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LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

TEMA 1: TEORIAS IMPLÍCITAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO

Docentes: Lina Morgado Angelina Costa

© Universidade Aberta, 2009 Psicologia do Desenvolvimento


U. C. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO, UNIVERSIDADE ABERTA

Te x t o 1 : As Grandes Questões sobre a Natureza Humana Observado de outro planeta, o comportamento humano pareceria muito surpreendente. O Homem é uma das raras espécies animais que matam o seu semelhante de forma deliberada. Mais ainda, nuns casos condena o crime individual, noutras condecora os responsáveis por homicídios colectivos ou os inventores de atrozes máquinas de guerra. Este louco absurdo persegue­o ao longo da História, desde a invenção do machado de pedra lascada até à construção de bombas termonucleares, e resistiu a todas as religiões e a todas as filosofias, mesmo às mais generosas. Mas o Homem também pintou a Capela Sistina, compôs a Sagração da Primavera, descobriu o átomo. Que quimera é este Homem? Que novidade, que monstro, que caos, que ser contraditório, que prodígio! Quem será este Homo, que a si próprio atribui, sem vergonha, o epíteto de Sapiens? J.‐P. Changeaux, O Homem Neuronal, 1985

Os humanos gostam mais de oferecer bombons aos filhos do que arrancar-lhes os dentes. Assistem com muito mais agrado a desafios de ténis do que a cenas de tortura. Na maior parte dos casos, o assassínio ou a vingança não são mais do que gestos desesperados. Os verdadeiros sádicos, os assassinos e os carrascos, os que gozam cm o sofrimento, não estarão gravemente doentes?

Muitos animais são carnívoros. O leão devora antílopes e gazelas, o gato contenta-se com

ratos e pardais, o homem come carne e peixe, por vezes até crus, ou marisco vivo. Mas a antropofagia, onde quer que seja declarada, continua a ser um acto excepcional, singularizado, ritualizado e carregado de conotações simbólicas: a carne humana não é de uso normal em nenhuma sociedade conhecida. Por que razão somos assim tão relutantes com o sangue e a carne dos nossos congéneres e não com a carne do talho? Sem dúvida porque mantemos com eles laços privilegiados. E também porque nos reconhecemos como semelhantes, como membros de uma mesma espécie definida por caracteres estáveis. Os homens não são idênticos, mas assemelham-se muito. Que os nossos olhos sejam em bico ou não, que a nossa epiderme seja clara ou escura, o que nos une prevalece sobre o que nos separa: todos temos uma boca, dois olhos, um nariz, um queixo, duas mãos, cinco dedos em cada mão, o que nos confere uma aparência tipicamente humana, distinta da fisionomia dos cavalos, por exemplo. Mas se sentimos pena ou até repugnância face ao homem cujos membros foram amputados ou face ao homem-elefante no cinema, não os julgamos menos homens por isso. Uma figura de cera do museu Grévin pode suscitar espanto e admiração. Porém, jamais lhe dirigiremos

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a palavra. As semelhanças que nos unem não são, pois, unicamente físicas. Reconhecer no outro o nosso semelhante é, também, reconhecer nele um certo número de caracteres psicológicos que, pela mesma razão dos elementos-chave da nossa fisiologia, são comuns a todos os membros da espécie e constituem a «natureza humana». Adaptado e J. Mehler e E. Dupoux, Nascer Humano, 1994

Quem sou eu? Por um lado, sou um conjunto de células organizadas em ossos e em músculos, em pele e cabelo, num cérebro, fígado e outros órgãos. Parte daquilo a que chamamos comportamento e processos mentais são actividades destas células especializadas e da sua capacidade de comunicar umas com as outras. Paremos de ler por um momento e sintamos o nosso pulso. Estamos vivos porque o nosso coração bate e os nossos pulmões respiram graças à actividade das células do nosso cérebro. Mais ainda, foi graças às capacidades das nossas células se dividirem e executarem funções específicas que evoluímos de uma célula fertilizada para o ser complexo que somos hoje. Algumas células especializadas tornam possível outro aspecto do comportamento e dos processos mentais: a capacidade de receber informação vinda dos mundos externo e interno. Paremos de ler outra vez e olhemos para a esquerda e para a direita. As imagens que vemos, tal como aquilo que está impresso na página, são resultado de um processo através do qual as células dos nossos olhos convertem a luz em actividade nervosa que chega ao cérebro. Excepto quando existe alguma incapacidade, as células dos órgãos dos sentidos dão ao nosso cérebro informação que nos permite não só ver o mundo, mas também ouvi‐lo, cheirá‐lo, saboreá‐lo, senti‐lo. Mexemos um dedo. São células do nosso cérebro e do sistema motor que nos permitem mexer os dedos como fizemos agora. Tal como nos permitem produzir padrões de comportamento a que chamamos andar, dançar ou falar. Então somos apenas um conjunto de células que recebe passivamente informação automaticamente e reage a ela? Claro que somos muito mais do que isso. Também interpretamos e construímos significados. Mais ainda, podemos pensar e tomar decisões. Suponhamos que alguém está na nossa frente com uma faca. Reconhecemos a faca como um objecto perigoso e percebemos o significado das palavras «Passa para cá o dinheiro». Nós obedecemos. No entanto, se a pessoa sorri e diz «Parabéns!», provavelmente pensamos que a faca serve para cortar um bolo. A nossa decisão sobre o que fazer nestas duas situações é orientada não só pelas circunstâncias do momento, mas também pela capacidade de aprendizagem e memória. Se não compreendemos as palavras ou não nos lembramos da cara das pessoas da nossa família, ou o que aprendemos sobre ladrões e aniversários, estamos perdidos.

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Parece que somos seres completamente racionais, capazes de processar friamente informação em qualquer situação. Mas, no caso da faca, teremos apenas o pensamento lógico a funcionar? Provavelmente não. Sentimos também emoções e sentimentos de medo ou de felicidade. Somos capazes de sentir estes e muitos outros. De onde vêm as emoções e os sentimentos e por que é tão difícil geri‐los? Podemos colocar as mesmas questões relativamente aos nossos desejos e necessidades. Talvez alguns de nós façam trabalho voluntário, adorem ler, tenham dois empregos ou comam mais do que deviam. Mas por que razão nos comportamos desta forma? O que é que no nosso comportamento nos faz sentir e como é que os sentimentos influenciam o nosso comportamento? Estas são outras dimensões do ser e reflectem outros aspectos do comportamento e dos processos mentais. Acima de tudo, cada um de nós é um indivíduo, de muitas formas diferentes de qualquer outro na Terra. Temos a nossa própria identidade, capacidades, valores, atitudes, crenças e até uma série de problemas de um tipo ou de outro. A nossa individualidade emerge parcialmente de um conjunto único de características herdadas dos nossos pais e parcialmente da experiência de crescimento numa família particular e numa cultura específica. As diferenças individuais nos comportamentos, nos processos mentais e nos processos de desenvolvimento parecem um caleidoscópio. Finalmente, porque somos indivíduos num mundo social, colocamo‐nos a questão «Quem sou eu?» o que inclui algo sobre como e onde estamos no mundo. Podemos mencionar o tamanho da nossa família, o papel que desempenhamos nas organizações a que pertencemos, as nossas atitudes face ao governo. Nenhuma definição de Homem estará completa sem referência à forma como as pessoas pensam e se relacionam umas com as outras. E não nos admiremos. As grandes realizações humanas, como uma sinfonia ou a conquista do espaço, acontecem quando as pessoas trabalham em conjunto. Todas as grandes tragédias, do Holocausto ao terrorismo, acontecem quando os preconceitos e os ódios voltam as pessoas umas contra as outras. Adaptado de D. Bernstein, Psychology, 2000

Como todos os seres vivos, o homem recebe à partida um património de informações genéticas que lhe confiam todos os segredos de que o seu organismo precisa para se constituir, desenvolver e lutar para sobreviver. As substâncias complexas que vão fazer parte do seu ser, os subtis mecanismos reguladores que o irão estabilizar, os relógios internos que irão cadenciar o seu desenvolvimento são influenciadas pelo conjunto de genes que recebeu em partes iguais do pai e da mãe. Mas esses genes isolados são mudos, não se conseguem exprimir senão com a participação do meio. A complexidade dos seres humanos manifesta‐se numa certa liberdade de reacção que dá lugar a comportamentos novos. Torna‐se possível a inovação. Cada ser pode

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beneficiar da sua experiência pessoal para se comportar mais eficazmente em cada circunstância. Quando as lições desta experiência são transmitidas à geração seguinte, foi ultrapassada uma etapa decisiva. O indivíduo procriado beneficia de um período de aprendizagem junto dos ses progenitores. A transmissão de informações desconhecidas do património genético foi assegurada e este foi acrescido de um património cultural. Na nossa espécie, a aprendizagem é mais decisiva e mais longa. Mais do que qualquer outro animal, somos incapazes de sobreviver sozinhos. Embora menos aptos do que outros animais, beneficiamos de um incomparável privilégio, o poder praticamente ilimitado de aprender. Esta capacidade extraordinária foi aproveitada para inserir uma terceira linha de informação. Devido à linguagem e à escrita, o homem criou uma memória exterior a si próprio e capaz de lhe sobreviver. Ela encerra o conjunto da experiência humana. Apesar de esquecidos por todos os homens durante séculos, os antepassados longínquos, desaparecidos há muito tempo, podem ainda comunicar‐nos as suas aprendizagens se soubermos decifrar a sua escrita. Isto permite afirmar, segundo a expressão do filósofo Jean Paul Sartre, que cada homem é «feito de todos os homens». (…) Eu não sou como os outros. A partir de um bebé inconsciente, inacabado, fomos, pouco a pouco fabricados por todos os contributos do mundo que nos rodeia. Lançando mão de todos os recursos, devorando tudo, desenvolvemo‐nos sem preocupações, às cegas, empanturrados de papas, conselhos, de bandas desenhadas, de afecto, de repreensões e de televisão.

