O Culto Laranja Lucas de Melo Moreira
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O livro conta a história do controverso guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, sua antiga assistente pessoal Ma Anand Sheela e seus seguidores da comunidade de Rajneeshpuram, próxima da pequena cidade de Antelope, ambas localizadas no Condado de Wasco, Oregon. Depois de sairem do interior da India e comprarem uma cidade, os Rajneeshpurans ganharam as manchetes do mundo e, no ano de 2018 viraram documentário na Netflix. Tanto o tema como o documentário são fascinantes e assustadores ao mesmo tempo, por isso a história é tão boa de contar.
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Osho e Rajneeshpuram 3
O britânico Hugh Milne foi discípulo do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho, desde o início da carreira de seu então mestre. Anos depois, porém, viu seu sonho de viver em uma comunidade baseada no amor e na bondade implodir de forma espetacular. Uma série popular do serviço de streaming Netflix, chamada Wild Wild Country, mostra como o carismático e controverso líder indiano moveu sua comunidade alternativa da Índia para um rancho no meio do Estado americano do Oregon – uma verdadeira cidade surgiu no meio da zona rural em poucos meses.’Éramos inocentes sobre os crimes’: a vida de um seguidor de Osho no polêmico rancho de Wild Wild Country. Por um período de cinco anos, houve uma batalha judicial e tensões com os antigos residentes da cidadezinha próxima ao rancho, bem como tentativas de assassinato, fraude eleitoral, tráfico de armas e um caso de envenenamento em massa – que é até hoje considerado o maior caso de bioterrorismo da história dos EUA. Na década que passou com Bhagwan, Milne viu o guru comandar a rápida expansão do movimento: “de 20 seguidores para 20 mil pessoas”, conta ele. “E não eram 20 mil pessoas que simplesmente assinavam uma revista”, diz Hugh. “Eram 20 mil pessoas que deixaram suas casas, abandonaram suas famílias, largaram tudo e trabalhavam de 60 a 80 horas por semana sem pagamento, dormindo em alojamentos”, conta o ex-guarda-costas. Para efeito de comparação, um emprego em tempo integral no Brasil envolve uma jornada de 44 horas semanais. “Esse era o grau de comprometimento das pessoas”, diz Milne. Milne nasceu na cidade de Lanark, local escolhido porque ter a única maternidade natural da Escócia, na época. Ele cresceu em Edimburgo – sua família era ligada à Kingston Clinic, fundada por seu avô, James C. Thomson. O local promovia terapias alternativas, como a hidroterapia. Em 1973, depois de concluir sua formação em osteopatia (um ramo da medicina alternativa), o escocês mudou-se para a Índia. Ele tinha entrado em contato com os ensinamentos de Bhagwan, então gravados em fitas cassete. Tinha 25 anos na época. “Quando você encontra uma pessoa tão extraordinária quanto Bhagwan, isso tem um impacto profundo em você”, diz ele. “Eu pensei: ‘que ser maravilhoso, sábio, bondoso, amoroso é ele’. Queria sentar aos pés dele e aprender com ele”, diz. Milne, que publicou um livro sobre Bhagwan intitulado The God That Failed (“O Deus que falhou”, em tradução livre), diz que o guru nunca foi um “Deus” no sentido cristão. “Eu o via como um ser humano altamente evoluído, com um
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grande talento para a percepção e o entendimento.” Ele diz que Bhagwan, que adotou o nome de Osho poucos anos antes de sua morte, em 1990, era um “camaleão”, capaz de se transformar no que seus seguidores quisessem. O guru se dizia desconfortável com a ideia de negar a seus seguidores acesso a ele – mas, segundo Hugh Milne, não suportava pessoas tocando nele ou beijando seus pés. “Ele achava desagradável”, diz. Nos sete anos seguintes, o escocês foi um dos “sannyasins” de alto nível responsáveis por criar uma aura de “santidade” em torno de Osho. Outra pessoa no círculo íntimo era Ma Anand Sheela, que ocupa papel de destaque no documentário da Netflix sobre a comunidade no Oregon. Sheela é natural da Índia, mas estudou numa universidade de New Jersey, nos EUA, e casou-se com um americano antes de retornar a seu país para trabalhar com Bhagwan. Milne conta que trabalhou com Sheela na administração da cantina do centro em Pune – a operação crescia de tamanho conforme Bhagwan atraía mais seguidores. Ele conta ter tido um caso intenso com Sheela durante um mês, até que o marido dela pediu a Bhagwan que interviesse. Depois do fim do romance, a atitude de Sheela com o escocês teria mudado – e eventualmente criou problemas para ele depois que ela subiu na hierarquia do mosteiro, substituindo Laxmi como secretária pessoal de Osho. Sheela era a principal organizadora da mudança da comunidade da Índia para o Oregon. Bhagwan estava se tornando uma figura controversa na Índia, e precisava de um lugar onde pudesse ampliar sua comunidade de dezenas de milhares de seguidores.
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O Erro 6
Sheela comprou o rancho Big Muddy, no Oregon, em 1981. Prestando pouca atenção às leis locais, organizou os sannyasins para construir uma cidade – batizada de Rajneeshpuram – baseada nas crenças do grupo.”Eu considero (a mudança para) o Oregon um erro”, diz Hugh. “Foi uma escolha desastrosa.” Ele diz que a comunidade cometeu contravenções contra a lei local desde o começo – com Sheela e um pequeno grupo de seguidores fazendo tudo o que fosse necessário para levar os planos adiante. “Tudo o que fosse necessário” envolvia intimidar os moradores da cidadezinha vizinha de Antelope e, mais tarde, planejar o assassinato de autoridades estaduais. Mais de 750 pessoas contraíram salmonella graças aos “sannyasins”, que infectaram os bufês de salada dos restaurantes locais numa tentativa de mudar o resultado de uma eleição. Os rajneeshis disseram à época que estavam sendo perseguidos por autoridades e pelo “establishment” conservador dos EUA, mas Milne diz que o próprio grupo criou problemas ao agir à revelia das leis. Em abril de 1982, conta que começou a ter dúvidas a respeito da comunidade na qual vivia. O grupo já não tinha nada a ver com amor, bondade e meditação, diz ele. Hugh Milne atuava como osteopata em um centro de saúde no centro do rancho. Os sannyasins, que estavam trabalhando de 80 a 100 horas por semana para construir a comuna, estavam “desmoronando” de cansaço. As diretrizes de Sheela sobre como tratar os seguidores que buscavam o centro de saúde eram “desumanas”, diz ele. “Ela dizia: ‘dê a eles uma injeção e mande-os de volta para o trabalho’”, relata ele. Em outra ocasião, teria sido proibido de visitar um amigo que tinha sofrido um acidente em uma canoa, e foi mandado de volta ao trabalho. “Eu pensei ‘estamos virando monstros’. Por que eu continuo aqui”.Milne deixou o Oregon em novembro de 1982, or um tempo, eu fiquei completamente inútil”, diz. “Estava confuso e aos pedaços. Não conseguia lidar com nada.” Ele passou seis meses em um hospital psiquiátrico antes de tentar reconstruir sua vida. Depois, diz que passou algum tempo trabalhando como osteopata em Edimburgo antes de mudar-se para Londres, Zurique (Suíça) e finalmente para a Califórnia (EUA), onde vive desde 1985.Ele conta que a maioria dos eventos descritos na série Wild Wild Country ocorreram depois que ele deixou a comunidade, e que sabia muito pouco sobre a extensão das atividades de Sheela. Mas e Bhagwan? Ele sabia o que Sheela e seu séquito estavam fazendo? “Não tenho a menor dúvida de que ele sabia, sim.”
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Sheela, o Polêmico Cérebro da Seita
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Em 1981, uma pequena cidade no Oregon de apenas 40 habitantes, em sua maioria aposentados, foi “tomada” por um punhado de homens e mulheres vestidos de vermelho. Vinham da Índia e tinham comprado, por ordem da secretária do guru que seguiam – um homem de olhar perdido e barba abundante que se fazia chamar de Bhagwan, mais tarde conhecido como Osho (cujos best-sellers de autoajuda você pode ter visto em algum aeroporto) –, uma fazenda de 25.000 hectares na qual planejavam construir uma cidade. Eles a construíram. Tornaram realidade seu Shangrilá. Mas não se pode escapar do mundo pelo simples fato de querer fazê-lo. E quando se sentiram ameaçados pelos moradores, começaram a comprar propriedades na cidade. Eles se candidataram às eleições. Venceram. A cidade passou a se chamar Rajneeshpuram. O passo seguinte foi tentar conquistar o condado. Com ataques bioterroristas e tentativas de assassinato. Wild Wild Country, série-documentário da Netflix dos irmãos Way que conta a história dos rajneeshees, o auge, o cisma e o fim da seita que realizou o maior ataque bioterrorista da história dos Estados Unidos – uma salmonelose que infectou 750 pessoas: uma cidade inteira –, devolveu a Bhagwan, e acima de tudo, a sua secretária, a ambiciosa Ma Anand Sheela, cérebro impiedoso e executora da coisa toda, a atenção perdida. “Não me arrependo de nada. Por que me arrependeria? Se não tivesse criado tudo isso, estaria em uma cozinha e não ousaria pensar por mim mesma.” Quem fala é a própria Sheela, que, transformada em uma controvertida celebridade que fascina quem assiste à série, deixou por alguns dias seu retiro em Zurique, que na verdade não é isso –“continuo vivendo em uma comuna, só que agora de deficientes aos quais ajudo”, diz: possui três residências –, para participar do festival literário Primera Persona, com sedes em Madri e Barcelona, que propõe um espetáculo em torno da palavra e do testemunho. Como boa estrategista, alguém capaz de planejar a adoção de moradores de rua com o objetivo de torná-los cidadãos do condado que pretendiam conquistar para, uma vez usados, abandoná-los na cidade mais próxima, Sheela dirige cada pergunta para a resposta que lhe interessa dar. Assim, quando perguntada sobre a origem do dinheiro – a seita construiu um aeroporto, comprou aviões, abriu estradas pelas quais circulavam os 17 Rolls Royce do guru, criou sua própria polícia, comprou armas para todos –, ela diz simplesmente que eram “bons para os negócios”. “Tínhamos cafés, boates e organizávamos um festival de muito sucesso todos os verões”.
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E o que diz sobre ter se tornado hoje um ícone feminista? Afinal, foi incrivelmente poderosa e fez o que quis, em teoria, por um homem. “Não vejo Bhagwan como um homem. Para mim ele era o dono do meu coração. Nós nunca competimos. É algo que aprendi com meus pais. Homens e mulheres estão aqui para se ajudarem.” Ela tampouco faz uma única referência ao seu passado. Sobre como foi sua vida antes dos 16 anos, idade em que conheceu Bhagwan e se apaixonou “perdidamente” por ele. Tem alguma pendência com justiça? Foi condenada a 20 anos por tentativa de homicídio, assalto de primeiro e segundo grau de funcionários públicos, fraude de imigração, escutas telefônicas e o ataque bioterrorista de 1984. “Passei 29 meses na cadeia. E não os vivi como uma punição, mas como um aprendizado. Aprendi a ser paciente, algo que me serve para o que faço agora. Estou limpa”. E sobre o talento para a estratégia? “Não me considero uma estrategista. Aprendi tudo com Bhagwan. Ele entendia 100% da psicologia humana. Queria criar uma comunidade capaz de viver em harmonia. Eu só executava as ordens dele. E se fiz isso bem foi porque sou como a minha mãe, capaz de cozinhar para 20 a qualquer hora”, responde. Parece uma adorável aposentada. Se a tivessem deixado, teria levado um dos seus à Casa Branca? “Nunca pretendemos fazer carreira política, se entramos na política foi porque quiseram nos destruir.” A Sheela de três décadas atrás teria acrescentado: “E seremos nós os que acabarão com eles”. A de hoje sorri.
