Apenas um jogo? O futebol como um espelho da sociedade

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espelho da sociedade

LUCAS TOMAZELLI SÃO PAULO 2016



Apenas um jogo? O futebol como um espelho da sociedade Monografia apresentada junto ao curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, no formato de livrorreportagem, como requisito para a obtenção do título de bacharel.

Orientador: Professor Doutor Luciano Victor Barros Maluly Texto: Lucas Tomazelli da Silva Oliveira (lucastomazelli@gmail.com) Projeto gráfico Helder Makoto Saito



Ao esporte, grande companheiro e produtor de muitas liçþes na minha vida


Agradecimentos Aos meus pais Laercio e Maria Eugênia, por tudo o que fizeram por mim desde que eu vim ao mundo. Sem vocês, absolutamente nada teria sido possível; Ao meu irmão Caio, por ter me ajudado fundamentalmente em todas as áreas e sempre que eu precisei; Aos meus fiéis companheiros de muitos anos: Carol Freiria, José Barreto, Juliana Lotério, Beatriz Custódio, Anderson Miranda, Helen Macedo, Victor Polillo, Guilherme Ferreira, Paulo Eduardo, Franco Napolitano, Rubens Bulgheroni, Gustavo Martins, Vitor Bezzan e Rafael Soares, por terem me amparado sempre, sem exceção. Foram vocês que me fizeram seguir, independentemente da situação; À Paula Peres, Roberta Barbieri, Paloma Rodrigues, Gabriela Stocco, Maria Marta, Mariana Melo e Marina Vieira, pela generosidade sem tamanho, pelo acolhimento incondicional e pela paciência e carinho que sempre me ofereceram; À Larissa Teixeira, pelos indescritíveis momentos, pela imensa confiança e contribuição essencial ao meu desenvolvimento como pessoa; À Stella Bonici, Jade Rodrigues, Paloma Crociati, Ana Flávia Garcia, Ludmila Domingos, Larissa Gaeta, Larissa Pinheiro, Heloísa Tunoda, Yasmin Darviche e Camila Darwiche, por serem incrivelmente importantes em vários momentos, antes e durante a graduação;


Aos Jor11 e ecanos de diferentes anos, por terem me tratado melhor do que eu poderia imaginar durante todos esses anos; À Odhara Caroline, Marina Davis, Gabriela Malta, Vick Amorim, Well Soares, Henrique Balbi, Érika Yuraki, Tainá Shimoda, Sophia Neitzert, Nana Soares, Lichas, Mariana Bastos, Ana Brighenti, Giovanna Gheller e Susana Berbert por terem me aguentado e valorizado ainda mais a minha passagem na ECA; A Jornalismo Júnior, por ter me dado a chance de viver momentos tão importantes e conhecer pessoas inegavelmente brilhantes; Ao Allen Chahad e todos meus queridos companheiros de Jovem Pan, por todo o afeto nos muitos momentos em que compartilhamos; A todos que, de alguma forma, me ajudaram na busca por personagens desse livro. Nunca teria chegado a todos eles se estivesse sozinho; A todas as pessoas que aceitaram dividir suas histórias e gastar seu tempo comigo e com meu livro; A todos os amigos que me incentivaram durante os últimos anos e que me deram força para concluir esse livro e essa graduação; E, finalmente, ao futebol e ao Corinthians, que fazem parte de mim e que estão ao meu lado nos melhores e piores momentos.



Sumário 1. Introdução

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2. Corrupção e má gestão

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3. Submissão econômica

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4. Desigualdade social

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5. Preconceitos

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6. Violência

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7. Considerações finais

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8. Referências

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Capítulo 1

INTRODUÇÃO


“Se Euclides da Cunha fosse vivo, teria preferido o Flamengo a Canudos para contar a histĂłria do povo brasileiro.â€? Nelson Rodrigues


APENAS UM JOGO? O FUTEBOL COMO UM ESPELHO DA SOCIEDADE

I. Qual o tamanho do futebol no Brasil? Quando o árbitro inglês George Reader apitou o fim da decisão da Copa do Mundo de 1950, talvez nenhum dos 199.854 torcedores que estiveram no Maracanã naquela tarde imaginou que o Brasil se recuperaria da desastrosa derrota frente ao Uruguai e se sagraria pentacampeão mundial 52 anos depois, do outro lado do planeta. Único com cinco títulos mundiais e repleto de craques que entraram para história do esporte, hoje é natural apontar o Brasil como o “país do futebol”. A verdade é que essa relação próxima começou lá no começo do século XX, período no qual ainda só existiam disputas amadoras em solo tupiniquim. Com o passar do tempo, o laço foi se estreitando e o esporte começou a refletir (e também influenciar) a sociedade brasileira. O jornalista e historiador Marcos Guterman, autor do livro “O futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país” (2009), aponta uma das maiores qualidades do esporte. – O futebol é, talvez, o único esporte em que o mais fraco pode ganhar. Um time pode estar no seu dia de maior sorte, ter mais motivação ou uma melhor organização. O fato é que nenhum jogo está ganho de véspera.

Para ele, além dessa imprevisibilidade, há outras razões, algumas de caráter social, para que o brasileiro tenha se identificado com o esporte trazido pelos ingleses. – Há, no futebol, um poder para romper hierarquias. É um esporte que permite driblar a autoridade, que, apesar de coletivo, pode proporcionar um heroísmo a um indíviduo que muitas vezes sofre com diversas mazelas sociais. Ele dá oportunidade a um cara que tem que se submeter a péssimos salários, a preconceito com sua cor de pele, entre outros.

De fato, inicialmente, o futebol foi trazido por ingleses e apenas praticado pelos próprios e seus amigos da elite tupiniquim. Contudo, assim que os operários e demais integrantes das classes desfavorecidas “descobriram” o esporte, foi impossível deixá-los de fora. Federações e clubes que não queriam negros e pobres no gramado acabaram cedendo e o futebol caminhou até a profissionalização no país. – Desde o começo, o futebol é um veículo de afirmação. Os operários perceberam que aquilo [o jogo] era a libertação. Hoje posso afirmar que os brasileiros pobres foram mais

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CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

felizes porque ganharam seu esporte. Foi uma feliz coincidência entre um povo sedento por afirmação social e um jogo que permitia isso a ele.

Naturalmente que um esporte com tanto poder nunca passaria impune pelas autoridades que governam o país. Guterman conta que se interessou pelo uso político do esporte durante o período do governo Médici1 [início da década de 70, quando o país conquistou o terceiro campeonato mundial de sua história], mas acabou se deparando com muito mais quando foi estudar profundamente a questão. – Houve um uso político do esporte durante o governo Medici, mas existiu a mesma coisa no decorrer de todas os Mundiais. Você acaba descobrindo que o futebol é maior que qualquer governo porque mobiliza as paixões nacionais. Isso não é um fenômeno brasileiro, acontece na Inglaterra, Uruguai ou Costa Rica. A conquista da Copa do Mundo de 1950 pelos uruguaios, por exemplo, até hoje segue marcada na cultura local.

Até mesmo durante a ditadura, forma de poder na qual não é preciso legitimar governo algum, o futebol foi utilizado como ferramenta para alegrar (ou amenizar) as massas. Até hoje, é comum que autoridades brasileiras recebam importantes times campeões na sede do governo, em Brasília. Apesar de ser tratado por muitos como entretenimento, o futebol avançou como esporte e se transformou, também, em um grande negócio. Sua trajetória não ficou alheia às mazelas que que acometem a sociedade brasileira. Marcas negativas da história do nosso país como má gestão e corrupção vitimam o esporte até os dias atuais. – A corrupção no esporte não é um fenômeno brasileiro. Onde há muito dinheiro, há corrupção. A verdade é que temos um case de fracasso na gestão do nosso futebol. E isso faz sentido quando se observa a gestão dos clubes e das federações que comandam o esporte por aqui.

Mesmo absorvendo muitos fatores negativos da sociedade na qual está inserido, o futebol segue sendo fator determinante na vida de muitos brasileiros, que não encaram o esporte apenas como um jogo ou uma competição. – O futebol é uma coisa tão apaixonante que quando o seu time é campeão você esquece todas as falcatruas no esporte e as mazelas da sua vida. As pessoas vivem o

1. Militar e político brasileiro, Emílio Garrastazu Médici foi o 28º presidente do Brasil entre 1969 e 1994

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esporte como se fosse o universo delas, não há mais comida na mesa e os ônibus em que andam não estão mais vazios, mas pergunte ao torcedor do time vencedor se ele não está feliz.

Contudo, apesar de sua força, o esporte precisa ser destacado e entendido como fator social. Não basta apenas apontar o Brasil como “o país do futebol”, como se fossemos os únicos que têm o jogo como uma das grandes paixões nacionais. – Como é que o brasileiro vivia antes do futebol? Éramos menos brasileiros por causa disso? Precisamos desmistificá-lo um pouco, até para mensurar a força que possui e para entender o que as particularidades do esporte fizeram com o povo por aqui.

O jornalista vê muitas mudanças ocorrendo no esporte nos últimos anos e crê que ele pode passar a ter outro significado aos brasileiros na medida em que o próprio país se transformar. – É possível que a paixão do povo pelo futebol mude quando o Brasil for, de fato, um país de classe média. Hoje já discutimos uma possível elitização do esporte. O fato é que ele ainda pode ser usado de forma política. Basta ver que nos esforçamos para sediar uma Copa [em 2014], mesmo sabendo que nos daria prejuízos, simplesmente porque há a percepção que isso possui um peso gigantesco para a população.

Assim como os presentes no Maracanã naquela tarde de 1950, talvez não consigamos imaginar o que será do futebol no futuro. Ainda assim, é preciso reconhecer que esse jogo disputado dentro das quatro linhas de um gramado e a sociedade brasileira tem andado lado a lado nos últimos anos, estabelecendo uma forte conexão.

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CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

II. Qual é o tamanho do futebol na minha vida? Talvez a lembrança mais antiga que eu tenha da minha infância seja relacionada ao futebol. Era a estreia do Brasil na Copa do Mundo de 1998, disputada na França, diante da Escócia. Um gol contra escocês deu números finais a uma sofrida vitória verde e amarela por 2 a 1, no Stade de France, no dia 10 de junho, exatos vinte dias antes de eu completar seis anos de vida. O torneio da França foi, provavelmente, a primeira vez em que senti uma emoção futebolística na vida. Quando vi, com frio na barriga, Taffarel defender os penâltis holandeses2 que levariam o time comandado por Zagallo à decisão não sabia que aquele seria o primeiro sofrimento de muitos. A primeira grande decepção veio logo em sequência, quando Zidane e companhia massacraram o Brasil3 e conquistaram o primeiro e, até agora, único título mundial dos franceses na história. É verdade também que essa ligação com a Seleção Brasileira não vingou, quase como um primeiro amor desses que você tem com uns onze ou doze anos. É verdade que não tive muitos amores, já que o segundo foi (e será) meu definitivo. Filho de um palmeirense e com um sobrenome que remete à Itália, tinha tudo para ter verde como minha cor favorita. Não sei bem quais foram as razões, talvez pela mãe corintiana desse palmeirense ser tão importante para mim, segui exatamente o caminho oposto do meu pai. Talvez o Corinthians seja o melhor parâmetro para entender o que o futebol representa em minha vida. É sobre esse clube a história que a minha mãe conta sobre mim a todos os parentes e amigos próximos, em toda data festiva, quando as pessoas se reúnem e ficam nostálgicas. O tal episódio se passou no mesmo ano de 1998, meses depois do Mundial da França. – Uma vez, quando o Lucas tinha só seis anos, fomos a uma apresentação de flauta do Caio [meu irmão mais velho] na escola. Quando a classe toda começou a tocar, me perguntaram onde o Lucas estava. Olhei para trás e o vi grudado a um rádio de pilha ouvindo um jogo do Corinthians. A Cristina [melhor amiga da minha mãe] olhava e simplesmente não acreditava.

2. Após empate por 1 a 1 no tempo regulamentar, o Brasil bateu a Holanda nos pênaltis por 4 a 2 e conquistou uma vaga na final, no dia 7 de julho de 1998 3. A França venceu o Brasil por 3 a 0 na grande decisão, no dia 12 de julho de 1998

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APENAS UM JOGO? O FUTEBOL COMO UM ESPELHO DA SOCIEDADE

Lembro-me com total nitidez de qual era esse jogo: Corinthians 2 x 0 Santos, segundo jogo das semifinais do Campeonato Brasileiro daquele ano. 4 Sobre a final do torneio, guardo a lembrança especial, desta vez envolvendo meu avô materno. No terceiro e decisivo duelo diante do Cruzeiro, um zero a zero angustiante persistia. Um gol dos mineiros e a chance de ver meu time campeão pela primeira vez na minha curta vida iria para o ralo. Depois de uma hora de jogo e nada de gols, o Lucas de seis anos não aguentava mais a angustia. Abri a porta da sala, fui para a garagem da única casa em que morei até hoje na vida e me coloquei a andar em círculos, aflito. Então, meu avô me seguiu e disse que andaria um pouco comigo também, para me distrair. Fato é que, aos 70 minutos de jogo, o atacante corintiano Edílson abriu o placar em um gol que só vi graças ao replay televisivo. Apesar disso, se me lembro bem, não me arrependi na hora porque achei que a garagem e meu avô deram sorte ao Corinthians. Mais 10 minutos transcorridos e Marcelinho Carioca deu números finais à partida e me proporcionou a primeira conquista5 que pude comemorar desde que vim ao mundo. Aprendendo as lições que a bola te dá Desde aquela fatídica apresentação de flauta do meu irmão na escola, tenho inúmeras memórias ligadas ao Corinthians de dias que foram muito marcantes em minha vida. No ano de 2001, foi a primeira vez que o futebol me fez chorar. Mais uma vez um Corinthians x Santos6, desta vez um gol nos últimos segundos e uma corrida desenfreada por toda a casa, sem rumo e repleta de felicidade. Mas, assim como a vida, não é todo dia que você acaba bem quando se trata de futebol. Em 2003, depois da declassificação corintiana na Libertadores para o River Plate7, da Argentina, passei a primeira noite em claro por causa desse esporte. Era uma mistura de raiva, frustração e tristeza. Na manhã seguinte, tive que aturar a primeira grande zoação na escola. Foi a primeira vez (de muitas) que o futebol me ensinou sobre uma coisa que prezo muito na minha vida: lidar com adversidades. Foi depois dessa amarga eliminação que comecei um costume com o 4. O Corinthians superou o Santos em uma série de três partidas e avançou à decisão do torneio 5. Esse foi o segundo título do Campeonato Brasileiro conquistado pelo Corinthians 6. Corinthians 2 x 1 Santos, no dia 13 de maio de 2001 7. Equipe argentina eliminou o Corinthians com duas vitórias por 2 a 1

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CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

qual sigo até hoje: relacionar diversas situações da vida (seja minha ou das outras pessoas) com jogos ou situações que ocorrem dentro do futebol. E é incrivel, e até assustador, como uma coisa se reflete na outra. Não consigo discordar de Mauro Cezar Pereira, jornalista esportivo carioca, quando ele diz que esse esporte é, sem dúvidas, a melhor invenção de toda a história da humanidade8. Deus e o Diabo na terra do futebol9 Atualmente com 23 anos, não sou ligado a nenhuma religião e nem desejo ser, mas até a primeira vez que me lembro de ter acreditado em Deus, foi em 2004, quando o Corinthians perdia para o Coritiba por 1 x 0 e ficava momentaneamente na última colocação do Campeonato Brasileiro. Fui até o banheiro, me tranquei, rezei e pedi aos ceús que não deixassem aquilo acontecer. Retornei a sala, me emocionei com a virada corintiana10 e, antes de ir dormir, agradeci à Deus (ou a quem quer que seja que eu tenha pedido) pela graça alcançada naquela noite. Nunca, nem nas aulas de catecismo às quais frequentei obrigado pela minha mãe me senti tão perto de uma força superior quanto naquele dia. É indescritível como um jogo de futebol pode mexer com você, nas melhores e nas piores horas da sua vida. Aos poucos, o futebol ia me mostrando que não seria a paixão por um time apenas que mexeria comigo. Lá pelos idos de 2008, lembro de estar no meu sofá assistindo a um jogo importante do Campeonato Espanhol11 daquele ano. Importante ao menos para o Getafe, que segurava um empate valiosíssimo para o clube no torneio, quando o pior aconteceu. Esse jogo me marcou muito porque o gol que iniciou a vitória do Villarreal, o outro time em campo, veio graças a uma falha gigantesca do goleiro “Pato” Abbondanzieri. Normalmente, um lance como aquele até provocaria risadas em um espectador que não vê seu time diretamente envolvido com a partida. A questão é que quando a câmera mostrou o experiente argentino segundos após a falha, ele secava o suor do rosto. Ao levantar a farda de 8. Futebol mostra que é melhor invenção do homem no 1º dia do ano (http://espn.uol.com.br/post/233441_video-futebolmostra-que-e-melhor-invencao-do-homem-no-1-dia-do-ano). Acesso em: 09/06/2016 9. “Deus e o diano na terra do sol”, filme brasileiro de 1964, dirigido por Glauber Rocha 10. Coritiba 1 x 2 Corinthians, no dia 07 de julho de 2004 11. Vilarreal 2 x 0 Getafe, dia 04 de maio de 2008

