La Mémé - Lucien Kroll

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la MĂŠmĂŠ 1970-1978 lucien kroll

lourdes caroline r s silva - 92441 outubro 2020 - arq 319



lucien kroll Sua visão de arquitetura como algo colaborativo foi ainda mais fortalecida na década de 1960, quando projetou um mosteiro beneditino belga em Ruanda, onde teve contato com a cultura da África Central e passou a observar a arquitetura tradicional e questionar a função do arquiteto. Kroll critica o modernismo por sua abordagem funcionalista e impositiva, considerando longas linhas retas e fachadas de vidro espelhado como “fascistas”. Em todos os seus projetos Kroll questionava a divisão de papéis estabelecida entre arquiteto, usuário e construtores, aplicando conceitos presentes nas teorias de John Habraken e John F. C. Turner. As ideias de arquitetura participativa são aplicadas até hoje, principalmente em habitações sociais. Kroll nasceu em Bruxelas, Bélgica em 1927, e se formou arquiteto e urbanista em 1951 na Ecole Nationale Supérieure d'A rchitecture de la Cambre, Institut International d'Urbanisme Appliqué (Gaston Bardet), em Bruxelas. Apenas dois anos depois, em 1953, Lucien Kroll abre seu próprio Ateliê, no qual incentiva a participação dos habitantes em seus projetos e promove a implementação de conceitos ecológicos e de integração com a natureza, junto de sua esposa, a paisagista Simone Kroll.

Convento dominicano, Ottignies - Bégica (1975) DAVIES, 2018

john habraken elemental

teoria dos suportes Sar

simone kroll lucien kroll arquitetura participativa

john f. c. turner

louis le roy ecologia autoconstrução walter segal

teorias e conceitos pessoas, grupos e escritórios

nabeel hamdi

Distrito"Les Vignes Blanches", França (1977-1989) POTIÉ, 2018


la mémé

Universidade Católica da Luvaina, Bruxelas, Bégica (1970-1978) O edifício é utilizado como alojamento para estudantes de medicina e acomoda lojas nos dois primeiros pisos, tendo seu apelido La Mémé proveniente da abreviação de Maison Médicale. Faz parte de um projeto maior feito por Kroll para a Universidade Católica da Lovaina, que incluia oito construções, além dos jardins e passarelas. O projeto não foi realizado por completo, sendo construídos apenas o edifício do alojamento (La Mémé), o edifício da escola e administração, o restaurante, o edifício do centro ecumênico e posteriormente o metrô (1979-1982). O projeto foi feito junto de sua esposa, Simone Kroll, que foi responsável pelo paisagismo e auxiliou na comunicação com os estudantes, além de atuar diretamente no projeto da estação de metrô. restaurante

escola e administração

centro ecumênico metrô

la mémé

Edifício La Mémé RUEPP, 2018

“Existem duas abordagens possíveis para criar habitação: uma é autoritária, com ´especialistas´produzindo ´objetos de morar´, que reforçam o tédio do usuário de forma racional, confortável e higienista; e a outra é partipativa e plural, envonvendo cada indivíduo como uma pessoa, e não uma função, em uma divisão de resposabilidades e compartilhamento de papéis”

edifícios contruídos Projeto inicial de Kroll para a UCLouvain Fonte da foto base: POTIÉ, 2018


La Mémé foi feito de forma participativa, tanto no projeto quanto na própria construção, nos quais os estudantes de medicina e as crianças que estudariam na escola fundamental, presente nos dois primeiros andares do prédio, colaboraram de diferentes formas. A abordagem participativa de Kroll se assemelha aos ideais de Turner, na qual o processo linear de projeto é substituído por um mais circular, levando em consideração a experiência, as necessidades e as expectativas dos usuários. informações de experiências passadas La Mémé (alojamento) POTIÉ, 2018