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O Documentário e Além
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Em 1979, a a Índia nas cartão postal creveu: “Não discípula.
estudante do primeiro ano de faculdade Dara Burrows foi férias de inverno. Ela jamais voltaria para a escola. Em enviado para a mãe, que morava em New Jersey, ela vou voltar para casa. Estou feliz e virei sannyasin”.
para um esUma
Burrows tinha entrado para um culto. Mas não um culto qualquer. A jovem de 18 anos tinha virado seguidora do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh. Começou a usar uma foto de Bhagwan num colar. Nos anos seguintes, ela e milhares de outros seguidores viajariam para uma área rural do Oregon, no noroeste dos Estados Unidos, para fundar uma comuna com o nome do guru. A atração do culto geraria mais uma fissura na já frágil estrutura familiar de Dara. Até hoje, 33 anos depois de conhecê-la, as feridas não cicatrizaram. Por fora um lugar alegre - com um terminal de ônibus batizado de “Conexão Zen”, a loja de conveniência “Zorba the Buddha Rajneesh Deli” e algo chamado “Bosque do Nirvana” -, o Rancho Rajneesh passou por uma metástase e se transformou numa organização criminosa. Rajneesh tinha fetiche por relógios cravados de diamantes e uma caravana de Rolls-Royces, e seus jagunços entraram em guerra com os inimigos da região. Os líderes da comunidade borrifaram salmonela em bufês de salada de restaurantes de uma cidade próxima, contaminando pelo menos 700 pessoas – o maior ataque bioterrorista da História americana. Eles tramaram o assassinato do secretário de Justiça do estado. E organizaram centenas de casamentos fraudulentos para abrigar nos Estados Unidos os Rajneeshees (como eram conhecidos os integrantes do culto) estrangeiros. Esse episódio ultrajante e mal contado da história recente dos Estados Unidos finalmente vai receber o tratamento merecido. Em 16 de março, a Netflix lançou a série documental Wild Wild Country, dirigida pelos irmãos Chapman e Maclain Way e produzida pelos também irmãos Jay e Mark Duplass. A série, ambiciosa, mas com suas falhas, resgatou centenas de horas de vídeos caseiros gravados pelos próprios integrantes da seita. Eles acreditavam estar construindo num nirvana verdadeiro nas montanhas do Noroeste Pacífico. Dara Burrows e centenas de outros ex-integrantes do culto estão fazendo maratonas para assistir à série. Nas páginas de fãs dedicadas a Rajneesh – ele morreu em 1990 e hoje é conhecido como Osho – as resenhas
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não param de ser postadas. “Já assisti quatro episódios. Pior do que eu imaginava”, escreveu a ex-sannyasin Dorothee Bull numa página de Facebook pró-Rajneesh. “Bhagwan era um político interessado no jogo do poder.” “Como toda a cobertura da mídia, essa série parece pulular sobre a água como uma pedra, tocando apenas nos eventos mais controversos...”, escreve a ex-sannyasin Roshani Shay no site Oshonews.com. “Quem assistir à série pode aprender como não se comportar.” “Nem sempre você vê um sannyasin confessando tentativa de homicídio na TV. Fiquei pensando que os responsáveis pela série sobre o Rancho realmente enlouqueceram, da pior maneira possível”, afirma um observador chamado “Lokesh”, postando no site Sannyas News.
Assisti feliz da vida às seis horas de Wild Wild Country. Em 1984, eu era um repórter em começo de carreira em Trenton, New Jersey, e convenci meus editores a me mandar para o Rancho Rajneesh. Na época, os Rajneeshees estavam começando a aparecer em Trenton e outras cidades do país, cooptando centenas de sem-tetos a se mudar para o paraíso de Bhagwan no Oregon. Com promessas de comida e cerveja grátis e uma vida livre de crimes, os Rajneeshess diziam ser simplesmente humanitários ajudando a combater vergonhosa a crise de moradores de rua dos Estados Unidos. Na verdade, como mostram a série da Netflix e investigações jornalísticas recentes, o culto estava simplesmente importando sem-tetos para que eles votassem nas eleições locais. No inverno de 1984, o Rancho Rajneesh estava agitado, com um aeroporto particular, um shopping center, o Hotel Rajneesh (com 145 quartos) e chalés suficientes para abrigar milhares de sannyasin, todos vestidos de vermelho. Os Rajneeshees escolheram o lugar com cuidado, comprando cerca de 250 quilômetros quadrados de terras no interior do Oregon, uma propriedade que antes era conhecida como “Big Muddy Ranch”. O lugar todo estava repleto de propaganda. Os Rajneeshess celebravam o nascer e o pôr-do-sol fazendo reverências para Bhagwan e cantando para o guru, que passava lentamente diante dos seguidores em um de seus mais de 90 Rolls-Royces. À noite, milhares se reuniam para ouvir atentamente os discursos hipnóticos de Rajneesh, exibidos em vídeo. Suas fotos estavam por toda parte, e a livraria comunitária tinha livros
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de um único autor à venda. Fiz um tour da propriedade acompanhado por uma porta-voz extrovertida, Ma Dhyan Rosalie (antes de juntar-se à seita, seu nome era Rosalie Rosenberg). Tive autorização para entrevistar os ex-sem-teto de New Jersey. Logo depois, saí à procura de Dara Burrows, a ex-estudante do Bennington College. Antes de partir para fazer a reportagem, tinha conversado com a mãe de Dara, Sandra, na casa da família, perto da cidade de Princeton. A história era devastadora. Primeiro, ela fora abandonada pelo marido, David Burrows. Ele era professor titular de literatura da Universidade Rutgers, e o casal teve quatro filhos juntos. David conheceu Rajneesh numa viagem que fizera à Índia em 1978. Foi uma experiência profunda. De volta ao campus, David começou a usar roupas laranja e um colar com a foto de Bhagwan. Ele também insistia em ser chamado de Swami Das Anudas. A vida na universidade logo perdeu o apelo, e David mudou-se para a Índia para estar com Bhagwan em tempo integral. Quando Sandra estava se recuperando do choque, David deu para Dara uma coleção dos discursos de Bhagwan. Dara ficou encantada com a possibilidade de “uma nova existência” e com a rejeição dos “modos rígidos e institucionais da sociedade” e marcou uma viagem à Índia, para conhecer o guru. “O pai dela deu o dinheiro. Meio que aconteceu em segredo, sem que eu soubesse de nada”, me disse Sandra, como escrevi numa reportagem publicada na New Jersey Monthly Magazine em 1986. Semanas depois, chegou o cartão postal curto e direto. Dara tinha se tornado Ma Prem Dara e era parte da seita, junto com o pai. “Durante toda a infância achava que era diferente”, me disse Dara na época. “Quando conheci Bhagwan, ele disse tudo o que eu sentia. Era como seu eu finalmente conseguisse respirar...” Sandra continuou com os três filhos. Mas ela sabia que Dara tinha ido para sempre. “Foi um choque terrível. Queria que ela voltasse para a faculdade, se não Bennington, então alguma outra. Mas não havia como fazê-la mudar de ideia.”Durante cinco anos, Sandra e seus três filhos se resignaram com a perda do marido, pai e irmã. Então, no verão de 1984, Jamie, 22 anos, aceitou um convite para visitar o Rancho Rajneesh. O
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filho mais novo também cedeu ao encanto do guru. Quando entrevistei Jamie, Dara e David juntos na comuna, naquele ano, Jamie estava usando o tradicional colar – chamado “mala” – e se apresentou como Swami Anand Brahma. “A tradicional família americana”, disse um sannyasin, rindo, ao passar por nossa mesa. Em New Jersey, Sandra não parava de chorar, como lembra uma amiga da família. Desesperada, ela ligou para um psicólogo especializado em seitas na tentativa de recuperar o filho. “Não sabia o que fazer. Ele não era criança. Não tinha sido sequestrada”, disse Sandra para mim na reportagem da New Jersey Monthly. Menos de nove meses depois da minha visita, a seita implodiu. A principal assessora de Bhagwan, a cruel Ma Anand Sheela, fugiu para a Europa numa deserção envolta em mistério. Depois de um período de silêncio autoimposto de três anos e meio, Bhagwan, furioso, reuniu a mídia para denunciá-la. “Sheela e seu grupo tentaram matar três pessoas”, afirmou o guru. “São criminosos.” Temendo ser preso, Bhagwan embarcou num jatinho e tentou fugir do país. Mas ele foi preso e declarou-se culpado de crimes de imigração, em troca do pagamento de uma multa e de deportação. Investigadores federais e estaduais foram ao Rancho, e vários membros decidiram colaborar com a polícia. Como relatou o The Oregonian em uma série de reportagens publicada no ano passado, “os Rajneeshees encheram os tribunais, admitindo comportamento criminoso em nome da seita. As acusações incluíam tentativa de homicídio, agressão, incêndio criminoso, fraudes de imigração, grampo de telefones e conspiração.” Sheela e outros ex-membros da seita cumpriram penas na prisão. Na comuna, os moradores do Rancho Rajneesh fizeram as malas. Os Rolls-Royces foram leiloados no Texas. Jamie, Dava e David Burrows começaram a fazer planos para um futuro incerto. Procurei a família Burrows em fevereiro deste ano, e as feridas ainda pareciam abertas. Descobri que Jamie hoje trabalha com finanças e não queria falar do pouco tempo que passou na comuna. Dara se casou, constituiu família e durante 22 anos trabalhou como editora-sênior de uma ONG científica. Ela fez as pazes com a mãe, que tem dificuldades de superar o abandono. “Voltei, mas ela sempre tem medo que eu vá embora de novo”, disse Dara numa entrevista recente. “Estou fazendo muito esforço para manter contato constante e para mostrar o quanto a amo.”
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Dara concordou em falar pela primeira vez em três décadas porque, segundo ela, não há nada a esconder. Ela disse estar ansiosa para assistir Wild Wild Country, mas acrescentou que ela e a maioria dos outros Rajneeshees não sabiam dos crimes graves praticados na comuna. “Não tenho vergonha de ter sido sannyasin ou de ter ido para a Índia e para o rancho”, disse ela. “Mas tenho vergonha de me ver associada a uma organização que fez coisas tão terríveis e prejudicou tanta gente.” Olhando para o passado, ela admite que os integrantes da seita “disseminavam a ilusão de ‘nós contra eles’ e falavam dos perigos de sair do rancho”. A propaganda era implacável. “Definitivamente sofri lavagem cerebral”, disse Dara. Foram necessárias décadas até que ela superasse a experiência. Wild Wild Country não explora as mágoas das milhares de famílias viram mães, pais e filhos partindo para a vida no rancho. É uma das lhas de uma série que, mesmo assim, expõe a brutalidade da seita tomou controle da minúscula cidade de Antelope e os conflitos com fazendeiros intolerantes que faziam oposição ao grupo. Os diretores série parecem ter medo de fazer julgamentos, e os telespectadores gam o preço.
que faque os da pa-
Considere o seguinte: Ma Anand Sheela, a assistente de confiança de Bhagwan e ex-presidente do império de Rajneesh, é acusada na série de ser mandante e de participar em uma série de crimes. Entre eles: envenenar uma cidade inteira com salmonela; espreitar e tentar matar o então secretário de Justiça do Oregon, Charles Turner; incendiar um escritório do governo local; grampear os telefones de amigos e inimigos; batizar com remédios antipsicóticos barris de chope para manter sob controle os milhares de sem teto recrutados para o rancho; e depois despejá-los nas cidades do estado. Ah, e também injetar veneno e tentar matar o médico pessoal de Bhagwan. Apesar desse currículo, os autores de Wild Wild Country entregam o microfone para Sheela. Eles nunca questionam ou conferem as versões dela para os eventos. Tampouco perguntam o que Bhagwan sabia das atividades criminosas que aconteciam aos pés do seu trono. Sheela tentou matar o médico do guru para salvar Rajneesh, como ela afirma? E ela grampeou os telefones do rancho e leu toda a correspondência para proteger seu amado Bhagwan ou meramente para saber o que seus rivais estavam tramando? Os telespectadores não têm a resposta.
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Três décadas mais tarde, as vendas dos livros e gravações de Bhagwan parecem ir bem. Muitos dos seus seguidores atuais parecem acreditar na mentira que Bhagwan foi manipulado por Sheela. Ele foi um inocente útil o tempo todo. O pai de Dara, David, é uma dessas pessoas. O professor universitário que vestia terno e gravata e tinha um Peugeot na garagem rapidamente perdoou o mestre. Depois do fim da comuna, ele viajou pelo mundo – Nepal, Japão, Guatemala, Texas e Nova York. Em 1998, ele disse para Dara que tinha vontade de voltar para a Índia. “Acho que não preciso explicar por quê.” Burrows voltaria a viver com Bhagwan. Até sua morte, aos 80 anos, o homem que se tornou Swami Das Anudas tinha poucos arrependimentos, por mais que estivesse claro para a maioria das pessoas que o culto de Bhagwan não ofereceria salvação para o cinismo do mundo. “Não importa o que aconteceu no rancho, ainda assim era muito melhor do que estava acontecendo no resto do mundo”, escreveu David Burrows para Dara. “Quanto mais difícil [a experiência], mais você aprende ao passar por ela.”
