AS DAMAS DA BOLA

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As damas da bola Reportagem sobre as trajetórias de Rosilene Gomes e Michelle Ramalho, únicas mulheres a presidir uma federação estadual de futebol no Brasil.

Luana S. Inácio de Almeida


As damas da bola Quantos avanços podem acontecer em 29 anos? O que pode sobreviver ao passar do tempo? De 1989 a 2018 existem 29 anos de diferença, diferença que não é só da quantidade temporal, mas também da história. Em 1989, o Brasil era uma recém democracia. Tinha uma Constituição, a de 1988, que, de acordo com a socióloga Jacqueline Pitanguy, é a primeira a estabelecer plena igualdade jurídica entre homens e mulheres no Brasil. O primeiro pontapé para políticas públicas de gênero. E o que 1989 proporcionou à Paraíba? Bem, agora vamos falar de futebol, ou melhor, de gestão de futebol.

Rosilene Gomes em 1989/TV Cabo Branco

ROSILENE TOMA CONTA Para época e para o local, já nacionalmente conhecido como ‘Paraíba Masculina’, há um certo progressismo. Na verdade, tudo começa antes de 1989. De 1979 até 1985, Juraci Pedro Gomes, marido de Rosilene, comandou a FPF e ela já se movimentava no ambiente.

Rosilene Gomes/Jornal A União

Em 1989, uma mulher foi eleita presidenta da Federação Paraibana de Futebol (FPF). Rosilene Gomes foi a primeira mulher a presidir uma federação de futebol no país.

“Ela acompanhava muito o esposo. Andava muito. Ela era articuladora. Já articulava na administração do presidente, o esposo, e ela falava muito bem com as mulheres dos dirigentes. Ela entrou dessa forma, na qualidade de ‘primeira dama’, porque naquele tempo a presença de mulher no futebol era uma coisa muito restrita”, pontua Jorge Blau, repórter da Rádio Tabajara. Na verdade, antes de ser eleita, Rosilene chegou a ser vice-presidenta da federação na gestão de Manoel Raposo, que sucedeu o mandato de Juraci Pedro Gomes (1979-1985), o marido dela. Os dois acabaram rachando, durante a gestão, após uma viagem de Raposo em 1989, convidado pela CBF para um jogo da seleção brasileira de futebol, onde Rosilene aproveitou pra “tomar de conta” da federação, como relata o radialista Franco Ferreira, que estava na Rádio Arapuan AM, há época:

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“Ela tomou a iniciativa de mudar todas as contas da federação; naquele tempo tudo era no cheque, ela mudou a rubrica. Foi no banco e pediu pra trocar a rubrica que era de Manoel. Esse fato marcou a briga, o rompimento da vice-presidente com o presidente. O assessor de Manoel Raposo na época, naquele tempo a gente não tinha celular ainda, ligou para o aeroporto, não sei se de São Paulo ou do Rio de Janeiro, pra localizar Raposo, que já tava pra entrar no avião. Aí a mocinha (conta Franco, aos risos): ‘Atenção, Manoel Raposo, atenção, Manoel Raposo. Compareça aqui ao balcão’. Raposo foi lá e disseram que a federação queria falar com ele. Quando ele ligou de volta aqui, contaram tudo. ‘Rosilene, pediu pra mudar as rubricas do banco e ela vai ficar com o talão de cheques’. Raposo desistiu da viagem, voltou, tomou conta da federação e começou o rompimento. A partir daí surgiu a rivalidade”.

“Foi uma eleição acirrada, muita confusão no dia da eleição; foi uma briga fora do comum, briga grande, sabe? Briga grande que culminou com quebraquebra, pancadaria, todo mundo batendo em todo mundo. João Gonçalves levou um soco na cara que quebrou o rosto, ficou totalmente destruído e teve que ser hospitalizado”, relembra o atual repórter do jornal Correio da Paraíba.

