Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS PARA PRODUÇÃO HABITACIONAL NO CENTRO DE SÃO PAULO: Um estudo sobre a Ocupação Ouvidor 63
Lorena Valentina Bozo Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.
São Paulo 2020
Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIOS PARA PRODUÇÃO HABITACIONAL NO CENTRO DE SÃO PAULO: Um estudo sobre a Ocupação Ouvidor 63
Banca examinadora: Prof. Dra. Débora Sanches Orientadora Prof. Dra. Viviane Manzione Rubio Convidada interna Prof. Ms. Luis Felipe Xavier Convidado externo
São Paulo 2020
AGRADECIMENTOS Agradeço imensamente à minha família - meus pais e minha irmã -, pois sempre me deram todo apoio e suporte para eu estudar e trilhar o caminho que eu escolhi, além de todo carinho e incentivo. Ao meu namorado, Vinicius, que esteve ao meu lado durante todo o processo e ajudou a torná-lo menos complicado, mais leve e descontraído. Aos meus amigos que me apoiaram e me incentivaram a cada etapa. À minha orientadora, Débora Sanches, pela riquíssima troca de conhecimentos, pelo direcionamento e por ter sido como uma inspiração para produção deste trabalho devido a sua experiência. Por fim, agradeço pela oportunidade de finalizar a minha graduação nesta universidade e pelos conhecimentos que adquiri durante este ano, que com certeza refletirão na minha maneira de olhar para cidade.
ร TODOS AQUELES QUE CONTRIBUEM PARA UMA CIDADE mais Igualitรกria.
Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
RESUMO As questões acerca da habitação social vem sendo amplamente discutidas por teóricos do campo da arquitetura, sociologia, política, entre outros e, ainda assim, continuam caracterizadas como grandes problemas, principalmente nos centros urbanos. É comum se deparar com centros históricos que estiveram desvalorizados por um período e que foram revitalizados por meio de projetos urbanos e reformas de edificações antigas de forma que favoreceram certos setores da sociedade. No caso da cidade de São Paulo, as grandes expansões urbanas ocorridas desde o século XIX contribuíram diretamente para a situação habitacional que temos hoje e que é caracterizada pela segregação social e pelo afastamento da população de baixa renda das áreas dotadas de infraestrutura urbana. Ao mesmo tempo, a região mais abastecida de infraestrutura e equipamentos públicos, o Centro Histórico da cidade, encontra-se em um cenário de abandono, com muitas edificações vazias ou subutilizadas, decorrente do deslocamento das elites que moravam nessa área para as outras centralidades que se desenvolveram nas últimas décadas.
mesmo tempo, há tantas edificações vazias em áreas centrais? A partir dessa questão se desenvolve a temática deste trabalho, que tem como objetivo propor novas alternativas para a habitação especificamente no centro de São Paulo, defendendo a moradia digna para população de baixa renda em áreas dotadas de infraestrutura e com grande oferta de emprego, reduzindo assim a segregação socioespacial tão presente nas metrópoles. Para isso, será necessário entender as origens dos problemas envolvidos na produção habitacional e o seu impacto para a cidade. Buscarei compreender como se deu o desenvolvimento da cidade e a implantação da moradia, quais foram as iniciativas públicas para atender a demanda habitacional e quais são as soluções técnicas para a reabilitação de edifícios ociosos para então justificar possíveis soluções para habitação na área central.
Com o baixo interesse por parte do mercado imobiliário em investir na região central, observou-se um aumento nas taxas de vacância imobiliária já que muitos proprietários de imóveis mantém seus edifícios vazios esperando o momento em que o centro estará valorizado novamente. Em paralelo, a produção de moradias para população de baixa renda se concentrou em áreas periféricas, longe dos equipamentos urbanos e de áreas com maiores ofertas de emprego, e os cortiços se tornaram presentes no Centro como única solução para essas pessoas se instalarem na região. Este cenário ambíguo e absurdamente desigual me leva a um questionamento que parece ter uma solução um tanto quanto óbvia: Por que há tantas pessoas sem moradia - ou vivendo em habitações precárias, irregulares e em regiões sem infraestrutura - e, ao
“Viabilizar Habitação Social no Centro é assegurar dois direitos fundamentais, geralmente subtraídos das famílias de menor renda, direito à moradia e direito à cidade.” (ROSSETTO NETTO, 2017. p. 51)
Estudo da Ocupação Ouvidor 63
SUMÁRIO INTRODUÇÃO
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Habitação no centro de São Paulo..................................................................................................................................................... 11 1.1. O processo de crescimento da cidade de São Paulo................................................................................................... 14 1.2. Vacância imobiliária e o déficit habitacional...................................................................................................................... 18 1.2.1. Financeirização da habitação............................................................................................................................... 19 1.2.2. Segregação social........................................................................................................................................................ 21 1.3. Direito à cidade: a constitucionalização dos direitos e a atuação dos movimentos sociais.................... 23 Políticas públicas e programas habitacionais entre 1988 e 2020................................................................................... 31 2.1. Âmbito federal..................................................................................................................................................................................... 32 2.2. Âmbito estadual................................................................................................................................................................................. 37 2.3. Âmbito municipal.............................................................................................................................................................................. 43 2.4. Oportunidades para a política habitacional na cidade de São Paulo.................................................................. 50
Reforma de edifícios para uso habitacional............................................................................................................................... 51 3.1. Conceituação: políticas e formas de intervenção.......................................................................................................... 52 3.2. Metodologias de análise e tecnologias de reforma...................................................................................................... 53 3.3. Estudos de caso................................................................................................................................................................................ 59 3.4. Viabilização dos projetos de reforma..................................................................................................................................... 67 3.5. Conclusão: dificuldades e desafios........................................................................................................................................ 72 Proposta projetual................................................................................................................................................................................... 73 4.1. Análise da área.................................................................................................................................................................................... 74 4.2. Histórico do edifício......................................................................................................................................................................... 78 4.3. A Ocupação Artística Ouvidor 63............................................................................................................................................. 79 4.4. O projeto................................................................................................................................................................................................. 83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
INTRODUÇÃO Olhando para o histórico de crescimento das grandes metrópoles é comum identificar processos de urbanização que promovem situações de marginalização e segregação socioespacial e por isso são apontados como principais causadores para os problemas habitacionais atuais. Em São Paulo, a urbanização está relacionada a industrialização intensificada no século XX que acarretou um grande fluxo migratório para a cidade. A partir de então, observa-se uma série fenômenos urbanos que, impulsionados por interesses presentes em cada momento, nos trouxeram às discussões relacionadas ao problema habitacional que serão abordadas neste trabalho. Veremos que a identificação do Centro como local de moradia da classe trabalhadora foi uma questão pouco abordada até o final da década de 90. Isso pode ser explicado pelos modelos de análise adotados até esse momento, que direcionavam as discussões acerca da habitação social para as áreas periféricas, tratando a região central como local de atuação do mercado imobiliário para a população das classes médias e altas. Serão apresentados alguns conceitos utilizados para caracterizar estes fenômenos de crescimento da cidade com o cuidado para que os mesmos não nos induzam a uma perspectiva higienista e gentrificatória, visto que muitos estão associados à problemas sociais urbanos. Como exemplo, temos a ideologia de “degradação” do Centro, muito relacionado à popularização ocorrida na área, associada à ideia de “esvaziamento” quando, na verdade, a região manteve-se densamente ocupada, porém com uma alteração no perfil de ocupação e com uma crescente concentração de comércio ambulante e moradores de rua – trazendo novamente uma imagem negativa para o Centro a partir de aspectos populares. Este cuidado também deve ser tomado ao propor projetos de reabilitação das áreas centrais para que estes não se transformem em projetos de valorização de áreas degradadas que geram uma “gentrificação generalizada” (SMITH, 2006, apud TSUKUMO, 2007) vista em muitas
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cidades de mundo. Dessa forma, será defendida a reabilitação com a manutenção da população existente em conjunto com políticas de habitação social e com a participação pública no processo de construção da cidade. O capítulo 1 busca trazer um histórico a respeito do crescimento da cidade de São Paulo, evidenciando como este processo contribuiu para a exclusão e marginalização da população de baixa renda. Nesse contexto, pontua-se a ação dos movimentos sociais de moradia para reivindicar o seu espaço na cidade, utilizando a ocupação organizada de imóveis abandonados no centro como forma de evidenciar a negligência do Estado com as políticas urbanas. No capítulo 2 são apresentadas políticas públicas relacionadas a habitação e implantadas a partir da gestão municipal da atual deputada Luiza Erundina (1989), englobando também as políticas em âmbito estadual e federal. Essa trajetória é de suma importância para o estudo, pois somente a partir da compreensão do que foi feito até hoje poderemos entender quais são as oportunidades para habitação na área central e formular alternativas que façam sentido para o cenário atual. O capítulo 3 traz a reabilitação ou reciclagem de edifícios como possível solução para produção de unidades habitacionais, visto que hoje não há mais espaço para uma expansão urbana em São Paulo e que, ao mesmo tempo, há uma quantidade expressiva de edifícios abandonados ou subutilizados no centro da cidade. Essa é uma solução ainda pouco desenvolvida no Brasil por ser idealizada como econômica e tecnicamente inviável, principalmente quando se trata de habitação popular. A pesquisa em questão tentará provar o contrário, trazendo estudos de casos e técnicas que podem ser utilizadas para viabilizar esta prática. A partir de toda a contextualização da problemática acerca da habitação e da pesquisa que se refere às tecnologias, o capítulo 4 apresenta uma proposta de projeto para a Ocupação Ouvidor 63, localizada na Rua do Ouvidor em São Paulo.
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Habitação no Centro de São Paulo
Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo Os locais de alta qualidade urbana, como as áreas centrais da cidade, estão majoritariamente ocupadas por famílias de maior renda ou são espaços que sofreram processo de desvalorização durante um período (ROSSETTO NETTO, 2017). Em paralelo, a produção pública de habitação em São Paulo esteve focada apenas no atendimento da demanda e acabou oferecendo moradias de baixa qualidade em áreas periféricas, sem infraestrutura e que exigia deslocamentos diários dos moradores até equipamentos essenciais e áreas com maior oferta de emprego. Portanto, as famílias de renda inferior encontram como solução para morar no Centro se instalar em moradias precárias em cortiços e favelas. A cidade de São Paulo passou por muitos processos de crescimento urbano no último século que acarretaram a migração de grande parte da população rural para a área urbana. Em nenhum desses momentos vemos boas condições para a classe trabalhadora se manter na cidade, já que os salários não são suficientes para atender os custos da vida urbana, principalmente a habitação. Por isso, os trabalhadores buscam habitações fora do mercado legal. Como aponta Ermínia Maricato (2013), a ilegalidade não é resultado de grupos que querem afrontar a lei, mas sim de um processo de urbanização gerador de segregação e exclusão. Cerca de 1/5 dos habitantes das maiores cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte) moram em favela, definida como “a completa ilegalidade da relação do morador com a terra” (MARICATO, 2003, p.2). Para a população urbana de média e baixa renda, essa ilegalidade é vista como “solução” para a falta de opções, já que o mercado legal não atinge a renda dessa população – que corresponde a 60% das famílias da região metropolitana – e que não há políticas públicas que estimulem a ampliação do mercado para essa parcela de forma eficaz. Nesse contexto, vemos uma dualidade no crescimento da cidade: a periferia, sendo uma expansão horizontal resultada das condições de vida impostas aos trabalhadores, e o centro, verticalizado e provido de infraestrutura sendo ocupado pelas classes médias e altas. Essa configuração pode ser explicada pela tentativa de segregação das classes mais altas, que se concentram e adensam certos bairros
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da cidade, além do valor da terra que, por ser mais alto nas áreas mais desenvolvidas, se utiliza da verticalização como forma de compensar o custo do terreno. No momento em que o mercado imobiliário perde o interesse em manter seu investimento no centro, principalmente devido a mudanças na legislação urbanística vigentes na época e oportunidades mais lucrativas em outros bairros, a elite que antes se localizava na região central é deslocada para esses novos bairros, assim como as grandes empresas. Esse processo gera um cenário de esvaziamento populacional do centro com altas taxas de vacância domiciliar que está relacionado à perda de população, de empregos, escritórios de alto padrão, atividades de alta renda e à presença de imóveis vazios e ociosos. A partir da década de 70, a construção do metrô, as grande intervenções viárias e esse esvaziamento passaram a ser apontadas como principais causas da degradação por marcar o Centro como ponto de cruzamento, o que aumentou o fluxo de pessoas na região e a atividade de comércios e serviços destinadas à população de passagem. Nesse mesmo momento temos também uma movimentação no território que aumentou a população de baixa renda no centro expandido, devido aos investimentos feitos nos bairros intermediários que atraíram uma parcela da população de alta renda e expulsaram a parcela mais pobre para outras áreas da cidade, inclusive para cortiços na região central. Com a crescente ocupação da região por grupos sociais de menor poder aquisitivo e atividades de menor rentabilidade, ilegais e informais, o conceito de degradação é potencializado apontando principalmente os ambulantes e moradores de rua como causas da mesma. A priorização do transporte coletivo e da circulação de pedestres na área central não deveria ser fator de degradação, como não o é nas grandes metrópoles dos países ricos. A questão em São Paulo e no Brasil centra-se na intolerância das classes médias e altas ao uso do transporte coletivo e à convivência com as classes populares. (TSUKUMO, 2007, p.30)
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 Entendemos então que a ideia de deterioração do centro é criada quando a região deixa de estar ocupada pelas classes mais altas e passa por um processo de popularização dessa ocupação. Tsukumo (2007) ressalta em seu texto que, mesmo que o Centro precise de melhorias, “a ideia da degradação tem forte cunho ideológico e induz a formulação de propostas de higienização social da área”, pois este conceito está muito relacionado à popularização ocorrida num período de crise econômica que agravou a situação da população de menor renda. Aponta também que muitos dos problemas sociais presentes no centro estão relacionados à pobreza e não poderiam ser resolvidos apenas através de projetos urbanísticos sem que estes envolvessem uma “limpeza social” ou que estejam relacionadas a outras áreas de atuação com forte propósito de seguridade social. Assim como a degradação, a ideologia a respeito do esvaziamento pode ser questionada. A saída dos escritórios desta área foi justificada pela obsolescência dos imóveis do centro, mas o que ocorreu foi a atração desses escritórios para as novas centralidades e estas, posteriormente, também tiveram um aumento nas taxas de vacância, colocando abaixo a justificativa pela demanda por áreas mais “modernas”. Outro ponto é que, de fato houve uma migração de atividades financeiras para outras áreas da cidade, mas o número de empregos formais aumentou com a expansão de outras atividades nos distritos centrais (CINTRA; CORREA, 2004, apud. TSUKUMO, 2007). Com isso a região manteve-se densamente ocupada, mas houve uma mudança no perfil da ocupação e uma crescente concentração de comércio ambulante, moradores de rua e escassa vida noturna que trouxeram uma imagem negativa para a área.
Mapa 1: Histórico da expansão urbana da cidade de São Paulo e Região Metropolitana. Fonte: Victoriano Neto, 2013.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
1.1. O processo de crescimento da cidade de São Paulo A primeira expansão urbana em São Paulo ocorreu no final do século XIX com a chegada de muitos imigrantes atraídos pela demanda da produção cafeeira. Com isso, a cidade cresceu em todas as direções de forma acelerada e o poder público teve dificuldades para atender as novas necessidades urbanas, principalmente nas questões relacionadas ao abastecimento de água. Com a nova demanda por moradia para os imigrantes, criaram-se diferentes tipos de construções precárias, como alojamentos improvisados nos fundos de lotes ocupados ou a conversão de sobrados em cortiços, agravando os problemas de saneamento. Bonduki (2004) aponta este momento como o gerador da primeira crise habitacional, pois as áreas com mais investimentos públicos estavam destinadas a população de maior renda e já era possível observar indícios de segregação socioespacial com a separação dos bairros operários e dos bairros “residenciais finos”. Para conter as ameaças de epidemias, foram adotadas medidas de controle sanitário que permitiam que os higienistas intervissem no espaço urbano de forma agressiva, podendo queimar e demolir casas que se caracterizassem como focos de disseminação de doenças. Também foram estabelecidos padrões para as habitações operárias, proibindo algumas soluções de alojamento numa tentativa de extinguir os cortiços. Os higienistas tratavam o trabalhador pobre como “ser sem moral, higiene e bons costumes” que deveriam “ser vigiados, controlados e reeducados em seus hábitos de morar”. (BONDUKI, 2004, p.34). Uma medida citada pelo autor que vejo a necessidade de pontuar foi a lei 493/1900 que previa isenção para construção de vilas operárias que estivem conforme padrão proposto e fora do perímetro central, o que enfatiza mais ainda a tentativa de exclusão da classe trabalhadora da área central. Com as favoráveis condições para produção habitacional pelos investidores, foram construídos mais de 38 mil prédios novos entre
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1900 e 1920. Até a década de 1930 a principal forma de morar em São Paulo era a casa de aluguel, sendo que todas as modalidades de moradia foram construídas pelo setor privado e que não existiam sistemas de financiamento de casa própria. Em 1925, apenas 23,8% dos prédios eram ocupados pelos proprietários e, antes disso, essa porcentagem era ainda menor. A existência de excedentes econômicos nas mãos de investidores de diversos portes, a restrita capacidade de aplicação no setor industrial, a expansão e retração cíclica da cafeicultura, a valorização imobiliária e a grande demanda por habitações em São Paulo, os incentivos fiscais e a inexistência de controles estatais dos valores dos alugueis – tudo isso se tornou o investimento em moradias de aluguel bastante atraente durante a Primeira República. (BONDUKI, 2004, p.45)
Porém nem todo trabalhador tinha condições de se mudar para uma casa de vila, pois sua renda não era suficiente para atender os gastos com a habitação. Então os investidores também construíam casas com menor qualidade e que não seguiam os padrões municipais, nem tinham incentivos fiscais, para alugar para estas pessoas de faixas de renda mais baixas. Dessa forma, o cortiço se tornou uma das formas de habitação mais comuns da classe trabalhadora, mesmo que ameaçado de demolição. Durante a república velha, o Estado limitou-se a propor medidas de caráter legislativo apenas e o mercado rentista tinha uma força visível e era quase sempre favorecido pelas medidas tomadas para reduzir a precariedade das habitações. Já em 1927 foi criada uma comissão que abordou a necessidade da ação do estado na construção de casas populares, visto que o mercado rentista se beneficiava dos incentivos fiscais sem transferi-los para o inquilino e que o setor privado ainda não era capaz de atender a demanda e os problemas habitacionais. A habitação surgiu como aspecto crucial das condições de vida do operariado na ditadura Vargas, por ser a condição básica de repro-
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 dução da força de trabalho e por ser também um elemento na formação ideológica, política e moral do trabalhador. Neste período, muitos profissionais voltaram-se para o problema habitacional, tornando a moradia um tema multidisciplinar. Mesmo com visões muito simplistas ou preconceituosas sobre o assunto, essas análises foram importantes para difundir a ideia da habitação social no Brasil. A questão da moradia assumiu papel fundamental no discurso e nas realizações do Estado Novo, como símbolo da valorização do trabalhador e comprovação de que a política de amparo aos brasileiros estava dando resultados efetivos. No centro dessa concepção estava a ideia do que o trabalho dignifica e gera frutos, os quais compensariam décadas de sacrifícios. (BONDUKI, 2004, p.83)
Com a simbologia atribuída à casa própria, o estado estaria criando a ilusão de progresso econômico e difundindo a ordem política, visto que a habitação passou a ser considerada uma forma de valorizar o trabalho e o fundamento da construção moral da sociedade. Antes de 1930, a questão central do problema habitacional era a insalubridade da moradia e, após essa data, passou a ser a viabilização da casa própria que, de certa forma, também eliminaria as moradias coletivas, mas a partir de outro discurso. Já que o aumento salarial não era visto como uma alternativa, para que os trabalhadores tivessem condições de adquirir a casa própria pensou-se em maneiras de redução de custos de moradia tanto do ponto de vista técnico, diminuindo custos da construção, quanto pela localização, priorizando a ocupação na zona rural, onde havia menos condições urbanas. Acreditava-se que a ausência de transporte coletivo seria o principal empecilho para a aceitação da moradia nas áreas periféricas, então priorizou-se o investimento nos ônibus, inclusive com a estatização da empresa de transporte coletivo. Foi implantada uma estratégia de doutrinação das massas com a tentativa de convencer o trabalhador de que seria melhor morar na casa própria na periferia (sem água en-
canada, coleta de esgoto e luz elétrica) do que morar na habitação coletiva no centro da cidade com infraestrutura e fácil acesso ao trabalho. O enfoque na casa própria e na autoconstrução gerou um desinteresse no setor privado de construção civil e isto foi apontado por Bonduki (2004, p.97) como um dos responsáveis pelo atraso na produção habitacional. Com a revolução de 1930, surgiram condições para uma maior atuação dos IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões) – primeiros órgãos a atuar no setor da habitação social – com a regulamentação de medidas que aumentaram as possibilidades de utilizar recursos previdenciários para programas de habitação social, como a redução das taxas de juros e aumento dos prazos de pagamento. Mesmo apresentando planos voltados para o mercado popular, como locação ou venda de unidades em conjuntos do instituto e financiamento para aquisição de moradia ou construção em terreno próprio, cerca de 80% dos edifícios foram destinadas as classes média e alta. Os IAPs são apontados como “espécie de rentistas estatais” (BONDUKI, 2004, p.107) pois a adoção do plano de aluguel pode ser entendida como uma forma de valorização do patrimônio e geração de renda. Para evitar ou compensar prejuízos decorrentes da Lei do Inquilinato, os valores iniciais dos aluguéis foram fixados em níveis elevadíssimos, tornando-se inviáveis até para os associados. além da polêmica entre rentabilidade ou função social dos investimentos dos IAPs, havia uma disputa por recursos públicos entre os que lutavam por uma política social de habitação e os incorporadores imobiliários privados, interessados na construção e venda de apartamentos de luxo. Disputa que, na verdade, nunca mais deixou de existir. (BONDUKI, 2004, p.105)
Com a ação habitacional implementada pelo governo com interesse em racionalizar a construção afim de atingir a produção em larga escala, os princípios da arquitetura moderna foram incorporados parcialmente no Brasil, mesmo que arquitetos envolvidos buscassem viabilizar financeiramente produtos com qualidade arquitetônica como
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo estava sendo feito na Europa. Isso gerou um empobrecimento dos projetos até a “busca cega e inútil pela redução de custos, sem levar em conta as outras perspectivas propostas pela arquitetura moderna” (BONDUKI, 2004, p.135). Muitos arquitetos do período traziam a moradia como um serviço público símbolo de mudança e um transformador social. Propunham edifícios coletivos com equipamentos sociais e comunitários que representavam um novo modo de morar. Com isso, a arquitetura moderna contribuiu com a renovação das tipologias de projeto, do processo construtivo e propostas urbanísticas atreladas ao barateamento da construção através da racionalização, industrialização e verticalização. Com o intenso crescimento populacional ocorrido na década de 40 (passando de 1,3 milhões no censo do IBGE de 1940 para 2,2milhões de habitantes em 1950), as mudanças no mercado de produção habitacional e o reflexo da escassez gerada pela Segunda Guerra Mundial, temos uma nova crise habitacional com um grande desequilíbrio entre oferta e demanda de habitações. Nesse período criou-se um desinteresse na produção habitacional privada devido a fatores diversificados, dentre eles o novo interesse pelo processo de renovação dos centros urbanos com a construção de novas avenidas num contexto de especulação imobiliária. As primeiras favelas de São Paulo surgem nesse período, quando muitos foram despejados de suas moradias de aluguel e passaram a criar ocupações improvisadas próximas a área central junto a famílias recém chegadas que também estavam sem alternativas para moradia,
1900
1930 Revolução de 30
Criação da lei 493/1900 e surgimento das vilas operárias, com pouquíssima atuação do poder público na produção habitacional.
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1940
Introdução de questões relacionadas a habitação nos planos de governo, adotando o discurso da moradia própria como uma forma de doutrinação da classe trabalhadora.
mas que não queriam se afastar do trabalho. Ao mesmo tempo, cresceram as construções próprias em áreas periféricas e os lançamentos de loteamentos com a potencialização do discurso da casa própria. Durante a ditadura militar, as políticas habitacionais eram pautadas pelo Banco Nacional da Habitação (BNH) em conjunto com a COHAB como agente promotor. A habitação social resumia-se na produção de unidades em larga escala com baixa qualidade arquitetônica e localizadas em áreas periféricas da cidade, onde não havia infraestrutura e promoção de empregos. Nesse mesmo momento foi sendo consolidado o perímetro que chamamos de centro expandido, quando o mercado imobiliário passou a investir em bairros no quadrante sudoeste da cidade e causou o deslocamento da classe alta para esses novos empreendimentos. Esse processo de expansão foi intensificado com a caracterização desses novos bairros como polos de centralidade e com a criação do eixo econômico formado entre as avenidas Paulista, Brigadeiro Faria Lima e Luís Carlos Berrini e Marginal Pinheiros. Paralelamente, a consolidação do transporte coletivo, com inúmeras linhas e terminais de ônibus e estações de metrô fazendo a ligação entre zonas norte e leste, e a concentração de empregos (formais e informais) na área central resultaram no aumento de pessoas circulando diariamente na região, principalmente a população de baixa renda. Com essa mudança no perfil de ocupação, o Centro passou a ser caracterizado como “abandonado” e “degradado”, perdendo sua dinâmica imobiliária e aumentando as taxas de vacância imobiliária.