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No fim dos anos 50, um professor de filosofia chamava atenção na Universidade de Jabalpur, na Índia. As aulas do barbudo de gorro e óculos escuros, sempre lotadas, eram as únicas em que homens e mulheres podiam sentar-se juntos e debater livremente – apenas mais uma das controvérsias do homem que se definiu como “um místico espiritualmente incorreto”. Chandra Mohan Jain, ou simplesmente Osho, causava polêmica principalmente com seus ataques às religiões tradicionais. Pregando a busca da liberdade através da meditação, ele conquistou uma geração de pessoas que buscava a espiritualidade sem ter de se comprometer com antigas crenças. Mas o movimento que ele criou assumiu todos os contornos de uma nova religião, como a busca pelo divino, seguidores, rituais, doutrinas e até mesmo escrituras – mais de 600 livros que são best sellers internacionais, traduzidos em 55 idiomas. “Não existe homem mais cabeça-dura que o papa, o Polaco”, disse sobre João Paulo 2º durante uma entrevista de 1985, publicada em 6 volumes no livro O Último Testamento. O Polaco, como sempre chamava o então chefe da Igreja Católica, era um dos alvos favoritos de Osho: “O mundo está superpovoado e ele continua pregando contra o controle de natalidade, a pílula e o aborto”. Seus livros, editados a partir de palestras e entrevistas, oferecem novas interpretações de livros sagrados, líderes religiosos e sistemas políticos. O objetivo era discutir a importância da liberdade, do autoconhecimento e da relação do homem com ele mesmo e com o planeta – a busca por um novo homem. “A abordagem de Osho traz elementos religiosos, especialmente no sentido de que o ser humano tem a capacidade de se iluminar e pode desenvolver seu potencial inerente”, explica o professor de teologia da PUC-SP Frank Usarski. Esse potencial seria desenvolvido pela meditação, mas não com os métodos desenvolvidos há séculos pelos orientais, que segundo ele não surtem efeito no homem moderno e num mundo extremamente consumista e dinâmico. Seria preciso algo mais agressivo para nos tirar do estado “vicioso” em que estamos. Para isso, Osho desenvolveu técnicas, como a meditação dinâmica, e reformulou outras. “O objetivo é a libertação do ser humano por práticas diversas das quais Osho se apropriou, de tradições religiosas como o zen-budismo, o tantrismo e o sufismo”, diz Usarski. Segundo a autobiografia de Osho, sua trajetória espiritual começou de maneira semelhante à de antigos profetas, aos 21 anos, com uma revelação. Ele conta que numa noite de março de 1953 foi acordado por
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uma energia forte em seu quarto, correu para o jardim onde meditava e viu tudo iluminado. Ficou 3 horas em estado contemplativo – “chapadão”, como definiu – e 7 dias sem falar. “Dias se passavam e eu não sentia fome, não sentia sede. Desde aquela noite, nunca mais estive em meu corpo.” A luz trouxe a percepção de que não há nada a ser obtido, pois o ser humano já é perfeito. Formado em filosofia, Osho passou a dar aulas e a reunir nas universidades seus primeiros discípulos. A quantidade de pessoas que o buscavam era tão grande que em 1962 ele abriu um centro de meditação e começou a fazer inúmeras viagens para palestras ao redor da Índia. Em 1964, suas palavras foram publicadas pela primeira vez em livro, sob o título O Caminho Perfeito. Foi a primeira das muitas obras que fizeram o sucesso do movimento. Dois anos depois, Osho abandonaria sua atividade acadêmica para dedicar-se exclusivamente à vocação de guru e passou a organizar acampamentos de meditação na zona rural do país. Nos anos 70, Osho já tinha uma pequena multidão de seguidores e o movimento começou a ganhar as feições de uma religião. Em 1970, num campo de meditação, ele fez a iniciação formal do primeiro de seus discípulos – ou neosanias. Em 1971, ele mesmo mudaria seu nome para Bhagwan Shree Rajneesh – ou “Rajneesh, o senhor abençoado”, em sânscrito – deixando clara sua ligação divina. Os neosanias adotaram rituais como vestir roupas vermelho-alaranjadas, um colar de 108 contas e um medalhão com a imagem do líder. Além disso, cada novo discípulo era rebatizado pelo mestre para caracterizar a adesão. Afinal, Osho e seus seguidores mudaram-se para uma comunidade no parque Koregaon, em Puna, Índia, que se tornou um resort de meditação. Segundo Usarski, mais uma característica de um movimento religioso. “Religiões integram socialmente, já que membros de uma comunidade religiosa compartilham a mesma cosmovisão, têm valores comuns e praticam sua fé em grupo.” Em Puna, Osho aplicava métodos terapêuticos em workshops e dava palestras diariamente. De manhã, comentava os ensinamentos de tradições religiosas, como o budismo, o sufismo e o cristianismo. À tarde, respondia perguntas sobre temas como amor, ciúme e meditação. Num mês, falava em hindi, no outro, em inglês. Cada série de 10 dias foi publicada em forma de livro, compondo mais de 240 obras em 7 anos. Na época, Osho já tinha cerca de 400 livros publicados, somando um volume de texto maior que o da Bíblia ou do Alcorão. Em 1976, o complexo de
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Puna ganhou um edifício dedicado exclusivamente à produção editorial do guru. Os livros levavam a palavra de Osho para o mundo inteiro e atraíam cada vez mais gente para conhecer de perto seu movimento. No fim dos anos 70, o centro recebia cerca de 100 mil pessoas por ano. E cada vez mais ocidentais eram conquistados pela ideia de renunciar às repressões impostas por religiões, educação, governos e outras tradições, sem ter de abrir mão do mundo material. Formado em filosofia, Osho passou a dar aulas e a reunir nas universidades seus primeiros discípulos. A quantidade de pessoas que o buscavam era tão grande que em 1962 ele abriu um centro de meditação e começou a fazer inúmeras viagens para palestras ao redor da Índia. Em 1964, suas palavras foram publicadas pela primeira vez em livro, sob o título O Caminho Perfeito. Foi a primeira das muitas obras que fizeram o sucesso do movimento. Dois anos depois, Osho abandonaria sua atividade acadêmica para dedicar-se exclusivamente à vocação de guru e passou a organizar acampamentos de meditação na zona rural do país. Nos anos 70, Osho já tinha uma pequena multidão de seguidores e o movimento começou a ganhar as feições de uma religião. Em 1970, num campo de meditação, ele fez a iniciação formal do primeiro de seus discípulos – ou neosanias. Em 1971, ele mesmo mudaria seu nome para Bhagwan Shree Rajneesh – ou “Rajneesh, o senhor abençoado”, em sânscrito – deixando clara sua ligação divina. Os neosanias adotaram rituais como vestir roupas vermelho-alaranjadas, um colar de 108 contas e um medalhão com a imagem do líder. Além disso, cada novo discípulo era rebatizado pelo mestre para caracterizar a adesão. Afinal, Osho e seus seguidores mudaram-se para uma comunidade no parque Koregaon, em Puna, Índia, que se tornou um resort de meditação. Segundo Usarski, mais uma característica de um movimento religioso. “Religiões integram socialmente, já que membros de uma comunidade religiosa compartilham a mesma cosmovisão, têm valores comuns e praticam sua fé em grupo.” Em Puna, Osho aplicava métodos terapêuticos em workshops e dava palestras diariamente. De manhã, comentava os ensinamentos de tradições religiosas, como o budismo, o sufismo e o cristianismo. À tarde, respondia perguntas sobre temas como amor, ciúme e meditação. Num mês, falava em hindi, no outro, em inglês. Cada série de 10 dias foi publicada em forma de livro, compondo mais de 240 obras em 7 anos. Na época, Osho já tinha cerca de 400 livros publicados, somando um volume
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de texto maior que o da Bíblia ou do Alcorão. Em 1976, o complexo de Puna ganhou um edifício dedicado exclusivamente à produção editorial do guru. Os livros levavam a palavra de Osho para o mundo inteiro e atraíam cada vez mais gente para conhecer de perto seu movimento. No fim dos anos 70, o centro recebia cerca de 100 mil pessoas por ano. E cada vez mais ocidentais eram conquistados pela ideia de renunciar às repressões impostas por religiões, educação, governos e outras tradições, sem ter de abrir mão do mundo material.Por não condenar a riqueza, o movimento atraiu a atenção de milionários. E começaram as polêmicas que marcariam aquela temporada. Osho ficou famoso por sua coleção de 93 Rolls-Royces. Segundo Racily, os carros foram doados por discípulos ricos para ajudar a construir a cidade. “Sem bens, não podíamos pegar empréstimos. Os carros foram hipotecados para comprarmos material de construção.” Seu liberalismo em relação ao sexo (veja abaixo) também criou repúdio. Ainda havia uma agravante: “Nós andávamos de vermelho. E naquela época vermelho era coisa de comunista”, diz Racily. Rajneeshpuram começou a sofrer boicotes da comunidade local. Alvarás foram negados e o visto de residente de Osho foi negado. Em 1985, acusado de violar a lei de imigração, passou 6 dias preso e foi libertado sob fiança de US$ 400 mil e a promessa de deixar o País.Pessoalmente, a temporada americana foi ruim para Osho, que em seguida teve visto negado em 21 países e foi obrigado a voltar à Índia. A perseguição, no entanto, teve muita repercussão na mídia. O que, de forma contemporânea, teve um efeito semelhante às perseguições sofridas por profetas da Antiguidade, como Moisés, Jesus e Maomé, ajudando a fortalecer a adesão dos fiéis ao movimento e a popularizá-lo entre os demais. Antes de morrer, em 1990, o guru mudaria de nome uma última vez, para o definitivo Osho – sinônimo de “oceânico”. Aliás, a placa sobre suas cinzas diz que ele “nunca nasceu, nunca morreu. Apenas habitou este planeta Terra entre 1931 e 1990”. Sua palavra, com certeza, está bastante viva. Segundo Klaus Steege, presidente da Osho International em Nova York, ainda há palestras não traduzidas do híndi para o inglês – o que significa que mais livros serão publicados. E como era de esperar de um guru moderno, os livros não são mais o principal veículo da palavra de Osho. “O grande projeto agora são os DVDs com técnicas de meditação e os livros com CDs.”
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Em uma edição de 1978 da revista alemã Stern, uma mulher chamada Eva Renzi contou suas experiências em um grupo de encontro de Rajneesh. “Na sala eram dezoito pessoas”, ela começa, Eu só conhecia Jan, um holandês de cinquenta anos. O líder sentou-se depois de fechar a porta grossa à prova de som. De repente, uma mulher se lançou em outra e gritou: “Você me deixa doente. Você é uma vampira. Eu quero arranhar seu rosto, sua imunda”. Ela bateu na outra … Enquanto isso, duas mulheres e um jovem se levantaram. O jovem atirou-se em cima de uma garota de uns dezoito anos, deu um tapão em cada orelha, com as palavras: “Você é uma caricatura de uma Madona. Você acha que é melhor que nós, não é? Você é a pior pessoa aqui”. E então, apontando para mim, ele disse: “Junto com você, sua vadia. Você não perde por esperar”. O nariz da menina estava sangrando. Ela tentou desesperadamente se proteger dos golpes. Então o líder assumiu: “Você provavelmente acha que tem controle sobre as coisas. Você nem sequer tem controle sobre si mesma. Você está sob controle total aqui”. Renzi foi designada pelos líderes do grupo para passar a noite com o holandês Jan. No entanto, depois de jantar, ela foi dormir rapidamente. “No dia seguinte, eu apareci para o grupo pontualmente”, ela escreveu. Eu disse um amável “bom dia” e fui recebida com um silêncio constrangedor. Eu me sentei. O líder perguntou o que havia acontecido nas 24 horas anteriores. Então Jan se levantou, me ergueu e começou a me bater, desinibido. “Você é uma puta”, ele gritou, “você me humilhou, sua mulher maldita, eu vou te matar”. Fiquei horrorizada. Meu nariz começou a sangrar. Eu gritei: “Isso é problema seu, se o seu orgulho masculino está ferido”. Ele me bateu ainda mais. Ele rasgou minha blusa e me jogou no chão. Como alguém possuído, sentou-se em cima de mim, bateu com os punhos na minha cabeça, sufocou-me o pescoço e gritou: “Diga a verdade, sua merda”. “Que verdade? Você está fora de si, está hipnotizado?” Eu gritei. De repente ele me deixou. Levantei-me tremendo, tentando fazer meu nariz parar de sangrar”. Isso é um centro para desenvolver uma masculinidade louca?”, perguntei. Eu pensei que a loucura havia passado e que eu poderia ir embora. Então, um homem mergulhou pra cima de mim. “Exatamente isso”, disse ele. “O que você acha que estamos fazendo aqui?” Então duas mulheres me agarraram e depois o grupo inteiro.
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“O que aconteceu depois foi como um sonho maligno”, continua Renzi. “’Lute conosco, sua covarde. Você vai brincar de santa aqui, sua puta?”, alguém disse. Eu fugi de um canto para outro. Eles socaram, arranharam e me chutaram e puxaram meu cabelo. Eles rasgaram e arrancaram minha blusa e minha calça. Eu estava completamente nua, e eles estavam tão entregues à sua loucura, que eu comecei a temer a morte. Meu único pensamento era: preciso ficar consciente. Eu gritei: “Deixe-me ir. Quero sair daqui”. A um sinal do líder, eles me soltaram. Renzi concluiu sua história para o público alemão sobre a sua experiência com as técnicas de terapia de grupo Rajneesh, dizendo: “Esta loucura adornada com sadismo, esse fanatismo com promessas de dominação global, eu já ouvi isso em algum lugar antes”. Wild, Wild Country, Rajneesh em Oregon
o
documentário
sobre
o
do
culto
de
Bhagwan
Shree
Wild, Wild Country, o documentário sobre culto de Bhagwan Shree Rajneesh em Oregon durante a primeira metade da década de 1980 que está atualmente em streaming na Netflix, dá um significativo passo adiante na apresentação cinematográfica desta história bizarra e inquietante. Houve duas tentativas anteriores para realizar essa tarefa desafiadora. A primeira tentativa, felizmente perdida nas brumas da história, funcionou como uma propaganda pró-Rajneesh. A segunda, criada pelo sistema de radiodifusão pública de Oregon há vários anos, quase exonerou o culto de suas inúmeras irregularidades; tecnicamente fraco, foi um fiasco pelo qual os apoiadores financeiros da estação deveriam ter chamado a administração da OPB [Oregon Public Broadcasting] para cobrar a conta. A nova série dos irmãos Duplass representa um enorme avanço em relação aos tratamentos prévios completamente tendenciosos, de duas maneiras principais. Em primeiro lugar, os cineastas realizaram o trabalho de pesquisa, localização, seleção e edição, em uma estrutura coerente, com uma grande quantidade de imagens de arquivo de notícias, uma realização que torna a produção um deleite para os olhos. Em segundo lugar, por meio de entrevistas em profundidade com ex- e atuais adeptos do culto, e moradores locais que ainda estavam aptos a contar contar a história, eles conseguiram – na medida do possível – permitir que representantes de ambos os lados pudessem se expressar.
