Arquitetura moderna no Amapá: Serra do Navio Aquarelas e dizeres Luana Rocha de Souza
“Este projeto é apoiado pela Secretaria de Estado da Cultura do Amapá SECULT/AP, com recursos provenientes da Lei Federal nº 14.017, de 29 de Junho de 2020”
S
erra do Navio e Vila Amazonas foram construídas na década de 1960 com o fim de abrigar os funcionários da mineradora ICOMI SA, a qual extraia manganês no estado do Amapá. O arquiteto paulista Oswaldo Arthur Bratke foi encarregado pelo plano de urbanização e pela arquitetura projetada. Ao caminhar pela cidade, podemos visualizar o traçado curvo das vias, áreas verdes, casas sem muros. Ao adentrarmos nas casas, percebemos seus detalhes, seu piso de taco, a madeira resistente e até a bancada do banheiro. A cidade foi construída com elevada qualidade estética, formal e técnica. Em 2011, Serra do Navio foi tombada como patrimônio cultural pelo IPHAN. O que nos esclarece sua relevância. Nesta cartilha, você terá contato com aquarelas e dizeres sobre a cidade de Serra do Navio. As aquarelas representam a cidade e sua arquitetura de forma poética. Desenhei e aquarelei cinco aquarelas em Serra do Navio, as outras realizei a partir de minhas fotografias do local. Por sua vez, os dizeres trazem informações sobre a cidade e também algumas percepções pessoais. Espero que a cartilha possa despertar e reforçar memórias, criar e fortalecer imaginários, e gerar compreensões sobre o assunto, os quais são aspectos relevantes para o processo de preservação da cidade. Luana Rocha de Souza1
1 Sou professora e pesquisadora de arquitetura e urbanismo, aquarelista e urban sketcher. Percebo a aquarela como uma forma de experimentar o mundo. Email: luanarochaap@gmail.com
A vila foi desenhada dividida em setores: vila operária, especializada, administrativa, alojamento para solteiros e um centro cívico e comercial.
Acima: Casa no antigo staff Aquarela sobre papel de algodão.
“Como fazer uma cidade num local distante, perdido no mapa? Qual a temperatura, os ventos dominantes, os materiais à disposição?”, perguntou-se Bratke na ocasião. (SEGAWA; DOURADO, 1997)
Para responder a tais perguntas, Bratke estudou as características físicas e climáticas da região. As grandes aberturas, sem vidros, convidam o vento a adentrar nas residências. Ali é confortável. Bratke pensou no bioclimatismo quando projetou as edificações, mas o que isso significa? Encontrou soluções arquitetônicas baseadas no clima local, como longos beirais para proteger do sol, esquadrias para a passagem do vento, aberturas na parte superior das paredes, elementos vazados e janelas venezianas. À direita: Interior de uma residência. Aquarela sobre papel de algodão.
À esquerda: Hidrante. Aquarela sobre papel de algodão. À direita: Quadra poliesportiva Nanquim e aquarela sobre papel de celulose. Feita no local.
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cidade foi planejada com rede de energia, água e esgoto. Inclusive com tratamento de esgoto para não poluir o rio. Ainda hoje, hidrantes chamam atenção na paisagem.
De longe escutamos os ruídos fervorosos dos esportistas na quadra poliesportiva. Mas, inicialmente, o espaço funcionava como um cine teatro. Nas fachadas, vemos janelas venezianas de madeira que permitem a passagem do vento.
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a vila dos operários, as casas foram realizadas germinadas em duas unidades e com um único tipo de planta baixa (banheiro, sala de estar/ jantar, cozinha e 3 quartos). Ainda assim, possuíam três tipos de fachadas (COSTA, 2019).
À esquerda: casa na antiga Vila Operária Aquarela e nanquim sobre papel de algodão.
Nesta aquarela, podemos ver algumas modificações na arquitetura das residências. A família cresce ou muda, novas necessidades e desejos aparecem. Ainda hoje, é perceptível elementos vazados, os beirais, abertura na parte superior das paredes.
À esquerda: casa no antigo Staff Aquarela sobre papel de algodão. Feita no local.
À direita: vista do interior do quarto. Aquarela e nanquim sobre papel de algodão.
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ão se trata apenas de construções, a natureza está ali, também. Vegetações em meio às casas. As casas em meio às vegetações.
Grandes aberturas permitem enxergar o exterior. E o que não é visto? Muros. Sem barreiras, vislumbramos a rua, o que há do outro lado, a vegetação, até mesmo a casa do vizinho. O interior está conectado com sua volta, nem faz sentido separar o dentro e o fora. A sombra, o silêncio, o farfalhar das árvores, o canto dos pássaros, o ruído da guariba à noite, o vento, a vista. Poderíamos imaginar tal relação na capital?
