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RACISMO RELIGIOSO Religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, sempre foram alvo de preconceito e generalizações, enfrentando uma onda de agressões e ataques contra seus símbolos e instituições. Texto: Ana Carolina Pacífico

Rômulo Miranda acredita que Curitiba é uma cidade que cria tradições falsas

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ômulo Miranda é do estado do Amapá, criado em Salvador (BA) e, quando recém-chegado a Curitiba, decidiu fazer um despacho em frente ao Shopping Mueller. O que ele não esperava era que o segurança do centro de compras chamasse a polícia e que ele precisasse ir até a delegacia. Quem o tirou de lá foi seu cunhado, carregando consigo a constituição, aberta no Artigo 5º, inciso VI, que diz ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. A resposta oficial da polícia em ocorrências ligadas a de preconceito contra religião é de que qualquer tipo de discriminação, seja ela racial ou religiosa, todos os envolvidos têm que ser encaminhados para a delegacia de polícia e dependendo da situação podem ser autuados em flagrante pelo crime.

Akuaran. Ele diz que Curitiba é uma cidade especialista em criar tradições falsas, em maquiar a religiosidade de matriz africana. Ele questiona como pode se construir a formação de algo tão sofisticado e delicado, como o candomblé, em um estado majoritariamente branco. No Rio de Janeiro e na Bahia, quem é de umbanda é de umbanda, e quem é de candomblé é de candomblé. O babalossian declara que o Paraná tem um fenômeno chamado umbandomblé. “Eu visitei 286 casas quando eu cheguei aqui, para fazer um trabalho de pesquisa, e fiquei assustado, pois quando chegava em um terreiro que tinha tudo para ser de candomblé, estava

“E se eu fizesse uma sessão para queimar a Bíblia?”

O capitão Nelson Stoccheiro Gonçalves Ju- - Rômulo Miranda, candomblecista nior está há 26 anos na polícia e nunca pegou nenhuma situação envolvendo discussão racial, tendo uma gira de caboclo, que é da umbanda. liberdade de expressão ou religiosa, mas diz que seus policiais são bem instruídos quanto a essa questão, e que o cidadão, desde que não esteja ferindo o direito de outra pessoa, pode ter a sua liberdade de expressão assistida e tem o direito de fazer isso a qualquer momento. Conforme a lei 7.716/89, o crime de intolerância religiosa não prescreve e é punido com pena de um a três anos de detenção. Rômulo é babalossian [sacerdote encarregado da coleta e da preparação das ervas sagradas] do terreiro Ile Axé Iba Igue Ijeba Onin Ode

Aquilo me deixava maluco, porque esse estado misturou tudo.” Ele diz ainda que sua casa é a terceira a ser montada aqui no Paraná e até hoje é a única que cultua apenas os orixás. Todas as outras são umbandomblés. Rômulo conta que sofre repressão por diversos motivos, um deles é por causa do território: todo terreiro é expulso do centro da cidade porque incomoda com o barulho. Outro problema é com o senso comum de que candomblecistas fazem pacto com o satanás. Ele aponta o agronegócio, juntamente com os neopentecostais, Jornalismo PUCPR Revista CDM

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seus grandes inimigos. As casas de candomblé são queimadas diariamente, os integrantes são perseguidos, apanham na escola por usarem guias. Localizado em Colombo, seu terreiro tem como vizinhos muitos evangélicos, mas ele diz não sofrer dificuldades quanto a isso, porque construíram uma relação com a comunidade. Estão ali, e dão algo em troca para eles. “Eu preciso que as leis sejam cumpridas, meu povo está sendo cada vez mais expulso do seu espaço. Já está sendo falado na Igreja Universal sobre a queima do Adjá [instrumento que serve para invocar e manter a vibração do Orixá na sala, para que a energia não saia daquele local onde está sendo realizada a festa]. E se eu fizesse uma sessão para queimar a Bíblia?”

linhas se firmaram: umbanda e candomblé, ambas mescladas com elementos do cristianismo, que era a religião oficial do estado. “Essa mistura é chamada de sincretismo religioso, causada pela repressão dos colonizadores, que consideravam as religiões dos negros um tipo de feitiçaria. Logo, estes encontraram uma maneira de praticar sua fé, invocando seus deuses sob a forma dos santos católicos: Oxalá era Jesus Cristo; Iemanjá era Maria; Ogum era São Jorge e assim por diante. Bruno Klammer é pai de santo do Centro Espiritualista Caboclo Tupinambá (Cecatu). Seu encontro com a religião foi desde os 12 anos. Entretanto, ele diz que não foi algo que escolheu, mas sim um caminho que foi trilhando em sua vida, pois toda a sua família, tanto por parte de pai quanto de mãe, tinha alguma ligação com as origens africanas e indígenas.