Chega então uma idade em que olhamos para nós próprios: quem é este ser em que

me transformei? O que é que ele vale? Examinamos o olhar dos outros que, muitas vezes, no trespassa sem nos ver (serei tão insignificante?), ou nos chega carregado de ironias e desprezos (serei ridículo?). Vemo‐nos ao espelho. Serei belo? Serei inteligente? A resposta a estas duas perguntas lancinantes é diferentes dos outros.

Eu não sou como os outros é claro, porque o meu património genético, fruto de uma

dupla lotaria, é único; como única é a aventura que vivo. O que tenho em comum com todos os outros é o poder de, a partir do que recebi, participar na minha própria criação.

Mas é preciso que mo permitam

E para isso contribuíram os meus pais, cujo óvulo e espermatozóide continham todas

as receitas de fabricação das substâncias que me constituem.

E a minha família, pelo alimento, pelo calor, pelo afecto, que me permitem crescer e

estruturar‐me.

E a escola, que me transmitiu conhecimentos lentamente acumulados pela

Humanidade desde que esta procura conhecer‐se e conhecer o Universo.

E todos os que me amaram com o seu insubstituível amor.

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Mas sou eu que tenho de concluir a obra, que tenho de colocar a trave‐mestra.

Esqueçam o modelo que gostariam que eu fosse. Não sou obrigado a realizar o sonho que imaginaram para mim; isso seria trair a minha natureza de Homem. Para que eu seja verdadeiramente um Homem, devem oferecer‐me mais uma coisa: a liberdade de vir a ser o que escolhi. Adaptado de A. Jacquard, O Meu Primeiro Livro de Genética, 1984

Te x t o 2 : Diferentes Vertentes do Desenvolvimento Humano A Psicologia do Desenvolvimento é uma das áreas de estudo e de intervenção da psicologia e pretende, em termos gerais, responder à questão «O que é que muda em nós ao longo da vida?». Deste modo, a psicologia do desenvolvimento tem por objectivo estudar a génese e a evolução dos processos psicológicos ao longo do tempo, quer dizer, as mudanças que acontecem com a idade. Um bebé sorri para a mãe, uma criança de três anos compreende uma conversa, uma outra, de seis anos, brinca com os amigos e inventa as regras de um jogo. As crianças de oito e dez anos são capazes de memorizar a mesma lista de palavras, um adolescente consegue resolver uma equação matemática, uma pessoa de trinta anos faz opções sobre a sua carreira profissional, outra, de quarenta e dois resolve um problema emocional e outra, ainda, de sessenta decide que vai reformar‐se. Estes são exemplos de comportamentos que observamos no nosso quotidiano e que nos dizem o que as pessoas são ou não são capazes de fazer. Considera‐se que o desenvolvimento é o processo contínuo de mudança psíquica que ocorre ao longo da vida. Um processo contínuo, global e dotado de grande flexibilidade. Na Psicologia do Desenvolvimento estuda‐se a forma como nos desenvolvemos ao longo do ciclo de vida, da fecundação até à morte. Durante muito tempo considerou‐se que o desenvolvimento terminava na idade adulta. O período da infância, em especial, atraía a atenção dos investigadores e daqui surgiram muitas teorias a explicar o que é que acontece durante esta fase de vida. Isto explica‐se pela razão de, na infância, ocorrerem mudanças muito visíveis e acentuadas. Hoje em dia, a idade adulta e a velhice são alvos de tanta curiosidade como a infância ou a adolescência. As pessoas não param de se desenvolver quando atingem a idade adulta. Progressivamente, foi‐se abandonando a ideia de imutabilidade dos adultos. As alterações das condições de vida, especialmente nas sociedades ocidentais, reforçaram este facto. Pensemos, por exemplo, que os jovens são inseridos cada vez mais tarde no mundo do trabalho, na precariedade do estatuto profissional, no aumento de divórcios, nos casamentos posteriores. Quer dizer que surgem continuamente novas exigências de adaptação que

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requerem o desempenho de novos papéis sociais. Mudamos mesmo depois de crescidos e diferentes fases da vida implicam diferentes exigências biológicas, sociais e também psíquicas que é importante conhecer. Por isso, muitas investigações se debruçam sobre o modo como respondemos a elas. Também as ideias sobre os mais velhos têm mudado, distanciando‐se de concepções associadas à degradação. Factores como o aumento do tempo de vida, a deterioração de algumas capacidades e a evolução de outras, o entrar na reforma quando se está apto para um conjunto de tarefas e de relações permitem às pessoas manter capacidades de adaptação a novas situações e estarem abertas à mudança e à vida. Por exemplo, a densidade de neurónios corticais começa a diminuir desde o nascimento, tal como a acuidade perceptiva que começamos a perder muito cedo. Por tudo isto é fácil perceber que nos desenvolvemos ao longo da nossa existência. O corpo e as capacidades físicas evoluem, a vida afectiva transforma‐se, o estatuto social muda. A Psicologia do Desenvolvimento centra‐se nas mudanças ao longo da vida. Aqui, mudança significa alterações quantitativas e qualitativas, do gatinhar ao andar, do balbuciar ao falar, do raciocínio ilógico ao lógico, da infância à adolescência, à maturidade, à velhice, do nascimento à morte. Por isso, parece importante perceber como é que o comportamento e os processos mentais mudam ao longo da vida, tendo em conta factores físicos e biológicos, cognitivos, afectivos e sociais que influenciam as diversas fases de crescimento e de desenvolvimento. Como estes factores não actuam isoladamente, surgem questões relativamente à interacção entre eles e ao papel que cada um desempenha no processo global. Também os contextos, por exemplo o contexto histórico, socioeconómico, cultural ou étnico, em que as pessoas se desenvolvem permitem compreender melhor a sua evolução. Ao longo da sua história de mais de cem anos, têm surgido na psicologia do desenvolvimento uma série de modelos teóricos que explicam de modo diferente o fenómeno da mudança e o papel destes factores no processo de desenvolvimento. Cada modelo tem explicações próprias e enfatiza diferentes vertentes do desenvolvimento. Embora algumas destas explicações possam parecer contraditórias, esta diversidade de ideias enriquece a compreensão que temos do ser humano e do seu desenvolvimento. Historicamente, estas diferentes concepções têm‐se organizado muitas vezes em dicotomias, ou seja, em ideias que se situam em posições extremas. Outras vezes tem‐se tentado ir para além delas e integrá‐las permitindo uma visão mais alargada. Essas dicotomias normalmente estão na base daquilo que as pessoas pensam sobre o comportamento humano. Podemos referir as mais importantes através de uma série de questões. Será o desenvolvimento humano consequência de factores hereditários ou de factores adquiridos? O desenvolvimento é um processo contínuo ou haverá rupturas que impliquem descontinuidade? O desenvolvimento dependerá mais de factores internos da

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pessoa ou de factores externos? O desenvolvimento é um processo que implica a estabilidade da pessoa ou mudança contínua? Há muitos séculos que se coloca a questão da origem das características dos seres humanos, do que os leva a ser e comportar‐se de determinada forma. Muitos investigadores e pensadores têm procurado responder a uma questão que pode variar de enunciado. O que é que nos torna humanos? O que é que nos leva a comportarmo‐nos de determinadas formas? Como se explica que nos comportemos de modo diferente uns dos outros? Para responder a estas perguntas, diferentes autores colocaram‐se nos pólos extremos da dicotomia: o pólo do inato, da hereditariedade, da natureza, e o pólo do adquirido, do meio, da educação.