1964 Golpe militar 2ª grande expansão urbana e agravamento da crise habitacional; Surgimento de favelas; Expansão do centro urbano, deslocando a ocupação para região da Avenida Paulista e Jardins;
1970
Início da ditadura militar e criação do BNH.
1980 Formação do novo eixo econômico entre as avenidas Faria Lima e Berrini.
Ampliação das linhas de transporte coletivo, intensificando a circulação de pedestres na região central.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63
Concentrações da população de baixa renda Movimento pendular Centralidades
Concentração da elite
Centro histórico
Centralidades do município
Paulista
Dispersão da elite e das empresas
Berrini e Faria Lima Mapas 2 e 3: Centralidades da cidade de São Paulo e o movimento pendular da população periférica de baixa renda. (Autoria própria)
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
1.2. Vacância imobiliária e o déficit de moradias Entende-se a vacância imobiliária como a relação entre os espaços edificados vazios e o total de espaços edificados em uma determinada área, analisada de acordo com seu uso e função (BOMFIM, 2004). Essas análises podem partir da localização, relacionando as condições de vizinhança a uma determinada área de influência, ou pode ser específica ao imóvel, comparando os custos de manutenção da edificação e a demanda com os lucros estimados. De acordo com a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional do país estava em torno de 7,9 milhões de unidades habitacionais em 2006, estimando-se que a demanda estaria em torno de 31 milhões de novos atendimentos habitacionais até 2023 (PLANHAB, 2009). Com o crescimento do número de edifícios verticalizados vazios na região central de São Paulo, os movimentos sociais se utilizaram das ocupações como estratégia para denunciar a falta de políticas habitacionais de interesse social e questionar o cumprimento da função social da propriedade e a aplicação dos recursos públicos. A presença de vazios construídos em áreas centrais comumente está vinculada à expansão da cidade e às modificações de usos ao longo do tempo. Em São Paulo não foi diferente: houve uma expansão territorial intensificada no século XX com instalação de infraestrutura e investimento imobiliário em novas áreas que acarretou o deslocamento de determinadas atividades e até mesmo dos órgãos públicos da área central. Nas últimas décadas, o centro vem concentrando lojas menores, pequenos escritórios, consultórios, shopping popular e uma população de menor renda em relação a existente anteriormente. Com isso, criou-se um sentimento de degradação e abandono do centro que culpabiliza a popularização ocorrida, associado a sensação de incerteza por parte dos proprietários que esperam pelo momento de renovação dessas áreas e valorização da sua propriedade. A vacância funciona como um indicador para direcionamento da aplicação de recursos em determinada área tanto pelo setor pú-
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blico quanto privado. Para o poder público, pode significar altas taxas de inadimplência dos impostos e, por sua vez, significa diminuição de recursos para manutenção e investimentos naquela área. Para o setor privado, é um indicativo da dinâmica imobiliária existente. Por exemplo, poucos imóveis vazios numa região podem significar pouca oferta, o que pode levar ao aumento do valor imobiliário. Quando a taxa vacância não está dentro da variação aceitável (entre 5% e 7%, de acordo com Bomfim), temos um baixo investimento na área e consequentemente temos o cenário de incerteza e especulação imobiliária em que os proprietários ficam aguardando a aplicação de políticas públicas de renovação que irão garantir o aumento da demanda e permitir a prática de valores esperados em decorrência da valorização gerada. De acordo com a pesquisa e levantamento de campo realizados por Bomfim, a vacância do centro histórico foi estimada em 18% de área construída vazia em 2003, sendo 21% edifícios destinados ao uso residencial e 77% ao uso de serviço e comércio. A maior parte destes edifícios vazios são verticalizados, com um único proprietário para cada imóvel e período de desocupação superior a um ano, sendo edifícios que precisam de reformas e da aplicação de capital para seu funcionamento. Esses resultados se mantêm similares no relatório apresentado por Helena Silva em 2009 que, a partir das entrevistas feitas, constatou-se que a vacância está ligada principalmente a escassez de demanda pelo edifício, ausência de financiamento para recuperação dos imóveis, dificuldade de venda de imóveis devido a problemas de documentação, além da inadequação muito apontada por diversos especialistas destes edifícios mais antigos para as atividades mais modernas. Para viabilizar a locação de grandes edifícios, é necessário que tenham diversos locatários e isso acarreta um maior esforço administrativo e aumento nos custos operacionais em um edifício que tem valor comercial inferior a outras áreas. Para venda, é necessária a redução do preço pretendido e acaba por não ser interessante para os proprietários. Sendo assim, os edifícios permanecem vazios até que haja a requalificação. Esse processo de renovação ou requalificação só ocorre a partir
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 do investimento público, pois os proprietários com rendas mais altas fazem investimentos em outros locais, visto que o lucro é muito maior do que seria com a recuperação e manutenção dos edifícios no centro histórico, e os proprietários com baixa lucratividade não conseguem e/ou não tem interesse em fazer investimentos no imóvel. Destaca-se também que faltam políticas de investimentos e financiamentos para reforma, então toda reforma depende dos seus proprietários ou outros investidores que, além de precisarem arcar com todos os custos, não tem a garantia de que haverá uma demanda que os absorva e retorne a renda esperada. Harvey aponta a promoção da revitalização de áreas centrais como uma das mais significativas estratégias de retomada econômica urbana e que geraram o processo de gentrificação. Sabemos que é necessário que haja a definição da política de reabilitação para o centro mas, neste cenário especulativo, é essencial que seja avaliado quais grupos seriam mais beneficiados com as propostas e que haja distribuição de recursos para políticas habitacionais e sociais afim de amenizar a espoliação sofrida pelos grupos sociais menos favorecidos.
1.2.1. Financeirização da moradia A autoconstrução ainda é bastante significativa em países como o Brasil mas, mesmo que a produção capitalista não seja responsável pela maioria do estoque habitacional, a “habitação social de mercado” tem sua importância pela quantidade de agentes mobilizados no seu processo e pela influência destes na produção do espaço urbano. Nesse processo, a moradia é tratada como uma mercadoria de livre circulação no mercado para ser adquirida por meio da concessão de crédito com o objetivo de geração de lucros.
Mapa 4: Porcentagem de moradias vazias em 2000. Fonte: STEVENS, 2018.
Essa produção se intensificou a partir de 2000, quando a legislação, instituições públicas, recursos financeiros e a cadeia produtiva da construção se mostraram favoráveis para atuação das grandes empresas na produção de habitação para famílias de classe média e baixa, atribuindo a este segmento a lógica de acumulação de capital, maximização dos lucros e valores de troca (SHIMBO, 2016). O mapa
19
Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo abaixo apresenta o valor de m² de alguns empreendimentos habitacionais lançados a partir de 2000. Os dados foram coletados na plataforma “ComproTerreno” desenvolvida pela empresa Hiperdados Tecnologia, responsável por pesquisar e armazenar dados dos empreendimentos lançados pelo mercado imobiliário, como nº de unidades, valor de venda, tipologias construídas, data de lançamento etc. A partir disso, vemos uma grande concentração de habitações voltados para o público de médio ou alto padrão na região central de São Paulo, mas mesmo que o valor/m² não seja baixo, alguns destes empreendimentos enquadram-se no programa Minha Casa Minha Vida por ofertarem unidades pequenas que estão no limite de R$240.000/unidade. A tipologia predominante nestes edifícios é de studios de até 34m² e unidades com 1 dormitório.
Com a criação de programas como o Programa Carta de Crédito (1995) e o Programa Minha Casa Minha Vida (2009), as empresas privadas viram mais atratividade no segmento ao se tornarem o agente que executa o programa, ao invés de estarem restritos às encomendas do poder público. Também foram criadas leis e resoluções que contribuíram para o estímulo da produção via mercado ao trazer segurança para os empreendedores e para os compradores através de instrumentos como alienação fiduciária e do regime tributário especial, além do estímulo ao financiamento imobiliário e diminuição ou isenção de alguns impostos1 . Esses mecanismos favoreceram o aumento do volume de recursos de financiamentos habitacionais e a garantia para os investimentos dos capitais privados em construtoras e incorporadoras. A criação de instituições, como o Ministério das Cidades (2003), também facilitou o acesso das empresas aos financiamentos e à comunicação com gestores públicos, além de criar o PNH (Política Nacional de Habitação) e SNH (Sistema Nacional de Habitação). O modelo de financiamento habitacional adotado desde o BNH (Banco Nacional de Habitação) baseou-se na captura de poupanças privadas pelo FGTS, reforçando de modo direto a ideologia entre o trabalho e moradia abordados durante a ditadura Vargas, e SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo). Além da aplicação de recursos públicos, houve a entrada de capital privado com a abertura de capital de algumas empresas na Bolsa de Valores, principalmente após 2006. Com isso, as metas de produção passaram a ser pautadas por estratégias financeiras estipuladas por acionistas e as empresas promoveram a padronização arquitetônica e construtiva das tipologias habitacionais, com uma racionalidade industrial para produção em escala.
Mapa 5: Valor por m² dos empreendimentos lançados na área central. Fonte: Hiperdados Tecnologia. Autoria Própria.
20
Até R$4.000,00/m²
R$6.000,00 a 8.000,00/m²
R$4.000,00 a 6.000,00/m²
R$8.000,00 a 10.000,00/m²
Acima de R$10.000,00/m²
1 Shimbo (2016) menciona a diminuição de Impostos sobre Produtos Industrializados para certos materiais de construção e isenção de imposto de renda sobre ganhos financeiros da securitização de recebíveis imobiliários. Aponta também a vantagem do modelo de financiamento, pois atende à questão habitacional sem onerar o orçamento público e os recursos retornam ao sistema à medida que as parcelas são pagas.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 A maior parte das empresas que atuam no segmento econômico iniciaram sua produção a partir da década de 1990 e são subsidiárias de grandes construtoras nacionais ou são empresas voltadas para alto padrão que criaram linhas para atender a produção econômica e/ ou adquiriram construtoras já atuantes no segmento. De acordo com Shimbo (2016), apenas duas empresas (MRV e Tenda) já atuavam com esse público na década de 1970. Com essa ampliação de mercado, ampliou-se também a área de atuação, antes focada no eixo Rio-São Paulo, para o interior do estado de São Paulo e capitais de outros estados do país. O alto valor agregado a habitação pode ser justificado pela longa duração do seu ciclo, que exige suporte financeiro durante todo o processo e que pode a qualquer momento sofrer alterações que não estavam previstas. Outro fator importante é o terreno, visto que o seu preço é influenciado de acordo com a valorização do espaço que, por sua vez, é muitas vezes conduzida pelo próprio mercado imobiliário (ROSSETTO NETTO, 2017).
1.2.2. Segregação social Com o valor agregado ao terreno, apontado no tópico anterior, e a falta de políticas públicas que incentivem a produção habitacional para população de baixa renda em áreas dotadas de infraestrutura, temos como característica recorrente na produção habitacional a localização desses empreendimentos em áreas que chamamos de periféricas. Principalmente nos empreendimentos voltados para Faixa 1, em que a demanda é indicada pelo Estado e, dessa forma, os beneficiários não adquirem sua moradia a partir de intermédio do agente imobiliário e não tem tanto poder de escolha, não há a preocupação de se apresentar uma boa localização. Isso agrava a situação de segregação socioespacial, visto que essa população de menor renda acaba por ser locada nas áreas de expansão urbana, com menos infraestrutura e que exigem deslocamentos diários até equipamentos essenciais e áreas com maior oferta de emprego. Villaça caracteriza o espaço urbano como espaço socialmente
produzido, inserindo seu estudo na “lógica do materialismo histórico, da dominação e do conflito de classes” (VILLAÇA, 2011, p.37). Portanto, traz-se à discussão a visão do espaço urbano integrado à desigualdade socioeconômica, em que a classe dominante manipula a produção do espaço priorizando seus interesses e reafirmando o caráter excludente existente na forma de expansão das nossas cidades. “...a segregação é aquela forma de exclusão social e de dominação que tem uma dimensão espacial” (VILLAÇA, 2011, p.41). No caso da cidade de São Paulo, há uma grande concentração das classes de mais alta na região sudoeste, além de concentrar os distritos com mais alto IDH do município, mais altas rendas médias domiciliares e maior número de zonas residenciais nos zoneamentos aplicados a partir de 1972. Grande parte dos empregos do setor terciário também está localizado nessa região, onde concentra-se inclusive a maioria dos empregos da população mais rica, suas residências, comércios, serviços, hospitais, equipamentos de lazer e entre outros voltados para essa parcela da população. Nesse setor também se concentra a maior parte dos empregos dos mais pobres, mas estes também se localizam em outras áreas, como o centro histórico, os subcentros comerciais populares e, também, os centros de outros municípios da região metropolitana. Por estarem espalhados, isso dificulta ainda mais o deslocamento moradia/ trabalho da população mais pobre, que já é penalizada pela distância e pelo sistema viário e de transporte, enquanto a população mais rica tem todas as suas necessidades na mesma região, favorecendo ainda mais o seu deslocamento. Também há uma grande concentração dos empregos dos mais pobres no setor industrial e, neste caso, a participação dos mais ricos é muito menor. Sempre que possível, os trabalhadores desse setor procuram residir perto das zonas industriais e, os mais ricos, mantêm-se afastados delas. Além dessa concentração planejada das camadas mais ricas na região Sudoeste, temos também a implantação dos chamados “enclaves fortificados” (CALDEIRA, 2000, apud TSUKUMO, 2007) a partir da década de 80, onde formam-se “nichos de consumo
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
MOBILIDADE
Viagens por transporte público em relação às Acesso a Acesso a viagens transporte de massa transporte motorizadas de massa
MOBILIDADE
MOBILIDADE
Proporção (%) da população que reside em um raio de até 1 km de estações de sistemas Proporção (%) de viagens realizadas de transporte público de alta capacidade e monotrilho), por distrito diariamente por transporte público(trem, em metrô relação ao Proporção (%) da população que reside em total de viagens motorizadas, por distrito um raio de até 1 km de estações de sistemas de transporte público de alta capacidade (trem, metrô e monotrilho), por distrito
36,4 80,5
MELHOR/PIOR 88,0 VALOR 88,0 0 0 56,6 República
VÁRIOS [29]
Média de São Paulo
18,1
DESIGUALTÔMETRO
2,2x
18,1 DESIGUALTÔMETRO
ANO-BASE: 2017 ANO-BASE: FÓRMULA: Viagens diárias realizadas por transporte público2019 ÷ Total de viagens motorizadas x 100 FÓRMULA: População residente no raio de até 1 km das estações de sistemas
FONTE(S): Pesquisa OD 2017 ELABORAÇÃO: CEM
de transporte público de média e alta capacidade ÷ População total do distrito x 100 ANO-BASE: 2019 FONTE(S): Pesquisa OD 2017
FÓRMULA: População residente no raio de até 1 km das estações de sistemas ELABORAÇÃO: CEM de transporte público de média e alta capacidade ÷ População total do distrito x 100 OBSERVAÇÕES: Dados populacionais do Censo demográfico de 2010. As OBSERVAÇÕES: Dados populacionais do Censo demográfico de 2010. EstePesquisa indicador foiOrigemcriado pelo ITDP (Instituto de Políticas de Transporte & Zonas OD compõem a divisão territorial definida pela FONTE(S): Pesquisa OD 2017 Desenvolvimento)por e seu nome original, Destino (OD). Elas são menores do que a divisão administrativa distritos e em inglês, é PNT (People Near Transit).
maiores do que a divisão por setores censitários,
ELABORAÇÃO: CEM usada pelo IBGE.
OBSERVAÇÕES: Dados populacionais do Censo demográfico de 2010. Este indicador foi criado pelo ITDP (Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento) e seu nome original, em inglês, é PNT (People Near Transit).
Mapa 6: Distribuição dos empregos formais no setor privado na cidade de São Paulo. Fonte: Infocidade, 2018.
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194x DESIGUALTÔMETRO 194x
LEGENDA: LEGENDA: 70 a 85 60 a 70
LEGENDA:
45 a 60 0 a 45
Mapa 7: Porcentagem da população que reside em um raio de até 1 km de estações de transporte público de alta capacidade em 2019. Fonte: Rede Nossa São Paulo.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 e moradia da classe alta, entremeados na malha urbana periférica, isolados desta através de muros e alta tecnologia “anti-violência urbana””. Isso ocorreu devido a implantação de infraestrutura nos bairros intermediários – com destaque para a atuação dos movimentos que lutaram por melhores condições de vida nessas áreas – e pelo investimento do mercado imobiliário nesses locais quando o centro deixou de ser uma área de interesse. Ao mesmo tempo, observou-se uma queda na taxa de crescimento demográfica das áreas periféricas e aumento da população de baixa e média renda no centro expandido, visto que a valorização das áreas periféricas mais consolidadas levou a expulsão dos moradores mais pobres para favelas e cortiços, relacionando esse movimento ao processo de encortiçamento da área central e verticalização dos bairros intermediários.
88,0
1.3. Direito à cidade: a constitucionalização dos direitos e a atuação dos movimentos sociais
0 36,4 MELHOR/PIOR VALOR 36,4 80,5
Direito à cidade quer dizer direito à vida urbana, à habitação, à dignidade. É pensar a cidade como um espaço de usufruto do cotidiano, como um lugar de encontro e não de desencontro. (JACOBI, 1986, p.22)
Vila Guilherme
80,5
18,1
Perus
Média de São Paulo
56,6
DESIGUALTÔMETRO
194x 2,2x DESIGUALTÔMETRO 2,2x 56,6 DESIGUALTÔMETRO
LEGENDA: LEGENDA:
0 0 a 25
LEGENDA:
25 a 75 75 a 100
Mapa 8: Porcentagem de viagens realizadas diariamente por transporte público em relação ao total de viagens motorizadas em 2019. Fonte: Rede Nossa São Paulo.
Embora não seja suficiente para garantir que todos tenham moradia digna, o direito de moradia foi incluído no rol de direitos sociais do art. 6º da Constituição Brasileira por meio da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000. No art. 5º, a propriedade é definida como um direito fundamental e que deve atender sua função social. Para isso, o art. 182 regulamenta a atuação do poder público municipal, conferindo-o o dever de garantir o cumprimento das funções sociais da cidade e o bem estar de seus habitantes, e o art. 183 garante o direito de propriedade para aquele que lhe dá a função social a partir de instrumentos regulamentados no Estatuto da Cidade. Para Henri Lefebvre (2001), a industrialização, a globalização e a urbanização caracterizam a sociedade moderna capitalista e, consequentemente, a cidade construída para tal, que perdeu o conceito de
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo “habitat” onde se davam as relações sociais. O autor critica a mercantilização do espaço urbano, atrelando os lugares das cidades a bens de consumo, tornando-se fontes de acumulação de capital. O direito à cidade é visto como forma de recuperação coletiva do espaço urbano, envolvendo o direito de comandar a remodelação dos processos de urbanização e garantindo as “trocas sociais livres” nesses espaços urbanos que forem ressignificados a partir da apropriação pelos coletivos. Os movimentos sociais associados a discussão de moradia transformaram imóveis abandonados no centro de São Paulo em territórios de manifestação. As ocupações desses edifícios são tidas como forma de evidenciar o falho e insuficiente desenvolvimento de políticas públicas para a cidade. Essa ação dos movimentos de moradia é responsável pela inclusão o tema nos debates governamentais, fomentado por levantamentos que mostram a quantidade de imóveis vazios no centro de São Paulo. Sobre a validade das ocupações, é considerado legítimo o direito à resistência quando um grupo está em estado de privação material e desprovido de condições para viver dignamente. Nesse caso, os cidadãos sujeitos a essas condições estão desobrigados de obedecer ordenamento jurídico. Logo, as ocupações, mesmo que afrontem o direito de propriedade, são legitimas como protesto e reivindicação de direitos a que estão sendo privadas. (LOPES; ANDRADE; CHAVES, 2017)
O início da articulação de movimentos sociais por moradia se dá na década de 80 a partir da mobilização de moradores de cortiços em conjunto com assessorias técnicas e entidades populares, como o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. Em 1982, o Movimento Unificado de Favelas e de Cortiços (MUFC) já pautava a o direito de morar no centro de São Paulo e, em 1987, surgiu a União dos Movimentos de Moradia (UMM) como uma organização municipal que, em 1992, adquiriu caráter estadual e desenvolveu vínculos com a Central dos Movimentos Populares (CMP) de caráter nacional. A UMM se ca-
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racterizou como uma organização aglutinadora de entidades e movimentos locais no nível estadual. (TATAGIBA; PATERNIANI; TRINDADE, 2012) A ULC foi criada em 1991 e tinha como meta principal juntar os movimentos envolvidos na luta pela melhoria das condições de habitações coletivas na área central e na região leste e sudeste. Em 1997, foi responsável pela primeira ocupação organizada em um casarão da Rua do Carmo de propriedade da Universidade de São Paulo. Os movimentos sociais tinham como intenção utilizar as ocupações como moradia, para reivindicar por políticas públicas, porém tinham muitos problemas relacionados à insalubridade e segurança. Por isso, alguns movimentos, principalmente aqueles associados a União dos Movimentos de Moradia (UMM), decidiram realizar as ocupações por um curto período, apenas como estratégia para dar visibilidade aos problemas habitacionais. Sendo assim, as ocupações denunciam as falhas das políticas habitacionais e a quantidade de edificações vazias. Mas antes de apontar para a reivindicação de novas políticas e programas habitacionais, os movimentos de moradia estão reivindicando o cumprimento da legislação vigente, visto que o poder público tem o dever de fiscalizar o uso do solo e garantir a função da propriedade. Junto ao início da atuação dos movimentos de moradia, temos a criação de organizações de apoio técnico aos projetos de habitação social, como o Sindicato dos Arquitetos de São Paulo e o Laboratório de Habitação da Faculdade de Belas Artes de São Paulo. Ambas associações tinham como objetivo fornecer assessoria técnica às comunidades, desenvolvendo projetos de forma participativa com a população e atuando como interlocutores no diálogo com o poder público. Criado em 1978, o Sindicato dos Arquitetos de São Paulo (SASP) surgiu com o propósito de fortalecer os movimentos sociais. Posteriormente, em 1982, alguns arquitetos dessa cooperativa formaram o Laboratório de Habitação da Faculdade de Belas Artes de São Paulo, que se constituiu como assessoria técnica para atendimento dos mo-
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 vimentos de moradia, com o intuito formar o aluno com contato direto com a população e com os problemas da cidade (SANCHES, 2017).
que se legitima politicamente quando o diálogo com os órgãos governamentais não acontece.
O interesse dos movimentos sociais é, sobretudo, participar do debate político do qual eles sempre foram excluídos para colocar suas pautas e participar do planejamento das propostas urbanas na mesma proporção dos demais agentes envolvidos. A liderança do movimento se manifesta para garantir que a população que ela representa seja incluída nos programas, mas não apenas como consumidora ou beneficiária, e sim como agentes com voz ativa na formulação das políticas.
O mapa e a tabela a seguir apresentam algumas ocupações ativas em 2020 mapeadas na região central. Este levantamento foi feito a
Na entrevista realizada por Tatagiba, Paterniani e Trindade (2012) com participantes da UMM, em sua maioria em posições de liderança intermediária, foi muito mencionada a “conquista da moradia digna” como motivação para participar do movimento. Comumente as pessoas entram no movimento com o objetivo de conseguir uma casa, mas depois essa percepção é ampliada para o nível coletivo: independentemente de ter ou não conquistado a sua casa, o indivíduo permanece no movimento para continuar a luta de moradia para si e para os outros. Outro fator de grande relevância para os participantes do movimento é o conhecimento adquirido relacionado a consciência política, conhecimento dos direitos, cidadania, além das questões técnicas e dos processos das políticas habitacionais. Essa pesquisa indicou também que, dentro do próprio movimento, há participantes contrários e favoráveis às ocupações organizadas. Entre os favoráveis, afirmam que a ocupação é um instrumento político legítimo e eficaz para pressionar o governo a garantir os direitos dos cidadãos, por ser uma forma de denúncia para os espaços vazios que existem e ainda de indicar quem deve preencher esses vazios. Porém ressaltam a importância de que as ocupações sejam organizadas anteriormente, durante o período da ocupação e durante o pós-ocupação. Entre os que se manifestam contrários às ocupações, afirmam que sentem medo da repressão policial e acreditam que é um desrespeito a propriedade privada. Alguns deles tratam esse tipo de ação como último recurso, quando as negociações com o poder público não evoluem. Ou seja, caracterizam como um instrumento radical, mas
Id. Endereço
Movimento de moradia
Propriedade
A
Av. Ipiranga, 150
N/D
N/D
B
Av. Ipiranga, 879
FLM
Privada
C
Av. Ipiranga, 908-916-924
FLM
Pública
D
R. 7 de abril, 355
N/D
N/D
E
R. 7 de abril, 176
UAMP
Privado
F
Av. São João, 588
FLM
Privada
G
R. Marconi, 138
MMPT
Privada
H
R. Antônio de Godoi, 8
N/D
N/D
I
R. Capitão Salomão, 55
N/D
Privada
J
R. Conselheiro Nebias, 314
N/D
Privada
K
Av. Duque de caxias, 401-403
N/D
N/D
L
R. General Osorio, 188
N/D
N/D
M
Av. Angélica, 651
FLM
Privada
N
Av. 9 de Julho, 584 / R. Álvaro de Carvalho, 427
MSTC / FLM / UMM
Pública
O
Av. 9 de Julho (Hotel Cambridge) MSTC
Pública
P
R. do Ouvidor, 63
N/D
Pública
Q
R. Jose Bonifacio, 137
FLM
Publica
R
R. Benjamin Constant, 162
MLSM
Publica
S
R. Quintino Bocaiúva, 242
FLM
Privada
T
R. do Carmo, 93
N/D
N/D
U
R. Joao Bricola, 67
FLM
Privada
V
R. Carlos de Sousa Nazare, 630
N/D
N/D
X
Av. Prestes Maia, 911
MMLJ
Pública
Z
R. Mauá, 340
MSTC / ASTC / MMRC
Pública
Tabela 1: Ocupações mapeadas na região central de São Paulo.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo partir da verificação dos edifícios mencionados nos referenciais bibliográficos dessa pesquisa e de buscas online nas páginas dos movimentos de moradia e em sites de mapeamento e visualização 360º, como o Google Maps. Z L
X
K M J
V B
A E
C F
H I
U
G D
O N
P
Q R S
T
Mapa 9: Levantamento de ocupações irregulares entre os distritos da Sé e República. Autoria própria.