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seu clube, via-se, por baixo, uma outra camiseta em que estava estampada uma foto de seus filhos pequenos, ambos sorrindo. O contraste entre a fisionomia do pai e dos filhos até hoje aperta minha garganta. Para agravar a situação, o goleiro argentino vinha muito bem até aquele momento no jogo e acabou vacilando no lance decisivo. Como é que o futebol poderia ser tão cruel com alguém? Simples, assim como a vida faz com todos, em determinados dias e períodos da nossa trajetória terrena. Fonte de amor Até a minha primeira namorada foi o futebol que mostrou para mim. Em 2006, já com 14 anos (talvez o auge do meu fanatismo corintiano), eu me irritava com qualquer tropeço alvinegro, daquelas coisas de ficar mudo na mesa do jantar, para angústia da minha mãe e até certa diversão do meu pai. Depois de um péssimo Corinthians 0 x 1 Internacional12 num Morumbi chuvoso, lembro de receber uma ligação que me fez até rir (ninguém me acalmava após um revés alvinegro) minutos depois da derrota. Quando desliguei o telefone, já tinha certeza de que a relação com aquela pessoa seria diferente. Não foi só em mim que percebi a força do futebol quando se trata de expor um sentimento. Em 2015, em uma viagem em que fiz sozinho para Buenos Aires, resolvi que assistiria a uma partida em algum dos sete dias nos quais permaneceria por lá. Por questões de calendário, um Racing x Arsenal de Sarandi13, em Avellaneda (região metropolitana da capital argentina), foi o duelo escolhido. Depois de uma curiosa aventura pelas linhas de trens argentinas, cheguei ao estádio Juan Domingo Perón, ainda faltando quase duas horas para o início do embate. Comprei meu ingresso, adentrei o setor escolhido e comecei a observar a atmosfera. Muitas faixas, muitos sorrisos confiantes (afinal, o Racing era o atual campeão do país) e também muitas famílias unidas para torcer pelo time azul e branco. O Racing tem uma das torcidas mais fanáticas da América Latina. 12. Disputado no dia 25 de maio de 2006 13. Disputado no dia 22 de agosto de 2015

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CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

E isso ficou comprovado para mim logo nos primeiros minutos, quando o time da casa abriu o placar e o estádio começou a pulsar pelo time azul e branco. Ao meu lado, era possível ver um pai com seu casal de filhos, os três muito animados. O homem, já careca, batia palmas e não deixava as crianças, que certamente tinham menos de dez anos, ficarem paradas. No início do segundo tempo, o empate dos visitantes veio e a partir daí, as arquibancadas do chamado “El Cilindro” pareciam até balançar mais do que quando o placar era favorável ao clube de Avellaneda. Restando apenas poucos minutos para o final, o Racing conseguiu o gol que sacramentaria a vitória. Aplaudi o tento decisivo e quando me virei, vi uma das cenas mais sinceras de toda a minha vida. O homem segurava os dois filhos, um em cada braço, com muito esforço, e as seis mãos não paravam de balançar e saudar o triunfo do time de Avellaneda. Depois de muito comemorar, se abraçaram e foi possível ver algumas lágrimas escorrendo dos olhos do pai orgulhoso, tanto de seu time como de seus filhos. Gratidão Hoje sou ciente do que esse esporte significa para mim. Além da infinidade de momentos ligado a ele durante todos os meus poucos anos de vida, devo a ele também a escolha pelo jornalismo. Depois que percebi que não poderia ser um goleiro profissional (não nasci exatamente com a estatura ideal para a função), nunca tive dúvidas de que queria me aproximar do esporte e vi nessa carreira a possibilidade. Atualmente, depois de já ter atuado por dois anos como jornalista esportivo em uma importante rádio de São Paulo, não tenho mais certeza se é esse o caminho que vou seguir para o resto da vida. Mas, posso dizer que a tentativa foi muito válida e devo isso a esse esporte incrível. Além da área profissional, o futebol me inspira a ter gratidão, tanto com ídolos como com pessoas queridas. No início do ano de 2008, a minha avó (aquela, mãe corintiana do meu pai palmeirense), veio a falecer vítima de um câncer no pâncreas. Dias antes, tinha comprado ingressos para ir com meu irmão e meu tio materno à estreia do Corinthians no Campeonato

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APENAS UM JOGO? O FUTEBOL COMO UM ESPELHO DA SOCIEDADE

Paulista daquele ano14. Depois do velório, horas antes do enterro, já nem pensava em ir ao jogo. Eis que minha mãe chegou até mim e ao meu irmão e perguntou se iríamos. Negamos e ela nos disse: – Pensem bem, acho que sua vó iria querer que vocês fossem. Com um argumento desses, ficou impossível, mesmo depois de uma dolorosa cerimônia funébre, não ir à partida. Em meio a muita chuva, assistimos a vitória alvinegra por 3 a 0 diante do Guarani. Depois do apito final, olhei para o céu e agradeci a minha vó por tantas coisas, que talvez não saiba enumerar: por todo o carinho, cuidado e amor que teve comigo, meu irmão e meus primos, por ter criado muito bem meus tios, por ter me apoiado quando escolhi o Corinthians e por estar ali naquela arquibancada aplaudindo algo que, para mim, significa muito mais do que três pontos em um torneio qualquer.

14. Corinthians 3 x 0 Guarani, no dia 17 de janeiro de 2008

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Capítulo 2

CORRUPÇÃO E MÁ GESTÃO


“O que finalmente eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem devo ao futebol.” Albert Camus


APENAS UM JOGO? O FUTEBOL COMO UM ESPELHO DA SOCIEDADE

I. Conhecendo as categorias de base Parece surreal que na terra onde nasceu Pelé, Zico, Romário, Ronaldo, Neymar e tantos outros se diga que não há talento. Se o problema não é qualidade, quais seriam os motivos de nossos maiores clubes estarem afundados em dívidas e nosso campeonato não estar entre os mais valorizados do planeta? Assim como acontece no país inteiro15, ineficiência e pouco planejamento também afetam a situação do nosso futebol. Olhando apenas para as categorias de base que, como o nome sugere, deveriam ser os pilares dos nosso esporte, o problema parece ficar mais evidente. O ex-jogador de futebol e atual auxiliar técnico do Oeste de Itápolis, clube da segunda divisão do Campeonato Brasileiro, Eduardo Barros tem experiência na questão. Nascido em Campinas, ele teve passagens por clubes como Ponte Preta, União Barbarense e Huracán (ARG), antes de encerrar a carreira como atleta e perseguir o sonho de virar treinador. O início de sua caminhada fora dos gramados foi como professor da escolinha de futebol do Paulínia Futebol Clube, no interior de São Paulo. Por lá, Eduardo, já formado em Educação Física, diz ter se identificado muito com a profissão de professor. Em quase cinco anos na instituição, trabalhou em diversas categorias como técnico e analista de desempenho dos atletas. Após deixar o Paulínia, Eduardo teve passagem pelas categorias de base do Novo Horizontino16 até chegar no Atlético Paranaense, onde acabou por conhecer a estrutura de um time grande. De lá, foi trabalhar no arquirrival Coritiba, onde solidificou sua carreira de treinador. O trabalho de Eduardo em Curitiba acabou chamando a atenção de Fernando Diniz, ex-atleta e agora treinador, que o convidou para trabalhar como seu auxiliar no Audax-SP, clube com sede em Osasco. Em 2016, a dupla levou a pequena equipe ao inédito e surpreendente vice-campeonato paulista17. Atualmente, os dois mantém a parceria na equipe de Itápolis, durante a disputa do Campeonato Brasileiro da Série B. 15. Ineficiência e pouco planejamento prova má gestão do dinheiro público (http://www.correiobraziliense.com.br/app/ noticia/economia/2015/09/06/internas_economia,497482/ineficiencia-e-pouco-planejamento-provoca-ma-gestao-dodinheiro-public.shtml). Acesso em: 09/06/2016. 16. Clube que tem como principal feito um histórico vicecampeonato paulista no ano de 1990 17. Após eliminar São Paulo e Corinthians do torneio, o Audax caiu para o Santos na final da competição

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CAPÍTULO 2: CORRUPÇÃO E MÁ GESTÃO

Lado humano em segundo plano Até chegar ao futebol profissional, Eduardo conheceu diferentes clubes e vivenciou diversas experiências nas categorias de base das equipes brasileiras. Para ele, há grande potencial por aqui que acaba sendo desperdiçado no caminho. – Há muito talento no Brasil, a questão é saber aproveitá-los. Há um problema estrutural de gestão, sem dúvidas. Faltam projetos que sejam transformadores e bem administrados.

Um dos primeiros erros apontados por Eduardo é o foco que os dirigentes dos clubes dão às categorias de bases das instituições que comandam. – Centrar as categorias de base no resultado é um dos principais problemas. Há uma exigiência de conquistas descabida. A formação de jogadores é um processo e os títulos conquistados não podem ser sua única consequência.

A sede dos cartolas por títulos em suas equipes mais jovens acaba gerando uma série de problemas, que afeta diretamente no funcionamento da base do país. – Os treinadores e gestores que trabalham nas categorias de base são avaliados por suas conquistas. Eles ganham muito mal e, assim, veem como única alternativa garantir resultados em campo para terem seus trabalhos reconhecidos e contarem com promoções.

Eduardo relata o cenário que o foco puramente em resultados estabelece nas categorias de base dos clubes brasileiros. – Quando o resultado é o único objetivo, o jogo passa a ser feio, os treinadores não se expõem e a cobrança nos atletas passa a ser puramente técnica, deixando o lado humano e social em segundo plano.

Na visão do atual assistente técnico, a fragmentação desse processo é muito presente e tem minado muito dos nossos talentos por aqui. – Existe pouca comunicação entre comissões técnicas nas categorias de base. Todos se veem como rivais, é um processo cheio de muros e entraves. Cada categoria viva sua ilha e minimiza o desenvolvimento do jogador de futebol. Não há filosofia estabelecida pelo clube, porque a filosofia é ganhar e nada mais.

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APENAS UM JOGO? O FUTEBOL COMO UM ESPELHO DA SOCIEDADE

Muitos atletas que tentam construir suas carreiras no futebol brasileiro acabam esbarrando na confusão que os clubes são desde as suas primeiras categorias. Há muitos relatos de jogadores que perdem espaços quando técnicos são transferidos, clubes que não pagam salários adequadamente, entre outros problemas. Para Eduardo, quando um técnico que atua nas categorias de base muda de clube e leva seus jogadores de confiança com ele é mais um problema criado pela cultura do resultado. – Isso é frequente porque o técnico quer se manter no trabalho. É preciso ganhar a qualquer custo, então ele vai recorrer a ferramentas que acelerem o processo de montagem do time. Com jogadores que ele já conhece, ele tenta garantir a performance e não extrair o máximo dos jogadores que já estavam no clube em que ele chegou.

O papel da diretoria é dar respaldo aos profissionais, sinalizando qual deve ser sua função primordial e dando garantias para a continuidade do seu trabalho. Eduardo lembra da época de jogador e diz que não conseguia ver o cenário dessa forma. – O jogador quase nunca participa de todo o processo, ele é tratado como um robô. Ele treina e joga, treina e joga. Se está bem, continua, se está mal, vai embora. É impossível que ele não tenha uma visão parcial do que acontece nas categorias de base.

Os clubes, como “casa” dos atletas, deveriam se preocupar em melhorar o tratamento que dão aos jovens. Para Eduardo, o foco tem que extrapolar as quatro linhas do gramado. – Por ter os jogadores todos os dias sob seus domínios, os clubes são grandes responsáveis. O papel dessas instituições é tornar o atleta uma pessoa melhor, ou seja, ensiná-lo a pensar, instigá-lo a ser crítico e inserí-lo em um ambiente de permanente aprendizagem, dentro e fora de campo.

Trabalho à longo prazo Uma melhora substancial nos primeiros níveis do nosso futebol passa por um trabalho de longo prazo. Na visão de Eduardo, há alguns pontos que precisam ser olhados com cuidado: – É necessário melhorar a capacitação de todos os profissionais que trabalham com o futebol de base. Quanto melhores forem os treinadores, melhores serão os jogadores.

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CAPÍTULO 2: CORRUPÇÃO E MÁ GESTÃO

É muito importante que os profissionais estejam aptos a lidar com os nossos jovens.

O processo de melhoria reside em uma mudança de mentalidade. Na cultura do futebol tupiniquim, é muito comum menosprezar outras áreas do conhecimento, alegando que há coisas que não funcionam no esporte. Para Eduardo, isso não só acontece, como influencia no discurso de muitos clubes, que dizem ter boa estrutura e diversos profissionais, mas acabam realizando um trabalho superficial, sem envolvimento e com pouco poder de transformação. – É preciso realizar um trabalho interdisciplinar, feito a muitas mãos. Não adianta achar que a solução está só no treinador, é preciso uma equipe especializada envolvida no processo de formação.

O trabalho da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), entidade máxima do nosso futebol, tem papel fundamental em toda essa possível mudança. É ela, segundo Eduardo, que tem a função de definir um conceito claro para o futebol brasileiro. – O posicionamento da CBF se mostra, muitas vezes, ultrapassado. Se o orgão que comanda nosso esporte está defasado, consequentemente nosso futebol também estará. O futebol é um reflexo da nossa sociedade e ela tem passado por muitos problemas de má gestão, então seria impossível que a modalidade não fosse atingida por isso também.

Algumas medidas que a CBF poderia adotar para iniciar uma melhora à longo prazo do nosso futebol de base seriam, de acordo com Eduardo: formação de profissionais em maior escala, já que cursos oferecidos pelo orgão têm poucas vagas); resgatar a identidade do nosso futebol e aplicá-la na nossa seleção; e estabelecer um programa de desenvolvimento das categorias de base, monitorando nossos talentos e aumentando seu desenvolvimento, tudo isso com especialistas envolvidos no processo. – Uma aprendizagem completa exige todos os elementos que compõe o convívio social. Há as questões éticas, morais, comportamentais, entre outras. Isso se dá com bons profissionais conduzindo o processo à longo prazo. Ninguém consegue formar ninguém em seis meses.