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Onde os cineastas falharam no seu trabalho foi no quesito interpretação. Eles não abordaram diretamente algumas das questões mais importantes levantadas por seu filme e deixaram outras completamente de fora. A última categoria inclui algumas das práticas mais odiosas do culto, bem como a verdadeira extensão da ameaça que representava, não apenas para seus vizinhos imediatos no Oregon, mas para todo o mundo. Pode ser que audiovisual não seja o meio apropriado para explorar as questões mais profundas e mais complexas de um fenômeno como este, em todo caso o que escrevo pode servir tanto como um corretivo quanto como um complemento ao seu trabalho, que parece ter despertado o interesse de multidões de pessoas de uma maneira que nenhum texto escrito fez até agora. A maior parte do que vou escrever parafraseará, ou citarei diretamente, uma série de colunas que escrevi para a Oregon Magazine, sob a rubrica “Rajneesh Watch”, entre 1981 e 1986. Obviamente, não posso documentar minhas posições tão extensivamente como eu fiz naquelas colunas, mas espero que o que eu possa oferecer seja convincente o suficiente. Muitas das verdades sobre esse culto parecerão estranhas à primeira vista, começando pela abertura. Várias pessoas em Wild, Wild Country usam a palavra “mal” Várias pessoas entrevistadas em Wild, Wild Country usam a palavra “mal” em conexão com Bhagwan Shree Rajneesh e seus seguidores no culto. No início do segundo episódio, o ex-procurador-assistente dos EUA, Robert Weaver, afirma: “Não foi motivado pela ganância, era por maldade”. O fazendeiro Bill Bowerman emprega pelo menos duas vezes a palavra, relacionando-a às ações do grupo. Rosemary McGreer, uma residente da cidade de Antelope na época, diz: “É por isso que estamos aqui [em oposição a fugir da área], para garantir que o mal não triunfe”. Os cineastas, no entanto, não parecem inclinados a confrontar a enormidade dos crimes de Rajneesh, ou perguntar por que tantas pessoas que conheceram o culto escolheram essa palavra para descrevê-lo. O mal existe, e sua principal encarnação na história do mundo é Adolf Hitler. Faz muito sentido, portanto, que os líderes dos chamados “cultos destrutivos” estejam acostumados a se identificar com ele. Charles Manson disse: “Hitler tinha a resposta para tudo” e o chamou de “um cara legal que nivelou o Karma dos judeus”. O líder do culto Aum Shinrikyo no Japão, Shoko Asahara, também era um admirador de Hitler e escolheu
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o ano 1999 para lançar armas biológicas, químicas e atômicas no mundo, por acreditar que o banimento do governo alemão desde o pós-guerra à publicação de Mein Kampf expiraria nessa data. O ataque de sarin de Aum Shinrikyo em 1995 no metrô de Tóquio matou onze pessoas e feriu milhares, mas se os médicos do culto tivessem conseguido produzir o gás em uma forma mais pura, como tentaram fazer, o número de mortos poderia ter chegado a centenas de milhares. Como relatado por Krishna Deva, o ex-prefeito de Rajneeshpuram que delatou e entregou provas ao estado, Rajneesh estava se comparando a Hitler no final, afirmando que Hitler havia sido mal compreendido quando tentou criar um “novo homem” (algo que Rajneesh também afirmava fazer). Rajneesh, como Asahara, tinha um centro médico no qual substâncias mortais de vários tipos eram armazenadas e, em alguns casos, foram inclusive utilizadas. O psicólogo humanista Nathaniel Branden, no entanto, fez, de longe, a declaração mais impactante sobre este assunto, em uma carta a um amigo datada de 2 de outubro de 1978. Ele relatou ao amigo que em um livro chamado The Mustard Seed, Rajneesh “explica e justifica o assassinato de milhões de judeus ao longo da história, alegando que os judeus mataram Jesus”. Branden continuou dizendo: “Desde que comecei a ouvir Bhagwan Shree Rajneesh e a ler seus livros, fiquei fascinado. Ao mesmo tempo, quase desde o início, tenho tido a sensação crescente de que este é um homem que é profundamente do mal – mal em uma escala que está quase fora dos limites da imaginação humana”. Como poderia um grupo dessa natureza ter atraído tantos seguidores inteligentes, instruídos e ponderados? Em uma coluna que escrevi na década de 1980, observei que muitos oregonianos haviam expressado surpresa com o grande número de pessoas altamente qualificadas e profissionais que pareciam estar presentes no Rancho Rajneesh. Uma pesquisa conduzida pelo departamento de psicologia da Universidade de Oregon descobriu que 64% dos 700 seguidores consultados na fazenda tinham diploma universitário e 81% eram de famílias de classe média e de colarinho branco. Você tem que desconfiar um pouco destes resultados porque os membros do culto foram indubitavelmente instruídos por seus líderes em como responder as perguntas, mas pesquisadores experientes em cultos não acham tais resultados de pesquisa surpreendentes. Jean Merritt, uma psiquiatra e assistente social que vinha aconselhando ex-membros do culto e suas famílias desde 1973, disse que
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cultos normalmente vão atrás de pessoas solteiras, brancas, jovens, de classe média e média alta que aprenderam a ser abertas a idéias inovadoras e a experimentar novas experiências. Muitas vezes são homens e mulheres inteligentes, extremamente idealistas e altruístas. Margaret Singer, professora de psicologia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que eu costumava usar como fonte acadêmica durante minhas investigações sobre o culto de Rajneesh, disse-me que os cultos “não querem chicanos ou negros”. Eles não querem malandros que causem problemas, que saibam que não há almoço grátis. Eles querem profissionais em ascensão que vêm cheios de dotes para presentear”. (Isto, é claro, é um comentário irônico em retrospecto, considerando como o programa “Share-A-Home” dos Rajneeshees, que trouxe milhares de moradores de rua de todo os EUA para Rajneeshpuram, a fim de registrá-los como eleitores em uma eleição local, saiu pela culatra quando eles organizaram uma rebelião em massa contra seus senhores temporários). O apelo intelectual de Rajneesh baseou-se em uma fusão inteligente das idéias da psicologia humanista e do Movimento do Potencial Humano dos anos 1960 e 70 nos EUA com o misticismo oriental. A psicologia humanista procurou encontrar uma alternativa à psicologia freudiana e ao behaviorismo, e seu líder intelectual foi Abraham Maslow, que achava que a psicologia tradicional prestara atenção demais ao comportamento patológico e deveria se concentrar em ajudar os indivíduos a se “autorrealizarem” e atingirem o que ele chamava de “Experiências de pico”. [N. T.: Conceito que atualmente está em voga com nomes e conceitos atualizados como busca pelo propósito, estado de flow e mindfullness]. O Instituto Esalen, fundado em Big Sur, Califórnia, em 1962, era o centro do Movimento do Potencial Humano – a expressão “Potencial Humano” foi criada por Aldous Huxley, um dos primeiros aliados de Esalen. Huxley e outros em Esalen perceberam paralelos entre o processo de abertura emocional das terapias catárticas ocidentais (como a terapia primal), as experiências de pico descritas e defendidas por Maslow e os estados alterados de consciência produzidos pelos métodos orientais de meditação. A união da psicologia ocidental e do misticismo oriental tornou-se uma meta central para o movimento do potencial humano, e essa foi precisamente a área na qual Bhagwan Shree Rajneesh se destacou.
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Em seu (assim chamado) ashram em Pune, na Índia, Rajneesh justapôs terapias ocidentais experimentais e vanguardistas, tais como a primal, a gestalt e grupos de encontro, com meditações orientais clássicas como kundalini yoga e zazen, assim como faziam em Esalen. Na verdade, o ashram de Rajneesh ficou conhecido como Esalen Oriental. Quando Dick Price, um dos fundadores da Esalen, visitou, no entanto, descobriu que essas técnicas estavam sendo usadas para manipular e controlar membros da comunidade. Ele ficou especialmente chocado com a quantidade de violência psicológica e física predominante nos grupos de encontro de Rajneesh. Em um dos meus primeiros artigos, “Feitiço Hipnótico do Bhagwan”, contei que os conselheiros e pesquisadores da área de controle da mente e cultos acreditavam que Rajneesh era um mestre de várias técnicas de induzir estados alterados de consciência, técnicas que eles dizem que Rajneesh e seus assistentes usavam para manter seus seguidores atrelados a ele e sua organização. Josh Baran, que dirigiu uma organização de apoio a pessoas que deixaram grupos espirituais em Berkeley chamada Sorting It Out [Resolvendo a Vida], foi minha primeira fonte sobre esse assunto. Baran me contou que descobriu que Rajneesh e seus assistentes eram extremamente hábeis em uma ampla gama de técnicas para manipular e controlar pessoas, muitas das quais derivadas de religiões orientais: Ele é bastante fluente em vários estados alterados de consciência, muito mais do que outros líderes de culto que eu conheço. Suas técnicas incluem canto, meditação, dança Sufi, olhar para as luzes por longos períodos de tempo e música poderosa, todas induzindo estados mentais alterados. O que aconteceu em seu ashram em Pune foi literalmente uma miscelânea de estados mentais alterados. Hilly Zeitlin, um assistente social clínico, que foi co-diretor de Opções para Transição Pessoal em Berkeley, uma organização especializada em lidar com envolvimento em cultos e questões religiosas relacionadas, disse que Rajneesh tinha feito um estudo de técnicas de indução hipnótica usadas por seitas, e disse-me que ele acreditava que Rajneesh era “um dos melhores hipnotizadores que já encontrei. O modo como ele usa a linguagem, seu tom de voz, o modo como ele sequencia idéias … todos são essencialmente hipnóticos”. Ele prosseguiu dizendo que “a arte da hipnose é a arte de ser vago, enquanto finge que você está sendo profundo, Uma arte que ele acredita que Rajneesh praticou magistralmente em
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suas palestras para seus discípulos em Pune. “Rajneesh”, acrescentou, “pode ser ainda mais vago agora por não dizer nada”. Rajneesh havia feito um “voto de silêncio” quando deixou a Índia para os Estados Unidos. “Agora você pode projetar nele o que você quiser acreditar”. Kathleen McLaughlin, professora associada de estudos religiosos no Lewis & Clark College em Portland, esteve na Universidade de Pune de 1977 a 1978 e foi ouvir várias palestras de Rajneesh em seu ashram. Ela me disse: “Seu uso da linguagem é maravilhoso. Ele é um orador hipnótico e bonito que está profundamente ligado psiquicamente ao seu público. Temos uma compreensão imatura da espiritualidade no Ocidente” , afirmou, “e como não acreditamos em fenômenos psíquicos, somos muito vulneráveis a eles. Na Índia, entende-se que qualquer um que medite pode desenvolver poderes psíquicos – a noção comumente é de que existem tais poderes e que você pode desenvolvê-los se quiser”. McLaughlin disse que os intelectuais ocidentais academicamente treinados são “especialmente vulneráveis a isso porque eles foram treinados para usar suas cabeças, mas não suas emoções, e essas técnicas contornam o pensamento racional”. Zeitlin afirmou que todo o sistema social da organização funcionava para criar sugestionabilidade hipnótica em seus membros.