Ao ocupar os edifícios ociosos, os movimentos de moradia estão reivindicando, além do direito de moradia, o seu direito de morar e usufruir do centro da cidade regulamentados pela legislação e legitimados pela denúncia proprietários de imóveis que não cumprem com suas determinações legais, tanto de função social da propriedade quanto da sonegação de impostos. As ocupações incitam o poder público a se manifestarem sobre essa situação e apontam para caminhos alternativos para provisão de moradia, como a reforma dessas edificações ocupadas. Entretanto, parece que a ação do judiciário é mais facilmente aplicada para o direito de reintegração de posse do que para a punição dos proprietários dos
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imóveis que estão em inconformidade legal. Em 1º de maio de 2018, o Edifício Wilton Paes de Almeida, localizado no Largo do Paissandu, estava irregularmente ocupado e foi alvo de um incêndio que ocasionou o seu desabamento, gerando grande repercussão na mídia. O edifício foi projetado por Roger Zmekhol e construído na década de 1960 para abrigar uma empresa do setor de vidros e, posteriormente, passou a ser propriedade da União, tornando-se sede da Polícia Federal e de uma agência do INSS. Em 1992, o edifício foi tombado pelo COMPRESP e, a partir de 2001, o edifício foi esvaziado, mantendo apenas o INSS no térreo até 2009. Durante a última década o edifício foi ocupado por sem tetos diversas vezes. No momento da tragédia, estava ocupado por 455 moradores de 171 famílias, segundo cadastro da Sehab, com apoio e organização do movimento Luta por Moradia Digna (LMD). O incêndio teve início na madrugada do dia 1º, possivelmente por causa de um curto-circuito numa tomada com três aparelhos ligados, e durou menos de uma hora e meia até causar o desabamento. Esse acontecimento intensificou algumas discussões a respeito das ocupações, principalmente aquelas pautadas na criminalização dos movimentos sociais. Diversas manchetes utilizaram termos pejorativos para se referir aos moradores, como “invasores”, “facção”, “milícia” e afins de forma muito tendenciosa, sem considerar que a ocupação irregular possa ter sido a única alternativa para aquelas pessoas e que elas são as responsáveis por lutar pela moradia na cidade. Alguns líderes de movimentos de moradia que não estavam associados à ocupação do Wilton Paes de Almeida foram presos sob acusação de extorsão de dinheiro dos moradores de ocupações com a cobrança de aluguéis indevidos. Ainda assim, tivemos uma movimentação na mídia que tentou evidenciar a responsabilidade do poder público sobre a crise habitacional do país, mas infelizmente foi necessário que houvesse uma tragédia para que os veículos de comunicação abordassem os problemas habitacionais e gerassem alguma pressão no Estado.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 Do ponto de vista da política habitacional, revela-se a precariedade das condições de vida a que é submetida uma parcela significativa da população, sem alternativas para morar com dignidade. (...) Do ponto de vista da política urbana, expõe, para além de casos envolvendo edifícios públicos, a omissão dos municípios na aplicação dos instrumentos indutores da função social da propriedade. (...) Colocar a população que sofre dessas mazelas como responsável por problemas dessa natureza, de fato, não será o início de um bom caminho. (Instituto dos Arquitetos do Brasil, 2018)
Figura 2: Manifestação em defesa da moradia realizada no dia 9 de Maio de 2018 no Largo do Paissandu, ao lado do acampamento formado pelos antigos moradores do edifício Wilton Paes de Almeira após o desabamento e que se estendeu por 3 meses. Fonte: Agência Brasil.
Figura 1: Edifício Wilton Paes de Almeida em 2016. Fonte: São Paulo Antiga.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo A ocupação 9 de Julho, localizada entre a Av. 9 de Julho e a R. Álvaro de Carvalho, foi ocupada pelo Movimento Sem Teto do Centro dia 28 de outubro de 2016 após anos de abandono. O edifício foi construído de 1939 a 1943 para sediar a delegacia de São Paulo do IAPETC e, posteriormente, o INSS. Na década de 1970 o prédio foi desocupado e se manteve vazio por mais de 20 anos. A primeira ocupação, feita pelo Fórum de Cortiços, aconteceu no dia 2 de novembro de 1997 com a participação de diversos movimentos. Em 2003, os moradores desocuparam o edifício após a promessa da prefeitura de que o edifício seria transformado em um conjunto habitacional, mas isso não ocorreu. Com a falta de manutenção, o edifício foi alvo de um incêndio e teve sua fachada e seu interior degradado.
“
Enquanto crescia, convivi com muitas promessas políticas, minhas esperanças e sonhos estavam sendo manipuladas o tempo todo, mesmo que eu não soubesse. E, se para você uma das primeiras decepções foi não ganhar uma Barbie no natal, a minha foi quando disseram que sairíamos do prédio com a certeza de que o local seria reformado para se transformar em moradia popular. Nunca me esquecerei desta mentira e as graves consequências que ela nos trouxe.
Na segunda ocupação, o MSTC contou com o auxílio da assessoria técnica do Peabiru e de especialistas em engenharia da USP para elaborar o laudo que atestava a segurança do edifício em 2016, devido aos anos de abandono e ao incêndio ocorrido anteriormente. Com isso, se iniciou a dinâmica necessária para ocupação, que envolve um grande trabalho de limpeza e a definição de um espaço com condições mínimas para abrigar uma cozinha coletiva que é essencial para a permanência no edifício. A ocupação possui uma organização interna que define a função de cada participante e os direciona para as atividades que devem ser realizadas para tornar a edificação habitável. A seguir estão apresentadas imagens da ocupação, antes e depois da manutenção do edifício.
Figura 3: Limpeza no início da ocupação pelo MSTC. Fonte: Marcele Piotto, 2018.
Fomos despejados do prédio de forma cruel, desrespeitosa e desumana. Ficamos nas escadarias da avenida feito cães abandonados e nada fizeram por nós. Entre as famílias, idosos e crianças. Sentada nas escadas, pensei que nossa casa agora seria a rua. “Ninguém aqui tem para onde ir. Se tivesse não estaria ocupando. - Preta Ferreira, na carta “Eu cresci sem teto, não morrerei sem lar”.
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Figura 4: Limpeza no início da ocupação pelo MSTC. Fonte: Marcele Piotto, 2018.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63
“
Queria dizer que quando a gente entra num prédio, a gente entra com ele totalmente deteriorado e nosso papel também é requalificar, é revitalizar esses imóveis porque no mínimo a pessoa tem que ter uma qualidade de vida. - Carmen Silva, líder do MSTC, em entrevista para Mídia Ninja intitulada “Dona Carmen - Aprendi que sozinha não posso seguir”.
Figura 7: Ocupação 9 de Julho em 2020 – Área de recreação. Autoria própria.
Figura 6: Ocupação 9 de Julho em 2020. Autoria própria.
Figura 8: Ocupação 9 de Julho em 2020 - Figura 9: Ocupação 9 de Julho em 2020 Corredor no 3º pavimento. Autoria própria. Sala de assembleia. Autoria própria.
Figura 5: Ocupação 9 de Julho em 2018. Fonte: Galeria Nara Roesler.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo O objeto central deste trabalho corresponde ao edifício localizado na Rua do Ouvidor, nº 63, que está ocupado por um coletivo de artistas desde 2014. O edifício foi construído na década de 40 para servir às secretarias públicas do governo do estado. Desde 1950 abrigou as Secretarias da Economia e Planejamento, de Assistência e Desenvolvimento Social e, por último, a Secretaria da Cultura que desocupou totalmente o edifício em 1990 e este se manteve sem uso formal a partir de então. Biblioteca Mário de Andrade
Terminal Bandeira
No capítulo 4 deste trabalho, a Ocupação Ouvidor 63 será abordada com maior detalhamento e será apresentado um estudo para reconversão do edifício para os usos habitacional e cultural.
Vale do Anhangabaú
Pátio do Colégio
Praça da Sé
Figura 10: Mapa de localização do edifício, indicado em vermelho. Fonte: Geosampa.
Em 1998 o edifício foi ocupado pelo MMC, denunciando o seu abandono, porém o movimento foi retirado do local em 2005 por uma ação judicial. Em 2007, o edifício foi concedido a CDHU, mas nada foi feito com ele. Até que, em 1 de maio de 2014, um coletivo de artistas de Porto Alegre reuniu outros artistas que estivessem interessados em realizar a ocupação por meio da publicação do “manifesto holístico de revitalização criativa do centro histórico de São Paulo” nas suas redes sociais. Desde então, o edifício se tornou uma Ocupação Artístico-Cultural, servindo como espaço de moradia para os artistas e, ao mesmo tempo, espaço para produção artística, realizando diversos eventos, oficinas, shows e debates.
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Figura 11: Vista do edifício a partir da Praça da Bandeira.
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PolĂticas pĂşblicas e programas habitacionais entre 1988 e 2020
Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo Conforme apontado no capítulo anterior, as famílias mais pobres encontram as habitações precárias, como cortiços, favelas, pensões, como única alternativa para morar no Centro. Isso é resultado da falta de políticas públicas que atendam efetivamente essa parcela da população em áreas dotadas de infraestrutura somado ao desinteresse do setor privado em atender esse público (ANITELLI, 2016). Vale ressaltar que as políticas governamentais estimulam a concentração da população de baixa renda em regiões periféricas, seja pelo subsídio disponibilizado para produção na área central ou pelos interesses envolvidos no processo da produção habitacional. Apenas após a desestabilização do regime militar, instaurado entre 1964 e 1985, os movimentos sociais puderam se estruturar e reivindicar suas pautas, exigindo maior participação nos debates políticos. Podemos associar, por exemplo, as ocupações organizadas a partir da década de 1990 com o surgimento, no mesmo período, de discussões envolvendo a reforma de imóveis ociosos para produção de habitações de interesse social.
2.1. Âmbito federal A partir dos anos 1930, os recursos públicos eram arrecadados pelos IAPs, divididos em diferentes categorias profissionais, e utilizados para o financiamento dos empreendimentos habitacionais. Os projetos, influenciados pelo movimento modernista, tinham uma concepção racionalista e com previsão de equipamentos sociais e recreativos, e áreas verdes. O nível de qualidade das habitações produzidas nesse período foi elevado, contribuindo para a melhoria do modelo de habitação vertical e possibilitando a reprodução deste pelo mercado privado. Um exemplo de destaque é o Conjunto Pedregulho, construído em 1946 com projeto do arquiteto Affonso Reidy e dirigido por Carmen Portinho. Foram construídas 320 unidades habitacionais de 1 a 4 dormitórios, divididas em 3 blocos equipados com escolas, áreas de lazer, lavanderia coletiva, posto de saúde e centro de abastecimento.
Ermínia Maricato (2002, p. 180) aponta que: “Partimos do pressuposto de que o plano urbano deve ser a expressão democrática da sociedade, se se pretende combater a desigualdade”, ou seja, é fundamental que qualquer ação do poder público seja tomada em conjunto com a participação da sociedade. Quando as políticas públicas desconsideram os interesses da população e incluem o setor privado como agente principal por meio de parcerias público-privadas, temos os chamados processos de gentrificação, que comumente ocorrem após a renovação de centros urbanos. Neste capítulo serão abordadas as principais políticas habitacionais implementadas nas três esferas administrativas (federal, estadual e municipal), com o objetivo de identificar diretrizes que favoreçam a inclusão da população mais pobre nas áreas centrais da cidade de São Paulo. Figuras 12 e 13: Imagens do Conjunto Pedregulho. Fonte: Archdaily, cortesia do Nabil Bonduki.
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Estudo da Ocupação Ouvidor 63 Os IAPs, junto a Fundação da Casa Popular (FCP) criada em 1946, produziu cerca de 140 mil unidades habitacionais. No mapa ao lado, vemos que a maioria dos edifícios produzidos para habitação de interesse social estavam localizados em áreas próximas a região central da cidade. Em 1964, ano de instauração da ditadura militar no país, foi regulamentada a Caixa Estadual de Casas para o Povo (Cecap) e foi estruturada uma Política Nacional de Habitação1 que criou o BNH (Banco Nacional de Habitação) com o objetivo de organizar e fiscalizar o SFH (Sistema Financeiro de Habitação), repassando os recursos aos atores envolvidos que, por sua vez, repassavam para os adquirentes da casa própria (PEDRASSA NETO, 2013). O objetivo do SFH era criar formas de financiamento para a produção capitalista de moradias e não criar formas de subsídio para produção habitacional destinada à população de baixa renda, pois os recursos disponibilizados deveriam ser devolvidos corrigidos à mesma instituição. (PEDRASSA NETO, 2013, p. 43)
A estratégia para produção habitacional no período partia então de uma estrutura institucional composta pelo BNH e uma rede de agentes promotores e financeiros, como a Caixa Econômica do Estado de São Paulo (Ceesp) e a Companhia de Habitação (COHAB), no caso de São Paulo. Correspondeu a uma gestão centralizada, sem participação dos usuários, com perda da qualidade arquitetônica e má localização dos conjuntos, devido ao interesse na produção em larga escala apenas para atendimento da demanda.
Mapa 9: Localização dos conjuntos habitacionais de IAPs. Fonte: FARAH, 1983 apud. ANTONUCCI, D; ACKEL, L. G.M.; SILVA, T.N.; SCHWEIGERT, R., 2007.
De acordo com Rosseto Netto (2017), no período de funcionamento do BNH (1964 a 1986), o SFH produziu cerca de 4,5 milhões de unidades mas, ainda que tenha contribuído para construção de um grande volume de unidades habitacionais, o fez em áreas periféricas, com moradias de baixa qualidade e voltadas para famílias que possuíam certa condição de pagamento. Por isso, pode-se dizer que ampliou 1 Lei nº 4380/1964.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo certas desigualdades ao deixar de incluir os grupos sociais de renda mais baixa e estimulou a segregação socioespacial ao concentrar os conjuntos habitacionais em regiões com pouca infraestrutura. Mesmo com um número tão expressivo de unidades, não foi suficiente para acompanhar o ritmo da expansão urbana e suprir o déficit habitacional. Foram soluções habitacionais focadas apenas no atendimento da habitação, em locais sem qualquer infraestrutura, e desvinculadas de outras necessidades essenciais à vida urbana como saúde, lazer, educação, ou trabalho, exigindo deslocamentos diários, que persistem até hoje. A busca pelo cortiço e a solução da favela feitas pelas famílias de baixa renda, dentre as possibilidades habitacionais autofinanciadas, propiciaram a proximidade do emprego e de estruturas formais da cidade. (ROSSETTO NETTO, 2017, p.53)
A Constituição Federal promulgada em 1988 traz, nos artigos 5º e 6º, a questão do direito à propriedade e à moradia, bem como outros direitos sociais de cada cidadão, que deveriam ser atendidos pelo salário mínimo fixado em lei, conforme apontado no art. 7º. O artigo 5º define que a propriedade é um direito garantido e que deve atender à sua função social. Já a moradia foi incluída como direito social apenas no ano 2000, pela Emenda Constitucional nº 26. A política urbana também é tratada na Constituição pelos artigos 182 e 183, sendo que o primeiro indica a responsabilidade do poder público municipal de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (BRASIL, 1988, art. 182) por meio do Plano Diretor e o segundo trata da aquisição da propriedade por meio da ocupação prolongada àquele que garante a função social da mesma. O Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU), criado na mesma década, contribuiu para inclusão destas pautas na CF e na elaboração do Estatuto da Cidade, que regulamenta estes artigos. O Estatuto da Cidade, aprovado a partir da Lei Federal 10.257 de 2001 estabelece diretrizes gerais da política urbana para orientar os
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agentes públicos e privados no desenvolvimento da cidade de forma mais democrática e sustentável. O documento traz instrumentos que coíbem a especulação fundiária e imobiliária e a desigualdade social e territorial, como o “IPTU progressivo no tempo” e “parcelamento, edificação e utilização compulsórios” que inibem a ociosidade dos imóveis. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (BRASIL, 1988, art. 182)
O Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios tem como objetivo evitar a especulação imobiliária garantindo também a função social do lote, sendo aplicado em áreas urbanas não edificadas, subutilizadas ou não utilizadas. Regulamentado no artigo 5º do Estatuto da Cidade, determina que os imóveis que se encontram nessas situações devem ser notificados pela Prefeitura e o proprietário tem o
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 prazo máximo de 1 ano para protocolar um pedido de aprovação e execução de projeto de parcelamento ou edificação do imóvel ou para ocupá-lo.
R$25.000,00 nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Esse limite ainda foi reajustado mais duas vezes, em dezembro/2001 e maio/2003, considerando R$32.200,00 nessas áreas.
O IPTU progressivo é descrito pelo atual Plano Diretor da cidade de São Paulo como uma oportunidade de “combater a ociosidade de imóveis nas regiões da cidade dotadas de infraestrutura básica”2. Por este instrumento, fica definido que os imóveis notificados pela Prefeitura na situação descrita pelo instrumento citado acima cujos proprietários não cumpriram suas obrigações durante o prazo estabelecido terão aplicação de alíquotas progressivas de IPTU pelo prazo de 5 anos. Caso os proprietários ainda não tenham cumprido a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o solo no decorrer desse prazo, a prefeitura pode realizar a desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da dívida pública.
Maleronka (2008) traz um comparativo do custo mensal que o morador teria em empreendimentos de modalidades diferentes: considerando um imóvel no valor de R$30.000,00, o valor do aluguel de mercado (que corresponde a 1,5% do valor total) chegaria a R$450,00 por mês; um financiamento tradicional (0,96%) resultaria numa parcela de R$286,88; já no PAR, o valor mensal seria de R$210,00.
De acordo com Anatelli (2016), um dos principais obstáculos para implementação desses instrumentos é a relação de forças entre o poder e o patrimonialismo, com favorecimento de grupos com influência política devido ao seu status econômico, sendo limite para aplicação da função social da propriedade. Como primeiro programa voltado para viabilização de conjuntos habitacionais e gerenciado pela Caixa Econômica Federal – CEF, temos o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) criado em 1999. O programa busca financiar moradias para famílias de renda bruta mensal de 4 a 6 salários mínimos, com condições que envolviam a capacidade de endividamento das famílias (limitado à 30% da renda familiar) e limitação das taxas mensais de arrendamento (0,7% do valor total do imóvel). O arrendamento funciona como um aluguel e o arrendatário pode adquirir o imóvel após 15 anos de pagamento, pelo saldo devedor. O valor máximo de aquisição de cada unidade foi fixado inicialmente em R$20.000,00. No primeiro ano houve um reajuste no valor de acordo com a região do empreendimento, alterando para 2 Fonte: http://gestaourbana.sp.gov.br/2179-2.
A forma de comercialização das unidades produzidas pelo PAR garante a sustentabilidade financeira do programa, visto que as parcelas a receber não se configuram como débitos (o chamado crédito podre), pois o FAR se mantém proprietário dos empreendimentos até o final dos contratos de arrendamento. Os empreendimentos produzidos pelo PAR devem seguir o documento de exigências técnicas da Caixa Econômica Federal, intitulado MTE – Manual Técnico do Empreendimento. Fica estipulado que a área útil mínima das unidades é 37m², com exceção para os projetos de reforma e para os voltados para faixas de renda de até 4 salários mínimos, em que a área cai para 27m². A tipologia mínima é de 2 quartos, sala, cozinha e banheiro, também flexibilizada nos casos de reforma. A viabilidade dos projetos é feita a partir de um cálculo inverso, em que primeiramente estima-se o melhor aproveitamento do imóvel e calcula-se os custos de obra e de operação. O valor remanescente corresponderia a capacidade de pagamento pelo imóvel e então era feita a negociação com o proprietário. Muitas vezes os proprietários pediam um valor idealizado pela venda do seu imóvel, mas pela falta de dinâmica imobiliária no centro, o valor era negociado e muitas vezes aceitavam um pagamento bem menor do que o esperado (ROSSETTO NETTO, 2017). Esse cenário mudou com o aquecimento do mercado que ocorreu a partir de 2005 e os novos projetos acabaram sendo inviabilizados. Mesmo com algumas mudanças feitas no programa, como a inclusão
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo do Ministério da Cidade como gestor, a aproximação da taxa máxima de arrendamento a 80% da taxa de locação de mercado, a legalização da participação de associações e a regionalização dos valores máximos para aquisição, a efetividade do programa caiu, principalmente devido à falta de reajuste dos subsídios. A maioria dos conjuntos foram viabilizados em terrenos que já eram de propriedade da Companhia de Habitação Popular (COHAB) na cidade de São Paulo. O Ministério das Cidades, criado em 20033 , concentrou as responsabilidades pelas políticas habitacionais e urbanas do país, pautando questões relacionadas a moradia, saneamento básico e mobilidade urbana. O Ministério demandou apresentações anuais, por parte dos estados e municípios, para garantir acesso aos recursos federais. Isso fez com o que as administrações organizassem propostas para receber tais recursos. No primeiro ano de atuação, os recursos destinados pelo Ministério das Cidades foram equivalentes ao dobro dos recursos disponibilizados nos três anos anteriores (ESPINOSA, 2008). Como prática positiva dessa atuação, Espinosa aponta a realização da Conferência Nacional das Cidades, sendo a primeira em outubro de 2003, que estimulou a participação social em decisões referentes às políticas urbanas e habitacionais. Entretanto, afirma que a sua atuação corresponde a uma continuidade das anteriores ao apresentar políticas sociais focalizadas que atendem pontualmente a determinados segmentos da sociedade, destinando recursos de forma específica e não buscando uma implementação universalizada do direito social à moradia, constitucionalmente previsto. (ESPINOSA, 2008, p. 76)
Até 2004, a única menção ao modelo de parceria entre o setor público e o privado se dava pela Lei das concessões4 criada em 1995, 3 Instituído em 1º de janeiro de 2003 através da Medida Provisória nº103, depois convertido na Lei nº 10.683 de 28 de maio de 2003. 4 Lei federal nº 8.987/1995
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que regulamentava a participação de empresas privadas em estudos de projetos públicos. O artigo nº 21 desta lei permite que as empresas ofereçam estudos, quando autorizados pelo governo, sobre determinado projeto de concessão e os custos desses estudos são ressarcidos pelo vencedor da licitação. Então neste ano foi regulamentada a Lei das Parcerias Público-Privados5 que criou condições para a iniciativa privada operar empreendimentos públicos que teriam pequena ou nenhuma viabilidade econômica em outro modelo operacional, assegurando assim grandes investimentos sem comprometer de início o caixa dos governos. (PALLADINI, 2018). Pela Lei das PPPs inicialmente era apresentado um escopo bastante extenso a ser prestado pelo concessionário, como a execução das desapropriações dos terrenos que seriam utilizados, o serviço de cadastramento das famílias e a administração dos condomínios. Assim, o poder público estaria responsável por definir as diretrizes da política habitacional, fiscalizar as atividades do parceiro privado e remunerar os serviços prestados pelo concessionário. Em 2005 criou-se o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), que previa a criação de fundos para habitação social e interligava os entes federativos. O Plano Nacional da Habitação, publicado em 2009 pelo Ministério das Cidades, tem como objetivo apresentar instrumentos que atendam às necessidades habitacionais do país com a participação e articulação de diversos setores da sociedade. Para isso, busca identificar fontes de recursos estáveis, articular os três níveis de governo, os programas e as linhas de financiamento, formular mecanismos de fomento à produção e de apoio à cadeia produtiva da construção civil, entre outros objetivos específicos. (BRASIL, 2009). O Programa Minha Casa Minha Vida, traçado inicialmente no PlaNHab, é lançado também em 2009 com a meta de produção de 1 milhão de unidades no país. Muito aceito no segmento da construção civil, teve os recursos de investimentos reorientados para o programa, 5 Lei federal nº 11.079/2004
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 ampliando a produção de unidades e, consequentemente, a geração de emprego e o aquecimento do mercado imobiliário. O programa foi reeditado em 2011, ampliando a meta para 2,5 milhões de habitações, e em 2015 com meta de mais 2,5 milhões de habitações. As alterações de uma edição para outra foram pequenas, modificando basicamente os valores máximos praticados a cada faixa de renda e algumas especificações mínimas. A estrutura do PAR foi o “embrião operacional” para o Programa Minha Casa Minha vida, de acordo com Rossetto Netto (2017), pois as diretrizes adotadas no PMCMV eram praticamente iguais: o programa definia um valor teto por unidade e a receita devia se equiparar com os custos totais envolvidos. O PMCMV estabeleceu valores de referência para produção de uma unidade habitacional superiores em relação ao PAR, mas ainda assim, com o aumento no valor dos imóveis, o avanço do programa na região central foi inviabilizado. Em sua maioria, a produção dos empreendimentos para a faixa 1 estão localizados em áreas periféricas e em outros municípios da Região Metropolitana, e as faixas 2 e 3 estão no município. Apenas os empreendimentos mais rentáveis para os empreendedores foram viabilizados na região central, que consistiam em studios que se enquadravam no valor teto do programa por apresentar uma metragem muito pequena. Anitelli (2016) aponta que tanto o BNH quanto o PMCMV favoreceram os interesses econômicos dos agentes imobiliários privados a partir de um modelo de negócio puramente mercantil, visto que eles são influentes sobre a formatação dessas políticas públicas. Em agosto de 2020 foi adotada a Medida Provisória nº 996 que institui o Programa Casa Verde e Amarela em substituição ao PMCMV. O programa é subsidiado pelo Conselho Curador do FGTS e possui a Caixa Econômica Federal como agente financeiro. Como principais diferenças do seu antecessor, temos: - Atuação em modalidades como regularização fundiária e melhorias habitacionais, além da produção habitacional;
- Alteração da classificação das faixas de renda, sendo Grupo 1 até R$2.000,00, Grupo 2 de R$2.000,00 a R$4.000,00 e Grupo 3 de R$4.000,00 a R$7.000,00; - Variação das taxas de juros de acordo com a faixa de renda e localização do imóvel; Na entrevista dada para o grupo “Reconta Aí”, Nabil Bonduki afirma que o novo programa “é muito mais uma jogada de marketing do que efetivamente uma proposta consistente para enfrentar o problema habitacional no Brasil”6. Apresentado de forma genérica e ainda sem ação efetiva, o programa não pôde ser avaliado, mas as metas já não parecem atender o deficit habitacional do país nem a população de menor renda.