DISPUTA E GOLPE João Gonçalves nas eleições da FPF de 1989/TV Cabo Branco

Iniciada a rivalidade, iniciou a oposição ao então mandatário. Em 1989, Rosilene disputou o cargo para presidente enquanto Manoel Raposo estava na outra chapa, como vice de João Gonçalves. Segundo Franco Ferreira, Manoel Raposo se considerava mais torcedor do que um administrador, e preferiu colocar João Gonçalves, presidente da Portuguesa do bairro de Cruz das Armas, como candidato.

Manoel Raposo em 1989/TV Cabo Branco

Rosilene Gomes nas eleições de 1989/TV Cabo Branco

“Mas passado esse momento, ela ganhou a eleição e passou a administrar o futebol paraibano. Muita gente, na época, via a eleição de Rosilene como uma continuidade de Juraci, já que ela claramente não tinha nenhum dom de comandar o futebol. Ela não entendia o futebol, ela não vivia o futebol a não ser por ser esposa do atual presidente. Então, houve uma rejeição muito grande no nome dela, mas ainda assim ela venceu aquela eleição”, conta Expedito Madruga, atual coordenador de esportes da Rede Paraíba de Comunicação.

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Rosilene Gomes/TV Cabo Branco

A ERA ROSILENE GOMES

Período durou quase 25 anos com sucessivas reeleições da Dama de Ferro.

Apesar da confusão inicial, e também da dúvida em relação ao seu trabalho, Rosilene Gomes permaneceu no cargo até 2014, sempre sendo aclamada pelas agremiações de futebol e reeleita nos pleitos. Ela foi a primeira mulher a presidir uma federação estadual de futebol no Brasil e, só não foi a única, devido à eleição recente de Michelle Ramalho, em 2018. Mas de Michelle Ramalho falaremos depois. Rosilene Gomes, nestes quase 25 anos, foi aclamada porque, em nenhum momento da sua gestão houve uma oposição realmente formada para disputar o poder com ela. Contudo, isso não significa que sua gestão teve só maravilhas. Durante seu reinado no futebol paraibano, alguns apontam que ela promoveu a interiorização do futebol.


Através do Torneio Integração, times profissionais que não eram das duas maiores cidades do estado, João Pessoa e Campina Grande, por exemplo, foram campeões paraibanos, como o Santa Cruz de Santa Rita e o Confiança de Sapé.

“Ela tinha muito acesso a Ricardo Teixeira. Conseguiu trazer aqui duas vezes a seleção brasileira principal, conseguiu ter aqui como sede de uma das maiores competições do Brasil que foi a Copa dos Campeões, em duas edições”, aponta Franco Ferreira.

“Ela se orgulhava, como se isso fosse prova de uma idoneidade. Ela sempre dizia que na administração dela, vários clubes foram campeões de fato, o que foi verdade. O Sousa foi campeão em 1994, Santa Cruz de Santa Rita foi campeão em 1995, o Confiança de Sapé foi campeão em 1997, o Atlético de Cajazeiras em 2002 e o Nacional de Patos em 2007. Ela sempre se orgulhava de vários clubes terem sido campeões. O que era uma prova de que ela não beneficiava time A ou B. Então, de fato, isso é verdade. Ela tem essa marca na história de ter tido vários campeões, vários aproveitamentos de times diferentes. Mas ressaltando sempre que o custo disso era muito alto, porque o futebol paraibano tava muito aquém do restante do país”, relata Expedito Madruga.

Pedro Alves, repórter do Globo Esporte Paraíba, relembra que antigamente não tinha sorteio de jogos na Copa do Brasil e que havia boatos de que os clubes paraibanos interessados em uma arrecadação a partir da visita de clubes do eixo RioSão Paulo, conseguiam essas disputas a partir de Rosilene Gomes e sua influência na CBF.

Nesse meio tempo, todavia os grandes clubes paraibanos, Botafogo-PB, Treze e Campinense, sofriam dificuldades financeiras e cediam espaço para os rivais do interior do Estado. A crise provoca a ausência de nomes da Paraíba em competições nacionais.