de
Rajneesh
“Há um esforço intenso para quebrar as formas normais pelas quais as pessoas se autoavaliam, sob o pretexto de ir além ou transcender o ego”, disse ele, “e tudo isso é feito de maneira hipnoticamente vinculante. Eles sobrecarregam os circuitos da mente consciente e, em seguida, apresentam a alternativa da ‘consciência interior’. Enquanto isso, a dependência do grupo se desenvolve”. Zeitlin me disse que havia descoberto em suas entrevistas com ex-Rajneehsees que eles eram “extremamente regredidos psicologicamente” e que sua capacidade de se relacionar com os outros e articular seus sentimentos foi “drasticamente reduzida”. “Essas técnicas, por si só, não são ruins”, afirmou Baran. “Eles só são ruins quando são usados para controlar e enfraquecer as pessoas”. O problema era que Rajneesh e seus assistentes estavam usando essas técnicas “para fazer as pessoas se tornarem seguidores”. Quando Rajneesh tentou incorporar uma cidade em Oregon Quando Rajneesh Frohnmayer, então
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tentou incorporar uma cidade em Oregon, Procurador Geral do Estado, entrou com uma
Dave ação
contra a cidade de Rajneeshpuram alegando que violava a separação entre Igreja e Estado, e exigiu que ela fosse dissolvida. Embora eu certamente fosse a favor desse resultado, para mim a base para o argumento era falho: a tal religião do “Rajneeshismo” era falsa desde o início. Em uma carta de abril de 1983 ao médico de Portland James G. Perkins, que estava envolvido em litígios com a Fundação Rajneesh, o Consulado Americano em Bombaim (agora Mumbai), na Índia, declarou: “De acordo com nossas informações, a Fundação Rajneesh na Índia nunca se afirmou como religião, nem seu líder, Bhagwan Shree Rajneesh, jamais foi reconhecido aqui como fundador de uma religião”. McLaughlin também confirmou que Rajneesh não era aceito como professor religioso na Índia. “Na Índia, há uma longa tradição de gurus”, ela me disse. “Uma das coisas é claro: se alguém é um mestre iluminado, ele não sai por aí espalhando dissensão e ódio. A maneira como Rajneesh e seus seguidores antagonizavam as pessoas na Índia inevitavelmente significava que ele não era considerado uma pessoa iluminada”. McLaughlin disse que a insistência de Rajneesh em se exaltar acima de todos os outros mestres espirituais vivos era estranha a qualquer prática religiosa indiana. Mclauglin descreveu a adoção unilateral de Rajneesh do título “Bhagwan”, que em hindi significa “Senhor” ou “Deus”, como blasfêmia. Ela explicou: “Não é blasfêmia ser chamado de ‘Bhagwan’ se seus seguidores decidirem chamá-lo assim. É uma blasfêmia chamar a si mesmo de “Bhagwan”. A alegação que ele faz de que ele é “o único” é completamente atípica dos homens sagrados indianos. Ela também acusou Rajneesh de distorcer e perverter outros elementos importantes da tradição religiosa hindu. “Seu uso do termo ‘sannyasin’ para designar seus seguidores, por exemplo, é apenas uma zombaria no que me diz respeito – uma zombaria deliberada. Na Índia”,explicou ela, ‘sannyasin’ significa ‘renunciar’, aquele que renunciou às posses mundanas e aos desejos mundanos para vagar pela terra como mendigo, usando a cor sagrada da laranja. Quando você se torna um sannyasin para Rajneesh, você não faz nenhum tipo de voto de renúncia. Tudo o que você faz é pagar à organização algum dinheiro e prometer usar um mala (um medalhão com a foto de Rajneesh) e roupas vermelhas. Isso é uma afronta deliberada para afrontar os valores hindus”. McLaughlin também encontrou a promoção de Rajneesh – sob o disfarce de ensinar espiritualidade tântrica – de indulgência e promiscuidade sexual desenfreada e, no período de Pune, de orgias sexuais violentas e
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selvagens, especialmente ofensivas. “O que ele ensina tem apenas a semelhança mais superficial com o tantra hindu”, disse ela. “O Tantra é um caminho muito disciplinado de espiritualidade e, se há algo que Rajneesh não ensina, é disciplina. A prática sexual tântrica é não-orgásmica. Não é só sair e dormir por aí. Você tem um parceiro escolhido pelo seu professor e pode levar anos até que você tenha qualquer contato sexual com esse parceiro. Não é uma noite só.” McLaughlin chamou o uso de Rajneesh, ou mau uso, do Tantra, “barato, impreciso e inflamatório ”. McLaughlin argumentou para mim que o Rajneeshismo não era uma religião, mas puramente e simplesmente um culto. Ela distinguiu um culto de uma religião pela falta de uma disciplina espiritual significativa e de uma verdadeira tradição espiritual. “Uma religião real”, argumentou ela, “tem uma linhagem. Outros mestres são vistos como parte dessa tradição, e fornecem alguns pesos e contrapesos e alguma humildade. Um culto, por outro lado, é um grupo dirigido por um único líder carismático que egoisticamente se coloca como a única fonte de autoridade, como tendo uma nova revelação, como a única “iluminada”, e, portanto, como substituindo todos outras fontes de autoridade. Buda não se colocou assim. Moisés e Jesus não se colocaram assim. ”McLaughlin continuou: “Não há base ética nos ensinamentos de um culto, e isso é outra coisa que distingue um culto de uma religião ”. Como uma questão de registro, a organização de Rajneesh não reivindicou o status de uma religião até que o Serviço de Imigração e Naturalização (INS) começou a considerar o processo de deportação contra Bhagwan. Em uma circular de 5 de dezembro de 1981 para os centros de meditação Rajneesh ao redor do mundo, o assistente de Rajneesh, Ma Anand Sheela, anunciou: “Nasceu uma nova religião chamada Rajneeshismo”. No mês seguinte, Orange Juice, o tablóide do centro de meditação Rajneesh em Berkeley. registrou este diálogo entre a oficial de Rajneesh, Ma Sushila, e um grupo de seguidores: “Durante anos, Bhagwan nos disse na Índia que não somos uma religião … Somos agora oficialmente uma religião. (Muitas risadas. Alguém pergunta qual é o nome.) Adivinhe! É chamado “quem sou eu”? Não. É chamado de Rajneeshism. Mais risadas. E para aqueles de nós que são sannyasins, somos chamados de Rajneeshees. Você gosta disso, né?” Em 30 de setembro de 1985, depois que Sheela fugiu de Rancho Rajneesh e Bhagwan começou a falar contra ela, culpando-a publicamente pelo grande número de crimes perpetrados pelos Rajneeshees no centro de
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Oregon, 5.000 exemplares do Livro do Rajneeshismo foram queimados no crematório de Rajneeshpuram, e Rajneesh declarou o fim da religião do Rajneeshismo. O tipo de organização que o culto de Rajneesh O tipo de organização que o culto de Rajneesh, na verdade, mais se assemelhava era um vasto empreendimento criminoso. Em três colunas separadas, “A Vontade de Bhagwan: Drogas e Prostituição” e “Corredores de Drogas de Bhagwan I” e “Corredores de Drogas de Bhagwan II”, expus a evidência de que grande parte da riqueza do culto provavelmente derivou do envolvimento de Rajneesh seguidores na Índia na prostituição e no contrabando de drogas e moeda. Custou muito dinheiro permanecer no ashram de Rajneesh, em Pune, e quando um seguidor ficou sem fundos e pediu permissão para ficar, ele ou ela (embora todos os casos que vieram à luz parecessem ter envolvido mulheres seguidores) seria oferecida uma oportunidade de ganhar dinheiro através de meios ilegais de um tipo ou outro. Em Wild, Wild Country, Sheela é enfática sobre a necessidade de dinheiro da organização de Rajneesh depois que o ashram foi estabelecido em Pune. Ela explica que Rajneesh necessitava de “um fluxo constante de renda” para “fazer o trabalho que queria” e que sua tarefa era “criar uma comunidade de trabalho capitalista”. Ela diz que eles rapidamente perceberam que 3.000 a 4.000 sannyasins vivendo em um ashram poderia definitivamente criar um “grande fluxo de caixa”. Ela argumenta que outras comunidades morreram porque eram “avessos à criação de riqueza”, e afirma que “a única maneira de a comunidade viver era enriquecer”. indiscutivelmente fez. Em um artigo de 1980, publicado em um periódico britânico de psicologia chamado Energy and Character, um ex-seguidor de Rajneesh chamado David Boadella escreveu o seguinte: Em uma comunidade religiosa bem conhecida no Oriente … sannyasins estão vendendo seus corpos no mercado aberto para garantir o dinheiro para ganhar um lar para suas almas na comunidade espiritual. Isso pode tomar a forma de ganhos de shows de masturbação, ou prostituição, e é tacitamente encorajado pela comunidade em questão, onde os ganhos imorais são discretamente referidos como “pegar doces”. Na mesma comunidade há uma política oficial que desencoraja ativamente ou proíbe o consumo de drogas. Extraoficialmente, no entanto, uma operação
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ativa de drogas organizada por sannyasins floresce com ou ao lado da comunidade, e as pessoas que precisam de dinheiro para comprar um lugar na comunidade são colocadas em contato com ele secretamente por funcionários de alto escalão. Cinco ou seis quilos de cannabis são secretados em malas de fundo falso e são contrabandeados de avião via Amsterdã e Paris para Montreal, onde são vendidos por £ 9.000 (aproximadamente US $ 20.000). O anel de drogas coleta £ 6.000 (aproximadamente US $ 13.000), e a pessoa que contrabandeia os remédios coleta £ 3.000 (aproximadamente US $ 6.500) para seus ingressos para o céu. Vários sannyasins estão atualmente cumprindo sentenças de prisão por participarem do tráfico de drogas. Dois deles usaram “lavagem cerebral” como defesa em suas trilhas, a fim de obter uma sentença reduzida. Boadella também citou o chefe dos inspetores da polícia de Pune dizendo: “A prostituição dos discípulos das meninas do culto alcançou proporções vergonhosas. Tornou-se epidemia”. Dois sannyasins que alegavam em defesa de que haviam sofrido lavagem cerebral eram uma inglesa chamada Margot Gordon e uma mulher sueca chamada Maria Kristina Koppel. No julgamento de Koppel na Inglaterra, seu advogado de defesa, o Sr. W. Taylor, apresentou seu caso ao tribunal da seguinte forma: Taylor: Minhas extensas investigações mostram que o homem em Pune, chamado Bhagwan, é nada menos do que um homem mau, usando muitos jovens … e reduzindo sua mentalidade a tal posição, não se torna mais e não menos do que putty nas mãos dele. Ele faz isso por dinheiro e usa essas meninas como fachada para o contrabando de drogas em todo o mundo. Durante um período de tempo, essas moças, ou rapazes jovens, têm suas personalidades reduzidas a nada, seu passado é esquecido, e sugestões são feitas a eles e eles fariam qualquer coisa que este homem lhes dissesse para fazer. Taylor então chamou a atenção de um especialista em hinduísmo e religiões orientais que havia feito pesquisas sobre o grupo de Rajneesh, o professor Johannes Aagard. Ele deu o seguinte testemunho: Aagard: Em Pune, Bhagwan e seu povo, não menos importante, seu grupo de oficiais de alta patente estabeleceram um mundo alternativo. Ele lhes dá um mala com sua própria foto, e eles pegam um pedaço de cabelo dele, conectando a realidade deles com os dele … Desde o início, o objetivo é acabar com a mente, a personalidade, a memória
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… Você acaba sendo ninguém. Você tem que desistir do seu ego. Você tem que se esvaziar totalmente para se render a Bhagwan. “Total rendição” são as palavras-chave. Isso é feito por uma série de atos humilhantes em que você é forçado a fazer o que você odeia fazer no grupo. Você perde o sentimento de identidade que está ligado a certos atos, certas reservas, certas inibições sexuais. Em várias dessas oficinas, a promiscuidade ocorre das formas mais grosseiras e horríveis. Pessoas do sexo masculino são autorizadas a fazer o que quiserem com as mulheres, e vice-versa, e tem como objetivo derrubar a consciência conectada com o indivíduo a fim de que uma nova consciência conectada com Bhagwan e sua ideologia assuma o seu lugar. Em um documento que a mãe de Kristina apresentou ao tribunal na esperança de ganhar clemência por sua filha, ela relatou que Kristina havia lhe dito o seguinte sobre suas experiências em um grupo Tantra: “Kristina foi ordenada a ter relações sexuais com todos os homens do grupo. por sua vez, a fim de “matar seu ego”, gritava a líder do grupo: “Se você se render a Bhagwan, deve se render a qualquer um aqui, a qualquer homem, embora o simples pensamento disso a faça doente – você não deve pensar – apenas deixe acontecer! ‘” Taylor implorou ao tribunal que não mandasse seu cliente para a prisão, dizendo: “Isso vai matar sua mente, e tudo o que ela fará quando sair é voltar a esta comunidade doente e triste”. O juiz J. Murchie deu a Koppel um Sentença suspensa por 15 meses. No julgamento de 1980 de Margot Gordon em Paris, seu advogado, Philippe le Boulanger, argumentou da mesma forma que seu cliente havia sido psicologicamente coagido a contrabandear maconha da índia pela seita Rajneesh. Taylor disse ao tribunal, entre outras coisas, que ela havia sido submetida a três sessões de duas horas cada em um “tanque de serenidade” (um tanque escuro, silencioso, sem sensorial e cheio de água salgada mantida à temperatura do corpo), um tratamento que ele descreveu. – com base em uma análise do mesmo dr. Gomez – como uma “tortura no estilo nazista destinada a fazer lavagem cerebral na vítima”. Gordon recebeu uma sentença de oito meses e mais 16 meses de pena suspensa e multou 10.000. Não está claro até que ponto as autoridades de Rajneesh transferiram esses tipos de atividades criminosas para os EUA, mas no verão de 1983, três seguidores indianos de Rajneesh foram presos pela polícia de Bom-
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baim e acusados de tentar contrabandear centenas de milhares de dólares dos EUA. a Fundação Rajneesh em Pune para Rajneeshpuram em Oregon. Um deles admitiu que também contrabandeara quantias consideráveis de divisas compradas no mercado negro indiano para contatos de Rajneesh nos Estados Unidos. Além disso, alguns observadores e membros de agências policiais especularam na época que a Rolls-Royces supostamente “doada” a Rajneesh por adeptos entusiasmados – havia cerca de 100 em Rajneeshpuram até o final da saga – representavam uma forma conveniente de lavagem de fundos obtidos ilegalmente. Durante muito tempo, as mulheres Rajneesh predominaram nos serviços de acompanhantes em São Francisco e entre os strippers no conhecido Mitchell Brothers O’Farrell Street Theatre em São Francisco, mas depois que as operações começaram no rancho no Oregon, Rajneesh convocou todos eles para o centro de Oregon. Bill Driver, o repórter investigativo com quem trabalhei em várias reportagens da Oregon Magazine sobre o culto, recebeu uma dica de uma fonte da lei de que o homem que o FBI considerava ser o maior traficante de cocaína dos Estados Unidos foi observado saindo do rancho em Rajneesh. último dia lá, mas Bill foi incapaz de confirmar a informação. Em 13 de outubro de 1985, uma semana e meia antes de Rajneesh tentar fugir dos Estados Unidos, Robert Black, um Rajneeshee também conhecido como Swami Hrydaya, foi preso em Vancouver, British Columbia, sob acusações de contrabando de cocaína e moeda em grande escala, mas até onde eu sei, nenhuma conexão direta entre esses crimes e Rajneesh ou seus altos funcionários foi comprovada. No entanto, as novas categorias de crimes em que os Rajneeshees se envolveram no Oregon – envenenamentos, conspiração para assassinatos, escuta ilegal, fraude de imigração – mais do que apoiaram a conclusão que uma autoridade alfandegária dos EUA me deu depois que tudo terminou: “Foi”, ele disse para mim, “a maior conspiração criminosa na história do Estado”- e, acrescentou ele, “ninguém fez nada sobre isso.” Em um telegrama de janeiro de 1983 para o escritório do INS em Portland Em um telegrama de janeiro de 1983 para o escritório do INS em Portland, o consulado americano em Bombaim ofereceu duas razões pelas quais Rajneesh deixou a Índia quando o fez. O primeiro foi a situação fiscal da Fundação Rajneesh, o guarda-chuva legal do ashram de Bhagwan em Pune. O consulado informou que as autoridades na Índia foram inicial-
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mente impedidas de investigar a fundação por Rajneesh que tinham trabalhado seu caminho em posições de poder no sistema fiscal indiano. Mas o governo finalmente revogou o status de isenção de impostos da fundação e avaliou seus impostos desde a fundação do ashram em 1974. Escusado será dizer que Rajneesh e sua coorte deixaram o país com aqueles impostos não pagos. A segunda razão para a súbita partida de Rajneesh e Sua camarilha governista era a incapacidade da Fundação Rajneesh de obter um pedaço de terra grande o suficiente para sua cidade projetada, cuja população, segundo ele, chegaria a 100.000 pessoas – a Fundação Rajneesh já havia recebido dinheiro de discípulos em troca de casas prometidas. a cidade futura. Ironicamente, a incapacidade da fundação de garantir a terra deveu-se às rigorosas leis de uso da terra da Índia. O fracasso de Ma Yoga Laxmi, principal assistente de Rajneesh por muitos anos, de garantir a terra, fez com que ele a substituísse pela mais agressiva Sheela Silverman, uma mulher indiana com laços próximos com Rajneesh (seu sobrenome veio de um primeiro casamento. que terminou com a morte do marido). Rajneesh Unidos.
