PARA ALÉM DO PILOTIS PRÁTICAS DE INCENTIVO À AUTONOMIA INFANTIL EM ESPAÇOS PÚBLICOS: UMA EXPERIÊNCIA NO BAIRRO BURITIS EM BELO HORIZONTE, MG
Lorena Vaccarini Ávila
Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG Trabalho de Conclus達o de Curso Aluna: Lorena Vaccarini Orientador: Marcelo Maia 2015/1
Sumário
Sumário problematização........................................................................................................................ 7 A negação da cidade à criança..................................................................................................................................... 8
DESCRIÇÃO DO MÉTODO.............................................................................................................15 Metodologia de incentivo à autonomia infantil em espaços públicos............................................................................ 16 Entendendo o cotidiano das crianças do bairro...........................................................................................................22 Levantamento da rede de espaços públicos do bairro ................................................................................................32 Parceria com instituição do bairro...............................................................................................................................42 Mapeando o brincar nas ruas do bairro.......................................................................................................................42 Trabalhando em conjunto com as crianças do Buritis: .................................................................................................49 Elaboração de material gráfico para as crianças do bairro...........................................................................................64 Exposição do trabalho desenvolvido no bairro no Buritis Festival................................................................................65
desdobramentos do trabalho......................................................................................... 67 Desdobramentos do Trabalho......................................................................................................................................68 Possibilidades de atuação do arquiteto........................................................................................................................72 Considerações finais................................................................................................................................................... 74
referências bibliográficas.................................................................................................. 77 anexo: registros........................................................................................................................81 Entrevistas sobre mudanças de hábitos na infância ao longo dos anos em bairros de Belo Horizonte..........................82 Entrevistas sobre mudanças de hábitos na infância Quadro comparativo....................................................................94 Atividades não realizadas.............................................................................................................................................96 Panfleto explicativo para a reunião da Associação de Moradores do Buritis.................................................................98 Primeira atividade com as crianças do projeto Bom na Bola, Bom na Vida...................................................................99 Segunda atividade com as crianças do projeto Bom na Bola, Bom na Vida.................................................................. 101 Segunda atividade com as crianças do projeto Bom na Bola, Bom na Vida................................................................. 104 Evento de dia das mães na Rua Eliane Stanciolli......................................................................................................... 108 Primeiro evento do projeto Se essa rua fosse minha na Rua Silvio de Oliveira Martins................................................. 110 Segundo evento do projeto Se essa rua fosse minha na Rua Silvio de Oliveira Martins................................................. 112
Introdução “No meu tempo não era assim, a gente brincava era na rua..” Ouvimos de pessoas mais velhas relatos de uma infância inimaginável de ter ocorrido na mesma cidade que presenciamos hoje. As diferenças são tantas que há dificuldade em entender em que momento exato essa infância antes tão íntima do espaço público se perdeu. Na cidade verticalizada as crianças são invisíveis. A configuração atual das grandes cidades brasileiras enclausura e protege os pequenos de males aos quais podem estar sujeitos do lado de fora dos edifícios em que vivem, e consequentemente da diversidade encontrada nos espaços públicos. Privadas de construir e escolher o espaço onde brincam, resta às crianças realizar suas brincadeiras no pilotis dos prédios e áreas de lazer privadas, isolados de acontecimentos externos. Em uma cidade em que tipologias construtivas submetidas ao mercado capitalista exaltam o espaço privado como ambiente de segurança, resgatar nas crianças uma relação mais forte com a construção do espaço público é considerado por muitos como um trabalho inviável. Esse estudo propõe um olhar sobre como o processo de verticalização e medidas de segurança em bairros de Belo Horizonte - MG influenciaram e distanciaram as crianças do hábito de brincar na rua para, a partir daí, discutir possibilidades de fortalecer a relação das crianças com os espaços públicos de sua vizinhança, dentro do contexto urbano atual, de forma a valorizar a parti cipação infantil no processo de planejamento e ocupação desses espaços.
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Foto por André Dahmer Série Casulos
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problematização
A negação da cidade à criança Com o aumento do tráfego de automóveis nas ruas e número de casos de violência nas grandes cidades brasileiras, as pessoas acabaram cedendo a prioridade da rua aos veículos automotores, perdendo aos poucos a per-
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cepção deste espaço como pertencente a todos e se fechando cada vez mais em residências como forma de proteção. Uma sensação de medo ge ral passou a influenciar o comportamento social nas grandes cidades, no qual a vida privada passou a ser relacionada com segurança e o espaço público passou a ser cada vez menos apropriado, visto como território de ninguém. Segundo Marcelo Lopes de Souza, que analisa cidades brasileiras dominadas pelo medo da criminalidade violenta - as quais denomina fobópoles, um medo generalizado toma conta das pessoas, recondicionando hábitos de deslocamento e lazer, influenciando formas de moradia e habitat e modelando discursos-padrão sobre a violência urbana. Essa sensação de medo leva os espaços públicos a serem menos frequentados ou então cercados e monitorados, o que tampouco favorece uma vida pública densa e espontânea. Causa e consequência desse processo, os investimentos em espaços públicos são cada vez menores e passa-se a dar mais valor a investimentos privados ou semiprivados. As crianças, que décadas atrás tinham a rua como território de diversão livre, são um dos grupos que mais perdeu com esse processo. A desconfiança das ruas e do que lhes é novo é ensinada pelos pais e responsáveis assim que passam a ter consciência de si mesmas. Crianças possuem o poder de transformar o espaço público em espaço lúdico (PEREIRA, 2013), porém essas qualidades acabam sendo podadas no caos do dia a dia das grandes cidades.
Em Belo Horizonte - MG, a associação de espaço privado com segurança se expressa de forma mais concreta em alguns bairros, os quais sofreram transformações no perfil das edificações residenciais ao longo dos anos. Essas modificações tipológicas, reflexo de uma transformação social, tem influência direta no cotidiano das crianças moradoras desses bairros e na sua relação com o espaço público urbano. Como forma de entender melhor essas transformações, foram realizadas entrevistas qualitativas com adultos de diversas gerações que viveram sua infância na capital mineira, priorizando membros pertencentes a uma mesma família ou que tenham residido em um mesmo bairro, a fim de que se reduzisse a influência de resultados por diferenças de classe social, costumes ou características de bairros distintos. Os entrevistados foram questionados sobre seu modo de viver durante a infância, com perguntas sobre as brincadeiras de que participavam, se brincavam dentro ou fora de casa, como se manifestava a liberdade da criança em relação aos pais, mudanças no comportamento infantil, aumento do uso de equipamentos eletrônicos, entre outras. As entrevistas, transcritas em anexo, permitiram a construção de uma espécie de linha do tempo marcando as principais transformações ocorridas para as crianças nos bairros entrevistados. Em bairros da região Centro-Sul de Belo Horizonte, como Santo Agostinho e Cidade Jardim, as edificações residenciais - inicialmente construídas com muretas baixas ou ausentes permitiam às crianças observar o que estava acontecendo no espaço público. A rua era o principal local de brincadeiras infantis, e se a criança avistava algum amigo lá fora, já saía para brincar, sem a necessidade combinarem os encontros com antecedência. Segundo os relatos dos entrevistados, até a década de 60 a criança tinha certa autonomia para escolher onde e como brincar ao redor da residência, sem um percurso determinado. Essa liberdade ia aumentando à medida que a criança ia crescendo. A partir da década de 70, a divisão entre o espaço público e privado começa a ser marcada de forma mais concreta nesses bairros, com muros e grades mais altas nas habitações, que passaram a obstruir a vista da casa para a rua. O encontros entre crianças fora de casa ainda eram comuns, porém Diagrama de deslocamento infantil na década de 60 em Belo Horizonte
a maioria já acontecia na calçada devido aos carros que vez ou outra passavam na rua. O quintal das casas, muito pouco usado para lazer infantil na década anterior, começa a ser citado como principal local de jogos e brincadeiras. Nos anos 80, o registro do pilotis do prédio como meio de recreação e encontro infantil marca uma nova era na infância em alguns bairros de Belo Horizonte. Com o aumento da verticalização na capital mineira - sobretudo na região Centro-Sul - aliado à multiplicação do número de automóveis nas ruas, os pequenos que moram em prédios agora passam o tempo livre nas
Crianças da mesma família em residência no Santo Agostinho, na década de 70 Foto concedida por Lúcia Tavares Vilela, uma das entrevistadas
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áreas comuns dos mesmos, o que limitou seu círculo de amizades cotidianas no bairro às outras crianças moradoras do mesmo local. Na década de 90 nesses mesmos bairros, a rua já passa a ser considerada pelos pais como inacessível para o lazer infantil sem a companhia de adultos. Para a maioria das crianças, o lazer no espaço público já é visto como eventualidade - não mais como rotina. A solução encontrada pelo mercado imobiliário foi trazer o lazer para o
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interior dos condomínios - verticais ou não - como forma de reduzir a necessidade de se sair de casa. Quadras de esportes, playgrounds e piscinas são introduzidos no programa arquitetônico dos edifícios que tem como público-alvo as classe média e alta, com fim de incrementar o pequeno mundo da criança confinada. Esse tipo de atividade é hoje a principal chamada de propaganda de condomínios de luxo verticais, com espaços de lazer planejados a serem divididos entre os condôminos - em um território homogêneo e, segundo a lógica da segregação, consequentemente seguro. Basta uma breve pesquisa sobre esse perfil residencial e somos inundados por anúncios com imagens maquiadas de áreas de recreação luxuosas com funções e temas pré-determinados. É o lazer anunciado como produto de Diagrama de deslocamento da criança de classe média e elite da cidade contemporânea. Muitos trajetos são feitos de carro, onde a criança não tem a contato direto com a cidade que as cerca
consumo, vendido em um pacote com os termos “segurança” e “qualidade de vida” para quem está apto a pagar. Originados para sanar os problemas de segurança de seu público-alvo, os condomínios protegem das consequências e não das causas da violência e insegurança. Pelo contrário, ainda contribuem para deteriorar a qualidade de vida , a civilidade e as condições de exercício de cidadania nas cidades (SOUZA,2008). Quando esses condomínios - verticais ou não - tentam se proteger do restante da cidade, acabam virando as costas para espaços públicos com grande potencial de uso, e a própria forma do edifício, cujos muros escancaram o limite radical entre o que é público e o que é privado, desencoraja o uso desses espaços, que - uma vez que não são reconhecidos por ninguém, são então ignorados e reduzidos a meros locais de passagem.
Trnasformações arquitetônicas e relação criança-rua em bairros verticalizados de Belo Horizonte
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Colagem de anúncios de condomínios em Belo Horizonte
Os espaços para crianças, inseridos nesses pequenos mundos privados, projetados por adultos e encaixados nos padrões de luxo dos edifícios, acabam subutilizados por oferecer atividades física e socialmente muito limitadas, em que o contato com o novo - novas amizades, sensações e experiências - essenciais para o desenvolvimento da criança - não acontece. Esses espaços são geralmente imutáveis e blindados em relação à diversidade, sendo menos eficazes na formação infantil, se comparado aos lugares públicos, porque direcionam o andar da criança pelas suas instalações (OLIVEIRA,2004). Jane Jacobs aponta a supervalorização do lazer infantil em espaços privados ou controlados, em detrimento dos espaços públicos, como processo re velador de um profundo desdém pelo comum. Segundo Jacobs, as crianças que usufruem a vida pública das calçadas vivenciam o ensinamento que os moradores da cidade devem assumir responsabilidade pelo que acontece nas ruas, sendo capazes de assimilá-lo desde cedo, ao reconhecer que também fazem parte desse processo (JACOBS, 2009). Visto isso, torna-se fundamental retomar o interesse das crianças em participar e modificar o espaço público. Não me refiro apenas às praças e parques, aos quais muitas crianças de bairros com melhor infraestrutura já tem acesso regular, mas também a vazios urbanos e ruas, consideradas um espaço aberto e dinâmico de encontros e um elemento estruturador da cidade. (OLIVEIRA, 2004). As crianças só enxergarão esses espaços quando lhes permitirem tempo e liberdade para vivenciá-los. Mas em casos de bairros já murados e tomados pelo medo, como fazer com que as crianças experimentem além do mundo privado e enxerguem a cidade ao seu redor? Assim como a arquitetura edificada, a produção de espaços públicos de lazer voltados para crianças sofre hoje os efeitos de um processo de padronização das demandas. De forma a suprir a falta de tempo para análise
O edifício se fecha para o espaço público
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Resquíício da implantação do edifício que poderia ser explorado como espaço público, ma snão é reconhecido como tal.
Esquina de Condomínio vertical no Bairro Buritis, em Belo Horizonte
de necessidades específicas de cada projeto, foram criadas demandas de um usuário padrão - a serem solucionadas em uma espécie de arquétipo a ser reproduzido - usuário este que não existe, logo não pode ser satisfeito (FRIEDMAN, 1975). O resultado desse processo no planejamento urbano são espaços genéricos que não levam em conta os interesses específicos das crianças de diferentes áreas da cidade. A opinião das crianças porém, é de muito valor ao se pensar o espaço público e, se consultada, pode evitar a construção de espaços padronizados e sem muitos atrativos, que acabam subutilizados. Dar voz a essas crianças para expor suas impressões e demandas aumenta seu zelo e reconhecimento daquele espaço, facilitando sua apropriação. Uma vez que a criança perceba que é ouvida e participe ativamente do processo de construção do espaço, este se torna para ela um lugar dotado de significado, sobre o qual também é responsável. Além de incentivar o uso de espaços públicos no cotidiano, esse trabalho de envolvimento infantil com o espaço citadino busca também desenvolver a longo prazo a cooperação de cidadãos para a melhoria de questões urbanas, uma vez que a criança se tornará um adulto com mais noção de cidadania. Ao tentar reaver a intimidade das crianças com o mundo que se encontra imediatamente além de suas residências, é importante uma inversão de sentidos no planejamento e gestão urbanos para entender o contexto em que cada grupo de crianças está inserido: sua rotina, hábitos da vizinhança, características da rua em que moram, relações entre vizinhos, dentre ou tros fatores, partindo do estudo de uma escala micro para tentar modificar uma questão em uma escala macro. Segundo Jane Jacobs, esse estudo de indícios mais específicos é capaz de revelar como funciona uma escala maior e média. (JACOBS, 2009. p.490). Trabalhar a capacidade da criança como transformadora de espaços vai além de sua participação em um estudo de demandas para obras de espaços públicos planejados. É igualmente importante encorajar a autonomia infantil para que construam, usem e modifiquem o espaço público por si próprias, permitindo que as crianças visualizem potencial também em espaços não planejados ofuscados em uma cidade adulta. Uma alternati-
va possível de incentivo a essa prática seria tentar trazer vida infantil para pequenos espaços vazios do bairro, que se localizem necessariamente próximos a edifícios residenciais e distantes de vias de tráfego intenso, buscando a segurança dos pequenos em relação a atropelamentos e aumentando o sentimento de segurança dos pais em dar liberdade aos filhos para brincarem nessas áreas. Esses espaços residuais poderiam facilmente ser apropriados como alternativa de local de brincadeiras infantis, e tem a vantagem de estarem próximos às residências, o que daria a eles o potencial de ser um espaço de maior intimidade e reconhecimento pelas crianças vizinhas. Ressalto que este trabalho não se trata de uma manifesto nostálgico das brincadeiras de rua e sim de libertar um potencial de exploração que se encontra congelado em muitas crianças da cidade formal. Diante de inúmeras transformações nos campos físicos, econômicos e sociais nos grandes centros urbanos, seria claramente impossível que se reestabelecesse da mesma maneira essa liberdade da criança na cidade que um dia já existiu. Defendo portanto a criação de práticas que quebrem a barreira invisível e burocrática de espaços públicos e semi-públicos, para que as crianças possam se apoderar dos mesmos e fortificar sua relação com o espaço urbano. Em cidades que hoje cultuam o espaço privado, essa tentativa de extensão de locais frequentados e apropriados pelas crianças e do sentimento de participação e contribuição da sociedade é capaz de gerar inúmeros benefícios para que, em cidades futuras, o zelo e sensação de pertencimento não se restrinjam apenas às nossas casas; e de mostrar que a espontaneidade da infância no espaço público não está extinta: as crianças ainda tem alta capacidade de se apropriar desses espaços, só lhes resta oportunidades para percebê-los.
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DESCRIÇÃO DO MÉTODO
Metodologia de incentivo à autonomia infantil em espaços públicos 16
A partir da crítica estabelecida no capítulo anterior, onde foi problematizada a relação do mercado imobiliário, da segregação urbana e do aumento do tráfego de automóveis nas grandes cidades brasileiras com a decadência do brincar livre na cidade, neste capítulo do trabalho busquei elaborar um conjunto de táticas de ação com objetivo de incentivar uma maior participação e autonomia de crianças na melhoria de questões urbanas, em um processo que despertasse sua curiosidade para novas formas de apropriação dos espaços públicos em uma determinada região. Mais uma vez gostaria de ressaltar a importância de se brincar fora de casa, comprovada em inúmeros estudos com crianças já realizados. Em sua tese O ambiente urbano e a formação da criança, Claudia Oliveira afirma que a riqueza das informações contidas no espaço público favorecem o desenvolvimento mental e físico da criança, sobretudo no desenvolvimento da criatividade. Existem também uma série de trabalhos realizados por profissionais de arquitetura e urbanismo e outras áreas que visam dar voz às crianças no processo de planejamento, seja de forma indireta, na qual as crianças são responsáveis por indicar demandas; ou diretas, quando as crianças também fazem parte de todo o processo, do levantamento à exe cução. No Brasil, entre os exemplos de execução dessas metodologias temos as cidades de Barra Mansa (RJ) e São Paulo (SP), que já mantiveram um conselho de orçamento participativo mirim, formado por crianças que se encontravam regularmente para discutir prioridades infantis para melhorias urbanas. Por meio de experimentações práticas em um bairro de Belo Horizonte, essas táticas foram aprimoradas ao longo deste projeto, visando agregar me todologias de trabalho no campo da arquitetura e do urbanismo que auxi liem um trabalho de desenvolvimento da autonomia infantil como forma de revitalização de espaços públicos. Os resultados dessas experimentações também somariam informações à rede multidisciplinar de pesquisa sobre crianças e espaços públicos nas grandes cidades.
Foram utilizadas como premissas para as táticas desenvolvidas durante esse trabalho: ►► Incentivo de um olhar mais crítico da criança sobre a cidade em que habita, uma vez que seus trajetos, tempo e locais de atividades cotidianas são repletos de limitações que impedem esse olhar mais atento ao que se encontra além desses espaços habituais. ►► O aumento da diversidade entre crianças, visando a amenização do processo de segregação espacial e social. Segundo Claudia Oliveira, crianças que vivem apenas em um grupo tem menos oportunidades de conhecer e formar opiniões próprias a respeito de crianças de outros grupos sociais, dado que suas opi niões são moldadas sob influência dos adultos com quem tem contato, e daí são criados estereótipos. Apenas o espaço público é capaz de comportar essa diversidade social tão importante para a formação da criança, pois permite a mistura de grupos e experiências novas, fora de uma redoma. ►► Estudar as possibilidades do brincar fora de casa na cidade contemporânea. Ouve-se muito de adultos - vide entrevistas sobre infância em anexo - que “hoje não tem mais jeito de brincar na rua”, como se o processo de evolução urbana tivesse criado um caminho sem saída na relação das crianças com as ruas, que tenderia apenas a piorar e reduzir. Logo, uma das propostas desse processo seria contrariar esse paradigma de que a cidade atual inviabiliza completamente a liberdade infantil e a brincadeira nas ruas, buscando outras saídas onde essa prática ainda pudesse ocorrer. ►► Tentativa de reestabelecer o brincar ao ar livre e a apropriação e cuidado com o espaço público como uma prática de rotina. Em seus estudos sobre infância em Johanesburgo, Krugger conclui que para que a participação das crianças continue a fazer parte do planejamento urbano, oficiais responsáveis devem ser encarregados de desenvolver nas crianças um papel rotineiro em identificar necessidades e avaliar novas propostas de desenvolvimento. (KRUGGER,2002.)
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O bairro Buritis A escolha do bairro para desenvolvimento deste trabalho se desdobrou a partir de uma análise da distribuição de crianças existentes em regiões de Belo Horizonte. Os mapas do Censo 2010 IBGE apontam que manchas que indicam maior quantidade de crianças residentes cobrem, em sua maioria, bairros periféricos com menor renda em relação aos demais quando ana lisada a renda média mensal do chefe do domicílio.
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O bairro Buritis é o único bairro classificado com alta renda por domicílio entre classificados no Censo como de alto índice de crianças residentes por setor. Em uma pesquisa da tipologia edificante entre os bairros listados, o Buritis foi, também, o único bairro com verticalização expressiva.