Restaurante Patrimone Brussels, 2018

contexto inicial

agente

atividades

mudanças obtidas

contexto modificado

informações de expectativas para o futuro Baseado em um diagrama de Turner, 1976

Edifício da administração e escola POTIÉ, 2018

Metro Alma Claudine Colin Communication, 2015

Edifício do Centro Ecumênico Nomads USP, 2005

Para isso, eram realizadas reuniões informais, algumas inclusive na casa de Kroll, na qual as ideias de cada aluno eram ouvidas e incorporadas no projeto final, fazendo o edifício tomar uma forma orgânica e heterogênea. Os alunos do fundamental participaram do projeto dos dois primeiros andares do La Mémé, onde ficaria não só a escola, mas outros serviços e comércios. As crianças foram estimuladas a criar seu próprio modelo em maquete, que poderia posteriormente ser modificado de acordo com as necessidades da escola, uma vez que parte das paredes seriam feitas com divisórias móveis.

Nomads USP, 2005

POTIÉ, 2018


Já os estudantes de medicina participaram da disposição de edifícios e da definição dos tipos no alojamento. Para atender todos os alunos, foram criados diferentes acomodações: os quartos possuiam diferentes formas e podiam ser ampliados ou divididos, uma vez que as paredes divisórias poderiam ser movidas. Para os alunos que não queriam dividir espaços, foram criados flats e quartos individuais em uma porção do edifício, que foi ironicamente chamada de “o fascista”, e também teve suas características refletidas na fachada, que foi coberta por um vidro espelhado.

Alunos participando da construção POTIÉ, 2018

Os alunos que ficaram no último andar do prédio dividiram quartos maiores e desenharam o próprio mobiliário, que posteriormente foi confeccionado pela equipe de Kroll. Nesses quartos foram colocados apenas alunos com rotinas e estudos similares, uma vez que um número grande de alunos conviveriam no mesmo espaço. Foram criados diversos níveis, garantindo assim espaços particulares e espaços compartilhados.

Desenho da setorização feita pelos alunos POTIÉ, 2018

Fachada La Mémé, onde é possível ver “o fascista” à direita. Paradise Backyard, 2019

Alguns alunos também participaram da construção em si, auxiliando na obra, e muitos outros participaram do posicionamento das divisórias, garantindo que os ambientes se moldassem ao máximo aos seus usuários. POLETTI, 2010


GALLE; TEMMERMAN, 2013

A planta foi pensada para se adequar às necessidades dos usuários, através de diversos tipos de acomodações e de divisórias móveis, mas Kroll também queria que as possibilidades do edifício instigassem os moradores a serem livres e criativos. Essas possibilidades foram traduzidas para outros elementos do edifícios como: a criação de diversos caminhos através de múltiplas entradas e varandas interligadas; o uso de um contrapiso mais grosso, possibilitando a passagem de novos fios e tubulações caso fosse necessário; e a distribuição irregular de pilares. Segundo Kroll:

“Colunas regulares criam conformistas. As irregurares desafiam a imaginação”

Centre For Fine Arts Brussels, 2016

Se baseando em Habraken, Kroll constrói primeiro a estrutura do edifício, que funciona como um esqueleto, porém não é neutro, uma vez que não obedece um grid rígido, possuindo pilares irregulares que formam diferentes espaços favorecendo usos diversos. Uma vez o esqueleto pronto, os componentes da fachada e das divisões internas podiam ser criados de forma colaborativa entre arquitetos, construtores e alunos.


O pilares desse esqueleto se apresentavam em um formato de cogumelo, chamados de “mushroom colums”, o que apesar de ser mais caro em questão de materiais, poupava tempo na construção, fazendo deles mais econômicos. Esses mesmos pilares foram utilizados em diversos outros edifícios da universidade, inlusive no metrô.

Lucien Kroll também aplicou os conceitos da SAR (Stichting Architecten Research), grupo no qual John Habraken participou da fundação e foi diretor durante dez anos. Essas ideias consistiam em utilizar de elementos produzidos em séries, de forma a maximizar as possibilidades e facilitar a modificação, mas ao mesmo tempo economizar recursos financeiros. Para possibilitar tanta diversidade e personalização em sua arquitetura, sem aumentar demasiadamente os custos, Kroll optava por materiais mais resistentes e baratos, e não se importava de misturá-los, o que fica claro na fachada.