adquiriu
quase
100
Rolls-Royces
quando
fugiu
para
os
Estados
O Los Angeles Times, em uma reportagem investigativa de 30 de agosto de 1981, sugeriu uma terceira razão possível para a decisão inesperada de Rajneesh de desocupar seu ashram. A relação entre o ashram e os habitantes da cidade de Pune – exatamente como a relação entre os Rajneeshees e os habitantes da cidade de Antelope – era cheia de hostilidade. Pouco antes da partida de Rajneesh, o atrito entre os dois lados irrompeu em dois atos de incêndio contra o ashram. Os ataques podem ter sido relacionados a uma disputa entre o ashram e um de seus proprietários. O ashram apresentou acusações contra o proprietário, acusando-o de agredir uma discípula. O locador alegou que os seguidores de Rajneesh o haviam enquadrado porque ele se recusara a ceder direitos de água em disputa sobre sua propriedade a eles. O consulado americano em Bombaim investigou esta história e concluiu que a “armadilha sexual” era uma das “técnicas favoritas” do ashram para conseguir o seu caminho na Índia. “Um indivíduo, geralmente um homem”, afirmava o relatório, “seria atraído para uma situação em que ele se encontrava sozinho com uma mulher do ashram. Após um curto período
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de tempo, a fêmea alegou que ela havia sido molestada. Surpreendentemente, muitas vezes havia câmeras e gravadores presentes. Então, um funcionário do ashram apareceria e se ofereceria para trocar o silêncio por uma acusação sexual por algo que o ashram queria”. A armadilha sexual do ashram de seu proprietário – que também era um editor de jornal popular na cidade – não foi o primeiro incidente desse tipo em Pune, e especulou-se que algumas pessoas da cidade podem ter ficado suficientemente enfurecidas com o último recurso. Os investigadores da polícia e dos seguros suspeitavam, no entanto, que os Rajneeshees poderiam ter deflagrado os incêndios, assim como eles foram suspeitos de terem planejado o bombardeio de um hotel de propriedade de Rajneeshee em Oregon. O culto de Rajneesh usou o sexo não apenas para manipular pessoas de fora O culto de Rajneesh usou o sexo não apenas para manipular pessoas de fora que se opuseram a eles, mas também para atrair seguidores ao seu rebanho e manter os membros sob controle. “Todos os cultos controlam o sexo, de uma forma ou de outra”, explicou a professora Singer. “Ou eles o proíbem completamente ou reforçam a participação nele. De qualquer forma, o que o líder do culto está tentando fazer é evitar a união de pares e impedir que os casais saiam porque eles se amam mais do que amam o grupo. O líder que impõe participação atinge um grau muito maior de subjugação das vontades de seus seguidores, porque ele assume o controle real dessa área mais íntima da vida de uma pessoa”. Dados e depoimentos do culto de Rajneesh tendem a sustentar sua visão. Uma ex-discípula chamada Roselyn, que passou por seis meses de grupos terapêuticos no ashram de Rajneesh na Índia, me disse que a pressão psicológica coercitiva era aplicada no ashram – particularmente nas mulheres – para reforçar a participação em comportamentos sexualmente promíscuos e no notório grupo do ashram. orgias sexuais. “A linguagem no ashram era ‘diga sim’ e ‘diga sim à vida’”, disse ela. “Um cara fez uma abordagem para mim e eu não estava nem um pouco interessado, mas me senti culpada porque não estava ‘dizendo sim à vida’”. Ela me disse que as mulheres que se recusavam a participar de orgias de ashram eram castigadas por grupos líderes por serem “egoístas”, “frígidas” e “rejeitadoras”.
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As tentativas de impor a participação sexual no ashram de Pune nem sempre pararam à pressão psicológica, mas às vezes se estenderam ao uso da violência. Um ex-discípulo alemão chamado Eckart relatou ter testemunhado o estupro de uma sannyasin feminina por dois homens durante um grupo de encontro chamado “samarpan” (“rendição”). Quando ele tentou intervir, ele disse, o líder do grupo o parou, explicando depois: “Ela precisava ser estuprada”. Outro ex-seguidor chamado David relatou um incidente no qual uma mulher fugiu de um grupo de encontro de ashram após ser estuprada e teve que passar meses de aconselhamento fora do ashram, a fim de superar o trauma psicológico resultante. O infame filme Ashram (que moradores de Antelope são vistos em Portland para assistir em Wild, Wild Country) feito pelo ex-discípulo alemão Wolfgang Dobrowolny, mostra uma tentativa de estupro coletivo durante um grupo de encontro com o ashram. Doenças venéreas, particularmente gonorréia e herpes, eram comuns no ashram de Pune. Roselyn me disse que havia “uma tremenda epidemia de gonorréia” enquanto ela estava lá, e contou que um homem infectou cerca de dez discípulas com a doença no curso de um grupo Tantra de uma semana. Como resultado, as autoridades médicas em Rajneeshpuram selecionariam os recém-chegados com muito cuidado para doenças sexuais. Susan Harfouche – uma ex-discípula cujo manuscrito “A Morte de um Sonho: Memórias de um ex-Sannyasin” publicado pela Oregon Magazine – relatou como os nomes dos recém-chegados que haviam sido medicamente aprovados para sexo foram afixados em um quadro de avisos fora do refeitório da comunidade. salão, onde os seguidores se reuniram após o jantar e escolheram seus parceiros para a noite. Mais tarde, os recém-chegados tiveram de usar uma única conta laranja no mala até passarem nos exigentes testes de doenças venéreas da comunidade. Se um homem e uma mulher mostrassem sinais de formar um relacionamento contínuo, as autoridades da comunidade lhes dariam designações em diferentes partes do rancho. Tanto Susan Harfouche quanto Roselyn nos disseram que não testemunharam nenhuma orgia enquanto estivessem em Rajneeshpuram. “Eles são muito mais cuidadosos no rancho”, disse Roselyn. “Eles nos disseram que tinham que ter cuidado com os jornalistas que penetravam nos grupos e que não poderíamos fazer algumas das coisas que fizemos em Pune”. Mas Harfouche e Roselyn notaram que o programa de trabalho
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pesado da comunidade de doze horas por dia, sete dias por semana não deixavam muito tempo ou energia para orgias de longas horas. Ambos também confirmaram que uma política implícita de desencorajar relacionamentos comprometidos estava em vigor em Rajneeshpuram enquanto eles estavam lá. Smith argumentou que as próprias condições de vida extremamente lotadas do rancho funcionavam para desencorajar a intimidade. “Como você pode ter intimidade com alguém quando há outros dois casais no quarto?”, perguntou ela. “É muito mais fácil fazer sexo despersonalizado e nunca mais ver a pessoa”. Harfouche disse que se um homem e uma mulher mostrassem sinais de formar um relacionamento contínuo, as autoridades da comunidade lhes dariam designações em diferentes partes da fazenda ou em diferentes épocas de o dia, a fim de mantê-los separados. “Essa despersonalização do sexo e da frustração dos relacionamentos íntimos é simplesmente projetada para aumentar o sentimento de um relacionamento pessoal com Bhagwan”, me disse Adrian Greek, um conselheiro de culto em Portland, modificando Singer. A melhor descrição do resultado final emocional da sexualidade ao estilo de Rajneesh que encontrei apareceu em um livro de 1981 do discípulo de Rajneesh Ma Satya Bharti, Bêbado no Divino. Bharti descreveu os efeitos posteriores de uma orgia de ashram em uma participante feminina da seguinte forma: “Ela se sentiu perdendo o controle de seu corpo, perdendo o controle de sua mente. Ela estava desaparecendo, desaparecendo no ar. Então havia nada, vazio. De todos os das crianças
aspectos
repreensíveis
do
culto
de
Rajneesh,
o
tratamento
De todos os aspectos repreensíveis do culto de Rajneesh, o tratamento das crianças no rancho tem sido o mais ignorado ou suprimido, provavelmente porque é o mais horrível e doloroso de se contemplar. Tanto quanto sei, mais ninguém escreveu sobre o assunto além de mim. Não desempenha nenhum papel em Wild, Wild Country. Vamos começar com o fato de que Rajneesh não queria que seus seguidores tivessem filhos, um assunto sobre o qual eu escrevi em “Strange Eugenics” de Bhagwan. Rajneesh fez a seguinte declaração ao INS em uma entrevista em Portland em 14 de outubro de 1982: assassinato é considerado pela sociedade, então o nascimento de uma criança deve ser considerado pela comuna. ”Ele não estava brincando. Rajneesh exigiu
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que todas as suas principais autoridades femininas fossem esterilizadas e encorajou seus outros discípulos a fazer o mesmo. Se uma mulher engravidou no ashram de Pune, na Índia, ou em Rajneeshpuram, no Oregon, ela recebeu uma escolha difícil: Concordar em fazer um aborto ou deixar a propriedade imediatamente. Havia zero crianças nascidas no Oregon para os membros do culto de Rajneesh durante o tempo em que a comuna existia. “Bhagwan disse a seus seguidores que uma mulher não poderia se tornar iluminada se ela tivesse um filho”, um ex-discípulo me informou, “porque isso tiraria sua energia vital. Foi preciso muita energia para se tornar esclarecido que, se você tivesse um filho, você não teria energia para seguir esse caminho. ”Na verdade, a razão pela qual Bhagwan não queria que seus seguidores tivessem filhos era a mesma razão pela qual ele não se importava. eles têm relacionamentos estáveis, comprometidos e amorosos: ter um filho pode motivar seus pais a abandonarem a comuna por um estilo de vida adulto mais normal. Como recordei em “Childrilling de Bhagwan”, as cerca de 50 crianças no rancho nasceram antes de seus pais chegarem lá. Rajneesh havia enunciado o princípio de que “as crianças não pertenceriam aos pais, mas à comuna”, e de fato as crianças com mais de cinco anos de idade viviam separadas de seus pais. Houve evidência de negligência dos mais jovens. Dois adultos que moravam lá relataram que viram crianças pequenas correndo ao ar livre durante os meses de inverno sem roupas adequadas. Uma delas disse que viu uma garota de quatro anos completamente nua brincando lá fora no mês de dezembro. O outro descreveu o destino de um menino de cerca de dois anos no rancho: O primeiro acidente que ele teve foi quando ele caiu realmente se feriu gravemente. A próxima coisa que que ele foi atropelado por uma picape. A pobre coisinha, dele não era nada além de sangue e pus e inchados terrível. A única coisa que o salvou foi a lama ser tão lá fora em meio ao maquinário o tempo todo. É uma não tenha sido morto.
de uma escada e consigo lembrar é um lado do rosto e machucados. Foi profunda. Ele estava maravilha que ele
Em suas “Memórias de um ex-sannyasin”, Harfouche descreveu um “bebê de dois anos que eu costumava ver pensando no rancho por si só: olhos grandes perplexos, dedos na boca, sujos, negligenciados”. Roselyn, uma criança Protetora social, por profissão, confirmou para nós que: “As
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crianças são desencorajadas de viver com seus pais. Eles têm uma das menores prioridades de qualquer preocupação. Eles recebem pouca atenção”. Mas ela também nos deu informações perturbadoras sobre o envolvimento sexual de crianças pequenas no rancho. Ela nos disse: “a maioria das meninas de doze, treze e quatorze anos de idade no rancho estava tendo relações sexuais. Era uma coisa comum”. De acordo com um relatório de 1983 do Concerned Christian Growth Ministries da Austrália, um visitante australiano do Rancho Rajneesh em 1982 relatou: “A casa da fazenda foi convertida para a casa das crianças e a sala de aula. As crianças não precisam morar com os pais; eles pertencem à comunidade e o orgulho é expresso na abordagem “moderna” usada em sua criação. Algumas crianças estavam correndo nuas na escola, e não é incomum que meninos e meninas durmam juntos. As crianças são encorajadas a experimentar sexualmente umas com as outras, e um sannyasin disse que as crianças frequentemente observam o envolvimento sexual de seus pais – “em particular, é claro”. Uma menina que morava em Rajneeshpuram de onze a 13 anos disse em uma entrevista que contemporâneas do sexo feminino freqüentemente tiveram relações sexuais com homens mais velhos. Ela alegou que conhecia meninas de até dez anos que tinham relações sexuais com homens adultos. As alegações feitas à Oregon Magazine por moradores de rua que moravam em Rajneeshpuram durante o programa de compartilhamento de casa eram consistentes com as declarações desses residentes da antiga comunidade. Um deles disse que viu crianças de Rajneesh “se sentindo umas sobre as outras, abraçando umas as outras” e acariciando as áreas genitais uma da outra. Ele disse: “Eles vagam livremente, eles podem fazer o que quiserem…. Havia uma garota de 13 anos que estava indo com um cara de 45 anos. Ele disse que fez coisas (sexuais) com ela com os pais dela. Eles chamam isso de ‘amor aberto’.” Outro morador de rua entrevistado após deixar Rajneeshpuram por Bill Driver, da Oregon Magazine, disse que testemunhou um menino e uma menina de três e quatro anos de idade, com os genitais expostos, simulando relações sexuais. Ele disse que a mãe da menina estava presente enquanto isso acontecia, e que ela disse: “Tudo bem, é assim que você se diverte”. Outra pessoa de rua alegou ter visto um homem “molestando sexualmente” uma menina de dez anos de idade. um ônibus lotado em Rajneeshpuram. “Eu não gostei do que vi”, disse ele, “e a mulher com quem eu estava (um Rajneeshee) também não gostou.