2.1. Âmbito estadual O primeiro órgão estadual responsável pela provisão habitacional no estado de São Paulo foi a Cecap (Caixa Estadual de Casa para o Povo), que passou a se chamar Codespaulo e se transformou em Companhia de desenvolvimento habitacional (CDH) em 1984. A partir de 1989 a CDH incorporou as responsabilidades do Departamento de Obras Públicas (DOP) e teve seu nome alterado para Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Durante o período do BNH, a Companhia tinha como função a operacionalização dos recursos recebidos e do programa habitacional federal. Após a extinção do BNH e a introdução de políticas com a modalidade de mutirão, a Companhia esteve concentrada no apoio a essas experiências participativas em conjunto com os outros órgãos públicos. Desde a década de 1980, antes da regulamentação federal de parcerias público-privadas, já se realizavam atividades privadas de gerenciamento nos conjuntos da CDHU, com a justificativa de se atingir eficiência empresarial. Com isso, observou-se um aumento considerá6 Disponível em: https://open.spotify.com/episode/19u8TmQTauA1IEIXJ5biFX?si=Zjxc8ynHRz-4-Cq1a1_Rvw.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo vel na produção de unidades habitacionais7 e ampliou-se a contratação do setor privado afim de viabilizar a produção em massa da habitação popular. De acordo com dados apresentados por Palladini (2018), no período entre 1986 e 2000 mais de 70% do total de unidades comercializadas pela CDHU foi produzida por empreitada global ou subempreitada. Nessa modalidade, a CDHU contrata empreiteiras e escritórios da construção civil para a execução de projetos e mantém a responsabilidade do projeto dos conjuntos e da localização dos empreendimentos com o governo. Com a intenção de terceirizar também a etapa de aquisição de terrenos, sob a justificativa de tentar reduzir o tempo e o valor da aquisição em comparação com o modelo tradicional de desapropriação, foi criada a modalidade empreitada integral em que o escopo inclui o terreno, o projeto e sua aprovação, sendo a CDHU responsável apenas pela definição das famílias e articulação com o agente financeiro. Essa prática resultou na perda de controle do planejamento e crescimento das cidades por parte do poder público. Na década de 1990, com a gradativa transferência das atividades para instituições privadas e com as reformas de estado que eram discutidas no período, a CDHU passou por uma série de transformações na sua estrutura, incluindo a redução no quadro de funcionários da companhia.
edifícios. O programa tem como premissa realizar intervenções em áreas degradadas, mas o seu foco não é recuperar prédios antigos, e sim efetuar o mecanismo de cartas de crédito para que o beneficiário adquira um imóvel no mercado formal. Este programa também propõe a aquisição de imóveis através da desapropriação para posterior construção de novos edifícios em que as unidades são repassadas para os moradores por “concessão onerosa”9. Abaixo estão alguns exemplos de empreendimentos entregues pelo PAC. • •
Bela Vista A
Localização: Rua São Vicente, Bela Vista Escritório: Pan Design Arquitetura e Consultoria Ano: 2011 Nº de pavimentos: térreo + 4 Nº de unidades: 61 Tipologia: 1 dormitório com área média de 50m²
Em 1998, durante a gestão de Mário Covas (1995-2001), foi lançado o Programa de Atuação em Cortiço (PAC) sob responsabilidade da CDHU com intenção de intervir e solucionar a precariedade dos cortiços presentes na região central, atendendo a Lei Moura8. Por falta recursos, o programa foi efetivamente iniciado em 2002 com a captura de recurso junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), considerando construções novas, compras de imóveis e reformas em 7 De acordo com Palladini (2018), os dados da CDHU apontam que em 1987 a produção da companhia foi de apenas 371 unidades, passando para 5.232 no ano seguinte e 12.294 unidades habitacionais em 1990. 8 Lei nº 10.928/91: estabelece condições mínimas de uso e ocupação, critérios ambientais e técnicos para moradias coletivas classificadas como cortiços.
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Figuras 14, 15 e 16 - Fonte: Governo do Estado de São Paulo. 9 No formato de concessão onerosa, as pessoas beneficiadas pelo programa moram durante 5 anos no empreendimento e, depois desse período, avalia-se o comportamento e atualização das prestações do morador, para então conceder ou não a titularidade do imóvel.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 • Belém L
Localização: Av. Celso Garcia, 2224 Escritório: Helena Ayoub Silva & Cleber Bonetti Machado Arquitetos Associados Ano: 2006 Nº de pavimentos: Térreo + 4 pavimentos Nº de unidades: 38 Tipologia: 1 dormitório com Figura 17 - Fonte: Governo do Estado de São 42m²
áreas degradadas, de risco e de preservação ambiental (MALERONKA, 2005). Ainda na gestão de Covas, foi concretizado o Programa Paulista de Mutirão pela CDHU. Nakashigue (2008) aponta 2 formas de desenvolvimento dos projetos de mutirão: 1. Definido como co-gestão, nesse formato os movimentos de moradia escolhem tipologias apresentadas pelo órgão público responsável pelo projeto, não sendo possível negociar alterações no mesmo. Geralmente a estrutura é pré-fabricada, executada por uma empreiteira e a mão de obra mutirante executa apenas os trabalhos de vedação e instalações. Exemplo:
Paulo.
• Pari A Localização: Rua Canindé com a Avenida do Estado Escritório: Leo Bonfim Jr. & Nelson Tiezza Ano: 1998 Nº de pavimentos: 10 Nº de unidades: 320 Tipologia: 1 e 2 dormitórios com 47m²
Figura 18 - Fonte: SANCHES (2017)
Com relação a atuação do estado de São Paulo no programa PAR, tanto o governo estadual quanto as prefeituras municipais da região metropolitana se limitaram a estabelecer apenas alguns parâmetros mínimos para as áreas de atuação do programa. Estes foram publicados no edital nº 3 de 21 de junho de 1999, como: implantação em áreas com existência de infraestrutura básica; inserção de projetos de revitalização de centros urbanos; favorecimento da recuperação de
Figura 19: Conjunto Brasilândia B, feito pela CDHU sob sistema de mutirão por co-gestão. Fonte: Construtora Elecon.
2. A partir da contratação de assessorias técnicas para idealizar o projeto através de um processo participativo, existindo a possibilidade de alterá-lo de acordo com os interesses dos moradores. Em sua maioria, os projetos são em alvenaria estrutural e praticamente todo o
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo prédio é construído com mão-de-obra mutirante. Caso haja necessidade de serviço especializado, cabe ao movimento contratar o serviço. Exemplo:
Figura 20: Conjunto Habitacional Brasilândia 6 – Bela Morada, com projeto feito pela assessoria técnica Ambiente Arquitetura para o Programa de Mutirão da CDHU.
Os projetos elaborados pela assessoria técnica costumam ter maior qualidade, visto que consideram a implantação do terreno e a necessidade da demanda. Os projetos realizados pelo órgão público se tratam de projetos tipificados e por isso possuem maior agilidade na execução. A assessoria técnica, diferentemente do escritório convencional, tem como método de trabalho o apoio técnico com equipe interdisciplinar no processo como um todo, começando pela luta pelo direito à cidade e à moradia digna, passando pela elaboração do projeto de forma participativa até o acompanhamento no pós-uso, em muitos casos. Desta forma, a apropriação dos moradores é incorporada ao longo de todo o processo. (SANCHES, 2015, p. 144)
Com a aprovação da lei das PPPs, em 2004, os estados aprovaram as suas próprias leis de parcerias. No estado de São Paulo, institui-
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-se o decreto10 que permite que instituições privadas forneçam estudos espontaneamente ao poder público, sem que sejam solicitadas, a partir da apresentação da Manifestação de Interesse Privado (MIP). Esse instrumento se tornou frequente após a promulgação dessa lei, visto que a interação entre o poder público e o mercado passaram a ser muito mais comuns em diversos setores da economia. Em 2011, o governador Geraldo Alckmin lançou o Programa de Intervenção na Área Central (PIAC/Casa Paulista11), através de uma Parceria Público-Privada, que colocava a habitação como elemento estruturador do processo de revitalização. A Agência Paulista de Habitação Social – Casa Paulista é uma subsecretaria subordinada a Secretaria da Habitação e tem duas linhas de atuação: uma de parceria com o Programa Minha Casa Minha Vida e outra com o intuito de propor projetos de PPP para produção de HIS e HMP. O papel desta agência seria propor políticas que incluíssem a população que não tem renda suficiente para conseguir um crédito imobiliário no mercado formal. As unidades produzidas pelo PIAC seriam destinadas às famílias com renda de até 10 salários mínimos, com no mínimo 90% das unidades ofertadas a famílias com renda de até 5 salários mínimos e que trabalhasse na área central. Entretanto, o processo foi paralisado por uma ação civil pública, após serem feitos diversos questionamentos por parte da sociedade sobre o papel do Estado e do setor privado, o perfil da demanda, as possibilidades de ocorrerem processo de gentrificação e, principalmente, porque muitos edifícios demarcados como de interesse social para desapropriação não estavam vazios ou subutilizados. O processo foi retomado em 2014 com a demarcação de 4 lotes, mas apenas uma empresa demonstrou interesse e em apenas 1 lote, no bairro da Barra Funda. A PPP Habitacional tinha como objetivo construir 50 mil unida10 Decreto nº 57.289/2011 11 Instituída pelo decreto nº 57.370/2011, a Casa Paulista tem a função de agente operador dos recursos financeiros aprovados pelos conselhos gestores do Fundo Paulista de Habitação de Interesse Social (FPHIS) e do Fundo Garantidor Habitacional (FGH), além de se relacionar com o Fundo Nacional de HIS (FNHIS).
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 des, sendo estas em áreas de risco, na região central e no litoral paulista. Para tal, o custo estimado era de 7.3 bilhões de reais e o prazo era de 25 anos. Entretanto, foi retirado do escopo a produção em áreas de risco e no litoral, concentrando o programa no centro expandido. Para viabilizar projetos na área central, foi publicado um edital de chamamento público que pedia ao mercado estudos para oferta de unidades habitacionais utilizando o estoque existente e fazendo a reconversão dos imóveis disponíveis subutilizados. A justificativa para implementação dessa modalidade envolve o custo médio por unidade produzida pela CDHU e no tempo que seria necessário para atendimento do déficit habitacional de acordo com os recursos disponibilizados para a Companhia. Baseado nisso, surgiu a iniciativa de incluir o setor privado na produção habitacional como forma a acelerar o atendimento das famílias e diminuir o déficit. Como comparação para custo de construção entre unidades produzidas pela CDHU e pelo setor privado, Palladini (2018) apresenta 2 empreendimentos: o projeto da CDHU que seria construído na rua Dr. Tomás de Lima, no bairro da liberdade, e que tinha um custo estimado de R$2.042/m²; e o empreendimento privado na rua do Glicério, no centro, que tem custo estimado de R$1.885,00/m², confirmando a justificativa utilizada pelo poder público.
Figura 21: Planta do pavimento tipo do empreendimento da CDHU, localizado na Rua Tomás de Lima. Fonte: PALLADINI, 2018.
Figuras 22, 23 e 24: Plantas das unidades comercializadas no empreendimento na Rua do Glicério. Fonte: Incorporadora Tegra.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo No ano de 2019 surge uma contraproposta ao modelo das PPPs, a partir da articulação dos movimentos de moradia, chamada de Parceria Público Popular – PPPop. A proposta foi formulada pelo Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) como resolução para a Ocupação Nove de Julho e sugere a participação da população como representantes da demanda e participantes ativos na gestão dos projetos. Como ator principal do programa temos então os movimentos sociais de moradia, que atuam em conjunto com as assessorias técnicas (jurídica e de arquitetura) e com agentes acadêmicos e propõem uma articulação direta com o poder público municipal, investidores e proprietários dos imóveis, colocando-se como gestores do programa e executores da obra a partir do regime de mutirão. As assessorias técnicas de arquitetura são responsáveis por auxiliar nas análises da edificação, afim de garantir segurança para os moradores, e pela produção de projetos e orçamentos para reforma. Quanto às assessorias jurídicas, realizam análises de viabilidade relacionadas às questões de propriedade do imóvel e aplicação dos instrumentos existentes na legislação. Os recursos para aquisição e reforma dos imóveis advém do Fundo Municipal da Habitação e FUNDURB, com transferência de posse por comodato para o movimento social para administração e manutenção do edifício por tempo determinado, contando também com uma porcentagem de financiamento por parte dos moradores e de investimentos privados. A adoção da modalidade de locação social se tornaria mais viável nesse programa visto que a administração condominial, por vezes apontada como uma dificuldade para o poder público, estaria sob responsabilidade do movimento social e dos moradores. Ao final do período de cessão, o edifício retornaria - com o comprometimento do movimento de devolvê-lo em bom estado - para posse do poder público, que pode renovar a concessão ou detiná-lo para outro fim.
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Em agosto de 2020, tivemos a publicação do Projeto de Lei nº 529 pela gestão de João Dória com a seguinte descrição na ementa: “Estabelece medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas e dá providências correlatas”12. O projeto teria a intenção de apresentar “medidas visando dotar o Estado de meios de enfrentamento da grave situação fiscal que ora vivenciamos devido aos efeitos negativos da Pandemia da COVID-19 sobre as receitas públicas”13 e, para isso, propõe a extinção de entidades, como: Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima” – FURP, Instituto Florestal, Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo S. A. EMTU/SP, Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” – ITESP e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo – CDHU. A justificativa apresentada para extinção da CDHU, o órgão da lista que possui maior relevância para essa pesquisa, se baseia na produção dos programas associados a atividades privadas, como o Casa Paulista e o Minha Casa Minha Vida, apontando que essas Parcerias Público-Privadas para habitação social apresentaram bons resultados e que a “CDHU perdeu espaço na operação direta de construção e financiamento habitacional”14. No debate intitulado “O Governo do Estado quer extinguir a CDHU - Você concorda?”15 transmitido online, Luciana Royer afirma que as dificuldades para execução de atividades como urbanização de favelas, implantação de infraestrutura e habitação social, intervenções em cortiços ou na serra do mar seriam muito maiores sem uma empresa pública para gerenciá-las, visto que o agente privado não possui responsabilidade nem interesse em fazê-lo. Aponta ainda que 12 Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/spl/2020/08/Propositura/1000332222_1000385890_Propositura.doc 13 Idem. 14 Idem. 15 Debate promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil de São Paulo com a participação de Evaniza Rodrigues, Jussara Basso, Irene Rizzo e Luciana Royer, e mediação por Nabil Bonduki. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vNDg7FRPTKo&list=WL&index=2&t=4814s.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 a porcentagem de inscritos que conseguiram finalizar a compra de um imóvel pela PPP habitacional está em torno de 1%, por motivos variados como: não se enquadram na faixa de renda do programa, não possuem créditos, não moram e/ou trabalham no centro, entre outros, demonstrando que as parcerias privadas não atendem efetivamente a população. Um projeto como este rejeita todo trabalho desenvolvido pela Companhia durante todos os seus anos de funcionamento, descartando as aprendizagens e aperfeiçoamentos das suas atividades. A incoerência da justificativa para sua extinção se dá ainda pelo fato de a PPP Habitacional possuir uma produção muito inferior ao montante produzido pela CDHU. O Projeto de Lei foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, com algumas mudanças, e está em regime de tramitação de urgência.
to, subutilização ou existência de vazios, presença de imóveis deteriorados e concentração de população de baixa renda; 2) Programa de recuperação de cortiços, com atuação conjunta entre o poder público, movimentos populares e suas assessorias técnicas. Foram desenvolvidas 2 experiências piloto, uma para o Casarão Celso Garcia e outra para o conjunto Madre de Deus. Ambos projetos foram executado sob regime de mutirão em conjunto com a Sehab e a assessoria técnica Ação Direta. No Casarão Celso Garcia, localizado no Brás, foram incluídos na demanda os moradores do cortiço do local e de outros cortiços da região do Brás, Belém e Mooca, distribuídos em 182 unidades habitacionais de 28 a 35m². No Conjunto Madre de Deus, localizado na Mooca, foram construídas 45 unidades habitacionais com 42m² em um edifício com 4 pavimentos, além do térreo.
2.3. Âmbito municipal Durante a gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992), vemos uma intenção de diminuir a segregação socioespacial com a implantação de conjuntos em vazios urbanos, redução de custos de implantação de infraestrutura e aproximação da moradia e local de trabalho, aproveitando também as redes de serviços públicos, equipamentos urbanos e transporte coletivo (ROSSETTO NETTO, 2017). Foi indicado um conjunto de propostas para recuperar o Centro, consolidadas no documento “Cortiços. Programa de Habitações Populares na Região Central de São Paulo” que detectou o aumento dos cortiços na década de 1980 e um crescimento menor da periferia, estimando que aproximadamente 28% da população de baixa renda vivia em cortiços. As propostas envolviam: Vale do Anhangabaú, Boulevard São João, Parque D. Pedro II, Concurso do bairro do Bexiga e a Operação Urbana. O Programa tinha 2 linhas de atuação: 1) Programa de produção de HIS, que previa a produção de unidades novas, equipamentos para o bairro e a regularização dos imóveis encortiçados. As áreas de intervenção deviam ter infraestrutura com capacidade de adensamen-
Figura 25: Casarão Celso Garcia e conjunto habitacional. Fonte: Google Maps, 2019.
Figura 26: Conjunto Madre de Deus. Fonte: Google Maps, 2019
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo Nesse período, estimulou-se a construção por mutirão a partir de recursos orçamentários do Funaps Comunitário e com importante participação das assessorias técnicas. Foram produzidas 26.688 unidades habitacionais pelo Programa de Construção de Unidades Habitacionais em Mutirão e Autogestão, em sua maioria com localizações em áreas centrais, ou pelo menos próximas a ela, com valorização da paisagem urbana, comunicação direta com as associações e movimentos de moradia e orçamentos participativos (NAKASHIGUE, 2008). Para o desenvolvimento desses projetos no regime de mutirão, a COHAB firma convênios com as associações de moradia que, por sua vez, são responsáveis pela contratação das assessorias técnicas, por indicar e organizar o grupo de famílias que trabalharão no mutirão e que, depois, ocuparão as moradias construídas (CONSTANTINO, 2007). A gestão seguinte, de Paulo Maluf (1993-1997), criou um programa chamado Programa de Verticalização de Favelas – PROVER, que rompeu completamente com a política habitacional da gestão de Luiza Erundina. O Programa, também chamado de Projeto Cingapura em referência a programas habitacionais implantados em Singapura, recebia a maior parte dos recursos do BID e da CEF, visto que a Funaps foi extinta em 1994. Foram concluídos 75 empreendimentos entre 1993 e 2000, executados pelas maiores construtoras da época, como Camargo Corrêa, OAS e CBPO (ROSSETTO NETTO, 2017). Ainda assim, os projetos de mutirões foram mantidos porque o Fórum dos Mutirões, as associações e os movimentos de moradia se mantiveram articulados mesmo que não estivessem incluídos na agenda de algumas gestões. Em 1993, foi criado o Programa de Requalificação Urbana e Funcional do Centro de São Paulo (Procentro)16 para atuar na solução de problemas de deterioração ambiental e paisagística; de acesso, circulação e falta de estacionamentos; de obsolescência, subutilização e 16 Criado pelo decreto municipal nº 33.389/1993.