Influência na CBF Durante a gestão de Rosilene, também aconteceram eventos nacionais em João Pessoa. Aproveitando-se da boa relação com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), especialmente com o presidente da época, Ricardo Teixeira, Rosilene conseguiu trazer times grandes do eixo Rio-São Paulo para jogarem na Paraíba.

Anúncio do primeiro Torneio Integração em 1990/Jornal A União

5 Entretanto havia também indisposição com Rosilene. A Dama de Ferro - alcunha em referência à primeira-ministra inglesa da década de 80 Margaret Thatcher e a semelhança pela liderança rígida - era apontada como centralizadora de poder e praticava uma gestão assistencialista.


Rosilene Gomes também era vista como uma mulher “braba” e que impunha temor. Um exemplo disso, envolve a contagem de títulos do Atlético de Cajazeiras e do Botafogo-PB. Como conta Phelipe Caldas, ex-editor do programa Globo Esporte Paraíba da TV Cabo Branco e pesquisador, em 2002, o Atlético de Cajazeiras foi campeão paraibano dentro de campo. Fora dele contudo, Rosilene e o Padre Francivaldo do Nascimento, o então presidente do clube sertanejo, tiveram discussões políticas. Rosilene, com raiva, contestou o título do Trovão Azul no Tribunal de Justiça Desportiva da Paraíba (TJD-PB) que reconheceu o título como sendo o do Botafogo-PB. Um tempo depois, Rosilene e o Padre fizeram as pazes e como símbolo de reconciliação, ela rasgou o processo que reconhecia o Belo como campeão, reconsiderando o título do Atlético de Cajazeiras. Phelipe Caldas reforça que o documento que reconhece o time pessoense como campeão não existe. Na verdade, um sistema de arquivos para os documentos históricos também não, deixando lacunas na história do futebol paraibano. Além disso tudo, constata que Rosilene Gomes era inacessível. Não costumava ir aos estádios, pois quando ia, era vaiada pelos torcedores. Os torcedores paraibanos não a consideravam “a Dama de Ferro” uma boa gestora, mas também não se mobilizaram contra ela. “Ela não conseguia se blindar totalmente diante dos torcedores. Mas não era algo que chegasse a causar comoção, até porque eu acho que as pessoas não acreditavam que fosse possível demovê-la do cargo”, explica Phelipe. “De maneira geral, todo mundo que tá no poder não serve pro torcedor. Só que o torcedor, com Rosilene, era muito mais forte. O tempo de Rosilene é quando o futebol paraibano fica nas vacas magras pesadas. Então, o torcedor associa, o que

de fato não é um absurdo, a uma gestão ruim dela. Aconteceu umas movimentações pequenas, muito pequenas, mas a torcida paraibana, como diversas coisas do futebol paraibano, tem uma dificuldade imensa de politização e mobilização. Haviam movimentações que nem a incomodavam”, analisa Pedro Alves.

Protesto em frente à FPF em 2012 reuniu poucos torcedores/TV Cabo Branco

Esse tipo de relação difícil continuava também com a imprensa. Para alguns jornalistas, ela respondia, a outros não. Atendia quem a acionasse de acordo com o seu humor e não dava posicionamentos. Às críticas, ela reagia negativamente, e, para evitá-las, houve boatos de que ela chegou a subornar alguns nomes da imprensa esportiva paraibana. “Você não podia fazer um trabalho imparcial, porque ela já dizia que você estava contra a federação”, relata Expedito Madruga. “Ela tinha uma folha de pagamento para jornalistas muito grande. Não só jornalistas, mas cronistas esportivos, no geral. Ela tinha um leque de ‘toco’ mesmo, suborno, de jornalistas esportivos. E ela não conseguia entender quando determinado jornalista não tivesse interessado em receber dinheiro”, ressalva Phelipe Caldas.