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APENAS UM JOGO? O FUTEBOL COMO UM ESPELHO DA SOCIEDADE

II. Primeiras conquistas Talvez um dos sonhos mais frequentes de uma criança no Brasil seja se tornar um jogador de futebol. Jogar para milhares de pessoas em um grande estádio, ganhar muito dinheiro e ser famoso parecem elementos naturais quando se idealiza essa figura por aqui. A questão é que para atingir esse objetivo, existem muitos outros obstáculos além da grande concorrência de outros jovens sonhadores. Em um mundo no qual o dinheiro costuma ditar as diretrizes em diversas áreas, o futebol não conseguiu escapar dessa condição. Soma-se a isso a falta de organização da gigantesca maioria dos clubes no Brasil e a má gestão de suas categorias de base e o resultado consiste basicamente em talentos desperdiçados e sonhos frustrados. É incrível notar que o país que é tido mundialmente como celeiro de craques não trabalha no sentido de confirmar essa fama. Ao contrário, deixa os seus possíveis futuros craques ao léu, tendo que encarar dificuldades que vão muito além de questões táticas e técnicas dentro de um gramado de futebol. O caso de Vitor Bressane, 22 anos, hoje corretor de imóveis, talvez ilustre bem esse cenário de questões que englobam muito mais do que apenas elementos esportivos. Nascido em Osasco, região metropolitana da capital paulista, Vitor sempre sonhou em ser jogador de futebol e fez seu primeiro teste aos nove anos, em um clube do bairro onde morava. Ao se destacar nos primeiros torneios que disputou, Vitor chamou a atenção de clubes maiores como o Grêmio Barueri e o São Paulo Futebol Clube, este, um dos maiores do país. Ele conta que já aos 10 anos enfrentou um obstáculo que ia além da sua capacidade de atuar bem com a bola nos pés. – Fiz um teste no time sub-11 do São Paulo e fui aprovado. Porém, um dos diretores do clube explicou ao meu pai que para ser integrado ao time, minha família precisaria ser sócia da instituição, pagando uma mensalidade que meus pais não tinham condição de arcar.

Diante dessa situação, o pai de Vitor conversou com um dos diretores do clube que conhecia há tempos e conseguiu arranjar uma vaga para o filho, como uma espécie de “bolsista” da equipe. 28


CAPÍTULO 2: CORRUPÇÃO E MÁ GESTÃO

– Meu pai sempre me apoiou. Ele sempre me levava nos treinos, fazia qualquer coisa para que eu conseguisse estar nos jogos.

Primeiras decepções Vitor conta que se destacou nos primeiros jogos com a camisa do São Paulo, fazendo gols e decidindo partidas. Ainda assim, sempre era sacado pelo treinador da equipe. Durante um desses jogos, Vitor ganhou outra alternativa. – Em um dos jogos que fui bem pelo São Paulo, um olheiro do Barueri me viu e ofereceu a oportunidade de atuar pelos times de salão e de campo da instituição e eu aceitei, pois a localização do clube era mais acessível para mim.

Aos 11 anos, Vitor chegou ao Barueri e foi vice-artilheiro do primeiro torneio que disputou defendendo o clube. No primeiro campeonato no futebol de campo, anotou cinco gols em dez jogos e ainda assim não conseguia se fixar como titular na equipe. A partir daí, começou a notar que talvez houvesse um motivo extracampo. – Não conseguia espaço no time porque os meninos cujos pais auxiliavam o clube financeiramente tinham prioridade. Sempre via os pais de alguns jogadores conversando intimamente com o treinador da equipe e pensava que podia haver algo de errado.

Sem muitas oportunidades no time titular, Vitor acabou sendo dispensado ao chegar na categoria sub-13. Ainda motivado pelo seu sonho de se tornar jogador, foi atrás de outro clube e conseguiu uma vaga no Nacional, um dos clubes mais antigos e tradicionais de São Paulo. A situação, contudo, não foi muito diferente da frustração anterior. – Na época, existiam os chamados investidores do clube. Eram pais de atletas que bancavam viagens, uniformes e até troca de piso da quadra do time de futebol de salão. Seus filhos eram, invariavelmente, os titulares da equipe.

Durante uma partida na qual o time perdia, o técnico promoveu a entrada de Vitor, que reverteu o cenário em favor do Nacional, o que não deixou todos exatamente felizes. – Vencemos a partida e ao final o técnico estava à beira da quadra batendo boca com os pais de alguns jogadores titulares do time. Eles não queriam a minha entrada, pois isso significaria a saída de um dos filhos deles. Alí no Nacional foi uma das situações mais escancaradas que eu já presenciei nas minhas tentativas de se tornar jogador.

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Um cheque dividido em três Ainda sem esmorecer, Vitor deixou o Nacional para tentar a sorte no Corinthians. Já na categoria sub-15, fez um teste e foi aceito na equipe de futsal do clube de Parque São Jorge. Por lá, encontrou atletas em uma realidade diferente da sua. – Fiz gols decisivos nas partidas iniciais, mas nunca fui titular. Isso martelava na minha cabeça. Nosso time tinha muito filho de empresário e conselheiros do clube. Eles não ligavam para futebol, mesmo quando perdíamos, eles esnobavam o adversário por termos estrutura e uniformes patrocinados por grandes marcas.

Uma partida em especial ficou na mente de Vitor. Quando o Corinthians perdia por 2 a 0, o treinador promoveu sua entrada. Em quadra, ele fez dois gols e salvou o time de sofrer uma derrota em um jogo importante. – Estava feliz de, aos 15 anos, jogar bem por um clube como o Corinthians. Ao final do jogo, minha mãe foi agradecer o treinador por ter dado uma oportunidade para mim e ele respondeu “enquanto vocês ganham, eu perco” e foi embora. Na hora, ficamos sem entender nada.

Ainda assim, Vitor decidiu tentar prosseguir no Corinthians e ingressar na equipe de futebol de campo. Mais uma vez, a questão financeira falou mais alto em um dos maiores clubes do país. – Assim que fiz o teste para o time de campo, um empresário chegou para o meu pai e disse que se eu quisesse ser aprovado, teria que pagar uma grana. O meu pai não quis nem negociar, disse que não tínhamos nada para oferecer e acabei reprovado.

Já com idade para disputar a categoria sub-17, Vitor ingressou no GEO (Grêmio Esportivo Osasco). Lá, o clube pagava os seus estudos, mas as coisas dentro de campo não mudaram muito. Ele chegou a fazer gol do título e aparecer até no jornal da cidade, mas isso não alterou o panorama das coisas na instituição. – Ganhava 50 reais por mês no Osasco. Depois de um tempo, eu e alguns companheiros começamos a notar algo de errado. Funcionava assim, eu dividia um cheque de 150 reais com mais dois companheiros e nós achávamos que era a regra do clube. Mais tarde, descobrimos que alguns dividiam esse cheque em apenas dois ou não dividiam com mais ninguém. Não aguentei mais essa situação, saí do GEO e fui treinar em uma escolinha na vizinhança apenas para não perder a forma.

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CAPÍTULO 2: CORRUPÇÃO E MÁ GESTÃO

Maior competição de futebol júnior do país Mesmo após insucessos consecutivos, Vitor aguardou por mais uma oportunidade, que terminou aparecendo. Um teste, em Penápolis, cidade a 490 km da capital paulista, poderia dar a chance de disputar a Copa São Paulo de Futebol Júnior, maior e mais tradicional torneio de categorias de base de todo o Brasil18. Já com 19 anos, essa poderia ser uma das últimas, porém mais importantes oportunidades para que a carreira de Vitor engrenasse. Ele novamente teve bom desempenho nos testes e foi aprovado. – Passei no teste, me inscreveram na Copa São Paulo e passei a morar no alojamento do clube, que tinha boa estrutura. Sentia falta do meu pai, mas seguia treinando bastante para que o técnico me desse uma chance na equipe titular.

A Penapolense vivia um dos melhores momentos de sua história. Na categoria principal, despontava na primeira divisão do futebol paulista e já havia demonstrado força ao bater alguns dos clubes mais tradicionais do Estado19. Apesar disso, Victor conta que nos bastidores os métodos não eram tão profissionais quanto se esperava. – Não existiam pais que bancavam jogadores e sim um empresário que “mandava” no clube. Sempre o via chegar de carrão, levando boas chuteiras para seus agenciados. Enquanto isso, meu pai pediu um empréstimo ao banco para que eu pudesse comprar uma chuteira de terceira linha para os jogos da Copa São Paulo. Com o resto do dinheiro, ele iria viajar até Penapolis para assistir às partidas.

A falta de profissionalismo na gestão do clube ficou evidente quando o treinador, que vinha comandando a equipe há três meses, foi deslocado para outro cargo e em seu lugar chegou outro técnico, trazendo alguns jogadores novos e mudando a estrutura da equipe. Tudo isso restando apenas cinco dias para a estreia na competição. – Era visível que havia algo de estranho. O técnico antigo não foi mandado embora, mas sim virou um auxiliar do novo treinador. O primeiro ficou responsável pelo time titular e o segundo por nós, que éramos reserva.

O clima entre os atletas era de incompreensão. Na hora do treino, 18. Em 2013, realizou-se a 44ª edição do torneio com 100 clubes participantes 19. No ano seguinte, por exemplo, a equipe do interior eliminaria o São Paulo na fase de quartas de final do Campeonato Paulista

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o agora auxiliar cobrava garra de seus atletas, como se seus companheiros de grupo fossem grandes rivais. Mais uma vez, Vitor ouviu algo que não o deixou muito confiante com o curso dos acontecimentos no clube. – Durante um dos treinos, o agora auxiliar chegou em mim e me encheu de elogios. Eu o questionei por que ele não havia dito isso enquanto era o técnico principal e ele me respondeu que havia coisas no futebol que eu não sabia e que nunca saberia. Fiquei incomodado com aquilo, toda essa politicagem confudia a cabeça do time.

Com o ambiente conturbado e praticamente dois técnicos, a equipe perdeu o primeiro jogo e empatou o segundo duelo pela fase de grupos. No último compromisso, praticamente desclassificado, Vitinho ganhou uma chance como titular, algo que não o agradou muito no momento. – Chegamos totalmente desfigurados para a última partida, alguns atletas fora por lesão e outros por suspensão. Para dar uma ideia, um dos nossos goleiros reservas do elenco jogou improvisado no ataque. Antes do jogo, nos treinos, o clube chamava uns meninos da cidade para completar os times. Obviamente perdemos o último jogo20 e fomos eliminados.

Antes de deixar Penápolis e voltar para casa, Vitor ainda teria outra decepção, dessa vez longe do gramado, relativa ao aspecto financeiro. – Quando passei no teste, me disseram que o salário-base de um jogador da categoria sub-20 era de 1500 a 2000 reais. Porém, fiquei três meses lá e não recebi um centavo. Por isso, depois da eliminação na Copa São Paulo, resolvi voltar para casa.

Sem esperança A falta de perspectiva, as promessas não cumpridas e a desilusão finalizaram uma breve carreira que durou dos nove aos 20 anos. Vitor conta que sua vida começou a melhorar quando deixou de seguir no caminho do futebol. – Eu estava com 20 anos, não havia nem terminado a escola. Fui reprovado no terceiro ano do ensino médio porque eu treinava muito e não tinha tempo para estudar.

Fiz um supletivo, fui em busca de um trabalho e consegui um como corretor de imóveis. No futebol, eu nunca ganhei nada além de 50 reais por mês, em mais de dez anos tentando. Na corretagem, na minha primeira

20. Penapolense 0 x 4 Juventude, no dia 12 de janeiro de 2013

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CAPÍTULO 2: CORRUPÇÃO E MÁ GESTÃO

venda, consegui uma comissão de 15 mil reais. A partir daí, deixei o futebol apenas como uma brincadeira. Depois de tantos episódios, Vitor revela que acabou com o sentimento de que o futebol não era algo para ele. – As pessoas acabam desistindo porque veem no meio do caminho o que há nos bastidores. Muita gente me pergunta por que eu parei e quando eu digo, não acreditam. Agora, eu prefiro ficar atrás de uma mesa, de terno e gravata, ganhar um pouco de dinheiro para pelo menos realizar alguns dos meus sonhos.

Apesar de ter passado onze anos e não ter conseguido se tornar um jogador profissional, o jovem de Osasco não deixou de acreditar no potencial do esporte na vida das pessoas. Tanto é que ainda sonha em trabalhar com algo que possa contribuir para a melhoria da modalidade que ama desde cedo. – Tenho uma ideia de entrar na política, trabalhar na secretaria do esporte, já que eu sempre fui dessa área. Quero trabalhar para mudar a estrutura de um lugar, usar o que eu passei para contribuir com melhorias.

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Capítulo 3

SUBMISSÃO ECONÔMICA


“Futebol internacional é a continuação da guerra por outros meios.” George Orwell


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I. Exôdo de jogadores brasileiros Um dos aspectos que marcam a história do Brasil é sua submissão ecônomica e cultural em relação a outros centros do mundo, como o estadunidense e o europeu. Por muitos séculos e até os dias atuais (com algumas ressalvas), o país atua no papel de exportador de matériaprima, posicionando-se como parte mais frágil no diagrama de poder do globo. O futebol brasileiro não nega esse histórico na medida em que boa parte de seus craques deixaram (e ainda deixa) o país para atuar em centros estrangeiros. Como bem relata o jornalista Paulo Vinicius Coelho (PVC) em seu “Bola fora: a história do êxodo do futebol brasileiro” (2009), a saída de atletas do país já acontecia desde a década de 30. O tempo foi passando e os melhores começavam a deixar os nossos grandes clubes orfãos. A ida de Falcão, ídolo maior do Internacional, para brilhar com a camisa da Roma, apesar da relutância dos dirigentes gaúchos em se desfazer do melhor jogador do país à epóca, é um exemplo. A saída de Zico para a Udinese, mesmo com todos os esforços do Flamengo para segurá-lo, também é outro caso emblemático. Na década de 80, quando Falcão brilhava, o sonho de um jogador não era necessariamente, como acontece hoje, atuar em um grande clube europeu. PVC, em seu livro, relata a dúvida do craque colorado: “A decisão era difícil para o guri, já aos 26 anos. Por uma parte, a independência, a conta bancária recheada, a chance de fazer sucesso do outro lado do oceano. Por outra, a possibilidade de continuar sendo amado em Porto Alegre, disputando partidas pela Seleção Brasileira, o caminho aberto e mais seguro para a Copa do Mundo da Espanha, em 1982”. (COELHO, 2009, p. 20)

Havia, na época, atrativos em permanecer no seu país, os clubes brasileiros ainda mantinham alguns de seus craques e a Seleção Brasileira era vista como o ponto alto da carreira de um atleta. O tempo foi avançando e as coisas foram mudando, tanto no Brasil como no restante do planeta. Globalização do futebol Com a absorção do futebol pelo mercado financeiro, as cifras envolvidas no esporte, em todo o mundo, cresceram de maneira surpreendente. 36


CAPÍTULO 3: SUBMISSÃO ECONÔMICA

Muito dinheiro circula entre clubes, dirigentes, patrocinadores, jogadores e outros agentes envolvidos nos mecanismos desse esporte global. O jornalista norte-americano Franklin Foer, em seu livro “Como o futebol explica o mundo: um olhar inesperado sobre a globalização” (2005), relata, em um dos capítulos, a chegada de um jogador nigeriano para atuar no futebol da Ucrânia, dez anos depois do fim do Comunismo no país europeu. Levando em conta os aspectos da globalização, Foer contextualiza a chegada de jogadores africanos para atuar no gélido país europeu: “Naquela época, estranhas alquimias culturais tinham proliferado: europeus orientais fazendo a colheita de azeitonas na Toscana; bengaleses atendendo chamadas de clientes de empresas de cartão de crédito em Delaware; e, como no caso de Edward Anyamkyegh, nigerianos jogando futebol profissional na Ucrânia”. (FOER, 2005, p. 126)

Assim como o Brasil e seus vizinhos na América Latina, a África também se tornou um dos maiores exportadores de talentos futebolísticos para a Europa. O jornalista deixa isso claro na seguinte passagem: “Na época da chegada de Edward, os nigerianos tinham virado moda naquele país. Num período de alguns meses, nove nigerianos foram contratados para jogar na liga principal. Eram as aquisições mais prestigiosas que um clube poderia fazer. Uma equipe sem nigerianos não era uma equipe séria”. (FOER, 2005, p. 127)

Na década de 90, os grandes nomes brasileiros eram protagonistas nos melhores times da Europa. Ronaldo, Romário, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, Edmundo, entre muitos outros brilharam defendendo camisas históricas como as de Real Madrid, Barcelona, Inter de Milão, Fiorentina e PSG. Já na chegada dos anos 2000, o número de sul-americanos na Europa cresceu tanto que até os centros mais periféricos foram tomados pelos brasileiros. Em 2013, o Shakhtar Donetsk, um dos maiores times da Ucrânia, contava com nada menos do que 12 jogadores brasileiros em seu elenco. Nos dias de hoje, é comum não encontrar dificuldade alguma para localizar brasileiros em qualquer centro de futebol no mundo.