Localização do Buritis em Belo Horizonte Foto do Bairro Buritis por Cristina Horta publicada no Jornal Estado de Minas 11/08/2014
É importante mencionar que aglomerados e bairros periféricos e com uma população de menor renda possuem uma complexidade de cotidiano e liberdade infantil muito diferente da que foi problematizada neste estudo. A evolução das brincadeiras nesses bairros acontece em outro ritmo e o brincar na rua de forma mais livre e com improvisação dos brinquedos e brincadeiras ainda é frequente em muitas dessas regiões devido, entre muitos fatores, à falta de brinquedos e espaço dentro das residências. Diferenças na facilidade de apropriação do espaço entre crianças com padrões de vida distintos já foram comprovadas em estudos anteriores. Portanto, uma vez que este trabalho tratou até agora de investigar a relação entre um processo de segregação entre espaços urbanos públicos e privados e a redução e controle da presença de crianças nas ruas, optei por estudar o bairro Buritis como oportunidade de analisar uma região onde esse processo se expressa de maneira mais notável. Não só entre os listados com alto índice de crianças residentes, o Buritis também se destaca como um dos bairros mais verticalizados da capital mineira, com um mercado imobiliário constantemente aquecido.
19 Mapa da quantidade de crianças residentes por setor em Belo Horizonte - IBGE Censo 2010
Mapa da classificação da renda em Belo Horizonte - elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais com base na renda média mensal do chefe do domicílio em salários mínimos (SM) do Censo 2000.
O bairro surgiu com a obra de duas grandes avenidas, a Barão Homem de Melo e a Raja Gabaglia, que despertou o interesse das construtoras na região. Pela presença de importantes cursos d’água no bairro, seu projeto original permitia apenas a construção de casas. Em 1985 porém, com a pressão do mercado imobiliário, foi aprovada pela prefeitura a construção de grandes edifícios no bairro (PBH).
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A nova Lei de Uso e Ocupação do Solo acelerou o crescimento do bairro, e transformou o trânsito em um dos seus grandes problemas. Por conta de sua configuração geológica de declividade acentuada, a grande maioria da população moradora tem o carro como principal meio de locomoção. Com a chegada de três grandes universidades na região - Uni BH, Newton Paiva e UNA - o tráfego de veículos automotores tornou-se caótico nos horários de pico. As dificuldades de acesso ao bairro devido ao grande fluxo de veículos e poucas vias de acesso fez com que o setor de comércio e serviços crescesse para que o Buritis se tornasse cada vez mais autossuficiente. A parcela de área verde por habitante no bairro é alta se comparada a outros bairros de Belo Horizonte, e o bairro é contemplado com um parque municipal, Aggeo Pinho Sobrinho.
Evolução do Bairro Buritis. Fotografia aérea de 2002, 2006, 2010 e 2015, nesta ordem. Fonte: Google Earth.
LEGENDA: Limite do bairro
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Estoril
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ne
ck
Palmeiras
.M Av
Vila Nova Paraíso Olhos D’água
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Entendendo o cotidiano das crianças do bairro Uma vez que o bairro foi escolhido, foi dado início a um trabalho investigativo em diversos níveis a fim de compreender a maneira como as crianças vivem, se deslocam, brincam, que lugares frequentam e
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como os utilizam, entre uma série de outros fatores. Além de uma análise social, características espaciais do bairro também foram consideradas. Compartilho então essa sequência de ações como uma metodologia desenvolvida e experimentada aos poucos, à medida que o bairro Buritis e o cotidiano das crianças que lá vivem era investigado. Deixo claro que este trabalho se trata de um processo contínuo, ou seja, não possui um produto final único, e sim múltiplos resultados ao longo de seu processo, que contribuem para que o objetivo almejado seja trabalhado de alguma forma no bairro. A descrição das etapas está organizada na ordem em que foram desenvolvidas no bairro e acrescidas com suas respectivas conclusões, o que não significa que devam ser seguidas nessa ordem e da mesma maneira se aplicadas em outros bairros, uma vez que cada região terá suas particularidades, que podem implicar o surgimento de novas etapas e metodologias.
Visita às áreas públicas do bairro com equipamentos de diversão infantil O objetivo desta etapa foi conhecer e mapear os espaços públicos do bairro projetados para crianças, com existência de brinquedos e equipamentos pensados especificamente para brincadeiras infantis. Uma vez identificados, esses espaços foram analisados durante visitas, com entrevistas com o público que os utiliza e moradores do entorno. Principais pontos investigados durante as visitas: ►► Os espaço é usado por crianças? De que maneira? ►► Qual a frequência de uso desse espaço? ►► Qual a faixa etária das crianças que frequentam esse espaço? ►► São crianças do bairro? Se sim, moradoras de ruas próximas ou não? Quatro áreas públicas do bairro Buritis dispõem de equipamentos infantis, indicadas no mapa a seguir.
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Praça na Rua Stella Hanriott
3
Parque Municipal Aggeo Pinho Sobrinho
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Praça Aroldo Tenuta
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Praça na Rua Moisés Kalil
LEGENDA: Limite do bairro Espaços públicos com equipamentos voltados para crianças
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1) Praça na Rua Stella Hanriot A praça localizada na esquina da Rua Stella Hanriot com Rua Cônsul Walter é bem arborizada - está localizada em uma das extremidades de uma área de proteção ambiental e faz parte do conjunto de áreas verdes protegidas do bairro - e possui um grande banco, brinquedos infantis feitos em madeira, lixeiras e mesinhas de concreto com tabuleiros de damas. A praça é bem cuidada, pois foi adotada pelos moradores de ruas próximas,
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que criaram uma associação intitulada Clube da Pracinha. Existe uma rede de usuários que frequentam a praça, que se comunica através de um grupo no Facebook, onde marcam encontros, pedem indicações e anunciam ►► Usado por crianças: Sim. ►► Frequência de uso desse espaço: alta ►► Faixa etária das crianças que visitam com maior frequência: 0 a 5 anos ►► Origem do público mais frequente: Ruas próximas
serviços. Entre as ações feitas para melhoria da praça, foi realizada uma intervenção de um casal de moradores da rua Stella Hanriot, que espalhou pelo local placas com pedidos para os moradores recolherem o cocô de seus cães - segundo eles esse era um grande problema na praça antes, e teve notável melhora depois da intervenção. As crianças da vizinhança também tiveram participação no cuidado com a praça, e em um evento organizado por moradores pintaram o banco e o chão com seus nomes e carimbos de suas respectivas mãos. Também foi instalada na cerca um suporte de madeira para que os moradores pudessem deixar frutas para alimentar os saguis que vivem na mata protegida adjacente à praça. Essa prática se tornou um hábito entre as crianças da
Fotos da praça na Rua Stella Hanriot Acervo da autora
vizinhança, que levam frutas para os animais acompanhadas dos pais, especialmente nas manhãs de sábado ou domingo. Essa informação foi dada por uma menina de 5 anos moradora da Rua Silvio de Oliveira Martins, que durante uma breve abordagem na rua sobre áreas da vizinhança onde poderia avistar crianças me contou sobre esse costume, que foi comprovado durante as visitas. Embora adultos e crianças de todas as idades alimentem os saguis, a maioria das crianças que frequenta a praça, acompanhada de seus pais, possui até 5 anos.
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2) Praça Aroldo Tenuta ►► Usado por crianças: Sim,pouco.
Está localizada na esquina aguda da Avenida Mário Werneck com Rua Marco
►► Frequência de uso desse espaço:
crianças. Durante as três visitas à praça - duas feitas no período da manhã
média ►► Faixa etária das crianças que visitam com maior frequência: 0 a 5 anos ►► Origem do público mais frequente: Ruas próximas
Fotos da Praça Aroldo Tenuta Acervo da autora
Aurélio de Miranda. A praça possui um teatro de arena e dois balanços para e uma no período da tarde -, só foi registrada a presença de uma criança de três anos, acompanhada por sua babá, que em entrevista relatou que o menino morava na mesma rua, e que frequentava a praça ao menos uma vez por semana. Segundo ela, a frequência de crianças na praça é baixa. A maioria dos usuários são adultos que trabalham nas proximidades e usam a praça para descanso.
3) Parque Aggeo Pinho Sobrinho No parque Aggeo Pinho Sobrinho foi registrado maior concentração de cri►► Usado por crianças: Sim. ►► Frequência de uso desse espaço: alta ►► Faixa etária das crianças que
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visitam com maior frequência: 0 a 5 anos em dias úteis e de todas as idades aos fins de semana. ►► Origem do público mais frequente: Moradores de ruas pró ximas em dias úteis e Bairro Buritis e região aos fins de semana
anças durante as visitas ao bairro. Com portaria localizada na Av. Mário Werneck, foi inaugurado em 1996, por meio do Programa Parque Preservado. O parque tem a configuração de um vale e é em parte cercado por uma mata protegida, o que o dá ao local uma configuração fechada e com maior contato com a natureza. Abriga também três nascentes que formam o córrego Ponte Queimada, afluente do córrego Cercadinho, pertencente à bacia do Ribeirão Arrudas (PBH). Parte da área do parque onde estão localizadas as nascentes e vegetação mais densa tem seu acesso restrito, permitido apenas em visitas guiadas, e a área frontal do parque, onde estão localizados equipamentos de lazer é aberta ao público de 8:00 às 18:00. O parque possui equipamentos de ginástica para adultos, pista de cami nhada, playground para crianças e quadra poliesportiva, além de uma trilha ecológica. No parque foram realizadas entrevistas qualitativas com mães, babás, crianças e funcionários, além de observação do comportamento de responsáveis e crianças no parque durante as visitas. Segundo as mães entrevistadas, o parque é o espaço público de maior qua lidade para crianças disponível no bairro, por possuir uma área maior, mais
Vistas do Parque Acervo da autora
Parque Aggeo Pinho Sobrinho Foto de Ana Mourão
brinquedos e permitir contato com a natureza. A maioria das crianças que frequentam o parque durante dias úteis possui em média de 1 a 5 anos, e vão acompanhadas de seus pais ou babás. Segundo entrevistas com as mães e segurança do parque, são com eles que as crianças mais interagem durante as brincadeiras neste espaço. O córrego Ponte queimada é um grande atrativo para as crianças, que muitas vezes entram ou demonstram vontade de entrar e brincar, porém devido a poluição (não visível) de suas águas, as crianças que se aventuram são convidadas a sair do córrego pelos guardas municipais do parque. Também foi colocado um aviso - que não é suficiente para conter as crianças. Dentre as práticas não convencionais de apropriação do parque, está a comemoração de festas de aniversário, que se torna uma prática cada vez mais comum. A secretaria do Aggeo Pinho Sobrinho até mesmo promoveu a iniciativa de doar uma muda de árvore para cada aniversariante ajude a plantar no parque. Projetos para crianças: Foi inaugurado no parque uma mini-biblioteca, com o nome Bibliotequinha do Bê. O projeto foi iniciativa de Bernardo Mascarenhas, de 4 anos que teve a ideia de deixar seus livrinhos no passeio de casa para que outras crianças pudessem ler. Os pais sugeriram que isso fosse feito no parque, e buscaram parceria para realizar a ideia da criança, que foi inaugurada em maio de 2015. O projeto de Bernardo deu origem a outro projeto colaborativo, o Ponto do Livro, iniciativa do projeto Bom de Bola, Bom na Vida em parceria com a associação de moradores do bairro, que disponibiliza pontos de troca de livros entre os moradores. Duas vezes por semana, de 8:00 às 9:00 acontece no parque o projeto Bom de Bola, Bom na Vida - um projeto que alia atividades culturais à escolinha de futebol para crianças do Buritis, bairros vizinhos e creches conveniadas, organizada por um dos membros da associação de moradores, Carlos Vasconcelos. As crianças que frequentam o projeto tem idade entre 6 e 15 anos, a grande maioria meninos.
Bibliotequinha do Bê e Ponto do Livro Acervo da autora Logo do projeto Bom na Bola, Bom na Vida
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4) Pracinha na Moisés Kalil A Pracinha localizada no cruzamento das ruas Moisés Kalil com Avenida ►► Usado por crianças: muito pouco ►► Frequência de uso desse espaço: baixa
tam com maior frequência?
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a 5 anos ►► Origem do público mais frequente: Ruas próximas
porém se encontra em más condições de uso, com manutenção escassa da prefeitura, que tem de ser complementada pelos funcionários do posto de gasolina que se localiza em frente a ela. Tem potencial de atender os
►► Faixa etária das crianças que visi-
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Deputado Cristovam Chiaradia possui brinquedos em estrutura metálica,
moradores do Buritis II, como é chamada a parte com novos loteamentos no bairro Buritis. Embora seja contemplada com parquinho, os principais usuários da pracinha são os funcionários do posto. Segundo eles, não é muito comum a presença de crianças na praça. Vez ou outra aparecem para brincar - sempre acompanhadas de responsáveis - as crianças dos “condomínios” próximos das ruas Ístria Ferra e Almílcar Viana Martins, na realidade conjunto de casas que colocaram uma guarita na entrada das ruas de acesso. Mesmo após obter essa configuração de condomínio fechado, essas duas ruas não são ocupadas por crianças. Segundo os vigias das ruas, as crianças nunca são vistas sozinhas, aproveitando a rua muito raramente para andar de bicicleta acompanhadas dos pais.
Estado atual da pracinha na rua Moisés Kalil Acervo da autora
Conclusões da etapa: Esta etapa de trabalho foi fundamental para entender melhor o cotidiano das crianças do bairro, bem como se as mesmas fazem uso pleno dos espaços que lhes são oferecidos, e se estes são suficientes ou não para elas. Conclui-se que apesar de bem equipado, o parque não atende a demanda do bairro por espaços públicos voltados para crianças, e os moradores com crianças menores frequentam mais aqueles espaços que se encontram próximos a suas casas. Com exceção do parque, os espaços que se encontram com o mínimo de cuidado necessário contam com a ajuda dos moradores para ser mantido, uma vez que a manutenção da prefeitura quanto aos brinquedos e jardins não é tão frequente. Chama atenção também o alto potencial que esses espaços possuem para unir moradores vizinhos, como no caso do Clube da Pracinha na praça na Stella Hanriot e da ami zade criada pelas mães e crianças que frequentam o Parque Aggeo Pinho Sobrinho.
Em que outros espaços as crianças brincam? Uma vez que a quantidade de crianças no Buritis é alta e as crianças dependem de responsáveis para levá-las até os espaços públicos voltados para elas, foi importante compreender se há no bairro espaços privativos que também possam servir para o lazer infantil cotidiano e, se existentes, procurar saber como se configuram e com que frequência são utilizados pelas crianças dos condomínios. Esta etapa visa levantar as áreas de lazer disponíveis para crianças nos edifícios do bairro. A melhor maneira encontrada de colher esses dados em um bairro altamente verticalizado, devido aos muros altos da maioria dos edifícios, isolados da rua por vários andares de garagem, foi o levantamento por meio de imagens aéreas do Google Maps. No Buritis, essas imagens revelaram uma proporção assustadora de áreas de lazer por edifício. Ao se percorrer o bairro por cima, inúmeras quadras e piscinas são facilmente identificáveis, a maioria muito parecida umas com as outras, como se tivessem sido reproduzidas de um único modelo. Em alguns dos edifícios, pequenos playgrounds são dispostos em um canto da área de lazer como opção para crianças menores. Nas imagens, todas as áreas de lazer dos edifícios se encontram vazias. Através de entrevistas no parque Aggeo Pinho Sobrinho, essa impressão se confirmou quando as mães também revelaram que mesmo quando moradoras de prédios que possuem áreas de lazer, as crianças preferiam brincar no parque ou dentro do apartamento do que nas áreas comuns dos condomínios.
Imagens aéreas de edifícios residenciais do Buritis. Fonte: Google Maps 2014
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Conclusões da etapa: Ao se questionar em que outros lugares é permitido que as crianças brinquem e porquê, levantou-se uma série de outras questões, como se elas realmente utilizam esses espaços e se estão satisfeitas com eles. Uma das mães com quem conversei disse que os filhos reclamam constantemente da falta de amigos para brincar, sendo que em prédios vizinhos moram crianças que poderiam se tornar esses amigos. Por que não se conhecem,
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então? A individualização do espaço cria formalidades que vão além da barreira física do muro que separa essas crianças. A grande vantagem dos espaços públicos em relação às áreas de lazer de condomínios privados é justamente a ausência de barreiras de comunicação. Não digo aqui que essas áreas dos condomínios não devam ser utilizadas pelas crianças residentes e sim que poderiam ser mais proveitosas se o grupo infantil que as utiliza não se limitasse às crianças de um só edifício. O meio mais simples de realizar esse intercâmbio de informações seria quebrar a barreira cultural que impede um primeiro contato entre essas crianças, de forma que se conheçam e possam estender sua teia de amizades a edifícios vizinhos, e consequentemente de espaços de lazer que frequentam. Esse incentivo de comunicação entre as crianças, ainda menos afetadas pela cultura individualista predominante na classe média e elite atual, somado à curiosidade na tural de crianças em conhecer novos espaços e amizades, seria um pontapé inicial para a mudança nos parâmetros do lazer privado que vemos hoje.
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Diagrama com Imagens aéreas de edifícios residenciais do Buritis. Fonte: Google Maps 2014
Possibilidade de interação entre crianças de edifícios diferentes é um passo no cami nho por maior diversidade no círculo social infantil em bairros como o Buritis
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Levantamento da rede de espaços públicos do bairro Esta fase tem como finalidade o mapeamento do conjunto de espaços públicos do bairro Buritis, a fim de entender se há necessidade de implantação de mais áreas públicas de lazer no bairro, onde poderiam ser inseridas e quais espaços já disponíveis no bairro poderiam ser utilizados para ampliar
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essa rede. Independente de serem ou não espaços planejados e dotados de mobiliário urbano, busquei levantar áreas públicas que ofereçam potencial de apropriação, visando prioritariamente o público infantil. Inicialmente identificadas por meio de levantamento de imagens aéreas do Google Earth e levantamento aerofotogramétrico, as áreas foram analisadas em conjunto com mapas de parcelamento do solo no Buritis. Em seguida, foram mapeadas e classificadas em : praças, parques, áreas verdes protegidas e passagens gramadas.
LEGENDA: Limite do bairro Passagens gramadas Praças Parque
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Áreas verdes protegidas
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Mapa da rede de espaços públicos do Buritis x quantidade de crianças por setores Fonte: IBGE Censo 2010.
LEGENDA: Limite do bairro
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Durante essa etapa, foram identificadas treze passagens gramadas dentro dos limites do bairro, geradas no processo de parcelamento da região de
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acordo com o projeto de urbanização do bairro Buritis assinado em 1979. Algumas delas constam como ruas - possuem até placas de sinalização com seus respectivos nomes na esquina - e outras indicadas nas plantas de ur-
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banização como área verdes de proteção de talvegues, embora não sejam mais classificadas como áreas protegidas pela prefeitura. A maioria desses espaços se localiza em setores do bairro com maior número de criança, segundo o Censo 2010 IBGE. Essa repetição de vazios urbanos em meio ao caos construtivo de um bairro que tem sua área explorada ao máximo é uma peculiaridade que pôde ser explorada no decorrer do processo.
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LEGENDA: Limite do bairro Passagens gramadas
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LEGENDA: Limite do bairro Espaços públicos visitados com grande potencial de apropriação por crianças
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LEGENDA:
Limite do bairro Olhos D’água Espaços públicos visitados com grande potencial de apropriação por crianças
Após o mapeamento, visitei os espaços públicos do bairro que possuíam maior potencial para apropriação infantil. Essa escolha foi feita visando parâmetros de segurança infantil diante das condições atuais do terreno - limpeza, existência de depósitos de lixo, declividade muito acentuada sem proteção e distância de vias de tráfego intenso - uma vez que, além da análise da rede de espaços públicos como um todo, eu buscava locais que pudessem ser visitados e experimentados em atividades com as crianças do bairro, a fim de que tivessem ideias de usos possíveis para esses espaços. Durante as visitas entrevistei os moradores e trabalhadores em seu entorno para registrar o nível de relação social entre moradores e a forma como lidam com a existência desses espaços próximos - se já os notaram, se veem neles algum potencial, e se já houve algum desejo de ocupá-los, reocupálos ou modificá-los.
1 ) Rua Doadora Eliane Stanciolli Características: Rua sem saída e com uma passagem gramada que a liga à Rua Alessandra Salum Cadar, que faz fronteira com o parque Aggeo Pinho Sobrinho. Essa
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configuração da rua dava a ela o potencial de possibilitar menor tráfego de carros, tornando mais fácil o entrosamento entre os moradores e a possibilidade de brincadeiras nas ruas.
Impressões coletadas na visita A rua já contava com maior presença de crianças brincando quando comparada às outras ruas do bairro e já havia uma rede de comunicação bem estabelecida entre vizinhos dos prédios. A pracinha da rua foi construída pela prefeitura por iniciativa dos moradores. Segundo eles, antes não havia nada no lugar da pracinha, apenas terra e uma grande árvore, que caiu com uma chuva. O trecho que liga a rua à R. Alessandra Salum Cadar também era coberto apenas por terra, o que dificultava a passagem dos moradores. Como o outro percurso até a Av. Mario Werneck é mais longo, os moradores desciam como podiam no barranco de terra, se segurando nas paredes para não caírem. O pontapé inicial para que a praça fosse construída foi de um ex-morador, Claudio Morais, que uniu os outros moradores e conseguiu uma lista de e-mails a favor da obra. Os outros moradores ajudaram a pressionar a prefeitura a iniciar a construção, ligando e cobrando do poder público, até que fosse finalmente construída.