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“Isso junto com o fato que ela tinha uma gestão ruim, que precisava de defesa, e sabia que se não pagasse iam falar mal, então ela entrou muito tranquilamente nesse jogo. Financiou por muito tempo muitos jornalistas. Como essa parte da mídia era muito maior que o jornalismo sério, isso aconteceu bastante e foi uma certa parte dessa estrutura que ela ajudou a construir de defesa. Não tenho dúvida de que isso fortaleceu ela e até impediu que ela caísse antes. Contribuíram por mantê-la no poder, por não abrir os olhos, não fazer análises mais críticas e isso é parte da estrutura de poder que ela criou, a mídia corrompida”, reforça Pedro Alves. Com os demais dirigentes, a estrutura de poder se mantinha. Aproveitando-se da sua empresa de materiais esportivos e do bom trânsito com a CBF, Rosilene proporcionava alguns mimos para os dirigentes dos clubes em troca de favorecimento político.

do país. A comissão chegou ao fim em 2001, após 125 depoimentos, mas sem indiciamentos ou um relatório final aprovado. Entretanto, o texto feito e apresentado na CPI pelo deputado Silvio Torres trouxe ao público práticas de sonegação fiscal na federação paraibana, admitidas pela própria presidenta durante seu depoimento. Além disso, o documento afirmou: “Há, por parte de Rosilene Gomes, desvio de verbas, nepotismo e permanente ofensa aos dispositivos do próprio estatuto da entidade”. O documento também relata a relação de ‘subordinação’ dos clubes com a presidenta: “A relação com os clubes não se resume ao vínculo político e invade o campo econômico, seja no favorecimento da empresa “Rei dos Esportes” (dos filhos dela), cujos produtos os clubes seriam obrigados a comprar".

Com os clubes amadores, era muito mais barato. Segundo contam Pedro Alves, Expedito Madruga e Phelipe Caldas, a estes ela “contribuía” com materiais esportivos vindos da sua loja. Já com os profissionais, segundo afirma Caldas, geralmente os favorecimentos eram com viagens para jogos da seleção brasileira pelo Nordeste. Tanto para Pedro Alves quanto para Phelipe Caldas, ambos mais contundentes nas análises sobre a ex-presidenta, a relação positiva de Rosilene Gomes com o presidente da CBF Ricardo Teixeira era por projeto político e pouco beneficiava o futebol paraibano. E tudo isso acontecia muito às claras. Em 2001, inclusive Rosilene foi citada na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do futebol brasileiro. A CPI foi constituída em 2000 e investigou o contrato da CBF com a Nike, empresa encarregada de fornecer material esportivo à entidade máxima do futebol brasileiro. Investigando as movimentações financeiras da confederação, os parlamentares chegaram até as finanças das federações estaduais

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Texto da CPI do futebol de 2001/Reprodução


Cabe destacar, que mesmo num quadro assim não havia movimentação de oposição contra ela; uma mobilização dos clubes, torcedores, enfim, de qualquer coisa, para removê-la do cargo. Até que surgiu um problema com o clube pessoense Auto Esporte.

Fim da era De acordo com José Caitano, membro da diretoria e advogado do clube pessoense em 2012, a instabilidade financeira do Auto Esporte sempre o colocou como “refém” da FPF. O então presidente Watteau Rodrigues negociou com Rosilene o pagamento da dívida de taxas de registro da Copa Paraíba de 2011, porém, os cheques depositados foram devolvidos. A partir disso, Rosilene disse que o Auto não ia disputar a Copa do Brasil de 2012. “Toda Paraíba sabe que doutora Rosilene, quando ela não gosta de determinado item, algo que a contraria, ela fica extremamente irresignada e aí passa pra outro nível, o tratamento não é mais urbano, é mais áspero. Foi exatamente o que aconteceu com o relacionamento de Rosilene e Watteau”, enfatiza José Caitano. O então presidente do Auto Esporte disse a Rosilene que a dívida deveria ser cobrada pelos meios legais, sem impedir o trabalho dos jogadores. Ela teria respondido que “quem mandava era ela”, e em seguida, entrou em contato com José Caitano: “Ela ligou pra mim, falou tudo o que você pode imaginar contra Watteau. Aí eu fui e falei: olha, presidente, na condição de advogado clube, você conhece minha posição, eu vejo da seguinte forma: há um débito, então, por que você não cobra judicialmente? Os atletas estão trabalhando. O campeonato vai começar, faltam quinze dias, esse pessoal vai ficar desempregado. Não houve acordo”, revela José Caitano.