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Há brasileiros no futebol norte-americano, no asiático, nos países árabes e em qualquer parte do globo em que alguém quiser buscar21. Não se trata apenas de dinheiro Os motivos por trás do êxodo de atletas brasileiros vão mais além do que a submissão ecômomica do Brasil em relação a outros centros mundiais. Para o jornalista Guilherme Costa, com passagens por equipes de esportes de grandes veículos do país, há uma soma de fatores que acabam resultando no atual cenário. – O país não vive uma situação econômica boa, mas os clubes não preparam planos de carreiras para os seus jogadores e não trabalham bem suas próprias imagens para se tornarem o objetivo final de um atleta. Por aqui, só a parte financeira é usada para tentar seduzir os profissionais do esporte.

De acordo ele, os clubes usam a questão financeira sempre como justificativa para vender seus craques, mas não realizam uma autocrítica focada na gestão das instituições. – Há o agravante de como os clubes se comportam em relação ao mercado. Estão sempre dizendo que têm menos dinheiro, que possuem muitas dívidas e que não podem competir com outros centros, mas não buscam alternativas.

Existem, na visão de Costa, pontos que vão além do viés monetário do esporte e que devem ser considerados no momento da análise do cenário. – As pessoas que gostam de futebol ainda não são necessariamente consumidoras. Não falo só do lado financeiro da coisa, mas falta vivenciar mais, falta os clubes realizarem um trabalho melhor com seus ídolos, entre outras melhorias.

Os maiores clubes do país tem um número muito pequeno de torcedores que são sócios, se comparados com o tamanho das torcidas. Corinthians e Flamengo, por exemplo, somam aproximadamente 65 milhões de torcedores, ostentando as duas maiores “nações” do país nas arquibancadas. Enquanto os paulistas somam 135 mil sócios, os cariocas fecharam 2015 com menos de 65 mil torcedores em seu quadro.

21. Afinal, quantos brasileiros jogam no exterior? E que países mais contratam? (http://blogdorafaelreis.blogosfera.uol.com. br/2015/10/06/afinal-quantos-brasileiros-jogam-no-exterior-e-que-paises-mais-contratam/). Acesso em: 09/06/2016.

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– O Flamengo arrecadou 300 milhões de reais no ano de 2015. É quase como se cada torcedor tivesse gasto 10 reais no ano inteiro com o clube, é muito pouco. Os clubes por aqui estão muito longe de faturar o que poderiam com o tamanho de suas torcidas.

Toda essa falta de preparo dos clubes enfraquece nosso futebol e nos deixa ainda mais vulnerável em relação a outros centros, de acordo com o jornalista. – Se nós temos um mercado desse tamanho e tão poucos consumidores, há um público imenso negligenciado, que não consome. Os clubes têm potencial de mercado muito baixo e isso tem total relação com a falta de boas gestões.

Debate representativo A atual conjuntura de saída em massa de atletas brasileiros para clubes de toda a parte do mundo é análoga ao que acontece em outras áreas do país. – Temos um país com uma moeda desvalorizada e uma base muito mal remunerada. É natural que o talento e a mão de obra qualificada desperte o talento lá fora. No setor de tecnologia acontece algo muito parecido. Os caras com as melhores ideias são pinçados por empresas de fora e vão trabalhar em outros centros.

O cenário acaba sendo muito prejudicial para quem fica de um dos lados da cadeia. – Os grandes centros seguem produzindo melhor e com mais tecnologia, vendendo de volta para o Brasil a preços maiores, quando poderíamos nós mesmos entrarmos no mercado e competir com eles.

No âmbito esportivo, clubes de todo o mundo buscam atletas em continentes como América do Sul e África, compram promessas a preços baixos e depois ganham incríveis somas de dinheiro quando o jogador atinge seu auge longe de sua terra natal. – Você vende seu talento, abre mão da formação de referência e, no fim das contas, favorece um produto [futebol europeu, por exemplo] que é seu concorrente. Isso só contribui para aumentar a força dos centros já poderosos e expandir os espaços entre os mercados.

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Há, portanto, em um cenário com essas configurações, um risco grande que o futebol brasileiro corre. – Não trabalhar para reduzir a saída desses talentos é correr o risco de perder seus fãs para outras ligas, para outros mercados. Cada vez mais a garotada deixa de comprar o que seria um produto médio [futebol brasileiro] para consumir um produto premium [futebol estrangeiro].

Algumas medidas emergencias para amenizar esse cenário de êxodo precoce de jogadores passaria por mudanças na forma como os clubes negociam seus atletas, de acordo com Costa. – É preciso estabelecer regras mais claras de negociação e austeridade nos clubes. Atualmente, existe todo um mercado que se alimenta da forma como são conduzidas essas transações, como é o caso de vários empresários e intermediários. No Brasil, você esconde os valores e trâmites das transferências com argumentos falaciosos como o de proteger o jogador e impedir que seu preço se inflacione.

A transparência nos balanços e nas negociações realizadas pelos clubes seria outro pilar para iniciar mudanças na atual conjuntura. – Os clubes precisam prestar contas de forma clara. É necesário que eles pensem em fortalecer suas marcas, criando planos de carreiras para seus atletas. É mostrar para o jogador que a permanência pode ser um bom negócio como um todo.

Uma transformação sólida, possivelmente, na visão do jornalista, só se daria com a participação de todos os agentes existentes no futebol do país. – Todas essas mudanças passam por um debate representativo. Você não pode ignorar os desejos da televisão, que paga para transmitir os jogos e nem as vontades dos clubes. É preciso levar em conta o plano de vida dos jogadores e dos treinadores, além dos profissionais das ciências do esporte e os jornalistas que trabalham na área. É necesário ouví-los e criar um cenário que abarque condições favoráveis a todos.

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CAPÍTULO 3: SUBMISSÃO ECONÔMICA

II. Buscando o sonho longe de casa Nascer em Santos com o sonho de se tornar um jogador de futebol deveria levar, naturalmente, o imaginário de um garoto a vestir a mesma camisa que consagrou Pelé e tantos outros na história do futebol mundial. Raphael Mendes Pereira, nascido no ano de 1993, é um dos jovens que podem simbolizar esse exemplo. Com a bola nos pés desde os cinco anos de idade, Raphael passou por clubes menores da cidade de Santos até chegar na Portuguesa Santista. O começo da carreira foi promissor e, segundo ele, seu rendimento vinha em uma crescente. – Depois de atuar bem na Portuguesa Santista, cheguei ao Santos com apenas 12 anos de idade. Cheguei a atuar do lado de Neymar [atual capitão da Seleção Brasileira e terceiro melhor jogador do planeta em 2015] e Gabriel Barbosa [que veste, atualmente, a camisa 10 do Santos]. Foram três anos atuando no futebol de salão e um no campo.

Apesar do bom momento no clube alvinegro, Raphael acabou dispensado de maneira inesperada, quando atuava pela categoria sub-15. Fato que fez com que ele retornasse aos times de menor expressão da Baixada Santista. – Foi bem chocante minha saída do Santos. Fui dispensado quando jogava pelo time sub-15 e acabei passando, posteriormente, pela Seleção do Jabaquara e disputando o Campeonato Paulista sub-17 pelo São Vicente.

Sem muitas oportunidades na região onde morava, Raphael se viu em um dilema. Aconselhavam-no a ir tentar a sorte em clubes do interior paulista ou até na capital, porém ele não viu com bons olhos essa medida. Nada o convencia de que, no Brasil, longe de sua terra natal e de sua família, o cenário melhoraria. Eis então que um convite alterou o curso de sua carreira e também de sua vida. – Recebi um convite de um amigo meu que estava atuando na Espanha para tentar a sorte por lá. Por meio do empresário dele, os trâmites aconteceram e eu cheguei ao San Fernando22, em Madri.

Sair de casa e do país para ir correr atrás de um sonho de infância é uma decisão muito impactante para qualquer pessoa. Ainda mais quando 22. Fundado em 1929, o Club Deportivo San Fernando de Henares disputa a terceira divisão espanhola

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se trata de alguém que ainda sequer havia chegado à vida adulta. – Havia acabado de concluir o ensino médio e tinha 17 anos quando cheguei na Espanha. Tive bastante dificuldade no início, apesar da boa estrutura que encontrei. Cheguei em outubro, quando estava esfriando e com a temporada da minha categoria já transcorrendo. Por isso, acabei me juntando a um grupo de garotos mais velho do que eu para iniciar meus treinos no clube.

Fora dos muros do Club Deportivo San Fernando, as coisas não foram mais fáceis durante os primeiros meses na capital espanhola. A realidade que Raphael encontrou por lá nada tinha a ver com a casa onde nasceu e foi criado. – No início, fui morar com uma família de romenos, o que dificultou ainda mais a minha adaptação. Eles têm costumes diferentes dos nossos e não me respeitavam por eu ser mais novo e também por não dominar a língua espanhola.

As primeiras barreiras fizeram com que Raphael não conseguisse construir uma rotina saudável, fato que o desmotivava e trazia as saudades de sua família e da casa onde crescera. – O ano letivo deles é diferente do nosso e isso me atrapalhou bastante no começo. Cheguei em outubro, não podia me inscrever em nada, então não estudava ou fazia algum curso. Minha rotina era treinar três vezes na semana e ficar no Skype para falar com meus pais e com minha namorada. Devido ao fuso, não tinha sequer meus horários regrados.

Além disso, o relacionamento pessoal com os colegas de equipe não eram como Raphael havia vivenciado nos times em que atuou em sua terra natal. – Os espanhois são um pouco introspectivos. Em um primeiro momento, eles têm receio de falar com você. Senti falta de uma ligação com meus companheiros de time, ninguém nunca me chamava para nada e sequer me ofereciam carona quando me viam deixar o treino a pé e, em seguida, caminhar quase 1km para casa. Só depois que te conhecem bem é que passam a te tratar melhor, é muito diferente do Brasil.

Diante de todas essas mudanças e enfrentando diversos obstáculos, Raphael acredita que seu corpo sucumbiu ao péssimo momento psicológico que atravessava.

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CAPÍTULO 3: SUBMISSÃO ECONÔMICA

– Quase no começo de dezembro eu acabei sofrendo uma entorse no tornozelo. Acredito que foi muito pelos fatores extracampo. Foi mais motivado pela tristeza e pela solidão do que algo propriamente físico.

Decisão difícil Sem poder atuar devido a sua condição física, Raphael retornou ao Brasil para tratar de sua lesão e passar as festas de final de ano com sua família. O reencontro com a cidade natal balançou o jovem que, apesar disso, não abriu mão do seu sonho. – Quando retornei ao Brasil, pensei em ficar e não voltar mais à Espanha. Apesar disso, eu recebi forças da minha família para seguir tentando. No momento em que decidi ir tentar a sorte na Europa, eu pedi a minha mãe que não me deixasse desistir e foi o que aconteceu.

Disposto a melhorar sua situação na Espanha, Raphael deixou de morar com a família romena e foi dividir um apartamento com o amigo que havia feito o convite para tentar a sorte em solo europeu. A partir daí, as coisas melhoraram para o jovem da Baixada Santista. – Me preparei bastante depois que cheguei do Brasil. Comecei jogando super bem e despertei a atenção até de outros times. Infelizmente, um problema burocrático fez com que eu perdesse quase dois meses de jogos, algo que fez com que eu interrompesse minha boa sequência e acabasse desmotivado.

Ainda assim, a ideia de seguir a carreira na Espanha não foi destruída. No início de 2012, mais adaptado ao país e estudando a língua nativa, Raphael passou por bons períodos no San Fernando. – A minha melhor adaptação à vida na capital espanhola se refletiu dentro de campo. Meu rendimento cresceu e terminei a temporada sub-20 muito bem. Foi quando me fizeram uma proposta de contrato na equipe profissional. Infelizmente, para mim não parecia vantajoso, ia seguir ganhando muito pouco. Já com 18 anos, resolvi voltar ao Brasil porque achei que precisava estudar.

Ainda não é o fim Na volta para casa, Raphael optou pelo curso de Relações Internacionais na hora de escolher uma carreira na faculdade. Ainda assim, seguia com a esperança de retomar a carreira de jogador. Chegou a tentar

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a sorte em alguns torneios que davam oportunidades aos ganhadores de atuar na Europa e manteve esparança de ir aos EUA, cursar uma faculdade e defender o time da instituição. Mesmo assim, até o momento, esses planos não se concretizaram. – Ainda jogo pelo time de futebol da faculdade. Penso em concluir meu curso e seguir uma carreira no mundo do esporte. Apesar disso, ainda não desisti da ideia de jogar futebol profissionalmente, aceitaria uma proposta que fosse tentadora.

Sobre o período que passou longe de casa em busca de consolidar sua carreira, Raphael garante não ter se arrependido. Para ele, há muitos aspectos positivos e negativos na experiência vivida em Madri. – No aspecto pessoal, eu cresci muito. Aprendi uma nova língua, a cozinhar e a “me virar”, basicamente. O empresário só manejou minha ida, todo o resto que conquistei foi por mérito próprio, fruto da minha batalha.

Raphael diz não se arrepender da decisão de ir tentar a carreira na Espanha, mas crítica a falta de oportunidades e a péssima estrutura dada aos que sonham em ser jogadores de futebol no Brasil. – No Santos, que foi o maior clube que defendi, havia muita concorrência. A cada dia que você ia treinar, apareciam dez garotos para fazer testes. Aí tem aqueles que você sabe que possuem padrinhos, que têm empresário com influência no clube, entre outros fatores que te desistimulam.

Na opinião do ex-santista, falta ao Brasil uma estrutura nas categorias de base que permita acomodar todos os jovens em seus devidos estágios de amadurecimento. Mudanças nesse sentido aumentariam o período de desenvolvimento de um jovem que sonha em se tornar um atleta profissional. – Percebi que devia aceitar o convite para ir à Europa porque me sentia chegando em uma idade limite. No Brasil, não há muitas oportunidades para quem chega aos 18 anos e não se estabeleceu. Por aqui, queimamos muitas etapas, com 17 anos um garoto já é profissional, coisa que você dificilmente vê na Europa.

Outro aspecto que é nocivo ao nosso futebol, de acordo com Raphael, é que muitas questões extracampo são mais importantes que seu talento nos bastidores dos grandes clubes do país.

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CAPÍTULO 3: SUBMISSÃO ECONÔMICA

– Minha família sempre me passou que temos que ser verdadeiros e acho que valores assim são muito raros no futebol. Penso que, muitas vezes, só se dá bem quem está disposto a prejudicar os outros. Na maioria das pessoas, é preciso ter uma pessoa influente que te ajude e coisas desse tipo. Não é apenas o seu talento que conta, mas deveria ser.

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Capítulo 4

DESIGUALDADE SOCIAL


“Jogador de futebol tem que ir na bola com a mesma disposição com que vai num prato de comida. Com fome, para estraçalhar.” Neném Prancha


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I. O outro lado do futebol Salários atrasados, falta de condições mínimas no ambiente de trabalho e alta taxa de desemprego. Tomando como exemplos esses três itens pode se pensar em diversas categorias de trabalhadores brasileiros, mas dificilmente alguém ligaria esses fatores negativos a imagem de um jogador de futebol profissional. Basta ligar a televisão ou acessar os sites esportivos para ver como a imagem de um jogador de futebol é valorizada no Brasil. O que dizer de Neymar que tem seus passos seguidos por todos os veículos do país, transformando festas, carros de luxo e relacionamentos pessoais em manchetes? Como não se deslumbrar com as discussões em cima de cifras astrônomicas que são pagas a alguns atletas por aqui e ao redor do mundo? É possível ignorar a presença de atletas da bola em comerciais de marcas mundiais, atuando como grandes estrelas? Como dizer a um jovem brasileiro que nasceu e cresceu na periferia que a carreira de jogador de futebol não é o sonho espetacular que parece? Assim como o país, o futebol sofre muito com a desigualdade que existe em suas entranhas, que machuca e esfacela sonhos que ninguém vê ou chega a conhecer. Por trás dos grandes astros, há uma multidão que briga em gramados de péssima qualidade e pena para tentar ascender em uma categoria que dá raras chances de realização pessoal e profissional. Com dados divulgados pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e pelo Ministério do Trabalho, a revista “Época” , realizou um levantamento, em fevereiro de 2016, na tentativa de traçar o cenário trabalhista dos que vivem ou querem viver de futebol no Brasil23. As conclusões são tristes e, até certo ponto, assustadoras. Em um país em que é comum observar comunidades periféricas coexistindo lado a lado com condomínios de luxo, é compreensível que o futebol abrigue também essa condição. Os dados analisados pela publicação mostram que dos poucos mais de 28 mil atletas profissionais registrados no país em 2015, 23 mil ganhavam até mil reais mensais, rendimento inferior a muitas outras categorias, como ascensorista, 23. Que riqueza? Quatro em cada cinco jogadores de futebol no Brasil ganham até mil reais (http://epoca.globo.com/vida/ esporte/noticia/2016/02/que-riqueza-quatro-em-cada-cinco-jogadores-de-futebol-no-brasil-ganham-ate-r-1000.html). Acesso em: 09/06/2016.