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No primeiro ano, uma oficina ao fim da rua adotou a praça, ajudando a mantê-la. Depois desse período, a prefeitura passava longos intervalos sem dar manutenção da praça, e os moradores se revezam para ligar cobrando a manutenção dos jardins. Quando isso demora muito a ocorrer, os moradores então fazem uma vaquinha para pagar um jardineiro. O zelador do prédio ao lado da praça também era pago por eles para varrer, regar e limpar fezes de cachorro.
Conclusão
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A apropriação do espaço público para lazer infantil já está consolidado de forma espontânea nessa rua. Visto isso, um experimento com as crianças não seria tão proveitoso neste ambiente que já é rico. Estas relações de vizinhança porém podem ser de grande valor se investigadas como um e xemplo. É que trataremos mais adiante neste trabalho.
2) Pracinha na Rua Ernane Agrícola grícola ane A R. Ern
Potencial A pracinha foi construída ainda em 2014, porém havia muitos relatos - segundo a Associação de Moradores e os jornais do bairro - de problemas dos moradores em relação ao espaço, como usuários de drogas e lixo. O trabalho com crianças nessa rua seria interessante para estudar se com melhorias pensadas para crianças esse espaço poderia ser transformado de alguma forma.
Informações coletadas na visita A praça foi construída no lugar de uma mata protegida, que incomodava os moradores por conta de bichos e falta de segurança. Parte da obra foi então realizada por uma das grandes construtoras atuantes no bairro, que limpou o local e cedeu as mudas e pavimentação como obra compensatória. A prefeitura se encarregou da iluminação e mobiliário da praça - bancos e mesinhas. O fluxo de crianças já foi maior, porém agora se encontra reduzido pela quantidade de lixo e fezes de cachorro deixados pelos usuários da praça. Os atrativos também são poucos: não há equipamentos para crianças nem sombra de árvores, embora a praça seja cercada por uma área verde.
3) Rua Professor Miguel de Souza Potencial A rua não tem saída, e possui três trechos públicos gramados, o que dava ao lugar um grande potencial para brincadeiras infantis. uza So de l e igu .M rof P R.
Informações coletadas na visita: Entrevistei primeiro o vigia da rua, contratado pelos moradores. Ele relatou que vê algumas poucas crianças brincando aos fins de semana no fim da rua, porém durante a semana só as vê na rua indo pegar o ônibus para a escola. A guarita do vigia fica em frente a uma rua gramada muito íngreme que a liga a Av. Protásio de Oliveira e em frente a ela se encontra outro trecho gramado que possui uma parte plana, porém a outra metade da rua é extremamente íngreme, o que levou os moradores a colocarem uma cerca de proteção. O trecho gramado ao fim da rua, que a conecta com a Rua Alessandra Salum Cadar, também possui uma área mais plana, com jardim mantido pelo prédio ao lado. O gramado se encontra bem cuidado, e possui algumas árvores ainda pequenas. Na frente da área, porém, foi plantada uma faixa arbustiva com intuito de fechar o acesso à área. Conversei então com o síndico do prédio, que me contou que vê crianças brincando, mas não é muito frequente. Sobre a área gramada ao lado, ele disse que o prédio cuida e que eles cercaram para impedir o acesso pela rua de baixo por ladrões. Segundo ele, a prefeitura já se propôs a limpar o terreno, construir uma escada que ligasse as duas ruas e colocar uma academia à céu aberto na área, mas a maioria dos moradores da rua negou a proposta, pois temem que a ligação com a rua Alessandra Salum Cadar possa afetar a segurança da rua e se tornar uma ‘’rota de fuga’’ para possíveis ladrões. Já a academia foi negada por poder se tornar um ponto atrativo para brincadeiras de crianças de classes sociais mais baixas que vão à rua pedir comida. Embora este espaço possua diversas vantagens geográficas para a apropriação infantil da rua, isso não ocorre devido a questões sociais pautadas em insegurança e segregação social.
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Passagem gramada que liga a Rua Prof. Miguel de Souza à Rua Alessandra Salum Cadar, fechada propositalmente com vegetação arbustiva e cerca aos fundos.
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[ A microterritorialização do espaço público ] A relação de alguns moradores com espaços públicos próximos a suas residências, notada durante as visitas a essas duas últimas áreas, é um tema que merece ser tratado à parte. Na Rua Ernane Agrícola alguns moradores reclamam do público jovem que usa a praça e da forma como a utilizam para encontros e festas, chegando a comentar que se possível implantariam na praça o mesmo sistema de controle do parque, com grades e fechamento às 18:00. Na rua Professor Miguel de Souza, como acabamos de comentar, ocorreu o cercamento de uma das vias gramadas para impedir a passagem de possíveis ladrões, porém essa intervenção acaba impossibilitando um acesso mais simples à rua de outros moradores e visitantes, trocando-se a liberdade por segurança. Esses dois exemplos mostram uma relação de apropriação do espaço público que tange uma sensação de privatização dessas áreas. Os moradores apreciam, cuidam e utilizam a área comum, porém impõem regras para os demais usuários sobre como aquele espaço deve ser utilizado. Outro exemplo desse processo de territorialização em uma escala maior são os “condomínios” de casas do bairro, já citados anteriormente no qual se impõe a vias públicas características de um espaço privado. Marcelo Lopes fala sobre tipologias semelhantes a esse caso, as quais ele chama de “pseudocondomínios”, em que a única razão dessa associação de moradores é a segurança.
4) Avenida Protásio de Oliveira Penna Potencial Pouco fluxo de carros e recente instalação de uma academia a céu aberto.
Informações coletadas na visita io tás Pro . v A
A Avenida Protásio de Oliveira Pena é paralela à Miguel de Souza. Durante a visita, encontrei duas crianças brincando com o pai nos equipamentos da academia a céu aberto. A avenida também é muito utilizada para a prática de caminhadas, porém apesar do pouco movimento de automóveis, não são vistas crianças brincando nesse espaço.
Conclusão As ruas gramadas que cortam a Av. Protásio possuem declividade muito acentuada, portanto o espaço com maior potencial de ocupação nessa área do bairro são os canteiros centrais, considerados áreas verdes prote-
gidas pela prefeitura.
5) Rua Sílvio de Oliveira Martins Potencial A Rua Célio de Carvalho, uma das passagens gramadas que ligam a Rua Cônins ira Mart de Olive R. Silvio
sul Walter à Rua de Silvio de Oliveira Martins se encontra em um bom estado de manutenção se comparada as outras vias gramadas do bairro. A rua também possui outra passagem do tipo, que a liga à rua Clementino Viana Dotti, porém esta possui uma declividade mais acentuada e se encontra coberta de mato.
l Walter R. Cônsu
Informações coletadas na visita A manutenção da rua gramada Célio de Carvalho é dada por um dos prédios vizinhos do terreno. Os moradores entrevistados demonstraram um inte resse maior em uma ocupação dessa área. Os vínculos sociais são escassos entre moradores de prédios distintos da rua Silvio de Oliveira Martins, embora alguns deles conheçam o grupo Clube da Pracinha, na rua Stella Hanriot.
Conclusão A recepção da ideia de ter a rua Célio de Carvalho ocupada por crianças foi muito melhor recebida pelos moradores entrevistados em comparação com os outros trechos visitados. Em uma das visitas à Pracinha da Rua Stella Hanriot, inclusive, um dos moradores indicou a área como local de intervenção. Por esta receptividade dos moradores da rua aliada ao bom estado de consevação deste espaço e declividade menos acentuada no terreno, escolhi a Rua Sílvio de Oliveira como a área subutilizada a ser trabalhada com as crianças do bairro.
Espaço público escolhido para as atividades com as crianças: Passagem gramada (R. Célio de Carvalho) que liga a Rua Silvio de Oliveira Martins à R. Cônsul Walter
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[3]
Parceria com instituição do bairro Nesta etapa, busquei me relacionar com algum tipo de instituição do bairro, fosse ela uma escola, creche, associação de moradores, entre outros, como forma de me vincular a um grupo de crianças com quem pudesse trabalhar.
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A escolha da Associação de Moradores do Buritis ocorreu neste caso pelo fato de a associação vir atuando de forma intensa para a melhoria do bairro. A preferência por esta associação em vez de uma instituição de ensino do bairro, por exemplo, evitaria que as crianças associassem essas práticas ao ensino escolar, e me permitiria mais liberdade para realizar as atividades com crianças de uma forma mais autoral e autônoma. No caso do Bairro Buritis, a parceria com a Associação de Moradores foi significativa para passar mais confiança para os pais das crianças e fundamental para o conhecimento de oportunidades de expor e divulgar o projeto, assim como a possibilidade de atuação com crianças de um dos projetos de parceiros da Associação, o Bom na Bola, Bom na Vida. A ideia foi desde o início bem recebida e incentivada, e todo o apoio necessário foi dado.
[4]
Mapeando o brincar nas ruas do bairro Esta etapa consta de uma sondagem seguida de mapeamento das áreas do Bairro Buritis em que há ocupação por crianças em espaços não planejados com esse fim específico. Muitos moradores com quem conversei durante esse trabalho desconheciam ou consideravam impossível a existência de crianças brincando nas ruas do bairro e, confesso, eu também estava desesperançosa que isso acontecesse em um bairro tão verticalizado como o Buritis. Entretanto, um conhecimento mais profundo do bairro durante as etapas anteriores me permitiu provar o contrário. Por mais que a presença de crianças ocupando o espaço público seja escassa ou mesmo nula na maior parte de uma região, não se deve generalizar esse fato sem antes procurar indícios de que isto não ocorra como particularidades. Em alguns casos, essas particularidades podem ser uma peça fundamental ao se entender as crianças do bairro e explorar tipos de ambientes que são mais favoráveis a elas.
LEGENDA: Limite do bairro Ocorrência de brincadeiras infantis nas ruas/espaços não planejados
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1) Brincadeiras livres na Rua Doadora Eliane Stanciolli O início dessa etapa ocorreu durante primeira visita à Rua Doadora Eliane Stanciolli. Durante as entrevistas com moradores, não só a presença de brincadeiras infantis na rua foi relatada, como também a ocorrência de festinhas organizadas entre os moradores na rua.
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Entrei em contato com Neila, apontada pelos moradores da rua como a principal organizadora desses encontros, a fim de marcar uma entre vista mais detalhada sobre o cotidiano daquela via. Como um novo encontro entre moradores já havia sido agendado em comemoração ao dia das mães, foi me feito o convite para que as entrevistas fossem feitas na própria rua, assim eu poderia vivenciar a atmosfera local. A rua Doadora Eliane Stanciolli, como descrita pelos próprios moradores, “tem cara de cidade de interior bem no meio do Buritis”. Durante o encontro no qual a entrevista coletiva foi feita, o grupo de moradoras foi aos poucos chegando e trazendo lanches com seus filhos. Se encontravam com abraços e sorrisos, perguntando por parentes e por vizinhos que ainda não haviam chegado. Os moradores, possuem um grupo no Whatsapp no qual conversam e marcam os encontros na pracinha ao fim da rua. Essa forte relação entre moradores começou a ser formada aos poucos, quando ainda não havia a praça ao fim da rua. Algumas mães levavam as crianças para brincar no espaço de terra que antes havia ali, estendiam toalha no chão e começaram a se conhecer. Com a iniciativa de cons trução da praça, os encontros continuaram e o número de participantes e união entre os moradores só aumentou. Mesmo moradoras de outras ruas que passeiam por ali com cachorros passaram a conhecer o grupo e frequentar as confraternizações. Segundo eles, o fato de a rua não ter saída a torna mais acolhedora, porém é a união e iniciativa entre moradores que faz a maior diferença. Outro fator que ajudou a impulsionar o convívio entre moradores foi o fato de nenhum dos prédios da rua possuir área de lazer. Entre as ações organizadas por moradores para as crianças, estão a pintura da rua durante a Copa do Mundo de 2014, em que um dos moradores traçou os desenhos temáticos e as crianças pintaram o asfalto. Em outro evento, os moradores contrataram cama-elástica e brinquedos infláveis e fizeram uma festa com a rua fechada. Durante a confraternização de moradores, foram entrevistadas três crianças que residem nos edifícios da rua e brincavam e conversavam durante o evento. Maria, de 10 anos, Júlia de 11 anos e Pedro de 8 anos. Na Rua Doadora Eliane Stanciolli, brincar na rua tornou-se um hábito das crianças. As maiores, acima de 9 anos de idade descem sem a companhia dos pais, que ficam olhando pelas janelas ou sacadas. Brincam soltas na rua, alertadas apenas quando algum carro aparece. As crianças se conheceram na rua e possuem uma relação de amizade com encontros frequentes, mantida há anos por algumas delas.
As três crianças entrevistadas disseram preferir quando o prédio ao lado da passagem ainda não havia sido construído. Segundo elas, a diversão era maior antes da obra por poderem intervir no muro do lote vago com pinturas e utilizando-o em suas brincadeiras. Após a construção do prédio e a escada na passagem de pedestres que liga a Rua Eliane Stanciolli à Rua Alessandra Salum Cadar, as crianças ainda brincavam de escorregar em papelão nesse trecho gramado, porém para evitar tais brincadeiras foram plantadas árvores e espécies com espinhos para que não escorregassem mais, o que revela aqui uma contenção das brincadeiras infantis por parte de adultos. “Quando a mãe de um dizia que ia buscar água no supermercado [situado na R. Alessandra Salum Cadar], todas as crianças queriam ir junto. Então a gente ia e ficava escolhendo papelão pra brincar de escorregar. Desciam uma, duas, até três crianças juntas em cada papelão. Tinha a Rampa da Morte, a mais difícil, e a Rampa da Felicidade, que era a menos inclinada, para as crianças menores.” Esse relato dado por Maria, de 10 anos, descreve o alto nível de entrosamento entre as crianças da rua e a identificação com um espaço público sem nenhum tipo de equipamento, transformado pelo imaginário infantil em elementos de brincadeiras compartilhadas, e um espaço disponível negociado entre crianças de diferentes idades, que hoje fazem parte da memória do lugar. “Aqui na rua já teve várias modinhas: bicicleta, quando todo mundo descia pra andar junto e a gente fazia sinais de trânsito; chup-chup, quando nossas mães faziam e desciam com sabores diferentes; brincadeiras com giz; Elemental; e outros mais.” As crianças também contaram ter criado um jogo, chamado Elemental Ball, semelhante ao handball mas misturado com histórias de fantasia e mitologia, em que fingiam ser filhos de deuses, onde cada banco da praça era a casa de um deus. Aqui pode-se notar a brincadeira em um espaço com equipamentos, porém usados de forma não convencional, completamente resignificados pelas crianças durante as brincadeiras.
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Driblando os carros As brincadeiras das crianças foram prejudicadas pela presença de vans de transporte escolar que começaram a ser estacionadas ali, além de carros de clientes do supermercado próximo, cada vez mais frequentes. Segundo as crianças, as vans ajudam quando brincam de pique esconde, porém atrapalham a vista dos pais e prejudicam todas as outras brincadeiras, sendo muito mais desfavoráveis para as crianças do que proveitosas.
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As crianças contaram que quando avistavam uma van iam brincar justamente nas vagas de estacionamento em que não queriam que o veículo parasse. Assim a van ou carro era obrigado a estacionar em outro lugar. Os adultos também utilizam técnicas para evitar que veículos automotores prejudiquem o lazer na praça. Os próprios moradores possuem cones, que colocam nas vagas de estacionamento para “não bloquear a vista da rua”. Em dias de festas entre os moradores, os cones são colocados no meio da rua para impedir a entrada e estacionamento de automóveis. Quando questionados se gostariam de mudar alguma coisa na rua, os adultos disseram que gostariam de mesinhas de concreto na pracinha, e talvez alguns brinquedos para as crianças. A resposta das crianças porém, foi di Métodos de adultos e crianças da R. Doadora Eliane Stanciolli para que os carros da ru a não prejudiquem o lazer no espaço público.
ferente: “Acho que só tirar os carros que estacionam aqui. “ Ao responder se gostariam que fosse construído ou adicionado mais alguma coisa na rua, disseram que não precisaria de mais nada. Gostam exa tamente como é. Essa resposta mostra que quando as crianças tem mais liberdade e companhia para brincar, não são tão necessário brinquedos ou equipamentos, uma vez que o imaginário e sociabilização infantil já é capaz de criá-los. O que se mostra realmente necessário, neste estudo de caso, são condições para que este espaço livre de brincadeiras seja conservado como um local seguro e livre de veículos.
2) Avenida Engenheiro Carlos Goulart Cheguei até esta avenida por indicação de moradores do bairro, que disseram haver crianças brincando aos fins de semana. A Av. Carlos Goulart ainda se encontra em processo de ocupação de seus lotes, e possui em sua maioria casas de alto padrão construtivo. Em entrevista com uma criança de 8 anos e com o vigia da rua, descobri que as crianças das casas da vizinhança costumam brincar na avenida nas manhãs de sábado. As crianças maiores, de 12 a 13 anos saem sozinhas para se encontrar, porém as menores só saem na companhia de adultos responsáveis. As brincadeiras praticadas na rua são bicicleta e skate. As crianças de aglomerados vizinhos ao bairro que Casas da Av. Engenheiro Carlos Goulard Acervo da autora
brincam no córrego também visitam essa rua para pegar bambu em terrenos baldios para fazer papagaio, porém não há nenhuma interação com
as crianças moradoras da rua, que descrevem o outro grupo de crianças como “os meninos que vem de outro bairro querendo criar confusão”.
3) O córrego do Cercadinho Crianças de aglomerados próximos ao Buritis vem brincar em trechos abertos do Córrego do Cercadinho. Pulando a grade que cerca o espaço, as crianças de diferentes idades costumam se reunir no córrego na parte da manhã de dias mais quentes. Segundo funcionários da Copasa, as águas do córregos são limpas, porém quando chove na área de nascente o volume de água se intensifica muito de forma repentina, causando risco de afogamento. Foi dessa forma que morreram duas crianças de aglomerados vizinhos que brincavam no córrego, encontradas mortas em um trecho canalizado. Mesmo após as mortes, as crianças não pararam de frequentar o córrego. Não há impedimento de que brinquem nas áreas públicas em que o córrego passa, porém já houve intervenção policial quando invadem o clube da Co-
Crianças brincando no Córrego. Foto por Mirelli Medeiros, 2015
Trechos do Córrego do Cercadinho dentro e fora do Clube da Copasa - Acervo da autora
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pasa para nadar no trecho do Córrego do Cercadinho localizado dentro da área privada.
4) Avenida Senador Lima Guimarães Embora não tenha muitas edificações construídas, a Avenida Senador Lima Guimarães se tornou local de lazer para crianças vindas de todo o bairro nas manhãs de domingo, quando tem uma das pistas interditada para a realização do projeto No Domingo a Rua é Nossa. O objetivo do projeto, que
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ocorre em vários bairros da capital, é oferecer o espaço da via urbana para promover maior integração e lazer para a comunidade. Como a rua é plana e sem saída, as crianças de várias partes do bairro visitam o espaço com seus pais para andar de bicicleta, patins e patinete. Assim como ocorre na Rua D. Eliane Stanciolli, a presença de vans de transporte escolar está se tornando um empecilho para o lazer dos moradores que frequentam o local em dias úteis, uma vez que os motoristas utilizam os terrenos da rua como banheiro e depósito de lixo.
Mapa das alterações de trânsito na Avenida.BHTRANS – www.bhtrans.pbh.gov.br.
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Trabalhando em conjunto com as crianças do Buritis: Explorando a capacidade de participação e reconhecimento do bairro Após extenso processo de pesquisa sobre o cotidiano das crianças do Buritis e o levantamento de espaços do bairro que poderiam ser transformados com a participação de crianças, a penúltima etapa deste trabalho trata-se de um processo colaborativo, no qual o papel do arquiteto, que atuou até a etapa anterior em um levantamento de demandas e potenciais, agora atua como agente facilitador da autonomia infantil buscando, por meio de uma série de diálogos e proposições, fazer com que a criança seja capaz de projetar soluções para suas próprias demandas, em uma tentativa de reverter o processo tradicional do mercado arquitetônico, onde o arquiteto seria o único agente capaz de solucioná-las. Para isso foi elaborado um roteiro de atividades a serem experimentadas com grupos de crianças do bairro, com o cuidado de adequar cada questionamento que pretendia levantar entre as crianças com um método de abordagem diferente, a fim de manter o interesse e envolvimento dos pequenos durante as atividades. Durante a prática das mesmas, como será narrado na descrição dos expe rimentos, nem todas as atividades foram executadas na ordem ou maneira planejada. Isso ocorreu por uma série de motivos, como tempo disponível, insegurança dos pais em um deslocamento do grupo de crianças pelo bairro. Essas abordagens foram então adaptadas de forma com que o questio namento pretendido fosse preservado.
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Roteiro de Atividades
[Re]conhecendo o bairro
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►► O que vocês conhecem do bairro em que moram?
Questionamento
Que espaço é esse? ►► O que vocês acham da área de intervenção?
►► Onde costumam brincar?
►► Por que acham que ela existe?
►► O que vocês sentem vontade de
►► Já repararam nela antes?
mudar? ►► Quais cantinhos gostariam de ocupar? Ex. Lotes vagos, obras,
►► O que vocês gostam neste espaço? (potenciais) Ex. Vista, árvore, grama, perto de casa, etc.
ruas gramadas, Postes, Etc.