A alternativa encontrada para responder à ameaça da presidenta, foi contra atacar judicialmente, aproveitando-se de uma falha jurídica nas eleições da federação ocorridas em 2010. Verificou-se que clubes amadores sem CNPJ, muito deles inativos na Receita Federal, por exemplo, que votaram no pleito. O advogado então, entrou na Justiça, pediu a anulação da eleição e uma intervenção na entidade. O processo ocorreu na Justiça Estadual, com vitória para a parte do Auto Esporte, que conseguiu até o afastamento da dirigente da presidência da FPF. O ano era, 2014. A partir daí, findou o seu reinado, e ela não retornou mais ao cargo. A quantidade de clubes amadores, maioria entre os federados, foi um dos grandes fatores da manutenção do seu poder. Eles tinham direito a voto nas eleições, uma presença majoritária e o mesmo peso de voto que os clubes profissionais, além da subordinação à presidente. “Existia ali uma aprovação muito grande entre os amadores que inviabilizava os clubes profissionais de fazer qualquer tipo de movimento. Até foi feito; alguns clubes tomaram a frente, inclusive, em épocas diferentes para tentar tirá-la da presidência da federação e sempre foram debelados pela força do amadorismo, que acabava prevalecendo nas eleições”, registra Expedito Madruga. Para a própria presidenta e para os jornalistas, o afastamento de Rosilene Gomes foi uma grande surpresa. Geraldo Varela, ex-assessor de imprensa dela, conta que ela não esperava: “Foi um duro golpe para todos”, lembra. Acontece que para Rosilene Gomes, que já estava há tanto tempo no cargo máximo da entidade máxima do futebol da Paraíba, um envolvimento que passou do marido para ela e dela para os filhos, a FPF - ou aquele prédio cinza na Odon Bezerra era parte (ou era) a própria família.

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“Chegou um momento em que ela mesma tinha dificuldade de entender o que era federação e o que era coisas dela”, analisa Phelipe Caldas. “Haviam diversas coisas delas na federação, que ela mandou tirar. Coisas pessoais, por exemplo. Seu corpo diretivo, seus funcionários, eram sempre pessoas de confiança da família. Os filhos viviam lá e quando não tinham cargos, eram seus portavozes, trabalhavam para a federação”, continua Pedro Alves. A FPF era um negócio de família e, portanto, se misturava com os negócios da família. O repórter Jorge Blau conta que quando não estava na FPF, Rosilene estava na sua loja de materiais esportivos, mas mesmo assim tratava de assuntos da FPF no estabelecimento. Enfim. Em 2014, chegou ao fim a trajetória da mulher Rosilene Gomes dentro da Federação Paraibana de Futebol. Sua saída deixou a entidade sob a gestão de uma junta administrativa, e ainda em 2014, novas eleições para o cargo de presidente aconteceram. Ainda então, sua influência prevaleceu e Amadeu Rodrigues, apoiado por ela, foi eleito. A eleição de Amadeu Rodrigues, todavia, não foi a única que teria sido influenciada pela “doutora”. Michelle Ramalho, advogada e administradora, teve também o apoio da ex-presidenta quando concorreu ao cargo em 2018.