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garçom e catador de material reciclável. A imagem de jogadores de futebol com carros de luxo, roupas de marca e grandes mansões se enfraquece quando, segundo a CBF, apenas 226 jogadores profissionais recebiam acima de 50 mil reais mensais no Brasil. Esse é o número de pessoas que “venceu” no futebol e hoje tem um padrão de vida superior a um pós-graduado e com uma carreira sólida em algum banco ou grande empresa, por exemplo, 226 jogadores que representam apenas 0,8% dos atletas profissionais no país. Em um país com tão poucas oportunidades de ascensão socioeconômica, o futebol se mostra como uma daquelas opções que proporciona a via rápida para enriquecimento e ganho de status social. Com o tratamento que a mídia dá para as histórias pessoais de alguns atletas que chegaram ao sucesso, é natural que seja muito díficil dissuadir um jovem brasileiro de seu sonho de brilhar nos gramados para que o investimento seja em estudo e em uma carreira, digamos, mais convencional. Favorecimento aos ricos Seguindo outro aspecto muito comum no país, o futebol brasileiro, nos últimos 20 anos, ajudou os ricos e grandes a serem cada vez mais ricos e grandes ao passo que os pequenos ficaram cada vez menores e mais pobres. Em 2015, dados da Receita Federal mostram que 71 mil brasileiros (equivalente a 0,3% dos declarantes do imposto de renda) concentram 22% de toda a riqueza da nação24. Com a chegada dos grandes contratos de televisão e dos lucrativos acordos de patrocínios, os grandes clubes brasileiros alavancaram suas arrecadações e assim puderam aumentar ainda mais a distância que os separavam dos menores. Com mais dinheiro em caixa, reformaram (ou construíram) estádios e criaram formas de associação de torcedores. Enquanto isso, as instituições com menos verba precarizam suas condições e lutam para se manterem ativas ao longo de toda temporada. Dentro dessa realidade, um dos fatores que mais assombra os que sonham em se tornarem atletas profissionais é o desemprego sistêmico que existe no futebol. Ainda de acordo com os dados do Ministério do 24. 71 mil brasileiro concentram 22% de toda a riqueza; veja dados da receita (http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/ 08/71-mil-brasileiros-concentram-22-de-toda-riqueza-veja-dados-da-receita.html). Acesso em: 09/06/2016.

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Trabalho, só 11 mil dos 28 mil atletas com contratos registrados em 2015 chegaram à janeiro de 2016 com vínculo ativo. O que significa dizer que seis em cada dez atletas perderam seus empregos ao longo da temporada. Uma das explicações para essa assustadora estatística é o calendário do futebol brasileiro aliado à má gestão dos clubes. Com o formato atual, a grande maioria dos clubes (algo em torno de 600 de 7000), funciona apenas durante os primeiros meses durante a disputa dos campeonatos estaduais e depois fecham suas portas, já que estão fora das principais divisões nacionais. Funciona, em regra, da seguinte maneira: contratam os jogadores em dezembro, treinam em janeiro e, ao final da competição, demitem elencos inteiros em abril. A partir daí, um imenso número de brasileiros tem de conseguir outra maneira de sobrevivência até que possa tentar realizar seu sonho de se tornar atleta novamente. Essa é a história que não se conta sobre o futebol do país, é o cenário que fica atrás de ídolos popstars, grandes salários e consagrações com títulos e honras. Para acentuar ainda mais a gravidade da situação, muitos desses pequenos clubes sequer conseguem pagar os baixos salários que oferecem nos curtos espaços de tempo que funcionam. Isso porque, além de mal geridos, eles não possuem a visibilidade para negociar contratos, não possuem grandes públicos que resultam em rendas de bilheterias, entre outros fatores dessa natureza. Uma razão que ajuda a perpetuar essa cenário tenebroso é a falta de formação dos que tentam ser atletas no país. É notável que diante dessas circunstâncias, a categoria de jogador profissional de futebol ainda seja tão pouco coesa e mal representada. Outro ponto a ser considerado é a suposta “realidade paralela” que pintam para o futebol. É constante que qualquer medida de reinvidicação ou de mudança proposta para o esporte seja rebatida com argumentos de que “as coisas não funcionam assim” ou “aqui é diferente, pois envolve a paixão dos torcedores”. Se no Brasil, em geral, é muito raro encontrar transparência em transações e balanços mensais, no futebol é quase um milagre. Mesmo clubes de portes grandes e médios passam por situações financeiras

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tenebrosas e nunca uma pessoa sequer foi responsabilizada por má gestão. É comum encontrar manchetes que mostram clubes das divisões nacionais com salários atrasados, o que já é inacreditável, tendo em vista a força do futebol por aqui. Mesmo com a denúncia dos meios de comunicação, os maiores times do Brasil vão se profissionalizando e “saneando” suas gestões de forma bem lenta. O mesmo não acontece quando se trata das instituições menores, que sequer funcionam durante o ano todo, mas que deveriam ser a porta de entrada de qualquer brasileiro que sonha em ser um jogador profissional.

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II. Mesmo Estado, outra realidade O Rio Grande do Sul é um dos centros mais importantes do futebol brasileiro. Além de abrigar grandes campeões nacionais e continentais como Grêmio e Internacional, também é casa de clubes de muita tradição como o Juventude (sediado em Caxias do Sul) e o Brasil de Pelotas, que leva a cidade no próprio nome. É de lá também que muitos jogadores surgiram para o futebol. Podemos citar de Taffarel e Mauro Galvão (campeões mundiais em 1994 pela Seleção Brasileira) à Renato e Ronaldinho que levam “gaúcho” em seus nomes e marcaram para sempre o esporte brasileiro. Isso sem contar a escola de treinadores que o Estado ostenta. Mais recentemente, nomes como Tite, Muricy Ramalho, Mano Menezes e Luiz Felipe Scolari comandaram os principais times do país e conquistaram inúmeros títulos. Assim, é de se esperar que o futebol no Estado seja estruturado para ser um dos grandes celeiros do nosso país. Iago Samir Cardoso, 23 anos, é a prova viva de que não é muito bem assim que acontece. Nascido em Bagé, há 374 km de Porto Alegre, o jovem sempre sonhou em ser jogador de futebol. Na pequena cidade de menos de 200 mil habitantes, dois clubes comandam a rivalidade local, são eles: Guarany Futebol Clube (GFC) e Grêmio Esportivo Bagé GEB)25. Durante sua adolescência, Iago teve passagens por esses dois clubes e ressalta que a estrutura não é o forte da dupla. – Não havia estrutura alguma e auxílio financeiro para os atletas mais jovens não existia. Disputávamos jogos em cidades muito distantes, chegando a ter que realizar viagens de ônibus que duravam sete horas.

É válido realizar uma comparação para medir o tamanho do abismo entre clubes no país. Em 2016, os rivais de Bagé, que não oferecem auxílio financeiro aos seus jovens atletas, disputaram a terceira divisão do Campeonato Gaúcho. Na primeira divisão, o Grêmio pagava um salário astronômico26 (por volta de 170 mil reais mensais) à Luan, atacante nascido em 1993, apenas um ano depois de Iago. 25. GFC (2) e GEB (1) somam três conquistas estaduais da primeira divisão; Internacional (45) e Grêmio (36) totalizam 81 taças locais 26. Renovação de Luan com Grêmio é homologada na CBF. (http://www.lance.com.br/futebol-nacional/renovacao-luancom-gremio-homologada-cbf.html). Acesso em: 09/06/2016.

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A vontade de se tornar jogador não esbarrou nem na ausência de auxílio financeiro dos clubes. Para contornar essa situação, o jovem gaúcho, criado pelo mãe, fazia turno triplo para conciliar suas atividades. – Trabalhava de manhã como ajudante de pedreiro com meu tio, treinava à tarde e ia à escola no período noturno. Por causa da questão física, o trabalho acabava atrapalhando dentro de campo, mas eu consegui aguentar essa rotina durante três anos.

A prática de ser um jogador e precisar realizar um outro ofício fora dos gramados é mais comum do que deveria, no Brasil e na América Latina, em geral. Em 2016, o Santos enfrentou um time que contava com policiais militares27 em seu elenco. Enquanto isso, no Uruguai, o modesto Plaza Colônia fez história ao ser campeão nacional com, por exemplo, um pintor e um pedreiro28 entre seus atletas. Apesar da rotina exaustiva, Iago não descuidou dos estudos e mesmo em meio ao sonho de se tornar jogador conseguiu terminar o ensino médio no tempo certo. Já com 18 anos, ele teve que decidir qual seria o melhor caminho a tomar na sua vida. – Quando cheguei na idade de profissional, a ajuda máxima que o Grêmio Bagé me ofereceu foi de 200 reais para que eu continuasse como jogador da base. Não havia como conciliar isso com a minha vida e com a vontade de conquistar algumas coisas na área pessoal, então decidi parar.

Sem saída Novamente à titulo de comparação: em 2015, o Grêmio disputou 67 partidas, divididas em três competições: Campeonato Gaúcho, Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro. A estreia do Tricolor no ano foi no dia 31 de janeiro29 e o último duelo foi realizado em 6 de dezembro30. Fora das principais divisões nacionais, resta aos dois times de Bagé apenas a terceira divisão estadual. No atual formato, apenas um dos dez times participantes garante o acesso ao segundo escalão do desporto gaúcho. Em 2015, o Guarany de Bagé chegou a final, mas acabou derrotado 27. Time da Polícia Militar do Acre, Galvez tem apenas dois oficiais no elenco (http://globoesporte.globo.com/ac/futebol/ times/galvez/noticia/2016/04/time-da-policia-militar-do-acre-galvez-tem-apenas-dois-oficiais-no-elenco.html). Acesso em: 09/06/2016. 28. Carpinteiro, professor, técnico na várzea: Espinel viveu o inimaginável com o Plaza Colonia (http://trivela.uol.com.br/ espinel-tecnico-plaza-colonia-historia/). Acesso em: 09/06/2016. 29. Grêmio 3 x 1 União Frederiquense, em Porto Alegre, pela primeira rodada do Campeonato Gaúcho 30. Joinville 0 x 2 Grêmio, em Santa Catarina, pela 38ª rodada do Campeonato Brasileiro

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pelo Futebol Clube Marau. O último e decisivo duelo entre os dois foi disputado no dia 19 de julho31. Com duas partidas a mais que o rival da cidade, o Guarany de Bagé disputou assustadores 18 partidas oficiais na temporada 2015. Esse é um dos fatores que, na opinião de Iago, impossibilita seguir na tentativa de se transformar em jogador profissional de futebol na região. – Nas categorias de base não existem auxílio. No profissional, eu acredito que nenhum atleta deve receber mais de três mil reais mensais. Além disso, o formato da terceira divisão é cruel, só há uma vaga. Você pode colocar todo o trabalho da temporada a perder em um jogo.

Iago critica ainda a cultura existente na região de não se apostar nos jovens formados nos clubes. Segundo ele, os dirigentes, visando resultados rápidos, sempre optam por trazer jogadores de outros estados, ainda que essa seja uma prática mais custosa aos clubes, que já dispõem de pouca verba. – Aos 17 anos, no Grêmio Bagé, eu estava bem e treinei algumas vezes junto com os profissionais. Cheguei a pensar que minha carreira engrenaria, mas quem comanda não quer saber de dar chance aos jovens. Eles preferem contratar jogadores veteranos e que ganham mais do que tentar confiar em um jovem formado na base.

Mesmo em uma cidade menor, Iago ressalta o tamanho da concorrência para se tornar profissional e garante que se arrepende de não ter insistido na carreira, porém com uma ressalva: longe de sua terra natal. – Eu sabia da minha qualidade e treinava sempre com muita intensidade, mas acabava me sentindo descartável porque havia muita concorrência. Eu acho que me arrependo de não ter tentado mais, mas não queria novas oportunidades por aqui, meu sonho sempre foi tentar a sorte fora do país, mas nunca foi possível. Nem somente pelo dinheiro, mas pela vontade de jogar em algum lugar com organização e boa estrutura.

Quem não conhece, que te compre Depois de deixar a carreira futebolística para trás, Iago, que casou aos 18 anos, foi para Porto Alegre ao lado de sua esposa para exercer o ofício de eletricista. Ele ressalva que muita coisa mudou quando decidiu deixar o esporte de lado.

31. Marau 2 x 0 Guarany de Bagé, em Marau, segunda partida da final da 3ª divisão gaúcha

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CAPÍTULO 4: DESIGUALDADE SOCIAL

– Era impossível conciliar a minha tentativa de ser jogador com a vida que eu tinha, ao lado da minha esposa. Em outra profissão, eu consegui adquirir coisas que não sei se conseguiria se estivesse até agora tentando.

Depois de quase cinco anos na capital gaúcha, Iago, que tem um filho de um ano e nove meses, retornou à Bagé no início de 2015 para seguir sendo eletricista. Ele destaca como o futebol é vendido de uma forma ilusória aos jovens brasileiros. – Por aqui, todo jovem cresce sonhando ser um Neymar ou Cristiano Ronaldo, mas as coisas não são bem assim. É preciso ser muito diferenciado para chegar até lá. No futebol real, as chances são poucas e você chega ao topo na mesma velocidade com que acaba afundando.

Atualmente desempregado, Iago planeja ter um diploma de ensino superior, mas ainda possui dúvidas quanto a carreira, talvez por ainda querer manter um vínculo com o esporte, que é sua paixão desde criança. – Ainda não sei se quero fazer Engenharia Elétrica e seguir na área que venho atuando nos últimos anos ou se faço um curso de Educação Física, pensando em ser professor, quem sabe dar aulas em escolinha de futebol.

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Capítulo 5

PRECONCEITOS


“O único problema de Marta, pelo visto, é ser mulher.” Artigo do “The New York Times” sobre diferenças salariais de gênero no futebol


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I. Ambiente fértil para a intolerância Comumente ligado ao extâse das torcidas, à festa nas arquibancadas e a toda essa gama de sentimentos positivos, o futebol comporta um dos piores fatores da sociedade na qual ele está inserido: o preconceito. Desde a sua chegada ao Brasil, o esporte sofreu para incorporar os negros aos clubes já existentes, principalmente em grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo. Na obra prima “O negro no futebol brasileiro” (1964), do histórico jornalista esportivo Mário Filho (que hoje, inclusive, dá nome ao estádio do Maracanã), é contada, com uma riqueza de informações e detalhes impressionante, a trajetória dos negros no futebol tupiniquim. Desde a relutância dos grandes clubes a aceitarem os negros em seus times, até histórias inusitadas como jogadores que alisavam seus cabelos para serem “menos negros” perante a torcida de seus clubes. Em uma das passagens do livro, quando relata a reação de torcedores momentos após a grande tragédia da perda da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã, Mário Filho destaca como os negros foram os principais bodes expiatórios para o ocorrido: “A verdade é que somos uma subraça. Uma raça de mestiços. Uma raça inferior. Na hora de aguentar o pior, a gente se borrava todo. Como Barbosa [goleiro negro] quando estreará no escrete brasileiro. (...) ‘Enquanto dependermos de negros vai ser assim’. Barbosa e Bigode [João Ferreira, lateral esquerdo] tiveram de sair quase escondidos do Maracanã (...) Era o que dava, segundo os racistas que apareciam aos montes, botar mais mulatos e pretos do que brancos num escrete brasileiro”. (FILHO, 1964, p. 290).