O Inato e o Adquirido O pólo inato tem estado ligado a formas de ver o ser humano e o seu desenvolvimento como sendo determinado pelas suas características biológicas e corporais. Os defensores desta perspectiva defendem que há uma natureza em nós, no nosso corpo, nos nossos genes (ou até na nossa evolução filogenética), que é responsável pelo que somos e pela forma como nos comportamos. O

comportamento

humano

seria,

fundamentalmente,

determinado

pela

hereditariedade. Seria o património genético herdado dos progenitores que definiria a constituição orgânica e psíquica dos indivíduos, bem como o seu comportamento, desenvolvimento, personalidade. Essas características seriam, portanto, inatas, isto é, nasciam connosco. A maturação encarregar‐se‐ia de orientar o crescimento biológico do corpo e o desenvolvimento segundo padrões definidos por determinados programas genéticos. No pólo adquirido, relativo à educação, à influência do meio ambiente, encontramos perspectivas que defendem que são as nossas experiências sociais e culturais que determinam a nossa forma de ser. Nós seríamos produto do que aprendemos e os ambientes em que vivemos modelariam o nosso desenvolvimento. Os autores que defendem este princípio procuram ligações entre determinados ambientes e os percursos de vida. A forma como somos educados e aquilo que aprendemos são responsáveis pelo que somos e pelos comportamentos que manifestamos. Nas explicações que propõem, os autores favorecem as variáveis do ambiente (o que está presente no contexto, o conjunto de estímulos) e os conceitos de adquirido (o que passa a fazer parte do repertório de comportamentos de uma pessoa, o que é aprendido em determinada situação) e de socialização (enquanto conjunto de experiências e aprendizagens, vividas socialmente, por exemplo com a família). Alguns autores procuram integrar elementos desta dicotomia, como é o caso de Piaget que valoriza quer os factores maturativos, quer os factores socioculturais. Piaget

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defende uma posição que não é nem inatista, nem empirista: a pessoa tem um papel activo no seu desenvolvimento. Neste processo intervêm factores biológicos e factores relativos ao meio, às acções sobre o meio e à transmissão social. A sua concepção interaccionista e construtivista visa uma síntese possível entre os dois pólos.

A Continuidade e a Descontinuidade

Cada um de nós está em permanente reconstrução. À medida que vivemos,

que crescemos, que vamos agindo, que nos relacionamos com as outras pessoas, vamo‐nos transformando e vamo‐nos tornando quem somos, encontrando as nossa formas de pensar, de sentir e de agir.

A dicotomia entre continuidade e descontinuidade relaciona‐se com a forma

como muitos autores vêm e explicam as transformações que as pessoas vão sentindo. As perspectivas mais centradas na continuidade e as mais centradas na descontinuidade produzem diferentes compreensões sobre as mudanças que ocorrem na vida de cada um.

Na sua definição mais elementar, a noção de continuidade diz respeito a algo

que continua a existir de modo semelhante ao que existia antes. Nesta perspectiva, a mudança é gradual. A noção de descontinuidade aponta o aparecimento de algo que não existia antes, para uma mudança abrupta. A questão da continuidade/descontinuidade tem marcado a psicologia do desenvolvimento e diferentes modelos que a explicam as mudanças e transformações ao longo do tempo.

Muitos modelos mais centrados na continuidade tendem a ver as mudanças

em determinados comportamentos como resultado de uma mudança quantitativa, isto é, como uma mudança que ocorre através da acumulação de associações a estímulos. Mais respostas condicionadas ou mais competências adquiridas aumentam o repertório de comportamentos observados e modelados e, portanto, das diversas formas de agir.

Para os autores que defendem a descontinuidade as acções e as relações

conduzem ao surgimento de possibilidades de agir, sentir e pensar de modos novos e diferentes. A existência destas maneiras novas de compreender e de agir no mundo, de criar sentido para o que vai acontecer, torna necessária uma reorganização que resolva os conflitos entre as compreensões mais recentes e as mais antigas. Quando esta reorganização conduz a uma lógica global de organização de formas de pensar, de agir e de sentir nova, ocorrendo uma transição para o estádio de desenvolvimento seguinte.

As teorias mais centradas na descontinuidade tendem a ver as

transformações como envolvendo momentos de reorganização. As novas formas de organização apresentam‐se como qualitativamente diferentes das anteriores. As mudanças não são vistas como quantitativas, mas como qualitativas. Em vez de haver acumulação de respostas, há diferenciação e novidade nestas. Há sempre um modo de organização global que não existia antes e que emerge.

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Para explicar o desenvolvimento humano tanto a continuidade como a

descontinuidade são importantes. Mudamos e vamo‐nos transformando tanto de forma contínua como de forma descontínua. Experimentamos mudanças que se devem à integração de novos conhecimentos, de novas respostas, de novos comportamentos e competências, mudanças que se explicam pela continuidade e pela alteração quantitativa dos nossos modos de pensar e de agir. Mas isso não explica como é que, em determinados momentos, as transformações vão para além do mais ou do mesmo. A diferenciação, as novas respostas e capacidades são devidas a reorganizações mais ou menos globais, são mudanças qualitativas que modificam a organização subjacente aos nossos modos de ser e de nos desenvolvermos.

O Interno e o Externo

Ao longo da história da psicologia o interior tem aparecido ligado ao corpo e

à sua biologia, isto é, ao que se passa dentro de nós. Por outro lado, relacionamos interior às cognições, às emoções e aos pensamentos que foram encarados, durante muito tempo, como algo que se passa dentro de nós, frequentemente como algo que se passa no interior da nossa cabeça.

Ao exterior associam‐se o contexto e a situação, as relações de socialização,

as influências da cultura. O exterior tem sido relacionado com os estímulos que nos afectam, com os acontecimentos, com as condições em que vivemos. Pensar que o que somos, em determinado momento, pode ser explicado apenas pelo que se passa no nosso interior é não compreender que o interior e o exterior existem num permanente diálogo, na interacção que a cada momento nós vivemos com o mundo que nos rodeia. Não só o nosso corpo dá forma ao nosso estar numa situação, como os contextos moldam o nosso corpo e o que se passa dentro dele. Basta pensarmos na plasticidade do nosso cérebro.

O que nós pensamos está presente nas situações: reflecte‐se, transporta‐se

para a forma como sentimos e nos relacionamos com as coisas e com o mundo. Mudamos os contextos onde existimos através do modo como existimos. Mas está também lá, e também em nós, o que os outros pensam, as palavras que usam, os sentidos que certas acções adquirem, o que em certas situações aprendemos a fazer… sempre na relação em que o que sentimos e o que pensamos, o que sabemos e o modo como agimos estão dentro e fora de nós em permanente reconstrução.

A Estabilidade e a Mudança

Ao falarmos da continuidade e da descontinuidade referimo‐nos

frequentemente à mudança, à transformação, quer quantitativa, quer qualitativa que acontece em nós ao longo do tempo. As pessoas mudam, os seus corpos mudam, as suas formas de ser e de estar mudam ao longo do tempo. Sabemos que não fomos sempre aquilo

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que somos hoje. Ao nosso lado, vemos outras pessoas a mudar. Reconhecemos que a mudança faz parte de nós próprios.

Nem só a mudança explica o desenvolvimento que vamos experimentando.

Todos sabemos que há coisas que nunca mudam. Há pessoas que conhecemos bem e, sobre elas, prevemos como se comportam em determinadas situações, o que tendem a pensar sobre si e sobre o mundo. Podemos até deparar‐nos com momentos em que nos parece estranha a forma como agem por não ser típica delas. Portanto, reconhecemos estabilidade nos modos de ser.

Como nos ajuda a questão da estabilidade/mudança a compreender o

comportamento e desenvolvimento humanos? Se pensarmos em nós agora, há um ano atrás ou há dez anos, o que parece mais importante? O que permaneceu ou o que mudou? A dicotomia entre estabilidade e mudança refere‐se ao modo como diferentes autores foram explicando o desenvolvimento como um processo que tem origem em elementos de estabilidade ou de mudança.

Os autores que mais valorizaram o pólo da mudança foram aqueles que

abordaram, sobretudo, o comportamento das crianças e dos adolescentes. Foram influenciados nas suas concepções gerais pelo que se passa nestas fases da vida humana em que predomina a transformação e a mudança. Parecia que enquanto a mudança marcava a infância e a adolescência, a estabilidade era a principal característica do adulto. Mas sabemos hoje que a principal característica dos seres humanos é a plasticidade que os acompanha ao longo da vida e que de modo algum termina na adolescência. Tudo quanto sabemos acerca da plasticidade biológica, do modo como os seres humanos interagem uns com os outros, como reorganizam as suas vidas, as suas concepções do mundo, a sua própria identidade reforçam a ideia de que a mudança nos acompanha ao longo da vida.