Proposta de atividade
►► Roda de conversa ►► Observação do entorno ►► Desenho do bairro
Forma de representação
Mapa Mental
►► Análise sensorial do espaço a ser trabalhado ►► Roda de conversa
Fichas com potenciais
►► Observação
Materiais
►► folha de papel
►► Papel
►► canetinhas
►► Canetinha
►► lembranças do dia-a-dia
►► Fita crepe
Poderia ser diferente?
Trocando ideias e construindo juntos
Exposição das ideias
►► O que vocês gostariam que
►► O que podemos aproveitar da
►► Como devemos mostrar nossas
existisse aqui? ►► Como vocês gostariam de usar esse espaço?
ideia de cada um? ►► Construir ou representar juntos o projeto
ideias para o resto do bairro? Obs: Sempre mostrar as atividades como de grande importância para o bairro, mostrando-as como parte do
►► Como fazer isso possível?
planejamento de um todo.
OBS: Se possível, experimentar as respostas
►► Diálogo ►► Tempestade de ideias ►► Individual/grupos menores Livre
►► fichas de papel
►► Exposição em local e formato de-
►► Roda de conversa - cada um
cidido entre as crianças
apresenta sua ideia e os ou tros opinam ►► Ação em grupo Maquete, colagem, desenho, etc.
►► Produtos da etapa anterior
►► palitos de churrasco, caixinhas,
►► Livre
►► canetinhas
cola,
►► fita crepe
pel com texturas, balões, bolinhas
►► revistas ►► tesoura,cola ►► massinha
tesouras,
garrafa
pet,
massinha, fita crepe, papelão, pade ping pong, caixinhas de remédio, arame, jornal, papel celofane, etc.
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Atividades em parceria com o projeto Bom na Bola, Bom na Vida Primeiro contato Realizei a primeira série de atividades com crianças do bairro em parceria com o projeto Bom na Bola, Bom na Vida, no Parque Aggeo Pinho Sobrin-
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ho, como forma de aprimorar a metodologia a ser usada com as crianças e registrar a proposta para incentivar mais mães do bairro a deixar seus filhos participarem das atividades de ocupação de espaços públicos subutilizados do mesmo, que ocorreriam mais tarde. No dia 15/04/15 ocorreu o primeiro contato com o grupo de crianças que participa do projeto - composto por doze meninos e uma menina, entre 7 e 15 anos - ao qual procurei apresentar a proposta de uma forma que despertasse nelas curiosidade, mostrando uma foto da rua gramada na Rua Silvio de Oliveira Martins - o local escolhido para ser trabalhado - e perguntando a elas se conheciam o local da foto e qual era sua finalidade. Algumas crianças se surpreenderam com a existência de uma rua cheia de grama, e um deles reconheceu a rua após minha explicação. Expliquei que a proposta do projeto era ajudá-los a soltar a imaginação para sugerirmos juntos um uso para aquele espaço, com atividades como desenhos e maquetes para representar as ideias que surgissem. A ideia que surgiu imadiatamente entre as crianças foi a sugestão de um campinho. Disse a eles que não precisava ser relacionado com o projeto Bom na Bola, Bom na Vida, que também poderia ser algo totalmente dife rente do futebol. Mesmo assim, todos gostaram da ideia do campinho e já começaram a discutir entre si a possibilidade de construir uma sede para o projeto, já imaginando até a placa que colocariam na entrada. Ao todo seis dessas crianças disseram que topariam participar das atividades a serem realizadas em um próximo encontro. Uma delas se mostrou especialmente empolgada em fazer maquetes. Algumas disseram não gos tar de trabalhos manuais e os mais velhos - maiores de 12 anos - não se mostraram muito interessados. Após esse primeiro contato com as crianças do projeto, percebi que teria problemas ao lidar com a autorização dos pais ao tentar levá-las do Parque Aggeo Pinho Sobrinho até o local a ser trabahado, na Rua Silvio de Oliveira Martins. Optei por continuar trabalhando com esse grupo apenas no parque, mostrando mais fotos e conversando sobre o que gostariam de melhorar no bairro em geral, e sódepois marcar um evento independente
do projeto já em uma das áreas públicas subutilizadas do bairro, de forma que os próprios pais levassem as crianças diretamente ao local. As crianças do projeto Bom na Bola, Bom na Vida também foram convidadas para esses eventos, porém não compareceram.
Primeiro dia de atividades Na semana seguinte (22/04/2015), retornei ao parque para a primeira sequência de atividades com essas crianças. A primeira abordagem utilizada foi a confecção de mapas mentais do bairro, em que pedi para representarem o bairro Buritis em um desenho. A resposta das crianças foi: “ué, mas aí só vai ter prédio no meu desenho!” . Em uma conversa que se seguiu, disseram que bairro é muito cheio de prédios e carros, então só se lembravam disso. Os desenhos, de fato, ficaram bem parecidos [ver todos os desenhos na seção Primeira Atividade com as crianças do Bom na Bola Bom na Vida, em anexo]. Entre os que se diferenciaram, havia o desenho do Shopping Paragem, centro de compras do bairro. Após a discussão sobre a imagem do bairro, dei início a um debate sobre possíveis formas de aproveitar o espaço subutilizado na Rua Silvio de Oliveira Martins. Um diálogo curioso surgiu nesse encontro com a ideia de uma das crianças: -Vamos fazer voltar a ser rua, ué! Não era rua antes? Vamos asfaltar e fazer passar carros. -Você é doido? Não tá vendo o tanto de carro que já tem nesse bairro? A gente vai fazer mais uma rua pra passar carro? Uma das perguntas feitas pelas crianças que mais me surpreendeu nesse encontro foi se eu já tinha autorização da prefeitura para construir naquela área - um pensamento um tanto burocrático para uma criança. Expliquei que primeiro teríamos as ideias para incentivar a participação dos moradores, que poderiam construí-las por conta própria ou, se necessário, poderiam futuramente ser levadas às autoridades. Durante a tempestade de ideias, as crianças já quiseram trabalhar com a maquete de papelão que havia levado, e moldaram com massinha suas ideias iniciais. As sugestões de uso nesta atividade foram bastante convencionais, mesmo que avisadas que poderiam sugerir qualquer forma de brincadeiras. As crianças sugeriram patinete, loja de balas, horta, carrinho de sorvete, campinho de futebol, casinha na árvore.
Campinho Carrinho de picolé Casinha na árvore Horta Patinete Piscina (inserida por uma mãe)
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Segundo dia de atividades Na quarta-feira seguinte (29/04), retornei ao parque do bairro Aggeo Pinho Sobrinho para continuar as atividades com as crianças do projeto. Decidi desta vez levar algumas referências para as crianças entenderem melhor a imensa cartela de possibilidades que poderiam sugerir, a fim de que buscassem soluções além do que já é comum. Dividi as referências em:
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►► Projetos feitos por crianças: Aqui, o objetivo era mostrar que o que estávamos fazendo não era uma utopia - era real, e que já foi possível com outros grupos de crianças, para perceberem o que é possível ser construído e projetado pelas mãos infantis - desfazer a sensação de incapacidade que percebi durante a primeira atividade. Kolle 37 Adventure Playground Foto por Kristen Murray
►► Cidades feitas para crianças Essa categoria de referências tinha o intuito de mostrar que existem cidades que podem ser planejadas colocando o brincar como prioridade, seja por meio de obras do poder público ou por intervenções de cidadãos. ►► Outras possibilidades de diversão: Esta última categoria foi uma resposta às propostas apresenta-
Trampolins na calçada em Copenhagen, Dinamarca. Foto por kluke, via panoramio
das pelas crianças na primeira experiência, na qual tiveram dificuldade de desvincular o projeto do espaço público da escola de futebol do Bom de Bola, Bom na Vida. Apresentadas para cada grupo - escolhido pelas crianças por ordem de chegada e afinidade - as referências impressionaram os meninos, que acharam muito interessante ver outras crianças fazendo projetos. Por um momento foi demonstrado um início de espanto e competitividade: “eles já estão construindo?"- dito com surpresa por um deles ao ver as fotos de projetos feitos por crianças que mostrei, como se houvesse grupos de fora concorrentes nesse mesmo projeto. As crianças foram divididas em grupos como forma de facilitar o diálogo e acordo entre elas, e reduzir a imposição de uma criança sobre as outras, o que ocorreu na primeira atividade.
Fonte: www.campinglivez.com
►► EQUIPE 1 - “Os Arquitetos Futebolísticos” Formado por Arthur (10 anos), Felipe(9 anos), Kayky(11 anos),e Rafael(11 anos) - “Isso é casa de pobre?” Quando mostrei ao primeiro grupo de crianças a foto de uma cabana feita por outras crianças, eles não perceberam como aquele abrigo pudesse ser ocupado por elas no dia-a-dia. Expliquei que era uma casinha construída por crianças, e responderam dizendo que aquela casinha só serviria em caso de necessidades extremas, como uma solução para uma situação de emergência, e não parte de uma brincadeira. Desenhado em pouco tempo por Kayky e aprovado pelos outros meninos do primeiro grupo formado, o projeto principal seria uma casinha que poderia ser usada como sede de um clubinho para o Bom de Bola, Bom na Vida. A principal finalidade da casa seria um local com TV para assistirem aos jogos de futebol televisionados. Cogitaram a possibilidade de a TV ser roubada, logo a casinha teria que ter porta. Lembrei que era um projeto para todas as crianças do bairro, então optaram por deixar uma das paredes abertas, em que a porta seria apenas um cortina, e combinaram que levariam a TV em dias de jogos. O curioso aqui é o desejo de construção de um espaço para atividades semelhantes as que já fazem em um espaço privado. Esse desejo é claro nas frases seguintes, dita por Rafael, de 10 anos, ao colocar uma antena na casinha: - “Nossa casinha é tão chique que tem até SKY [TV fechada]! - A gente pode vender doces e ganhar dinheiro para comprar TV maior!
Heliporto para helicópteros de brinquedo Clubinho Banco e mangueira Cama elástica Escorregador Escalada Escada
Alguns diálogos revelaram mais uma vez uma carência de algumas crianças desse grupo em relação ao brincar com o corpo e com a imaginação: - Vamos colocar uma mangueira!
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Achei interessante a ideia da mangueira, imaginando que sugerisse brincadeiras com água para as crianças. Quando questionados sobre como usa riam a mangueira: - Para lavar a casinha, ué! [Quando discutiam sobre como aproveitar a parte acidentada do terreno] - “Escorregador não! Você escorrega e sai com a bunda toda suja..imagina só chegar em casa com a bunda toda suja”
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- “Mas que que tem chegar em casa com a bunda suja?” ►► EQUIPE 2 - Sem nome Constituída por Keven (14 anos), Kaique (11 anos) e Bruno (15 anos) Esta equipe era formada apenas com moradores do bairro vizinho, Betânia. Ao contrário da primeira equipe, que copiou algumas das referências de projetos que mostrei, como o escorregador vermelho e a cama elástica, este grupo apresentou sugestões diferentes. Enquanto Bruno planejava um balanço e o campinho de futebol proposto desde o início, Kaique dese nhava uma pista de carrinho de rolimã. Curiosa a respeito dessa escolha, perguntei se ele já havia brincado com carrinhos de rolimã, ao que ele respondeu que sim, brincava na rua dele, no Betânia, onde passavam menos carros. ►► EQUIPE 3 - Sem nome Constituída por Samuel e Felipe. Começaram a representar um campinho na maquete, porém não concluíram a atividade pois os pais vieram buscá-los no parque.
Conclusões A experiência com as crianças do projeto Bom na Bola Bom na Vida foi muito proveitosa ao revelar carência de oportunidades cotidianas para as crianças trabalharem o imaginário e criarem possibilidades que vão além do que já experimentaram. Houve dificuldade de algumas crianças em assimilar que aquele terreno é público, e portanto acessível a todos, e não de uso exclusivo daquele grupo de crianças. Os materiais que levei para as crianças trabalharem (cola, tesoura, papeis coloridos, maquete do terreno, palitos , entre outros) despertaram o interesse da maioria e permitiram as crianças a questionar juntas cada ideia e decisão que tomavam, assim como discutir pequenas soluções estruturais e de representação. Ficou clara porém a necessidade de que as crianças experimentassem de verdade o espaço em que estavam trabalhando, daí a importância da realização de um evento separado do projeto já na área de estudo. Projetos das equipes 2 e 3 Acervo da autora
Eventos na rua gramada que liga a Rua Silvio de Oliveira Martins à Rua Cônsul Walter Métodos de divulgação: Surgimento do projeto Se essa rua fosse minha Com as fotos das atividades com as crianças da Rua Eliane Stanciolli, foi criada uma página no Facebook com o nome “Se essa rua fosse minha”, para mostrar de forma mais clara a proposta do projeto: dar voz às crianças do Buritis para discutir e buscar soluções para os espaços públicos subutilizados do bairro. A página foi criada como um meio de captar o interesse dos pais por meio dos registros e relatos de atividades que já haviam ocorrido e divulgar os eventos seguintes. No primeiro encontro na rua Silvio de Oliveira Martins a divulgação ocorreu apenas via Facebook não levou pessoas ao evento. Foi necessário chamar por interfone os moradores de apartamentos que tinham crianças - isso é possível de se descobrir facilmente ao se perguntar para moradores andando pelas ruas ou funcionários dos prédios. O evento posterior, além da divulgação online, contou com a distribuição de panfletos no colégio Magnum Buritis e cartazes fixados na rua Silvio de Oliveira, em frente a área gramada e na pracinha próxima à rua do evento, na Rua Stella Hanriot. Cerca de 150 panfletos foram distribuídos nos prédios da rua e na saída do colégio, porém apenas 5 crianças compareceram. O pai de três delas viu o cartaz na rua e trouxe uma amiga que mora no mesmo prédio que eles, e uma das mães viu o evento no Facebook. Método
Alcance
Divulgação na página do facebook "Se essa rua fosse minha"
Aproximadamente
Número de crianças que compareceram
Eventos
621 pessoas (evento 1) 1e2
2
1
4
1e2
0
Divulgação por panfletos entregues nos prédios das 150 panfletos entregues ruas do eventos e na saída de colégios do bairro
2
0
Divulgação por meio de cartaz na rua do evento e em praças próximas
Moradores das ruas próximas
2
3
Divulgação entre crianças vizinhas
-
2
1
1168 pessoas(evento 2)
Divulgação por meio de convite em conversa por interfone
12 apartamentos de famílias com crianças 1.796 pessoas alcançadas (evento 1) Divulgação em páginas do Facebook relacionadas ao 1.183 pessoas alcançadas Bairro Buritis (evento 2)
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Os métodos que mais tiveram sucesso foi a colocação de cartazes na rua e o contato com moradores nos prédios via interfone.
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Cartazes e flyers elaborados para convidar as crianças do bairro
Página do Facebook criada para divulgar o projeto
Primeiro evento do projeto Se essa rua fosse minha na Rua Silvio de Oliveira Martins No primeiro evento que organizei na saída da rua gramada Célio Carvalho para a rua Silvio de Oliveira Martins, dois membros da Associação de Moradores, Fátima Gotschalg e Carlos Vasconcelos participaram para ajudar a montar a estrutura de mesas e cadeiras e dar apoio aos pais. O evento ocorreu sábado de manhã, dia 09/05/2015, e compareceram cinco crianças: duas de 4 anos, duas irmãs gêmeas de 8 e uma de 2 anos - todas acompanhadas dos pais e responsáveis. As crianças eram moradoras da Rua Silvio de Oliveira, com exceção de Milena (4 anos), que havia sido trazida por Fátima. Enquanto as menores faziam atividades de reconhecimento do bairro, desenhando e pintando sua rua, as gêmeas Paula e Marina planejavam como aproveitar a rua gramada. Segundo elas, nunca haviam sequer pisado ali, mesmo morando muito próximas àquele espaço e não possuindo área de lazer no prédio em que moram. Assim como ocorreu no último evento com as crianças do Bom de Bola, Bom na Vida, as gêmeas fizeram propostas muito semelhantes às referências de possibilidades de projetos que mostrei. Sugeriram um escorregador, uma corda para ajudar as crianças a subirem e camas elásticas. Enquanto seus filhos realizavam as atividades, os pais tiveram a portunidade de se conhecer e discutir entre si e com os membros da Associação Fotos do primeiro evento do Se essa rua fosse minha, na R. Sivio de Oliveira Martins. Acervo da autora.
de Moradores sobre problemas do bairro. A roda de conversa atraiu ou tros vizinhos que passavam por ali e acabou movimentando também nos adultos uma discussão sobre formas de ocupação daquele espaço. Um dos pais, que havia visto os cartazes com referências que eu havia levado para as crianças, mostrou-os aos outros moradores, que gostaram das ideias e decidiram que ali seria construída uma horta, a ser cuidada pelo prédio vizi nho à rua gramada, que já vem fazendo a manutenção do jardim do espaço.
Plantas Cama elástica Corda para escalada Escorregador
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Segundo evento do projeto Se essa rua fosse minha na Rua Silvio de Oliveira Martins No segundo evento no mesmo local, realizado no dia 23/05/2015, também compareceram apenas crianças que moravam naquela rua. Apesar da divulgação em uma escala muito maior e por várias vias de comunicação - panfletagem na rua e no colégio Magnum Buritis, convite por interfone, cartazes nas ruas vizinhas e anúncios nas páginas do Facebook sobre o Buritis - a procura pelo evento foi muito pequena. Participaram desse evento
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cinco crianças: Os irmãos Vitor (10 anos), Ester (3 anos) e Arthur (8 anos), a vizinha Isabela (11 anos), convidada por eles, e Luigi ( 7 anos), que morava no mesmo prédio que as outras quatro, porém veio a convite da mãe, que soube do evento pela página do projeto. Mais uma vez, contei com o apoio da Associação de Moradores durante a montagem da estrutura do evento. Durante esse último evento, as atividades propostas no roteiro criado no início desta etapa puderam ser seguidas e trabalhadas de forma mais completa. [Que espaço é esse?] A primeira atividade foi uma conversa com as crianças a fim de saber se já haviam usufruído daquele espaço de alguma forma, ou mesmo o notado. As crianças já chegaram animadas ao ver o tapete - que havia levado - no chão, e perguntaram se iríamos fazer um piquenique. Elas mesmas tiveram a iniciativa de buscar comida em casa para dividir durante as atividades. Contaram que nunca haviam brincado ali, embora sempre passassem em frente a este espaço ao passear com os cachorros. Fotos do segundo evento do Se essa rua fosse minha, na R. Sivio de Oliveira Martins. Acervo da autora.
[Reconhecimento da vizinhança] Em seguida, sugeri que fizessem um mapeamento da rua, onde as crianças identificaram lugares, adicionando pins com desenhos e informações sobre eles em uma imagem aérea da R. Silvio de Oliveira. Foram marcados por elas o edifício onde moram; prédios de crianças conhecidas que vivem na mesma rua ou em ruas próximas; vizinhos adultos que conhecem e prédios onde vivem os cães da vizinhança. Durante o processo, procurei fazer per-
guntas sobre a frequência com que caminhavam pela rua e se a utilizavam para lazer. Vitor e Arthur disseram que costumavam andar de bicicleta nas ruas Silvio de Oliveira e Cônsul Walter, porém não andam mais por causa do aumento no tráfego de carros na região. [Explorando o espaço] Nesse encontro, as crianças tiveram curiosidade e autonomia para ir até a parte em declive do terreno. Descobrindo sozinhas os potenciais do mesmo, rolaram na grama, desceram o declive gramado por conta própria e acharam um grande buraco - na realidade um cano de escoamento pluvial - e brincaram com ele, atirando pedrinhas. Desceram e subiram inúmeras vezes e exploraram a parte não gramada no meio do terreno, com mato seco, coletando gravetos e plantas que achavam interessante. As mesas e tenda que levei como estrutura de apoio para o evento não foram sequer usados, o que considero um ponto muito positivo, pois demonstra a desnecessidade de equipamentos e mobiliário convencionais ao se trabalhar com crianças. [Como transformar esse espaço em um espaço de lazer para as crianças da rua?] Quando incentivadas a pensar em formas de mudar ou ocupar aquele espaço para que seja mais utilizado pelas crianças da rua, expliquei as crianças que se quisessem poderiam construir maquetes para representar suas ideias. Dessa vez sem mostrar nenhum tipo de referência, quando perguntei o que as crianças gostariam que tivesse ali, elas sugeriram um escorregador, mas logo adaptaram a ideia para um “trenó” para descerem a parte em declive da rua. Ao ver os materiais que levei para representar seus projetos, ao invés de fazê-lo em miniatura, como ocorreu em eventos anteriores no bairro, as crianças começaram a construir o trenó idealizado por elas em tamanho real. Logo testaram o brinquedo novo e começaram a apostar corridas. Os dois pais que acompanhavam as crianças durante este evento deram total liberdade a seus filhos para brincar como quisessem naquele espaço, fator que muito contribui para o sucesso do evento. A única demanda das crianças em relação ao espaço, que já consideravam perfeito para brincadeiras, foi a retirada de fezes de cachorro da área,
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deixadas por moradores. Na falta de mais papelão, Victor desmanchou a maquete do terreno que eu havia levado - na qual as crianças trabalharam em eventos anteriores para construir um novo trenó. Este ato tem um grande significado para uma reflexão deste trabalho, no qual a vontade de experimentação das crianças era tamanha que não havia necessidade de equipamentos ou playgrounds, e sim de brincar.