Muitos anos se passaram, os negros constituem boa parte das estrelas da história do futebol brasileiro e ainda assim o problema do racismo persiste. São inúmeros (e recorrentes) os casos de racismo nos gramados do país, seja em torneios de menor expressão ou na maior competição nacional de futebol profissional, o Campeonato Brasileiro, organizado pela Confederação Brasileira de Futebol. O que acontece depois das denúncias? A onda recente de casos de racismo no futebol brasileiro incomodou e intrigou Marcelo Carvalho, formado em administração e gestão de

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empresas. Apaixonado por futebol desde criança, o gaúcho criou, em maio de 2014, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol32. Um site que monitora e tenta quantificar todos os casos de racismo ocorridos em gramados de competições profissionais pelo país. – Resolvi pesquisar o que acontecia com os casos [de racismo] depois de um tempo porque a imprensa não retratava as consequências. O principal objetivo do Observatório é monitorar e ficar atento aos episódios que acontecem no Brasil com a ajuda das ferramentas da internet.

Para Marcelo, o futebol é uma das formas de se abordar a questão racial de maneira mais produtiva. – A questão do preconceito é muito forte, há muitos casos em diversas áreas. Na minha opinião, o futebol é uma ferramenta incrível para tratar questões sociais. Ele te dá a possibilidade de discutir esse tipo de problema.

Mesmo diante da força do esporte, Marcelo aponta diversos problemas enfrentados por quem quer tratar dessa questão no âmbito futebolístico, sejam jogadores, jornalistas esportivos ou dirigentes de clubes. – No Brasil, há muito disso. Toda pessoa que reclama veementemente do racismo, passa de vítima à agressora. O jornalista que comprar essa briga [de discutir a questão racial mais profundamente] vai ficar tão marcado quanto um atleta que levantar essa bandeira.

Implementar o debate no mundo da bola Um dos problemas relacionados a qualquer tipo de preconceito no país é a ausência de debate aprofundado. No futebol, esporte que é tido como maior forma de entretenimento do brasileiro, é mais difícil ainda estabelecer uma discussão crítica acerca de seus problemas. – As pessoas acham chato falar de racismo e sempre existirá uma desculpa [para não tratar do tema]. Como a sociedade não quer discutir, comercialmente também a questão não rende e aí se esquece do assunto. É necessário que os clubes se conscientizem e trabalhem ao lado do torcedor, fazer o fã entender o quanto o racismo é prejudicial ao ser humano e à instituição.

Sendo a paixão o bem mais valioso despertado pelo futebol no torcedor, é preciso olhar bem para aqueles que amam o esporte no país. 32. Site do projeto (http://observatorioracialfutebol.com.br/). Acesso em: 09/06/2016.

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Para Marcelo, o trabalho deve ser iniciado desde as primeiras gerações. – Em tudo o que um jogador faz, ele é copiado pela criança. Isso é um reflexo da sociedade, a criança não nasce racista, mas pode se tornar. Daí a importância das ações de quem trabalha com o futebol no Brasil.

Driblando o estigma social No magnífico “Futebol ao sol e à sombra” (1995), Eduardo Galeano reúne muito de seus ótimos contos sobre o futebol, escritos ao longo de sua vida. Em um deles, o escritor uruguaio relata a história do compatriota José Leandro Andrade, jogador que defendeu a Celeste nos jogos Olímpicos de 192433 e ficou conhecido como “A Maravilha Negra”. Eis o desfecho do conto: “Andrade morreu em Montevidéu, muitos anos depois. Os amigos tinham programado muitas festas em seu benefício, mas nenhuma chegou a ser realizada. Morreu tuberculoso, na mais completa miséria. Foi negro, sul-americano e pobre, o primeiro ídolo internacional do futebol”. (GALEANO, 1995, p. 55)

Muitas décadas se passaram desde que Andrade desfilara pelos gramados do mundo. Contudo, segundo o idealizador do Observatório, um mesmo problema ainda persiste. – A sociedade não consegue enxergar os negros bem sucedidos. Jogador de futebol não é alienado, a sociedade que é. O Brasil conseguiu passar para os negros que eles não gostam de si mesmos. O futebol é apenas mais um reflexo.

Mesmo diante das denúncias pontuais da mídia quando algum caso de racismo ocorre com algum jogador importante, é visceral que a discussão seja mais ampla e que o problema se torne pauta constante. Assim, a chance do país se desvincular desse preconceito secular aumentaria. – Se as pessoas se esquecerem [dos casos de racismos que acontecem], elas vão fazer tudo de novo. Deveríamos ter museus e muita produção cultural discutindo aquestão, para que ela não se repita. É impossível que não consigamos reconhecer e alavancar a força dos negros.

33. Torneio no qual a Seleção Uruguaia conquistou a medalha de ouro no futebol

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II. O inegável machismo As mulheres são maioria da população brasileira (51,4% do total) e vem ocupando maior espaço no mercado de trabalho34. Na área futebolística, Marta Vieira da Silva Viega, nascida em Dois Riachos-AL, não é “apenas” a camisa 10 da Seleção Brasileira como é também a atleta mais consagrada da modalidade, tendo sido eleita quatro vezes a melhor jogadora do planeta. Isso sem contar os inúmeros títulos e marcas estabelecidas pela alagoana. É assustador que, apesar de ser majoritariamente feminino e possuir uma lenda da história do futebol, o Brasil (e seu futebol) ainda seja um terreno propício para o machismo e a desvalorização da mulher, no geral. Nascida em São Paulo, Luana Guiglielmin, 30 anos, é um exemplo de como o caminho do futebol brasileiro pode ser ainda mais tortuoso quando é uma mulher que o tenta explorar. Desde muito cedo, ela perceberia as barreiras que encontraria se quisesse praticar o esporte que tanto ama. – Comecei a jogar com sete anos, em uma escolinha do Rivellino [ex-jogador do Corinthians e campeão mundial com a Seleção Brasileira]. Treinava com os meninos porque era o único horário que “batia” com o da minha escola. Por isso, sofria preconceito por parte deles, que me chamavam de “homenzinho” e diziam que eu não sabia jogar. A ponto de uma vez o próprio Rivellino intervir e mostrar a eles que eu podia sim jogar tão bem ou melhor do que qualquer garoto.

O primeiro teste de Luana foi aos 12 anos no Palmeiras, onde ela acabou recusada. Contudo, muito jovem e contando com apoio dos pais, ela seguiu com seu sonho até ser aprovada no São Caetano, com 15 anos de idade, em 2001. No clube do ABC, Luana conheceu de perto a realidade dura do futebol brasileiro para quem quer iniciar uma carreira. – O clube era financiado pela prefeitura, mas ainda assim nossa estrutura era bem precária. Infelizmente, tínhamos apenas um campo para treinar e um banheiro para nos trocarmos. Não havia alimentação fornecida pela equipe, apenas água e uma bolsa auxílio de cerca de 500 reais.

Mesmo diante da falta de estrutura adequada, Luana seguiu no time do ABC e construiu uma trajetória de quatro sólidos anos (um no futebol 34. Mulheres são maioria da população e ocupam mais espaço no mercado de trabalho (http://www.brasil.gov.br/ cidadania-e-justica/2015/03/mulheres-sao-maioria-da-populacao-e-ocupam-mais-espaco-no-mercado-de-trabalho). Acesso em: 09/06/2016.

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de salão e outros três no campo). Todo o seu esforço foi recompensado com a notícia da sua convocação para a Seleção Brasileira sub-20, que disputaria o Mundial da categoria na Rússia35. – Cheguei ao clube muito nova, com apenas 15 anos e achei que dalí poderia surgir um crescimento na minha carreira. Foi através do São Caetano que cheguei à Seleção Brasileira, com 18 para 19 anos. Foi um sonho realizado o então técnico Luiz Antônio foi assistir a um treino nosso e disse que gostaria de contar comigo.

O momento de extrema felicidade também viria com uma amostra do alto nível de preconceito existente em um futebol que, no país, ainda é visto quase que somente para homens. – Na época, eu tinha o cabelo curto. Ele [Luiz Antônio] disse que me convocaria, contanto que eu deixasse meu cabelo crescer. Eu aceitei na hora, era meu sonho, essa questão seria o de menos. Apesar disso, alí já senti o preconceito que a própria CBF possui em relação ao aspecto visual. Eu não era sequer masculinizada, mas o cabelo curto era visto como empecilho para eles.

Mesmo no escalão mais alto do futebol feminino, Luana sofreu também com questões que beiravam a falta de profissionalismo. – Passei dois anos na Seleção Brasileira e conseguimos medalha de bronze no Mundial sub-20. Mas, em 2006, quando o Jorge Barcellos (então auxiliar) assumiu o time, ele me cortou sem maiores explicações e nunca mais me convocou, isso quando eu já tinha idade para estar na categoria principal. Até hoje eu não sei os motivos dele, ainda mais levando em conta que quando ele era assistente técnico, sempre fazia muitos elogios ao meu futebol.

O baque do corte foi tão severo que Luana voltou do Mundial disputado na Rússia disposta a largar o futebol, mesmo com uma medalha de bronze no peito. Sempre muito disciplinada, ela diz nunca ter tido um problema sequer com alguma companheira ou algum membro da comissão técnica. – Foi decepcionante demais e eu resolvi parar. Eu falei para minha mãe que eu não queria mais jogar, mas meu pai não aceitou e seguiu me incentivando, dizendo que eu conseguiria outra oportunidade. Não guardo ressentimentos [do ocorrido com Barcellos], mas se eu tivesse continuado na Seleção Brasileira, talvez pudesse disputar as Olímpiadas de 2016, no Rio de Janeiro.

35. A Copa do Mundo Sub20, realizada na Rússia, foi a terceira edição do evento organizada pela Fifa e aconteceu entre agosto e setembro de 2006

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Superando obstáculos Desmotivada pelo ocorrido e desconfiada do que o futebol feminino poderia proporcionar para o seu futuro, Luana decidiu continuar jogando, porém agora fazendo uso de seu talento para conseguir estudar e construir uma carreira sólida, fora das quatro linhas do gramado. – Em 2007, eu comecei a atuar pelo time da [Universidade Presbiteriana] Mackenzie, já pensando que precisava estudar: eu jogaria através de uma bolsa, me formaria e sairia do futebol. Durante um ano, cursei fisioterapia, pensando em trabalhar com algo relacionado ao esporte.

A rotina de atleta não era compatível com o cotidiano de uma estudante universitária regular. Com treinos no período noturno e aulas que começavam cedo, Luana dormia cerca de três horas por noite e, depois de um ano, acabou trancando a faculdade. Sem conseguir completar o plano de estudar, Luana foi indicada pela ex-companheira de seleção Daniela Alves para realizar um teste no Corinthians, no ano de 2008. Na equipe alvinegra, ela viveu bons momentos e voltou a ter confiança na sua carreira. – Passei no teste, me tornei uma das principais jogadoras do time e fui camisa dez durante dois anos. No Corinthians tínhamos tudo, a estrutura era muito boa, o salário era bom, estava feliz e achando que dessa vez o esporte me renderia frutos.

O que atrapalharia essa boa trajetória de Luana no clube paulista seria um problema político-financeiro. Com a chega de um novo treinador, quase todas atletas do elenco foram mandadas embora para abrir vagas para contratações indicadas pelo novo comandante. Luana e mais duas companheiras permaneceram, mas não por muito tempo. – Restaram apenas três do elenco de 2008, eu e mais duas atletas. As meninas demitidas resolveram processar o clube e ganharam. Depois disso, o Andrés Sanchez, presidente do Corinthians na época, resolveu fechar o time de futebol feminino definitivamente36.

Sem muito tempo para lamentar, Luana conseguiu uma chance de atuar na Suécia, país conhecido pela bom investimento no futebol feminino. No bicampeão nacional Sunanna SK, a brasileira encontrou outra 36. Vale lembrar que, em 2009, o Corinthians havia contrato Ronaldo Fênomeno e vinha realizando alto investimentos no time profissional masculino

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realidade no que dizia respeito a infraestrutura. – O clube te dava tudo, era praticamente no padrão da realidade do futebol masculino de alto nível no Brasil: apartamento mobiliado, carro, salário alto, patrocínio com todos os materiais possíveis, estrutura de primeiro mundo.

Com contrato de um ano de duração assinado, Luana até se adaptou bem à vida no país nórdico, mas uma nativa, companheira de clube, não recebeu a brasileira tão bem assim. Fato que iniciou o começo do fim da trajetória europeia de sua carreira. – Havia uma sueca que não gosta muito de mim e chegava firme em todos os treinos, dava para ver a maldade na pessoa. Quando houve uma troca de treinadores, ela se aproximou do novo comandante e aí ele simplesmente não me colocava mais para jogar.

O presidente do clube então disse a Luana que não poderia continuar pagando um bom salário a brasileira se ela não estivesse nos planos do atual treinador. Já com saudades da família, a paulistana aceitou a rescisão de contrato, recebeu todos os seus direitos e retornou ao seu país. Cruel realidade Motivada por ter conseguido passagens importantes no futebol brasileiro e estrangeiro, Luana voltou da Europa disposta a seguir sua carreira, longe da ideia de deixar de fazer o que amava. A partir daí, em 2010, a realidade do esporte feminino do país foi implacável. – Depois do meu retorno ao Brasil, fui contratada pelo Botucatu, um dos grandes clubes de futebol feminino. Apesar disso, quando cheguei, na metade de 2010, me prometeram um salário, pagaram-no por dois meses e depois disso ficou só na conversa. Assim, decidi retornar para minha casa na capital.

Desgastada com a situação, mas ainda confiante em fazer seu sonho de viver do futebol virar realidade, Luana seguiu para o Brasília, onde encontrou novamente uma estrutura precária, chegando a dividir um único quarto com outras seis atletas. Do Distrito Federal, a paulistana foi para o Nordeste, onde atuou pelo América-RN, clube que possuía no elenco Nildinha (ex-companheira de Luana no Corinthians) e Formiga (única jogadora de futebol do mundo a ter participado de cinco edições de jogos Olímpicos, precursoras da

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CAPÍTULO 5: PRECONCEITOS

modalidade no Brasil. – No América, nos fomos campeãs estaduais, mas voltei para São Paulo logo depois do título porque o calendário não tinha continuidade e o time foi desfeito depois da conquista. Foram três meses empregada, o que mostra a instabilidade do futebol feminino no país.

Antes de considerar a ideia de se voltar aos estudos, Luana recebeu uma proposta que parecia de ouro. Em uma parceria entre Palmeiras e a prefeitura de Bauru, um time feminino seria montado. Na apresentação do projeto, tudo parecia consistente, o que não se provou verdade logo no início. – Ofereceram muita coisa às jogadoras, mas chegamos lá e não havia sequer alojamento. Ficamos dois meses morando no ginásio do time de basquete da cidade e as casas das atletas que estavam, supostamente, passando por reformas nunca apareciam.

Foi em Bauru que Luana viu de perto um dos cenários que ela considera mais triste em toda a sua carreira no futebol feminino. Em determinado momento, o clube colocou as atletas para morarem num sítio, com uma estrutura totalmente precarizada. – Havia meninas que dormiam em colchões colocados diretamente no chão. O clube não dava nada, quem tinha condição financeira, comprava produtos de higiene pessoal e coisas desse tipo. Emprestávamos dinheiro para as atletas mais jovens comprarem sabonete. O Palmeiras não ajudou em nada, simplesmente cedeu a camisa na parceria e não ofereceu nenhuma condição mínima.

Depois de uma grave decepção como a vivida em Bauru, Luana estava decidida a parar de jogar. Antes de encerrar a carreira, no entanto, decidiu retornar ao São Caetano, clube onde iniciou sua trajetória e que não havia conseguido retornar pela falta de condições financeiras da instituição. Mesmo em “casa”, Luana enfrentou problemas com um diretor do clube por causa de problemas de conflitos de calendário, fruto da bagunça que são as competições profissionais femininas do país. Essa seria sua desilusão final. – Eu havia prometido jogar três jogos por outro time antes de acertar com o São Caetano. Todas as jogadoras do elenco jogavam “por fora” para ganhar um dinheiro

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a mais, era uma prática comum [as partidas não atrapalhariam o calendário do time do ABC paulista] mas o diretor não gostou da minha decisão e me ameaçou tirar do time.