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falta de investimentos no estoque imobiliário e de deficiência na segurança pessoal e patrimonial. (DIOGO, 2004, p.63)
Foi instituído também o decreto nº 33.390/93 que criou a Comissão Procentro, responsável pela implentação do programa e suas definições, que incluiu apenas a Associação Viva o Centro como responsável pela sociedade civil, adotando então uma reabilitação com caráter elitista. A autora destaca o projeto piloto com 42 imóveis no Centro, sendo 24 construções novas, 10 reformas e 8 reciclagens que foi trazido pela Unificação das Lutas de Cortiços (ULC) e pelo Fórum de Cortiços, mas não foi possível encontrar registros das obras. Foi criado também o Projeto HabiCentro, em 1997, na gestão Celso Pitta (1997-2001), que indicava possíveis alternativas para solucionar o problema da habitação no centro, como projetos habitacionais para classe média, operação cortiço, projeto terceira idade e projeto residencial estudantil. O plano de ação incluía a proposta de reforma de um imóvel na rua Baronesa de Porto Carreiro, 169, na Barra Funda para HIS que foi concluída em 2007 com 26 unidades habitacionais de 1 e 2 dormitórios. No mesmo ano foi instituída a Operação Urbana Centro17, demarcada no mesmo perímetro de atuação do Procentro, com um programa de melhorias para área central. O instrumento das Operações Urbanas possui o objetivo de promover mudanças em determinadas áreas da cidade a partir de recursos privados, principalmente com a produção de habitação de interesse social e implementação de infraestrutura urbana. A principal fonte de recursos advém da Outorga Onerosa do Direito de Construir, em que são pagas contrapartidas por parte do empreendedor privado para se beneficiar de exceções à legislação de uso e ocupação do solo, como construções acima do potencial permitido, mudança de usos, entre outros. Tais recursos deveriam ser necessários para custear as intervenções previstas pela Operação Urbana, mas alguns autores apontam certa contrariedade nesse processo. 17 Lei municipal nº 12.349/1997.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 os parâmetros definidos pela Lei permitem que sejam viabilizadas as condições necessárias para que o Poder Público tenha algum recurso, em geral nunca suficientes para fazer as intervenções necessárias definidas pela operação urbana, cabendo ao setor privado apenas pagar por um potencial construtivo gerado em seu terreno. (...) Assim, nas operações urbanas, não deveria caber ao proprietário apenas a compra de CEPACs, permitindo maior coeficiente de aproveitamento e maior área construída, valorizando ainda mais a sua propriedade; deveria caber a ele a participação na realização dos projetos gerais de urbanização, infraestrutura, habitação social, entre outros, definidos pela operação urbana em questão. (FONTES, 2011, p. 41 e 42)
Dois pontos que destacam-se no plano da Operação Urbana Centro para a finalidade dessa pesquisa são: 1) Cumprimento da função social da propriedade, com a notificação de imóveis ociosos e aplicação instrumentos como PEUC, IPTU progressivo e desapropriação quando não cumprido; 2) Incentivo para habitação de interesse social, introduzindo discussões sobre Retrofit; A operação estabelece, dentre outros pontos, incentivos para a reconstrução ou reforma de edifícios, além de dispor de algumas exceções à LUOS e COE. Como exceções importantes para a produção habitacional no centro, temos: para novas edificações com uso residencial vertical (R2v), o coeficiente de aproveitamento passa a ser 6,0 sem exigência de vagas. Já para edificações a serem reformadas ou demolidas para adequação a novo uso, considera-se os índices da própria edificação, mesmo que sejam maiores que o estabelecido na lei vigente. A Operação Urbana Centro foi criada com o objetivo de promover a melhoria e a revalorização da área central, para atrair investimentos imobiliá-rios, turísticos e culturais e reverter o processo de deterioração do Centro. (Caderno sobre a OUC, SP Urbanismo)
Ainda que apresente diretrizes e instrumentos interessantes para uma renovação urbana no centro de São Paulo, a OUC não se mostrou tão efetiva, já que as propostas não foram concretizadas ou não geraram impacto (ROSSETTO NETTO, 2017). Por exemplo, a primeira proposta de reforma de edifício, apresentada no Caderno da SP Urbanismo, até o presente momento não se tornou realidade. O edifício situado à Rua 7 de Abril, 351-365 foi desapropriado com recursos do FUNDURB para a produção de 94 unidades de HIS. O orçamento de R$ 8.154.622,08 para reforma do edifício foi aprovado em 2016 e, de acordo com as atas de Reuniões Ordinárias da Operação deste ano de 2020, apenas 11% do processo foi concluído, entrando ainda na fase de licitação da obra. A criação do Laboratório de Projeto Integrado e Participativo de Requalificação de Cortiços em 1999 auxiliou na discussão política dos movimentos de moradia e fez com que o debate técnico e acadêmico a respeito da habitação e direito à cidade fossem unificados, trazendo propostas de reconversão de prédios vazios no Centro. Essa proposta foi incorporada no plano de governo municipal da Marta Suplicy, apoiando as ações dos movimentos e das assessorias. No mandato de Marta Suplicy (2001-2004), alguns projetos que haviam sido paralisados foram retomados e viabilizados, de acordo com os recursos disponibilizados, tornando os projetos de mutirão mais presentes. Os convênios assinados na gestão Erundina, cujas obras haviam sido iniciadas entre 1989 e 1992 e paralisadas nas gestões seguintes, foram retomados em meados de 2001, assim como os convênios assinados na administração de Celso Pitta18. Nos casos em que a infraestrutura se deteriorou com a paralisação das obras, foi feita a revisão e/ou elaboração de novos projetos, e a contratação de empreiteiras para execução dos serviços. Como as restrições orçamentárias não permitiram o início simultâneo de todas as obras, foi proposto para as associações o atendimento através do 18 Durante a gestão Pitta (1997-2001), foram assinados 22 convênios com associações para construção de novos conjuntos habitacionais em regime de mutirão com autogestão, mas as obras não foram iniciadas.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo PAR, sem autogestão, com pouquíssima possibilidade de interferir no projeto e a composição da demanda deveria atender aos critérios da CEF. Metade das associações aderiu ao PAR e a outra metade preferiu permanecer no Programa de Mutirões. Como ação voltada para habitação social na região central, a prefeita Marta Suplicy trouxe o Programa Morar no Centro, criado em 2001, com produção de unidades a partir do PAR e da adaptação do mesmo programa para atender a reforma de edifícios, chamado de PAR-reforma. Os principais objetivos, além da promoção de empreendimentos pelo PAR a partir de sugestões dos movimentos sociais, incluíam: programa de intervenções em cortiços com recursos do Fundo Municipal de Habitação para construção de pequenos prédios de apartamentos em lotes onde existiam cortiços, sendo uma continuidade do subprograma da gestão Erundina que foi interrompido nas gestões Maluf e Pitta; entendimento com órgãos da administração pública municipal, estadual e federal, visando a cessão de áreas a serem destinadas a HIS; levantamento de prédios, pelo Grupo Técnico de Análise de Imóveis (GTAI), com características que permitissem a reconversão de uso para conjuntos de HIS, com elaboração de estudos preliminares de projeto e de viabilidade e início de negociação com os proprietários. Também foi proposta a intervenção em bairros centrais através dos PRIH – Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat, que compreende conjuntos de quadras com concentração de moradias precárias e inclui intervenções relacionadas a programas culturais, de saúde, educação, capacitação profissional e geração de renda. O Morar no Centro apresentou várias modalidades de atendimento afim de expandir o alcance para as populações de menor renda, como locação social, moradia transitória, PAR, carta de crédito municipal e mecanismos de incentivo ao uso residencial no centro. Cada uma das modalidades tem um público alvo específico, possuindo parâmetros de seleção dos beneficiários, e estão descritas brevemente a seguir. - Locação social: atende à demanda que não se enquadra nas
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linhas de financiamento, destinando-se a pessoas sozinhas ou famílias com renda mensal de até 3 salários mínimos e com prioridade para pessoas com idade superior a 60 anos, em situação de rua ou moradores de áreas de risco. Inicialmente foi pensado como um subprograma do Morar no Centro, mas acabou por adquirir a condição de programa com a construção de conjuntos para locação pela COHAB a partir de recursos do FMH e financiamento pelo BID. O banco aceitou a condição de financiar empreendimentos para locação social apenas em meados de 2004, com a inclusão de 4 projetos no contrato de financiamento: Residencial do Gato, Olarias, Belém e Bresser. (CONSTANTINO, 2007) - Moradia transitória: consiste na locação de imóveis pelo Fundo Municipal de Habitação para famílias provenientes de áreas de risco ou insalubres ou de prédios que serão reformados para o PAR ou para locação social. Utiliza a verba de atendimento emergencial para transferir os beneficiários para imóveis alugados ou quartos em hotéis, onde permanecem pelo período de um ano, que pode ser prorrogado por mais um ano. - Carta de crédito: atende famílias com renda de 3 a 10 salários mínimos que queiram adquirir ou reformar um imóvel. Os recursos vêm do Fundo Municipal da Habitação e o crédito por unidade habitacional pode chegar a R$20.000,00 (com juros de 2% ao ano) ou R$30.000,00 (com juros de 4% ao ano). Vale ressaltar o projeto de lei elaborado na sua gestão para alteração da Lei de Fachadas19, mas que não foi aprovado, em que sugeria vincular o valor do benefício ao custo das obras e com maiores benefícios para a reabilitação de imóveis de uso residencial. Um ponto dificultador para aplicação dessa lei é que o benefício é dado depois da conclusão da reforma, dificultando a concretização de restaurações que sejam mais complexas ou em que o proprietário tenha poucos recursos. 19 Lei Municipal nº 12.350/97 que prevê a isenção de IPTU por 10 anos a pessoas físicas ou jurídicas que promoverem a recuperação externa e a conservação do imóvel.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 O PDE lançado em 2002 incorporou instrumentos do Estatuto da Cidade com a demarcação de ZEIS, viabilizando o programa de locação social em edifícios demarcados nas ZEIS-3, além de outorgar o Decreto Municipal nº 44.667/04 que estabeleceu normas específicas para Empreendimentos de Interesse Social (EHIS) e Habitações de Mercado Popular (HMP). Durante a sua gestão foram viabilizados e iniciados alguns projetos de construção nova e de reforma, como Vila dos Idosos, Baronesa Porto Carrero, Senador Feijó, Asdrúbal do Nascimento e Riachuelo, que foram finalizados na gestão seguinte. Na gestão do prefeito José Serra (2005-2008) destaca-se o Projeto de Requalificação Urbana Nova Luz, lançado em 2005, que propunha a requalificação de 45 quarteirões próximos a estação da Luz a partir do instrumento de Concessão Urbanística, decretando área de utilidade pública. Foi projetada a estruturação de um polo do setor terciário com eixo habitacional pela existência de ZEIS e habitação de mercado. A operação promoveu a desapropriação e demolição de imóveis afim de viabilizar novas construções, inclusive com incentivos tributários para as mesmas. Os movimentos sociais acusam o projeto de apresentar objetivos de limpeza social.
de morar próximo aos equipamentos essenciais e ao trabalho, essa área passou a ser intensamente ocupada de forma irregular. Ao mesmo tempo, o poder público tinha como intenção a implantação de um anel viário ligando as Marginais com a Rodovia dos Imigrantes e, para isso, seria necessária a retirada das famílias que ocupavam essas áreas para passagem de avenidas. De acordo com Fontes (2011), as famílias que seriam removidas foram cadastradas pela prefeitura e elas deveriam escolher entre comprar uma moradia financiada e construída pela Cohab na Cidade Tiradentes, ou receber uma verba em dinheiro, ou ganhar uma passagem para sua terra natal. Em 1995, quando a avenida foi inaugurada, parte dos moradores permaneceu nas áreas que não foram utilizadas para as obras. Mesmo com a aprovação da Operação Urbana Água Espraiada, em 2001, e do Plano Diretor Estratégico, em 2002, que definiam a área como ZEIS, a prefeitura ainda tentou remover a população em 2007 com a proposta de receber cheques-despejo ou uma moradia em um conjunto habitacional da CDHU no Campo Limpo.
A gestão seguinte de Gilberto Kassab (2009-2012) pode ser vista como administração de continuidade da anterior, com algumas propostas novas para habitação. As principais ações foram feitas dentro do Programa de Urbanização de Favelas, com projetos de referência com investimentos superiores aos praticados e indicação de arquitetos renomados, como o Cantinho do Céu, Heliópolis e Jardim Edite. É interessante ressaltar os acontecimentos que antecederam a construção do Conjunto Habitacional do Jardim Edite, que está implantado entre a Marginal Pinheiros e a Av. Luiz Carlos Berrini, no bairro denominado Cidade das Monções, caracterizado por uma ocupação de médio e alto padrão. A partir da década de 1970, com o aumento populacional, a baixa oferta de moradia para os trabalhadores e a sua necessidade Mapa 10: Localização da antiga favela Jardim Edite.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo Nesse cenário, a Associação de Moradores do Jd. Edith acionou a justiça e obteve uma liminar favorável à suspensão das remoções em 2008 e, em 2010, obteve um acordo garantindo a urbanização da área, construção de unidades habitacionais, uma creche, uma Unidade Básica de Saúde, uma escola técnica e espaços de lazer. Por isso, deu-se início a implantação do projeto, desenvolvido por Paulo Mendes da Rocha em conjunto com o escritório MMBB.
O Programa Renova Centro, anunciado em 2010, tinha como objetivo incentivar a reocupação do centro com a reforma de imóveis existentes. Para isso, a FUPAM (Fundação para Pesquisa em Arquitetura e Ambiente) identificou mais de 200 imóveis que seriam possíveis de viabilizar a reconversão para uso habitacional. Os valores estimados para o programa seriam de 650 milhões, sendo cerca de 52% destinado para as desapropriações e o restante para obra e projeto. A proposta previa a desapropriação de 53 edifícios vazios com meta de reformá-los para atender 3000 famílias com renda de até 10 salários mínimos, prevendo também locação social de pelo menos 25% das unidades de cada edifício para famílias com renda de 4 a 6 salários mínimos. Porém, questões ligadas a preservação de patrimônio e entraves jurídicos não permitiram o avanço dessa proposta. Em 2011 foram comprados 3 imóveis: o Edifício Cineasta, o Edifício Mário de Andrade e o Edifício Santo André.
Figura 27: Esquema de implantação do Conjunto Habitacional do Jardim Edite Fonte: Archdaily.
Figura 28: Vista do Conjunto Habitacional do Jardim Edite Fonte: Archdaily.
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O Edifício Cineasta, construído na década de 1910 na Avenida São João, foi transformado em um edifício de habitação popular para artistas com mais de 60 anos e renda familiar de até três salários mínimos. Conhecido agora como Palacete dos Artistas, demandou um investimento de 8,2 milhões de reais, sendo 4,2 milhões apenas para a desapropriação do edifício, e 2 anos de reforma, sendo entregue na gestão seguinte, em dezembro/2014.
Figura 29: Imagem do Palacete dos Artistas. Fonte: Archdaily.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 Ainda em 2010, a SEHAB propôs o concurso público Renova SP para seleção de propostas de requalificação urbana e HIS para urbanização de assentamentos precários no município. O edital apresentava 22 perímetros de ação integrada (PAI), nenhum na área central. A gestão Haddad (2013-2017) focou no desenvolvimento urbano e na mobilidade urbana, deixando a questão habitacional em total dependência da Política Federal (ROSSETTO NETTO, 2017). Apenas no último ano da gestão, com a troca do secretário da Habitação, retomaram-se processos de regularização fundiária e legalização de conjuntos, foi elaborado o plano municipal da habitação e desenhou-se a PPP voltada para locação social de prédios no centro, propondo aos empreendedores a reforma dos edifícios na área central para que a prefeitura alugasse todo o edifício posteriormente.
Relatório Anual – 2015 e Plano de Trabalho – 2016 de aplicação dos Instrumentos Indutores da Função Social da Propriedade
inscritos na dívida ativa do município, algumas acumuladas por anos ou décadas e com valores que seriam equivalentes ao do próprio Porém, pelas diferenciações exisDo total de impugnações indeferidas 25 proprietários discordaram da decisão eimóvel. apresentaram recurso. tentes na região central, a autora traz a hipótese de que o imposto não teria peso sufiOutro dado importante, evidenciado pelo gráfico 4, relaciona-se com o número de proprietários ciente para forçar anenhuma ocupação ouà notificação. venda do imóvel. Somado a isso, temos a dificuldade notificados que não apresentaram manifestação Por fim, a localização dos imóveis notificados demonstra a estratégia, adotada departamento, observada para aplicação da cobrança das pelo dívidas e de instrumentos ligados à função de priorizar a região central da cidade, caracterizada pela disponibilidade de infraestrutura e equipamentos social daurbanos. propriedade que, ainda com as possibilidades de anistia da dívida, provocam sensação de impunidade no contribuinte. Mapa 03 – Imóveis notificados por subprefeitura até outubro de 2015
O novo plano diretor, pautado no Estatuto da Cidade mencionado anteriormente, destinou 30% dos recursos arrecadados no FUNDURB para aquisição de áreas para produção social bem localizadas, implantou o IPTU progressivo com a notificação de 1200 imóveis subutilizados no centro e propôs o instrumento para intervenção no centro (PIU). Atualmente, está disponível no site da Prefeitura de São Paulo o “Mapa Colaborativo da Função Social da Propriedade” em que a população pode cadastrar imóveis ociosos para que sejam analisados e notificados, ou não, pela Prefeitura. Com relação a aplicação do IPTU, legislado e administrado nos segmentos de Imposto Predial quando há construção sobre o terreno do imóvel, é feita a determinação do valor venal a partir de tabelas que indicam valores unitários de metro quadrado de construção e de terreno em função de diversos parâmetros. Estes parâmetros diferenciam o centro da cidade das outras regiões, pois é dotado de infraestrutura, tem uma concentração provavelmente maior de imóveis beneficiados por imunidade e/ou isenções, e as construções apresentam uma idade média maior, reduzindo seu valor venal em decorrência do mecanismo “obsolescência”. De acordo com o levantamento realizado por Silva (2009), 51,2% dos edifícios classificados por ela como vazios ou subutilizados estão
Imóveis notificados para o cumprimento do PEUC pro Subprefeituras
Mapa 11: Imóveis notificados por subprefeitura até outubro de 2015. Fonte: Prefeitura de São Paulo. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov. br/cidade/secretarias/upload/chamadas/relatorio_2015_dcfsp_1449230379.pdf
15 Mapa 12: Imóveis notificados por subprefeitura em 2020. Fonte: Geosampa (Autoria própria).
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo Os mapas anteriores demonstram que houve um aumento no número de imóveis notificados, mas essa quantidade não é tão expressiva quando comparada às estimativas de imóveis subutilizados na região central. Entretanto, para obter uma conclusão mais assertiva a respeito da eficiência desse instrumento, seria necessário analisar quantos proprietários regularizaram a sua situação nesse período e quantas notificações são novas, mas este não é o foco dessa pesquisa.
2.4. Oportunidades para a política habitacional na cidade de São Paulo A partir do histórico de programas apresentados, vemos que a provisão de moradia no centro para famílias de baixa renda não está devidamente incluída na agenda de políticas públicas nem do setor privado. Nas 3 instâncias administrativas (federal, estadual e municipal) predominam as construções de conjuntos habitacionais em regiões periféricas e a produção habitacional por programas como o PMCMV beneficiou principalmente o setor privado, que lucrou com a oportunidade de produção em escala, com demanda garantida e em pouco tempo. Ainda que fora da área central, poucos programas estão voltados para as parcelas realmente mais pobres devido à quantidade de recursos e subsídios disponibilizados. É fundamental que qualquer ação pública considere a participação da população a ser beneficiada pelos programas para garantir o atendimento às reais necessidades da sociedade. Assim como, deve-se questionar se os profissionais responsáveis pelo desenvolvimento dos programas possuem a formação adequada para atuar nas propostas de moradia popular. Seria interessante incluir a vivência com os problemas reais da cidade no âmbito acadêmico, como foi feito no LABHAB, a fim de fomentar discussões e garantir o entendimento da necessidade da participação social. “Digamos que sem a participação social a implementação do plano se torna inviável e, ele mesmo, inaceitável ao tomar os moradores como objeto e não como sujeitos” (MARICATO, 2002, p.180).
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De acordo com Anatelli (2016), as ações públicas e privadas voltadas para habitação social contrariam os interesses dos atores sociais e da população que representam. Por sua vez, as intenções dos movimentos em fixar sua residência no centro contrariam a possibilidade dada às empresas privadas de escolher quais produtos oferecer, onde implantá-los e a quem destiná-los. Os edifícios abandonados representam uma oportunidade para propostas de requalificação de forma democrática, com diversidade social, e a quantidade de imóveis ociosos no centro mostra que as políticas públicas com esse foco não são suficientes para atender essa demanda ou são pouco abrangentes. Nas condições atuais, a produção de habitações a partir da reabilitação de edifícios ociosos não é interessante para as construtoras e incorporadoras, pois os resultados não atenderiam suas expectativas: os edifícios demandam soluções construtivas e projetuais específicas devido aos diferentes estados de conservação, então não seria possível executar projetos padronizados e em grande escala. Consequentemente, o investimento na região central não é interessante já que é muito ocupada e tem poucos terrenos disponíveis. Além de programas habitacionais melhor direcionados e que possuam continuidade entre gestões, é necessário rever as situações de imunidade e isenções de impostos para que as medidas judiciais sejam devidamente aplicadas e os proprietários deem o uso adequado à edificação. Por fim, ressalto novamente a importância de incluir disciplinas relacionadas à problemática habitacional na grade do curso de Arquitetura e Urbanismo para garantir a formação de profissionais com censo crítico e capacidade técnica para lidar com esse assunto. De acordo com a minha experiência durante a minha formação acadêmica, tive pouco ou quase nenhum contato com essa temática, o que me gerou certo incômodo e frustação pelo fato de considerá-la fundamental em uma sociedade desigual e com tantas pessoas que não possuem o direito básico que é a moradia digna.
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Reforma de edifĂcios para uso habitacional
Em função do grande espraiamento da cidade de São Paulo e concentração do trabalho e serviços na região sudoeste, há uma quantidade expressiva de edifícios subutilizados ou vazios na área central. Por isso, parece mais adequado promover a implantação de unidades habitacionais nesses edifícios vazios do que construir edificações novas em regiões mais afastadas. Essa ideia, entretanto, ainda não é profundamente abordada e adotada no Brasil por acreditar que essa é uma solução econômica e tecnicamente inviável, principalmente quando se trata de habitação popular. De fato, para formulação de políticas de reabilitação de áreas centrais é necessário um conhecimento acerca das especificidades das construções existentes, que variam de acordo com o período de construção e com o uso para qual foi projetado. Para Alejandra Devecchi (2010), as formas de intervenção mais comuns em São Paulo não levam essas questões em consideração e, por isso, resultam em “reformas caras com soluções de compartimentação espacial que comprometem a qualidade arquitetônica do produto assim como prejudicam a integridade da obra arquitetônica inicial”. (DEVECCHI, 2010, p.29) De acordo com o levantamento realizado por Devecchi (2011), nos distritos da Sé e República predomina-se edificações construídas até os anos 60. Aproximadamente 45% do total de área construída tem mais de 50 anos, correspondendo a uma média de 4.000.000m² que precisa de reformas e adequações às necessidades atuais para evitar obsolescência. As principais vantagens na adoção do processo de reforma são o tempo mais curto de obra e o processo mais simples para aprovação. Mas por se tratar de uma obra em um espaço pronto, não devemos adotar métodos de construção tradicionais, pois não é possível montar canteiros de obra da forma tradicional nem utilizar os mesmos materiais. É necessário, portanto, compreender que as obras de reabilitação de edifícios têm características diferentes das construções novas e utilizar a tecnologia adequada para melhor aproveitamento da construção existente. Esse tipo de obra exige que sejam feitas vistorias de-
talhadas por parte de todas as áreas de conhecimento envolvidas na reforma afim de que os projetos propostos e a viabilidade sejam mais assertivos. Para que haja uma evolução tecnológica nesse segmento da construção civil, é necessário que empreendimentos dessa natureza sejam incentivados e que haja continuidade e estabilidade nesse setor, aumentando o número de obras. Sobretudo, é fundamental que as pesquisas voltadas para essa área sejam incentivadas.
3.1. Conceituação: políticas e formas de intervenção Com a necessidade de adequação de edifícios que não atendem mais os usos e demandas do novo perfil imobiliário, surgem políticas de regeneração urbana. O termo regeneração (do inglês “urban regeneration”) corresponde a estratégias que tem como objetivo trazer melhorias e valorização econômica, social e ambiental. Inicialmente surgiam em contextos onde as cidades eram vistas como degradadas e estavam associadas ao subemprego e criminalidade, mas nos últimos anos passou a englobar todas as propostas relacionadas à reconstrução e foi associado a políticas de desenvolvimento urbano e produção habitacional, principalmente na Inglaterra e Holanda. As políticas de regeneração urbana aparecem nas principais aglomerações urbanas do mundo e são formuladas a partir de diferentes perspectivas, podendo ser: adotadas como parte da produtividade urbana e associadas ao bom funcionamento da cidade; associada às novas demandas do setor terciário, apontando as áreas centrais como locais de moradia para a classe criativa; associadas a processos de segregação socioespacial e elitização do espaço urbano; ou vistas a partir de uma visão ambientalista que associa a intensificação do uso do solo como estratégia de sustentabilidade. Para diferenciar as propostas, Devecchi (2010) identifica 5 linhas de ação considerando as experiências europeias, onde essas práticas são mais difundidas. São elas: a. Revitalização (redevelopment/regeneração): essa proposta envolve áreas envoltórias de antigas estações de transporte público
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 ou áreas industriais onde são propostas novas estruturas e edificações de acordo com as novas demandas socioeconômicas, mudança de uso e ocupação do solo, com remoção da população moradora e usuária e demolição de estruturas obsoletas; b. Reabilitação (regeneration, renovation): trata-se da recuperação de um perímetro urbano através de adaptações das estruturas construídas às novas necessidades, respeitando as características das populações usuárias e suas funções; c. Restauração: consiste na recuperação física dos espaços e construções considerando os detalhes e técnicas construtivas utilizadas originalmente; d. Retrofit: consiste na reforma de edificações com adequação da eficiência energética do edifício; e. Reforma: envolve tecnologias de reforma com reconversão de uso a partir da utilização de insumos industrializados; Geralmente, quando as políticas de regeneração apresentam propostas para produção habitacional a partir de empreendimentos privados, ocorre a substituição da população original que não poderia arcar com os custos de vida após a valorização do local e assim temos a intensificação do fenômeno de gentrificação. Para evitar esse acontecimento, surgiram então as políticas de reabilitação que propõem recuperar as atividades econômicas com a manutenção da população existente através de adaptações das construções às novas necessidades. As propostas de reabilitação estão mais presentes em países economicamente mais fortes, como Alemanha, França, Reino Unido e Itália e, comumente, não estão associadas somente a intervenção no edifício, mas sim abrangem toda uma região objetivando o benefício social que essa intervenção pode gerar. Nesse contexto, destaca-se a atuação francesa, com propostas que começam com a reabilitação de um imóvel e passam para a recuperação do bairro com a premissa de manter os moradores nos seus locais de moradia, sem gerar uma supervalorização que os expulsariam para outros pontos da cidade.
O primeiro programa com essas características, chamado “Opération Programmée d’Amélioration de l’Habitat” (OPAH), foi lançado em 1977 e é formalizado por meio de um convênio entre órgãos públicos de diversas esferas, utilizando o financiamento da Agência Nacional de Habitação do governo local (ANAH). Podemos classificar as formas de intervenção de um edifício em 2 tipos: a reabilitação da edificação, quando há a recuperação do imóvel mantendo o uso original; e a reciclagem ou reconversão, quando há a transformação de uso da edificação e são promovidas principalmente intervenções na infraestrutura para adequar ao novo uso. Ambas podem envolver processos de retrofit ou restauro.
3.2. Metodologias de análise e tecnologias de reforma Como existem limitações financeiras nas obras realizadas para fins de habitação social, é necessário que sejam apresentadas técnicas adequadas para a edificação e que estejam dentro das margens de verba aprovadas pelos programas habitacionais. Quando tratamos de reforma, algumas características da construção existente podem nos direcionar para qual a melhor solução a ser adotada. Por isso, a definição de algumas tipologias é útil para compreender as formas mais adequadas de reforma para cada uma ou, até mesmo, inviabilizar completamente a possibilidade de reconversão para o uso habitacional. Yolle Neto (2006, p.177) aponta que “as dificuldades encontradas serão as mesmas, apenas a incidência de determinado serviço é que pode ser maior ou menor dentro da realidade de conservação e modificação proposta pelos projetos”, portanto é possível desenvolver uma metodologia de análise e de execução para as obras de reforma a partir da avaliação destes pontos em comum e que terão suas distinções a partir do grau de complexidade observado. A primeira característica a ser analisada é a idade do edifício. O período em que foi construído pode nos indicar qual sistema estrutural foi adotado de acordo com as diretrizes da época. A solução técnica que foi amplamente utilizada até a década de 40 consiste em fundações rasas, sapatas corridas ou isoladas, vãos inferiores a 4 metros, la-
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo jes com dimensões pequenas e número de pavimentos inferior a 10 pavimentos. Os edifícios com fundações rasas são os mais suscetíveis a sofrer recalque e comumente não apresentam cálculo prévio, por isso recomenda-se que o projeto proposto evite aumento significativo da sobrecarga, se restringindo a, no máximo, 0,5% do total. Já os edifícios com fundações profundas, mais comuns nas construções feitas após 1950, apresentam folga no cálculo de aproximadamente 7% da sobrecarga total calculada (de acordo com as práticas da época).
ziamento pois as edificações disponíveis não apresentam as características desejadas. Além de não possuírem sistema de ar condicionado central, piso elevado, sistema de supervisão e layout flexível, o pequeno tamanho das lajes explica sua inadequação para os usos não-residenciais atuais. Por outro lado, como a maioria dos edifícios apresenta área construída superior a 5 vezes a área do terreno, empreendimentos de reabilitação ou readequação de uso para o uso residencial podem se tornar economicamente viáveis e produtivos.
Considerando o tipo de fundação identificado na edificação, é necessário então verificar a quantidade de paredes a construir e a demolir e o tamanho do novo reservatório de água, a fim de contabilizar a sobrecarga prevista no projeto de reforma e confirmar se estão dentro das margens de sobrecarga do edifício. Recomenda-se que a sobrecarga referente às paredes não exceda 0,5% do total de sobrecarga prevista em edifícios com fundação rasa e 4% do total nos edifícios com fundação profunda. Para sobrecarga do reservatório de água, recomenda-se que esteja em torno de 2% do total da sobrecarga prevista.