É evidente que estas afirmações não são incompatíveis com a afirmação da

estabilidade. Reconhecemo‐nos e somos reconhecidos mesmo quando desempenhamos diferentes papéis, quando nos movemos em contextos diferentes, com o passar do tempo. Esta ideia conduz‐nos ao conceito de identidade. A identidade representa uma continuidade, uma fidelidade, uma consistência e coerência no modo de ser e estar. Corresponde às características pessoais, persistentes, dotadas de coerência interna. Contudo, não podemos associar a estas características um carácter estático. A identidade constrói‐se ao longo da vida e é um processo dinâmico que envolve necessariamente mudança. Os processos biológicos, os factores sociais e as experiências pessoais são os motores das mudanças inerentes a todos os processos de adaptação, portanto, de vida. Adaptado de M. Monteiro e P. Ferreira, Ser Humano, 2.ª Parte, 2006

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Te x t o 3 : As Consequências da Teoria de Darwin na Perspectiva sobre o Homem Todos os seres vivos que pululam sobre a Terra são aparentados. Retrocedendo bastante na minha genealogia, descubro que os meus antepassados são comuns a qualquer homem, bem como a qualquer mamífero, a qualquer peixe, a qualquer planta, a qualquer bactéria. Claro que quanto mais afastado for da espécie humana a espécie a que o outro pertence, mais atrás no passado é necessário retroceder para encontrar esses antepassados comuns, alguns milhões de anos para um orangotango, 60 ou 70 milhões para um coelho ou um cavalo, 400 ou 500 milhões para um peixe, mais de um milhar de anos para um invertebrado e 3 milhares de milhão para uma alga. O chimpanzé é, de longe, a espécie mais próxima da nossa. Alguns trabalhos recentes indicam que, depois da separação destas duas espécies, a evolução do chimpanzé foi mais rápida do que a do homem. Por outras palavras, o nosso antepassado comum estava mais próximo do homem actual do que do chimpanzé. Esta expressão demonstra como a famosa expressão «o homem descende do macaco», falsamente atribuída a Darwin, é o oposto da realidade. De facto, homens e os macacos actuais descendem de um antepassado comum, o que é completamente diferente. Adaptado de A. Jacquard, O Meu Primeiro Livro de Genética, 1986

Estamos em 1859. Sob o governo próspero e austero da rainha Vitória, formou‐se uma classe burguesa rica que a si mesma impôs normas de vida resultantes de uma moral fechada e preconceituosa. A Inglaterra parecia destinada a avançar em direcção a metas seguras e gloriosas, nas quais o progresso científico, fundado sobre a razão e iluminado pela religião tradicional, teria dissipado todas as dificuldades e contrariedades que afligiam a sociedade. Um relâmpago inesperado, seguido de um verdadeiro temporal, vem de súbito abalar a boa sociedade vitoriana, aquela onde não era aconselhável fazer referências às pernas (nem sequer às da mesa), onde não era admitido falar de negócios ou de dinheiro na presença de senhoras. A 24 de Novembro, o editor londrino Murray publicava um livro, A Origem das Espécies por meio da Selecção Natural, da autoria de um certo Charles Darwin. A tiragem completa, de 1250 exemplares, esgotou‐se num dia. Foi um sucesso editorial verdadeiramente espantoso, tanto mais se tivermos em conta que a publicidade estava apenas nos seus inícios, e que se tratava de um livro especializado, um calhamaço, e não de um texto de divulgação ou que seguisse uma moda. O que afirmava este senhor Darwin para tanto apaixonar os leitores da Europa e do mundo e para, de repente, lhe dar tanta fama? As suas ideias eram realmente audazes e não

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podiam deixar de escandalizar os bem pensantes europeus. Darwin contradizia completamente a Bíblia, a narração da criação em seis dias, segundo a qual o mundo, o céu, a terra e os seus habitantes, teriam saído das mãos de Criador tal qual os vemos hoje. Afirmava, pelo contrário, que a Terra tem uma longa história de muitos milhões de anos e que as espécies de animais e de plantas que vivem no planeta não são já as mesmas que foram produzidas no momento da criação, mas as descendentes das que viveram em épocas muito longínquas. A ideia central era a de que as espécies de animais e de plantas não são fixas e imutáveis, não se repetem sempre iguais a si mesmas, mas que se modificam lentamente no tempo e através de sucessivas gerações, isto é, evoluem. Daqui a dizer que também o Homem descende de antepassados simiescos vai apenas um breve passo e Darwin já o deixa pressentir na Origem das Espécies. Para muitos, o livro de Darwin foi como uma autêntica luz no túnel. Nesse tempo, as ciências naturais limitavam‐se a recolher e a acumular datas e descrições. Faltava um fio condutor que as unisse numa visão teórica global. Darwin trouxe essa visão. Encontravam‐se finalmente explicações, observações, constatações anteriormente isoladas e fragmentadas. À luz da nova teoria podiam compreender‐se as semelhanças e as diferenças entre numerosas formas de organismos vivos, a sucessão de animais e de plantas através das varias idades da Terra e dos quais tinham sido encontrados traços fósseis de presença de órgãos rudimentares que, numa certa fase do desenvolvimento de uma espécie, pareciam ter caído em desuso. Para esclarecer determinados factos já não era necessário recorrer a espíritos vitais ou a entidades metafísicas fora da experiência sensível. Os bem pensantes, fiéis ao passado, não podiam deixar de se preocupar com as novas ideias. Estavam em jogo os próprios fundamentos da sua moral, da sua sociedade, da sua cultura. É certo que Darwin era um homem da alta sociedade, que vivia por meios próprios na sua bela casa de Kent. É certo que havia estudado e reflectido mais de vinte anos e que havia sido muito prudente nas suas afirmações. É certo, também, que jamais se havia proclamado ateu. No entanto, a sua doutrina era perigosa, subversiva e, no que se referia à origens da humanidade, verdadeiramente «indecente». Os homens preferem considerar‐se descendentes caídos em desgraça de seres divinos, a criaturas mais humildes e simples. Na virtuosa sociedade vitoriana, a teoria da origem do Homem a partir de símios viu‐ se refutada antes de mais por uma questão de gosto. O estadista Benjamin Disraeli declarou preferir, de longe, ter anjos em vez de símios por antepassados. O conformismo da burguesia da época está bem patente nesta exclamação de uma senhora, posta num beco sem saída pelos argumentos de um defensor de Darwin: «Será talvez verdade que o Homem descende de símios, mas ao menos não o digamos, é melhor que tal não se saiba!». Adaptado de G.Montalenti, Charles Darwin 1982

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Charles Darwin (1809‐1882) nasceu em Shrewsbury, na Grã‐Bretanha e estudou Medicina na Universidade de Edimburgo. Darwin nunca foi um aluno brilhante nem aplicado, apesar do seu interesse pela história natural, coleccionando conchas, minerais ou, por exemplo, besouros. Tudo indicava que a sua vida seria igual à de qualquer cavalheiro ocioso com fortuna. Com um avô, Eramus Darwin, com nome na ciência, e um primo, Francis Galton, considerado um génio desde pequeno e que se viria a tornar célebre na área da psicologia, o pai, médico, preocupa‐se com aquele rapaz que poderia tornar‐se a desgraça da família. Manda‐o estudar Medicina, o que foi uma grande maçada para o jovem, visto que esta não o interessava nada. Posteriormente, envia‐o para Cambridge, para que se torne clérigo anglicano. Mas Darwin caçava, pescava, bebia e jogava às cartas com os seus amigos. Estava há três anos na universidade quando recebe um convite peculiar. Dado o seu interesse pelas ciências naturais, foi‐lhe proposto embarcar como naturalista numa viagem à volta do mundo, no navio Beagle. Esta viagem, iniciada em 1831 e que durou cinco anos, iria mudar a sua vida. Com os dados recolhidos sobre a grande variedade de espécies animais e vegetais de ilhas do Pacífico, elaborou uma teoria da evolução que daria brado muito para além dos meios científicos. Darwin acabou por se tornar um cientista do seu tempo, escrupuloso, prudente nas interpretações, pouco dado a discussões e à publicidade. Perguntas como «Por que razão estes seres estão tão bem adaptados ao meio?» ou «O que fará com que alguns indivíduos da mesma espécie sobrevivam e outros morram?» intrigavam Darwin. O trabalho do cientista não se podia limitar a descrever a plumagem brilhante do pavão ou as manchas coloridas do lagarto. Eu tinha que perceber como é que estas características se relacionavam com a capacidade de sobrevivência. Com as perguntas certas e o material recolhido na viagem, Darwin organiza as suas ideias na obra A Origem das Espécies pela Selecção Natural, concluída em 1859, mais de vinte anos após a viagem. Darwin sustenta que a vida é um processo de adaptação permanente. Os organismos adaptam‐se ao meio com o objectivo de sobreviverem. Este processo implica uma luta pela existência uma vez que nascem demasiados indivíduos face aos recursos alimentares disponíveis. Esta luta, embora sendo mais severa entre indivíduos da mesma espécie, dá‐se também com indivíduos de outras espécies e com as próprias condições do habitat. Sem nada saber ainda de genes, Darwin intuía que as características dos progenitores eram, de alguma forma, transmitidas às gerações seguintes. Mas que, às vezes, as características alteravam‐se, por recombinação ou por mutação genética sabemos nós hoje, surgindo assim novas características. O destino dos indivíduos possuidores destas mudanças dependia do seu carácter adaptativo. Então, se num certo meio os indivíduos com determinadas características tendem a ter mais sucesso, por exemplo na procura de alimentos, em afastar os inimigos, em atrair parceiros sexuais e sobreviverem até poderem reproduzir‐se, os seus genes tornam‐se cada vez mais comuns naquela população. Pelo contrário, os indivíduos cujas características não