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Conclusões: O grande diferencial desse evento foi a autonomia de exploração e brincadeira das crianças em tempo real - não se tratava de um planejamento do ato de brincar, e sim do brincar espontâneo, aqui e agora com o que se tem à mão. Essa experiência revela que, para algumas crianças, o espaço em si já é um grande atrativo. Neste caso, o que incentivou essa diversidade de brincadeiras ao ar livre foi, antes de tudo, o incentivo de permanência das crianças em um espaço residual, que as permitiu percebê-lo como um local a se explorar. Aliados a essa quebra de barreiras, a disponibilidade de materiais simples (papelão, papel, cola, tesoura, barbante, etc.) e conversas com tópicos que as instigaram a pensar em soluções diferentes (papéis do arquiteto organizador) foram as ações do evento que possibilitaram quebrar paradigmas sobre o significado daquele espaço para a vizinhança. Outro ponto a ser considerado é a vantagem da ausência de referências no processo de criação infantil sobre esses espaços. Durante este evento, em que tomei o cuidado de não mostrar fotos ou ideias de projetos que já foram realizados por crianças, elas tiveram ideias autorais ao projetar seus “trenós” de papelão e utilizar elementos do terreno para brincadeiras. Um fator que também contribuiu foi um comportamento maior de cooperação entre as crianças nesse evento, com uma participação igualitária de todos eles, sem que uma criança ficasse descartando as ideias de outras, como ocorreu em eventos anteriores. Claro que, uma vez que esse comportamento de competitividade varia em cada grupo de crianças, não é possível evitar completamente que ele aconteça, porém o mesmo pode e deve ser controlado pelo mediador das atividades para que todas as crianças consigam expressar suas ideias e chegar a um consenso do que será feito sem que haja imposição de uma sobre as demais. A ausência de referências de projetos já executados possibilitou mais ideias não convencionais, como a instalação de uma piscina no terreno, sugerida por Isabela (11 anos), que mostra que mesmo nunca tendo visto ou pre senciado uma intervenção desse tipo, as crianças são capazes de sugerir soluções inovadoras para um espaço público baseadas em suas mais puras vontades, que podem vir a se tornar interessantes possibilidades para a atração de mais usuários. Dois pontos marcam a importância de uma sucessão de eventos como estes em uma mesma vizinhança. O primeiro deles é a necessidade da transformação dessas participações pontuais em um hábito infantil na vizinhança. Por várias vezes as crianças agradeceram, dizendo que aquele terreno era “muuito legal” e perguntavam quando seria o próximo evento. Expliquei a elas que não dependiam mais de mim para voltar a se divertir naquele espaço, pois haviam utilizado apenas materiais muito simples, fáceis de se
conseguir para fazer mais “trenós”, e que poderiam inventar novas brincadeiras para o terreno. Infelizmente, devido ao prazo de trabalho e pouca aderência dos moradores, a participação das mesmas crianças em eventos consecutivos não aconteceu durante este trabalho no Buritis, porém seria interessante para que se trabalhasse de forma mais concreta a implantação uma rotina de uso daquele espaço e, sobretudo, aumentar o número de crianças participantes. O segundo ponto é a necessidade de se aumentar o público infantil envolvido nesse processo de reocupação do espaço público. Durante as atividades, as próprias crianças se mostraram conscientes de que as brincadeiras na rua gramada se tornaria, melhores com a presença de mais crianças da rua, e disseram que em um próximo evento elas mesmas chamariam mais crianças da vizinhança para participar. Quando questionadas sobre que métodos usariam para convidá-las, as crianças sugeriram a fabricação de cartazes e a utilização de um megafone, além de música e convite entre crianças que já se conhecem em um mesmo prédio ou em ruas próximas. Como quase todo projeto social, é natural que a adesão dos moradores aconteça gradualmente, portanto é interessante que outras oportunidades de participação ocorram para que esse número cresça. A disposição e su gestão das próprias crianças em convidar outras mostrou um potencial de divulgação que antes não havia sido cogitado, e se firmou como uma nova proposição ser trabalhada em futuros desdobramentos desse trabalho.
Fotos do segundo evento do Se essa rua fosse minha, na R. Sivio de Oliveira Martins. Acervo da autora.
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Elaboração de material gráfico para as crianças do bairro Como forma de sintetizar o trabalho que foi realizado ao longo do semestre
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no bairro de maneira que pudesse ser facilmente assimilada pelas crianças, percebi a necessidade de criação de uma interface que pudesse atender a todas as crianças do bairro. A ideia da confecção de um livro infantil tem a vantagem de atingir um número maior de crianças moradoras e seus pais, além de poder ser trabalhado pelas escolas do bairro. Percebi que seria interessante que, para captar a atenção das crianças, o livro fosse mais do que uma cartilha informativa. Daí a ideia de um livro de atividades, em que as crianças trabalhassem de forma lúdica um novo olhar sobre seu bairro. O livro foi desenvolvido exclusivamente para o bairro Buritis e aborda temas que ajudam a criança a desenvolver seu olhar sobre o espaço público e busca estímulos para que ela tenha interesse em vivenciar esse espaço. Todos os temas tratados no livro são uma adaptação das abordagens que foram feitas no bairro durante o projeto, como identificação de espaços residuais no bairro; apresentação da rede de espaços públicos disponível no bairro; proposta de um novo olhar sobre a rua em que moramos; repensamento de trajetos e meios de locomoção, incentivo a interação entre crianças de edifícios distintos; entre outros. O livro também procura mostrar às crianças que nunca as vivenciaram que as brincadeiras de rua podem sim existir no bairro, com relatos e fotos de crianças que tem essa prática em seu cotidiano. O livro será disponibilizado em versão online (formato PDF) na página do projeto Se essa rua fosse minha, no Facebook, no website da Associação de Moradores do Bairro Buritis, na página Meu Bairro Buritis, enviado via e-mail aos pais que se inscreveram para recebê-lo e será apresentado para as escolas locais. A ideia é que os pais imprimam os livros para seus filhos e - se Livro produzido para as crianças do bairro na versão impressa
possível, trabalhem com eles durante a execução das atividades.
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Exposição do trabalho desenvolvido no bairro no Buritis Festival Para concluir esse conjunto de etapas investigativas e experimentais no Bairro Buritis, a última etapa trata-se da exposição do trabalho feito em conjunto com as crianças. Foram expostas as maquetes produzidas pelas crianças, o livro infantil de atividades sobre o bairro, e panfletos com um resumo e fotos das atividades realizadas no bairro, deste as etapas de levantamento até os eventos com crianças. A frequência de visitantes na banquinha do projeto não foi alta - cerca de 15 pessoas (crianças e adultos) se mostraram interessadas - porém os moradores a quem apresentei o projeto gostaram muito da proposta e contribuíram contando casos e confirmndo a ocorrência de brincadeiras infantis nos espaços mapeados no bairro. A resposta também foi muito positiva em relação ao projeto do livro. Todos os pais abordados no parque durante o festival afirmaram estar dispostos a realizar as atividades com os filhos. As crianças também demonstraram bastante interesse em ler e manusear o protótipo do livrinho que levei durante o festival do bairro. Um ponto interessante foi o reconhecimento das crianças da rua Eliane Stanciolli - retratadas em algumas fotos do livro - por crianças que as conheciam de outro círculo social (igreja ou escola). Uma vez que a criança reconhece rostos que lhes são familiares ou semelhantes a elas brincando nas ruas, percebe que aquilo realmente está ao seu alcance, o que poderia despertar-lhe um desejo de compartilhar esse tipo de lazer com as crianças conhecidas ou tentar algo parecido perto de casa, fortalecendo a rede de crianças que brincam nas ruas do bairro.
Banca do projeto “Se essa rua fosse minha”durante o Buritis Festival. Foto por Fátima Gottshalg
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desdobramentos do trabalho
Desdobramentos do Trabalho Ao longo das táticas que foram experimentadas no Buritis durante esse período de oito meses, ficou claro que o que está sendo aqui trabalhado é o processo, e não um produto final. Visto isso, as consequências das ações e estudos que realizei no bairro
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Buritis por meio deste não poderiam ser pré-determinadas, uma vez que se trata de um experimento que esteve e ainda está em constante teste e aperfeiçoamento. Ao final do trabalho, alguns desses pontos decorrentes do estudo feito no Buritis merecem ser destacados:
1) Criação de redes entre vizinhos O principal ganho deste trabalho sem dúvida foi a expansão de uma rede de comunicação no bairro, especialmente voltada para se discutir o uso dos espaços públicos e o cotidiano das crianças que moram no Buritis. Como já comentado no início deste processo, o bairro já possuía diversas páginas que permitiam discussão e interação entre moradores. A rede social online do Buritis é extensa, porém apesar de ser grande o número dos que apontam os problemas do bairro, poucos são os que tomam a frente de iniciativas para melhorias do mesmo. Durante o projeto, tanto para entrevistar moradores quanto para divulgar e realizar os encontros entre crianças da vizinhança escolhida, na Rua Silvio de Oliveira Martins e Cônsul Walter, foi necessário extrapolar a abordagem convencional - por meio de cartazes, Facebook, panfletos e aproximação nas ruas - e chamar os moradores via interfone, e quando estes não se encontravam, via e-mail. Mesmo esse contato via interfone necessita de uma pesquisa prévia, com moradores e funcionários da vizinhança que me apontaram os edifícios e apartamentos em que moravam crianças. Esse já seria o início do contato com essa rede social a respeito de um assunto de interesse comum. Essa espécie de invasão do conforto privado dos apartamentos - o convite por interfone - fez com que alguns moradores - com filhos ou não - mo vidos pela curiosidade, descessem para ver o que estava acontecendo na rua. Essa quebra de barreiras teve mais sucesso do que o efeito visual do evento na rua em si, que despertou a curiosidade de poucos vizinhos que passavam e viam a estrutura de tenta, mesas e tapete, porém não se aproximavam o tomavam a iniciativa de para saber o que de fora do habitual estava acontecendo ali. Augusto de Franco comenta - por meio de diagramas de organização de redes de Paul Baram, divididos em redes centralizadas, descentralizadas e distribuídas - a importância de uma maior distribuição das redes sociais. Nas redes centralizadas, todos os nódulos estão conectados a um centro, enquanto o modelo descentralizado possui muitos centros conectados entre si - exemplificado por Augusto como o modelo de funcionamento mais comum da sociedade atual, exercido em governos, empresas, escolas, igre-
jas, etc. Já o modelo distribuído possui todos seus pontos conectados sem a necessidade de uma hierarquia para conexão dos pontos.
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Diagramas de organização de redes (BARAN,1964)
É justamente a fomentação desse modelo que ocorreu durante este trabalho, ainda que em passos tímidos, através da quebra de barreiras e estímulo ao encontro entre moradores com a associação de bairro e, sobretudo, encontros entre vizinhos. A partir desses encontros, desencadeou-se a discussão de pontos que não ainda haviam sido questionados, e não me refiro apenas às crianças com quem trabalhei. Como descrito no relato do primeiro evento na rua Silvio de Oliveira Martins, a reunião de vizinhos de prédios diferentes em um lugar comum já possibilitou a eles uma discussão sobre possibilidades de ação direta na área subutilizada em que ocorria o evento - um espaço que todos já haviam percebido porém ainda não havia sido discutido entre moradores de prédios distintos. Simultaneamente à discussão entre crianças, ocorria então um debate entre adultos que nunca haviam se encontrado, porém agora planejavam juntos uma solução para um problema comum entre eles. Esse início de uma relação de autonomia comunitária é principal objetivo ao se estimular uma rede social distribuída no bairro, em que os moradores entendam que, a partir de sua união e iniciativa, conseguem suprir demandas para o bairro ou mesmo abrir caminhos para um atendimento mais a dequado e menos genérico por parte do poder público.
Associação de moradores
Pais
Criança
Vizinho
Outros projetos do bairro
Morador da rua ao lado
Crianças que brincam na rua
DiscussĂŁo sobre as ruas gramadas apresentadas por um morador em uma das pĂĄginas relacionadas ao bairro Buritis.
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2) Um novo olhar para um espaço antigo Considerada inicialmente a intenção principal do projeto se Essa rua fosse inha, o trabalho com as crianças para despertar um novo olhar - ou mesmo um primeiro olhar, em alguns casos - para as áreas subutilizadas do bairro foi satisfeito durante os eventos na Rua Silvio de Oliveira Martins, em meto dologias diferentes em cada evento. No segundo evento, a total falta de referências deu as crianças um olhar completamente novo e autoral.
3) Convites de trabalho em outras regiões A página do projeto no Facebook permitiu que moradores de outras loca lidades - mais especificamente das cidades de Ipatinga, Ribeirão das Neves e do aglomerado próximo ao bairro Buritis, Morro das Pedras - entrassem em contato pedindo que o projeto também fosse realizado nestes locais. Vale lembrar que essa possibilidade de expansão do projeto está entrelaçada a expansão da rede de discussão de infância e espaço público abordada no projeto Se essa rua fosse minha tratada no item anterior, causa e efeito presente em todas as etapas deste trabalho. O convite da moradora de Ribeirão das Neves foi ainda mais interessante, pois me pedia que, se não fosse possível levar o projeto até lá, que desse dicas para que ela própria pudesse buscar meios de trabalhar com as crianças e espaços públicos de seu bairro. Esses contatos fortalecem a possibilidade de dar continuidade e espalhar esse projeto com crianças, e mostram interesse iniciais que já vem da parte dos moradores e que poderia se converter em uma participação ainda maior da população envolvida. Outra questão interessante na continuidade do projeto seria comparar diferentes regiões trabalhadas, que podem se distinguir em inúmeros aspectos - físicos, sociais, econômicos, culturais, entre outros - analisando a complexidade de cotidiano infantil única em cada uma delas e os fatores que contribuíram para essa composição.
4) Novos questionamentos entre os moradores Durante todo o trabalho no Buritis tive a oportunidade de conversar com moradores e mencionar a quantidade surpreendente de ruas gramadas no bairro. Em muitas conversas, os moradores já haviam notado ao menos algum desses espaços, mas nunca tinham se questionado sobre a origem ou finalidade deles. A partir dos eventos e da repercussão da página do projeto, as ruas começaram a ser notadas e discutidas entre os moradores, como no caso de postagens feitas por um dos moradores do bairro, Anderson, que em sua página no Facebook sobre o Burutis publicou as fotos de várias ruas gramadas do bairro a fim de abrir uma discussão sobre esses espaços. Este morador já havia entrado em contato pela página do projeto, e ajudado a divulgá-lo em sua página, portanto esse início de discussão lançada por ele teve influência direta deste trabalho. Essa mesma percepção e questionamento sobre esses espaços vazios aconteceu durante a reunião com a Associação de Moradores, que então deu um grande suporte para que esse trabalho fosse realizado. Como já relatado anteriormente, essa oportunidade também ocorreu entre vizinhos durante os eventos, uma vez que alguns nunca haviam antes aden-
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trado essas ruas.
Possibilidades de atuação do arquiteto 72
Como transformar essa metodologia experimentada e desenvolvida no Buritis em uma possibilidade de atuação profissional para o arquiteto e urbanista? Dentre as possibilidades, destaco dois caminhos em que mais se encaixa a sequência de ações no bairro no decorrer deste trabalho.
1) Atuação em bairros Trabalho do arquiteto e urbanista por meio de um projeto de lei que determine a aplicação deste processo de incentivo a autonomia infantil em espaços públicos em bairros de Belo Horizonte, cabendo a uma ou mais equipes que envolvam profissionais em arquitetura realizar um trabalho investigativo com prazo determinado por bairro ou região de Belo Horizonte, com um estudo direcionado para identificar áreas do bairro com potencial de ocupação por crianças, e dar início a uma sequência de atividades em conjunto com a comunidade que impliquem em uma maior participação das crianças em questões sociais e urbanas. Como registro e conclusão desse trabalho realizado nos bairros e aglomerados, elaboração de material gráfico voltado para as crianças do bairro trabalhado, que vise o incentivo a maior percepção e uso do espaço público do bairro em que vivem. Esse material deverá ser distribuído via associação de moradores, nos condomínios, comércio local, escolas dos bairros ou via internet, em versão digital.
2) Atuação em vizinhanças Atuação do arquiteto e urbanista em uma rua ou vizinhança específica, com contratação por parte dos moradores dessa região. O custo do trabalho seria dividido entre os moradores envolvidos. Por se tratar de uma situação mais específica, com menos crianças parti cipantes, a elaboração de material gráfico não se vê tão necessária. Neste caso, se torna mais importante envolver as crianças em uma prática de rotina em um raio de vizinhança, por meio de atividades colaborativas que criem laços entre os moradores, sejam eles adultos ou crianças - e busque suprir as demandas apontadas pelas crianças. Um menor número de moradores envolvidos também possibilita um prazo mais curto de atuação. Durante as atividades realizadas com as crianças, é necessário deixar claro que a participação do arquiteto no trabalho realizado é temporária, e que caberá as crianças e comunidade o papel de levá-lo adiante. Para divulgação desta forma de atuação, foi elaborado um portifólio de atividades, de modo que os moradores entendam a proposta do projeto e vejam exemplos da metodologia através das fotos.
Se essa rua fosse minha... Qual o papel do projeto? O projeto “Se essa rua fosse minha” é um estudo de métodos para arquitetos e urbanistas a trabalharem em conjunto com crianças para desenvolver projetos de áreas públicas, potencializar uso de áreas livres em uma região e buscar soluções para problemas do bairro. O projeto faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso da aluna de Arquitetura e Urbanismo Lorena Vaccarini, e vem sendo realizado no bairro Buritis desde novembro/2014.
Vantagens da execução do projeto no seu bairro: Mais crianças brincando no bairro; Formação de crianças mais interessadas em cidadania e atuantes na formação de um bairro melhor; Socialização entre crianças de edifícios, ruas, quadras e bairros diferentes; Socialização dos pais e outros moradores; Mais áreas de lazer no bairro e menos áreas residuais; Brincar perto, porém fora de casa!
Se essa rua fosse minha... Qual o papel do projeto? O projeto “Se essa rua fosse minha” é um estudo de métodos para arquitetos e urbanistas a trabalharem em conjunto com crianças para desenvolver projetos de áreas públicas, potencializar uso de áreas livres em uma região e buscar soluções para problemas do bairro. O projeto faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso da aluna de Arquitetura e Urbanismo Lorena Vaccarini, e vem sendo realizado no bairro Buritis desde novembro/2014.
Frente e verso do portifolio elaborado para divulgar o trabalho do arquiteto na vizinhança
Vantagens da execução do projeto no seu bairro: Mais crianças brincando no bairro; Formação de crianças mais interessadas em cidadania e atuantes na formação de um bairro melhor; Socialização entre crianças de edifícios, ruas ,quadras e bairros diferentes; Socialização dos pais e outros moradores; Mais áreas de lazer no bairro e menos áreas residuais; Brincar perto, porém fora de casa!
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Considerações finais Durante esse trabalho, concluímos que o exercício da autonomia infantil no espaço urbano está firmemente ligada ao incentivo de seus pais e aos adultos da comunidade a também se permitirem ocupar o espaço público de forma mais espontânea. O envolvimento infantil acaba trazendo os pais, que também passam a atribuir significado a esses espaços. No caso do Buritis,
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a participação dos moradores se deu de forma muito escassa e demorada, porém obteve-se algum resultado quando o trabalho com a comunidade foi aplicada em uma escala menor. Em um bairro como Buritis, que possui diversos meio de comunicação entre os moradores - como websites, jornais, associação de moradores e páginas em redes sociais - a maioria dos moradores se mostra incapaz ou indisposto a se mobilizar para resolver a demandas do bairro, sobretudo as relacionadas a qualidade de espaços públicos. Este estudo mostrou que, se iniciado em uma abordagem mais intimista e sob mediação do arquiteto e urbanista, a identificação de demandas e sobretudo, a discussão de soluções entre os moradores de uma vizinhança tem um potencial muito maior de se desenvolver, visto que o papel do arquiteto, além do trabalho de empoderamento do público infantil, é criar conexões entre grupos interessados que viabilizem essa mudança. Quando realizado sem limitações ou direcionamentos, o brincar por si só já é uma prática revolucionária no espaço urbano, na qual o imaginário infantil é capaz de subverter os significados convencionais de objetos e espaços e transformá-los em um universo lúdico e versátil. Esse trabalho metodológico se constituiu como um processo contínuo, e como tal, estará sempre apto a ser aperfeiçoado e ampliado em novas pesquisas, em busca de maneiras inovadoras de se alcançar uma cidade mais lúdica e voltada para as crianças.
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referĂŞncias bibliogrĂĄficas
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anexo: registros
Entrevistas sobre mudanças de hábitos na infânci ao longo dos anos em bairros de Belo Horizonte Entrevistado: Estevam Quintino Gomes Ano de nascimento: 1953 L: Você é nascido em Belo Horizonte? E: Sim, Belo Horizonte.