A terceira análise a ser feita envolve o estudo das soluções que podem ser adotadas para as instalações, considerando que todas as instalações devem ser refeitas. Dependendo da tipologia da edificação, é necessário a criação de novos shafts para atender as instalações hidráulicas dos apartamentos projetados. Estes podem estar localizados junto às fachadas ou poços de ventilação ou podem ser feitos recortes nas lajes para passagem dos dutos. Esses recortes devem ter dimensão aproximada de 1,00x0,60m e é necessário que seja aberto pelo menos um shaft a cada 60m², porém esta solução deve ser evitada para não ocasionar impactos na estrutura, principalmente em lajes extensas. Quando adotada, deve ser considerada a reestruturação da laje através de vigotas.
Ainda em relação ao estado da construção, é necessário verificar a solidez da estrutura a partir de uma vistoria no local, buscando indicações de recalque da fundação, como trincas no encontro entre pilares e vigas, fissuras a 45º, rachaduras ou trincas nas lajes de pisos, portas e janelas com impedimento de abrir e fechar etc. Outra característica comumente encontrada consiste na corrosão da armadura causada pelo excesso de umidade que a edificação não estava preparada para receber. A corrosão pode ser identificada através de zonas com machas de óxido facilmente visíveis nas paredes e fachadas, armaduras expostas, fissuras alinhadas com as armaduras, entre outros. O segundo ponto é identificar a classificação de uso original da edificação, pois indica a necessidade de demolição, construção, criação de shafts e distribuição das instalações. A partir dessa classificação, deve ser analisado se a adequação desse uso para as necessidades atuais do setor terciário é viável e se despertariam interesse no mercado, visto que a região central passou por um processo de esva-
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A distribuição das tubulações hidráulicas pode ser feita através de forro rebaixado, em que as instalações correm no andar inferior e são feitas furações na laje para conectar as tubulações aos equipamentos hidráulicos, ou pelo piso elevado. Considerando que os ambientes de permanência prolongada devem ter pé direito mínimo de 2,50m, de acordo com o Código de Obras vigente, a altura piso-teto deve ser superior a 3,20m e a altura piso-viga deve ser superior a 2,70m para permitir essa solução, visto que também não é recomendada a perfuração de vigas e que deve-se prever um espaço mínimo de 20cm para a passagem das tubulações. Caso contrário, a distribuição deve ser feita por meio de dutos horizontais correndo por cima da laje, na aresta entre o piso e a parede. A definição das tipologias das edificações pode auxiliar na análise, permitindo estimar qual seria a melhor solução para a distribuição
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 das instalações, além de dar diretrizes que dizem respeito às possibilidades de subdivisão do espaço. O quadro e o descritivo a seguir apresentam uma análise do desempenho de cada tipologia para a readequação de uso, de acordo com as seguintes variáveis: iluminação e ventilação; circulação; layout; instalações. Essas variáveis são classificadas como “favorável”, quando apresentam caraterísticas facilitadoras para o atendimento daquele item no projeto de reforma, ou “desfavorável”, quando se trata de situações que dificultam ou impedem a adequação da tipologia para o uso habitacional.
b. Hotel de esquina dos anos 30: Essa tipologia apresenta uma sequência de pequenos quartos com uma única instalação hidráulica por andar, exigindo a criação de novos shafts para atender todas as unidades habitacionais. Como o pé direito comumente é superior a 3,50m, não há problemas para viabilizar a distribuição das instalações. Também apresenta 2 fachadas adequadas para aberturas para iluminação e ventilação, portanto permitem uma subdivisão eficaz do espaço.
a. Hotel com planta H: por apresentar 2 fachadas que podem ter aberturas para fins de iluminação e ventilação, esta é uma planta adequada para subdivisão de unidades habitacionais. Além das fachadas, podemos ter aberturas voltadas para os poços de iluminação internos, assim como podem funcionar como shafts para as novas instalações. A distribuição das tubulações de água e esgoto pode ser feita a partir do rebaixamento do forro ou elevação do piso, desde que haja um pé direito mínimo de 3,20m. Figura 31: Planta do pavimento tipo do Hotel São João. Fonte: DEVECCHI, 2011
c. Hotel de esquina com pátio central: por apresentar quartos com no mínimo 20m² com banheiro privado, exige poucas alterações de layout e boa iluminação e ventilação. A disposição da circulação e dos elevadores no pátio central consomem excessiva área.
Figura 30: Planta do pavimento tipo do Hotel Cambrigde. Fonte: DEVECCHI, 2011.
Figura 32: Planta do pavimento tipo do Figura 33: Planta do 10º ao 21º pavimento Hotel São Paulo. Fonte: DEVECCHI, 2011. do Hotel Jaraguá. Fonte: ALVAREZ, 2007.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo d. Comercial de esquina: comumente possuem uma grande subdivisão na forma de salas de escritório, uma única instalação hidráulica de banheiros e pé direito inferior a 3m. A distribuição das instalações precisa ser feita pelos corredores e os banheiros e cozinhas devem estar dispostos ao lado dele, visto que apenas esses ambientes que podem ter 2,30m de pé direito, de acordo com o Código de Obras vigente. Para evitar recortes nas lajes, os shafts podem ser locados na fachada posterior.
f. Comercial com planta livre: por possuir lajes extensas, a subdivisão do espaço é mais complicada por não atender a necessidade de iluminação e ventilação em todos os cômodos, exigindo a criação de poços de ventilação. As intervenções demonstram ser significativamente mais caras e essa é a tipologia de maior valor no mercado imobiliário.
Figura 35: Planta do pavimento tipo do Edifício Brigadeiro Tobias. Fonte: DEVECCHI, 2011.
Figura 33: Planta do pavimento tipo do Edifício Rizkallah Jorge. Fonte: SANCHES, 2017.
g. Residencial com vários aptos por andar: exige poucas intervenções no layout, podendo se restringir a uma simples reforma nas instalações.
e. Comercial com planta H: também apresenta 2 fachadas e poço central para iluminação e ventilação, configurando 2 grandes salões, na frente e nos fundos, com sanitários junto à circulação vertical. Os shafts podem ser locados no poço de ventilação interno e deve-se avaliar o aumento de sobrecarga decorrente da necessidade de subdivisão dos ambientes.
Figura 34: Planta do pavimento tipo do Edifício Labor. Fonte: DEVECCHI, 2011.
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Figura 36: Planta do pavimento tipo do edifício Joaquim Carlos. Fonte: Caderno de “Estudos de Caso” (SILVA, 2007).
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 h. Residencial com 1 apto. por andar e meio poço central: comumente apresenta uma única fachada e única instalação hidráulica por apartamento, exigindo a criação de novas prumadas hidráulicas e eventuais recortes na laje e que as duas unidades tenham testada para a mesma fachada.
Figura 37: Planta do pavimento tipo do edifício Maria Paula. Fonte: Docomomo Brasil, 2007.
Existem alguns métodos de análise computadorizada, onde são incluídas algumas informações a respeito da edificação e, a partir da análise de algumas variáveis determinadas no programa, os resultados apresentam o grau de deterioração do imóvel, custo da obra de reforma e alguns cenários para intervenção. Devecchi (2011) exemplifica 3 métodos utilizados para essas análises de viabilidade e auxílio na tomada de decisão do projeto: MERIP, MER, MORA e EPIQR. A estratégia mais adequada para o processo de reforma seria desassociar a estrutura da edificação da sua infraestrutura, visto que possuem ciclos de vida e lógicas de intervenção diferentes e, assim, é possível maximizar o aproveitamento de cada um e permitir um alto grau de flexibilidade espacial, com fácil acesso a ações de reparo e reforma. O método “Open Building” identifica pelo me-
Tipologia a. Hotel com planta “H”
Iluminação e Ventilação Favorável
Circulação Avaliável
Layout
Instalações
Favorável
Favorável (dependendo do P.D.)
b. Hotel de esquina dos Favorável Favorável Favorável anos 30 c. Hotel de esquina com Favorável Desfavorável Favorável pátio central d. Comercial Avaliável Avaliável Desfavorável de esquina e. Comercial com planta Favorável Favorável Desfavorável “H” f. Comercial com planta Desfavorável Avaliável Desfavorável livre g. Residencial c/ vários Favorável Favorável Favorável aptos. por andar h. Residencial c/ 1 apto. por andar e Desfavorável Favorável Desfavorável meio poço central
Favorável
Favorável Desfavorável Avaliável
Avaliável
Favorável
Desfavorável
Tabela 2: Viabilidade de cada tipologia para readequação de uso, de acordo com as tipologias e características apresentadas por Alejandra Devecchi (2011).
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo nos 3 níveis de intervenção, de acordo com a flexibilidade, possibilidade de participação do usuário e ciclo de vida da edificação, sendo eles: o suporte, que possui ciclos de vida entre 100 e 200 anos; o recheio, que corresponde aos sistemas mecânicos, divisórias, instalações e equipamentos com ciclos de vida de 25 a 50 anos; e o layout, que corresponde ao mobiliário com ciclo de vida de 2 a 10 anos. Cada um deles exige desenhos e sistemas de intervenção que atuem separadamente e que estejam adequados às suas características. O modelo “support/infill” faz justamente essa separação entre o suporte (“construção-base”) e o recheio, possibilitando a troca dos sistemas de recheio e layout de acordo com as necessidades. O ideal é que sejam produzidos suportes universais e que os sistemas de recheio possam ser instalados em qualquer suporte, sem existir qualquer relação de interdependência entre os dois. Esses sistemas envolvem divisórias, módulos pré-fabricados e sistemas desconectáveis de infraestrutura. As divisórias geralmente consistem em estruturas “steel-frame”, que podem ser fabricadas em aço ou alumínio, associadas a painéis cimentícios ou painéis de gesso acartonado. Podem ser utilizadas como paredes, pisos e tetos e podem ser estruturais ou não, sendo classificadas em sistemas abertos ou fechados (quando entregues com janelas, forros e isolamentos). Os módulos pré-fabricados, produzidos industrialmente em plástico, fibra de vidro, resina, painéis dry-wall ou monolíticas de concreto, tem dimensões de até 4m de largura e 8 a 12m de extensão. Nessa categoria destacam-se os módulos hidráulicos, conhecidos como pods, que correspondem a instalações hidráulicas completas e modulares que podem ser instaladas no suporte a partir de uma viga U invertida.
Figura 38: Módulo de banheiro pré-fabricado. Fonte: Grupo SCA.
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Os recheios “desconectáveis” são pré-fabricados de forma industrial e vendidos em lojas em forma de kits para autoconstrução, permitem instalação a seco e são de fácil montagem e desmontagem, potencializando a metodologia “plug and use” ao permitir a integração entre diversos sistemas de recheio. Esses sistemas estão associados a redes de esgoto com diâmetro reduzido e com declividade nula, potencializadas por pressurizadores e trituradores que permitem a utilização da mesma tubulação para esgoto de cozinha e banheiro; tubulações pex e manifolds para distribuição de água a partir de mangueiras flexíveis e conexões metálicas rosqueáveis; conexões de água e esgoto tipo “push and fit”; calhas elétricas tipo “raceway”; conexões dos aparelhos de banheiro e cozinha do tipo “plug and play” que atendem instalações de água, esgoto, gás e elétrica. As tubulações pex podem ser utilizadas para condução de água fria e quente, gás natural ou gás GLP e ar condicionado. São feitas de material plástico flexível com boa resistência a temperaturas baixas e altas (95ºC permanente e 110ºC durante 48 horas), dispensa o uso de conexões rígidas como cotovelos e joelhos e possui ciclo de vida de 50 anos. Figura 39: Tubulação Pex. Fonte: Astra do Brasil.
O manifold consiste em quadro de distribuição instalado diretamente no ambiente e que realiza a distribuição da água sem conexões intermediárias até os pontos de consumo.
Figura 40: Distribuição de água por meio de tubulação Pex e Manifold. Fonte: Catálogo Técnico Tigre.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 As conexões do tipo “push and fit” são conectadas à mangueira apenas pelo encaixe da peça, não precisando ser fixadas com o uso de cola, apertos ou rosqueio, facilitando a instalação e manutenção. São chamadas também de conexões de encaixe e/ou engate rápido. O sistema “plug and play” é distribuído em paredes in-wall ou pré-wall com largura suficiente para embutir as tubulações e os aparelhos complementares, como bomba, caixa de descarga etc., funcionando como shafts horizontais. Os aparelhos, como pias e privadas, são fixados na parede e elevados do chão. Além dessa solução, os shafts horizontais podem estar localizados nas arestas entre o piso e parede, com encanamentos, caixa de descarga da privada, triturador e bombas nos espaços vazios dos painéis steel-frame e fixados nos montantes. Para isso, as bacias devem ter saída horizontal e devem ser utilizados pisos-boxes elevados e caixas de descarga de embutir. Também podem estar nos pisos elevados com canaletas de 0,07 a 1,20m de profundidade, sustentados através de pedestais metálicos ou de policarbonato.
Figura 41: Caixas de descarga embutidas. Fonte: Astra
Figura 42: Piso-box. Fonte: Astra
A partir da vistoria da edificação e das definições das soluções adotadas no projeto de reforma, deve ser definido também como será implantado o canteiro de obras. Os edifícios antigos, em sua maioria, ocupam toda a projeção do terreno, visto que não havia exigência de recuos laterais na legislação vigente no período em que foi construído.
Portanto, o canteiro precisa se adequar aos espaços existentes no interior do edifício de forma a facilitar a logística da obra, considerando o fluxo de material, pontos de descarga, armazenamento, transporte vertical de cargas, remoção de resíduos e afins, além de prever espaços para os funcionários, como escritórios, vestiários, almoxarifados e refeitório.
3.3. Estudos de Caso Em alguns países europeus, os serviços de reabilitação de edifícios para habitação chegam a representar 70% da demanda da produção imobiliária (DEVECCHI, 2011). Temos como exemplo de destaque um projeto de requalificação em Bordeaux, na França, que reformou 3 edifícios modernistas com dez a quinze pavimentos transformando-os em habitação social. Ao todo, foram criadas 530 unidades habitacionais com a adição de varandas amplas na estrutura existente e a remodelação do layout interno com aberturas para jardins de inverno e grandes portas e janelas.
Figuras 43 e 44: Conjunto de edifícios reformados em Bordeaux, França. Fonte: Archdaily.
Outro exemplo, localizado em Izegem, Bélgica, consiste na reforma e readequação de uso de uma antiga escola para abrigar moradias populares destinadas à locação. Este projeto foi idealizado pela empresa Izegemse Bouwmaatschappij que atua no ramo de habitação popular. As unidades habitacionais foram organizadas nos espaços onde eram as salas de aula a partir de paredes de vidro com isolamento térmico e acústico. Devido ao caráter histórico da edificação,
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo as paredes de suporte, os requadros das portas e janelas e os telhados foram totalmente conservados.
de reais (YOLLE NETO, 2006), estando numa faixa de lucro que interessa mais às construtoras de médio porte. A seguir serão apresentados alguns edifícios que foram reabilitados a partir do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), sob administração da CEF. Ressalto que os dados aqui apresentados foram extraídos dos referenciais teóricos, como as teses de Yolle Neto (2006), C.R. Marques de Jesus (2008) e Adelcke (2017), não sendo possível realizar visitas às obras nem consultas aos documentos oficiais em órgãos públicos devido ao avanço da pandemia do covid-19 no ano em que esse trabalho foi feito.
Figuras 45 e 46: Antiga Heilig Hartschool, na Bélgica. Fonte: Archdaily.
a. Edifício Rizkallah Jorge Ficha técnica: Localização: R. Rizkallah Jorge, nº 50 Ano de construção: 1946 Uso original: escritórios comerciais Área construída: 7.472,90m² Nº de pavimentos: Subsolo, térreo e 17 pavimentos Ano de conclusão da reforma: 2002 Número de unid. habitacionais: 167 Tipologias construídas: Studios e aptos. com 1 dormitório; 24,4m² a 45m²; Escritório responsável pelo projeto de reforma: Helena Saia
Figura 47: Planta das unidades habitacionais implantadas na antiga escola Heilig Hartschool. Fonte: Archdaily.
Na área central de São Paulo temos alguns exemplos de obras de reforma executadas por empresas de grande porte, como: Sala São Paulo, executada pela Spenco, Triunfo e Acciona; Shopping Light, por Birmann; prédio da Bolsa de Mercadorias e Futuros, pela Schain e Hochtief; hotel Holyday Inn, pela Matec. Esses exemplos demonstram que a reabilitação predial não é um serviço tão incomum em São Paulo e que empresas de grande porte tem conhecimento e interesse nesse tipo de intervenção. Entretanto, quando se trata do mercado de HIS, não vemos o mesmo interesse por parte dessas grandes construtoras. Isso porque o valor do contrato geralmente não ultrapassa 3 milhões
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Figura 48: Ed. Rizkallah Jorge, 2017 por Luiz Fernando de Azevedo Silva. Fonte: Vitruvius.
O edifício foi projetado para ser um hotel luxuoso, mas acabou por abrigar a sede do Grupo Votorantim por vinte anos. Na década de 1970, o edifício foi vendido à Beneficência Portuguesa para então, na década de 1980 ser desocupado e abandonado. Nesse momento, o
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 edifício foi ocupado pelo Movimento de Moradia no Centro – MMC e a proposta de reabilitação do edifício foi destinada aos moradores que ocuparam o edifício, foi promovida pelo Ministério das Cidades em conjunto com a Caixa Econômica Federal pelo Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Porém, o projeto não atendeu aos usuários, pois a quantidade de pessoas por família não foi levada em consideração ao projetar as tipologias das unidades. Em 2001, o Compresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico) aplicou o nível de proteção 3 (MP-E) no edifício, que determina o tombamento da parte externa da edificação. Portanto, a fachada foi completamente preservada: foi feita a limpeza da fachada, com a remoção das pichações e impregnações, a recuperação das partes danificadas e aplicação de pintura em toda fachada. As janelas e as portas de aço em bom estado de conservação foram reaproveitadas e restauradas. As demais e as de madeira, foram refeitas de acordo com o desenho, formato e dimensões do modelo original. As novas paredes foram construídas em blocos de concreto celular assentados com argamassa preparada em canteiro, a fim de diminuir a sobrecarga decorrente das alvenarias ao optar por um material mais leve. O piso existente em taco de madeira das unidades habitacionais foi restaurado, com raspagem das áreas danificadas e aplicação de resina. Nas áreas de circulação, o piso cerâmico também foi revisado, substituindo as partes muito danificadas. Os 3 elevadores existentes sofrerão revisão mecânica e elétrica e as cabines foram restauradas. Além de não considerar o número de moradores da ocupação, construindo unidades habitacionais que não atendem às famílias, os recursos financeiros para arcar com os custos condominiais também não foram avaliados. Por isso, há uma alta taxa de inadimplência na taxa condominial, dificultando as manutenções e acarretando um processo de degradação lento da edificação. (VITRUVIUS, 2017)
b. Edifício Maria Paula Ficha técnica: Localização: R. Maria Paula, nº 171 Ano de construção: 1941 Uso original: residencial, com 11 uH. de 250m² cada Área construída: 3.910,00m² Nº de pavimentos: Subsolo, térreo e 12 pavimentos Ano de conclusão da reforma: 2003 Número de unidades habitacionais: 75 Tipologias construídas: Studios (24,43m²), aptos. com 1 dorm. (38,16m²) e 2 dorms. (50m²); Escritório responsável pelo projeto de Figura 49: Foto da fachada do edifício Maria Paula. Fonte: Projeto reforma: Assessoria Técnica Fábrica UrReabilita. bana O projeto de reabilitação, viabilizado pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR), foi realizado pela Assessoria Técnica Fábrica Urbana em conjunto com o Fórum de Cortiços e Sem Teto de São Paulo. As unidades habitacionais foram entregues com o valor médio de R$ 26.540,79. No subsolo foi proposta uma área de lazer para os condôminos, atualmente utilizada como são de festas, e no térreo tem um hall de acesso com portaria, 2 elevadores e uma lavanderia coletiva. Nos 12 pavimentos tipo foram implantadas seis unidades habitacionais, entre studios e 1 dormitório, e no 13º pavimento está a unidade de 2 dormitórios. O revestimento da fachada foi recuperado, conservando as características externas do edifício. A maior parte das esquadrias foi removida devido ao estado de conservação, com exceção das janelas de formato arredondado, que foram restauradas.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo Foi necessária a ampliação de parte da circulação com a construção de uma estrutura metálica. As novas alvenarias foram construídas em blocos de concreto celular assentados com argamassa preparada em canteiro e os elevadores foram recuperados. Após a entrega do edifício, os moradores receberam uma notificação de dívida de IPTU e outra relacionada ao sistema de portaria que somavam aproximadamente 50 mil reais. Por isso, os moradores decidiram em conjunto que a administradora do condomínio, determinada pela CEF, faria apenas o serviço administrativo básico e os demais (zeladoria, segurança e limpeza) seriam feitos pelos próprios moradores em revezamento. Após quase 2 anos, quando finalizado o pagamento da dívida, a gestão condominial voltou a ser totalmente terceirizada. c. Edifício Labor Ficha técnica: Localização: R. Brigadeiro Tobias, nº 298 Ano de construção: 1940 Uso original: comercial Área construída: 4.523m² Nº de pavimentos: Subsolo, térreo e 9 pavimentos Ano de conclusão da reforma: 2004 Número de unidades habitacionais: 84 Tipologias construídas: Quitinete de 31m² Escritório responsável pelo projeto de reforma: Integra Assessoria Técnica Figura 50: Foto da fachada do edifício Labor. Fonte: Projeto reabilita.
O edifício foi ocupado pelos movimentos de moradia MSTC e UMM em 1999 depois de 10 anos de ociosidade, com aproximadamente 38 famílias. A maioria dos atuais moradores participou da ocupação.
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Como a quantidade de unidades habitacionais que podiam ser encaixadas no pavimento tipo não eram suficientes para atingir o valor para aquisição do imóvel, foram construídos 2 mezaninos no andar térreo, um na área frontal e outro no fundo, e um novo pavimento em alvenaria estrutural. Por conta da sobrecarga a qual foi submetido, foi necessário realizar reforço da fundação e da estrutura em concreto armado, que já estavam com sérios problemas estruturais encontrados no laudo técnico realizado. Para atendimento das normas dos bombeiros, foi necessária também a construção de novos reservatórios de água além dos existentes, sendo um reservatório inferior com capacidade de 20m³ e um superior com 6m³. No subsolo foram construídos equipamentos coletivos e na parte posterior do edifício, e nos pavimentos foram feitas lavanderias coletivas. As portas corta-fogo e as esquadrias de madeira das portas foram reaproveitadas. As esquadrias de aço das janelas foram reaproveitadas em parte, e as demais foram fabricadas sob medida. Para atendimento das normas de iluminação e ventilação, foi feita a redução da área útil do pavimento e foram abertas 9 janelas na fachada lateral direita. As novas alvenarias foram construídas em blocos cerâmicos vazados assentados com argamassa preparada em canteiro e os elevadores foram recuperados.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 d. Hotel São Paulo Ficha técnica:
Figura 51: Foto da fachada do edifício. Fonte: Google Maps, 2020.
Localização: R. São Francisco Ano de construção: 1945 Uso original: comercial - hotel Área construída: 11.630,00m² Nº de pavimentos: 21 pavimentos Ano de conclusão da reforma: 2006 Número de unidades habitacionais: 152 Tipologias construídas: Quitinetes, 1 dorm., 2 dorms. e PNE de 25 a 45m². Escritório responsável pelo projeto de reforma: Assessoria Técnica Fábrica Urbana
O térreo, 1º, 2º e 3º pavimentos foram destinados a equipamentos comunitários sob responsabilidade da Prefeitura do Município de São Paulo, como creche e posto de saúde. Os demais pavimentos foram destinados à habitação.
problemas existentes em obras de reforma anteriores, foi necessária a execução de contramarcos em concreto para evitar problemas de infiltração de água pluvial nos pontos de encontro entre alvenarias e esquadrias. As novas alvenarias foram construídas em blocos cerâmicos vazados, totalizando aproximadamente 7.000m² de alvenaria. Nas áreas molhadas foi aplicada impermeabilização em membrana asfáltica, camada de contrapiso e posteriormente o revestimento cerâmico. Nas áreas secas foi retirada a camada do piso existente, feita a regularização do contrapiso e aplicação de cimento queimado. Nas áreas comuns foram mantidos os revestimentos de piso existentes em pastilha cerâmica e, onde teve corte do revestimento para passagem de instalações de gás, foi feita a recomposição do piso com novas pastilhas. Os elevadores e equipamentos da casa de máquinas não foram recuperados, pois o custo da sua recuperação seria superior a instalação de um novo sistema.
Para atendimento das normas de bombeiro, foi construída uma escada de emergência em concreto armado e alvenaria estrutural em área anexa e externa ao edifício, visto que não seria possível utilizar a escada metálica existente no vão central de acordo com a legislação. Este vão central foi um facilitador para a gestão da obra por possibilitar a instalação de elevador para movimentação de cargas. As prumadas de instalações de água e energia também foram executadas neste vão. As fachadas foram restauradas, sendo feita a limpeza e pintura completa, preservando as características originais da edificação. Foram instaladas novas esquadrias em todo edifício, pois as esquadrias de madeira estavam em avançado estado de degradação. Devido a
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo e. Edifício Joaquim Carlos Ficha técnica: Localização: R. Joaquim Carlos - Pari Ano de construção: 1960 Uso original: residencial Área construída: 5.656m² Nº de pavimentos: 9 pavimentos Ano de conclusão da reforma: 2006 Número de unidades habitacionais: 93 Tipologias construídas: Quitinetes e unids. com 1 dormitório (37m² a 46m²) Escritório responsável pelo projeto de reforma: Integra Assessoria Técnica Figura 52: Foto da fachada do edifício. Fonte: Labhab FAU USP.