Sede da FPF em João Pessoa/CBF

Os anos de Michelle Ramalho “Na campanha, ela tinha um lobby muito forte ao lado dela. Rosilene, quando aparece, ela tem uma força muito grande diante dos clubes amadores, que é a maior parte do colégio eleitoral da federação. No futebol profissional também. Tem pessoas que falam horrores de Rosilene, mas têm dirigentes que falam bem e que gostavam da época, a ponto de chamá-la de doutora, pelo apreço à figura”, destaca Raniery Soares, jornalista e ex-assessor da federação, já na gestão de Michelle Ramalho. Contudo, não foi só o apoio de Rosilene Gomes que contribuiu para que Michelle Ramalho vencesse o advogado Eduardo Araújo, ex-diretor executivo da federação e uma aposta de renovação ao futebol paraibano feita por diversos dirigentes, nas eleições em setembro de 2018. Antes de chegar à FPF, Michelle foi a primeira representante da Paraíba no Superior Tribunal de Justiça Desportiva da CBF, o STJD, e advogou para clubes do futebol paraibano. Foi nessa época de STJD que Michelle Ramalho construiu uma boa relação com membros do alto escalão da CBF.

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Mas voltemos à Michelle Ramalho. Uma jovem formada em direito e administração, com bom trânsito com clubes, Rosilene Gomes, STJD e a própria CBF. Como relata George Ramalho, primo e sócio de Michelle, a advogada foi convidada então a disputar as eleições. “Michelle então foi convidada por vários clubes para disputar o pleito; por entenderem que o futebol da Paraíba precisava de um novo nome, alguém que pudesse reorganizar a gestão da FPF e reerguer o nome do futebol da Paraíba”, diz. Eduardo Araújo e Michelle Ramalho em 2018/FPF

Vale lembrar que em 2018, ano da eleição, foi deflagrada pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) a Operação Cartola, que investigou casos de manipulação de resultados em jogos do futebol paraibano. A operação teve repercussão nacional e proporcionou uma imagem negativa à FPF.

Inclusive, a própria Rosilene Gomes, foi investigada após a Polícia Civil do Estado escutar conversas da ex-presidenta com José Renato, árbitro investigado e condenado na operação. Rosilene não sofreu denúncia neste caso, mas a conversa alvo da escuta permitiu a compreensão de que a Dama de Ferro queria retornar à FPF, após rachar com Amadeu Rodrigues, que ainda presidia a entidade, conforme a reportagem de Pedro Alves no portal Globo Esporte Paraíba. A operação resultou no banimento do futebol de cinco dirigentes paraibanos, nove árbitros e do ex-presidente Amadeu Rodrigues, e então profanou por completo a imagem do futebol estadual.

Em entrevista à ESPN, Michelle Ramalho relatou que “doía muito” a situação da FPF após a Operação Cartola. Após se reunir com os clubes e com a sua família, especialmente com George Ramalho, ela se motivou a trabalhar pela “coisa certa” e topou disputar o cargo. Defendendo as bandeiras anti-corrupção e a imparcialidade clubística na gestão, Michelle foi eleita com 26 votos contra 24 de Eduardo Araújo, numa disputa acirrada.

“O apoio que Rosilene Gomes deu na eleição de Amadeu Rodrigues, era explícito, mas com Michelle Ramalho não foi assim. Pra mim é claro que Rosilene não decidiu essa eleição. Não acho que a vitória de Michelle tem a ver com Rosilene, tem a ver com CBF”, explica Pedro Alves. Nos quase três anos de gestão, Michelle Ramalho tem sido muito bem recebida no universo futebolístico. Bem mais midiática, ela até dá mais entrevistas, apesar de ser receosa; utiliza as redes sociais com frequência e é querida pelos torcedores e dirigentes paraibanos.