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são tão adaptativas, tendem a morrer antes de se reproduzirem, ou reproduzem‐se menos e os seus genes tendem a ser cada vez menos comuns ou tendem mesmo a extinguir‐se. Pode questionar‐se se estas mudanças são graduais ou abruptas e se a competição pela sobrevivência é um mecanismo prioritário de mudança. Mas os cientistas estão de acordo sobre estes processos básicos da evolução. Darwin defendeu que as plantas e os animais evoluíram ao longo de milhares e milhares de anos, acumulando características que os tornaram mais capazes de sobreviver e de se reproduzirem. O princípio da selecção natural constitui o mecanismo mais importante da evolução dos organismos. Tudo se passaria à semelhança da criação de animais. Os criadores seleccionam as vacas que dão mais leite, os carneiros que têm melhor lã ou os cavalos mais rápidos. Na Natureza, não existem estes criadores com este objectivo de melhoramento, mas na luta pela existência é a própria natureza que selecciona os melhores. Qualquer indivíduo, na sua zona de subsistência, está em concorrência com os seus semelhantes pela comida e pelo território. Os indivíduos portadores de características vantajosas são os sobreviventes. São os mais rápidos na corrida, os mais resistentes nas epidemias ou os mais sedutores no momento da procriação. Estas características são inatas e, sendo benéficas, vão ser transmitidas à descendência. A Origem das Espécies foi recebida pelos cientistas mais progressistas como o conjunto de ideias científicas mais importantes do século XIX, comparável ao princípio da gravidade de Newton. Para os conservadores, especialmente a igreja, como uma desgraça para a humanidade, pelo que lançaram um vendaval de protestos. A coisa piorou com a publicação de A Descendência do Homem (1871), em que se aplicavam os princípios transformistas ao Homem afirmando a sua descendência de um indivíduo simiesco, antepassado comum a nós e aos macacos actuais. Ideia implícita na oba anterior, mas agora clara como água. Afinal, todos os seres vivos são nossos primos. Caíamos do mundo dos deuses para um lugar, ainda que cimeiro, numa escala evolutiva, descobrindo uma parentela que, ao que parece, nos incomodou bastante. Este incómodo, ao que parece, continua a existir. Nos ainda recentes anos 90, nos EUA e em alguns países da América do Sul, discutia‐se a legitimidade do ensino da teoria de Darwin, nas escolas. Apesar da feroz oposição da igreja, a teoria de Darwin foi rapidamente aceite pela comunidade científica. As concepções mecanicistas subjacentes à teoria estavam de acordo com o estilo de pensamento da Revolução Industrial. A teoria também fez sentido à sociedade vitoriana, porque oferecia um modelo natural do sistema económico capitalista. Na luta pela sobrevivência económica, tal como na Natureza, só o mais forte sobrevivia. Ao conceber a teoria da evolução e a ideia de continuidade entre o mundo animal e o mundo humano, configurando o ser humano como parte de um contínuo evolutivo, Darwin não imaginava a revolução que iria fazer em muitas áreas do conhecimento e, especialmente,

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na forma de olhar e de pensar o Homem. Entre outros escritos importantes, publica, em 1872, um estudo comparativo sobre o modo como os seres humanos e os animais expressam emoções, A Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais, mostrando que havia semelhanças entre humanos e animais nas expressões de medo, de raiva e de prazer. Darwin afirma que os seres vivos se adaptam ao meio com o objectivo de sobreviverem. Como existe um excesso de indivíduos face aos recursos alimentares disponíveis, há uma luta pela existência. Os indivíduos apresentam diferenças nas suas características. Algumas dessas diferenças permitem uma melhor adaptação ao meio e, portanto, maiores possibilidades de sobrevivência. A selecção natural e o mecanismo geral da evolução, permitindo mudanças progressivas nas espécies. Opera permanentemente e de forma universal. Qualquer variação que se mostre adaptativa e seja seleccionada manifesta‐ se nas gerações seguintes. A evolução apresenta um carácter mecanicista. É o acaso e a selecção natural que intervêm na mudança. Os organismos vão‐se «aperfeiçoando» na relação com as condições físicas e ambientais. Embora não tendo feito investigação directamente no campo da psicologia, a obra de Darwin influenciou‐a indelevelmente tal como a nossa concepção de Homem. As principais ideias de Darwin são: 1. Continuidade evolutiva dos seres vivos. Sendo o Homem produto da evolução, o comportamento humano e dos outros animais apresenta aspectos semelhantes. O estudo do comportamento animal tornou‐se útil para a compreensão do comportamento humano. 2. Ênfase no funcionamento da mente. Mais importante do que a estrutura da mente, é o modo como ela funciona. É percursor de um movimento de ideias em psicologia que se preocupa mais com as funções da consciência do que com a análise do seu conteúdo. 3. Foco nas diferenças individuais. Mostrando a existência de variações entre os membros da mesma espécie, desperta interesse para a forma como as pessoas se diferenciam umas das outras. 4. Ampliação das metodologias de investigação utilizando a observação naturalista. Para estudar as emoções, por exemplo, recolheu dados sobre o comportamento emotivo de doentes mentais e também de exploradores que fizeram observações antropológicas em sociedades tribais. Observou os seus próprios filhos, fotografou grande variedade de indivíduos que reagiam emocionalmente ou actores que simulavam expressões específicas.

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Te x t o 4 : As Teorias do Senso Comum sobre o Desenvolvimento Humano

Numa operação stop, o polícia de trânsito pediu os documentos ao condutor e, simultaneamente, inquiriu‐o a propósito da sua profissão. O condutor, ligeiramente ansioso pelo incómodo da paragem forçada, respondeu. «Sou psicólogo». O polícia olhou‐o, esboçou um sorriso que indicava alguma ironia e retorquiu: «Oh homem, psicólogos somos todos!» Apesar da ignorância deste hipotético agente de autoridade, a sua resposta demonstra um profundo conhecimento da natureza humana. No nosso dia a dia tomamos decisões complexas em situações ambíguas, antecipamos o comportamento social dos indivíduos com quem interagimos e, frequentemente, tentamos induzir ou alterar o seu estado emocional. A nossa vida seria penosa se não possuíssemos capacidades para categorizar, prever, avaliar, fazer inferências e criar novas soluções para as questões triviais quotidianas. Estas capacidades encontram‐se reflectidas na sabedoria popular, como, por exemplo, «cesteiro que faz um cesto faz um cento». Adaptado de A. Baptista, O que é a Psicologia, 2002

As teorias do senso comum assentam, muitas vezes, em estereótipos e em

preconceitos, sendo inferidas a partir de comportamentos pessoais e colectivos, avaliados de modo acrítico, de acordo com crenças e tradições, sem outra preocupação que não seja a de resolver problemas do quotidiano.

Vejamos alguns ditados populares ou afirmações aceites pela generalidade das

pessoas. «A primeira impressão é normalmente verdadeira». «Longe da vista, longe do coração». «As pessoas nunca são velhas de mais para aprender». «Burro velho não aprende ofício». «Os opostos atraem‐se». «Os pássaros da mesma plumagem voam juntos». «Apanham‐se moscas com mel e não com vinagre». «A ausência fortalece os sentimentos».

Os adágios expressam informações ambíguas. E, curiosamente, uns contradizem os

outros. Num estudo, verificou‐se que 72% dos indivíduos inquiridos consideravam que «os opostos se atraem». A psicologia social demonstrou que isto não é mesmo verdade. As investigações sobre a atracção mostram que raramente somos atraídos por pessoas que são muito diferentes de nós.

No entanto, é este saber que orienta a nossa vida e regula as interacções sociais. As

nossas teorias implícitas sobre as pessoas e o mundo baseiam‐se num conhecimento que é empírico e ingénuo. É um conhecimento preso às aparências e subjectivo uma vez que envolve os interesses, as emoções e os valores de quem observa. Trata‐se de um

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conhecimento espontâneo, fragmentado, parcial e restrito, do qual se extraem generalizações imprecisas e ilegítimas. Estas generalizações da experiência quotidiana, sem qualquer grau de avaliação crítica, de sistematização e de verificação, vão‐se perpetuando ao longo do tempo nas diferentes comunidades e culturas.