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Ela finalmente foi até lá e disse à menina para se sentar conosco. Ninguém mais disse uma palavra. Jim Phillips, um pai que entrou com um processo no condado de San Mateo, Califórnia, em 1983, para impedir que sua ex-esposa levasse seu filho de 9 anos para morar em Rancho Rajneesh, contou-nos a seguinte história. O juiz do caso decidiu inicialmente que a mãe de Rajneeshee poderia levar o menino ao rancho por um período experimental de quatro semanas. Ao final das quatro semanas, o juiz parecia inclinado a estender o limite da permanência do garoto. Depois de uma conferência privada com o menino em seus aposentos, no entanto, o juiz de repente mudou de ideia e decidiu que a criança não poderia visitar “qualquer ashram Rajneesh ou rancho ou qualquer lugar sob o controle da Fundação Rajneesh” por mais de 48 horas um tempo. O juiz disse em sua decisão: “O estilo de vida da mãe na fazenda é totalmente controlado pelo grupo de Rajneesh e é totalmente alheio ao estilo de vida do menor quando está com o pai”. Disse Phillips: “Eu olhei para o rosto do juiz quando ele saiu (de falar com seu filho) e eu sabia que ele finalmente entendeu o que realmente está acontecendo lá naquele rancho – que é uma terra infantil para adultos, e as crianças estão se ferrando.” Wild, Wild Country é muito obscuro com relação à base do conflito entre os Rajneeshees e os moradores do Oregon Central. Os seus oponentes eram um grupo de caipiras brancos, cristãos, preconceituosos, ou motivados por preocupações genuínas sobre o impacto da nova cidade na frágil ecologia de uma comunidade agrícola no alto deserto? O conflito foi, na verdade, basicamente uma disputa pelo uso da terra, na qual os Rajneeshees, desde o início, violaram sistematicamente tanto o espírito quanto a letra das leis de uso da terra do Oregon? Quando os Rajneeshees chegaram pela primeira vez no Big Muddy Ranch (em breve o renomeado Rancho Rajneesh) em julho de 1981, eles declararam sua intenção de operar uma “fazenda simples” e uma “comunidade religiosa” com meros 50 trabalhadores agrícolas. Em um mês, no entanto, eles solicitaram ao Condado de Wasco permissão para localizar 34 trailers na parte do condado de Wasco. As autorizações concedidas permitiam cinco habitantes por reboque, o que levaria a população da fazenda a 170 pessoas. A lei do Oregon exige um mínimo de 150 pessoas para incorporar uma cidade. Três meses depois, em outubro de 1981, re-
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presentantes de Rajneesh solicitaram permissão para uma eleição de incorporação em razão do renomeado Rancho Rajneesh.
a
realização
de
A Comissão de Desenvolvimento de Terras e Conservação do Oregon (LCDC) tinha três principais metas de planejamento relevantes para a ideia de incorporar uma nova cidade em Rancho Rajneesh. O Objetivo 3, o Objetivo das Terras Agrícolas, exigia a preservação de terras agrícolas no estado. O Objetivo 14, Objetivo de Urbanização, determinou que o desenvolvimento urbano no estado ocorra de maneira ordenada e eficiente dentro de um limite aprovado de crescimento urbano. No entanto, para complicar, o Objetivo 2 permitiu exceções ao Objetivo 3 e ao Objetivo 14 nos casos em que poderia ser demonstrado que uma exceção poderia promover a causa geral do desenvolvimento da terra saudável. Rajneesh mudou-se para o centro de Oregon para construir “a primeira cidade de Sannyasin”, que ele pretendia cultivar para uma população de 100.000. Em reuniões com representantes de Rajneesh no outono de 1981, os advogados de 1.000 Amigos do Oregon, um grupo de defesa do uso da terra dos cidadãos, avisaram que teriam que buscar uma exceção sob o Objetivo 2. Os representantes dos 1.000 Amigos previram a probabilidade foi que uma exceção não seria concedida, porque as leis de uso da terra do Oregon já permitiam o tipo de atividades agrícolas e religiosas simples que os Rajneeshees disseram que queriam seguir. Eles poderiam obter autorizações para estruturas relacionadas a fazendas, caso a caso, dos condados de Wasco e Jefferson. Os representantes de Rajneesh responderam que o processo de obter autorizações caso a caso era muito pesado, e as despesas exigidas para viajar entre a fazenda e os tribunais do condado eram muito grandes, para que isso fosse um plano viável para eles. Em vez disso, os Rajneeshees foram em frente e fizeram campanha para pedir permissão ao Tribunal do Condado de Wasco para começar a construir sua cidade. “Constatações de Fato” submetidas à comissão afirmaram que “os usos a serem estabelecidos dentro da cidade proposta são de natureza rural … para atender às necessidades da força de trabalho predominantemente agrícola que reside dentro da área. As utilizações comerciais e industriais limitadas serão de natureza semelhante”. Foi com base nestas constatações que o Comissário Rick Cantrell, também o executivo do condado, e o Comissário Virgil Ellett anularam a oposição
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do terceiro comissário e votaram a favor da incorporação oficial de Rajneeshpuram. Quaisquer que fossem seus pontos de vista sobre a incorporação, Cantrell possuía um incentivo adicional para votar do jeito dos Rajneeshees: Eles compraram todo o seu rebanho de cavalos dele por mais do que valiam no mercado aberto no momento em que ele estava tendo dificuldade em encontrar sua pagamentos em um empréstimo do US National Bank of Oregon. No entanto, eles não lhe pagaram o dinheiro até que a votação confirmasse seus planos para uma cidade. Depois de receberem permissão da Comissão do Condado de Wasco para começar a construir sua cidade supostamente orientada para a agricultura, os Rajneeshees começaram a construir os seguintes tipos de estruturas: várias centenas de casas, vários complexos de apartamentos multiplex, um shopping de dois andares, 21.900 o “complexo de aconselhamento”, uma série de edifícios de escritórios e restaurantes, um grande armazém, um hotel de quatro andares, uma fábrica e uma pista de aterrissagem no aeroporto, capaz de acomodar aviões a jato particulares. Com a permissão concedida para construir uma “estufa simples”, eles ergueram uma sala de reunião pública de 2,2 mil metros quadrados, chamada Mandir. Todas essas estruturas estavam fora dos limites de um limite de crescimento urbano, porque não havia uma nessa área. Santo Sturm und Drang rodeia a história de Rajneesh que as pessoas contando, seja em forma escrita ou em filme, podem esquecer de deixar clara a história real que realmente é. Tanto Sturm und Drang rodeia a história de Rajneesh que as pessoas contando isso, seja em forma escrita ou em filme, podem esquecer de deixar claro o quanto uma história é realmente direta, e os leitores e espectadores podem sentir falta dela. Rajneesh havia dito repetidas vezes quando ele e seus seguidores ainda estavam na Índia que ele queria construir “a primeira cidade de Sannyasin”, indicando que poderia começar com 10.000 moradores e chegar a 100.000, e ele veio para o Oregon com esse objetivo em mente. 1.000 Amigos do Oregon, com o apoio de fazendeiros e fazendeiros locais, buscaram uma estratégia legal para impedir seu projeto, a ponto de eventualmente parecer que a votação original da Comissão do Condado de Wasco dando permissão aos Rajneeshees para incorporar sua cidade poderia ser derrubada, e a cidade literalmente desconstruída. Foi nesse ponto que os Rajneeshees criaram um esquema imaginativo, mas não muito realista, para obter o controle da Comissão do Condado de Wasco, que iria obter uma votação redo sobre o assunto.
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O esquema deles tinha três partes: debilitar dois dos comissários do condado envenenando-os e administrar dois de seus próprios candidatos para ocupar seus assentos; envenenar potenciais eleitores no condado para que eles não pudessem chegar às urnas no dia das eleições; e trazer alguns milhares de moradores de rua de todo o país para registrá-los para votar, porque eles não tinham suficientes eleitores Rajneeshee no rancho para levar o dia. Este esquema desmoronou de forma dramática, por razões que o filme dos irmãos Duplass rastreia muito bem. Um elaborado processo de recenseamento eleitoral criado pela secretária de Estado de Oregon, Norma Paulus, e pelo funcionário do Condado de Wasco impediu que os moradores de rua tentassem se registrar. A maioria deles não estava nem um pouco interessada em se registrar para votar em primeiro lugar. Os moradores de rua, encalhados pelo Rajneeshee em várias estações de ônibus em todo o estado, sem os bilhetes de volta para as cidades de origem que lhes haviam sido prometidos, tinham muito a dizer sobre a atmosfera predominante no rancho. “É uma coisa de paz e amor, certo? Errado! ”Duane Hartman disse ao jornal de Vancouver Columbian. “Todo lugar que você olha, tem alguém checando você”. Outro sem-teto de Nova York chamado Steve Maranwille disse ao mesmo jornal: “Eu odiei. Era como um campo terrorista. ”John Irwin disse ao Richmond Times-Dispatch: “Há sexo desenfreado e eles estão tentando torcer a mente das pessoas nessas sessões de lavagem cerebral durante todo o dia. ”Irwin relatou que foi chutado e espancado em sua tenda. depois de se recusar a se registrar para votar. Repórter Roddy Ray escreveu no Detroit Free Press, “Periodicamente, durante o jantar, uma voz veio pelo alto-falante: “Atenção, amigos. Se você é um cidadão americano e tem mais de dezoito anos, você tem o direito de se registrar para votar”. Alguns dos moradores de rua afirmaram que alimentos, roupas e roupas de cama lhes eram negados caso se recusassem a se registrar. “É um ambiente construído que invoca a maioria dos sentidos”, explicou Warren Barnes, de Berkeley, Califórnia, ao Seattle Times. “A cor predomina. A imagem domina – você vê a foto de Bhagwan o tempo todo. As palavras predominam – Rajneesh, Rajneesh, Rajneesh. ”Barnes disse que decisões pessoais como onde trabalhar, onde comer e onde morar foram levadas para Rajneeshpuram. “É um processo contínuo em que você pode ser um bebê novamente”, disse ele. “E essas coisas subliminares enfraquecem sua vontade de resistir”.
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“Eles dizem paz lá, mas há armas em todos os lugares”, disse Donnie Harman, um morador de rua de Tyler, Texas, ao Seattle Times. “Dizem que não mentem, mas mentiram até eu sair”. O repórter Jay Maeder, do Miami Herald, descreveu Rajneeshpuram como “um reino de alma negra contra nós, cheio de tropas de assalto espirituais radiantes Os padres diários diariamente dizem aos acólitos que o mundo lá fora é uma floresta selvagem cheia de predadores que querem destruí-los. ”Maranville descreveu à The Dalles Weekly Reminder uma reunião na qual os sem-teto, especialmente os veteranos do Vietnã, foram solicitados a “defender comunidade”. “Eles disseram que armariam pessoas se tivessem que fazer isso”, afirmou Maranville. “Essas pessoas são dedicadas e perigosas”, disse Michael Sprouse, de Jacksonville, Flórida, ao Weekly Reminder. “Eles são fanáticos dedicados e estão armados … empolgados até o ponto de atirar em cidadãos americanos ou militares americanos, se o Bhagwan os pedir. Eu sei que as pessoas do Oregon estão preocupadas. Mas eu não acho que eles estejam levando isso tão a sério quanto deveriam. ”No final da história, contada em Wild, Wild Country, o ex-procurador-assistente Robert Weaver – que durante todo o filme parece inclinado a convencer os telespectadores de que as autoridades estavam no topo do problema de Rajneesh desde o início, quando na verdade nem sequer levantaram um dedo para amenizar a situação na região central de Oregon ou ajudaram os residentes locais em dificuldades – descreve a invasão ao estilo militar de Rancho Rajneesh, com várias centenas de guardas nacionais e uma equipe do FBI, ele trabalhava. Se esta operação tivesse sido realmente realizada, poderia ter havido um banho de sangue em Rajneeshpuram que teria feito o posterior fiasco do FBI em Waco parecer a missão de misericórdia que supostamente era. Felizmente para Weaver e todos os outros envolvidos, Bhagwan evitou essa possibilidade com sua tentativa de fuga da América em um dos seus Lear Jets, que quando seu jato parou em Charlotte, na Carolina do Norte, para reabastecer ele foi preso e levado de volta a Portland para julgamento. Praticamente gon
tudo
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que
aconteceu
na
história
dos
Rajneeshees
no
Ore-
Praticamente tudo o que aconteceu na história dos Rajneeshees no Oregon (incluindo a aquisição do Antelope, que era sua cidade reserva) dizia respeito à questão do uso da terra e à questão de saber se sua cidade sobreviveria aos seus desafios legais.