“Homogeneidade de forma e materiais é artificial”

Patrimone Brussels, 2018

Paradise Backyard, 2019

O alojamento também é muito conectado ao paisagismo e à praça Alma, tanto através das diferentes janelas e varandas, quanto pela forma que os demais edifícios foram posicionados na universidade. A praça se encontra exatamente ao centro dos edifícios, e acima da estação de metrô. Nesse espaço também não existem ruas para automóveis, o que faz com que essa praça seja usada como um passeio, e estimula que os edifícios sejam acessados a pé. Possuindo canteiros com formatos orgânicos e diferentes níveis, ela possibilita diversos caminhos, instigando o usuário e proporcionando uma visão de quase todas as elevações dos edifícios.

vidro espelhado

aço

azulejos

telhas de fibrocimento

tijolos cerâmicos

vidro

chapas de aço

tijolos de concreto

trepadeiras


Na fachada, além do uso de diversos materiais e cores, também é possível observar muitos elementos, como escadas, portas, janelas, paineis e varandas. Esses elementos, juntamente das próprias paredes que ora avançam e ora recuam, criam uma forma orgânica que possibilita a entrada de iluminação de forma bem distribuída pelo edifício, que também é favorecida por aberturas zenitais. As janelas e portas também permitem uma boa ventilação, gerando assim maior economia de recursos quando o alojamento foi ocupado. POTIÉ, 2018

POTIÉ, 2018

A integração com natureza foi criada através de jardins nos terraços, onde eram plantados vegetais e ervas, e do uso de trepadeiras. Pouco tempo após a entrega do projeto as trepadeiras foram retiradas, não chegando a se desenvolver como proposto em projeto.

Os materiais quando não duráveis, eram fáceis de substituir, optando pela compra de elementos pré-fabricados. A escolha desses materiais, a integração com a natureza e planta flexível fazem do edifício uma referência em projetos ecológicos, mesmo sem seguir o estereótipo de sustentabilidade.

LIM, 2011


Como já mencionado no início, o projeto de Kroll não foi totalmente realizado, e até mesmo o alojamento foi diversas vezes ameaçado de ser suspenso ou cancelado. Isso se deve ao fato dos edifícios terem tomado formas não convencionais, além de serem feitos de forma participativa com os usuários. Normalmente essa comunicação era feita através de reuniões muito informais, que impossibilitavam o controle da universidade sobre as decisões tomadas. Para Kroll, mesmo seu cliente sendo a universidade, os verdadeiros usuários eram os alunos, uma vez que eles iriam morar no La Mémé. Mesmo com a resistência da universidade, podemos perceber que o projeto se adaptou muito bem às necessidades da comunidade, uma vez que até hoje é utilizado e apreciado pelos estudantes.

Patrimone Brussels, 2018

Até mesmo as praças e os caminhos criados por Lucien e Simone Kroll permanecem quase iguais, tendo sido feitos apenas manutenções e extensões para conectar os novos edifícios. Continuam sendo um espaço bem arborizado e de intenso fluxo de pessoas, possuindo alguns bares que fazem da praça um local de diversos usos.

Patrimone Brussels, 2018

Atualmente La Mémé continua tendo o mesmo uso como alojamento, e acomoda lojas em seus dois primeiros andares. O edifíco do centro ecumênico, a estação de metrô Alma e o edifício da escola e administração também continuam possuindo o mesmo uso, e também acomodam alguns serviços e comércios. Já o restaurante foi o espaço que mais sofreu mudanças, uma vez que foi projetado para apenas 750 usuários, além dos alunos não terem se adaptado ao seu formato de “restaurante de fábrica” . Hoje o edifício do restaurante acomoda salas de reuniões e estudos, além de alguns bares.

