, pelo menos. A verdade é que não é fácil me aceitar do jeito que sou: minhas calças são tão largas que caberiam Paula e Sabrina juntas, e ainda sobrariam um espacinho; é constante a briga para comprar roupas e sempre saio chorando, desesperada, enquanto a vendedora tenta me acalmar e começa a chorar junto, trazendo toneladas de roupas para que eu experimente, empenhando-se em mudar meu humor. Sem contar que sou desengonçada, tropeço nos meus próprios pés quando menos espero. Além disso, sempre que comem alguma coisa perto de mim, todos me ignoram ou lançam “aqueles olhares”, achando que vou obrigá-los a me dar um pedaço. Ah, fala sério, né? Não é porque tenho um peso maior do que as pessoas que me rodeiam que pretendo comer tudo que vejo. É tão... Humilhante. Será que as pessoas ao menos se tocam do que fazem? Bom, é claro que colocando tudo isso em palavras parece que minha vida realmente é um drama, composta apenas de lamúrias no estilo “sou gorda, todos são magros, eu me odeio”. Houve um tempo que me sentia péssima. Incrivelmente ruim, de verdade (acho que vocês já entenderam) e apenas quem passou por isso sabe como é. Sempre fui gordinha, ossos largos — muito largos. Herança de família, posso dizer, ou parece uma grande desculpa? Ops, usei de novo: grande. Ria, pode rir. Sou uma grande incoerência ambulante. A questão é que tenho problemas com o meu peso e acho que isso ficou claro. Agora vamos nos focar em outra coisa, que tal? Estou contente em mudar de emprego. Marcelo, com seu problema emocional, estava me deixando cada dia mais louca e estressada. Aquele cara parecia satisfeito em arruinar nossas vidas, nos deixar para baixo e nos fazer sentir as piores funcionárias do Universo e Tudo Mais (sacou a referência?). Não entendo porque chefes assim precisam existir... Ajudar na minha vida é que não vão. Enfim, eu saí de lá, como queria há muito tempo e não podia por falta de oportunidades. Afinal, ninguém gosta de acordar todo santo dia com aquela sensação de “o que estou fazendo com a minha vida?”, “mãããe, não quero ir” ou simplesmente chorando, os olhos inchados de não dormir. Sabe, é irritante ver que meus quatro anos de faculdade e mais alguns de especialização não estão sendo bem utilizados. Sempre me pego pensando: eles serviram para quê? Para buscar o controle dos hormônios malucos do meu chefe e tentar, a muito custo, não comprar um machado e dar
uma de louca, que nem o Jack Nicholson em O Iluminado? Era desanimador. Era... desesperador. Foi então que um cavalo branco apareceu e eu conheci Thiago... Pode parecer injusto com elas, com a Sabrina e a Paula, digo. Talvez até seja mesmo, elas foram minhas únicas amigas na empresa por todo o tempo que estive sendo escravizada, e eu era a única que estava saindo dali, para o que eu esperava ser um novo e melhorado recomeço. Elas me animavam, o tempo todo me deixavam para cima, chamando para sair, para beber e para tentar esquecer a injustiça do mundo. Pelo menos até o momento que conheci Thiago... A vida prega peças. É tão engraçado, não é? Um dia estamos no fundo do poço, sem forças nem para esfolar os dedos e nos impulsionar para cima. Apenas sentadas, esperando que alguma coisa acontecesse, que alguma coisa mudasse, pelo amor de Deus. Então, nos sentimos grandes (ops!), supremos e felizes... E aí? E aí tudo muda. O emprego, os sonhos, as perspectivas, os amores... — Sentiremos tua falta. — Sabrina deixou que as lágrimas rolassem e entendi o que queria dizer. Compreendi como ela se sentia. — Precisamos marcar alguma coisa. Tipo, sério. Uma bebedeira de despedida. — Por favor, não me fale em bebidas. — Paula fingiu que vomitava. — Ainda lembro das margueritas de sexta. Argh, estou passando mal. Eu ri e dei mais um abraço nas duas, olhando ao meu redor pela última vez. Estávamos no lobby do prédio que eu entrara nos últimos dois anos e meio; o