Tão frustrada pela situação que estava vivendo em um clube onde foi criada e que a levou para a Seleção Brasileira, Luana deixou o São Caetano e também não atuou nos jogos “por fora” que acabaram causando o problema. – Alí foi a gota d’água. Eu já estava querendo parar e isso foi o fim. Coloquei para mim que o futebol feminino não dava mais. Nos últimos dias, eu ia treinar sem o amor que eu tive a vida inteira, como se fosse uma obrigação, sem a paixão de praticar o esporte.

Situações surreais Em seus quinze anos de carreira, Luana tem histórias que demonstram bem os graves problemas que o problema feminino tem no Brasil. Quanto a questão de preconceito, a agora ex-jogadora, diz já ter presenciado vários episódios, de diversos tipos. – Não aconteceu comigo nos clubes, mas já vi diretor pedir para uma menina mais masculina mudar seu jeito de se comportar e de se vestir. Já ouvi pedidos de dirigente que pedia para passar maquiagem. Nunca deixavam as meninas serem elas mesmas, existe sempre esse preconceito com a imagem da mulher.

A orientação sexual das atletas também era alvo de machismo por parte dos dirigentes dos clubes. A ex-jogadora da Seleção Brasileira diz ter vivenciado um clima de “quartel general” quando um cartola descobriu um caso de homossexualidade no elenco. – Se sabiam que uma jogadora namorava com uma mulher, o diretor não a deixava em paz, realizavam uma fiscalização forte, o tempo todo. Já vi, em clube grande e pequeno, dirigente fiscalizando quarto de atleta de surpresa, para ver o que estava acontecendo.

A sexualização da figura da mulher, problema tão constante em peças publicitárias, filmes, entre outros, também ocorre nos bastidores do nosso futebol. Luana afirma ter visto de perto situações desse tipo nos clubes por quais passou. – Uma coisa chocante que já vi eram atletas saindo com treinadores para permanecerem no time, não era difícil perceber a malícia em alguns técnicos. Além disso, há a questão do padrão de beleza, já vi em time meu preterirem

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a jogador negra em relação a “loira de olhos azuis”, aquela que combinava mais com o padrão de beleza estabelecido pela sociedade.

Na visão de quem teve uma carreira de 15 anos como atleta profissional, com passagens por Seleção Brasileira e futebol europeu, Luana atesta alguns problemas claros da modalidade por aqui. – Há a questão do preconceito do dirigente em sempre achar que o futebol feminino não dá o mesmo retorno para o clube do que o masculino. Cuidam com muito carinho dos jovens no masculino, mas sempre acham que o time feminino só gera gastos, isso gera muita falta de investimentos.

Outra questão é que há muita falta de representativa feminina nos altos escalões do futebol brasileiro. Na visão da ex-jogadora, isso acaba distanciando muito as atletas de quem as comanda. – Em 15 anos de carreira, só tive uma diretora no Corinthians e mesmo assim ela ainda respondia a um outro diretor. Nunca vi uma técnica e nem uma gestora, nem na Seleção Brasileira. A presença de mulheres no comando facilitaria a identificação das necessidades das atletas, entre outras questões. Com os homens, sempre há aquela questão do machismo, de achar que qualquer coisa é frescura.

Luana também destaca que sempre que há um grande evento esportivo no país, surgem muitas promessas de investimentos e melhorias na modalidade. Entretanto, estas nunca chegam a sair do papel, o que mina o potencial do futebol feminino brasileiro. – O esporte feminino é o primeiro a ter o investimento cortado quando há um problema. Na época do Corinthians, nós fazíamos “preliminar” [jogos que acontecem antes do evento ‘principal’] da equipe masculina, já deixando claro quem realmente é valorizado. Não fosse isso, certamente teríamos muito mais do que uma Marta. No Brasil, o que não falta é talento.

Instabilidade fora do normal Prestes a se formar em Nutrição, a ex-jogadora revela que a decisão de encerrar sua carreira precocemente não foi nada simples e que essa desilusão ainda a afeta em alguns pontos. – Depois que eu parei de jogar, eu nunca mais acompanhei de perto o futebol feminino. Fiquei tão decepcionada que tive que virar essa página. Fui feliz e o esporte me deu muita coisa, mas me dói lembrar algumas coisas pelas quais passei. É péssimo

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pensar que as mesmas coisas podem estar acontecendo com outras tantas meninas em todo o país.

Mesmo decepcionada, Luana conseguiu o que poucas atletas conseguem num país como o Brasil: viver do esporte durante 15 anos. Ela ressalta que possuir uma estrutura familiar foi essencial, pois sabia que ainda teria apoio dos pais, caso a carreira não vingasse, privilégio que nem todas possuíam. – Eu não recomendaria a carreira de jogadora de futebol feminino no Brasil. Infelizmente, por aqui, é assim: em um ano você está trabalhando e no outro você não sabe o que vai acontecer com o seu futuro ou já está desempregada. É uma instabilidade acima do normal.

A ex-jogadora ressalta, apesar de tudo, que o esporte pode ser utilizado como um meio para se obter uma boa formação e aí, posteriormente, se construir uma carreira sólida longe dos gramados. – Eu sei que muitas jovens podem ter o sonho, mas, na prática, tudo é muito diferente. Aconselharia o seguinte caminho: se quer jogar, jogue mediante a uma bolsa de estudos, algo que dê alguma alternativa. Traga o esporte para você como uma garantia de se formar em alguma faculdade e assim ter uma carreira segura, sem depender do futebol.

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Capítulo 6

VIOLÊNCIA


“ Se todas as batalhas dos homens se dessem apenas nos campos de futebol, quĂŁo belas seriam as guerras.â€? Augusto Branco


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I. Traço repugnante O Brasil figurou no topo do ranking mundial de homícidios ao registrar 59.627 casos desse tipo de crime no ano de 201437, sendo o maior número registrado na história do país. Estatística forte que mostra o quanto a violência está impregnada na sociedade tupiniquim e como, até certo ponto, vidas perdidas por aqui já ganham ares de mera banalidade. Na apresentação38 de seu livro “Para entender a violência no futebol” (2012), o sociólogo Mauricio Murad atesta: “A corrupção e a impunidade anestesiam as reações ética, jurídica, política, cultural e policial de uma sociedade. E, como são essas reações que definem uma sociedade e a própria civilização, se não forem acionadas normalmente pelas instituições, o efeito, mesmo que indireto, é incentivo a novas práticas delituosas. E sabem por quê? Porque a violência fica banalizada (“tudo é assim”) e, pior, naturalizada (“sempre foi assim”). Em resumo: a ideia que pode ficar é a de que não há conserto. Trata‑se de uma verdade que vale para o futebol, e não somente para o futebol. Ela é aplicável a quase tudo. Portanto, para entender a violência no futebol, aquela que chamamos de violência do público, é preciso começar a compreender a violência que a precede — a violência pública. E esta, como já vimos, tem raízes culturais, sociais, históricas, humana”. (MURAD, 2012)

É notável como a violência aparenta ser um elemento natural do nosso futebol. É normal considerar inviável realizar duas partidas de equipes rivais da mesma cidade no mesmo dia. Em São Paulo, por exemplo, Corinthians e Palmeiras nunca jogariam simultaneamente, pelo fato de que as torcidas acabariam se esbarrando em pontos da cidade antes e depois da partida. Como virou natural considerar que torcedores de times diferentes não podem conviver juntos, um próximo ao outro? Quão bizarro é saber que não são todos os dias nos quais você pode sair com a camiseta do seu time na rua sem correr riscos? A violência da sociedade talvez seja o traço mais repugnante que o futebol possa refletir. É assustador como esse aspecto, em diversos momentos, transforma algo feito para ser um grande entretenimento em um problema de segurança pública. 37. Dados do Atlas da Violência 2016, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP) 38. A violência no futebol (http://www.literaturanaarquibancada.com/2012/06/violencia-no-futebol.html). Acesso em: 09/06/2016.

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Pontos a se considerar Tomando como exemplo o ano de 2013, um dos mais violentos do futebol brasileiro, 30 pessoas foram assassinadas por torcedores riviais, estabelecendo um recorde doméstico dessa estatística39. Até o final do ano citado, de acordo com o levantamento, são 234 mortes relacionadas à modalidade na história do país, dado que transforma o Brasil no líder desse tenebroso ranking. Diante de números como esses, é preciso refletir sobre a questão sem cair na generalização que aponta os torcedores organizados como únicos responsáveis e transforma os estádios em palcos únicos da violência. Os últimos anos têm mostrado o aumento da intolerância entre torcedores rivais, que se confrontram em diversos pontos das nossas capitais, muitas vezes em pontos distantes dos locais da partida, marcando os embates pelas redes sociais de forma constante. É inegável que há uma parcela de criminosos infiltrados em torcidas organizadas e que nossos estádios possuem amplos problemas de infraestrutura. Porém, é necessário somar a essa equação a morosidade das nossa justiça, a incompetência das autoridades, o despreparo da polícia, a falta de ensino básico de boa parte da população brasileira, entre outros fatores. O alto número de vítimas fatais por aqui nesse tipo de confronto se dá pelo constante uso de armas de fogo, o que evidencia o fácil acesso a esse tipo de instrumento e a frágil atuação da polícia, dentro e fora dos estádios, por exemplo. Outro ponto é que as medidas anunciadas pelas autoridades, em sua maioria, não saem do papel. Discute-se muito cadastramento de torcedores organizados, criação de delegacias especiais para julgar casos específicos relacionados ao esporte, segurança integrada, maior punição aos clubes, rastreamento de confrontos em redes sociais, etc. Apesar disso, na prática, presenciamos medidas que, ao longo dos anos, se mostraram completamente ineficazes como torcida única em clássicos estaduais, proibição de bandeiras e sinalizadores, perdas de mando de campo e aplicação de multas em facções organizadas. 39. Estatística proveniente de uma pesquisa coordenada por Mauricio Murad (http://oglobo.globo.com/esportes/brasilo-recordista-de-mortes-por-causa-do-futebol-14923352). Acesso em: 09/06/2016.

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Nada disso ataca o cerne do problema, nem trabalha para que ele seja amenizado já nas suas raízes. Um fato resume bem a falta de atuação para resolver os problemas ligados à violência no futebol brasileiro. Depois de uma guerra campal envolvendo torcedores de Vasco e Atlético-PR em um estádio em Joinville (jogo ficou paralisado por mais de uma hora e houve graves feridos), no final de 201340, o Governo Federal coordenou um grupo de trabalho, que acabou propondo nove medidas para amenizar esse cenário. Mais de dois anos depois do episódio lamentável em terras catarinenses, apenas duas das nove medidas foram concretizadas41. Tudo isso resulta na continuidade da violência que já em 2016, por exemplo, fez uma vítima fatal em uma estação de trem em São Paulo, onde se confrontraram torcedores de Corinthians e Palmeiras, antes de uma partida entre ambos pelo Campeonato Paulista42. “Temos de procurar entender os contextos gerais e setoriais das práticas de violência no e do Brasil, fazendo‑o de maneira integrada, articulada, para se perceber as relações de reciprocidade e interfaces entre a violência como um todo e suas manifestações no âmbito do futebol brasileiro. (...) Combinar estudos, análises e interpretações macro e microssociológicas, antropológicas, históricas, jurídicas, no esforço de evidenciar diferenças e semelhanças, generalidades e particularidades, bem como interações existentes entre a violência de modo geral e a de uma parte específica da sociedade”. (MURAD, 2012)

Questão da educação “A violência que se manifesta no futebol tem sua origem em questões mais profundas, de ordem social. Não é apenas o resultado daquilo que acontece nos estádios, embora isto também contribua. Os principais exemplos dessas questões sociais são o desemprego e o subemprego, a falta de consciência social, de educação e cidadania, o tráfico de drogas e o crime organizado, o descaso das autoridades, a desagregação dos valores familiares e escolares, a falta de policiamento ostensivo e preventivo, a impunidade, a corrupção. São as chamadas macroviolências, que aparecem no microcosmo do futebol, assim como em outros, por exemplo, no trânsito, na escola, na família”, diz um trecho da apresentação de “Para entender a violência

40. Partida decretou o rebaixamento do time carioca a segunda divisão do ano seguinte 41. Só 2 de 9 metas de pacote contra violência de 2013 foram concluídas (http://www1.folha.uol.com.br/ esporte/2016/04/1759228-so-2-de-9-metas-de-pacote-contra-violencia-de-2013-foram-concluidas.shtml). Acesso em: 09/06/2016. 42. Briga entre torcidas de Palmeiras e Corinthians termina com um morto (http://globoesporte.globo.com/sp/futebol/ campeonato-paulista/noticia/2016/04/briga-entre-torcidas-de-palmeiras-e-corinthians-termina-com-um-morto.html). Acesso em: 09/06/2016.

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no futebol”. (MURAD, 2012) Levando em consideração a fala de Murad, um dado que chama atenção é o fato de que quase dois terços das mortes em estádios, nos últimos 25 anos, foram de jovens de até 30 anos43. Algo que diz muito, se considerarmos a delinquência juvenil como um grande problema das maiores capitais brasileiras. É impossível não incluir a escola como uma das soluções para esse problema. A educação básica é um dos instrumentos mais poderosos em uma sociedade. É a partir dela que se desenha um bom convívio diante das diferenças, o combate à violência e o fomento ao senso crítico de nossos jovens. A cobertura da mídia, em sua maioria, dá ampla visibilidade às imagens fortes e números impactantes, ao mesmo tempo que discute muito pouco as razões que levam a essa constante presença da violência no âmbito do futebol brasileiro. Não há como tentar analisar esse cenário sem levar em conta a situação das camadas mais desfavorecidas da nossa sociedade. Um jovem sem acesso a educação de qualidade, com poucas oportunidades de conseguir um emprego que remunere dignamente e com limitadas opções de lazer pode reconhecer em torcidas organizadas, por exemplo, uma forma de se sentir valorizado. É frequente que, na ânsia de se apontar culpados, não se coloque no lugar do acusado. Nas cenas de violência entre torcidas incessantemente mostradas pelas televisões, não é possível ver o tratamento desumano que a polícia oferece aos mais pobres da nossa sociedade. Não é vísivel também o desamparo do Estado em relação ao jovem de periferia e sua família, entre outras mazelas. “É bom lembrar que a espetacularização não é exclusiva do futebol, e sim um fenômeno da vida contemporânea, seu modelo quase dominante. Trata‑se de um processo sensacionalista, que transforma tudo em espetáculo, em show. Em outras palavras, é o showrnalismo adotado pelos telejornais”. (MURAD, 2012).

Mais recentemente, temos assistido a uma elitização do futebol no 43. Morte no estádio: as causas da violência no futebol brasileiro (http://www.maisfutebol.iol.pt/morte-no-estadio-ascausas-da-violencia-no-futebol-brasileiro). Acesso em: 09/06/2016. 44. Brasil tem o ingresso de futebol mais caro do mundo (http://www.foxsports.com.br/news/101023-brasil-tem-oingresso-de-futebol-mais-caro-do-mundo). Acesso em: 09/06/2016.

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país. Ingressos caros44 e horários que impossibilitam quem depende de transporte público são duas boas razões para afastar quem tem menos poder econômico do contato mais próximo com o futebol. Mesmo com um público de maior renda frequentando os estádios, estes não se mostram um local de respeito e tolerância. Ainda é muito comum a ideia de que no futebol “vale tudo”. Muitos preconceitos e estigmas são reproduzidos dentro de um local no qual deveria prevalecer o entretenimento e o bom convívio social. A intolerância nos estádios dá o tom de como não são apenas as camadas mais desfavorecidas que precisam ser atingidas por medidas de conscientização. O machismo é quase regra nas arquibancadas de todo o Brasil e a homofobia é praticamente uma bandeira de grande parte das torcidas pelo país45. Sem incluir a resolução dessas questões não se encontra uma solução para a violência, seja no futebol ou na nossa sociedade. No que tange ao esporte, é importante combatermos esse mal para que possamos usufruir do melhor que o jogo pode nos proporcionar: “O futebol pode ser, ainda, um processo lúdico, que ajuda a reeducar, em particular crianças e jovens. Tem potencial para isso, já que sua lógica e funcionamento estão fundamentados, pelo menos em tese, na igualdade de oportunidades, no respeito às diferenças e na assimilação de regras e normas de convivência com o outro. Não é panaceia, isto é, remédio para todos os males, mas que ajuda, ajuda”. (MURAD, 2012)

45. Grito homofóbico passa ileso nos estádios do Brasileirão (http://portalcorreio.uol.com.br/esportes/esportes/ futebol/2015/08/15/NWS,264354,6,108,ESPORTES,2191-OOOO-BICHA-GRITO-HOMOFOBICO-ILESO-ESTADIOSBRASILEIRAO.aspx). Acesso em: 09/06/2016.