O edifício Joaquim Carlos foi construído para locação residencial, possuindo 120 unidades habitacionais do tipo sala/quarto com área útil inferior a 37m². A cobertura do edifício era alugada para abrigar uma antena de celular, o que a atrasou o empreendimento em 1 ano, pois o FAR (Fundo de Arrendamento Residencial) não poderia comprar um imóvel com inquilino. O edifício foi ocupado pelo movimento de moradia ULC no final dos anos 90, mas houve a reintegração de posse. O proprietário, ao conhecer o programa Morar no Centro, procurou a SEHAB para ofertar o imóvel e o GTAI desenvolveu os estudos de viabilidade para enquadramento no programa PAR. A venda era de grande interesse do proprietário já que o imóvel estava desocupado há muitos anos, gerando gastos com manutenção e impostos. Durante o processo, descobriu-se que a área construída cadastrada era inferior a área levantada, sendo necessária a regularização do imóvel antes de finalizar a negociação, o que tornou o processo mais lento. O valor de aquisição apenas seria viável para o programa se as áreas do térreo
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fossem desmembradas, totalizando R$1.725.000,00. No mezanino e nos demais 9 pavimentos do edifício, foram construídas 93 unidades habitacionais com tipologias tipo sala/quarto e de 1 dormitório, aumentando a área útil média das unidades para 42m². No mezanino foi feito um salão comunitário e as lojas existentes no térreo foram desmembradas.
Na tabela a seguir, temos um resumo das principais intervenções realizadas em cada empreendimento e que serão utilizadas como comparativo para justificar as diferenças de custos apresentados no próximo tópico do capítulo. Em todos os casos, vemos que foram adotadas técnicas construtivas tradicionais e não racionalizadas, utilizando os mesmos materiais presentes em construções novas, como blocos cerâmicos e argamassa. Além disso, mantém-se a execução dos sistemas prediais (elétrica, hidráulica e gás) a partir de cortes nas paredes para passagem das novas tubulações, o que gera desperdício, acúmulo de resíduos e necessidade de reparação da superfície recortada. Ainda não são utilizadas tecnologias secas, pré-fabricadas e que sejam pensadas para esse tipo de obra, como adoção de paredes em dry-wall, que são mais leves, de fácil montagem, permite embutir instalações e que pode receber o acabamento diretamente, sem precisar de camadas de regularização da superfície. Tais tipos de soluções podem reduzir os custos com transporte e estocagem, tempo de montagem, sobrecarga da estrutura, otimizando a logística da obra e facilitando reformas futuras. Nota-se também um predomínio das tipologias tipo quitinetes ou sala/quarto com área média de 30m², decorrentes da necessidade de encaixar uma quantidade maior de unidades para conseguir viabilizar o empreendimento e a aquisição do imóvel. O layout geralmente é parecido, mas possui pequenas variações nas dimensões devido às dificuldades para encaixar os apartamentos na área existente.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63
Fundações e estrutura
Ed. Rizkallah Jorge Sem necessidade de recuperação e/ou reforços estruturais;
Ed. Maria Paula Sem necessidade de recuperação e/ou reforços estruturais;
Ampliações
-
Ampliação da área de circulação a partir de nova estrutura metálica; Recuperação do reves- Limpeza; timento; Recuperação das partes danificadas; Aplicação de pintura; Substituição do telhaSubstituição do telhado e calhas de drenado e calhas de drenagem; gem;
Fachada
Limpeza; Recuperação das partes danificadas; Aplicação de pintura; Cobertura Substituição do telhado e calhas de drenagem; Aplicação de nova impermeabilização; Novas alvena- Blocos de concreto rias celular assentados com argamassa; Esquadrias Restauração de janelas (portas e jane- e portas de aço em bom las) estado; Janelas e portas de aço e madeira foram refeitas de acordo com o desenho, formato e dimensão original;
Ed. Labor Necessidade de recuperação da fundação e estrutura em concreto armado; Novo pavimento em alvenaria estrutural e 2 mezaninos no térreo;
Hotel São Paulo Sem necessidade de recuperação e/ou reforços estruturais;
Ed. Joaquim Carlos Sem necessidade de recuperação e/ou reforços estruturais;
Nova escada de emergência em concreto armado e alvenaria estrutural;
-
Limpeza; Recuperação das partes danificadas; Aplicação de pintura; Substituição do telhado e calhas de drenagem; Aplicação de nova impermeabilização; Blocos de concreto ce- Blocos cerâmicos vaza- Blocos cerâmicos assentalular assentados com dos assentados com dos com argamassa; argamassa; argamassa; Parte das esquadrias Instalação de novas esquaRemoção da maior foram reaproveitas e drias em todo edifício; parte, com exceção das janelas em forma- parte fabricadas sob do arredondado, que medida; foram restauradas;
Limpeza; Recuperação das partes danificadas; Aplicação de pintura; Substituição do telhado e calhas de drenagem; Aplicação de nova impermeabilização; Blocos cerâmicos vazados assentados com argamassa; Restauração das esquadrias, lixadas e pintadas novamente;
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
Pisos
Tetos
Instalações elétricas Instalações hidráulicas Instalações de gás Elevadores
Ed. Rizkallah Jorge Revisão do piso existente de taco de madeira, com raspagem das áreas danificadas e aplicação de resina. Revisão do piso cerâmico nas áreas de circulação, com substituição das partes muito danificadas.
Ed. Maria Paula Aplicação de revestimento apenas nas áreas molhadas;
Ed. Labor Revisão do piso existente de taco de madeira em algumas unidades, com raspagem das áreas danificadas e aplicação de resina;
Forro de gesso nos banheiros e pintura nas demais áreas; Substituição completa;
Forro de gesso nos banheiros e pintura nas demais áreas; Substituição completa;
Forro de gesso nos banheiros e pintura nas demais áreas; Substituição completa;
Substituição completa;
Instalação de sistema de gás; Revisão mecânica e elétrica dos elevadores; Restauração das cabines. Reservatórios Sem necessidade de de água ampliação dos reservatórios;
Hotel São Paulo Impermeabilização em membrana asfáltica, aplicação de camada de contrapiso e revestimento cerâmico nas áreas molhadas. Remoção da camada de acabamento existente no piso e regularização do contrapiso com aplicação de cimento queimado nas demais áreas. Forro de gesso nos banheiros e pintura nas demais áreas; Substituição completa;
Ed. Joaquim Carlos Substituição dos pisos cerâmicos de todas as unidades;
Substituição completa; Substituição completa;
Substituição completa;
Substituição completa;
Instalação de sistema de gás; Revisão mecânica e elétrica dos elevadores; Restauração das cabines. Sem necessidade de ampliação dos reservatórios;
Instalação de sistema de gás; Substituição completa dos elevadores;
Instalação de sistema de gás; Revisão mecânica e elétrica dos elevadores; Restauração das cabines. Sem necessidade de ampliação dos reservatórios;
Tabela 3: Resumo das intervenções feitas nos estudos de casos.
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Instalação de sistema de gás; Revisão mecânica e elétrica dos elevadores; Restauração das cabines. Construção de novos reservatórios (inferior e superior);
Sem necessidade de ampliação dos reservatórios;
Forro de gesso nos banheiros e pintura nas demais áreas; Substituição completa;
Estudo da Ocupação Ouvidor 63
3.4. Viabilização dos projetos de reforma Para aprovação dos projetos de reforma é necessário passar por um processo muito similar aos que são feitos pelo mercado imobiliário para construções novas, que se inicia com o desenvolvimento de estudos de viabilidade técnica e econômica dos empreendimentos. Nesse momento são analisadas as questões financeiras, técnicas e jurídicas do edifício, a partir da documentação do imóvel e de estudos preliminares que demonstrem o aproveitamento dos espaços existentes para produção de unidades. Porém, por se tratar de um projeto de reforma, a falta de conhecimento sobre o estado de conservação do edifício torna essa primeira análise imprecisa quanto a estimativa dos gastos da obra. O Grupo Técnico de Avaliação de Imóveis (GTAI), criado em 2001, foi responsável pela análise das oportunidades imobiliárias recebidas pelo programa Morar no Centro. Com o intuito de aprovar projetos de reabilitação de edifícios para Habitação de Interesse Social na área central, o grupo realizava o estudo de viabilidade técnica a partir do desenvolvimento de projetos preliminares de arquitetura, análise jurídica prévia e estimativas de custos a partir da adaptação de uma planilha de orçamento para modalidade de reforma com valores Sinap (tabela de preços oficial da Caixa). Tais estudos seguiam algumas diretrizes com a finalidade de reduzir os custos da reforma: respeito à configuração original do edifício; redução da quantidade de demolição e construção de novas paredes; recuperação de materiais e esquadrias existentes; troca de todas as instalações e substituição por instalações aparentes. Entre 2001 e 2004, o GTAI recebeu aproximadamente 400 imóveis para análise e somente 54 imóveis foram considerados adequados para o programa (DEVECCHI, 2011). Estes edifícios tinham as seguintes características em comum: estavam vazios ou estavam à venda; a matrícula não estava desmembrada; e permitiam condições de iluminação e ventilação adequadas depois da conversão de uso. Ainda que fossem considerados adequados, nem todos os projetos foram viabilizados. As principais causas estão ligadas ao valor da terra
da região, dificuldade de negociação do preço com o proprietário e à problemas jurídicos como dívidas, espólios, etc. Além da tipologia de construção que está sendo analisada, o que difere o processo dos projetos de reforma viabilizados por programas habitacionais é a necessidade de passar também por uma etapa de enquadramento, em que se define o programa e/ou a linha de financiamento e são atendidas todas as suas exigências. Ambas etapas são feitas pelo grupo em conjunto com a Assessoria Técnica, porém a atuação desta não é oficializada pelo programa. O estudo de viabilidade aponta a possibilidade de financiamento dentro do programa, quais modalidades podem se enquadrar e a lista da documentação necessária para contratação do empreendimento. A partir disso são feitos os levantamentos físicos do imóvel para elaboração dos projetos e orçamentos mais aprofundados. Neste momento são elaborados os documentos para cartório, são regularizadas todas as pendências documentais e legais referentes ao imóvel, como retificação de matrícula, quitação de débitos etc., e são garantidas as aprovações legais do agente financiador e dos projetos em prefeitura. A terceira etapa consiste na seleção e contratação da obra e é de responsabilidade do gestor do programa, o Ministério das Cidades, mesmo que ainda tenha a participação (não reconhecida) da assessoria técnica. No que diz respeito aos custos dos projetos de reforma para fins habitacionais, o autor C.R. Marques de Jesus (2008) apresenta os orçamentos de alguns empreendimentos citados nos estudos de caso deste trabalho, elaborados a partir dos documentos técnicos levantados e apuração dos quantitativos para definição dos custos. A partir da premissa de que cada obra de reforma é única, o autor enfatiza a necessidade da elaboração dos orçamentos e viabilidades técnica e econômicas de forma individual para cada empreendimento, não sendo possível utilizar parâmetros fixos para estimativas de custos como é feito nas obras de construções novas. Alguns fatores podem resultar em diferenças significativas para os custos finais da obra
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo e estes só poderão ser identificados previamente a partir de vistorias e laudos detalhados. Por exemplo, caso haja a necessidade de recuperação ou reforço de elementos estruturais, grandes intervenções no layout original, caso o edifício encontre-se em avançado estado de deterioração e entre outros fatores, os gastos para realização da reforma aumentam consideravelmente. A elaboração de orçamentos detalhados e que estejam de acordo com a realidade das edificações é importante não somente para garantir a promoção de um empreendimento de caráter econômico e que esteja adequado para o público alvo, mas também para que não haja prejuízos para a construtora, visto que não são permitidos ajustes no orçamento aprovado previamente pelo programa (seguindo como base as diretrizes presentes no PAR). Dessa forma, qualquer custo que ultrapasse o orçamento deve ser coberto pelas construtoras, que certamente se sentem desencorajadas a assumir tais riscos e acabam declinando as propostas para participar destes programas. Como ponto de atenção nesse tipo de obra e que também contribui significativamente para os custos, temos a logística do canteiro de obras, que se difere muito do canteiro tradicional de uma construção nova. Durante as vistorias deve ser analisado, por exemplo, se será possível a utilização de elevador de carga para auxiliar no transporte de materiais e resíduos pois, caso contrário, será necessário maior número de mão-de-obra, elevando o custo deste item. Na tabela ao lado é apresentado o valor médio de custos diretos por unidade habitacional, a partir dos levantamentos feitos por Marques de Jesus (2008), e a seguir os mesmos serão justificados de acordo com as características das obras já mencionadas no tópico de estudos de casos.
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Edifício
Uso Original
Rizkallah Jorge
Escritórios comerciais Residencial com 11 unidades de aproximadamente 250m²
Ed. Maria Paula
Nº Unid. Hab. 167 uH.
75 uH.
Ed. Labor
Comercial
84 uH.
Hotel São Paulo
Comercial - Hotel
152uH.
Ed. Joaquim Carlos
Locação residencial
93 uH.
Tipologia/ m² Studios de ~31m² Studios de ~31m²
Valor médio por uH. R$23.662,31
R$29.201,63
Studios de R$26.368,20 ~31m² Studios, 1 e 2 dorms. de 25 R$36.773,44 a 45m² Studios e 1 dorm. de R$22.376,94 ~42m²
Tabela 4: Comparativo de custos diretos dos 5 empreendimentos citados de acordo com os levantamentos realizados por Marques de Jesus (2008).
a. Custos com demolições A incidência e a complexidade dos serviços de demolição e remoção de entulhos pode variar de acordo com o estado do edifício e com o grau de modificação do layout original. Para definição mais precisa dos custos envolvidos nesse serviço, é necessário que seja feita a quantificação de paredes a demolir, de acordo com a vistoria e o projeto de reforma, e que seja considerada a taxa de empolamento do entulho, com a diferenciação de acordo com o material que será demolido. Realizando um comparativo entre tipologias, um edifício residencial com unidades maiores possivelmente geraria menos resíduos de demolição do que um edifício de hotel com quartos pequenos ou de salas de escritório, visto que, no primeiro caso, há uma quantidade menor de alvenarias existentes e permite maior liberdade para subdivisão dos espaços.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 No caso do Hotel São Paulo, foi necessária a demolição de algumas alvenarias para readequação do layout dos quartos de hotel para apartamentos, mas o que representou um aumento considerável nos gastos foi a necessidade de demolição da escada central, que representou cerca de 40% do valor total do serviço. Como não foi possível a utilização de elevador de carga para retirada do resíduo, os gastos com a remoção da escada foram ainda maiores, pois exigiu maior número de mão-de-obra. Nos edifícios Labor e Joaquim Carlos foi utilizado o condutor vertical para retirada do entulho, porém, neste último, não foi possível instalar o condutor de modo que ele caia sobre as caçambas de entulho, o que aumentaria a produtividade e facilitaria a logística desse serviço. Como as lojas do térreo do Joaquim Carlos não foram compradas pela CEF, havia apenas um trecho estreito de circulação que poderia ser utilizado para movimentação dos resíduos e, devido à proximidade do edifício com a rede elétrica da rua, não foi possível que as caçambas fossem estacionadas logo na entrada. Por isso, uma loja foi alugada durante o período de demolição para que os resíduos fossem descarregados pelo 1º pavimento no caminhão que estaria estacionado nessa loja, envolvendo mais um gasto nesse serviço. b. Custos com fundações e estruturas Estimar o custo que será gasto com reparos e reforços na estrutura e nas fundações só se torna possível após a vistoria e elaboração de laudo detalhado a respeito do estado estrutural da edificação. Portanto, assim como nos outros serviços, mas principalmente neste item, não é possível adotar parâmetros e porcentagens fixas de estimativa, pois cada empreendimento demandará um grau de intervenção diferente. Além da necessidade de restauração da estrutura, pode ser necessário a construção de novos elementos estruturais para readequação do uso ou atendimento de normas. Por exemplo, no Hotel São Paulo, foi construída uma nova escada de emergência por exigência do Corpo de Bombeiros.
c. Custos com construção de alvenarias Nas edificações em que temos layouts menos subdivididos, como antigos escritórios com plantas livres, residenciais com apartamentos maiores ou hotéis com quartos amplos, a construção de novas alvenarias se faz necessária para subdividir os ambientes a fim de adequá-los à configuração dos apartamentos. O material utilizado, a quantidade de novas alvenarias e a quantidade de alvenarias em bom estado de conservação e que possam ser aproveitadas no projeto são os principais fatores que definem os custos deste serviço. Devido à sobrecarga gerada pela construção de novas paredes que não estavam previstas no projeto original, a escolha do material pode variar de acordo com o peso do mesmo e não apenas por estar dentro das margens do orçamento. No edifício Rizkallah Jorge, foi utilizado o bloco de concreto celular que, mesmo que tenha um custo superior aos blocos cerâmicos que são comumente utilizados, possui menor massa unitária. A adoção desse material foi necessária para permitir a construção das paredes necessárias para viabilização do projeto. No edifício Labor, mesmo que o uso original tenha sido modificado, muitas paredes existentes foram aproveitadas e a necessidade de construção de novas alvenarias não representou aumento de custos em relação aos outros empreendimentos apresentados. Já no Joaquim Carlos, por se tratar de um edifício com uso originalmente residencial, muitas paredes foram mantidas e poucas paredes novas foram construídas, reduzindo significativamente os custos deste item. d. Custos com revestimentos (externos, internos e pisos) Os custos tidos com revestimentos internos têm relação direta com a quantidade de novas alvenarias e com o material especificado. Nota-se que nas unidades em que houve aplicação de gesso diretamente nas paredes, o custo foi, em média, 50% menor do que naquelas em que houve aplicação de chapisco e emboço. Com relação aos revestimentos externos, o que influencia no custo desse item é o estado de conservação das fachadas, principal-
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo mente nos casos em que deve ser feita a preservação completa da parte externa.
janelas novas sob medida, seja por ausência do modelo original no mercado ou por causa de tombamento da fachada.
Nos gastos que envolvem os pisos, temos uma variação que depende da possibilidade de reaproveitar ou não os pisos existentes. No caso do Joaquim Carlos, houve a substituição completa dos pisos cerâmicos das unidades habitacionais e, por isso, o custo foi mais elevado. Deve-se atentar a esse item na vistoria para que seja prevista a quantidade correta de pisos novos que serão assentados, pois representa uma parte considerável dos custos totais e algumas vezes mesmo os pisos em bom estado podem ser removidos para passagem de tubulações.
É necessário que seja identificado na vistoria quais portas e janelas podem ser recuperadas para prever no orçamento. Deve-se atentar, entretanto, à qualidade do serviço de recuperação das esquadrias pois, de acordo com o levantamento feito pelo Projeto REABILITA (2007), os principais problemas pós-ocupação estão relacionados às esquadrias. Em alguns empreendimentos, como o Rizkallah Jorge, foram detectados problemas na abertura das janelas e infiltração de águas pluviais.
e. Custos com pintura Os custos de pintura são proporcionais às áreas de fachada e de alvenarias, independente do estado de conservação. Por se tratar de um item que possui duração de menor prazo e que exigiria manutenções mais frequentes, não é possível que a pintura de edifícios desocupados seja reaproveitada. Portanto, deve-se considerar a pintura completa nas paredes internas e na fachada, onde não houver revestimento, correspondendo a uma participação significativa nos custos totais. Nesse caso, podem ser utilizados os mesmos parâmetros da construção nova, mas é importante que os materiais que serão utilizados sejam especificados no orçamento, visto que o valor de cada tipo de tinta pode ter uma grande variação. Além disso, deve-se separar os custos de pintura das paredes, esquadrias metálicas e esquadrias de madeira no levantamento. f. Custos com esquadrias Nos casos em que foi necessária a substituição das portas e janelas, como no Hotel São Paulo, vemos que o custo com esse item foi muito maior do que nos casos em que foi possível fazer a recuperação. Portanto, é muito mais caro comprar e instalar novas janelas do que recuperá-las, principalmente porque a mão de obra para o serviço de recuperação é menor e porque muitas vezes é necessário produzir as
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Rizkallah Jorge Demolição R$861,35 Fundações R$0,00 e Estrutura Alvenarias R$1.946,16 novas RevestiR$2.583,44 mentos Pintura R$1.614,80 Esquadrias R$856,24 Elevadores R$2.586,83
Ed. Maria Ed. Labor Paula R$708,18 R$927,17 R$2.335,55 R$1.503,05
Hotel São Paulo R$1.844,80 R$2.540,42
Joaquim Carlos R$846,22 R$0,00
R$1.021,47 R$1.062,37 R$2.105,32 R$378,54 R$2.922,45 R$3.476,14 R$4.414,95 R$3.593,71 R$2.230,23 R$2.198,26 R$3.172,89 R$1.766,42 R$1.602,10 R$1.211,50 R$3.038,56 R$1.414,76 R$2.773,33 R$1.904,76 R$2.105,26 R$1.548,39
Tabela 5: Comparativo de custos de alguns itens dos 5 empreendimentos citados, de acordo com os levantamentos realizados por Marques de Jesus (2008).
g. Custos com instalações prediais Adotando-se como premissa que todas as instalações são refeitas e que as necessidades são as mesmas, este item costuma ter custos por unidade similares. As principais dificuldades encontradas estão relacionadas às soluções de caminhamento das tubulações e acomodação de caixas de passagem e medidores, principalmente nas edificações em que há a readequação de uso.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 Assim como no projeto de edificação nova, o ideal é que as áreas molhadas estejam próximas umas das outras a fim de simplificar o projeto hidráulico e gerar economia na execução ao reduzir o número de prumadas e a distância percorrida pelas tubulações. Com relação ao projeto elétrico, temos a opção de embutir no piso, nas paredes, caminhar sobre o forro ou manter as eletrocalhas ou eletrodutos rígidos de forma aparente. A última solução é mais adotada devido às limitações financeiras do programa. As opções de embutir são inviáveis pela necessidade de rasgar a laje ou as paredes e então revesti-las novamente e a execução do forro de gesso é a solução mais cara dentre as opções. h. Custos com mão de obra O custo de mão de obra gira em torno de 50% dos custos diretos das obras de reabilitação, sendo a mão de obra não qualificada a de maior representatividade, principalmente pela maior necessidade de demolição e remoção de entulho nesse tipo de obra. Portanto, quanto maior o grau de modificação do layout original do edifício, maior o volume de entulho gerado e maior o custo de mão de obra para esse fim. i. Custos indiretos Os custos indiretos não foram considerados nos valores apresentados, mas para fins comparativos e como um complemento às análises feitas, é importante mencionar que esses custos estão em torno de 45% do total, de acordo com os levantamentos feitos por Marques de Jesus (2008). Em obras residenciais novas, esse valor encontra-se em torno de 20% a 30%, demonstrando que esses custos são mais significativos na reabilitação de edifícios devido à complexidade existente nas obras de reforma.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
3.5. Conclusão: dificuldades e desafios A partir do referencial teórico levantado, é possível apontar que o principal desafio para o desenvolvimento de projetos de reforma seja o baixo investimento em pesquisas relacionadas a materiais e técnicas construtivas no Brasil. Em todos os estudos de casos apresentados foram utilizadas as mesmas tecnologias presentes nas construções novas, demonstrando a falta de conhecimento do setor da construção civil no segmento da reforma. Além deste atraso tecnológico, temos também a descontinuidade dos programas e políticas públicas a cada gestão, o que impede que os avanços e conhecimentos obtidos na gestão anterior sejam repassados e aprofundados. Esse cenário aumenta o risco financeiro por parte das construtoras, visto que a falta de conhecimento técnico sobre as obras e o precário sistema de diagnóstico das condições físicas dos edifícios possam resultar em gastos não previstos no orçamento original. Sem garantia de lucro, o interesse das construtoras em atuar no setor da reforma para fins de habitação de interesse social se torna muito baixo. Ainda assim, comparando os casos analisados com a hipótese de derrubar o edifício existente para dar lugar a uma construção nova, o custo da obra de reforma é sempre menor do que a obra nova, atingindo uma redução de até 50% do orçamento. Também é necessário considerar que muitas vezes o edifício novo não poderá ter os mesmos índices construtivos do existente, como número de pavimentos e área construída, devido a legislação vigente. Os casos apresentados demonstram que os custos totais da obra variam de acordo com o grau de intervenção, estando relacionados à complexidade dos serviços e às condições da edificação. Por exemplo, podem influenciar nos custos: a mudança do uso original; a definição do número de unidades habitacionais que intensifica ou não as atividades de demolição e de produção de alvenarias; a definição dos acabamentos utilizados e/ou da manutenção de revestimentos antigos, que pode exigir a busca de materiais em empresas especializadas ou técnicas de restauro.
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Além destes fatores decorrentes das decisões projetuais, temos também os fatores próprios da edificação, como o tombamento da fachada, o estado de conservação da estrutura, a localização do edifício e o espaço para canteiro que dificultam a logística da obra etc. Vemos então que a obra de reabilitação, ainda que complexa, tende a ser economicamente mais viável, mas isso não significa que o orçamento não possa reduzir ainda mais e com uma qualidade superior. Para que isso ocorra, mais uma vez aponto a necessidade de conhecer as particularidades envolvidas nesse tipo de obra, com o investimento nas tecnologias de reforma e de diagnóstico das edificações. Destaco ainda que, com o aumento da necessidade de obras de reformas - visto que cada vez há menos terrenos disponíveis para construção nova em centros urbanos e que toda edificação demanda manuntenção a cada certo período de tempo-, se faz necessário que a temática seja incluída na grade dos cursos de graduação, garantindo a formação de profissionais habilitados para a prática deste serviço.