Patrimone Brussels, 2018

Google Earth, 2020


referências:

LUCIEN kroll. Paradise Backyard, 2019. Disponível em: <http://paradisebackyard.blogspot.com/2019/03/lucien-kroll.html?m=1>. Acesso em: 17 out. 2020 TO the reader of architecture in europe. Northern Architecture, 2020. Disponível em: <https://www.northernarchitecture.us/housing-project/to-the-reader-of-architecture-in-europe.html>. Acesso em: 17 out. 2020 LIM, Gin Huang. Architecture as Production from Culture. Slidesahre, 14 jan. 2011. Disponível em: <https://www.slideshare.net/vbghty88/architecture-as-production-of-culture-lim-gim-huang>. Acesso em: 17 out. 2020 Centre For Fine Arts Brussels. Catálogo Atelier D’Architecture Simone & Lucien Kroll. Bruxelas, 2016. Disponível em: < https://www.bozar.be/file/1534/download>. Acesso em: 17 out. 2020 POTIÉ, Charlotte. Lucien Kroll - an alternative Architect(ure). Institut der Stadtbauknst, 08 mai. 2018. Disponível em: <https://www.stadtbaukunst.org/english/teaching-urban-design/researches/werhatangstvordemzufall/index.html?tid=628&bid=43&btid=72>. Acesso em: 17 out. 2020 THE Social Centre Mémé (1970-1978). Nomads USP, 2005. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/pesquisas/cultura_digital/complexidade/CASOS/MEME/MEME%201.htm>. Acesso em: 17 out. 2020 RUEPP, Ana. Lucien Kroll e a Maison Médicale. Raiz e utopia, 07 fev. 2018. Disponível em: <https://e-cultura.blogs.sapo.pt/lucien-kroll-e-a-maison-medicale-644055>. Acesso em: 17 out. 2020 POLETTI, raffaella. Lucien Kroll: utopia interrupted. Domus, 30 jun. 2010. Disponível em: <https://www.domusweb.it/en/architecture/2010/06/30/lucien-kroll-utopia-interrupted.html>. Acesso em: 18 out. 2020 DAVIES, Paul. Lucien Kroll (1927-). The Architectural Review, 28 ago. 2018. Disponível em: < https://www.architectural-review.com/essays/reputations/lucien-kroll-1927>. Acesso em: 17 out. 2020 TOUT est paysage. Une architecture habitée. Simone et Lucien Kroll. Claudine Colin Communication, 2015. Disponível em: <https://www.claudinecolin.com/fr/1154-tout-est-paysage.-une-architecture-habitee.-simone-et-lucien-kroll/documents/images/16_web.jpg>. Acesso em: 18 out. 2020 SITE de la Mémé à Woluwe-Saint-Lambert. Patrimone Brussels, 2018. Disponível em: < http://patrimoine.brussels/news/site-de-la-meme-a-woluwe-saint-lambert>. Acesso em: 18 out. 2020 JOHN turner. Spatial Agency, 2020. Disponível em: <https://www.spatialagency.net/database/john.turner>. Acesso em: 18 out. 2020. COMMUNITY engagement has gone from being a hard-won achievement to something paid lip service. It’s time to return to working with the people. The Architectural Review, ago. 2016. Disponível em: < https://www.architectural-review.com/essays/few-architects-have-embraced-the-idea-of-user-participation-a-new-movement-is-needed>. Acesso em: 18 out. 2020. GALLE, Waldo; TEMMERMAN, Niels De. Multiple design approaches to transformable building: case studies. Central Europe towards Sustainable Building, 2013. Praga, 2013. Dispovível em: <https://www.researchgate.net/publication/317348623_Multiple_design_approaches_to_transformable_building_case_studies>. Acesso em: 10 out. 2020 TURNER, John F. C.. Housing by People: Towards autonomy in building enviroments. Primeira edição estadunidense. New York, Pantheon Books, 1976.



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