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II. Arquibancada como segunda casa Ir ao estádio para acompanhar de perto seu time talvez seja o ápice de prazer de um apaixonado por futebol. Tal experiência é tida por muitos como inigualável. É nas arquibancadas que você sofre, vibra, chora e até abraça desconhecidos depois daquele gol sofrido que garante a vitória tão esperada. A jornalista Fernanda Lins, 31 anos, nasceu em Maceió e desenvolveu uma ligação com o estádio de futebol desde muito cedo, quando passou a acompanhar de perto o seu time do coração, o CRB (Clube de Regatas Brasil), 29 vezes campeão alagoano. – Minha relação com o futebol começou muito jovem. Aprendi no ambiente escolar e vou desde os 13 anos ao estádio. Foi uma escolha muito pessoal, não tive influência de casa. No começo, meu pai me acompanhava ao Rei Pelé46 e depois passei a frequentar com amigos.

A partir do momento em que se tem um time também se possui um rival. Em Alagoas, CRB e CSA (Centro Sportivo Alagoano) são os dois membros da gigantesca rivalidade existente entre duas equipes nascidas em Maceió. O embate entre os dois sempre movimenta a capital e ganhou o apelido de “Clássico das multidões”. – Eu cresci ouvindo falar da grande rivalidade entre CRB e CSA. Mas me lembro, sem precisar que alguém me recobre a memória, que os torcedores de ambos conseguiam conviver. Nos últimos 10 anos, a coisa foi piorando e hoje já não existe a possibilidade de ver uma torcida mista na arquibancada ou torcidas indo juntas no ônibus para ver o clássico.

Sempre presente nas arquibancadas do Rei Pelé, Fernanda diz que é comum presenciar alguns episódios de violência e clima tenso entre torcedores rivais ou entre torcedores e polícia. – Já vi confusões na arquibancada, ação ríspida da polícia com cacetete e bala de borracha. Fora do estádio, presenciei cavalaria enfrentando torcidas organizadas e alguns amigos meus já foram cercados por rivais e obrigados a tirar a camisa do CRB. Além disso, já tive que chegar horas mais cedo para entrar no setor de visitantes e sempre penso bem na minha roupa47 para sair em dias de jogos.

46. Estádio fundado em 1970 onde o CRB manda suas partidas 47. O CRB tem o vermelho e branco como cores características, enquanto o CSA veste azul e branco

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Em relação às torcidas organizadas, comumente apontadas como as principais responsáveis pelos episódios violentos ocorrido no futebol, a jornalista não é fã desse tipo de instituição. De acordo com ela, o alvo da paixão desses torcedores nem sempre é o clube. – Por experiência de quem vai sempre ao estádio, não sou muito a favor das torcidas organizadas. Tenho amigos que já foram dessas instituições e acabaram com processo na justiça ou que só pregam ódio. É uma coisa de facção, um amor pela torcida e não pelo time. Já aconteceu de eu encontrar um amigo e ele fingir que não me conhecia, pois estava com amigos da torcida que fazia parte e então não poderia falar com um regaetano [torcedor do CRB]. Isso não tem nada a ver com esporte, não consigo entender em nome de quê as pessoas tem esse tipo de comportamento.

Tragédia vista de perto No dia oito de maio de 2016, o CRB bateu o CSA por 1 x 0 e conquistou o título alagoano pela 29ª vez em sua história. O que era para ser dia de festa alvirrubra nas arquibancadas do Rei Pelé se transformou em uma guerra campal das mais chocantes da história do futebol do país48. Logo após o apito final, torcedores dos dois times invadiram o gramado e iniciaram cenas de pura violência. Uma das mais chocantes, é um torcedor já caído sendo espancado por cerca de outros dez rivais. A pancadaria acabou com dois torcedores gravemente feridos que, felizmente, resistiram ao ocorrido. Fernanda estava nas arquibancadas do “Trapichão” (um dos apelidos do Rei Pelé) e relata o clima de apreensão dos presentes diante das cenas ocorridas dentro do gramado. – O estádio parecia um coliseu. Ficou um pesado silêncio e todo mundo olhando incrédulo e assustado para aquilo. Na hora, me lembrou muito do que aconteceu no Couto Pereira, quando o Coritiba caiu49. Já vi confronto de torcidas, mas nada se compara a espancamento de torcedor dentro do gramado.

Diante de episódios como esse, a jornalista diz conhecer muitas pessoas que deixaram de frequentar estádios por causa da violência ou que acompanham o torneio inteiro de perto, mas não vão às arquibancadas em dia de clássico alagoano, por exemplo. 48. Campeonato alagono acaba com briga em campo e dois feridos (http://esportes.estadao.com.br/noticias/ futebol,campeonato-alagoano-acaba-com-briga-em-campo-e-dois-feridos,10000049860). Acesso em: 09/06/2016. 49. Briga campal marca jogo em Curitiba (www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk0712200917.htm). Acesso em: 09/06/2016.

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– Tem gente que não vai e tem medo de sair com camisa de futebol na rua. Eu sempre vou, mas toda vez fico mais perto de não voltar mais. Nunca desisti de frequentar, mas, sendo bem sincera, é porque nunca aconteceu [um episódio de violência] comigo. Depois que vi aquele espancamento de perto, sonhei com aquilo por dois dias.

Na visão de Fernanda, a violência e a tensão que rondam as arquibancadas são reflexos do que acontece nas ruas da capital alagoana. Para ela, a cidade que tinha a fama de ser pacata, agora não justifica mais esse status. – A violência pirou na cidade toda, não só no futebol. Aqui no Nordeste, houve uma época em que éramos conhecidos por ter uma vida mais tranquila, mas não é mais assim. Há casos na periferia e na Zona Sul, onde ficam as praias e a maioria dos turistas. É muito comum assalto no transporte público e, por aqui, mata-se demais. Sempre figuramos em cima em rankings desse tipo de crime no Brasil.

Assim como na maioria das grandes capitais brasileiras, Maceió não transmite segurança para seus moradores no decorrer da vida cotidiana. Fernanda relata que hoje em dia não anda em paz pelas ruas da cidade em que nasceu. – É muito assustador, já saímos de casa apreensivos. Quando vou caminhar na praia, por exemplo, penso em não levar celular, pois arrastão ficou comum por lá. Os últimos governos têm feito balanços que mostram redução de violência, mas isso não se sente na prática. O pior da violência é o medo, tanto na rua como no estádio.

Medidas preguiçosas Tão internalizada na nossa sociedade e nosso futebol, a violência não parece encontrar muitos obstáculos para seguir fazendo vítimas por aqui. A jornalista alagoana critica algumas ações tomadas para combater esse tipo de questão no Brasil. – É muito fácil proibir uso de camisa de torcida organizada e presença de bandeiras na arquibancadas. Esse tipo de ação, assim como tentar implementar torcida única em dias de clássico, são medidas preguiçosas e simplistas, ao meu ver. Além disso, vou ao estádio desde os 13 anos e nunca me consulturam sobre uma medida a ser tomada, por exemplo, não há participação dos torcedores. Outros lugares do mundo que enfrentam esse problema no futebol tomam medidas taxativas quando algo grave acontece.

Outra questão que não agrada muito a jornalista é a cobertura que

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a imprensa esportiva dá aos casos de violência relacionados ao futebol. Para Fernanda, falta mais profundidade nas análises dos profissionais e não se dá a devida atenção para a repercussão de episódios graves. – Acho que o esquecimento da imprensa, como um todo, é uma das questões que mais me incomodam na profissão. Entendo que as notícias precisam ser renovadas rapidamente, mas falta cobrança por parte dos veículos. Nunca vi uma matéria séria que analise os problemas das torcidas organizadas, preferem apenas cobrir os jogos, dando atenção apenas ao resultado da partida.

Diante de tudo isso, Fernanda é cética quanto a resolução desse tipo de problema no futebol brasileiro. Ela lamenta a enorme quantidade de vítimas nesse tipo de episódio em um país que leva o futebol como uma de suas maiores marcas positivas. – Sinceramente, não acredito que possamos ter mudanças efetivas em curto ou médio prazo. Me incomoda muito como adiam, como não se sentam honestamente para discutir os motivos reais desse problema. Quantas pessoas já foram afetadas por esse tipo de coisa e ainda assim quase nada se resolveu?

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Capítulo 7

CONSIDERAÇÕES FINAIS


“Futebol é um universo maravilhoso, que faz as pessoas se aproximarem, que faz multiplicar os amigos, que ensina a gente a amar e a respeitar o próximo.” Dadá Maravilha


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I. Mais amor, menos esperança A primeira pessoa que entrevistei para esse livro foi o Marcelo, que aparece no capítulo cinco sobre preconceitos. Da nossa conversa sobre racismo no esporte, consegui tirar uma pequena noção do que encontraria nas próximas pessoas que acabariam compondo esse amontoado de páginas. Depois que acabei as perguntas sobre a questão do preconceito racial e do projeto criado pelo gaúcho, continuamos a conversa sobre futebol e sociedade e me senti muito acolhido ao perceber que meu interlocutor tinha a mesma percepção do futebol que eu: que ele é gigante e pode ser valioso demais para nossa sociedade. Quando fui à sala de Marcos Guterman exatamente para tentar mensurar o tamanho desse esporte para o país, mais uma vez desliguei o gravador, mas segui com a conversa. Mais maduro, segundo o próprio, o jornalista já não é mais o mesmo fanático pelo Santos Futebol Clube, mas vocês precisam ver o quanto ele é convincente ao falar da genialidade das gerações passadas brasileiras. Uma das últimas frases do nosso papo foi: “assista, no youtube, a final da Copa do Mundo de 1958, observe bem a função tática do Zagallo e também veja se o Pelé não estava nervoso no início do jogo”. Conselho este que vou seguir assim que concluir a escrita desse livro. Ao me deparar com as histórias de Vitor, Raphael e Iago, que acabaram tendo que desistir (temporária ou definitivamente) de seus sonhos de seguir carreira no esporte, carreguei a sensação de tristeza. Cada episódio contado pelos três me deu mais a noção de quanta coisa errada existe por aqui, seja na nossa sociedade como um todo ou apenas dentro do futebol. Luana, em especial, me fez ter um misto de sensações. Antes de encontrá-la pessoalmente e saber detalhes da sua história, não fazia ideia de que ela tinha passagens pela Seleção Brasileira e que já tinha atuado ao lado de grandes nomes da história do futebol feminino verde e amarelo. Por tudo isso, só pude admirá-la. A humildade da ex-jogadora do Corinthians, que é uma são-paulina fanática, também impressiona. Só não me deixou mais surpreso (desta 84


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vez, negativamente) do que quando ouvi os surreais casos vividos por puro machismo e outros preconceitos de gênero que ainda vivem (muito confortáveis, ao que parece) por aqui. Definiria os diálogos que tive com Eduardo e Guilherme como uma aula. Daquelas que você ouve atentamente, sequer vê o tempo passar e que quando acaba te faz pensar (e muito) nas horas seguintes. Eu, apaixonado que sou por discussões futebolísticas (de qualquer aspecto), sinto-me feliz comigo mesmo por ter escolhido tão bem os participantes desse livro. Impossível não destacar a conversa que tive com a fanática regateana Fernanda. O tema (violência no futebol), por si só, já colocava muito peso no nosso papo. Porém, foi alentador encontrar alguém que ama as arquibancadas como se fosse sua segunda casa, mas é ciente que, a mais bela festa feita por qualquer torcida, não apaga as tantas adversidades que existem em nossa sociedade. Ressalto um ponto que me mostrou como o futebol pode ser apaixonante, apesar de tudo. As quatro pessoas (Vitor, Iago, Raphael e Luana) que viveram a rotina do esporte e, consequentemente, suas decepções, ainda cogitam trabalhar próximas ao futebol um dia. Penso que isso mensura um pouco o tamanho da força desse negócio disputado com uma bola. Não me atrevo a dizer que tirei uma conclusão principal ou algo do tipo. Creio que dá para dizer que, depois de conhecidas todas essas histórias, reforço a impressão que eu tinha (que serve tanto para sociedade e esporte): é preciso dar mais valor e mais voz a quem realmente precisa. É necessário questionar as estruturas de poder já existentes, é essencial duvidar de alguns interesses e é importante demais não se calar diante do que consideramos injustiças e mazelas. Se esse livro servir para causar uma pequena reflexão acerca das coisas erradas que existem por aqui ou se instigar alguém a acreditar na força do futebol como transformador social, já valeu a pena tê-lo escrito. Jamais cometeria a hipocrisia de dizer que saio com uma visão mais otimista do nosso esporte, nem vou dizer que espero por dias melhores para ele. Sinto-me, no entanto, na obrigação de admitir que encerro essa jornada ainda mais (não achei que fosse possível) apaixonado pelo futebol. 85


Referências ENTREVISTADOS (por ordem de aspiração): 1. Marcos Guterman - março de 2016 2. Eduardo Barros - maio de 2016 3. Vitor Bressane - março de 2016 4. Guilherme Costa - abril de 2016 5. Raphael Mendes - abril de 2016 6. Iago Cardoso - junho de 2016 7. Marcos Carvalho - março de 2016 8. Luana Guiglielmin - maio de 2016 9. Fernanda Lins - maio de 2016

LIVROS 1. GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país. São Paulo: Editora Contexto, 2009. 2. GALEANO, Eduardo. Futebol ao sol e à sombra. São Paulo: L&PM, 2012. 3. FILHO, Mario. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Mauad Editora, 2010. 4. FOER, Franklin. Como o futebol explica o mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. 5. COELHO, Paulo Vinicius. Bola fora: a história do êxodo do futebol brasileiro. São Paulo: Panda Books, 2009. 6. JENNINGS, Andrew. Jogo sujo: o mundo secreto da Fifa . São Paulo: Panda Books, 2011. 7. JENNINGS, Andrew. Um jogo ainda mais sujo: o padrão Fifa de fazer negócios e manter tudo em silêncio. São Paulo: Panda Books, 2014.


SITES 1. Correio Braziliense (www.correiobraziliense.com.br). Acesso em: 09/06/2016. 2. Blog do Rafael Reis (http://blogdorafaelreis.blogosfera.uol.com.br). Acesso em: 09/06/2016. 3. Revista Época (http://epoca.globo.com). Acesso em: 09/06/2016. 4. G1 (http://g1.globo.com). Acesso em: 09/06/2016. 5. Jornal Lance (http://www.lance.com.br). Acesso em: 09/06/2016. 6. Globo Esporte (http://globoesporte.globo.com). Acesso em: 09/06/2016. 7. Trivela (http://trivela.uol.com.br). Acesso em: 09/06/2016. 8. Observatório da Discriminação Racial no Futebol (http://observatorioracialfutebol.com.br). Acesso em: 09/06/2016. 9. Portal Brasil (http://www.brasil.gov.br). Acesso em: 09/06/2016. 10.Literatura na arquibancada (www.literaturanaarquibancada.com.br). Acesso em: 09/06/2016. 11. O Globo (http://oglobo.globo.com). Acesso em: 09/06/2016. 12.Folha de S. Paulo (http://www1.folha.uol.com.br). Acesso em: 09/06/2016. 13.Mais Futebol (http://www.maisfutebol.iol.pt). Acesso em: 09/06/2016. 14.Fox Sports (http://www.foxsports.com.br). Acesso em: 09/06/2016. 15.Portal Correio (http://portalcorreio.uol.com.br). Acesso em: 09/06/2016. 16.O Estado de S.Paulo (http://esportes.estadao.com.br). Acesso em: 09/06/2016.



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