local que se tornara uma segunda casa, não porque era agradável e me fazia sentir bem, apenas porque eu passava metade do meu dia ali. E, bom, com as duas e com Thiago, acabara se tornando um lugar levemente interessante. Não pelas razões certas, mas pelo menos eu soubera usufruir das coisas boas. O lobby era largo, e a mesa de Cristina, a secretária que tinha um sorriso impecável, ficava no canto direito. No lado esquerdo estava Jorge, o segurança com seu “bom dia” cotidiano. Eu nunca prestara atenção direito neles, chegava quase todo dia atrasada, correndo, derrapando no chão encerado e recebia os “olhares”. Aqueles que apenas Os Grandes recebem: “Só podia ser a Daniella”, “Só podia ser a gordinha”. Porque nunca somos “pessoas acima do peso”. Somos os gordinhos. Como se diminuir a palavra mudasse alguma coisa no sentido. Piora, talvez. Mas quem explicaria isso para eles? Quem nos impediria de repetir esses discursos? Todos dizem, não é? Qual o problema, afinal? Jorge era mulato, os dentes branquíssimos e os olhos sérios, negros e atentos. Sua farda azul estava sempre impecável e sem um amassado sequer. Ele virou seus olhos para mim por um instante e acenou, brevemente. Era casado e tinha dois filhos, vez ou outra eu
o ouvia se gabando para os funcionários. Ele parecia feliz e sabia que minha mudança faria pouca diferença ali. Olhei para Cristina, que atendia ao telefone enquanto jogava paciência. Eu não precisava estar do lado dela para saber isso — todos sabiam e ainda assim ela não era demitida. Por quê? Acho que ser sobrinha do chefe tinha suas vantagens, não é? Ela sequer me encarou, só falava, falava, mas eu não ouvia, talvez não quisesse ouvir. Apenas passou seus olhos por mim, sem se dar ao trabalho de permanecer por muito tempo. Ela era magra, esquelética, profundamente preocupada com sua pele, seios e unhas, que hoje estavam pintadas de roxo; a boca fora delineada de rosa e ela usava roupa social. Com certeza não sentiria falta dela. Eu evitava, a todo custo, sentir como se aquilo pudesse virar minha vida de cabeça para baixo. Tentei encarar como algo normal, como mais um passo na minha vida e carreira. Sou uma mulher adulta que tem que aceitar as mudanças, não é? Não sou tão infantil assim... Suspirei e tentei impedir que aquele sentimento tomasse conta de mim. Esse era o passo que mudaria tudo (ok, isso foi clichê demais, mas fazer o quê? Sou fã assumida de clichês). Despedi-me uma última vez das duas e dei meu primeiro passo. E caí de cara no chão. Sabrina e Paula deram gritinhos esganiçados e foram me socorrer, tentando a todo custo não rirem da minha desgraça. Arrumei os pertences da bolsa, que tinham voado para todos os lados (Cristina agora me vira e já fofocava para alguém do outro lado da linha sobre o meu tombo), e me levantei, sentindo o rosto queimar. Olhei minhas amigas, respondendo que estava tudo bem, só um arranhão no joelho, não foi nada, e então revirei os olhos. — Pelo amor de Deus, riam, senão suas cabeças vão explodir daqui a pouco. — Disse e não foi necessária uma segunda ordem. As duas gargalharam e eu as imitei, comentando como o chão era traiçoeiro e que o faria pagar qualquer dia desses. Eu ri. Eu ri de mim mesma, me divertindo com o meu próprio erro. Estava me sentindo bem... Ou será que não? O que aquele tombo significava? Um mau agouro? Sorri para mim mesma, mais uma careta que qualquer outra coisa, e inspirei fundo, dando outro passo; dessa vez sem deixar que a gravidade ganhasse de mim. Afinal, Daniella Fagundes não se deixava abater tão fácil assim! Continue comigo, as partes inacreditáveis ainda estavam para acontecer...
------------------------------------------------Apenas DEGUSTAÇÃO do chick-lit nacional "As GRANDES Aventuras de Daniella". Disponíveis o prólogo e o primeiro capítulo. Romance completo na Amazon: http://www.amazon.com.br/gp/product/B00ZK5Q4QO