Por que razão é importante conhecermos as nossas teorias implícitas sobre o

desenvolvimento humano? Porque elas modelam o modo como vemos o mundo e como nos relacionamos com os outros. Porque muitas vezes estão assentes numa sabedoria empírica e não científica que contradiz os dados da ciência. Termos consciência das nossas teorias implícitas permite‐nos ter uma atitude reflexiva e crítica face às nossas concepções de ser humano. São estas concepções do ser humano que determinam as relações que temos connosco próprios e com os outros. Como o trabalho em educação, aos mais diversos níveis e com as mais diversas populações, implica sempre o estabelecimento de relações, parece importante que examinemos as nossas teorias e saibamos o que é que, na nossa prática, depende delas. Um exemplo da importância das teorias implícitas Para além dos estudos científicos sobre a inteligência, as teorias explícitas, muitas outras concepções podem agrupar‐se em teorias implícitas. As teorias implícitas são construções mentais que qualquer sujeito, investigador ou leigo, pode desenvolver acerca da inteligência e que podem ser explicitadas (Faria & Fontaine, 1993). Estas perspectivas são sobretudo intraculturais e descritivas, e embora, por vezes, se baseiem em teorias científicas, não resultam de análises ou de observações presumivelmente objectivas.

O objectivo principal das investigações em torno destas teorias é descobrir as formas

e os conteúdos das concepções informais de cada um. As teorias implícitas veiculam as representações das pessoas sobre a inteligência pelo que poderão ser consideradas teorias de significados. Apesar das evidentes e inegáveis diferenças, poderemos considerar com Sternberg (1985) que existe uma relação dinâmica e desenvolvimentista subjacente aos dois paradigmas dado que tudo indica que frequentemente as teorias implícitas dos especialistas/investigadores potenciam e dão origem às suas teorias explícitas.

Para além da importância das teorias implícitas como percursoras ou pontos de

partida para as teorias explícitas convém reforçar que aquelas teorias se revestem de grande relevância em si próprias como objecto independente de estudo na medida em que se apresentam como representações que as pessoas fazem de conceitos e de situações que são utilizadas para identificar, avaliar e classificar tanto os seus próprios comportamentos e atitudes como os de outras pessoas.

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Por exemplo, Mugny e Carugati (1985;1989, citados por Faria & Fontaine, 1993) na sequência de um estudo efectuado com pais e professores concluíram que o factor Teoria do Dom Natural se destacava nas concepções pessoais que ambos os grupos apresentavam na explicação da natureza da inteligência. Na base desta teoria está a representação da inteligência como fenómeno desconhecido, como um dom inato e hereditário determinado biologicamente e observável em diferentes graus de sujeito para sujeito. Desta forma, a atribuição causal externa assumida por pais e professores permite‐lhes adoptar um posicionamento de relativa distância, desresponsabilizando‐se das situações em que ocorre o fracasso, e manter uma identidade social e profissional positiva. A organização das representações dos professores sobre a inteligência e o seu desenvolvimento afecta não só as relações informais que mantêm com os alunos, mas também as suas estratégias didácticas explícitas (Parsons et al. 1983; Snellman & Raty, 1992 referidos por Faria & Fontaine, 1993, p. 473).

Também para Doudin e Martin (1999) podemos identificar uma concepção inata

(inteligência como dom natural e hereditário) por oposição a uma concepção construtivista e interaccionista (o sujeito desenvolve e constrói a sua inteligência através de um processo de interacções que estabelece com os seus educadores). A opção por uma destas vias influenciará não apenas a representação que o professor tem da inteligência e do seu desenvolvimento, mas também o enquadramento pedagógico e as metodologias a adoptar.

Os resultados de muitos estudos indicam que as concepções ou representações de

inteligência se revestem de um forte cariz sociocultural. A multiplicidade de definições e consequente relativismo que as caracterizam permite afirmar que o significado de inteligência varia em função das sociedades, dos grupos sociais e dos indivíduos. O relativismo e o pluralismo da definição de inteligência são complementados com a ideia de inteligência enquanto processo de adaptação social e de adequação às regras e normas que pressupõe um bom ambiente afectivo e relacional na escola. A este nível, os professores identificam a influência do contexto familiar. No entanto, talvez porque confrontados com dificuldades e dilemas diários que não conseguem solucionar ou compreender através de representações e modelos científicos que constroem, os professores concebem a influência familiar em contornos biológicos e herméticos, logo não sendo passíveis de modificação ou de controlo através das práticas, mecanismos e metodologias adoptadas na escola. Esta desresponsabilização, novamente centrada em atribuições causais externas, iliba os professores de qualquer intervenção ou responsabilidade nas situações de fracasso escolar, o que contribui para manter uma identidade profissional positiva.

A complexidade e contradições das representações dos professores podem constituir

um forte indicador da cultura de escola que pontua ainda as nossas práticas. De facto, essas representações são simultaneamente influenciadas e influenciadoras das características que definem a escola. Podemos mesmo afirmar que as contradições patentes nas representações

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dos professores existem também na estrutura, metodologias e princípios do Sistema Educativo, o que nos leva a considerar que se vive actualmente uma distorção muito nítida nas relações entre meios e fins ou objectivos do ensino e da aprendizagem, sendo a avaliação do rendimento dos alunos considerada, pela importância que lhe é atribuída, como um verdadeiro, ou até exclusivo objectivo da prática pedagógica em vez de ser percepcionada e vivida como um meio auxiliar ou um instrumento mediador de regulação, de aperfeiçoamento e de adequação das actividades de ensino e de aprendizagem relativamente aos objectivos de desenvolvimento global dos alunos (Abreu, 1991).

Quer os estilos pedagógicos e interacções escolares como os resultados dos alunos,

são influenciados pela concepção que os professores possuem de inteligência e das possibilidades do seu desenvolvimento. A adopção de uma perspectiva inatista ou a preferência por estratégias construtivistas influencia de forma determinante as metodologias mobilizadas pelos professores (Doudin & Martin, 1999).

Os docentes que partem de uma concepção que visualiza o desenvolvimento como

uma questão de maturação fisiológica e que perspectiva o ritmo desse desenvolvimento como sendo determinado por factores naturais e inatos, adoptam mais frequentemente estratégias transmissivas que exigem a sua retenção e evocação posteriores do que aqueles que defendem que os alunos constroem e desenvolvem a sua inteligência dimensionada e situada num contexto de interacções favoráveis, em especial as que resultam da relação professor‐aluno. Uma representação da inteligência como processo que se constrói e desenvolve favorece também a tendência para utilizar estilos educativos baseados na problematização e em questões abertas orientadas para um significado, o que por seu turno conduz ao desenvolvimento das capacidades de representação da criança. De facto, um posicionamento construtivista estimula o envolvimento dos docentes na procura de estratégias de treino e de modificação da inteligência que, desta forma, se operacionalizam em processos de desenvolvimento de estruturas que visam a resolução de problemas. Por oposição, uma concepção inatista pressupõe um papel passivo do professor cristalizado na representação da inteligência como capacidade intelectual genérica imutável.

Um outro aspecto referido por Doudin e Martin (1999) na distinção entre as

concepções inatistas e construtivistas/interaccionistas prende‐se com o papel do erro na aprendizagem e no desenvolvimento intelectual. Estes autores concluem então que o papel atribuído aos erros influenciará favorável ou desfavoravelmente o desenvolvimento da criança, tanto no plano intelectual como no afectivo. A dimensão construtivista implica uma visão desenvolvimentista da inteligência pelo que tanto a criança como os adultos desempenham um papel activo e dinâmico na sua construção. Assim, o erro não é assumido como demonstração de incompetência intrínseca mas como possibilidade de evolução ou etapa de um processo de desenvolvimento. No sentido oposto a esta perspectiva, uma concepção inatista que concebe a inteligência como sendo imutável, confere aos professores,

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alunos e pais um papel passivo acentuando o erro como sinónimo ou sintoma de incapacidade definitiva.

A relevância e a interpretação atribuída aos erros desempenham um papel

determinante no estilo atribucional (locus de controlo) dos alunos, isto é, na atribuição causal conferida aos sucessos e fracassos.

Pela importância dada não apenas aos aspectos construtivistas e interaccionistas mas

também ao desenvolvimento das capacidades de auto‐monitorização e, consequentemente, ao envolvimento de processos e mecanismos motivacionais, a metacognição constitui um enquadramento teórico e prático que permite aos professores optimizar o desenvolvimento das competências dos seus alunos (Doudin, Martin e Albanese 1999; Grangeat 1997, citados por Doudin e Martin, 1999). De facto, a metacognição, conceito introduzido por Flavell no início da década de 70 para definir o conhecimento sobre os próprios processos e produtos cognitivos, confere à inteligência um carácter multidimensional abarcando aspectos tão díspares como motivação, emoções, desânimo aprendido (Dweck, 1986) e auto‐regulação (Zimmerman, 1989). Neste sentido, o treino metacognitivo dá especial importância à noção de aluno como aprendiz activo, ou seja, que auto‐regula a sua própria aprendizagem. Assim, o «bom aluno» deveria saber resolver problemas, avaliar e corrigir o seu desempenho pessoal, ou seja, usar o pensamento metacognitivo na sua tripla atribuição: conhecimento acerca dos seus próprios processos cognitivos tomada de consciência desses processos e controlo sobre os próprios processos mentais.