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L: E onde você costumava brincar quando era criança? E: Aqui na rua mesmo, na Bernardo Mascarenhas (localizada no Bairro Cidade Jardim). L: E você morava aqui mesmo? E: Morava aqui. L: Quantos anos você tinha nessa época? E: Eu nasci nessa casa aqui. Então, minha infância inteira foi nessa rua. A gente brincava era na rua. L: E você brincava com outras crianças? E: Sim, Com outras crianças. Aqui na rua tinha muita criança! L: Como você os conhecia? E: Não tinha nada assim... Era tudo natural mesmo. L: Amigo de amigo... E: Não, é que a gente se encontrava na rua. Mudava um vizinho novo, aí ele já vinha e se enturmava logo. Porque da minha idade tinham vários, nós crescemos juntos. L: Seus pais te davam liberdade para sair? E: É. Naquela época não tinha problema nenhum nisso. Eu estudava ali na Olegário Maciel. Eu saía aqui à pé. Eu, com 7 anos de idade, ia para o Grupo à pé, sozinho. Naquela época Belo Horizonte era tranquilo, quase não tinha carro. A gente jogava bola no meio da rua e de vez em quando passava um carro. L: E você tinha irmãos? E: Dez irmãos. L: Dez irmãos? E todos saíam sozinhos também? E: Todos. L: E você preferia brincar com seus irmãos dentro ou fora de casa? E: A gente brincava só na rua. L: E como era a casa em que você morava? E: Minha casa era assim mesmo, com um quintal grande... Essa casa aqui foi reformada em 1964, até reformar era um casa de 3 quartos, 1 banheiro. Papai e mamãe já tinham 8 filhos. Aí reformamos a casa e aumentou 6 quartos, foi pra 4 banheiros. Mas, na verdade, o lugar de a gente brincar mesmo era na rua. Era muito mais fácil criar os filhos, porque a gente chegava da escola, punha a pasta aqui dentro e ia para a rua encontrar com os meninos. L: E de que vocês costumavam brincar?
ia E: Ah, cada época tinha uma brincadeira. A gente brincava muito de Nego fugido, Toco. L: Como era a brincadeira Nego Fugido? E: Em Nego Fugido a turma se escondia e a gente tinha que procurar. L: Tipo pique-esconde... E: É! Tinha também Toco, Mãe da Rua... L: E como se brincava de Toco? E: Toco era uma brincadeira em que a gente disputava quem ia ser o toco, aí ia um pulando em cima do outro. Não me lembro muito bem como eram as brincadeiras. Mas lembro que a também jogava bente-altas. Nesse jogo a gente fazia uma casinha de graveto, um triângulo, e usava uma pazinha e uma bola de meia. Tinha os que estavam na casinha e os que estavam de fora, o objetivo da dupla que estava de fora era mandar a bola e derrubar a casinha, aí se eles derru bassem entravam na casa e quem estava lá saia. Quem estava na casinha tinha que chutar a bolinha pra longe, enquanto isso a gente dava uma volta, corria tipo beisebol e ia contando os pontos. Então, chegando a certo número de pontos a dupla ganhava. Ah, a gente também jogava muito bolinha de gude. L: E era no meio da rua? E: Não, no passeio. Na calçada. A gente também fazia Finca no período de chuva, quando a terra estava molhada. Sabe como é Finca? L: Não... E: Tinha uma casinha, então a gente pegava uma faquinha ou algo parecido e ia traçando pontos. A cada ponto feito você tinha que dar uma volta na casinha e voltar pra sua casa, aí você ganhava o jogo. L: Espera aí, não entendi... E: É assim. Tinham duas casinhas (dois triângulos) e dois jogadores, então você tinha primeiro que fincar dentro da casinha, e enquanto não errasse continuava jogando, aí você ia fincando no chão e traçava a risca. Tinha que dar a volta na casinha e voltar pra sua. Quem fizesse isso primeiro ganhava o jogo. L: Mas jogavam todos ao mesmo tempo? E: Não. Cada hora um jogava. Enquanto um não errasse o outro não jogava. Se eu estivesse traçando, riscando o cami nho e errasse, não fincando o chão, outro entrava. E você não podia cruzar a linha do outro. Então, às vezes você fechava o caminho e o sujeito não conseguia sair, porque não podia cruzar sua linha. Por exemplo, você tinha uma casinha aqui, se você contornava e fechava muito uma parte, ele não podia correr o risco de cruzar sua linha. L: E aqui na rua, quando você percebeu que estava mudando e ficando mais perigoso? E: Na verdade, até eu mudar daqui era tranquilo demais. Aí eu me casei e fui morar no bairro Santa Lúcia. L: E como era lá? E: Tranquilo. Esse problema de violência não existia. Podia sair à noite, de madrugada, pra qualquer lugar... Não tinha nada disso. Era época do regime militar. Na Revolução de 1964 eu tinha 11 anos. Então eu fiz faculdade, fiz tudo. A ditadura não me incomodou nem um pouco. A gente vivia tranquilo, trabalhando. Essa turma que hoje está no poder que eram os guerrilheiros, foram lá pro Araguaia, luta armada, sequestraram embaixador, assaltava banco, era loucura. L: Seu primeiro filho nasceu lá? E: Sim, o Thiago nasceu no Santa Lúcia.
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L: Você deixava ele brincar na rua também? E: Não. Já começou a diferenciar aí. Eu morava em um prédio e eles brincavam muito no prédio. Lá moravam muitos meninos da idade dele, muitos primos. Então eles brincavam muito no prédio. Papai tinha uma casa em Cabo Frio nós íamos pra lá nas férias. Mais tarde, em 1986, eu comprei uma fazenda. As meninas aproveitaram muito. Elas passavam férias lá na fazenda... Era completamente diferente, a vida mudou... Basta dizer que quando eu formei já existia calculadora, mas eu não tinha porque era muito caro. Então a HP lançou a calculadora científica, eu fiz meu curso todo com
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régua de cálculo. Então você vê como em tão curto espaço de tempo o negócio mudou. Foi uma revolução tecnológica. Então isso mudou a maneira de viver da socidade. L: E por que seu filho e os primos brincavam no prédio? Você já considerava a rua insegura? E: Já tinha mais movimento de carro e não dava mais para brincar na rua. Bem diferente de quando eu era menino. A gente jpgava bola na rua fazendo dois times e de vez em quando passava um carro, aí a gente parava a pelada e esperava o carro passar. L: Sua casa tinha muro? E: A casa tinha um muro baixinho. Ninguém tinha muro. L: E você tinha muitos brinquedos ou fazia as brincadeiras? E: Eu tinha poucos. No mais, a gente fazia nossos brinquedos: carrinho de rolimã, papagaio, bolinha de meia para jogar Bente-Altas, Finca etc. Bicicleta, para você ter uma ideia, era caríssima. A gente ganhava só um presente bom, no Natal. As coisas eram muito mais difíceis. Por exemplo, aqui em casa, vinha uma costureira duas vezes por semana e as roupas eram todas feitas em casa, por causa da quantidade de filhos. Além disso, não tinha esse tanto de lojas. O cabeleireiro vinha de 15 em 15 dias, aí todo mundo cortava o cabelo com máquina zero, do lado carequinha e só a parte de cima com cabelo ficava, o nome do corte era Príncipe Danilo. Começamos a deixar o cabelo crescer com os Beatles. A revolução foi aí. Mudamos a maneira de vestir... Começou camisa estampada e tal. Depois dos Beatles surgiu a Jovem Guarda aqui, com Roberto Carlos, Erasmo Carlos. Todo mundo deixava o cabelo crescer e tal... Mas era uma sociedade muito mais controlada. Os pais tinham um controle grande sobre os filhos. Aqui em casa a gente sempre teve mais liberdade que o resto. Nossa mãe nunca foi de prender nem nada assim. Não sei se é porque tinha muito filho, então... Já as mulheres se iam pra festa tinham hora de voltar, meia noite, uma hora da manhã... L: Engraçado que o controle mudou. Essa liberdade que você tinha antes de brincar e ir para a escola sozinho as crianças não tem mais. Mas as crianças mais novas já vão a festas e podem ficar até mais tarde... E: É, mudou completamente. A gente saía pra fazer bagunça na cidade. De vez em quando tinha briga de turma com turma, eram vários grupos. Aqui em cima tinha o Morro do Querosene, uma favela que tinha aqui. Eram turmas de rua. Sábado a gente saía procurando festa e quando encontrávamos entrava todo mundo de penetra. Mas não tinha maldade nas coisas. L: Mas você brincava com as crianças do morro? E: Não. De vez em quando aparecia um aqui, mas normalmente não brincávamos. Apesar de que aqui tinham os bancários, de classe bem mais baixa, no prédio aqui da frente. O pessoal era bem mais humildade, mas a meninada não faz distinção entre classe A, B ou C. E a gente não brincava com o pessoal do morro, mas é porque era mais longe. Por exemplo, a gente jogava bola perto de uma praça no bairro Luxemburgo, e daqui até lá a gente passava por um cami nhozinho de mato, embaixo tinha o Córrego do Leitão. Lá já pegamos raposa. Criávamos passarinho em casa, pombo, cachorro... L: Vocês brincavam no córrego também? E: Sim. A gente pescava no córrego, pegava a peneira e ia pegar as piabinhas, aquelas piabinhas douradinhas. L: Era raso?
E: Sim, era rasinho. Aqui a gente pegava canário, bico-de-lacre, pretinho... A gente fazia armadilha, arapuca, alçapão. L: Nossa! Tinha raposa? E: Sim, uma vez pegamos uma raposa e deixamos presa por um tempo, depois soltamos. A gente brincava muito de fazer barracão. Cabana, né? Tinham uns lotes aqui pra cima e a gente fazia cabanas lá. A gente inventava, era muito criativo. Papagaio então, a gente que fazia, as manivelas também. Era tudo muito caro e muito difícil. A gente tinha que juntar dinheiro pra comprar carretel de linha, pra colocar na manivela. Também lembro que papai trazia rolamento estragado que servia para fazer carrinho de rolimã... A gente se divertia muito. L: E vocês emprestavam brinquedos para os meninos da rua? E: Não tinha esse negócio de emprestar, brincava todo mundo em conjunto. A gente não tinha muito brinquedo, então precisávamos fazê-los. Na época do Thiago já tinha mais variedade. Eu ganhei um brinquedo sensacional uma vez chamado MacBraço. Era uma paleta toda perfurada, que vinha com porca e parafuso e você montava. Eu me divertia muito com esse brinquedo. Ele estimulava sua criatividade, a gente tinha que montar, fazia carrinho... Tinha muito pouco brinquedo, a gente fazia patinete, rolimã... Eu lembro que ganhei o Rema-Rema, você tinha que andar com ele e fazer exercício, como um pedal. Tinha velocípede... Bicicleta só mais pra frente nós ganhamos, e para andar de bicicleta na época era uma beleza. Ah, e eu ia muito brincar de carrinho de rolimã lá na Avenida do Contorno. L: Com quantos anos você ganhou bicicleta? E: Com uns 14 anos. O negócio era difícil. Assim, a gente se divertia, mas não tinha essa coisa que tem hoje, né?! Não sei... A gente tinha muito menos problema, trauma. Por exemplo, bullying, aqui na rua alguns caras apanhavam de todo mundo. Coitados, sofriam. Mas cresceu todo mundo, não ficou ninguém com estresse, ninguém desajustado... L: E por que eles apanhavam? E: Ah, menino é o seguinte, aquele que era mais fraco. Sempre tem o líder da turma, aquelas pessoas que os outros acompanhavam, tinham as ideias. Eu lembro quando começou a aparecer droga, a primeira que vi foi maconha. A gente estava na pracinha e um amigo meu, que morava no prédio dos bancários, estava fumando. Eu devia ter uns 17 anos. Ele perguntou “Você quer?” e eu falei “Quero não!”. Tinha aquele negócio de “Não vou experimentar isso, vai que eu gosto...”. E eu vi alguns amigos aqui da rua que a droga acabou com eles. Depois a turma foi crescendo, foram pra faculdade, trabalhar... Mas uma turma aqui da rua que ainda se encontra naquele bar ali da Conde de Linhares. Quase todo sábado tem uma meia dúzia do pessoal minha época de menino que se encontra lá. E alguns ainda moram aqui, mas cada um tomou um rumo diferente. L: Depois do seu casamento você foi no prédio dos bancários? Lá é pequeno? E: Os quartos são bons. Mas é pequeno assim, apartamento de três quartos... L: Mas comparado com hoje é grande? E: É grande, o apartamento é grande. Mas você vê que não tem vaga de garagem, porque na época ninguém tinha carro. Não tinha mesmo, ainda mais bancário. Esse prédio deve ter mais de 50 anos e as esquadrilhas de madeira nunca foram trocadas. Igual essa janela que tem no quarto do André (filho mais novo). Essa casa aqui é de 1950, aquelas janelas são de 1950, e duram até hoje... E as do barracão lá de fora também. Porque na época era comum fazer a dependência de empregada lá fora. Aquelas janelas ali também têm mais de 60 anos. A do escritório foi feita em 1964, na reforma da casa. E todas até hoje funcionam. L: Vocês frequentavam alguma praça? E: A gente ia muito ao Parque Municipal, mas sozinhos, não com pai e mãe. A gente ia muito lá remar, tinham barcos de madeira... L: Ainda tem. E vocês pagavam pra remar?
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E: Sim, os barcos eram alugados. E a gente ia pra lá à pé, ou de trólebus, um ônibus elétrico, que passava na Conde de Linhares e ia até a Praça Sete. L: O parque era cercado? E: Não. Não havia nenhuma cerca. L: E vocês iam à noite lá?
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E: Não muito, porque lá não tinha o que fazer à noite. Mas se quiséssemos ir não tinha problema nenhum. Outro lugar que a gente brincava demais era no Museu Histórico Abílio Barreto. A gente ia pra lá à noite, amarrava uma corda no sino da varanda e ficava puxando pra bagunçar. A gente também dava o sinal pro trólebus, ia atrás dele e puxava o suspensório, o cabo que fazia a ligação com a parte elétrica. Só bagunça de menino mesmo. A gente arrancava, aí o motorista tinha que descer e consertar, então a gente corria pro mato e saía na casa. Mas não era de machucar ninguém, era farra mesmo. E nessa pracinha aqui perto [Praça Professor Godoy Betônico] a gente brincava muito aqui. Lá tinha muito casal de namorado. Mais as domésticas com os namorados, ficavam todas na pracinha. Já as meninas que moravam aqui tinham que namorar dentro de casa, tinha que ter vela, tinha que ter alguém do lado. L: E a Praça da Liberdade? E: Eu ia lá com uns 18, 19 anos. E a lanchonete Xodó era o point de Belo Horizonte. Então, principalmente domingo no final da tarde ia todo mundo pra lá. Ficava lotado, tinha paquera... A gente costumava ir na Hora Dançante do Automóvel Clube, na Afonso Pena com Augusto de Lima. Como lá acabava umas 18h, depois todo mundo subia a Avenida João Pinheiro e ia pra Xodó. Outra coisa, a gente ia muito ao cinema. Era aquele negócio, não era igual hoje. O Cineteatro Metrópole acho que era o maior, foi uma dó demolirem o Metrópole. Lembro que quando passou o filme dos Beatles lá, “Help”, a fila pra assistir dava volta no quarteirão. Ficava na Rua da Bahia com Rua Goiás. Papai e mamãe iam muito ao cinema também. É que na época não tinha televisão. A TV era em preto e branco, a gente assistia alguns programa. Eu lembro quando a Rede Globo entrou no ar. A gente não tinha a Globo, tinha a Record (que não é essa mesma de hoje), TV Tupi, TV Alterosa e Bandeirantes. Aí a Globo comprou acho que a TV Tupi, que era do Assis Chateaubriand. Naquela época tinha uma diferença muito grande de classe social. Aqui na rua acabou que a gente não teve. Mas o pessoal da classe mais alta e da classe mais baixa não se misturava. L: Mas hoje não é tão diferente... E: É que na época tinham as famílias tradicionais conhecidas. Era menos gente. Quer dizer, os conceitos foram mudando também, não tem jeito de ser a mesma coisa. Mas a vida aqui era mais tranquila. Com menos luxo, mas ninguém reclamava, estava tudo bem. A gente quando ganhava um tênis novo era uma festa, roupa se fazia aqui em casa, mamãe tinha máquina... Outra coisa legal da época era a Vaquinha, um caminhão que vendia leite. Aí quando você ouvia a sirene ia comprar com a leiteira. Lembro que tinha um marcador, aí quando chegava na quantidade que você pediu o moço abria a torneirinha. Depois disso passou a ser vidro com tampa de alumínio, que o leiteiro deixava na porta. Deixava leite e pão. Não tinha supermercado na época, então as compras eram feitas no armazém, tudo era comprado à granel. Aí o primeiro supermercado pequeno que surgiu aqui foi o Bandeirante, que era ali na Santa Catarina, onde hoje é a Padaria Morini. Quando as grandes redes de supermercado chegaram acho que já era até casado. Veio o Pão de Açúcar pra cá, onde hoje é o Extra do bairro Belvedere. Depois teve o supermercado Camponesa, lá para os lados da Savassi. Mas a vida aqui era muito tranquila. Imagina um pai hoje com 11 filhos pra levar pra escola, pagar escola... L: Você tem fotos dessa época? E: Minha irmã Marília que tem foto. Tem uma foto de quando essa casa estava sendo construída. Foi a primeira casa da Cidade Jardim. Na foto aqui atrás é tudo morro. E aqui na casa tinha um muro baixinho, ficava todo mundo aqui.
L: E você chamava os amigos pra vir aqui? E: Não, não tinha nada disso. Todo mundo chegava da escola e ia pra rua brincar. Nossa obrigação era se divertir. L: E o dever de casa? E: Dever de casa a gente fazia. Quando você estudava de tarde. A gente tinha escola de manhã e de tarde. No primário, por exemplo, o primeiro e o segundo ano eram de tarde, terceiro e quarto de manhã. Então quando estudava de manhã fazia o dever de tarde, e quando estudava de tarde fazia de manhã. Era acabar de fazer o dever e a gente saía. Aí voltava pro jantar, jantava e ia outra vez pra rua. Aí gente ficava até umas dez da noite, mais ou menos. L: E vocês iam entrando nas casas? E: É, em algumas casas. Por exemplo, na casa do Doutor Cláudio ali tinham sete filhas, aí só as meninas entravam, mas a gente, homem, não. Dona Shirley aqui só tinha filha também, aí a gente não entrava. Mas nas outras sim. Tinha muito aquilo de pedir açúcar emprestado e tal... Era muito agradável. Aqui era tipo uma cidade do interior. Todo mundo conhecia todo mundo. L: Vocês tinham carro? E: Sim, papai tinha um carro.
Entrevistado: Paulo Quintino Gomes Ano de nascimento: 1967 L: Você nasceu em Belo Horizonte? Onde? P: Sim. Nessa casa (no bairro Cidade Jardim) L: Como era sua infância? Onde você costumava brincar? P: Então, a gente brincava muito com a vizinhança. Variava o lugar, às vezes na casa dos amigos, aqui em casa ou na rua. A gente brincava de Mãe da Rua, Vareta, Finco, bolinha de gude, Pegador, carrinho de rolimã. Depois entraram uns brinquedos mais modernos que a gente chamava de “Toca”, não sei... Eram uns que tinham duas rodas atrás e uma na frente, que a gente descia a rua aqui do lado. L: Patinete? P: Sim, mas era sentado. Lembro que a roda era de plástico grosso e de tanto a gente andar ela ia se desgastando, na hora de freiar e tudo. Ela furava depois. A gente brincava muito de Forte Apache no jardim dos vizinhos, no jogo eram os índios contra os soldados, na época dos cowboys. Jogávamos futebol na rua, na casa dos vizinhos, aqui em casa. L: E como era a casa na época? P: Tinha um quintal grande. Era bem parecida com o que é hoje. Muito jardim na frente, jardim lateral... L: Era murado? P: Sim, mas com um muro um pouco mais baixo do que é hoje. E tinha só o portão da garagem. A gente também brincava de mexer com o pessoal que passava na rua, jogar água, coisas assim... L: Isso até quantos anos? P: Acho que até uns 13 anos. L: E você lembra com que idade começou a sair pra brincar?
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P: Não lembro de forma muito precisa. Mas esses vizinhos eram mais ou menos da minha idade, um pouquinho mais velhos, então a gente regulava bem. Era um aqui do lado e o outro na frente, inclusive as mães dos dois ainda moram aqui. Tinham mais alguns, mas nós três éramos mais ligados. Ia muito pra fazenda do Vicente, que é esse da casa ao lado. L: E na casa deles tinha quintal também? P: Sim. As duas.