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Michelle Ramalho/FPF

A NOVA ERA COM MICHELLE RAMALHO Advogada foi eleita em 2018 e pretende buscar a reeleição em 2022

Quanto ao relacionamento com a imprensa, Michelle é mais acessível, mas mantém certa preferência por alguns jornalistas em detrimento de outros. Segundo Raniery Soares, que trabalhou diretamente com ela essa questão, a presidenta precisa conhecer e confiar em quem vai entrevistá-la. Nestes anos de gestão (entre 2018 e 2021), ela conseguiu conduzir os campeonatos paraibanos de 2019, e quando veio a pandemia, continuou com o feminino e masculino de 2020 e 2021, conseguindo parcerias para a transmissão em streaming, além das finais (do masculino) transmitidas em tv aberta. Em 2020, a fase inicial do campeonato foi transmitida pelo streaming no Globo Esporte Paraíba e a reta final na TV Tambaú, já em 2021, o paraibano foi transmitido no site do Jornal da Paraíba e a OMADIC | 24 final nas TVs Paraíba e CaboN Branco.


Num paralelo com Rosilene Gomes, Michelle Ramalho é mais democrática. Para o jornalista Expedito Madruga, diferente de Rosilene que era muito centralizadora, Michelle consegue delegar com facilidade funções as quais ela não tem total conhecimento. Para Raniery Soares, a entidade precisa de mais gente capacitada, mas a gestão de Michelle Ramalho tem o seu sucesso pela conciliação dos clubes, a resolução dos problemas de arbitragem e a simpatia conquistada com o público. “Quando Michelle chega nos lugares, tem gente que pede até para tirar fotos com ela”, pontua. Expedito Madruga também avalia que Michelle provou ter preparação para ser presidenta, e trouxe transparência e ares de modernidade para o futebol paraibano. Já Pedro Alves considera que há uma arbitragem sem corrupção no momento, mas que o pensamento sobre gestão de futebol apresentado por ela, no seu conceito, ainda é medíocre. Para George Ramalho, “os dirigentes e os torcedores paraibanos veem na gestão atual de Michelle Ramalho um divisor de águas na organização da FPF, o que já irradia efeitos na própria credibilidade do futebol da Paraíba”. Em 2022, devem acontecer novas eleições para o cargo de presidente na FPF e Michelle já declarou que pretende concorrer.

Michelle Ramalho e dirigentes dos clubes que disputaram o campeonato paraibano de 2021/FPF

Notas sobre o machismo Vivendo em uma sociedade machista e em um ambiente mais machista ainda, é difícil imaginar que Rosilene Gomes e Michelle Ramalho não tenham sofrido preconceito de gênero durante suas trajetórias de dirigentes de futebol. Sendo uma figura reservada, não há registros de posicionamentos de Rosilene Gomes contra o machismo ou relatando algo vivido. Pelas informações levantadas para esta reportagem, Rosilene sempre foi muito respeitada, e até mesmo, temida pelos homens do futebol paraibano. Ao mesmo tempo, cabe registrar que o espaço conquistado pela primeira mulher a presidir uma federação de futebol no país foi conquistado a partir de um homem, seu marido, Juraci Pedro Gomes. Já Michelle Ramalho se pronunciou publicamente sobre o tema. Em uma palestra no evento sobre a indústria do futebol FutSummit, em 2020, a presidenta declarou que nunca sofreu preconceito e que “o futebol é um meio realmente mais masculino, mas porque as mulheres não se interessam”. Neste ano (2021), na entrevista para a ESPN, a gestora voltou a minimizar o preconceito: “Eu entendo que o futebol é um meio predominantemente masculino mas não posso afirmar que é um meio machista porque eu estaria sendo leviana, porque eu nunca sofri isso até hoje; nada me aconteceu. Até acho que os homens sentem um preconceito em relação a mim, que acham que eu sou mais querida por ser mulher”. Talvez Michelle Ramalho não perceba a órbita do machismo dentro futebol, no seu próprio dia a dia e 11 quanto ao seu papel. Que o fato de ser mais querida por ser mulher também é uma discriminação de gênero. Apesar de não levantar a bandeira da luta das mulheres por igualdade em espaços em atividades tidas como masculinas, ela carrega, de algum modo, a responsabilidade de uma representatividade. Resta acompanhar os próximos passos da atual presidenta da FPF e o que pode acontecer, no âmbito de sua trajetória pelos próximos 29 anos.



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