Ensinar os alunos a utilizar a metacognição ou técnicas de auto‐regulação auxilia‐os

na monitorização das suas estratégias de aprendizagem. Para além disso, um sistema de crenças positivo torna‐se necessário para que elas sejam eficazes assim como a motivação para as usar. Crenças atribucionais externas e uma baixa auto‐estima são aspectos fundamentais na explicação dos comportamentos metacognitivos de alunos com fracos resultados escolares. Estes alunos não conseguem fazer um uso eficaz de estratégias e não são suficientemente diligentes na mudança de estratégias de acordo com as características da tarefa (Carr, Borkowsky & Maxwell, 1991). De acordo com Carr et al., as deficiências apresentadas pelos alunos com insucesso escolar devem‐se, em parte, ao desenvolvimento de crenças motivacionais e estados afectivos inapropriados. A natureza disfuncional do sistema metacognitivo‐motivacional‐afectivo dos alunos com insucesso torna‐os estudantes desamparados, isto é, com crenças de estratégia, perspectivas e objectivos de resultado inapropriados.

Por oposição a uma concepção inatista, a perspectiva construtivista/ interaccionista

implica que os professores desenvolvam nos seus alunos a capacidade de aprender a formular e seguir regras e procedimentos, a serem flexíveis na aplicação dessas técnicas e a auto‐monitorizar as suas aprendizagens e comportamento no sentido de os tornar activos, eficazes, responsáveis e independentes.

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O desenvolvimento cognitivo é fruto de um desenvolvimento lento e gradual. Verifica‐

se ainda o facto de muitos adultos não manifestarem, de forma sistemática, uma grande utilização das suas capacidades metacognitivas. Coloca‐se, assim, em questão se a sua aquisição será uma mera e natural questão de desenvolvimento ou, antes, se está dependente de um processo de instrução. Na realidade, parece claro que a criança adquire competências metacognitivas através da aprendizagem mediada e que da qualidade desta depende a aquisição daquelas.

De tudo o que foi até aqui referido, conclui‐se que o desenvolvimento intelectual é

largamente influenciado, e mesmo determinado, pelas interacções sociais e, em especial, pelo sistema de relações e interacções que se estabelecem entre os sub‐sistemas professor e aluno. Desta evidência ressalta o facto de ser necessário desenvolver determinados estilos comunicacionais e métodos pedagógicos que promovam a autonomia cognitiva e metacognitiva dos alunos. Assim, uma pedagogia que se quer eficaz e significativa deverá preencher os seguintes critérios: 1) deverá ser construtivista, isto é, assumir a ideia de que tanto o desenvolvimento intelectual como as aprendizagens são construídas e elaboradas pelos próprios sujeitos de aprendizagem; 2) deverá ser interactiva no sentido de facultar um contexto que estimule as interacções entre os alunos, entre estes e os professores e entre os alunos e o objecto de conhecimento; 3) deverá desenvolver e promover a motivação dos alunos para a aprendizagem e favorecer as suas percepções de competência e auto‐eficácia; 4) deverá contemplar e estimular uma perspectiva metacognitiva que promova a reflexão e auto‐análise dos alunos, quer em relação aos conhecimentos que têm acerca do seu próprio funcionamento cognitivo quer sobre a adequação das estratégias e processos que utilizam na resolução de problemas (Martin, 1991, citado por Doudin & Martin, 1999).

Todo este enquadramento teórico‐prático inerente à concepção construtivista/

interaccionista pressupõe a reconceptualização dos percursos formativos dos professores no sentido de favorecer não apenas uma reflexão e análise teórica aprofundada em torno do conceito e desenvolvimento da inteligência, mas também uma reflexão pessoal sobre as suas próprias concepções e representações. Doudin e Martin (1999) propõem que se inclua na formação dos futuros professores uma dimensão pedagógica que estimule comportamentos de investigação e pesquisa que permitam: a apropriação de orientações emanadas de estudos na área das ciências humanas; utilizar nas suas práticas futuras os dados advindos de trabalhos de investigação na área da educação; apreender e integrar a pesquisa e a investigação como paradigmas passíveis de serem transferidos para os domínios de uma prática educativa reflexiva; adoptar posicionamentos críticos e auto‐críticos face à forma como normalmente compreendem e representam a realidade; modificar a representação que têm da própria actividade acentuando o papel da reflexão e da análise fundamentadas em enquadramentos teóricos.

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Trata‐se de promover competências de reflexão mobilizadas em função de uma

dialéctica interactiva entre teoria e prática ou, se quisermos, entre teorias implícitas e teorias explícitas, no sentido de uma (re)construção profissional e pessoal permanente. Em síntese, os estudos que se integram na dimensão das teorias explícitas da inteligência são construções teóricas dos investigadores enquanto as teorias implícitas da inteligência constituem as representações que qualquer pessoa pode desenvolver acerca da inteligência e passíveis de serem explicitadas. No âmbito da teorias implícitas da inteligência observamos que as representações que os professores têm de inteligência e do seu desenvolvimento irão influenciar favorável ou desfavoravelmente a qualidade das interacções pedagógicas, quer se adopte uma perspectiva construtivista ou se opte por uma visão inatista. Um enquadramento inatista concebe a inteligência como algo de natural e imutável, pelo que o professor assume uma postura passiva relativamente à adopção de estratégias com vista ao desenvolvimento intelectual. Pelo contrário, uma concepção construtivista defende que a inteligência é (re)construída e modificável e que tanto a criança como o professor desempenham um papel activo no desenvolvimento intelectual. Embora os professores reconheçam a pluralidade e relativismo na definição de inteligência e admitam a influência de factores de ordem social, familiar e cultural no seu desenvolvimento, e talvez porque a relação pedagógica seja complexa, imprevisível e diversificada, tanto as diferenças intelectuais como as situações de fracasso são atribuídas a instâncias sociais ou naturais que não podem controlar ou manipular. A complexidade e a diversidade de perspectivas sobre a inteligência não existem apenas no contexto científico. Importa também reconhecer o papel e o significado das teorias implícitas de inteligência, isto é, as representações que as pessoas têm dos processos intelectuais em si próprias e nos outros. Estas representações ou concepções permitem reconstruções e comparações com as teorias explícitas e possibilitam elucidar, descrever e compreender determinadas práticas no contexto educativo. Adaptado de http://www.esenviseu.net/Recursos/Download/Tema_41/DesenvolvimentoIntelectual.htm

1. Será a ciência apenas «senso comum organizado»? Ninguém duvida seriamente de que muitas das ciências particulares existentes se desenvolveram a partir das necessidades práticas da vida quotidiana: a geometria a partir de problemas de medição dos campos, a mecânica a partir de problemas suscitados pelas artes arquitectónicas e militares, a biologia a partir de problemas da saúde humana e da criação de animais, a química a partir de problemas suscitados pelas indústrias de tintas e de metais, a economia a partir de problemas de gestão doméstica e de organização política, e assim por diante. É certo que existiram outros estímulos para o desenvolvimento das ciências para

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além daqueles que surgiram dos problemas das artes práticas. No entanto, estes últimos tiveram, e ainda continuam a ter, um papel importante na história da investigação científica. Nestas circunstâncias, os comentadores da natureza da ciência que ficaram impressionados pela continuidade histórica entre as convicções do senso comum e as conclusões científicas, têm proposto por vezes que se diferencie ambas através da fórmula que nos diz que as ciências são simplesmente senso comum «organizado» ou «classificado». Não há dúvida de que as ciências são corpos organizados de conhecimento, e de que em todas elas uma classificação dos seus materiais em tipos ou géneros importantes (como a classificação dos seres vivos em espécies na biologia) é uma tarefa indispensável. Mesmo assim é claro que a fórmula proposta não exprime adequadamente as diferenças características entre a ciência e o senso comum. Os apontamentos de um conferencista sobre as suas viagens em África podem estar muito bem organizados para o objectivo de comunicar informação de uma maneira interessante e eficiente, sem que isso converta essa informação naquilo a que historicamente se tem chamado ciência. Um catálogo de um bibliotecário apresenta uma boa classificação de livros, mas ninguém que respeite um pouco o sentido histórico da palavra dirá que o catálogo é uma ciência. A dificuldade óbvia é a de que a fórmula proposta não especifica que tipo de classificação é característica das ciências. 2. Explicações científicas Vamos então virar‐nos para esta questão. Uma característica notável de muita da informação que adquirimos ao longo da experiência comum é a de que, embora essa informação possa ser suficientemente precisa dentro de certos limites, ela raramente é acompanhada por qualquer explicação que nos diga por que se deram os factos alegados. Deste modo, as sociedades que descobriram os usos da roda habitualmente não sabiam nada sobre forças de fricção, nem sobre as razões que fazem com que os bens colocados em veículos com rodas sejam transportados com mais facilidade do que os bens arrastados pelo chão. Muitas pessoas aprenderam que era aconselhável adubar os seus campos agrícolas, mas poucas se preocuparam com as razões para agir assim. As propriedades medicinais de plantas como a dedaleira foram reconhecidas há séculos, embora habitualmente não se tenha oferecido qualquer explicação das suas virtudes benéficas. Para além disso, quando o "senso comum" tenta dar explicações para os seus factos — como quando se explica o valor da dedaleira como estimulante cardíaco através da semelhança entre a forma da flor e a do coração humano — as explicações carecem frequentemente de testes sobre a sua relevância para os factos. É o desejo de explicações que sejam ao mesmo tempo sistemáticas e controláveis através de dados factuais que gera a ciência, e é a organização e classificação do conhecimento segundo princípios explicativos que é o objectivo próprio das ciências. Mais especificamente, as ciências procuram descobrir e formular em termos gerais as condições sob as quais ocorrem