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L: E vocês brincavam mais na rua ou em casa? P: Mais no quintal das casas, e quando era brincadeira de rua a gente se juntava aos outros vizinhos. Acho que isso deve ter começado quando tínhamos uns seis, sete anos. Mas depois, como as escolas era diferentes você acaba formando outros grupos, né?! L: Você estudava onde? Como você ia pra escola? P: No Colégio Santo Agostinho (bairro Lourdes). Quando fui pro Santo Agostinho ia de ônibus e, muito raramente, à pé. Antes de lá estudava no mesmo colégio que minha irmã no Lourdes, entre a Avenida Olegário Maciel e a Rua Santa Catarina, aí ia sempre com ela, porque ela era mais nova. L: E você costumava frequentar parques e praças? P: A gente brincava bem nessa pracinha aqui do lado ainda, num lote vago que tinha aqui perto. A gente ás vezes montava umas cabanas nos jardins, fazia guerra de mamona... L: Na pracinha tinha alguma coisa? P: Não, era só o espaço mesmo, com os bancos. Hoje ela é melhor. L: E lá vocês brincavam de que? P: De Pegador, de esconder, de bola... L: Passava um córrego aqui perto, Córrego do Leitão, você brincava nele? P: Pois é, era ali onde passava a Prudente de Morais, não brinquei muito nele. L: E de pegar passarinho, essas coisas, você brincava? P: Pouco. L: Como você conhecia as crianças da rua? P: Acho que é porque os pais eram bem amigos. L: E uma criança que aparecia e você não conhecia os pais, já ia se juntando à turma ou era um grupo mais fechado? P: Mais ou menos, era mais fechado. Os pais é que orientavam a escolha da amizade. L: Meninos e meninas brincavam juntos? P: Brincavam. Eu, Paulo e Vicente éramos mais próximos, mas tinham umas meninas também. A Jaqueline aqui da frente, a Giovana... L: E com seus irmãos, você brincava? P: Muito pouco, porque a diferença de idade era muito grande. O irmão acima de mim tem seis anos de diferença. L: E a televisão, como era? P: Minha família assistia mais à noite e não era muito.
L: E carro, já passava mais aqui na rua? Atrapalhava a brincadeira? P: Não, passava pouco, não atrapalhava tanto. A gente até fazia gol na rua, não tinha tanto esse perigo. Quando passava a gente parava o jogo e deixava o carro passar. Mas não era uma coisa constante, que atrapalhava a brincadeira não. L: E vocês brincavam mais na rua ou na calçada? P: Olha, brincadeira de rua mesmo eram poucas. Era o futebol, que gente colocava o gol na rua mesmo e marcava com pedra, com chinelo, o que for...e Mãe da Rua. O resto era mais na calçada, né?! Polícia e Ladrão, Pegador de esconder, essas outras eram todas no gramado que fica no passeio. L: E no Parque Municipal, Praça da Liberdade, você ia? P: Se fui foi muito pouco. Não tenho lembrança nenhuma praticamente. Lembrava de ir um pouco no Mineirão, pra ver jogos, a família era americana e tal, fui em alguns jogos. Aí depois que comecei a jogar vôlei - comecei com 11 anos e com 12 eu estava no Minas - minha turma mudou um pouco porque eu tinha uma carga de treinamento, então comecei a passar um tempo maior lá. Então passava a manhã na escola e a tarde/noite no Minas. L: Lá era pago? P: Não pagava, eu era da equipe. Então era treino, e a gente brincava depois. L: Você andava de bicicleta aqui na rua? P: Sim, andava na rua, no bairro, aqui mais perto. Não ia muito longe. Era com os outros vizinhos. L: Como era o controle da sua mãe? P: Ela queria saber só onde que eu estava e com quem, mas não ficava muito em cima. L: Você estudava de tarde ou de manhã? P: Eu estudei de tarde, não lembro bem até quantos anos. E depois que fui pro Santo Agostinho comecei a estudar de manhã, se não me engano, na 5ª série. L: E o que você acha que mudou na infância de agora pra sua época? P: Acho que mudou tudo. Os meninos estão mais presos dentro de casa, por questão de violência, segurança... Não tem mais espaço para brincar em rua e parque, e além de tudo tem a parte dos jogos tecnológicos, da internet, da televisão, da quantidade de coisa que se oferece. Então as brincadeiras hoje são muito mais dentro de casa, praticamente. São poucos que tem a oportunidade de morar em casa, a maioria está em apartamento. Nossa, acho que mudou bastante. Talvez na minha geração tenha começado essa mudança, de dificuldade de brincar na rua e tudo. L: Por que você acha que foi na sua geração? P: Quando eu comecei a sair, com 18 anos, assim, a gente já tinha que ter um cuidado bem maior do que quando eu tinha 12, por exemplo. Preocupação com violência, com segurança. Desses pequenos roubos que começaram a ficar mais intensos. E acho que foi diminuindo também a questão do espaço, a oportunidade de morar em casa foi diminuindo pra todos. Então acho que isso mudou muito. E a internet veio um tempo depois, esses jogos online, esse tanto de brinquedo... Video game lembro que surgiu um tempo depois, mas a gente não tinha. Eram uns jogos bem simples, ligados na televisão. Depois veio o Pacman... E eu brinquei muito de fliperama, não sei se você se lembra disso... L: Lembro sim. E onde você ia jogar? P: Eu ia muito a um fliperama perto do Minas ali. Tinha tanto Pinball quanto outros jogos. Eu ia muito perto do Minas e na Savassi, isso já com meus 14, 15 anos. Então já estava mais enturmado com o pessoal do Minas, porque a gente viajava muito, aí, naturalmente, me afastei dos vizinhos daqui. Mas brinquei muito de fliperama, agora estou me lembrando. L: E vocês iam pra lá e ficavam a tarde toda?
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P: Sim, ficávamos domingo a tarde inteira, sábado de tarde, de noitinha, bastante tempo. L: Era pago, né? P: Era pago. Você comprava as fichinhas e jogava a partida. Era interessante, divertido. A gente não tinha em casa essa quantidade de jogos. L: E você jogava individualmente ou em grupo?
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P: Como a gente ia sempre com dois, três, quatro amigos eles ficavam vendo. Mas o jogo era individual, você sozinho contra a máquina. A gente jogava no BH Shopping também, que foi o primeiro shopping que surgiu na cidade. Depois foi sumindo isso, hoje quase não tem. Os jogos foram evoluindo e é bem diferente. Mas eu gostava bem. Brincava muito na casa de um amigo no Sion. A gente ficou amigo por causa do vôlei, e na casa dele tinha piscina, sinuca... Então a gente passava às vezes o final de semana lá, mas mais dentro de casa também, pouca coisa na rua. L: E do Museu Abílio Barreto, você tem alguma lembrança? P: Tenho pouca, mas tenho. A gente ia até com mais frequência ali. Tinha a Maria Fumaça, acho que tinha uma mini maquete de Belo Horizonte também, da quando era Curral del Rei. Mas já fui muitas vezes lá.
Entrevistado: Tiago de Freitas Gomes Ano de nascimento: 1980 L: Nascido em Belo Horizonte? T:Sim L: Em qual bairro onde morava durante a infância T: Santa Lúcia (até 10 anos), e Lourdes L: Onde na cidade você costumava brincar durante a infância? T: No Santa Lúcia brincava na garagem, caixa d’água, casa dos vizinhos (em especial a cobertura), Minas Tênis Clube I, nas ruas próximas do prédio mais eventualmente. Passava boa parte dos fins de semana e férias em uma cidade do interior e na fazenda da família. No Lourdes eu brincava no Minas Tênis Clube I, Quadra, Salão de Festas e andava de bicicleta pelas ruas a partir da pré-adolescência. L:Que tipo de brincadeiras e jogos você costumava brincar? T: Apresentações de teatro e circo, confecção de pulseiras, areia, pique-esconde, vídeo game, desenho e outras atividades com papel e outros materiais, massinha de farinha de trigo, mágicas com câmera, clubinho na caixa d’água, lego, quebra-cabeça, bicicleta, skate, patins, elástico, bambolê. Na fazenda fazia casinhas de bambú, fogãozinho à lenha, andar à cavalo, nadar na represa. L: Brincava com outras crianças? Como as conhecia? T: Sim. Eram em sua maioria primos. Alguns vizinhos que não eram primos e eventualmente colegas da escola. L: Seus pais te davam liberdade para sair e brincar na rua? Por quê? T: Um pouco. Às vezes acompanhado ou a partir de uma certa idade para andar de bicicleta. Não havia proibição expressa, mas brincávamos mais dentro do prédio. Sair era um pouco perigoso, mais por conta dos carros. A não ser quando na fazenda e cidade do interior onde a liberdade era quase total. L: Como era a residência onde você morava durante a infância? Tinha quintal/área de lazer?
T: Até os 10 anos era um apartamento, e no prédio tínhamos apenas a garagem como área de lazer, onde no fundo, por um bom tempo, teve uma areia com brinquedos como balanço. Usávamos também as escadas do prédio, a parte de cima da casa de gás e a área da caixa d’água para um clubinho, ou a cobertura do meu vizinho de frente. Todas as crianças do prédio de 6 apartamentos eram primas e acabávamos tendo grande liberdade entre as casas. A partir dos 10, moramos num prédio com quadra e bastante espaço para brincar. L: Você tinha muitos brinquedos durante a infância? Preferia brincar com irmãos (se tiver) dentro ou fora de casa? T: Tínhamos um tanto razoável de brinquedos, acho que era bastante pra época, mas não como as crianças têm hoje. Brincava com minha irmã principalmente dentro de casa. Com os primos, além de casa, brincávamos muito na garagem também. Mas sempre gostei de atividades calmas como desenho. L: Tinha TV e videogame em casa? Com que frequência assistia/jogava? T:Tínhamos TV e Vídeo Game a partir de uns 6 anos. Assistia todos os dias a TV, desenhos e novelas. L: Frequentava locais públicos de lazer (parques, praças, clubes..)? Com que frequência? Ia acompanhado de responsáveis? Quais? T: Só ia a esses lugares até uns 12 anos, acompanhado ou da minha mãe ou da assistente do lar. Não íamos muito a parques e praças, até porque viajávamos para o interior/fazenda quase todos os fins de semana. Mas íamos ao clube algumas vezes na semana, até porque fazíamos natação ou outro esporte. Na pré- adolescência, por volta dos 12 anos, ia ao clube sozinho pois morávamos em frente. L:O que você acha que mudou na forma com que as crianças brincam hoje comparado a como brincavam na sua época de infância? T: Muito e fácil acesso à tecnologia tornando boa parte do tempo das crianças dedicado à brinquedos eletrônicos, cidade mais movimentada e perigosa para andar sozinho o que faz com que existam hoje mais prédios com grandes áreas de lazer ou condomínios fechados, mas menos aproveitados do que antes para brincadeiras ao ar livre. Acho que a nossa vida era mais calma e as brincadeiras duravam mais. Hoje acho que as crianças estão com muitas possibilidades nas mãos e por vezes se sentem perdidas no meio de tantos brinquedos. Acho que hoje todas as crianças tem acesso muito mais fácil aos brinquedos em geral. Tenho a impressão, que apesar das praças e áreas de prédios, as crianças se relacionam menos com vizinhos e outras crianças nos espaços públicos. O contato está mais desconfiado. Acho ao mesmo tempo que as crianças estão melhor orientadas e assistidas. A comparação é um pouco difícil. Se eu comparar a minha infância com a dos meus filhos, posso encontrar mais diferenças, mas isso não é generalizável. Meus filhos têm menos contato com primos por exemplo. Vão menos para o interior, onde eu tinha grande liberdade.
Entrevistado: Estevam Quintino Gomes Jr Ano de nascimento: 1990 L: E você lembra da sua infância? Onde você costumava brincar? E: No play do prédio, no plotis, no Minas Tênis Clube e dentro de casa. L: E o que você fazia no Minas? E: No Minas tinha o playground da areia, piscina infantil, algumas atividades também para as crianças no playground. Tipo essas pessoas que fazem atividades. Como que fala? Animador de criança. L: Recreador. E: Recreador. E lá tinha uns brinquedos de madeira. Também brincava na escola quando pequeno. L: Isso de brincar, da recreação, você tinha quantos anos mais ou menos?
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E: Ah, pra brincar na areia, essas coisas, até uns dez anos, no máximo. L: Quão longe o Minas ficava da sua casa? E: Só tinha que atravessar a rua pra chegar ao clube. L: E você ia sozinho?
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E: Não, eu ia com a Ice. Ela que me levava, a babá. L: Que outras liberdades seus pais te davam? Eles te deixavam sair, brincar em pracinhas? E: Às vezes eu ia a algumas praças, também com a babá. Também já fui ao zoológico, mas pouco. Ia muito à praça da Assembleia. L: Lá você interagia com outras crianças ou brincava sozinho? E: Eu não me lembro muito da Praça da Assembleia, mas sei que ia porque me falaram. Às vezes brincava na Praça da Liberdade. L: E no Minas, no playground do seu prédio... Você conhecia as crianças lá ou elas eram colegas de escola? E: No Minas eu ia muito, mas não me lembro de conhecer amigos lá. Apesar de que deviam ser sempre as mesmas crianças. Mas no meu prédio brincava com um vizinho que tinha mais ou menos a minha idade. E quando estava na escola, até o 3º período, às vezes a gente brincava junto com um vizinho do prédio ao lado. L: E como era seu prédio? O apartamento era pequeno, grande? Quais equipamentos ficavam no playground? E: O apartamento era grande, de quatro quartos. Os cômodos não eram muito grandes, mas o apartamento sim. E no plotis tinha uma quadra de peteca, uma churrasqueira e um salão de festa, mas a gente brincava mais na quadra. Havia também um ambiente embaixo do salão de festa, mas não tinha nada de brinquedo. L: E você brincava dentro de casa, com seus irmãos? E: Brincava muito de Lego, essas coisas... L: Você tinha muitos brinquedos? E: Tinha muitos brinquedos. Brincava com meu irmão mais novo às vezes, não muito. Depois que surgiu o computador ficava muito tempo nele. L: E televisão? E: Também. A gente ficava assistindo televisão o tempo inteiro, brincando e vendo televisão ao mesmo tempo. Também via quando estava almoçando, lanchando...
Entrevistada: Carolina Tavares de Sousa Vilela Ano de nascimento: 1990 L: Onde morava durante a infância? C:Santo Agostinho L:Onde na cidade você costumava brincar durante a infância? (espaços públicos, semi-públicos ou privados) C: Praça da Assembléia,Playground do prédio,Casa dos vizinhos do prédio,Casa dos meus avós no Barro Preto e no Sagrada Família,Escola
L:Que tipo de brincadeiras e jogos você costumava brincar? C:Esconde-esconde, Queimada, Bonecas, carrinhos, Inventávamos histórias fingindo ser outras pessoas, Jogos com cartas, Jogos de tabuleiro, andar de bicicleta/patins.. L: Brincava com outras crianças? Como as conhecia? C: Sim, com primos, vizinhos do prédio e colegas de sala quando estava na escola L:Seus pais te davam liberdade para sair e brincar na rua? Por quê? C:Não, jamais. Porque diziam que era muito perigoso. L:Como era a residência onde você morava durante a infância? Tinha quintal/área de lazer? C:Tinha área de lazer, prédio em pilotis com área em torno com jardim.No pilotis tinha mesa de sinuca e ping-pong, e uma quadra poliesportiva no fundo do terreno. L:Você tinha muitos brinquedos durante a infância? Preferia brincar com irmãos (se tiver) dentro ou fora de casa? C:Tinha muitos brinquedos. Preferia brincar dentro de casa ou no pillotis do prédio.Não podia ir na rua sozinha. Mas era bom ir na praça algumas vezes andar de bicicleta com a família toda. L:Tinha TV e videogame em casa? Com que frequência assistia/jogava?Você considerava a TV um brinquedo? C:Assistia TV todos os dias, jogava vídeo game 2 vezes por semana Não considero a TV um brinquedo e sim um passatempo L:Frequentava locais públicos de lazer (parques, praças, clubes..)? Com que frequência? Ia acompanhado de res ponsáveis? Quais? C:Praças, 2 vezes no mês. Com meus pais. L:Você tinha muitos brinquedos durante a infância? Preferia brincar com irmãos (se tiver) dentro ou fora de casa? C:Tinha muitos brinquedos. Preferia brincar dentro de casa ou no pillotis do prédio.Não podia ir na rua sozinha. Mas era bom ir na praça algumas vezes andar de bicicleta com a família toda. L:Tinha TV e videogame em casa? Com que frequência assistia/jogava?Você considerava a TV um brinquedo? C:Assistia TV todos os dias, jogava vídeo game 2 vezes por semana Não considero a TV um brinquedo e sim um passatempo L:Frequentava locais públicos de lazer (parques, praças, clubes..)? Com que frequência? Ia acompanhado de res ponsáveis? Quais? C:Praças, 2 vezes no mês. Com meus pais. L:O que você acha que mudou na forma com que as crianças brincam hoje comparado a como brincavam na sua época de infância? C : A única diversão delas é o vídeo game ou coisas tecnológicas do tipo. Raramente saem para brincar nas praças (não que eu saísse muito), mas brincava com brinquedos e na área de lazer do prédio e não somente com vídeo games e jogos no PC.
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Entrevistada: Clara Gomes Machado Ano de nascimento: 1994 L: Onde morava durante a infância? C:Rua Bernardo Mascarenhas, no Cidade Jardim
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L:Onde na cidade você costumava brincar durante a infância? (espaços públicos, semi-públicos ou privados) C: Costumava brincar no jardim/ quintal de minha casa, assim como na praça mais próxima, e, em momentos menos frequentes, em clubes esportivos e praças maiores, como a Praça da Liberdade. L:Que tipo de brincadeiras e jogos você costumava brincar? C:No que se refere à brincadeiras individuais, é possível citar bonecas, barbies, brincadeira de “casinha”. Já nas brincadeiras coletivas, posso citar pique-esconde, pega-pega, queimada, jogos de baralho e tabuleiro, entre outros. L:Brincava com outras crianças? Como as conhecia? C: Sim, brincava com crianças conhecidas na escola ou vizinhas/ filhos(as) de pessoas conhecidas dos meus parentes. L:Seus pais te davam liberdade para sair e brincar na rua? Por quê? C:Depende das condições e da idade que eu possuía. No geral, era acompanhada por alguma outra pessoa, tendo em vista o perigo alegado para uma criança brincar na rua. L: Como era a residência onde você morava durante a infância? Tinha quintal/área de lazer? C: Era uma casa grande, com cômodos grandes/ salas, além da presença de área externa com varanda, quintal, jardim, os quais eram os espaços de lazer. L: Você tinha muitos brinquedos durante a infância? Preferia brincar com irmãos (se tiver) dentro ou fora de casa? C: Sim, sempre tive muitos brinquedos. Preferia brincar fora de casa; o meu local preferido era a varanda da casa. L: Tinha TV e videogame em casa? Com que frequência assistia/jogava?Você considerava a TV um brinquedo? C: Sim, possuía TV em casa, mas não a assistia com muita frequência devido ao fato de minha mãe não gostar/ permitir que eu ficasse muito tempo na televisão, além de ela ser localizada em um cômodo de posse de minha tia. Não considerava a TV como um brinquedo, por quase nunca ver programas para criança. Em relação ao videogame, eu não possuía/ não possuo. L:Frequentava locais públicos de lazer (parques, praças, clubes..)? Com que frequência? Ia acompanhado de res ponsáveis? Quais? C: Sim, frequentava com frequência alta tais ambientes, principalmente praças. No geral, era acompanhada de minha mãe, ou de alguma babá. L:O que você acha que mudou na forma com que as crianças brincam hoje comparado a como brincavam na sua época de infância? C:Acredito que hoje em dia as crianças possuem menos contato com os ambientes reais, passando a ocupar grande parte de seu tempo em aparatos virtuais, como tablets e computadores. Além disso, muito se perdeu na convivência em grupo das crianças, as reuniões em casa, etc.
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Entrevistas sobre mudanças de hábitos na infância Quadro comparativo
Nome do Entrevistado Estevam (pai)
Ano de nascimento Década de infância 1953
Bairro onde morava 50 Cidade Jardim
Brincava nas ruas? Brincadeiras Brincava na Rua Bernardo Toco, Nego, Fugido , Mascarenhas. Só brincava nas ruas. A Bentialtas, Mãe da Rua, rua era de paralelepípedos e a Finca, futebol, Fazer calçada era de terra. Havia poucos cabanas, Soltar papagaio, automóveis de vez em quando carrinho de rolimã passava um carro . Jovaa futebol na rua. Chegava da escola e punha a pasta delado e ia pra rua Brincava no córrego
Interação com outras crianças Uso de aparelhos eletrônicos Residência em que passou a infância As crianças da vizinhança iam se conhecendo Possuía TV em casa, mas quase não Reformada em 64. Até reformar era uma casa de 3 nas ruas. Tanto meninos e meninas saíam assistia. Só assistiam TV a noite, quartos e 1 banheiro para 8 filhos. Depois aumentos 6 apra brincar. As novas crianças no bairro se para ver novelas. quartos e 4 banheiros. Sempre teve quintal grande. A enturmavam logo. Não havia distinção entre casa não tinha muro. classes -‐ no caso específico da vizinhança, entre filhos de bancários e banqueiros -‐
Á I a n o f m m c o f Casa com quintal grande, murada, não dava pra ver o a P rua. Tinha só o portão da garagem. d L d a
Paulo (irmão mais novo)
1967
70 Cidade Jardim
Brincava muito com a vizinhança, Mãe da rua, finco, bolinha Brincava com 2 vizinhos da mesma idade, Assistia pouca tv, mais à noite.Já juntamente com mais algumas criança. As existia videogame, mas não desde os 6 até os 13 anos. A rua era de gude, pegador, tonca asfatada. Brincava mais no quintal do (tipo de carrinho de rolimã), casas tinham quintal, então brincavam lá. Os tinham. Brincava muito de pais orientavam a escolha da amizade. Os fliperama, jogando pimball perto que nas ruas. Ainda passava pouco forte apache, futebol na amiguinhos eram filhos de amigos dos pais. do Minas,Savassi e BH Shopping, carro, não era algo contante que rua,mexer com quem porém aos 14/15 anos. Jogavam atrapalhasse a brincadeira.A maioria passava na rua, como por ex. durante toda a tarde nos fins de era no gramado do passeio, que era jogar água, polícia e ladrão semana. Jogos individuais sozinhos de terra. no gramado do passeio. contra a máquina.