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O envenenamento de cerca de mil clientes de restaurante no brunch de domingo em The Dalles foi uma questão de fundo para determinar o quão eficaz seria se usado para manter os eleitores das pesquisas. No final, esse enredo diabólico também não se concretizou. Mas fornece um ponto conveniente para retornar ao assunto do mal e medir o grau exato de perigo representado por esse culto. Por acaso, eu estava em Washington, D.C. não muito tempo depois dos envenenamentos em The Dalles, e fui ao escritório do congressista Jim Weaver no final da tarde para dizer olá. Ele me chamou em seu escritório pessoal, misturou alguns martinis de gim frios, sentou-se e começou a explicar por que a única fonte possível do envenenamento por salmonela em The Dalles era Rajneeshpuram. Jim veio de uma formação agrícola em Iowa (seu avô, James O. Weaver, foi o candidato do Partido Populista para presidente em 1892), e ele tinha um conhecimento detalhado de salmonela (que é encontrada em ovos e aves crus). Ele insistiu que não havia absolutamente nenhuma outra explicação para a presença de salmonelas nas barras de salada de uma dúzia de restaurantes diferentes na mesma manhã. E, claro, ele acabou por estar certo. Os Centros de Controle de Doenças culparam os manipuladores de alimentos nos restaurantes. Jim foi ao plenário do Congresso dos EUA e fez um discurso chamado “A cidade que foi envenenada”, tendo como objetivo final (depois de escorregar a base científica de sua interpretação) no Rajneeshees, embora não mencionando-os pelo nome. Para este ato de serviço público, ele foi ridicularizado pela página editorial do Oregonian, que apoiou os Rajneeshees e seu líder até o amargo fim. Jim e eu havíamos sido sujeitos a fortes críticas dos liberais de Portland, que viam Rajneesh como vítima do preconceito racial e do fanatismo religioso dos caipiras do interior do Oregon Central. Como éramos dois dos principais liberais do estado, a crítica de nós era especialmente pessoal. Na Convenção Democrata em São Francisco, em 1984, o presidente da delegação do Oregon saiu da sala quando me ouviu falando sobre Rajneesh (ele deveria ter escutado com mais cuidado: eu estava coletando detalhes de um homem que conheci que morava em São Francisco e alegou que ele tinha participado de uma orgia de despedida de solteiro com acompanhantes de Rajneesh). Quando a ACLU saiu em apoio a Bhagwan Shree Rajneesh por motivos da Primeira Emenda, eu me ofereci para dirigir-me a sua diretoria e delinear para eles
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o que eu achava que estava acontecendo na região central de Oregon. Eles rejeitaram minha oferta – eles simplesmente não queriam ouvir outro outro lado da história. Os conservadores freqüentemente criticam os liberais por se recusarem a reconhecer o mal quando se apresentam claramente, e não estão completamente errados nessa avaliação. Certa vez ouvi que a chefe da Corporação Médica de Rajneesh, Ma Anand Puja, estava vindo a Portland para dar uma palestra sobre o programa médico da comunidade e fui ouvi-la. Ela projetou, por falta de uma maneira melhor de colocá-lo, uma aura muito escura e ameaçadora. Depois que Sheela deixou o rancho e as autoridades ganharam um mandado de busca no Rancho Rajneesh completamente, descobriu-se que a Corporação Médica Rajneesh na verdade abrigava um laboratório de guerra biológica, que Puja supervisionava. Naturalmente, ela havia fornecido a salmonela que os Rajneeshees haviam colocado nas saladas dos Dalles, mas também encomendara e armazenara muitos outros patógenos: Salmonella typhi, que causa a febre tifoide, muitas vezes fatal; Salmonella paratyhphi, que causa uma doença semelhante e menos grave; Francisella tularensis, que causa uma doença debilitante e às vezes fatal (foi armada por cientistas do Exército dos EUA na década de 1950 e está na lista do Pentágono de agentes que podem ser usados em um ataque de guerra biológica contra a nação); e Shigella dysenteriae, uma quantidade muito pequena que pode causar disenteria grave, resultando em morte em 10 a 20 por cento dos casos. Alegadamente, Puja inicialmente queria usar salmonella typhi para envenenar os eleitores de Wasco County, mas decidiu contra isso quando lhe foi explicado que isso poderia causar uma epidemia de febre tifoide que poderia ser facilmente atribuída ao rancho. Dentro do mesmo prédio, agentes da lei também descobriram os seguintes livros e outros materiais escritos: Substâncias Mortais, Manual para Envenenar, O Crime Perfeito e Como Cometê-lo, bem como numerosos artigos sobre assassinatos, explosivos e terrorismo. Havia também um artigo intitulado “investigação de veneno” com seções sobre sintomas destacados, e uma sacola plástica transparente com artigos sobre doenças infecciosas, produtos químicos e guerra química e biológica. Mas isso não é tudo. Também foi descoberto um projeto de pesquisa altamente secreto chamado Moses Five, cujo objetivo era cultivar um vírus vivo da AIDS. Rajneesh havia previsto que dois terços da população
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mundial morreria de AIDS, e a primeira pergunta era: se Puja poderia ter produzido tal vírus, talvez Rajneesh pudesse tê-lo usado para fazer sua previsão se tornar realidade? Em seu livro Aum Shinrikyo Destruindo o Mundo para Salvá-lo, Robert Jay Lifton introduziu o conceito de “profeta de ação” para descrever um líder de seita que “buscava agressivamente o que ele previsse”. “O que fez de Asahara um profeta de ação”, Explicou ele, “era a inseparabilidade da profecia e da ação, do que ele imaginava e do que ele fazia”. Se Puja tivesse conseguido cultivar um vírus vivo da AIDS, Rajneesh teria ordenado o uso? Se parece que Judith Miller, em seu livro de 2001, Germes: Armas Biológicas e Guerra Secreta da América, chegou mais ou menos à mesma conclusão que eu fiz a respeito de Puja – que ela quase certamente o teria implantado. Mas e quanto a Rajneesh? Ele teria terminado como um profeta de ação se a comuna não tivesse sido desvendada? Eu tive uma conversa com o congressista Weaver sobre este assunto. Mesmo lugar, mesmo escritório, mesma hora do dia, as mesmas libações. Jim disse em seu discurso sobre os envenenamentos por salmonela que “as pessoas que fariam isso não parariam em nada”:Moisés cinco – ele meditou – Moisés … Cinco. O que você acha que se refere? Moisés – Cinco – Eu acho que se refere ao Quinto Mandamento, “Não matarás”. Eu acho que esse foi o modo deles de indicar que eles planejaram violar esse commandment, para matar um monte de pessoas com esse vírus, se eles poderiam ter produzido. Não há dúvida em minha mente, dada a sua história e trajetória, que se eles tivessem sido capazes de desenvolver esse vírus, eles o teriam desencadeado no mundo”.
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Em 23 de outubro de 1985, um júri federal indiciou Osho e vários outros discípulos de conspiração para fugir das leis de imigração. Em 28 de outubro de 1985, Osho e um pequeno número de sannyasins a acompanhá-lo foram presos a bordo de um Learjet alugado em uma pista de pouso na Carolina do Norte; de acordo com autoridades federais, o grupo estava a caminho de Bermuda para evitar processos. Cerca de 58 mil dólares em dinheiro, além de 35 relógios e pulseiras de 1 milhão de dólares foram encontrados na aeronave.
Depois de inicialmente suplicar inocência de todas as acusações e ser libertado sob pagamento de fiança Osho, a conselho de seus advogados, entrou em um tipo de confissão por meio do qual um suspeito não admite a culpa diretamente, mas admite que há provas suficientes para condená-lo. A acusação era ter uma intenção oculta de ficar permanentemente nos Estados Unidos no momento de sua solicitação original de visto em 1981 e uma acusação de ter conspirado para que seus seguidores entrassem em casamentos fictícios para adquirir o green card. Sob o acordo de seus advogados fizeram com o Ministério da US foi-lhe dada uma pena suspensa de 10 anos, com liberdade condicional de cinco anos e uma multa de 400 mil dólares, além de concordar em deixar os Estados Unidos e não retornar por pelo menos cinco anos sem a permissão do Procurador-Geral dos Estados Unidos.
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O FIM
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Deixando o país no mesmo dia, Osho voou para a Índia, onde permaneceu em repouso nos Himalaias. Uma semana mais tarde, a comuna do Oregon resolveu dispersar-se. Nessa época, Osho enfrentou dificuldades para poder fixar-se num lugar pois, onde quer que tentasse estabelecer-se, tinha sua permanência negada pelas autoridades, por o que seus seguidores acreditam ser uma clara influência do governo norte-americano. Ao todo, 21 países o expulsaram ou negaram o visto de entrada. Os seus discípulos garantem que, depois de expulso dos Estados Unidos, Osho não conseguiu qualquer visto para permanência nos países que visitou após o incidente, devido a pressões norte-americanas. Alegam que nenhuma das acusações feitas tem consistência objetiva - fruto apenas do temor e ódio das instituições representadas pelo governo norte-americano, referem os seus discípulos. Representando sempre uma ameaça às tradições religiosas e políticas, foi impedido de entrar em vários países. Foi expulso da Grécia. Foi impedido preventivamente pelo parlamento Alemão de entrar nesse país mesmo sem nunca ter pedido visto de entrada e nem demonstrado interesse nisso. Somente conseguiu aterrisar seu avião na Inglaterra porque seu piloto alegou ter um doente a bordo. Em julho de 1986, Osho voltou a Bombaim, na Índia, onde ficou hospedado por seis meses na casa de um amigo indiano. Na privacidade da casa de seu anfitrião, ele retornou aos seus discursos diários. Em janeiro de 1987, mudou-se para o seu ashram em Poona, onde vivera a maior parte dos anos 1970. Imediatamente após sua chegada, o chefe de polícia de Poona ordenou-lhe que deixasse a cidade, sob a alegação de que era uma “pessoa controversa” que poderia “perturbar a tranquilidade da cidade”. Tal ordem foi revogada no mesmo dia pela Suprema Corte de Bombaim. Osho faleceu em 19 de janeiro de 1990. Algumas semanas antes dessa data, foi-lhe perguntado o que aconteceria com seu trabalho quando ele partisse. Ele disse: “Minha confiança na existência é absoluta. Se houver alguma verdade naquilo que estou dizendo, isso irá sobreviver... As pessoas que permanecerem interessadas em meu trabalho irão simplesmente carregar a tocha, mas sem impor nada a ninguém...
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Para dade ras tenha têm tras.
os seus discípulos, seus ensinamentos levam à realização da liberpessoal, através da percepção individual das amarras aprisionadodas tradições e das autoridades estabelecidas. Embora Osho nunca escrito nenhum livro, 650 títulos em 57 idiomas foram criados e sido publicados a partir de transcrições de seus discursos e pales-
Os livros baseados em suas palavras até hoje fazem muito sucesso em muitos países, inclusive no Brasil, país que possui um ativo grupo de discípulos e de simpatizantes, espalhados em muitos dos grandes centros e em algumas comunidades mais afastadas. Alguns dos discípulos exercem algum tipo de atividade terapêutica alternativa e divulgam suas principais meditações, como a chamada Osho Meditação Dinâmica e a Osho Meditação Kundalini, que são marcas registradas, protegidas por direitos autorais. Alguns leigos dizem tratar-se de um exercício aeróbico que promove embriaguez por hiperventilação. Pessoas que já tiveram experiência pessoal nessas técnicas, no entanto, afirmam que a hiperventilação, a catarse consciente e os movimentos intensos e danças lúdicas presentes nas mesmas não causam nenhuma embriaguez, mas somente oxigênio em maior quantidade e liberação emocional consciente que traziam disposição física para cuidar das atividades da vida.
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Trabalho realizado por Lucas de Melo Moreira, curso de jornalismo ministrado pela professora Vanessa Mezzadri Brudzinski, disciplina de Projeto Grรกfico realizado no UniBrasil Centro Universitรกrio.
Fontes: https://segredosdomundo.r7.com/osho/ https://www.bbc.com/portuguese/geral-44219388 https://www.bbc.com/portuguese/geral-44364901 https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/10/cultura/1525978848_689205. html https://www.vice.com/pt_br/article/kzx3p9/quem-foi-ma-anand-sheelawild-wild-country https://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/advogado-defendecomunidade-de-osho-sheela-era-uma-criminosa-22762317
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