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acontecimentos de vários géneros, sendo as proposições sobre essas condições determinantes as explicações desses acontecimentos. Podem descobrir‐se relações regulares que abrangem vastos domínios de factos, de tal forma que com a ajuda de um pequeno número de princípios explicativos pode mostrar‐se que um número indefinidamente grande de proposições sobre esses factos constituem um corpo de conhecimento logicamente unificado. Esta unificação assume por vezes a forma de um sistema dedutivo, como acontece na geometria demonstrativa e na ciência da mecânica. Deste modo, através de poucos princípios, como os que foram formulados por Newton, consegue‐se mostrar que proposições sobre o movimento da Lua, o comportamento das marés, os percursos de projécteis e a subida de líquidos em tubos estreitos estão intimamente relacionadas, e que todas essas proposições podem ser rigorosamente deduzidas a partir desses princípios em conjunção com várias informações sobre factos. Explicar, estabelecer alguma relação de dependência entre proposições que superficialmente não estão relacionadas, apresentar sistematicamente conexões entre fragmentos de informação aparentemente heterogéneos, são características próprias da investigação científica. 3. A indeterminação do senso comum Muitas crenças quotidianas sobreviveram a séculos de experiência, o que contrasta com o período de vida relativamente curto a que estão frequentemente destinadas as conclusões avançadas em vários ramos da ciência moderna. Uma das razões deste facto merece atenção. Consideremos um exemplo de uma crença do senso comum, como a de que a água solidifica quando é suficientemente arrefecida. Se pudermos considerar este exemplo como típico, podemos dizer que a linguagem em que o senso comum está formulado e é transmitido pode exibir dois tipos importantes de indeterminação. Em primeiro lugar, os termos da linguagem comum podem ser bastante vagos, no sentido em que a classe das coisas designadas por um termo não está clara e rigorosamente demarcada da classe das coisas que ele não designa. Em segundo lugar, os termos da linguagem comum podem carecer de um grau de especificidade relevante. Por esse motivo, as relações de dependência entre acontecimentos não estão formuladas de uma maneira determinada com precisão nas proposições que contêm esses termos. Devido a estas características da linguagem comum, o controlo experimental das crenças do senso comum é frequentemente difícil, já que não pode traçar‐se facilmente a distinção entre os dados da observação que as confirmam e os que as refutam. Deste modo, a crença de que «em geral» a água solidifica quando é suficientemente arrefecida pode corresponder às necessidades das pessoas cujo interesse pelo fenómeno do arrefecimento está circunscrito ao seu interesse em atingir os objectivos habituais da sua vida quotidiana, apesar de a linguagem utilizada na codificação desta crença ser vaga e carecer de

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especificidade. Essas pessoas podem por isso não ver qualquer razão para modificar a sua crença, mesmo que reconheçam que a água do oceano não congela, embora a sua temperatura seja sensivelmente a mesma do que a água de um poço quando começa a solidificar, ou que alguns líquidos têm de ser arrefecidos a um grau maior do que outros para mudarem para o estado sólido. Se forem pressionadas para justificar a sua crença perante estes factos, essas pessoas podem talvez excluir arbitrariamente os oceanos da classe de coisas a que dão o nome de água, ou, como alternativa, podem exprimir uma confiança renovada na sua crença, defendendo que seja qual for o grau de arrefecimento que possa ser necessário, os líquidos classificados como água acabam por solidificar quando são arrefecidos. 4. A refutabilidade e instabilidade da ciência Na sua procura de explicações sistemáticas, as ciências devem reduzir a indeterminação indicada da linguagem comum ao remodelá‐la. A química física, por exemplo, não se satisfaz com a generalização, formulada de uma maneira vaga, segundo a qual a água solidifica quando é suficientemente arrefecida, já que o objectivo desta disciplina é o de explicar, entre outras coisas, por que a água e o leite que bebemos congelam a certas temperaturas, embora a essas temperaturas não aconteça o mesmo com a água do oceano. Para atingir este objectivo, a química física deve então introduzir distinções claras entre vários tipos de água e entre várias quantidades de arrefecimento. Várias técnicas reduzem a vagueza e aumentam a especificidade das expressões linguísticas. Para muitos propósitos, contar e medir são as técnicas mais eficientes, e talvez sejam também as mais conhecidas. Os poetas podem cantar a infinidade de estrelas que permanecem no céu visível, mas o astrónomo quer especificar o seu número exacto. O artesão que trabalha com metais pode ficar satisfeito por saber que o ferro é mais duro do que o chumbo, mas o físico que quer explicar este facto tem de ter uma medida precisa da diferença em dureza. Uma consequência óbvia, mas importante, da precisão assim introduzida é a de que as proposições se tornam susceptíveis de ser testadas pela experiência de uma maneira mais crítica e cuidada. As crenças pré‐científicas são frequentemente insusceptíveis de ser sujeitas a testes experimentais definidos, simplesmente porque essas crenças são compatíveis de uma maneira vaga com uma classe indeterminada de factos que não são analisados. As proposições científicas, como têm de estar de acordo com dados da observação bem especificados, enfrentam riscos maiores de ser refutadas por esses dados. A maior determinação da linguagem científica ajuda a esclarecer o facto de muitas crenças do senso comum terem uma estabilidade, que se prolonga frequentemente por muitos séculos, que poucas teorias científicas possuem. É mais difícil construir uma teoria que, depois de confrontos repetidos com os resultados de observações experimentais rigorosas, permanece inabalada, quando os critérios para o acordo que se deve obter entre

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esses dados experimentais e as previsões derivadas da teoria são exigentes do que quando esses critérios são vagos e não se exige que os dados experimentais admissíveis sejam estabelecidos por procedimentos cuidadosamente controlados. Na verdade, as ciências mais avançadas especificam quase sempre o grau com que as previsões derivadas de uma teoria se podem desviar dos resultados das experiências sem invalidar a teoria. Os limites desses desvios permissíveis geralmente são bastante reduzidos, de tal modo que certas discrepâncias entre a teoria e a experiência que seriam vistas pelo senso comum como insignificantes são frequentemente consideradas fatais para a adequação da teoria. Por outro lado, embora a maior determinação das proposições científicas as exponha a riscos de se descobrir que estão erradas maiores do que aqueles que enfrentam as crenças do senso comum (enunciadas com menos precisão), as primeiras têm uma vantagem importante sobre as segundas. Elas têm uma capacidade maior para ser incorporadas em sistemas de explicação amplos e claramente articulados. Quando esses sistemas são adequadamente confirmados por dados experimentais, revelam muitas vezes relações de dependência surpreendentes entre muitos tipos de factos experimentalmente identificáveis, mas diferentes. 5. Conclusões Nas diferenças entre a ciência moderna e o senso comum já mencionadas, está implícita a diferença importante que deriva de uma estratégia deliberada da ciência que a leva a expor as suas propostas cognitivas ao confronto repetido com dados observacionais criticamente comprovativos, procurados sob condições cuidadosamente controladas. Isto não significa, no entanto, que as crenças do senso comum sejam invariavelmente erradas, ou que não tenham quaisquer fundamentos em factos empiricamente verificáveis. Significa que, por uma questão de princípio estabelecido, as crenças do senso comum não são sujeitas a testes sistemáticos realizados à luz de dados obtidos para determinar se essas crenças são fidedignas e qual é o alcance da sua validade. Significa também que os dados admitidos como relevantes na ciência devem ser obtidos através de procedimentos instituídos com o objectivo de eliminar fontes de erro conhecidas. Deste modo, a procura de explicações na ciência não conseguiste simplesmente em tentar obter «primeiros princípios» que sejam plausíveis à primeira vista e que possam vagamente dar conta dos «factos» da experiência habitual. Pelo contrário, essa procura consiste em tentar obter hipóteses explicativas que sejam genuinamente testáveis, porque se exige que elas tenham consequências lógicas suficientemente precisas para não serem compatíveis com quase todos os estados de coisas concebíveis. As hipóteses procuradas devem assim estar sujeitas à possibilidade de rejeição, que dependerá dos resultados dos procedimentos críticos, inerentes à pesquisa científica, destinados a determinar quais são os verdadeiros factos do mundo. E. Nagel, The Structure of Science, 1961

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