Tiago Gomes (filho)
1980
80 Santa Lúcia e Lourdes
Brincava dentro do prédio no Santa Apresentações de teatro e Brincava muito com primos, que moravam Tínhamos TV e Vídeo Game a partir Até os 10 anos era um apartamento, e no prédio no mesmo prédio, e as vezes com amigos da de uns 6 anos. Assistia todos os tínhamos apenas a garagem como área de lazer, onde Lúcia. Morava em um prédio com a circo, confecção de escola que iam visitar dias a TV, desenhos e novelas. no fundo, por um bom tempo, teve uma areia com família. Já havia movimento de carro pulseiras, areia, pique-‐ brinquedos como balanço. Usávamos também as então brincava na garagem do esconde, vídeo game, escadas do prédio, a parte de cima da casa de gás e a prédio, Caixa D'água, Casa dos desenho e outras atividades área da caixa d'água para um clubinho, ou a cobertura vizinhos (em especial a cobertura), com papel e outros do meu vizinho de frente. Todas as crianças do prédio Minas Tênis Clube I, e mais materiais, massinha de de 6 apartamentos eram primas e acabávamos tendo eventualmente nas ruas próximas do farinha de trigo, mágicas grande liberdade entre as casas. A partir dos 10, prédio. Minas Tênis Clube I, Quadra, com câmera, clubinho na moramos num prédio com quadra e bastante espaço Salão de Festas e andava de bicicleta caixa d'água, lego, quebra-‐ para brincar. pelas ruas a partir da pré-‐ cabeça, bicicleta, skate, adolescência. patins, elástico, bambolê
Estevam Gomes (filho)
1990
90 Lourdes
Brincava no pilotis do prédio, no Minas e dentro de casa. O minas tinha playground de areia, piscina infantil e atividades para crianças com recreador. Tinha brinquedos de madeira, em que brincava até os 10 anos.
Clara Gomes
1994
90 Cidade Jardim
Lucia Raquel Tavares de Souza Vilela
1956
50
Carolina Vilela
1990
90 Santo Agostinho
Isabela Vale
1974
70 Santo Antônio
Lego, desenho, jogos de computador (com mais de 10 anos), televisão, outros brinquedos. Tinha bicicleta, mas andava pouco, só no playground ou quando viajava para o interior.
S o m p s s e i
Não se lembra de conhecer novos amigos no Assistia muitos desenhos na TV (tv Apartamento grande, com 4 quartos. No pilotis tinha P uma quadra de peteca, uma churrasqueira e um salão C Minas, apesar de frequentar muito. Brincava cultura e cartoonetwork). Tinha com as crianças do prédio no play e com um um megadrive e depois um de festas. supernitendo e jogava muito, antes coleguinha do prédio ao lado que era da mesma escola. Amigos de escola iam visitar. de ter computador. Jogava sozinho e com o irmão mais novo.
Morava na mesma casa que o bonecas, barbies, Brincava com crianças conhecidas na escola Estevam pai, na Rua Bernardo brincadeira de "casinha". Já ou vizinhas/ filhos(as) de pessoas conhecidas Mascarenhas.Não brincava nas ruas, nas brincadeiras coletivas, dos meus parentes. Costumava brincar no jardim/ posso citar pique-‐esconde, quintal de minha casa, assim como pega-‐pega, queimada, jogos na praça mais próxima, e, em de baralho e tabuleiro, entre momentos menos frequentes, em outros. clubes esportivos e praças maiores, como a Praça da Liberdade. 50 Morava no Santo agostinho Rua Bola, bicicleta, Benti-‐altas, Amigas da rua (filhos de amigos) ou do Assistia desenho, seriados, assistia colégio. com a família, mas não via muita Timbiras 3236. Brincava mais na bol de meia, esconde-‐ tv. calçada e jogando bola na rua. esconde, bonecas (dentro de Brincou na rua até os 13 anos. casa) Brincava mais com meninas do que com meninos. Qualquer coisa era brinquedo.
Era uma casa grande, com cômodos grandes/ salas, além da presença de área externa com varanda, quintal, jardim, os quais eram os espaços de lazer.
F a
Casa enorme, de esquina, com uma varanda grande. N Vivia aberta. Tinha um portãozinho baixo. Preferia p brincar com os amigos do que com irmãos. Desntro de casa brincava com as primas (ou ia para a casa delas). Tinha um laguinho no jardim de frente que brincava, mas foi fechado depois que ela caiu e bateu a cabeça.
Brincava no play do prédio e dentro Esconde-‐esconde de casa. Aos fins de semana, os pais Queimada levavam ela e o irmão para brincar Bonecas, carrinhos em parques e andar de bicicleta.Ia na Inventávamos histórias Praça da Assembléia fingindo ser outras pessoas Playground do prédio Jogos com cartas Casa dos vizinhos do prédio, Jogos de tabuleiro Casa dos avós no Barro Preto e no Andar de bicicleta/patins Sagrada Família, Escola
Primos, vizinhos (no prédio), colegas de sala Via muita tv e jogava videogame (na escola)
Tinha área de lazer, prédio em pilotis com área em torno com jardim.
Morava na Rua Leopoldina. Tinha Carrinho de rolimã na rua muitos primos e brincava com eles inclinada, queimada na rua na rua.Na leopoldina era um pouco plana. No quintal brincava movimentada em relação a de dar aula e de automóveis,mas as outras ruas eram escritóro.Bonecas, quase nada movimentadas. Violência maquiagem zero. A favela era a alguns quarteirões, e como o pai dava biscoito a quem pedia acabava brincando com as crianças que faziam fila para pedir.
Brincava sempre com primos e as vezes Assistia Tv mais à noite. De dia Quintal Grande, delicioso, com árvores. Já teve porco da ´ndia, galinha, pato, tartaruga. Casa tinha portão alguns amigos, filhos de conhecidos dos pais. quase nunca, as vezes assistia Não tinha muitos amigos na rua, mas na rua desenhos antes de ir para a escola baixo, depois na década de 80 o pai aumentou o debaixo tinha alguns meninos com quem com a irmã,como caverna do portão. Hoje aumentou o muro mais ainda em uma brncava e ainda mantém contato. Brincava dragão. De noite assistia novela e reforma (aprox 30cm) bem mais no quintal que na rua, de jogava atari de noite e pacman. Os escritório e de dar aula. pais saíam muito e elas ficavam com a empregada assistindo Viva a noite e desenhos , principalmente aos fins de semana
P
No pilotis tinha mesa de sinuca e ping-‐pong E quadra poliesportiva no fundo do terreno.
I a A f
Áreas públicas de lazer que frequentava Locais inesperados Brinquedos Ia muito em turma (sem os pais, a pé ou de trólegos) Briga de turma com turma. Tinha poucos brinquedos. Bicicleta era caríssima. ao parque municipal para andar nos barquinhos, que Córrego do leitão. Pegava naquela época já se pagava pra andar. Naquela epoca raposa, piaba com peneira, Ganhava apenas um presente bom no natal. As próprias o parque não possuía grades, porém não era muito pegava passarinhos com arapucas e alçapões. Brincava crianças faziam seus frequentado a noite, pois segundo ele não havia brinquedos muita coisa a se fazer lá nesse horário. Frequentava de fazer cabanas em lotes muito a Praça dos Porcos, que já existia na época no vagos. Brincava muito no museu historico Abílio Barreto cidade jardim e se localiza a apenas um lote casa (já existente na época) onde morava.A praça da Liberdade só foi mais frequentada durante a adolescência. Praça dos Porcos, brincava de correr. Não se lembra Brincava em lotes vagos, montando cabanas e guerra de ter ido ao parque municipal nem Praça da Liberdade. Lembra-‐se de ir ao mineirão para ver jogos de mamonas. Havia um lote do América. Entrou para a equipe de volei no Minas aos 13 anos e começou a frequentar o clube.
Só ia a esses lugares até uns 12 anos, acompanhado Caixa d'águado prédio ou da minha mãe ou da assistente do lar. Não íamos muito a parques e praças, até porque viajávamos para o interior/fazenda quase todos os fins de semana. Mas íamos ao clube algumas vezes na semana, até porque fazíamos natação ou outro esporte. Na pré-‐ adolescência, por volta dos 12 anos, ia ao clube sozinho pois morávamos em frente.
Tínhamos um tanto razoável de brinquedos, acho que era bastante pra época, mas não como as crianças têm hoje. Brincava com minha irmã principalmente dentro de casa. Com os primos, além de casa, brincávamos muito na garagem também. Mas sempre gostei de atividades calmas como desenho.
Praça da Assembleia, Praça da Liberdade, Minas Tenis Nenhum Clube. Ia com a babá.
Tinha muitos brinquedos. Brincava mais de lego.
Frequentava praças,acompanhada da mãe, ou de alguma babá.
nenhum
Sempre teve muitos brinquedos. Preferia brincar fora de casa; o meu local preferido era a varanda da casa.
Não se lembra de brincar em parques e praças. Só passou a frequentar a Pç da Liberdade mais velha.
Brincava no hospital Vera Cruz Não tinha muitos brinquedos. (o muro do hospital era baixo, Tinha bicicleta. eles pulavam o muro). Não se lembra de reclamações de funcionários do hospital. Passava as férias na casa dos tios (era como ''viajar'')
Praças, 2 vezes no mês. Com meus pais.
Ia muito ao Parque municipal com os pais e também a praça do papa, semrpe acompanhava e de carro. Apesar de ter uma pracinha perto de casa, não frequentava por ser muito pequena
Tinha muitos brinquedos.
Aprendeu a andar de bicicleta Tinha brinquedos, porém nem no estacionamento do BH 1/3 do que o filho tem hoje Shopping, que estava em construção. Ia com os pais, tios e primos e passavam a manhã de sábado andando de bicicleta. Brincava de esconder em obras.
Mudanças percebidas na vizinhança durante a juventude Liberdade dos pais Não percebeu grandes mudanças durante a infância. Até se mudar Ia para a escola a pé era bem tranquilo.Atribui a segurança ao regime militar. Os Pangiavca Lojas. traumas saam todos na rua. Não existia Bullying. Percebeu drogas na rua somente aos 17 anos.
Com 18 anos tinha que ter cuidado bem maior do que quando tinha 12. Pequenos roubos começaram a ficar mais frequentes.
Nenhuma. A área já era consolidada.
Irmãos 10 irmãos. Brincavam for a de casa
Relação com o filho O que mudou em relação a infância hoje em dia Brincava dentro do prédio no Santa Lúcia. Morava em um prédio com a família. Já havia movimento de carro e não dava mais pra brincar na rua.
Ia sozinho de ônibus para o 10 irmãos. Sto Agostinho, onde estudava. A mãe dava liberdade, só quera saber onde e com quem estava , mas não ficava vigiando as brincadeiras.
Mudou tudo. Hoje as crianças estão muto mais presas, brincam só dentro de casa, poucos tem oportunidade de morar em casa. Jogos eletrônicos acabam prendendo as crianças.
Considero ter tido um 3 irmãos pouco de liberdade Às vezes acompanhado ou a partir de uma certa idade para andar de bicicleta. Não havia proibição expressa, mas brincávamos mais dentro do prédio. Sair era um pouco perigoso, mais por conta dos carros.
Muito e fácil acesso à tecnologia tornando boa parte do tempo das crianças dedicado à brinquedos eletrônicos, cidade mais movimentada e perigosa para andar sozinho o que faz com que existam hoje mais prédios com grandes áreas de lazer ou condomínios fechados, mas menos aproveitados do que antes para brincadeiras ao ar livre. Acho que a nossa vida era mais calma e as brincadeiras duravam mais. Acho que hoje todas as crianças tem acesso muito mais fácil aos brinquedos em geral. Tenho a impressão, que apesar das praças e áreas de prédios, as crianças se relacionam menos com vizinhos e outras crianças nos espaços públicos. O contato está mais desconfiado. Acho ao mesmo tempo que as crianças estão melhor orientadas e assistidas. A comparação é um pouco difícil. Se eu comparar a minha infância com a dos meus filhos, posso encontrar mais diferenças, mas isso não é generalizável. Meus filhos têm menos contato com primos por exemplo. Vão menos para o interior, onde eu tinha grande liberdade
Saía com a babá, mesmo o 3 irmãos minas sendo em frente ao prédio em que morava. Não andava sozinho até os 12 anos. Tinha motorista que o levava às aulas de carro. Ia a pé para a escola com a babá no infantil. Saía sempre acompanhada Filha única
Ia para a escola com a 6 irmãos. empregada até os 10 anos. Preferia Brincava até as 9, desde brincar com que voltasse para o jantar. amigos do que Saía para fazer trabalhos na com irmãos, casa de amigos. Aos 7 anos, pois brigavam ia sozinha de onibus muito. encontrar com a mãe no centro. Pagava coisas no banco para a mãe sozinha
Levava para todos os 1 irmão lugares. Não podia sair na rua sem os pais, mesmo na companhia da babá. Os amiguinhos eram da escola e do prédio. Vinham poucos amigos para brincar em casa. Acordava de manhã e descia para o play do prédio. A babá levou duas vezes na praça, mas os pais não gostaram pois consideravam o local sujo (uma vez o filho pegou pelada). Só brincava de areia na escola. Só ia pra praça com os pais, para andar de bicicleta aos fins de semana. Saíam muito no Parque Guanabara (o irmao morava na Pampulha).
A mãe não ligava muito 1 irmã. onde os filhos estavam. Ia a pé para a escola com uma vizinha (estudava no dom silvério) e voltava de carro com o pai ou vizinhos. A mãe levava para todas as atividades (fazia balé, natação e inglês), e buscava, pois não trabalhava. Quando era perto ia a pé com a irmã, e quando era longe ia de carro
Sem filhos
Sem filhos
Atividades/tempo livre Não tinha nenhuma atividade a não ser a lição de casa
Equipe de volei aos 11
Fazia inglês, tenis, futebol
Acredito que hoje em dia as crianças possuem menos contato com os ambientes reais, passando a ocupar grande parte de seu tempo em aparatos virtuais, como tablets e computadores. Além disso, muito se perdeu na convivência em grupo das crianças, as reuniões em casa, etc.
Levava para todos os lugares. Não podia sair na rua sem os pais, mesmo na companhia da babá. Os amiguinhos eram da escola e do prédio. Vinham poucos amigos para brincar em casa. Acordava de manhã e descia para o play do prédio. A babá levou duas vezes na praça, mas os pais não gostaram pois consideravam o local sujo (uma vez o filho pegou pelada). Só brincava de areia na escola. Só ia pra praça com os pais, para andar de bicicleta aos fins de semana. Saíam muito no Parque Guanabara (o irmao morava na Pampulha).
Não tinha nenhuma atividade a não ser a lição. Dormia após o almoço
A única diversão delas é o vídeo game ou coisas tecnológicas do tipo. Raramente saem para brincar nas praças (não que eu saísse muito), mas brincava com brinquedos e na área de lazer do prédio e não somente com vídeo games e jogos no PC
ballet, natação, ingles
Atividades não realizadas
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Crianças do Buritis: Vamos brincar de escorregar? Oficina de carrinhos de papelão Sábado 11/04
Esquina da Rua Cônsul Walter com Rua Clementino Viana Dotti Se puder, leve para compartilhar:
Como atividade inicial para chamar crianças do bairro, antes de realizar a parceria com o projeto Bom na Bola Bom na Vida, imaginei fazer um evento em um espaço subutilizado de umconjunto de prédios próximo a pracinha na Rua Stella Hanriot. O terreno do condomínio possui uma área voltada para a rua, que não possui uso algum. Surgiu então a ideia de uma oficina de carrinhos de papelão, para que as crianças já entendessem o propósito do projeto: ocupar os espaços subutilizados do bairro. Com esse evento pretendia reunir um grupo de crianças e marcar um evento na rua gramada da Silvio de Oliveira. Devido a restrições burocráticas da administração do edifício, não pude realizar o evento naquele local. Descartei também a oficina de papelão, uma vez que essa atividade com tema previamente proposto limitaria o imaginário e autonomia das crianças.
Se essa rua fosse minha . .
Rua gramada que liga as ruas Silvio de Oliveira Martins e Cônsul Walter
Já pensou se o espaço público fosse projetado por crianças? Vamos planejar juntos um espaço de brincadeiras para o bairro! Para crianças de 7 a 11 anos com vontade de mudar um pedacinho do Buritis Pais, tragam seus filhos! Vamos conversar sobre o projeto e marcar uma data para começar nossas ideias!
Como participar?
Banquinha de informações nesse sábado (10/04) 10:00 às 16:00h Na pracinha da rua Stella Hanriot Esquina com Cônsul Walter
Vem, vai ter pipoca!
Apoio: Associação de moradores do Bairro Buritis
No dia 11/04, fui até a pracinha da Rua Stella Hanriott com uma banquinha para apresentar as primeiras ideias e objetivos do projeto aos moradores do bairro. Divulguei no Facebook, porém a divulgação não atraiu ninguém ao mini-evento. Os adultos e crianças - cerca de 10 pessoas- a quem dei explicações sobre o projeto já estavam na pracinha para brincar. Todos aprovaram a ideia, deram informações sobre espaços em potencial e disseram que ajudariam a divulgar. Esse evento porém não teve o sucesso esperado, uma vez que as crianças eram muito pequenas e discutiram pouco sobre a proposta.
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Panfleto explicativo para a reunião da Associação de Moradores do Buritis
Lugar de criança é na rua! Trabalho de Conclusão de Curso Arquitetura e Urbanismo - UFMG Lorena Vaccarini Ávila
Ao conferir novos sentidos para os lugares a partir de mudanças rápidas, o urbanismo tático cria cidades mais amigáveis aos moradores e, muitas vezes, motiva as pessoas a repensarem seus hábitos por meio dos diferentes encontros e trocas que esses espaços possibilitam.
Nome dado ao movimento que utiliza projetos rápidos, pequenos e/ou temporários para demonstrar a possibilidade e o potencial de mudanças em larga escala e a longo prazo.
O que é Urbanismo Tático?
Proposta de urbanismo tático: Ocupação de espaços públicos residuais por crianças.
Incentivar as crianças a perceberem o bairro desde pequenas;
Objetivos: Incentivar maior interação entre crianças vizinhas; Oferecer uma alternativa às áreas de lazer privadas de condomínios; Dar às crianças o poder de participar e alterar o espaço em que brincam.
Como fazer? Construção de pequenos playgrounds em espaços residuais do bairro Buritis, que possam oferecer mais liberdade para brincar às crianças residentes na vizinhança e maior identificação com o espaço urbano onde moram.
Onde fazer?
Trecho não asfaltado na Rua Célio de Carvalho (entre Cônsul Walter e R. Sílvio de Oliveira Martins)
Alguns exemplos de espaços subutilizados do bairro:
Trecho não asfaltado entre R. Stella Hanriot e R. Ulisses Marcondes Escobar
Trecho não asfaltado entre Rua Protásio de Oliveira Penna e R. Prof. Miguel de Souza
Praça na Rua Doadora Eliane Stancioli (sem saída)
Beco que liga R. Doadora Eliane Stancioli e R. Alessandra Salim Cadar
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Existem experiências que deram certo?
Escorrega - Belo Horizonte, 2012
Baltic Street Adventure Playground - Reino Unido http://assemblestudio.co.uk
Como atrair as crianças e permitir a elas moldar seu próprio espaço?
Lotes Vagos - Belo Horizonte, 2006. Louise Ganz e Breno Silva.
Bloom - The Game - Londres, Reino Unido
Lotes Vagos - Belo Horizonte, 2006. Louise Ganz e Breno Silva.
Modular Climbing Boxes, Kodomo No Kuni Park, Yokohama, Japão.
Clouds - Ronan e Erwan Bouroullec
Contato: Lorena Vaccarini Ávila Graduanda em Arquitetura e Urbanismo na UFMG (31)8869-0255
Primeira atividade com as crianรงas do projeto Bom na Bola, Bom na Vida
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Segunda atividade com as crianรงas do projeto Bom na Bola, Bom na Vida
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Segunda atividade com as crianรงas do projeto Bom na Bola, Bom na Vida
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Evento de dia das m達es na Rua Eliane Stanciolli
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07/05/15
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Primeiro evento do projeto Se essa rua fosse minha na Rua Silvio de Oliveira Martins
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Segundo evento do projeto Se essa rua fosse minha na Rua Silvio de Oliveira Martins
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Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG Trabalho de Conclus達o de Curso Aluna: Lorena Vaccarini Orientador: Marcelo Maia 2015/1