À direita: loja Aquarela e nanquim sobre papel de algodão.
“[…] Bratke utilizou telhado de duas águas e levantou as paredes das fachadas até a altura do forro, deixando inteiramente aberto o trecho da parte inferior do telhado. Processos que permitem a formação de um colchão de ar renovado entre o telhado e forro de madeira, evitando a propagação do calor para o interior da casa.” (Revista AU, 1987, nº 10, p. 45).
À esquerda: casa na antiga Vila Administrativa. Aquarela e nanquim sobre papel de algodão.
A
s edificações foram construídas com blocos de concreto. As estruturas, pisos e esquadrias foram feitas com madeira. Andiroba e louro para estruturas internas, sucupira e maçaranduba para as estruturas expostas às intempéries, sucupira para os pisos, todas madeiras de origem local. As esquadrias vieram do sul, eram: cedro, madeira compensada a prova d’água ou cupim (SEGAWA; DOURADO, 1997). No sul de Serra do Navio, localiza-se a vila CC (Staff). É a mais distante do centro cívico. Com apenas um padrão de planta baixa, diferenciada por cores. é a menor em densidade habitacional e a mais afastada do centro cívico. Destinada ao pessoal graduado da administração do empreendimento, nesta, cada unidade habitacional é isolada no terreno, sendo as maiores, mais confortáveis e mais bem equipadas e mobilhadas. (COSTA, 2019, p.104)
À direita: casa no antigo Staff Aquarela sobre papel de algodão.
Ao caminhar pelas ruas, percebemos que as casas estão desalinhadas. O intuito do arquiteto foi quebrar a monotonia e oferecer a sensação de maior espaço.
À esquerda: atual correios Aquarela e nanquim sobre papel de celulose. Feita no local.
À esquerda: interior de residência. Aquarela e nanquim sobre papel de celulose. Feita no local e finalizada depois.
À direita: casas e vegetações. Aquarela sobre papel de algodão.
Antes da cidade ser construída, seu terreno inteiro foi desmatado. As árvores que vemos hoje foram plantadas. Nos jardins, o arquiteto inseriu vegetações exóticas à região de Serra do Navio, mas que se adaptaram bem.
À esquerda: casa no antigo Staff Aquarela sobre papel de algodão.
Pela manhã cedo, uma suave névoa esconde e revela silenciosamente as construções e vegetações.
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ratke não apenas fez o desenho da arquitetura, mas também detalhou seu mobiliário! Fogões, geladeiras, talheres e alguns armários vieram de outros estados. Cadeiras, mesas, sofás, luminárias e camas foram desenhadas pelo arquiteto e construídas na região. Afinal, era difícil, naquela época, transportar mobílias para a vila, tampouco havia fábrica de móveis e eletrodomésticos no então Território Federal do Amapá (SEGAWA; DOURADO, 1997). “Montou-se uma oficina completa, com seções de carpintaria marcenaria, serralheria, pintura e estofamento. Sua direção foi entregue a profissional habilitado, com experiência da região, contratados elementos locais como aprendizes, os quais se tornavam excelentes profissionais. (SEGAWA; DOURADO, 1007, p. 292)
Acima: os armários funcionavam como divisória de ambientes Aquarela e nanquim sobre papel de algodão.
No decorrer do tempo, outras edificações foram e estão sendo construídas na cidade de Serra do Navio, como a rádio acima.
À esquerda: rádio. Não foi projeto do Bratke. Aquarela sobre papel de celulose.
Acima: residência e arborização Aquarela e nanquim sobre papel de celulose. Feita no local..
Por fim, desejo que a cartilha seja um convite para as pessoas viajarem e (re) verem Serra do Navio com seu próprio olhar.
REFERÊNCIAS COSTA, Ana Cynthia Sampaio da. Preservação da arquitetura moderna na Vila Serra do Navio-Amapá. 2019. 1 recurso online (414 p.) Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Campinas, SP. REVISTA ARQUITETURA E URBANISMO. São Paulo: Pini Editora, fev./mar. 1987. n. 10. SEGAWA, Hugo; DOURADO, Vicente. Oswaldo Arthur Bratke. São Paulo: ProEditores, 1997.
Aquarelas e textos: Luana Rocha de Souza Diagramação: Luana Rocha de Souza Revisão ortográfica Victor Guilherme Cordeiro Salgado