“A intolerância existe, sim, mas eu não quero ser tolerado, eu quero o mínimo de respeito” - Bruno Klammer, pai de santo Origem O professor de Cultura Religiosa da PUCPR Mario Antonio Betiato explica que lá pelo ano 1600, mais de quatro milhões de negros africanos vieram para o Brasil como escravos e quando chegaram aqui, trouxeram consigo três religiões: os muçulmanos do norte da África, que desapareceram completamente; os nagôs, da Africa Ocidental, que deram origem ao candomblé; e os bantos, da Africa do Sul, que deram origem ao candomblé caboclo, à quimbanda e à umbanda e dessa religiosidade, duas 4

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A função do pai de santo é zelar por toda a parte

espiritual da casa, preparar e orientar os filhos e as filhas de santo. Uma palavra essencial dentro do terreiro é acolhimento. É preciso estar sempre pronto para acolher as pessoas com cuidado e com carinho, quando elas chegam pedindo ajuda. Além disso, é necessário o conhecimento mediúnico, de passar os fundamentos para os outros integrantes. De forma pessoal, Bruno diz que não sofre intolerância religiosa diariamente. “Não tem como eu ver o povo de axé, a comunidade de


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Bruno Klammer em sua casa, seu ponto de paz. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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terreiro sofrendo agressões, eu ver um terreiro sendo incendiado, uma menina sendo apedrejada e fingir que não é comigo. É comigo também e eu não me faço calar.” O pai de santo é também professor de Educação Física e diz que se coloca de uma maneira muito empoderada e que não há espaço para o preconceito alheio. Ele conta que, uma única vez, um outro professor perguntou por que ele usa o cordão de conta para ir dar aula e se ele se sente bem ao fazer isso, já que ele não estava dentro terreiro. “Eu respondi a ele que é pela mesma razão que ele usa oescapulário de Jesus Cristo no pescoço. A intolerância existe, sim, mas eu não quero ser tolerado, eu quero o mínimo de respeito.” Bruno é branco, loiro e tem olhos azuis. Há, atualmente, um forte discurso de apropriação cultural dentro das religiões afro-brasileiras, mas para o pai de santo, isso faz parte apenas de um pequeno grupo que levanta essas questões, pois na prática, nunca viu isso acontecendo. “Conheço muitos terreiros na Bahia, em Pernambuco, no Rio de Janeiro onde há pais e mães de santo brancos e isso não impede nada. O que importa no fim das contas é a sua sensação de pertencimento e acolhimento dentro do terreiro. ”Ele diz também que a estruturação religiosa da umbanda não é exclusivamente negra, nem indígena, como também não é apenas branca. Ela é o reflexo da ressignificação cultural, miscigenada através do encontro dessas três raças. Ela é o retrato do Brasil, e a partir do momento em que atender só a uma parcela das pessoas, estará segmentando e reproduzindo o que 6

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foi feito nos 500 anos deste país, separando as várias formas de manifestação. Bruno conta que o trabalho direcionado à comunidade foi desarmando as pessoas, então hoje boa parte delas já enxergam o Cecatu como parte daquele bairro. “A gente levanta as demandas lá dentro, se aproxima das famílias e viabiliza algumas ações de arrecadação e doação. Eles tinham dificuldade de acesso à saúde, de aposentadoria dos mais velhos e até algumas mulheres se queixavam de não ter um salão de beleza.” O centro levou até eles médicos, advogados e cabeleireiros, além de também gerar empregos, como por exemplo, o senhor que cuida dos carros que estacionam na rua e contratação de pedreiros da região, na época de construção da casa. Além da comunidade, o terreiro ajuda moradores de rua e aldeias indígenas, como a Araçaí em Piraquara. Thais Rolim frequenta o Cecatu desde 2012. Ela fazia parte da assistência, que são as pessoas que vão até lá para buscar ajuda, tomar passes, se consultar com as entidades ou apenas assistir à gira [o culto]. A partir de 2013, ela começou a integrar a corrente, que são aqueles que incorporam. O terreiro fica no Pilarzinho e alguns vizinhos se incomodam por estarem lá. Alguns jogam pedra no telhado ou se estacionam o carro na frente da casa deles, furam o pneu, jogam óleo queimado nos vidros. “Já aconteceu de a gente estar parado na frente do centro, com a roupa branca que usamos na gira, e eles gritarem ‘macumbeiros do diabo’ e fazerem essa relação da umbanda com coisa ruim. A umbanda não faz o mal, a minha religião é caridade, fé e amor.”, desabafa Thais.


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População residente, por cor ou raça que pratica umbanda e candomblé TOTAL 588.797

2.511 277.150

BRANCA PARDA

181.214

PRETA INDÍGENA

3.408

AMARELA

124.514

Umbanda TOTAL 407.331

Candomblé

1.286

853

220.526

112.435

TOTAL 167.363

65.777 50.670

2.158 70.927 1.214

48.849

*FONTE: IBGE - CENSO DEMOGRÁFICO (2010) Jornalismo PUCPR Revista CDM

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