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Proposta projetual
Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
4.1. Análise da área A Ocupação Ouvidor 63, objeto de projeto deste estudo, está localizada na Rua do Ouvidor, nº 63 no distrito da Sé. A região, conforme abordado nos capítulos anteriores, é caracterizada pelo fenômeno de esvaziamento populacional, devido ao investimento do mercado imobiliário em outras regiões da cidade que gerou o deslocamento da elite que residia no centro, e pela degradação, que está associada à popularização que ocorreu na área, com o aumento do comércio de rua e circulação de pessoas pelas linhas de transporte público. De fato, os censos do IBGE mostram que houve uma queda populacional na região nas últimas décadas, perdendo cerca de 30% da sua população entre 1980 e 2000. Porém, houve um crescimento populacional no último levantamento realizado e este pode estar relacionado ao aumento de lançamentos habitacionais no centro que englobam principalmente os bairros entre Higienópolis e República. Censo 1980 60.999
Censo 1991 57.797
Censo 2000 47.718
Censo 2010 56.981
O distritos centrais de São Paulo, principalmente a Sé e a República, caracterizam-se pela alta ocupação da terra e pela verticalização, somadas a concentração de atividades econômicas e de serviços públicos. Nos mapas ao lado, vemos que a região se mantém com uso predominante do solo voltado para comércios e serviços (aproximadamente 55% da ocupação) e essa predominância é favorecida pela grande circulação de pessoas na região por meio do transporte coletivo, visto que ainda concentra grande parte dos empregos da cidade de São Paulo. A região é acessível por linhas de transporte coletivo que trazem pessoas de todos os lados da cidade, seja pelas estações de metrô (Anhangabaú e República) ou pelos corredores e terminais de ônibus (Parque Dom Pedro II, Praça da Bandeira e Praça Princesa Isabel) . Estima-se que 2 milhões de pessoas circulam pela área central diariamen-
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te, sendo que 50% desse número acessa o Centro através do transporte público. Além disso, o centro possui diversos equipamentos culturais marcantes para a história da cidade, praças, largos e galerias movimentadas. Com relação à renda e densidade demográfica, ambas aumentam no sentido do bairro de Higienópolis. De acordo com os dados levantados, a renda mínima da região é de R$ 1.573,00 e a máxima é R$ 28.585,00, totalizando uma média de R$ 7.939,00. Muitas vezes as famílias de renda inferior encontram como solução para morar no Centro se instalar em moradias precárias em cortiços e favelas, pois geralmente as unidades produzidas pelo estado estão concentradas em áreas periféricas ou não atendem a demanda. Os empreendimentos populares promovidos pelo setor privado ainda possuem um baixo estoque na região e, para cobrir o valor da terra, acabam por ofertar unidades pequenas e com valores que não se enquadram para as faixas de renda mais baixas. No que diz respeito à legislação, o objeto de estudo encontra-se no perímetro da Operação Urbana Centro que estabelece, dentre outros pontos, incentivos para a reconstrução ou reforma de edifícios, além de dispor de algumas exceções à L ei de Uso e Ocupação do Solo e ao Código de Obras e Edificação. Por este motivo, pode-se destacar na região algumas demarcações de ZEIS que correspondem a áreas com edifícios subutilizados, vazios e/ou deteriorados (ZEIS-3) ou lotes vazios (ZEIS-5) em áreas bem localizadas. O mapa ao lado apresenta o zoneamento do entorno. ZC
ZEIS-3
ZEIS-5
Estudo da Ocupação Ouvidor 63
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
RENDA
Comércio e serviços
R$0 a R$4.700,00
Sem predominâncias
R$4.700,00 a R$7.800,00
Equipamentos públicos Resid. e Comércio/Serviços Resid. Vert. médio/alto padrão
R$7.800,00 a R$12.600,00
Garagem
DENSIDADE DEMOGRÁFICA
GABARITO
1 a 100
0 a 10m
100 a 200
10 a 20m
200 a 300
20 a 40m
300 a 500
40 a 80m
300 a 3200
80 a 140m
Hab/ha
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo No mapa abaixo, vemos que a edificação está próxima a importantes modais de transporte: o terminal de õnibus da praça da Bandeira e a estação de metrô Anhangabaú. Além disso, temos alguns outros equipamentos culturais no entorno, como Sesc 24 de Maio e os teatros Municipal, Jaraguá e alguns outros de menor porte.
Linha de metrô
Polícia
Rede cicloviária
Escola Pública
Corredor de ônibus
Terminal de ônibus
Teatro
Faixa de ônibus
Estação de metrô
Praça
Ponto de ônibus
Terreno
Drenagem
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É importante ressaltar ainda que a área de projeto está localizada na esquina entre a Rua do Ouvidor e a Rua Riachuelo, sendo uma edificação com grande visibilidade para quem está a sudoeste, principalmente ao cruzar a passarela dos Piquês, que atravessa o Terminal Bandeira e se encerra justamente em frente à ocupação. As imagens a seguir retratam a visão do pedestre ao longo dessa travessia.
Biblioteca
S
SESC
Figuras 52 e 53: Imagens extraídas do Google Maps na passarela dos Piquês. 2016.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63
77 Figura 54. Fonte: Caroline Hara.
Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
4.2. Histórico do edifício O edifício foi construído na década de 1940 para abrigar secretarias do Estado de São Paulo. Entre 1950 e 1990 foi sede das Secretarias da Economia e Planejamento, da Assistência e Desenvolvimento Social e, por último, da secretaria da Cultura. Esta desocupou a edificação totalmente em 1990, que se manteve sem uso formal desde então. Em 1º de maio de 2014, deu-se início à ocupação tratada como objeto central deste trabalho, organizada por um coletivo de artistas de Porto Alegre, chamado “AndróidAndrógenos”. Ao saber da existência de um edifício que estava abandonado há anos, o coletivo publicou o “Manifesto Holístico de Revitalização Criativa do Centro Histórico de SP” nas redes sociais para articular artistas que estivessem interessados em se juntar na ocupação. A mobilização foi realizada a partir do Estúdio Lâmina, em São Paulo, e a iniciativa foi motivada pela ideia de servir como um espaço de fomento à arte e cultura. Para mostrar para cidade a transformação que estava acontecendo naquela edificação e também para que os próprios moradores se conhecessem, foi realizado o Festival de Revitalização Holística do Centro, com várias exposições, saraus e shows de música, 10 dias após a entrada no edifício.
de arquitetura e engenharia e definição de ações sociais para população residencial. A proposta previa 57 unidades habitacionais com 1 ou 2 dormitórios, áreas de lazer e de uso comunitário, e a adequação dos elevadores. Os custos dessa proposta foram estimados em R$340.000,00 para reformas e R$600.000,00 para aquisição do edifício. As equipes financeiro-jurídica identificaram débitos junto a concessionárias de água e luz e em IPTU. Na proposta de viabilidade, consideraram a possibilidade de alienação do imóvel e posterior aquisição dos apartamentos pelos moradores por meio da CDHU e CEF. De acordo com as análises de custos, identificou-se que o PAC combinado com o Programa de Mutirão Paulista seriam a melhor opção para viabilização do projeto. Entretanto, não foi viabilizada a doação nem a venda do prédio para CEF e, em 2005, o edifício foi desocupado por reintegração de posse. Em 2007, o edifício foi concedido a CDHU e manteve-se sem uso até ser ocupado pelo coletivo de artistas.
Antes disso, o edifício já havia sido ocupado entre 1998 a 2005 pelo MMC, que foram despejados por ação judicial. Durante o período dessa primeira ocupação, precisamente em 1999, a USP realizou o Laboratório de Projeto Integrado e Participativo para a Requalificação de Cortiço com o envolvimento de professores e alunos, adotando esta edificação como objeto de estudo. As experiências do laboratório foram relatadas no livro “Requalificação de cortiço: O projeto da Rua do Ouvidor, 63 no centro de São Paulo”. O laboratório estava dividido em 5 equipes, de acordo com a área de atuação: arquitetura, engenharia, sociologia, financeira e jurídico-legal. Os diagnósticos obtidos por cada equipe foram feitos em discussão com os moradores e, a partir disso, foram apresentadas propostas com estudo de viabilidade jurídico-financeira, anteprojeto
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Figura 55: Imagem do edifício durante a atividade do Laboratório. Fonte: SANTOS (2002)
Estudo da Ocupação Ouvidor 63
4.3. A Ocupação Artística Ouvidor 63 O edifício possui 3.412m² de área construída, distribuídos em 13 pavimentos e 1 subsolo, e implantado em um terreno de 356m². Pelo projeto original, no subsolo estão os reservatórios de água e os ramais de distribuição de energia elétrica e de telefonia, esgoto e águas pluviais, além de uma rampa para acesso de automóveis. A configuração das plantas superiores, incluindo o térreo, se resume em uma copa e um conjunto de banheiros voltados para os fundos e um salão principal na frente, com poucas alvenarias existentes.
Figura 56: Planta do pavimento térreo original. Fonte: SANTOS (2002)
Após ser ocupado pelo coletivo de artistas, o edifício passou a ter dupla funcionalidade: espaço para moradia e para produção artística. Mais do que isso, se tornou espaço de expressão, resistência e visibilidade para artistas de rua. Uma ocupação artística não só luta pelo direito à cidade e à moradia, e contra a lógica da propriedade privada e da especulação imobiliária como também lutam contra a comercialização e institucionalização da arte e da cultura. Na sua singularidade e efemeridade, os abandonos criam possibilidades para o acolhimento de uma arte destinada à crítica, predisposta também à incompletude e inexperiência. (...) Apresenta-se, então, uma arte originária da marginalização do próprio artista, gerada desde perspectivas e desejos internos e concretizada através de uma atitude coletiva de resistência. (GHISLENI, 2017, p. 99)
Figuras 57 e 58: Imangens de apresentações artísticas realizadas na ocupação. Fonte: Rede Social da Ouvidor 63.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo A ocupação abriga cerca de 100 pessoas, dentre artistas plásticos, circenses, pintores, músicos, fotógrafos etc. que fazem desse edifício um espaço de produção e troca de conhecimentos, com a realização de eventos como shows, debates e até mesmo bienais de artes. Em setembro de 2016 foi realizada a I Bienal do Ouvidor 63, com programação aberta e gratuita por uma semana para expor mais de 40 obras de arte advindas, em sua maioria, dos artistas residentes na ocupação. A ideia surgiu para mostrar ao público o que se estava criando naquele espaço. A bienal foi criada de forma coletiva e horizontal, sem uma curadoria tradicional, e por isso os temas eram muito variados. Normalmente a produção artística estava relacionada a questionamentos individuais de cada artista.
cio, outros apareceram depois e outros se instalam apenas por um período temporário, como é o caso dos artistas viajantes (“mochileiros”) que passam por São Paulo. Às vezes as pessoas entram em contato previamente com algum morador da ocupação, mas às vezes elas simplesmente chegam na ocupação em busca de um espaço, sem garantia de consegui-lo. Os artistas da ocupação estão unidos por interesses em comum, mas cada um possui realidades sociais diferentes e interesses individuais, que às vezes se sobressaem aos interesses coletivos. Por não se tratar de uma ocupação organizada pelo movimento de moradia, que já possui conhecimentos relacionados à gestão e reforma de edifícios, o início do processo de ocupação teve algumas complicações, principalmente no que se refere a manter os interesses coletivos acima dos individuais e ainda com uma gestão horizontal. Em entrevistas realizadas por Oliveira (2017) uma moradora, que está na ocupação desde o início, aponta que já tentaram ficar sem reuniões gerais semanais, com uma organização orgânica, mas não deu certo. A rotatividade dos residentes e a variedade de relações que estes desenvolvem com o espaço dificulta a compreensão das responsabilidades individuais com o cuidado do espaço coletivo. Ela aponta que, para que a autogestão da ocupação funcione, é importante a definição de regras básicas e organização de reuniões periódicas para garantir harmonia coletiva.
Figura 59: Imagem da fachada do edifício durante a I Bienal do Ouvidor 63. Fonte: Revista DSG - ESPM.
Essa variedade é refletida na organização dos espaços, que estão em constante transformação, a depender das necessidades dos moradores de cada andar. Tais moradores também apresentam uma dinâmica rotativa, sendo que alguns estão na ocupação desde o iní-
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Dentro do coletivo Ouvidor 63, formaram-se outros coletivos a partir de interesse sem comum, como “artistas em luta pela igualdade de gênero”, “grupo de estudos libertários”, “6/12 Circus” e o “recicle”. Este último é praticado por grande parte dos moradores e consiste em aproveitar alimentos de feira que não estão em perfeitas condições ou pedir comidas que seriam descartadas para os restaurantes. Além disso, grande parte dos objetos presentes na ocupação foram encontrados no lixo e reaproveitados. O recicle também representa uma forma de interação com as pessoas do entorno, pois os artistas saem contando a história da Ouvidor 63 para conseguirem as doações. Outra forma de arrecadação de recursos para suprir as neces-
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 sidades da ocupação se dá a partir dos eventos artísticos realizados, na maioria das vezes, na rua, em frente a ocupação, e no térreo, onde recentemente foi instalado uma área de teatro. O dinheiro arrecadado nos eventos realizados na ocupação, seja por artistas residentes ou convidados, são revertidos em melhorias para o edifício. Porém, outra dificuldade apontada em entrevistas está relacionada a comunicação com o público sobre as atividades que ocorrem na ocupação. É comum que as oficinas e os eventos não aconteçam por falta de público.
O edifício possui duas entradas no térreo, sendo uma mais privativa para os moradores e outra com acesso direto ao brechó, ao teatro e a um café, às vezes ativo.
Por isso, a relação com a rua se tornou muito importante. Muitas vezes, as apresentações são feitas em frente a ocupação, no início da passarela, para atrair o público de forma espontânea, e depois se encerra no interior do edifício, no teatro recém instalado no térreo.
Figura 61: Calçada em frente à Ocupação com produtos do Brechó expostos. Fonte: UOL.
As áreas de moradia se organizam de diversas formas, podendo ser quartos separados das áreas coletivas por portas e paredes, quartos divididos por tapumes, ou áreas integradas às áreas coletivas sem estrutura fixa de divisão. Nessas configurações, a ocupação se tornou um espaço para livre produção artística e convivências experimentais. As atividades que acontecem nos demais pavimentos serão descritas a seguir. 1º pavimento: temos um salão com tatame para realização de oficinas ligadas a atividades corporais, como dança, yoga, alongamento, entre outras. 2º pavimento: há uma biblioteca e uma cozinha coletiva.
Figuras 60: Imangem de uma apresentação realizada na rua, em frente à ocupação. Fonte: Rede Social da Ouvidor 63.
3º pavimento: temos um espaço para a banda da ocupação com uma cozinha coletiva para o andar. 4º pavimento: está o ateliê de moda e serigrafia. 5º pavimento: possui um projetor fixo, onde acontece exibição de filmes, e mais uma biblioteca.
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Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
Figura 62: Imagem da biblioteca. Fonte: Rede social da Ocupação.
6º pavimento: onde estão os artistas de rua e circo, composto majoritariamente por pessoas latinas, e mais uma cozinha coletiva. Esse andar possui maior rotatividade, estando aberto a receber viajantes, ou seja, moradores temporários. 7º pavimento: moram um tatuador, artistas de xilogravura e é onde está o Lab Ouvidor 63, criado com o intuito de desenvolver campanhas/comunicações sobre a ocupação.
Figura 64: Imagem do 8º pavimento. Fonte: MONTEIRO, 2016.
10º e 11º pavimentos: temos apenas moradia, possuindo também um espaço onde costumam ser feitas reuniões e uma cozinha coletiva menos utilizada. 12º pavimento: neste andar também estão artistas de rua que compõe o coletivo 6/12 Circus. 13º andar: temos dois quartos improvisados em espaços onde eram áreas técnicas e acesso ao terraço com horta coletiva.
Figura 63: Imagem do hall do 7º pavimento. Fonte: Rede Brasil Atual.
8º pavimento: está a galeria Nuventre, onde acontecem saraus, exposições e rodas de conversa. 9º pavimento: onde está o coletivo “artistas em luta pela igualdade de gênero”, com uma pequena horta e uma cozinha coletiva.
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Figura 65: Imagem da horta no terraço. Fonte: Rede social da ocupação.
Estudo da Ocupação Ouvidor 63
4.4. O projeto Conforme apresentado no tópico anterior, a ocupação organiza os espaços dos 13 pavimentos de acordo com as “necessidades artísticas” dos moradores. Cada pavimento corresponde a um grupo de artista, mesclando o espaço de morar com o espaço de produzir. Há também espaços coletivos, como as cozinhas e a horta, que aproximamos moradores pelo interesse de ter um estilo de vida sustentável, e o porão das artes, que é um espaço de reunião, exposições e apresentações, além de abrigar um estúdio de tatuagem e um brechó.
Ocupação Ouvidor 63 Terminal Bandeira
Hoje a ocupação é aberta para visitantes sempre que possivel, com o interesse de proporcionar trocas de conhecimento e apresentar o seu trabalho – a arte. Porém seus espaços são improvisados e comumente estão misturados ou muito próximos aos dormitórios dos moradores. R.
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Figura 66: Vista da Ocupação Ouvidor e do terreno a ser incorporado neste projeto. Fonte: Escola da Cidade.
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Visto isso, foi incorporado no projeto um terreno que está ao lado da edificação para expansão do programa. A finalidade desse anexo é poder atender todas as necessidades dos moradores de forma confortável e com maior privacidade para os espaços de morar, abrigando parte dos programas públicos, como ateliês, sala de dança, yoga e práticas circenses nessa edificação nova. Ainda assim, o objeto proposto mantém a relação direta com a ocupação pelos acessos abertos em cada nível, afim de não afastá-los totalmente desses espaços.
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Terreno para ampliação do programa
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IMPLANTAÇÃO
Estudo da Ocupação Ouvidor 63 No térreo (na cota determinada 0.0), temos apenas uma pequena recepção com fechamentos em divisórias móveis que se abrem quase completamente quando o anexo está em funcionamento, mantendo a maior parte do piso à disposição da cidade e dos artistas em todos os momentos, mesmo quando a edificação estiver fechada. Esse partido foi adotado, pois comumente os artistas da ocupação iniciam suas apresentações na rua, em frente ao edifício e à passarela, para atrair o público espontaneamente.
ATUAL
Esse térreo foi pensando, então, como um espaço livre para acontecimentos, para apropriação dos usuários e para exposições diversas. Pensando nisso, o trecho coberto possui pé direito duplo afim de permitir diferentes tipos de ocupação, como apresentações circences ou exposições de obras de arte, por exemplo. Também foi adicionada uma caixa de escada de emergência que atende tanto ao edifício existente quanto ao anexo projetado, visto que originalmente o edifício possui apenas uma escada em caracol que não atende às normas de bombeiro. Essa solução foi adotada para que não fosse necessário realizar recortes na laje do edifício existente, pois isso acarretaria a geração de grande quantidade de resíduos e seria uma intervenção agressiva na estrutura, o que possivelmente exigiria reforços estruturais nesses trechos. Por se tratar de um edifício com uso original voltado para escritórios, possui configuração de planta livre, com poucas paredes construídas e instalação hidráulica concentrada em um trecho do pavimento. Visando produzir uma menor quantidade de resíduos provenientes de demolição, buscou-se manter o máximo de paredes existentes possíveis, desde que se adequassem ao novo layout. As novas paredes foram propostas em drywall para não gerar grande volume de carga extra e para permitir a utilização destas como shafts horizontais.
PROPOSTO
Ao lado temos um comparativo do programa atual da Ocupação e o programa sugerido para este projeto. No subsolo foi desativado o acesso existente para veículos, realocando um bicicletário, a pista de skate, vestiários e o reservatório inferior. No térreo da ocupação, foram mantidos os programas comerciais, sendo um estúdio de tatuagem, brechó e café, com uma área livre para apresentações. Nos 4 pavimentos acima foram distribuídos os programas culturais, como ateliês, salas de dança, música, práticas circences e afins, em plantas pouco compartimentadas ou com certa flexibilidade para que os usos possam ser modificados com o tempo, de acordo com as necessidades dos moradores. No 5º pavimento, temos mais uma área aberta ao público e à disposição para qualquer tipo de acontecimento. O programa residencial, incluindo áreas comuns como cozinha coletiva, lavanderia, horta, biblioteca e sala de projeção, está organizado no edifício existente, a partir do 4º pavimento.
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ENTRADAS
Área dos terrenos: 1: 370,60m² (Ocupação) 2: 512,70m² Total: 883,30m²
Acesso Público Acesso moradores
Área de projeção: Edifício existente.................................... 315,00m² Edifício novo............................................ 207,90m² 522,90m² Área construída: Edifício existente.................................... 3.981,60m² Edifício novo............................................ 1.163,60m² 5.145,20m² Taxa de ocupação...................................... 0,59 Coeficiente de aproveitamento............. 5,82
USOS
CIRCULAÇÃO
Cultural - Uso Público
Escada
Residencial
Elevador
Área Comum - Uso privado
TÉRREO (+0.0) 1. Recepção 2. Bicicletário
5
3. Pista de skate 4. Vestiários 5. Reservatório inferior
2 3
1
4
TÉRREO (+3.0) 1. Recepção (moradores)
1
2
2. Recepção (público) 3. Estúdio de tatuagem 4. Loja (brechó)
3
5. Área de exposições 6. Sanitários 7. Café
4 5
7
6
1º PAVIMENTO 1. Saguão de reuniões 2. Sala de revelação fotográfica 3. Área para Yoga e Práticas Corporais
1
4. Sanitários
2
3
4
2º PAVIMENTO 1. Sala de aula de música 2. Estúdios de música
1
3. Espaço para banda da ocupação 4. Sala de dança
2
5. Sanitários/Vestiários
3
5 4
3º PAVIMENTO 1. Ateliê de pintura
1
2. Ateliê de moda e costura 3. Depósito de materiais 4. Ateliê de marcenaria e serigrafia
2
5. Ateliê de escultura e cerâmica 6. Sanitários
3
6 4
5
DETALHE 03 Ligação entre a estrutura metálica e a parede em alvenaria estrutural da escada de emergência.
CORTE C.C.
DETALHE 02 Encontro entre o edifĂcio novo e o existente
4ยบ PAVIMENTO 1. Dormitรณrios 2. Prรกticas Circences 3. Sanitรกrios/Vestiรกrios
1
3 2
5ยบ PAVIMENTO 1. Dormitรณrios 2. Terraรงo
1
2
CORTE C.C.
DETALHE 01
6º PAV.
7º PAV.
1
1
1. Dormitórios 2. Apartamentos 3. Lavanderia coletiva 4. Cozinha coletiva 5. Depósito / Despensa 6. Horta
8º PAV.
9º PAV.
6 2 3
5 4
10º PAV.
11º PAV.
5
3
2 1. Dormitórios
4
2. Apartamentos 3. Biblioteca 4. Sala de Projeção 5. Terraço 6. Reservatório superior
12º PAV.
13º PAV.
6 2
2 5
tipologias PRINCIPAIS DORMITÓRIOS
APARTAMENTOS
DETALHE 04 Encontro a 90º entre a alvenaria existente e a parede de Drywall.
Alejandra Devecchi (2011) traz algumas diretrizes para auxiliar nas decisões que serão tomadas em cada tipo de reforma, nas quais eu me baseei para desenvolver este trabalho. Por conta do momento de pandemia que estamos vivendo, não foi possível realizar essas análises in loco e por isso adotei soluções por estimativa. Por se tratar de um edifício da década de 40 e com uso original voltado para escritórios (com planta livre, poucas paredes contruídas e ambientes hidráulicos concentrados em uma área do pavimento), propus: • Manter o máximo de paredes existentes possíveis, desde que se adequassem ao novo layout sugerido, gerando menor quantidade de resíduos, visto que seria complicado administrá-los em uma edificação que ocupa a maior parte do terreno. • Paredes novas em drywall, para não exceder a sobrecarga prevista para edificação, além de ser um material de fácil instalação, manutenção e que pode ser utilizado para passagem de instalações prediais. • Abertura de novos shafts para adequar ao novo uso e locação dos ambientes hidráulicos próximos ao corredor, para que a distribuição das redes para os apartamentos possa ser feita através de forros rebaixados nas áreas de circulação.
ELEVAÇÃO 1
AMPLIAÇÃO DA FACHADA
CORTE E.E. Detalhe do caixilho com a persiana manual.
A fachada da edificação existente foi mantida, com a manutenção dos grafites produzidos pelos próprios moradores no térreo, restauração dos caixilhos, substituição dos vidros e nova composição de cores remetentes às pinturas feitas pelos moradores. Essa fachada foi composta com persianas manuais coloridas a partir do 4º pavimento, pois a partir dele se inicia o programa residencial e esse trecho recebe insolação direta durante todo o período da tarde e em todas as estações do ano. Os pavimentos mais baixos recebem sombreamento a partir das edificações presentes no entorno. No corte ao lado está representado o detalhe do caixilho com a instalação da persiana a frente do mesmo, dispensando intervenções na estrutura original e, portanto, com pequena geração de resíduo. Já a fachada do anexo proposto é composta por uma estrutra leve de steel frame com vedação em tecido impermeável e outro fechamento fixo em chapa metálica perfurada. Tal escolha foi feita visando uma solução de fácil instalação e manutenção, além de garantir certa transparência e visibilidade para as atividades que acontecem no seu interior.
ELEVAÇÃO 2
ELEVAÇÃO 3
CORTE A.A.
CORTE B.B.
Reabilitação de edifícios para produção habitacional no Centro de São Paulo
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Lorena Valentina Bozo 2020